artigo breves reflexÕes sobre a felicidade no mundo contemporÂneo
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MARCELLE VARGAS FREIRE SILVEIRA
BREVES REFLEXÕES SOBRE A FELICIDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Artigo apresentado à Banca Examinadora do Curso de Psicologia do Centro Universitário São José de Itaperuna como requisito final para obtenção do título de Psicólogo.
Orientadora: Prof.ª Ms. Camila Miranda de Amorim Resende.
Itaperuna/RJDezembro, 2012
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MARCELLE VARGAS FREIRE SILVEIRA
BREVES REFLEXÕES SOBRE A FELICIDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Artigo apresentado à Banca Examinadora do Curso de Psicologia do Centro Universitário São José de Itaperuna como requisito final para obtenção do título de Psicólogo.Orientadora: Prof.ª Ms. Camila Miranda de Amorim Resende.
Itaperuna, 04 dezembro 2012.
Banca Examinadora:
_________________________________Prof.ª Ms.. Camila Miranda de Amorim Resende (Orientador)UNFSJ – Itaperuna.
_________________________________Prof. Esp. Ignael Muniz Rosa (Examinador 1)UNFSJ – Itaperuna
_________________________________Prof. Esp. Carlos Eduardo Corrêa de Oliveira (Examinador 2)UNFSJ – Itaperuna.
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BREVES REFLEXÕES SOBRE A FELICIDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Marcelle Vargas Freire Silveira1
Camila Miranda de Amorim Resende2
Resumo: Este artigo propõe uma reflexão sobre o ideal de felicidade no mundo atual. Para tal foi feita uma pesquisa qualitativa de natureza bibliográfica baseada especialmente nos seguintes autores: Bauman (2009; 2011), Bezerra Jr.(2009) e Dufour (2005). A partir da leitura dos mesmos compreendemos que o contexto contemporâneo é caracterizado pela emergência de uma nova forma de sujeito, causa de si mesmo, marcado pela valorização da autonomia e de liberdade. Neste cenário de autonomia, este novo sujeito parece estar cada vez mais em busca de banir a qualquer preço o desconforto e o sofrimento e adquirir os novos padrões que são impostos pela modernidade para se obter uma vida feliz.
Palavras-chave: pós-modernidade; autonomia; felicidade; mal-estar.
Introdução
Vivemos dias em que o prazer tem sido preocupação constante da sociedade.
A busca pela felicidade é tanta que muitas pessoas adoecem por não darem conta
das exigências que hoje acreditam ter que alcançar para uma vida feliz.
Escutamos a todo o momento que precisamos comprar algo, alcançar
determinado nível social, morar em tal lugar para alcançarmos a felicidade. A
felicidade que em outro momento histórico já foi considerada a redução de
frustrações, hoje parece estar mais voltada ao consumo insaciável.
O objetivo do presente estudo é compreender o ideal de felicidade no mundo
atual e suas implicações para o sujeito contemporâneo. Para tal, realizou-se uma
pesquisa teórica de caráter qualitativo norteada principalmente pelos trabalhos dos
seguintes autores: Bauman (2009; 2011); Bezerra Jr. (2009) e Dufour (2005).
1 Graduanda do curso de Psicologia do Centro Universitário Fundação São José (UNIFSJ) em Itaperuna/RJ. E-mail: [email protected].
2 Mestre em Psicossociologia. Professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Fundação São José(UNIFSJ) em Itaperuna/RJ. E-mail: [email protected].
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1 Breves reflexões sobre a felicidade ao longo da história
Para entendermos a ideia de felicidade na atualidade é necessário que
compreendamos as transformações do sujeito como ser no mundo e seus efeitos no
processo de subjetivação dos seres humanos em especial a partir da modernidade.
Nas sociedades tradicionais, a identidade dos indivíduos era formada por uma
cultura que definia qual seria seu papel e seu desempenho diante da sociedade.
Havia uma unificação de pensamentos diante do que era considerado
preestabelecido pela cultura; a significação da vida de cada indivíduo era dada por
um padrão externo. (BEZERRA JR., 2009).
Nestes tempos, as sociedades eram governadas pela hierarquia de poderes.
