artigo estado e movimentos sociais - novos desafios sec xxi (este)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS RAFAEL SILVEIRA DE AGUIAR MOVIMENTOS SOCIAIS: TENDÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO XXI. FORTALEZA 2011

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Page 1: Artigo Estado e Movimentos Sociais - Novos Desafios Sec Xxi (ESTE)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

RAFAEL SILVEIRA DE AGUIAR

MOVIMENTOS SOCIAIS: TENDÊNCIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O

SÉCULO XXI.

FORTALEZA

2011

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Considerações iniciais

Este trabalho pretende abordar e mostrar as diversas linguagens e as diversas

possibilidades de como a relação entre o Estado e os Movimentos Sociais, tendo em vista que

possuem lógicas completamente distintas, onde teremos o auxílio de autores de grande

relevância para o pensamento desta relação tão conflituoso, mas ao mesmo tempo harmoniosa

em algumas situações.

Para Maria da Glória Gohn (2003), quando se refere ao conceito de movimentos

sociais a autora destila com muito louvor essa categoria de grande relevância para este

pensamento. Antes de entrar no arcabouço conceitual da autora é preciso deixar bem claro

quando me refiro aos movimentos populares e os movimentos sociais, onde o primeiro refere-

se às organizações da dita sociedade civil organizada oriunda da grande massa de indivíduos

que a compõe, na maioria dos casos de classes menos favorecidas. Já o segundo, advém de

uma visão global de qualquer organização de indivíduos independentemente de classe ou

grupo social (econômico-social ou de status) específico, fazendo assim um apanhado do que

seria uma organização. Ratifico essa dicotomia para evitar possíveis distúrbios interpretativos

no que diz respeitos à organização de qualquer classe ou grupo social envolvido que venham a

prejudicar tal análise na relação Estado/Movimentos Sociais.1

Assim, os movimentos sociais podem ser definidos como: ações coletivas de costume

sociopolítico, construídas por atores sociais2 pertencentes a diferentes classes e camadas

sociais; politizam suas demandas; desenvolvem processo social e político-cultural que cria

uma identidade coletiva; gera inovações na esfera pública e privada; bases de assessores,

lideranças; estreitas relações com entidades sociopolíticas, mídia, universidades,

parlamentares, campos da administração governamental/Estatal.

A abordagem que a autora faz é de suma importância atentar e entender como os

movimentos sociais se faz presentes no cotidiano como: ações coletivas de forma política e/ou

social com as mais diversas demandas possíveis e oriundas dos mais diversos níveis sociais.

Usando de diversas possibilidades de exposição das suas demandas usando da pressão direta

1 Para Maria da Glógia Gohn no livro “Movimentos sociais no início do século XXI: Antigos e novos atores

sociais”, os movimentos ou a reivindicação dos direito das estratificações sociais, sempre perpassaram a história

da humanidade como também participaram como uma espécie de experiências socioculturais dos atores sociais. 2 Quando refiro a „atores sociais‟ falo de sociologia do conhecimento (Fenomenologia), onde o seu principal

teórico é Alfred Schut (1979). Teórico australiano, nasceu em 1899. A ameaça nazi fê-lo emigrar para França em

1938 e para os Estados Unidos da América em 1939, onde permaneceu até a sua morte em 1959. Ele afirma que

quando se observa os indivíduos participantes de uma sociedade, se constroem e desconstroem as percepções de

mundo que vive. O seu local de vivência e de experiências são reveladores para a construção de um “stock de

conhecimentos”.

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as suas marchas, passeatas, panfletagens, greves e negociações, como também de ações

indiretas. Existe também a utilização de meios para a divulgação de suas idéias usando as

redes sociais com o auxílio da internet como forma de expandir suas lutas e aumentando suas

fronteiras de impacto.

Como bem entendi a autora (GOHN, 2003) vê suas diversas vertentes a partir do olhar

dos sujeitos que participam, no que se referem as suas opiniões e ideais que lhes pertencem,

usando a multiplicidade como palavra mais adequada para selecionar suas ideias.

