artigo gilberto yunes
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Ilha de Santa Catarina, Florianópolis. Museu de paisagensculturais, lugares e percursos.
Gilberto Sarkis Yunes
Doutor, FAU/USP, 1995. Professor adjunto e pesquisador da Universidade Federal de Santa
Catarina - UFSC. Departamento de Arquitetura. Programa de Mestrado em Urbanismo,
História e Arquitetura da Cidade PGAU-Cidade. Endereço: Campus Universitário -Trindade
Florianópolis. Caixa Postal 476 – CEP 88040900
E-mail: [email protected] [email protected] .
Resumo
Entender e viver a paisagem de um lugar é incluir-se no processo cultural de sua
formação. A idéia de identidade e de patrimônio passa a ser elemento de conexão entre o
indivíduo e os produtos gerados por suas ações sobre o ambiente e a natureza. O
conceito de museu difuso será utilizado para instrumentalizar a análise e consagração de
Florianópolis, na ilha de Santa Catarina, como uma paisagem cultural museográfica. Com
natureza exuberante e diversificada possui 70% do território natural preservado. Os
sistemas de defesa e colonização estabeleceram fortalezas e freguesias. A tradição da
pesca e da agricultura gerou paisagens de povoações de pescadores e de engenhos de
farinha e cachaça. Conectados por caminhos, estes assentamentos definiram trilhas emirantes espalhados pela ilha como pontos de pescaria e observação, hoje reconhecidos
e utilizados para práticas de lazer e esportes. Recentemente, nas áreas de borda d’água,
o cultivo de ostras e mariscos acrescentou novo panorama à produção regional. As
intervenções de modernização a partir de meados do século XX, introduziram o ideário
modernista, principalmente no distrito sede. Os exemplares do modernismo representam
atualmente um acervo importante na imagem da cidade. O artigo pretende que a Ilha
possa ser vista como um território único onde a expografia das paisagens naturais e
culturais, identificadas e preservadas, se relacionem de maneira indissociável através dagestão museal.
Abstract
Understand and live the landscape of a place is included in the process of cultural
formation. The idea of identity and heritage becomes an element of connection between
the individual and the products generated by their actions on the environment and nature.
The concept of diffuse museum will be used to equip the analysis and recognition of
Florianopolis in Santa Catarina island, as a cultural landscape museographic. With lush
vegetation and diverse with 70% of preserved natural territory. Defense systems and
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colonization have established strongholds and villages. The tradition of fishing and
agriculture generated landscapes of villages of fishermen and flour mills and rum.
Connected by roads, settlements of defined trails and lookouts around the island as a
fishing and observation points, now recognized and used to practice sports and leisure.
Recently, in the border areas of water, the cultivation of oysters and clams added new
perspective to regional production. The interventions of modernization since the mid
twentieth century, introduced the modernist ideology, especially in the district
headquarters. Copies of modernism represent today an important collection in the city's
image. The article claims that the island can be seen as one territory where expography of
natural and cultural landscapes, identified and preserved, to interact in an inseparable
through the museum management.
Para discorrer sobre cultura, identidade e patrimônio, numa associação à arquitetura
de museus e à museografia, toma-se a liberdade de adotar reflexões que se utilizam dos
conceitos de Paisagem Cultural e Museu Difuso. Com este instrumento pretende-se
validar a argumentação de que lugares e territórios dotados destes três elementos
citados inicialmente são objetos referenciais e passíveis de ações de pesquisa,
preservação e comunicação, cuja gestão deve visualizar a micro e macro escala.
Neste caso, como identificação de lugares-museu, considera-se o princípio do
reconhecimento de um acervo existente “in loco”, produto da qualidade da relação do
homem com o ambiente natural. A manutenção deste contexto original e sua utilização
como documento para informações e explorações cotidianas, justifica sua viabilização
como ponte entre o passado e o futuro. De acordo com Pietro Amato (2004,21) “más que
um lugar, um museo es um concepto principalmente histórico y cultural, caracterizado por
la presencia de objetos que contienen las raíces del futuro”.