Não havia grandes possibilidades de mudanças de cunho social e individual. As leis
e o poder regidos na época eram absolutos, não se tinha uma inflexão do sujeito
sobre ele mesmo, ou seja, era impossível que ele se perguntasse se era feliz. Os
conflitos vividos pelos indivíduos diante da sociedade não eram, portanto,
intrapsíquicos, não eram conflitos diante de seus desejos ou impulsos, era o
confronto do indivíduo com as regras e o poder normativo da tradição que imperava.
(BEZERRA JR., 2009).
Bezerra Jr. (2009) fala que a identidade de cada um era constituída diante de
motivos externos como herança, como o lugar de nascimento, pelos papéis sociais
que o indivíduo era convocado a desempenhar em razão de suas marcas de origem.
Somente com o Renascimento que foi possível pensar em uma alternativa ao
autoritarismo que imperava.
Diferentemente das sociedades tradicionais nas quais imperava um
enunciador coletivo, único e absoluto, denominado por Dufour (2005) de “Grande
Outro”, na Modernidade a concepção de um grande enunciador com legitimidade
perde seu valor e começa a se viver uma era de reflexões e escolhas de cada um.
(BEZERRA JR., 2009).
A modernidade é um espaço coletivo no qual o sujeito é definido por várias dessas ocorrências do Outro... A partir de então, não estamos mais regidos por um grande Sujeito, mas por vários. (DUFOUR, 2005, p. 45).
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A virada do século XV para o século XVI na Europa corresponde ao início da
modernidade caracterizado pelo salto da mundialização das trocas e do contato das
diferentes populações do mundo. A civilização passa, a partir deste momento, a
buscar um modo de vida que articule mudanças permanentes em todos os campos:
técnicos, científicos, políticos, estéticos, filosóficos..., surgindo assim, um sujeito
conquistador, fadado a destruir todos os antigos valores fixados, os antigos ritos e
hábitos sociais das sociedades unicentradas. (DUFOUR, 2005).
Abre-se, então, o horizonte de possibilidades subjetivas de cada indivíduo
que, a partir de então, passa a ser concebido como um ser pensante e único
(BEZERRA JR., 2009). Bauman (2011) diz que, a partir desta época conhecida
como Renascimento, os intelectuais passaram a se voltar para a busca de um futuro
melhor, o que foi possibilitado pelo grande salto da autonomia humana identificada
de formas variadas. Algo que Dufour (2005) definiu como “reviravolta da civilização”.
Bruckner (2010) aponta este período como o marco da promessa de felicidade
endereçada à humanidade inteira. Em toda parte eclode a convicção de que é
razoável sonhar com a instauração do bem-estar, crescendo então, a capacidade de
se pensar na felicidade.
A modernidade pode ser resumidamente caracterizada pela ideia de liberdade
articulada à ideia de escolha. O Homem passa a ser visto como um sujeito dotado
de escolhas e pertencimentos por opção (BEZERRA JR., 2009). Diante das
possibilidades que começaram a se abrir, surgiram grandes revoluções em todos os
sentidos de transformação social e pessoal. Emergem sujeitos que se sentem cada
vez mais independentes e autônomos, indivíduos que passam a ter coragem de
fazer uso do seu próprio entendimento. (BAUMAN, 2011).
Para Denis Diderot, o ser humano ideal era alguém que ousava pensar por si próprio, passando por cima do preconceito, da tradição, da antiguidade, das crendices populares, da autoridade – em suma, por cima de tudo que escraviza o espírito. (BAUMAN, 2011, p.118).
Bauman (2011) afirma que o iluminismo tentava libertar os indivíduos da
monarquia e os transformar em sujeitos livres e autônomos. Da mesma forma
Pascal Bruckner (2010) diz que a partir desta época passou-se a acreditar no
desenvolvimento da espécie humana pelos esforços conjugados do saber, da
indústria e da razão, o que representava uma ideologia revolucionária em relação ao
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tradicionalismo que imperava. Diante desta nova visão de mundo, a felicidade não
estaria mais associada às questões religiosas e nem seria uma promessa para
realizar-se depois da morte; deveria vir sem demora no aqui e agora. Portanto, aos
revolucionários modernos, não bastaria proclamar o paraíso sobre a terra, seria
preciso materializá-lo sob a forma do mais alto bem-estar, com o risco sempre
possível de decepcionar as expectativas. (BRUCKNER, 2010).