Recentemente, os movimentos estão passando por modificação, pois anteriormente, alguns

grupos se sentiam excluídos de algumas lutas. Agora, com o aumento do leque de lutas sociais

fez com que mais sujeitos se inserissem nesses grupos que estavam até então „excluídos‟,

dando mais liga as lutas; defesa das culturas locais e o uso do sentido dos locais públicos,

esfera política; exigência por ética na política e; autonomia de algumas instituições com a

possibilidade da autodeterminação sem dar as costas ao mundo que lhe foi proposto a atuar;

reivindicando também a escolha usando a meritocracia como único quesito para suas

atribuições no trabalho da espera pública.

Como forma de institucionalizar os movimentos sociais e criar mecanismos de

formalização tornado suas ações válidas e oficiais a criação, por exemplo, das ONGs,

associações de moradores, sindicatos, partidos políticos entre outras formas de organização

legítima e formalizada.

A divisão que Gohn faz uma lista das lutas em relação ao contexto deste milênio dos

movimentos como mais demandas reais do Brasil: a cidade e seus problemas; participação em

instituições estatais; a contribuição para pauta os problemas das diversas regiões geográficas

do país; ocupação de espaços públicos e equipamentos estatais; combate ao desemprego;

moradores de rua, portadores de HIV e deficientes físicos; Movimentos dos Trabalhadores

Rurais Sem-Terra, étnico-racial; gênero e sexualidade; reforma agrária, e; contra o

neoliberalismo.

1. América Latina, Democracia e Movimentos Sociais

Para Maria da Glória Gohn, existe várias fases que os movimentos sociais passaram

durante o século XX, e que a primeira fase, no início das lutas, passa-se a perceber o caráter

urbano tomando forma e então as classes sociais e a indústria são os norteadores dessas novas

lutas na zona urbana. Ou seja, as lutas sociais da classe operária, a luta pela mudança do

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regime político, lutas de afirmação étnico-racial entre outros, irão começar a aparecer nos

panfletos e manifestos de reivindicações nesse novo campo de atuação.

Até então, as manifestações eram tratados como caso de polícia, o Estado com a força

repressiva atuava diretamente de forma autoritária e truculenta nas atividades dos movimentos

a fim de impedir que os “baderneiros” ou “agitadores” quebrassem a ordem do local. Hoje, se

me permite dizer, ainda é tida como caso de polícia, mas se comparado nos moldes do século

passado, já se vê uma clara diferenciação e diminuição da censura, mas, contudo nem sempre

pacifica a relação entre os tais.

Já na segunda faze pós-revolução de 1930, se revela com outros olhares,

principalmente quando os movimentos populares começam a ser reinseridos no contexto do

país, onde as lutas se tornam mais profundas no que diz respeito aos direitos a serem

adquiridos. Deixam de ser tratados como caso de polícia, e o cidadão passam ser visto como

portador de direitos e por isso reivindica-os.

Em meados dos anos que correspondem a 1945-1964 ficou conhecido com época

populista ou nacional-desenvolvimentista no contexto brasileiro. Com a ideologia do nacional

desenvolvimentista, o Estado brasileiro possui um grande valor intervencionista no que diz

respeito à estrutura do país. Isso se deu principalmente da necessidade de se haver uma

estrutura mínima para comportar a grande leva de imigrantes que saiam do interior em busca

de melhores condições de vida nas grandes cidades. Esse período ficou marcado na história

brasileira pela intensa participação popular, no sentido da efervescência das organizações

populares institucionalizadas, por exemplo, sindicatos, agremiações partidárias, como também

a sociedade civil organizada. Para autora, todos esses fatores correspondem à terceira fase dos

movimentos sociais do Brasil. Essa fase é lembrada como um dos momentos mais ricos da

história do país, pois:

As greves de operários e de setores do aparelho estatal, recém-expendido pelas

necessidades da conjuntura, marcaram o período como um dos mais ricos da história

do país em mobilizações e propostas sociais. Também culturalmente foi um período

muito fértil, destacando-se realizações no cinema, na música (o surgimento da

bossa-nova) e no teatro. (GOHN, 1995, p.90)

Ficaria incompleto se não citasse a quarta fase, o Regime Militar. Nesse período

singular, apesar de ter acontecido inúmeros processos de repressão, limitação de atuação,

censura, ocorreram inúmeros processos de resistência e movimentos contra a Ditadura Militar

brasileira. Nesse momento, há uma grande efervescência de movimentos contra a ideologia