Neste artigo busca-se evidenciar que as relações entre a paisagem, a cultura e os
produtos materiais e imateriais gerados pelo trabalho do homem sobre a natureza
estabelecem a Ilha de Santa Catarina como um lugar com um acervo especial eexemplar. Para tanto, entende-se a ilha como um território múltiplo, polinucleado, com
superposições de tempos históricos e culturas diversificadas. Um mosaico de culturas e
atividades econômicas, com uma complexa transversalidade funcional, muitas vezes
conflitantes.
Este tema encontra-se em desenvolvimento na pesquisa “Identificação e estratégias de
preservação das paisagens culturais da ilha de Santa Catarina, Florianópolis” que tem
como objetivo a criação de cartografias sociais que possam revelar paisagens e mapear
pontos de memória de interesse cidadão. Partimos do conceito de que as paisagens em
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geral são categorias espaciais que nos auxiliam no estudo e compreensão de um
determinado território.
Paisagem Cultural e Museu Difuso
Trata-se de uma retomada de conceitos dos anos 1970.
Estabelecido pela UNESCO e tomado como referência internacionalmente no âmbito do
Patrimônio da Humanidade, o conceito introduz a categoria paisagem cultural, como
forma e necessidade de recuperar a relação com a natureza de modo equilibrado e
dinâmico, recuperando as características naturais de cada território. Na realidade este
foco é consequência de uma revisão da Convenção para a Proteção do Patrimônio
Cultural e Natural adotada em 1972, denominada Operational Guidelines of the
Convention, apresentada em 1992 que, além da categoria “Paisagem Cultural” introduz
ainda duas outras: canais/corredores históricos e sítios fósseis.
A definição de paisagem cultural tem seu fundamento na Constituição
Brasileira de 1980, que estabelece que o patrimônio cultural é formado por
bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. São as formas de
expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e
tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaçosdestinados às manifestações artístico culturais, os conjuntos urbanos e sítios
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.
Assim, conforme a Carta de Bagé, de 2007, a paisagem cultural é o meio
natural ao qual o ser humano imprimiu as marcas de suas ações e formas de
expressão, resultando em uma soma de todas os testemunhos resultantes da
interação do homem com a natureza e, reciprocamente, da natureza com
homem, passíveis de leituras espaciais e temporais. Trata-se da tutela de um
certificado de qualidade emitido por um órgão de patrimônio cultural, que
poderá ser cancelado caso não se cumpram os objetivos expostos no plano de
gestão.
Em seu Artigo 8 apresenta como requisito “garantir assistência a usuários da
paisagem como turistas e visitantes, bem como a assegurar às populações
que nela existam de forma equilibrada, condições de sustentabilidade,
oferecendo alternativas econômicas para novas ou tradicionais formas de
utilização dos recursos econômicos e dos modos de produção”.
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Com a introdução da modalidade Paisagem Cultural nos processos de preservação do
patrimônio percebe-se que esta nova categorização agrega uma série de aspectos já
consagrados por conceitos passíveis de interpretação museológica.
Considerado como uma das metas mais importantes para a realização das propostas,
tanto a UNESCO como o IPHAN, estabelecem como instrumento a definição de um
Plano de Gestão. Este deve garantir a continuidade da paisagem, com a implantação de
um sistema de monitoração do estado de conservação e de valorização sustentável.
Se a consagração de um lugar em paisagem cultural necessita a elaboração de um
plano de gestão, não seria o caso de incluir nele também as especificidades de um
projeto museográfico para que sua capacidade de uso seja plena?