Em menos de um século, o contínuo progresso em direção à liberdade individual de expressão e escolha alcançou um ponto no qual o preço pago por esse progresso, a perda de segurança, começou a ser visto por um número cada vez maior de indivíduos liberados (ou indivíduos deixados soltos, sem que lhes perguntassem se queriam isso) como algo exorbitante, insustentável e inaceitável. (BAUMAN, 2011, p.123).
Neste sentido, Bauman (2011) destaca que quanto mais avanço e progresso
da liberdade humana, maior a responsabilidade do sujeito por suas escolhas,
aumentando o desagrado humano com a crescente insegurança e indeterminação.
A autonomia que, por uma lado, pode ser vista como o progresso da liberdade do
sujeito, passa, por outro, a dar lugar a um sentimento de instabilidade, crise
permanente e de tensões da subjetividade.
A demolição do poder normativo das tradições e a exaltação exacerbada da autoconstrução e da autogestão acabaram por estabelecer um quadro de certo modo paradoxal. De um lado, os indivíduos são estimulados a se desvencilharem do peso das tradições, de modo a usufruir plenamente de sua liberdade e viver de forma autônoma. Essa liberação, no entanto, ao longo do tempo se transforma numa injunção. O que emergiu como abertura foi se tornando imperativo tirânico e paradoxal: seja livre! (BEZERRA JR, 2009, p.40).
Diante destas transformações surge um novo sujeito que passa a viver
conflitos não mais externos, mas agora internos, com impulsos contraditórios,
embates entre desejos e interdições, normas e transgressões originários de seus
próprios conflitos interiores. (BEZERRA JR., 2009).
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2 Breve caracterização da pós-modernidade
Em um momento de grande mutação social caminhamos para o advento do
que chamaremos aqui de pós-modernidade. Para Dufour (2005), estamos vivendo
um momento diferente do vivido na modernidade, quando pela liberdade de escolha
conquistada, convivíamos com uma diversidade de grandes referências, os
“Grandes Outros”. Na pós-modernidade, o autor defende que não há mais nenhuma
figura do “Outro” com legitimidade, com prestígio para submeter os sujeitos aos seus
valores, às suas regras. Todas as figuras que anteriormente ocuparam este lugar,
como os Deuses para os gregos ou o Deus para os monoteístas, parecem atingidos
pelo mesmo sintoma de decadência. “O sujeito falante, na pós-modernidade, não é
mais definido hetero-referencialmente, mas auto-referencialmente”. (DUFOUR,
2005, p. 88).
Na pós-modernidade nos deparamos com o sujeito que não é mais definido
na sua relação de dependência aos “Grandes Outros”, sendo então obrigado a se
definir por ele mesmo. (DUFOUR, 2005).
Neste cenário ressaltaremos brevemente três características do sujeito
contemporâneo que Bezerra (2009) considera mais pertinentes. Segundo ele, são
características que buscam lidar com esta ausência de legitimidade dos “Grandes
Outros”. São elas: a busca de laços de pertencimento, o apelo aos objetos e a
subjetividade somática.
2.1 A busca pela adesão a laços de pertencimento momentâneos.
Se o “sujeito” é o subjectus, o que é submetido, então poderíamos dizer que a história aparece como uma sequência de assujeitamentos a grandes figuras instaladas no centro de configurações simbólicas cuja lista podemos bastante facilmente fazer: o sujeito foi submetido às forças da Physis no mundo grego, ao Cosmo ou aos Espíritos em outros mundos, ao Deus nos monoteístas, ao Rei na monarquia, ao Povo na República, à Raça no nazismo e algumas outras ideologias raciais, à Nação nos nacionalismos ao Proletariado no comunismo... Ou seja, ficções diferentes que foi preciso a cada vez edificar com grande reforço de construções, de realizações, até mesmo de colocações em cena muito exigentes. (DUFOUR, 2005, p.39).