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capitalista no país, onde nascem os principais movimentos esquerdistas de resistência e de

combate ao sistema Capitalista. Esses atores sociais que faziam parte dessa lutas contra o

capitalismo, geralmente eram pessoas oriundas das camadas médias e estudante universitários

– como nós conhecemos hoje de Movimento Estudantil (ME), mas esse movimento já se

organizava anteriormente a esse período. Entretanto, as massas populares sofreram de apertos

salariais, mas mantiveram calados pelo medo da repressão; não havia vida sindical se não

pelo fator assistencialista; o sinhô da casa própria estava mais próximo, mas a compra dos

terrenos se localizava longe demais dos grandes centros urbanos.

O grande momento em que se gritava pela sua recente saída do Regime Militar, as

amarras que deixava as grades massa „caladas‟ começam a ser quebradas. Agora, o povo

brasileiro quer Democracia ou uma Redemocratização do Estado. Na verdade, seria o

enfrentamento ao regime militar, o importante era a resistência aos mandos e desmando do

militarismo. Esse momento, a população brasileira aproveita o enfraquecimento do regime

militar pelo fato da crise econômica mundial de 1973 (crise do petróleo). Cria-se partidos de

oposição (MDB), que consequentemente foi vitorioso nas urnas. Também marca esse período

a rearticulação que a sociedade civil retomou, criando novas possibilidades de organização da

oposição. “A união das forças de oposição possibilitou a construção de propostas e frente de

lutas.” (GOHN, 1997, p.111). Essa é a Quinta fase, o clima de esperança.

Existe uma fase chamada de “a época da negociação e dos Direito” – 1982-1985, onde

se caracteriza pela retomada dos direitos que foram retirados no período de Ditadura Militar.

Nesse momento, será marcante no tocante ao processo de barganha de direitos, que a

negociação será de grande importância para explicar a atual conjuntura política. Sobretudo,

nesse momento em que as vozes estão ecoando por todas as discussões que tocam os direitos

básicos dos cidadãos. Podemos citar, por exemplo, a retomada pelo direito de votações direta

para Presidente da República – Diretas Já –, como também a liberdade na formação política

dos partidos políticos. Com tudo isso acontecendo, a inflação, que já será resquícios da

ditadura militar, criou uma mobilização social para expressão seu descontentamento com a

atual situação econômica, e que, portanto, fazer justiça com as próprias mãos por

conseqüência do nível de desespero social.

Todas essas explicações que Gohn fez sobre os movimentos sociais, sobretudo que

eles perpassam por toda história da América Latina, sobretudo no Brasil, e que, portanto, não

devem ser esquecidos ou resumidos em meras fragmentações de lutas fragmentadas e

isoladas.

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Então, os novos movimentos sociais irão incluir na sua visão de mundo, o fator

subjetivo das ações sociais com sistema de valores dos grupos sociais, o uso da subjetividade

irá, por exemplo, abrir novas possibilidades de “fazer” movimentos, pois não estará mais

ligado, necessariamente, em pontos concretos da nossa sociedade. Portanto, essa subjetivação

das ações humanas estará ligada a luta referente às mulheres e todos os que compõem os

LGBTT‟s.

Segundo a autora (CARLEAL, 2006), inicia-se uma relativa aparição da América

Latina em noticiários dos grandes meios de comunicação, mesmo de forma muito

embrionária. Percebe-se uma publicização de algumas ações dos estados latino-americanos

possibilitando que seja chamada a atenção dos intelectuais e estudiosos sobre os desafios de

uma nova (re) democratização desse continente, de forma mais global.

Apesar dos desafios dessa nova visão, a atual situação requer que reconheça as

mudanças por parte dos movimentos sociais e sindicais oriundas de classes populares e de

possibilitar novas oportunidades de mudanças a partir das revoluções para a construção de

ideias, levando em consideração que esses sujeitos possuem inúmeros conceitos de

democracia, e que estão sempre a ampliar suas visões. Tais concepções possuem um ponto em

comum: não concordam com a atual situação do sistema neoliberal, e querem uma

democracia que não existam desigualdades na vida social, sem exploração, sem injustiças, o

combate a pobreza decorrente da concentração de riquezas entre outras bandeiras de luta.