Já museu difuso, ecomuseu e museu ao ar livre são denominações que se confundem
e diferenciam em parte, porém se aproximam no sentido singular de possuir um sistema
de gestão que utiliza os habitantes em conexão com os visitantes. A idéia de museu
difuso ou ecomuseu é formulada na década de 1970, na França, assim denominado por
Hugues de Varine-Bohan. Acrescenta ao museu tradicional a experiência do espaço e do
tempo, ou seja, as variações de diversos lugares num mesmo tempo e de um mesmo
lugar em diversos tempos.
Na concepção do museu clássico ou tradicional a museologia se dá considerando o
edifício, a coleção e o público. Já no museu difuso ou ecomuseu, acontece
considerando o território, o patrimônio e a comunidade. Este incorpora o homem para que
se desenvolva em seu meio, de forma sustentável, a partir de suas relações com a
realidade cotidiana. Aqui, acontece a aproximação com os objetivos da paisagem
cultural, já que esta para além das relações almeja como resultado a manutenção de
produtos de qualidade.
O museu difuso é uma ação coletiva em que o conhecimento do especialista é
confrontado continuamente com a percepção dos moradores e visitantes. Considera que
o patrimônio cultural territorial documenta aspectos da identidade local, sem anecessidade de concentrar objetos em espaços contenedores. Ao contrário, baseia-se na
idéia de que lugares e monumentos, em seus ambientes originais, possuem a
capacidade de melhor contar a sua própria história. Assim, o museu difuso mostra ao
usuário onde e como os processos históricos se materializaram em vestígios que incidem
na paisagem, ou seja, geram produtos reconhecidos pela de qualidade documental.
Por conseqüência, o espaço museográfico é considerado como espaço de comunicação,
onde a informação incorpora-se à exposição e uso do lugar musealizado.
Entendendo-se que a expografía tem a meta de relacionar a obra com o espaço, quandoconsiderada no âmbito do museu difuso o contexto do lugar considerado como tal, passa
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a adquirir valor de produto cultural ou documento. Os usos, as experiências e as
informações geradas por estes acervos nos espaços permitem que o conjunto de ações
defina a identidade do lugar e reforce sua permanencia como paisagem cultural.
Assim, esta interpretação museográfica da Ilha de Santa Catarina, pretende situar os
usuários locais e visitantes no contexto em que encontra-se documentado o processo
histórico, os valores culturais, os aspectos artísticos e naturais. Como um percurso
museal, diversas são as opções de ordenação das informações e várias são as opções
de fruição: percurso geográfico, percurso temático, itinerário cronológico. E como o
percurso museal oferece aos próprios visitantes momentos e fases de informação e
aprofundamento, assim a articulação do museu difuso com as paisagens culturais
forma uma rede material e imaterial que cobre pontos panorâmicos, vias, aglomerações
urbanas, agrícolas e de pesca, praias, restingas, mangues e costões rochosos que criam
percursos no interior da própria obra, como salas de exposição.
A ilha de Santa Catarina
A questão das paisagens culturais apresenta-se como uma legitimação especial dos
trabalhos que, no decorrer das últimas décadas, vem sendo tema de estudo e
regulamentação no ambiente acadêmico e de gestão municipal da cidade de
Florianópolis. Tem-se abordado a paisagem como expressão cultural que abriga e
representa o cenário das atividades humanas locais, associando seus diferentes temposde configuração. Especialmente, este texto registra algumas argumentações e revelações
surgidas na pesquisa “Identificação e estratégias de preservação das paisagens culturais
da ilha de Santa Catarina”, em andamento junto ao Departamento de Arquitetura da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis compreende uma porção de terra insular, a ilha de Santa Catarina com
cerca de 438,9 km². Nesta situa-se o centro da cidade de Florianópolis e parte do distrito
sede do município. No lado continental estão os bairros de Coqueiros e Estreito.
Os litorais de ambas as baías são recortados por diversas praias, restingas, mangues e
costões rochosos. No litoral leste, com frente para o Oceano Atlântico, predominam as
dunas principalmente nas partes direcionadas para o sul. Estas características permitem
enquadrar a ilha de Santa Catarina na classificação de ilha continental, pois se configura
como uma extensão dos grandes traços geológicos continentais.