Através dos estudos científicos e em uma busca de verificabilidade e
concretude o homem passou a deslegitimar referências que até então eram o centro
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do universo. No entanto, sem referências, este sujeito passa a ser sujeito dele
mesmo. Sem ter no que se apoiar o homem pós-moderno passou a si ver
desamparado e, assim, a viver numa constante busca de laços de pertencimento.
O “Grande Outro” que teria a função de permitir o sujeito se apoiar no
simbólico, que trazia consigo um conforto e uma permanência, uma origem, um fim,
uma ordem, parece não mais se sustentar. (DUFOUR, 2005). “Na pós-modernidade
o sujeito não é mais definido na sua relação de dependência a Deus, ao Rei ou à
República, sendo obrigado a se definir por ele mesmo”. (DUFOUR, 2005, p.88).
Assim, não havendo mais esta figura em que se apoiar, a sociedade tende a
caminhar cada vez mais para liquidez, sem apoio em coisas concretas, já que o
grande “Ser” da concretude não apresenta mais a mesma legitimidade. É neste
contexto que as relações pessoais vêm se tornado cada vez mais líquidas também.
Observamos sujeitos que se deparam com a falta de adesão a laços de amizades,
romances... buscam laços de pertencimento momentâneos. (BEZERRA JR., 2009).
Segundo Bezerra Jr. (2009), laços de pertencimento momentâneo são
constituídos para atender rapidamente as necessidades e demandas que o sujeito
pós-moderno procura em cada momento. Como este sujeito vive hoje grandes
transformações e muda o tempo todo de ideias, valores, visão politica,
posicionamento ético, etc, não há como pensar em solidez nas relações
interpessoais.
É neste sentido que Bauman (2011) fala sobre a facilidade com que os
indivíduos são adicionados e removidos dos grupos de pertencimento, comparando
este ato com a facilidade de se apagar um nome de uma lista telefônica. Os laços
que compõe uma rede de relações parecem hoje facilmente rompíveis. São tão
fluidos que geram sucessivas redefinições da identidade.
Com a formação de sociedades líquidas, a relação do homem com a
sociedade e com o seu próprio “eu” tornou-se, portanto, cada vez mais descartável,
como se nada tivesse mais um valor concreto, como se sempre houvesse algo
melhor a ser substituído e superado. Os sujeitos se tornam, assim, mais vulnerável
às oscilações da vida, resultando facilmente em indivíduos com sentimento de
fragilidade, inconsistência e desesperança. (BEZERRA JR., 2009).
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O que vale hoje como selo de garantia pode amanha ou depois ter sua validade revogada. O reconhecimento obtido por um desempenho premiado num momento pode, de uma hora para outra, ser esvaziado de significação e denunciado como engodo (BEZERRA JR., 2009, p.41).
2.2 O Apelo aos objetos.
A segunda característica marcante dos sujeitos contemporâneos consiste,
segundo Bezerra Jr. (2009), na busca de sustentação do “eu” através do consumo,
ou seja, no apelo a objetos que possam sustentar o que as antigas referências não
podem mais oferecer (BEZERRA JR., 2009). Segundo Bauman (2009), na
atualidade muitos diriam que ter dinheiro seria o caminho para a felicidade, mas
poucos poderiam considerar que a mesma coisa que os fazem felizes hoje,
continuará a encantá-los e a lhes proporcionar prazer para sempre. É neste sentido
que Bezerra Jr. (2009) ressalta que o consumo atual dispensa o valor afetivo dos
objetos e os tornam efêmeros descartáveis. Sua solidez se acaba na velocidade que
os tornam obsoletos, transformando as coisas que outrora eram solidas em líquidas.
O sujeito tendo buscado no objeto a satisfação de seu desejo, pode apenas descobrir, sendo dada a natureza da pulsão, que “ainda não era isso”, que a falta que havia suscitado o desejo persiste. Ora, essa decepção consecutiva ao recebimento de cada objeto é a melhor aliada da extensão ampliada da mercadoria na medida em que ela só pode relançar o ciclo de demanda de objeto. Se “não era isso”, então se é conduzido a voltar a demandar. A decepção causada pelo recebimento do objeto é a mais segura mola propulsora do poder da narrativa da mercadoria. (DUFOUR, 2005, p.77).