A grande diversidade de movimentos populares se deve pelas multiplicidades de

interesse e concepções de mundo, pois essas multiplicidades de visões fazem debater as

concepções que acarretarão em uma maior qualidade para as resoluções dos desafios da

democracia. Assim como diz Adelita,

Quanto mais canais de participação existirem, maior a crítica e maior a possibilidade

de resolução dos impasses. A quantidade de organismos e de manifestações se

transforma em qualidade da ação política. Conflitos e tensões configuram

instabilidade política necessária e frutífera, pois tendem a mudar e construir novas

sociabilidades. (CARLEIAL, 2006, p.67)

Uma democracia jovem. Essa frase seria uma boa síntese do atual contexto político,

econômico e social dos latino-americanos, que implica em uma constante construção de

valores e costumes ligados ao um sistema democrático de se viver. Mesmo o Brasil, por

exemplo, ainda não consegue deslumbrar uma democracia se não no ato de votar a cada dois

anos ou esporadicamente em plebiscitos. Ora, isso implica que será necessário visualizar

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atitudes de cunho mais democrático no dia-a-dia dos cidadãos brasileiros, tendo em vista que

falar de atos democráticos é algo muito mais complexo do que se pensa, pois a Democracia já

é em si um assunto abstrato, e por isso fica a deriva pensar em “atitudes democráticas”.

Um exemplo claro desse “fazer democrática”, a Associação Madres de Plaza de Mayo

se expressão de forma muito visualizadora e perceptível a qualquer cidadão argentino, onde

essa associação possui um forte poder de pressão. Pode-se conceituar essa associação como

um grupo de mães que perderam seus filhos por consequência da Ditadura Militar acontecida

em 1966 na Argentina. Esse grupo permanece até hoje protestando de forma silenciosa na

praça que foi dada para homenageá-las que se localiza em frente da sede do governo.

A construção da cidadania está muito mais envolvida com esse sistema do que

podemos imaginar, pois o ser cidadão inclui uma gama de informações e costumes que não

cabe aqui se debruçar essa temática, mas deixo claro que existe a complexificação do que

poderá dizer com “atitudes democráticas”.

Mas os movimentos sociais não só lutam em prol da democracia, ao contrário, existem

inúmeros grupos que entendem que a qualidade de vida para a maioria passa por outros

sistemas de governo, e vou além, também existem movimentos que não vislumbram uma

qualidade de vida a partir da existência do Estado, são os chamados „Anarquistas‟ e suas

vertentes de aproximações com esse grupo. Dito de outra forma, o Anarquismo, o Socialismo,

o Comunismo, a Democracia e tantas outras formas de organização em sociedade, se chegam

a uma maior qualidade de vida da maioria, pode haver possíveis caminhos. Estes podem ser

considerados como o contraponto ao que é vivenciado hoje.

Um exemplo claro dessas novas possibilidades, os autores André G. Frank e Marta

Fuentes3 descrevem que o socialismo e os movimentos sociais devem propor mudanças

organizadas sincronicamente com seus membros, com a economia e com a sociedade e

propor, sobretudo transformações nessas áreas. O fato de buscar “desligar-se” do capitalismo

deve ser encarado como uma nova forma de articulação. Atualmente os movimentos sociais

são os responsáveis por modificarem estas articulações para seus componentes. Essa nova

visão perpassa não só por uma ruptura radical e complexa do termo, mas também por

mudanças da articulação onde essa mudança dos movimentos perpassa também pelo conceito

de Socialismo.

3 Texto chamado Dez teses acerca dos movimentos sociais, aonde é escrito na tese número sete:

“desligamento e transição para o socialismo nos movimentos sociais”, (FRANK; FUENTES, 1989)

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A superação da economia capitalista não será possível através do socialismo real, pois

este se encontra estagnado em uma via lateral e sua organização política perdeu sua força na

esfera nacional. Exemplos práticos do Socialismo propriamente dito ainda não conseguiram

se desvincular cem por cento do sistema Capitalista de viver. Vimos também que o Socialismo

não conseguir competir de forma igual em relação às novas tecnologias, tendo em vista que há

um constante investimento em tecnologias no modo Capitalista, por exemplo.