Neste espaço definido pela ilha e os bairros do continente habitam cerca de 400.000
pessoas. Durante os meses de verão, de dezembro à março, esta população pode ser
acrescida de cerca de 500.000 moradores temporários.
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A resultante espacial urbana demonstra que as condições geográficas da ilha
provocaram uma ocupação dispersa por todo território, consequente da formação de uma
cidade colonial polinucleada. (Figura 1)
Figura 1 – A ilha de Santa Catarina, Florianópolise sua área metropolitana. Fonte Google, 2010.
A ilha apresenta em seu contexto histórico um rico processo produtivo relacionado às
atividades primárias. A relação com a natureza sempre esteve presente de forma
predominante em sua paisagem quando equiparada à ocupação e exploração humana.
Em sua permanência, a área de natureza preservada representa hoje cerca de 70% do
território da ilha. Conforme os Planos Diretores vigentes, a cidade deve manter uma
proporção equilibrada entre as áreas urbanas e de expansão e as áreas de preservação
permanente as de uso limitado. Nos últimos 40 anos as atividades de subsistência, os
investimentos imobiliários e o turismo, tem provocado uma alteração perceptível em suas
configurações e paisagens. Pode ser vista como um assentamento humano onde a
presença da água mantém fundamental relação em sua existência e identidade. Com
uma natureza exuberante e diversa apresenta costões rochosos, promontórios, mangues
e dunas, que formam variadas baías, enseadas e lagunas. Juntamente com a presença
de morros, lagoas, rios e dunas que delimitam e particularizam sua paisagem, esses
elementos acabaram por definir sua identidade antrópica.
Hoje a ilha privilegia seus moradores e visitantes com uma paisagem urbana bucólica,
restaurada e incentivada para fins econômicos e turísticos, cuja representação peculiar
são os povoados com características “açorianas” , ou luso-brasileiras, que a apresentam
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em contraposição ao processo de densificação e ocupação verticalizada da área central e
da avenida Beira-mar Norte.(Figura 2)
Figura 2 - Vista do trecho de ingresso à Avenida Beira-mar Norte onde conjunto de edifícios define
a paisagem estabelecida pela legislação vigente. Foto: Gilberto Yunes, 2007.
O acervo de paisagens culturais, lugares e percursos.
Para verificar os diversos acervos e paisagens que formam o território da ilha, torna-se
necessário identificar espaços ou lugares que determinaram o seu processo de
configuração espacial, considerado neste momento como passível de interpretação
museal.
Fortalezas e freguesiasA importância da localização da ilha foi fator determinante para a sua ocupação pelos
europeus no século XVI. A situação estratégica da Vila de Nossa Senhora do Desterro,
entre o Rio de Janeiro e a Colônia do Sacramento, na bacia do Rio da Prata, fez com que
a Coroa Portuguesa estabelece em seu território insular diversos pontos de fortificações e
núcleos coloniais. Esta ação tinha por objetivo garantir sua posse e domínio do litoral sul.
A vila, passa a ser sede da capitania de Santa Catarina em 1738, quando seu primeiro
governador projeta o conjunto de fortificações que iriam fazer parte do complexo
defensivo formado pela Ilha de Santa Catarina e as outras ilhas existentes em suaproximidade nas duas baías. Assim, são fundadas as fortalezas de Santa Cruz de
Anhatomirim, de 1738, São José da Ponta Grossa, de 1740, Santo Antônio , em Ratones,
de 1740 e a de Nossa Senhora da Conceição em Araçatuba, de 1742.
As fortificações contribuíram para o desenvolvimento dos núcleos existentes pelo fato
de que grande da sua população era formada pelos regimentos militares. Elas também
foram as articuladoras das redes iniciais de comunicação, abrindo e definindo percursos
e caminhos que acabaram por consagrar novas ocupações.