A mídia traz a todo instante inúmeras atrações visuais nos propondo esta
busca pela felicidade que em suma jamais cessará, pois o consumo, como já diz a
própria palavra, jamais acaba. Se abraçarmos ideias como "compre um carro novo
do ano para se obter a felicidade..", entramos na armadilha do mercado, uma vez
que o tal carro em poucos dias não é mais o do ano e não é mais o que pode trazer
a felicidade. Sempre existirão novos produtos com a mesma intenção nas prateleiras
para serem consumidos (BAUMAN, 2009). Bauman (2009) diz ser esta questão um
dos efeitos mais graves da contemporaneidade, uma vez que igualar a felicidade
com o consumo é atribuir à felicidade a um lugar de busca incessante. O sonho da
felicidade aparece, assim, alterado. “A narrativa da mercadoria apresenta os objetos
como garantia da nossa felicidade, e ademais, de uma felicidade realizada aqui e
agora”. (DUFOUR, 2005, p. 76).
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Diferentemente dos tempos modernos quando a felicidade estava atribuída a
uma vida plena e satisfatória com a busca dos meios considerados necessários
hoje, na pós-modernidade, a economia de mercado neoliberal faz com que essa
busca se torne incessante e nunca possa ser alcançada. Isto porque todos os
objetos e produtos têm como característica cair em desuso, perder seu brilho,
contentamento e seu valor, o que fará com que o sentimento de felicidade seja
rapidamente dele removido e atribuído a novos e aperfeiçoados objetos e produtos,
que sofrerão destinos semelhantes. (BAUMAN, 2009).
(...) os objetos (e tudo aquilo que se coloca no seu lugar) transformam-se em pouco mais do que fontes descartáveis de satisfação momentânea, não conseguindo de modo algum cumprir a função de sustentação do eu para qual são convocadas (BEZERRA JR, 2009, p.43).
2.3 A subjetividade somática.
A perda da força simbólica por parte das grandes formações sociais do passado e a privatização das instâncias normativas impeliram os indivíduos a se voltarem sobre si próprios em busca de marcos de orientação para sua vida subjetiva (BEZERRA JR, 2009, p.43).
Na modernidade a concepção de felicidade estava veiculada à cultura da
interioridade e à moral sentimental burguesa, em uma busca pelo nível de
aprimoramento pessoal. O bem-estar corporal não era, assim, um fim em si mesmo,
mas um meio dispensado das atribuições físicas. (BEZERRA JR., 2009).
Como uma espécie de efeito colateral do ideário individualista, a pós-
modernidade viu essa cultura da interioridade moderna transformada num conjunto
de práticas corporais voltadas principalmente para otimização do funcionamento
somático. As perguntas sobre si passaram a dar lugar às explorações de sensação e
prazer. A busca da felicidade, antes referida ao espaço comum e à relação com os
outros, viu-se traduzida em linguagem sensorial. Assim, a subjetivação e a
estabilização da identidade passam da interioridade pessoal para a exterioridade
somática. O corpo passa a ser o bastidor e o palco da identidade pessoal, na busca
da adequação aos modelos ideais de beleza e juventude, com a reformulação da
aparência e a exibição ostensiva desse trabalho. (BEZERRA JR., 2009).
Segundo Bezerra Jr. (2009), o homem contemporâneo viu no corpo o seu
ultimo refúgio e promessa. Refúgio no qual tenta encontrar a satisfação necessária
ao bem-estar. Impulsionados pela biomedicina e pelo avanço da biotecnologia
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passaram então a surgir sujeitos que tendem a dar atributos cada vez maiores ao
corpo que, neste contexto, tem a pretensão de promover ao sujeito a visibilidade e a
valorização social que ele necessita. Sendo assim, é como se o indivíduo passasse
a fugir do seu próprio eu e adquirir um outro, feito sob encomenda.