Depois de várias discussões sobre qual poderia ser a nomenclatura mais adequada para

definir os movimentos oriundos das classes mais baixas: movimentos sociais populares,

movimentos populares urbanos, movimentos populares, ou o mais utilizado, o “Movimento

Popular”. Essa discussão também existe dentro da nova roupagem que se quer dar aos tais

movimentos (DOIMO,1995), onde diferenciar os “novos” com os “velhos” faz com que

fiquemos presos a um labirinto ortográfico imenso, mas também fica deslocado do principal

foco: lutar contra o sistema capitalista partidos de sujeitos que não estão satisfeitos com a

atual situação do mundo.

Com as diversas mudanças no e na produção do conhecimento, houve também para

acompanhar tais modificações, surgiram novas dicotomias bastante propositivas e reflexivas

acerca dos pensamentos que rondava as lutas e das formas de dominação, por exemplo. Nesse

momento se faz uma anexação de outras lutas a serem observadas e acompanhadas pelos seus

militantes: em vez de comunidade versus sociedade, passa-se a ser usado materialismo versus

pós-materialismo. A utilização desses exemplos não é considerada equivalente, mas tento aqui

que se faça perceber que os “antigos” paradoxos já não estão dando conta da complexidade

das relações sociais envolvendo o mundo do trabalho dos sujeitos.

A partir de análises de sociólogos, com Alain Touraine, inicia-se a (re) classificação

dos movimentos populares ditos anacrônicos. Assim, os movimentos de ecologistas, gênero,

pacifistas entre outros, passaram a estar mais presente nos programas de seus militantes desde

então. Poderíamos dizer que essas modificações nas lutas se tornarão o primeiro passo para a

multiplicação e diversificação das bandeiras “esquecidas” ou nem mesmo levantadas

anteriormente.

O autor (Alan Touraine) ataca a primazia das relações econômicas e afirma que, com

a proximidade da sociedade pós-industrial, não só o movimento operário deixe de

ser o personagem central da história social, como o campo cultural torna-se o locus

onde se formam as principais contestações e lutas. (grifo nosso) (DOIMO, 1995,

pp.41)

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Mesmo sabendo sobre a formação dos novos sujeitos apoiadores das “novas” causas,

necessita-se ter bastante atenção em observar certos movimentos que nem mesmo com todas

as modificações sobre as relações sociais de hoje, ainda se tenta fazer releituras a lutas e

ideais construídos primordialmente no século XIX; aqueles que compartilham ideias que a

classe trabalhadora deve se inserir na cúpula política do estado, pressupondo que seriam os

sujeitos da grande transformação social. Ou seja, movimentos que clamam por princípios

morais, como a desigualdade e a autonomia do indivíduo; ou a igualdade e a exigência da

participação, também podem ser consideradas lutas formuladas com valores do século XIX,

logo, não sendo mais compatíveis com a totalidade das relações sociais dentro do mundo do

trabalho.

2. A ‘nova utopia’ do Fórum Social Mundial

Para uma maior aderência das pessoas a certas ideias e atitudes desse

descontentamento do atual modelo de globalizando de vida, há momentos em que esses

grupos organizados se unem entre se a fim de construir eventos que possibilite à divulgação

desse descontentamento, e consequentemente a construção de possíveis alternativas para um

mundo melhor e mais justo. Assim foi criado o Fórum Social Mundial.

O lema do Fórum Social Mundial (outro mundo é possível) é certamente bem

emblemático da sua capacidade de mostrar para que viesse esse evento presente em diversos

países. Criando diálogos com os movimentos sociais (ONGs, Sindicatos de trabalhadores,

associações de moradores etc.) a fim de compartilhar suas experiências de práticas das lutas

políticas tanto de forma regional quanto de forma global. Discussões, palestras, passeatas,

atos públicos, cartas de apoio e de repúdio, tudo isso são produtos desse diálogo com a

sociedade civil (organizada ou não) com o propósito de mostrar que não está satisfeita com

atual situação do planeta, e usa esse evento como forma de espreitar as experiências, novas

alternativas de convivência de forma sustentável ou que não prejudique o outro.