Entre as principais áreas possuímos as fortificações estabelecidas nas ilhas vizinhas e
porções estratégicas da ilha de Santa Catarina, e as áreas de prospecção arqueológica.
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As paisagens definidas pelos contextos das ilhas de Ratones e Anhatomirim, e da Ponta
Grossa, com suas respectivas fortalezas, encontram-se hoje parcialmente protegidas já
que englobam o tombamento das construções remanescentes como patrimônio nacional.
O conjunto das fortalezas da Ilha de Santa Catarina encontra-se hoje sob a administração
da Universidade Federal de Santa Catarina. (Figura 3).
Figura 3 – Fortaleza de Anhatomirim. Fonte: Site Fortalezas Multimídia, UFSC
Entre 1748 e 1756 ocorre a imigração de cerca de 6.000 açorianos para a povoação tanto
da ilha como para sua área continental de fronteira. Essa nova população, regulamentada
pela Provisão Real de 1747, desenvolve suas comunidades através do estabelecimento
de diversas freguesias em diferentes regiões, tais como: Ribeirão da Ilha, Santo Antonio
de Lisboa, Santíssima Trindade, Lagoa da Conceição, São João do Rio Vermelho,
Canasvieiras. (Figura 4).
Assim como as fortalezas, este conjunto de freguesias definiu uma importante rede de
comunicação definida pelas próprias sedes e seus caminhos de interligação e
entroncamentos. Desta maneira, a rede buscava criar caminhos que circundassem a
ilha, tendo como nó central o distrito sede, a Vila do Desterro.
Já os contatos com a parte continental eram feitos a partir da península pelo canal do
estreito, utilizando balsas e posteriormente ferry-boats. Cabe destacar que nesta região
situou-se o porto da capital que permanece com papel preponderante no
desenvolvimento urbano desta região da Ilha, até as primeiras décadas do século XX.
Algumas freguesias da ilha mantinham seus contatos diretos com o continente através
de suas vizinhas mais próximas, como ocorreu em Ribeirão da Ilha com a Enseada do
Brito e como em Santo Antonio de Lisboa e Canasvieiras com São Miguel.
A Vila do Desterro se dividia no distrito centro, sede da vida política e comercial, e em
diversos distritos distribuídos por toda costa. Formava comunidades agrícolas e núcleos
de pescadores comunicados com o centro por caminhos internos e também por viamarítima. Estes núcleos configurados pelos imigrantes constituem um foco importante da
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cultura açoriana no Brasil, com suas músicas, artesanatos e culinária que se mantém
até hoje.
Figura 4 – Freguesia do Ribeirão da Ilha. Foto: Gilberto Yunes, 2008.
Lugares de sítios arqueológicos e sambaquis.
Os sítios arqueológicos e se destinam à conservação dos espaços pré-históricos e
históricos, com seus bens móveis e imóveis, materiais deixados pela ocupação humana
como fósseis, utensílios e inscrições rupestres e testemunhos da evolução da vida no
planeta. Encontram-se no Costão do Santinho e na Ilha do Campeche.
Lugares de produção agrícola e da pesca.
A tradição da pesca e da agricultura se mantiveram intactas até meados do século XX.
Esta produção profundamente enraizada no território e nos hábitos do ilhéu geram
paisagens culturais ricas e particulares definidas por trilhas e pontos de pescaria,
mirantes para observação da tainha, comunidades de pescadores.
Do ponto de vista da agricultura, os engenhos de farinha e cachaça. Mais recentemente,
nas áreas de borda d’água o cultivo de ostras e mariscos acrescentaram e intensificaram
um novo panorama produtivo regional. Por outro lado, as ilhas e espaços remanescentes
das antigas fortalezas, com suas implantações estratégicas, definem um documento
material e ambiental para o seu complexo sistema de ocupação.