3 O mal-estar contemporâneo
Viver uma vida de plena satisfação tem sido uma preocupação constante
dos sujeitos contemporâneos. A busca pela felicidade é tanta que muita das vezes
as pessoas adoecem por não darem conta das exigências que acreditam necessitar
cumprir para uma vida feliz. Pensam que sempre devem aderir às novidades do
mercado, ter status social ou exibir o corpo perfeito para alcançar a tal felicidade. Na
atualidade, a felicidade não aparece mais, portanto, como uma possibilidade, mas
sim como um dever. Não sendo capaz de cumprir essa intimação o sujeito passa se
deparar com a insatisfação. (BRUCKNER, 2010).
Assistimos, portanto, à emergência de um certo mal-estar associado a
esta busca incessante pela saúde perfeita, pelos relacionamentos perfeitos... Pela
vida plenamente feliz! Surge assim, algo muito interessante: sujeitos que sofrem por
não quererem sofrer, o que se constitui, justamente, no que estamos aqui chamando
de mal-estar contemporâneo. (BAUMAN, 2009).
Sobre esta articulação entre felicidade e mal-estar, Freud (1929/1974) em
seus estudos afirmava que a busca da felicidade era inerente ao ser humano.
Segundo ele, há exigências pulsionais que levam o homem a almejar a felicidade,
procurando sensações de prazer e, ao mesmo tempo, evitando a dor, o desprazer.
Acontece, porém, que há um antagonismo entre essas exigências pulsionais
(ligadas ao Princípio do Prazer) e as restrições impostas pela sociedade. É por isso
que ele afirma que surge deste conflito uma espécie de mal-estar. Mal-estar este
associado às renúncias que devemos fazer para viver em sociedade.
Para Freud (1929/1974) todos nós, porque precisamos viver em sociedade,
temos que renunciar e esta renúncia, por sua vez, nos causa mal-estar, uma vez
que nos impede de fazer o que queremos. O mal-estar do qual fala Bauman (2011),
não é exatamente o mesmo. Para ele o sujeito pós-moderno, marcado pelas
características citadas anteriormente, estaria sujeito ao sentimento de mal-estar,
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uma vez que, apesar de sentir livre para fazer o que quiser, não alcança o pleno
gozo da felicidade.
Bauman (2009) nos faz refletir sobre o estado em que chegamos aos dias
atuais, onde a felicidade está em grande parte veiculada ao ter e ao poder,
passando a ideia de que só se é feliz vivendo uma busca de superações, implicando
a ideia de que o novo no mercado sempre é melhor do que o já conquistado. Para
refletirmos sobre esta compreensão contemporânea da felicidade, Bauman (2009)
nos relata a história de um velho escravo romano Epicteto que se converteu num
dos fundadores da escola estoica de filosofia eu diz o seguinte:
Imagine sua vida como se fosse um banquete onde você deve se comportar com cortesia. Quando os pratos lhe forem passados, estenda sua mão e sirva-se de uma porção moderada. Se algum prato não lhe for apresentado, aproveite o que já está no seu. Ou se o prato ainda não chegou a você, espere pacientemente a sua vez. Transfira essa mesma atitude de comedimento e gratidão cortês a seus filhos, esposa, carreira e finança. Não há necessidade de cobiçar, invejar e apoderar-se. Você vai ganhar sua porção correta quando chegar a hora. (BAUMAN, 2009, p. 38-39).
O autor destaca, portanto, que cada um de nós tem a porção correta daquilo
que considera felicidade. O importante ressalta o autor, seria valorizar as nossas
próprias "porções" e deixarmos de lado essa felicidade proposta pelo mundo
contemporâneo que só vai nos levar ao mal-estar e a frustrações, pois nunca iremos
alcança-la.
Esta sugestão do velho escravo, hoje provavelmente seria concebida como
algo impensado, incompreensível, uma vez que a moderação sugerida está
exatamente em oposição ao exagero do momento contemporâneo.
A sociedade de consumidores talvez seja a única na história humana a
prometer a felicidade na vida terrena, no aqui e no agora e a considerar cada agora
sucessivo em uma vida de felicidade perpétua. Seria, no entanto, justamente essa
característica que faz os objetos se tornarem completamente impróprios para a
tarefa de estabilização da vida subjetiva. Cresce o incômodo e a desconfortável
sensação de incerteza, com a qual é ainda mais difícil conviver permanentemente.