Como diz Boaventura de Sousa Santos, no seu livro intitulado O Fórum Social

Mundial: manual de uso (2005)

O FSM é o conjunto de iniciativas de intercâmbio transnacional entre movimentos

sociais, organizações não-governamentais (ONGs), e os seus conhecimentos e

práticas das lutas sociais locais, nacionais e globais, levadas a cabo em

conformidade com a Carta de Princípios de Porto Alegre contra as formas de

exclusão e de inclusão, de descriminalização e igualdade, de universalismo e

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particularismo, de imposição cultual e relativismo, produzidas ou permitidas pela

face actual do capitalismo conhecida como globalização neoliberal. (SANTOS,

2005, p. 15)

Diante dessa breve síntese de que seria o FSM, existe atrelado a essa visão de

alternativo, a idéia de „nova‟ utopia a fim de se contrapor a linha atual de „utopias

conservadoras‟, esta com a finalidade de negar qualquer possibilidade de alternativismo em

relação à realidade do presente.

Essa reivindicação e crítica ao „utopismo conservador‟ advém do seu nascimento no

começo do século XXI com uma nova visão dos movimentos sociais para a globalização

como a única via de transição ou de modificação para um possível „progresso‟. Com isso, há

um grande movimento contra-hegemônico do mundo que ali estava (GONH, 1995). No FSM,

reacendeu algumas lutas que em meados da derrubada do muro de Berlim, nesse momento

nasce em Porto Alegre no Rio Grande do Sul.

Extrema diversidade de ideias, conceitos e que só existe uma coisa em comum “outro

mundo é possível”, com um constante diálogo que na maioria das vezes não é nada tranquilo

nas escolhas dos pontos a serem discutidos. Quem chamar? Quem não chamar? Qual a

estrutura do evento? Não há consenso em chamar líderes mundiais, por exemplo. Ou seja, um

intenso espaço de tensão entre os pensamentos para a realização do evento.

Sobre a tensa relação entre os movimentos sociais e os partidos políticos de esquerda,

devemos levar em consideração que o modelo organizacional do FSM não tem a pretensão de

ser representacional da população contra-hegemônica na sua plenitude, e mais, ninguém

representa e ninguém poder falar em nome do coletivo. Ao contrário, a lógica do partido

político já é uma representação da sociedade, aonde tenta dar uma maior semelhança dos seus

participantes na sociedade. O FSM pretende usar as formas da democracia como modelo

organizacional por completo, prezando pela horizontalidade, diversidade e pluralidade, e por

isso que não poder existir indivíduos que os representem.

Considerações finais

Diante das grandes modificações dos diversos movimentos sociais sofreram com

forme à adequação da situação da sociedade, os sujeitos e as ideias permitem que tais grupos

sempre, ou quase sempre, tentaram interpretar a vida social a partir de seu ponto de vista, haja

vista que é necessário situá-los no seu contexto de formação e de vivências desses sujeitos. É

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necessário, de fato, que os grandes movimentos sociais se façam presente em todas as suas

possibilidades de participação, independente de modificações que o mundo sofrerá.

A relação entre Estado versus movimentos sociais pode se tornar tensa em alguns

momentos. Já em outros haverá constantes participações e cordialidade. Haverá momentos em

que os grandes líderes dos grandes movimentos sociais serão absolvidos pelo Estado, usando-

os como forma de auxiliá-los em momentos em que a soberania-nacional não dará de conta de

certas demandas. É chamada de cooptação.

Existe uma interpretação sobre tal relação, os grandes movimentos sociais sempre

demandarão ações pelo Estado em prol de que esses movimentos representam-lhe, fazendo

assim, uma constante briga de quem demanda e de quem é recebido. E mais, o poder de

barganha dos movimentos sociais (populares ou não) estará sempre em disputa entre tais,

causando uma eterna confusão interna de quem demanda mais ações do que outros.