Como originárias do processo gerado pela exploração da agricultura temos as paisagens
definidas pelos espaços ainda remanescentes dos engenhos de farinha de mandioca
em regiões do Sertão do Peri, de Santo Antonio de Lisboa, dos Ingleses do Rio Vermelho
e de Ratones. Ainda permanece uma área remanescente de um engenho de cachaça
no sertão do Peri. Estes conjuntos de engenhos estão dispersos atualmente em setores
articuladores de possíveis roteiros de desenvolvimento econômico e turístico, tendo em
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vista que devido ao seu forte processo de abandono das atividades, necessitam apoio
para a manutenção da exploração da mandioca como forma de produção sustentável.
As comunidades formadas pelas antigas freguesias, nas quais as atividades da pesca
eram predominantes como fonte de renda, definem também setores territoriais precisos e
de importância estratégica para a paisagem da faixa litorânea da ilha. Assim, os pontos
de pescaria e as comunidades de pescadores da Barra da Lagoa, do Pântano do Sul, da
Armação e do Canto da Lagoa formam um outro aspecto tradicional das paisagens
antrópicas locais, neste caso vinculadas diretamente à água.
A pesca da tainha e o ritual que envolve todo o período de liberação oficial desta
atividade, com seus festejados “lances”, tornam-se momentos sociais de forte apelo
comunitário para as diferentes regiões e que definem os próprios ciclos de vida locais.
(figuras 5 e 6).
Figura 5 - Praia da Armação. Foto: César Floriano, 2008.
Figura 6 – Costa da Lagoa. Foto César Floriano, 2008.
Mais recentemente, porém já configurando um cenário de destaque na atividade
produtiva local, o cultivo de ostras e mariscos nas costas do Ribeirão da Ilha, de Santo
Antônio de Lisboa e de Sambaqui, demonstra a introdução de novas formas de
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relacionamento e exploração da natureza e do ambiente proporcionando a viabilização
dos sistemas produtivos e econômicos locais, gerando novas paisagens em setores
tradicionais das antigas freguesias, hoje comunidades com tendências também turísticas.
(Figura 7).
Figura 7 – Cultivo de ostras na costa do Ribeirão da Ilha.Foto Cid Macedo, 2009.
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Itinerário / Lugares de percurso e contemplação: mirantes e trilhas.
Nos pontos mais elevados da ilha, encontram-se os mirantes de observação da pesca,quando junto à costa e aos núcleos urbanos. Temos também os referência topográfica,auxiliam a localização nos percursos como marco visual. Ambos configuram umimportante conjunto de pontos de visualização da ilha, a partir de seus promontórios.
Conforme Andrade (2009,44) os mirantes da ilha de Santa Catarina representamexpressivos pontos referenciais na paisagem da cidade, revelando-se como patrimôniosocial e cultural. Estabelece quatro eixos visuais definidos por dez mirantes principais dailha: o transversal, o leste, o oeste e o secundário. (Figura 8)
Figura 8 - Mirantes e Eixos na Ilha de Santa Catarina .Foto google com intervenção gráfica de Evandro Andrade
Os elementos principais formadores destes eixos são os mirantes de Pontas das Canas/Ingleses, do Morro das Aranhas, do Morro da Lagoa, do Parque da Luz, do Morro da
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Cruz, do Morro da Carvoeira, do Morro da Gamboa, do Morro do Lampião, do Morro das
Pedras e o Morro do Ribeirão da Ilha. Assim, fica evidenciado que a relação entre os
mirantes e os eixos visuais servem para organizar espacialmente suas referências de
alcance visual. O território da ilha está definido de cerca de 100 mirantes naturais e
pontos de observação que configuram a territorialização de um hábito de contemplação e
vigia. (Figura 9). Alguns destes mirantes são pontos de conexão ou de finalização de
outro componente importante para a formação das paisagens culturais da ilha, as trilhas
e caminhos.