(BAUMAN, 2009).
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4 Considerações finais
A concepção do que é felicidade tem correspondido a noções diferentes
através dos tempos e reflete a cultura vigente em cada época. É neste sentido que
iniciamos o presente trabalho com um percurso histórico sobre o tema.
A felicidade que há tempos atrás era representada por muitos como uma vida
plena e satisfatória, parece estar mudando o seu sentido e se transformando no ato
de ter e no de poder, fazendo com que as pessoas busquem incessantemente pelo
novo. Escutamos a todo o momento que precisamos comprar algo, alcançar
determinado nível social, morar em determinado lugar, buscar sempre a superação
em relação ao já conquistado. Apesar de tudo isso, seguimos convivendo com o
crescente e incômodo sentimento de mal-estar.
Acreditamos que o mal-estar contemporâneo emerge diante da concepção de
sujeito auto-referente, como um indicativo de que a grande dificuldade do sujeito
pós-moderno é, essencialmente, se constituir sem o apoio de uma instância
antecessora. O mal-estar surge, portanto, no momento em que é feita ao sujeito a
injunção de ser si mesmo, uma vez que ele encontra uma grande dificuldade ou
mesmo impossibilidade de se constituir sozinho.
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Referências
BAUMAN, Z. A arte da vida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
______. A ética é possível num mundo de consumidores? São Paulo: Zahar, 2011. BEZERRA JR; B. Retraimento da autonomia e patologia da ação: A distimia como sintoma social. In: Neutzing, I; Bingemer, MC; Yunes, E. (Orgs.) O futuro da autonomia: Uma sociedade de indivíduos? Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; São Leopoldo: Editora Universos, 2009, p. 35-58.
BRUCKNER, P. A euforia perpétua: ensaios sobre o dever de felicidade. Rio de Janeiro: Difel, 2010.
DUFOUR, D. A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2005.
FREUD, S. O mal-estar na civilização. In: ____. O futuro de uma ilusão. O mal-estar na civilização e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1974. (Original publicado em 1929).
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Anexos
Agradecimentos:
Agradeço ao meu amor Guilherme pela força, pelo companheirismo, por estar
sempre comigo nos momentos mais difíceis, por ser exemplo de determinação e por fazer
dos meus sonhos os dele. Te amo muito e esta conquista é nossa!
Agradeço a minha família pelo amor, carinho e dedicação que sempre tiveram
comigo. Muito obrigada mãe, por sempre acreditar que sou capaz de alcançar meus sonhos,
mesmo sendo difíceis. Pai, obrigada por ser parte essencial desta realização, não medindo
esforços para poder estar junto comigo nesta caminhada. Agradeço a minha irmã Michelle,
por me apoiar, mesmo estando longe. Parte do que sou vem do amor incondicional de
vocês.
Sou grata também aos meus padrinhos Carlos e Sônia. Talvez sem vocês em minha
vida esta realização seria algo a ser alcançado posteriormente. Sem palavras o imenso
carinho que sinto por vocês.
Agradeço a minha cunhada Ester por me ouvir. Por compartilhar minhas experiências
da faculdade e por poder expressar a ela o meu contentamento em cada descoberta. A
minha amiga Patrícia por estar comigo sempre, e por ter sido a única corajosa a ser minha
cobaia nos teste de personalidade, lembra? rs. As minhas amigas Láiza, Memorina, Suellem
e Cristiane por serem tão especiais na minha vida.
Agradeço a minha orientadora Camila Resende pela atenção e muita paciência.
Tenho profunda admiração e prestígio pelo seu profissionalismo.
Em agradecimento especial, aos meus professores que durante os últimos cinco
anos fizeram das minhas noites as mais encantadoras. Obrigada por todo conhecimento que
dispuseram passar e por terem me ensinado as virtudes que há nesta nobre profissão.
Realmente foram momentos que me proporcionaram prazer! Do início às etapas
finais do curso... Sentirei saudades.
A Deus, toda minha gratidão, és a minha essência!