No caso do Brasil, existe uma secular deficiência em relação sobre as demandas

mínimas de vivência dignamente no nosso país, a infra-estrutura ainda é um processo de

grande construção por parte dos governantes e que ainda não se viu soluções prática para isso.

Ou seja, as necessidades primárias de qualquer população param se viver em sociedade ainda

não é por completo atendido, ainda que atualmente venhamos constantes avanços no que diz

respeito à alimentação, moradia, enfim, qualidade de vida.

Dessa forma, como diz Bernardo Sorj (SORJ, 2010), para entender a sociedade de

forma minimamente devemos evitar os extremos, nem tornar o Estado como um „demônio‟

como possuidor do poder total de modificação e manipulação do povo, nem tão pouco usar a

sociedade civil como possuidores de uma verdade absoluta, não reconhecendo os possíveis

avanços que o Estado ou a Gestão tenha trazido para melhorar a sociabilidade, mesmo de

forma pontual, a vida da população que tanto quer suas demandas sendo atendias. Outra

possibilidade de conhecer a sociedade é não pensá-la de forma homogênea. Ou seja, entender

que a sociedade civil é uma complexidade e multiplicidade de demandas, de classes, de perfis

e idéias. Outra idéia que o autor descreve de grande importância nesse momento é entender

que a sociedade civil não possui só uma forma de ver a democracia. Ora, existem inúmeras

interpretações do conceito da democracia. Em regiões aonde a democracia ainda é um

processo de criação - frágil - é possível que a população confunda a representatividade dos

governantes, da participação direta sem a necessidade de um representante.

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Assim, (FRANK; FUENTES, 1989) a priori os movimentos sociais são os mais

habilitados a lutarem por mudanças, pela busca de uma alternativa “socialista”, já que os

mesmo são os atores sociais mais ativos e participativos. No que se refere à política, são os

menos passiveis de se tornarem “alienados”, pois participam ativamente dos processos

políticos. Provavelmente os movimentos sociais serão os responsáveis por buscar e

estabelecer novas articulações para que haja a transição de uma solução no que se refere à

atual economia, sociedade e política mundiais.

Com os Estudos Culturas4 no campo acadêmico, mais especificamente a Antropologia,

começa a borbulhar, onde o pensar, hoje, em movimentos sociais é pensar a própria

sustentação da democracia, onde a cultura política será a ligação dessas categorias

(Movimentos Sociais/Estado) constitutiva de um estado federativo brasileiro. Mesmo

pensando em um contexto político brasileiro dos movimentos sociais as ideologias, os

pensamentos, as correntes políticas, as mobilizações, as bandeiras de luta são, de fato,

bastante complexas. E mais, como Maria da Glória Gonh bem referenciou, as bandeiras de

luta a partir dos movimentos operários passando pelos movimentos de base campesina e por

diante, podemos compreender minimamente a sua lógica, e de como existe inúmeras

possibilidades de abordagem metodológica do mundo social, sob a lógica dos movimentos

sociais, independente de serem de base popular ou de base de classes mais abastardas.

Atualmente, passamos por incertezas políticas, econômicas e sociais, mas acima de

tudo a população, a grande massa deve buscar novas possibilidades de construção gradativa

de uma verdadeira democracia além do voto. Uma democracia (ou quaisquer formas de

organizar o estado) que preze pela liberdade, o diálogo com as múltiplas minorias, harmonia

entre o interesse público e privado e que a democracia não se torne uma tirania da maioria.

4 Os Estudos Culturais tenta articular diálogos com outras áreas de conhecimento que passa pelas teorias

sociológicas, teorias relacionadas à economia, teoria dos meios de comunicação, o cinema, a antropologia

cultural, Ciências Políticas entre outras. Tais Estudos pretendem elaborar significados culturas que as sociedades

criam dentro da perspectiva contemporânea.

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Referências bibliográficas

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Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n.17, p.19-48, jun 1989.

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SANTOS, Boaventura de Sousa. O Fórum Social Mundial: manual de uso. São Paulo:

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SHUTZ, Alfred. Fenomenologia e Relações Sociais. Rio de Janeiro: Zahar. Editores, 1979

SORJ, Bernardo. (org.). Usos, abusos e desafios da sociedade civil na América Latina. São

Paulo: Paz e Terra, 2010.