Figura 9 - Mirante natural no Sertão do Peri. Foto: Cesar Floriano.
Já citadas anteriormente como componentes da rede inicial de comunicação das
fortalezas e freguesias, muitas destas trilhas e caminhos são ainda hoje utilizadas,
permanecendo como importante percurso para os acessos a áreas de difícil topografia.
Pode-se considerar a existência de mais de 40 caminhos e trilhas reconhecidos
oficialmente e que tem seu uso cotidiano institucionalizado pelas comunidades locais ou
mesmo para a prática de esportes e lazer em atividades temporárias. (Figura 10).
Todo este complexo permite o resgate de acessos e percursos não convencionais ao
diversos espaços da ilha, mantendo a tradição dos deslocamentos de pedestres e
permitindo vislumbrar paisagens e contextos ambientais muitas vezes significativos da
memória social das comunidades circunvizinhas.
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Figura 10 - Áreas de Interesse dePaisagens Culturais / APC na Ilha
de Santa Catarina. Mirantes eTrilhas.Mapa original in:
ZEFERINO & CARLSON, 2005.
Intervenção gráfica de César Floriano e Evandro de Andrade
Na ilha, uma cidade moderna, polo de lazer, esportes e turismo
Entre os anos de 1930 e 1970, Florianópolis reconfigura-se incorporando edificações e
espaços projetados e construídos na linguagem moderna. Localizam-se principalmente
no espaço sede do centro urbano. Em 1950 com a expansão da área central em direção
ao norte da Ilha, acontece o investimento na atividade turística, associada aos
loteamentos de balneários e práticas de esportes, principalmente o surf e náuticos. Na
década de 1960, com a abertura da Avenida sobre o aterro da Baía Norte, que incentiva
a verticalização. As edificações institucionais públicas administrativas, de educação e
saúde, os hotéis, os clubes sociais e esportivos representam exemplares significativos e
da arquitetura modernista catarinense. (Figura 11). Estes edifícios experimentaram em
seus projetos novas soluções espaciais e composições estruturais, que acabaram se
integrando ao espírito do “estado novo” brasileiro, os “anos dourados”. Visto que sãoexemplares representativos da arquitetura moderna de Florianópolis, encontram-se
analisados e cadastrados em diversos grupos de estudo e pesquisas do Estado.
Mirante Ponta do Sa
Mirante da Praia do
Mirantes da Costa da
Mirante Ponta das
Mirante Ponta do Sa
Mirante da Praia do
Mirantes da Costa da
Mirante Ponta das
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Figura 11: Clube Doze, projeto de 1956. Foto: acervo documental do Clube
Porque um museu de paisagens culturais, lugares e percursos?
A idéia de associar cultura, identidade e patrimônio à arquitetura de museus e à
museografia torna-se mais clara ao ser vivenciado o contexto territorial da Ilha de Santa
Catarina na sua potencialidade de Paisagem Cultural e de Museu Difuso. A retomada
neste início de milênio do conceito de Museu ao ar livre/ Difuso / EcoMuseu como uma
estratégia complementar e necessária à implantação das paisagens culturais tende ainstrumentalizar de maneira mais eficaz o plano de gestão do lugar.
A articulação entre as legislações, os conceitos e parâmetros de preservação do
patrimônio, a história e a multiplicidade cultural da Ilha, com o resgate dos locais
tradicionais, prestigiando e explorando a sua função social, turística e econômica deve
ser a meta de um trabalho desta ordem.
Utilizando o argumento de Varine-Bohan (1985) “o novo museu é diferente do museu
tradicional na ênfase dada ao território (meio ambiente ou sítio), em vez de enfatizar o
prédio institucional em si; no patrimônio, em vez da coleção; na comunidade, em vez dos
visitantes”. Afirma que é o território que define e nomeia o museu. “Ele é um estado
mental e uma forma de aproximação que acarreta um processo construtivo enraizado no
território”.
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