artefilosofia 01 02 filisofia 03 helio lopes silva

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  • 7/21/2019 Artefilosofia 01 02 Filisofia 03 Helio Lopes Silva

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    45A Imaginao na crticakantiana dos juzos estticosHlio Lopes da Silvaes da Silva**

    O fato de Kant ter, na segunda edio (1787) daCrtica da Razo Pura,introduzido modificaes extensas relativamente primeira edio(1781) da mesma deu origem a uma srie de controvrsias a respeitodo sentido, da amplitude e da importncia de tais modificaes. J en-tre os contemporneos destaCrtica, assim

    como em sua posteridade

    como em sua posteridadeimediata, encontramos, por exemplo, Jacobi

    imediata, encontramos, por exemplo, Jacobi1

    1e Schope

    nhauer

    nhauer2lamen-

    tando a introduo de tais modificaes, e preferindo, embora porrazes diametralmente inversas, a primeira edio, j que nesta umatendncia idealista-subjetivista, condenvel segundo Jacobi, louvvelsegundo Schopenhauer, da filosofia transcendental estaria mais expli-citamente afirmada. E, mais re

    centemente, enquanto o Heidegger do

    centemente, enquanto o Heidegger doKant e o problema da metafcaKant e o problema da metafsica

    3

    3condena a segunda

    edio da

    edio da ricaCrtica

    como um recuo e um retrocesso, outros autores

    como um recuo e um retrocesso, outros autores4

    4, agrupados aqui sob

    a denominao vaga de neo-kantianos, a encaram como um avanoinequvoco sobre a primeira edio. Segundo Heidegger, Kant, apster, na primeira edio, afirmado o papel original da imaginao comofundamento do conhecimento ontolgico, recuou, na segunda edio

    destaCrtica, j que, tendo-se tornado cada vez mais preocupado coma fundamentao racional da moral, e estando a imaginao ainda vin-culada sensibilidade, era preciso desaloj-la desta posio, na medidaem que ela ameaava a pureza da Razo, do Logos, venerados por todaa tradio. J os neo-kantianos viram nas modificaes introduzidaspor Kant um avano: segundo eles, as consideraes de Kant concer-nentes imaginao, tal como figuram na primeira edio daCrtica,nada mais representavam do que um desvio, ou uma imprudente in-curso de Kant no domnio da psicologia, incurso esta cujo nicoefeito foi o de introduzir confuses na argumentao lgico-transcen-

    dental propriamente dita. Segundo estes, a segunda edio representaum avano, j que, nela, esta argumentao lgico-transcendental teriasido

    depurada por Kant de todas aquelas suprfluas, tardias

    depurada por Kant de todas aquelas suprfluas, tardias5

    5e confusas

    consideraes psicolgicas com as quais, na primeira edio, aquelaargumentao estava impregnada. O que quer que pensemos desteenormedebate, e no pretendemos aqui em nada contribuir para ele,uma coisa parece certa: independentemente das implicaes ontol-gicas que Heidegger pretende extrair daCrtica, h efetivamente entreas duas edies desta ou, mais precisamente, entre as duas verses daDeduo Transcendental das Categorias modificaes importantesno que diz respeito ao papel da imaginao enquanto intermedi-ria entre o conceito, proveniente do Entendimento, e o objeto doconceito, apresentvel na intuio sensvel, e essas modificaes soimportantes para o esclarecimento do papel da imaginao na crticakantiana dos juzos estticos, tal como formulada por Kant naCr-tica do Juzo. Em particular, pretendemos mostrar que a concepo

    * Doutor em Filosofia (USP-1998), professor adjunto da UFOP.1

    JACOBI, F.H. Sobre oidealismo transcendental.Traduo de Almeida, L. In: GIL,F. (Coord.).Recepo da Crticada Razo Pura. Lisboa: Fund.Calouste Gubenkian, 1992.2SCHOPENHAUER, A.Crtica da Filosofia Kantiana.

    Traduo de Cacciola,M.L.M.O. So Paulo: NovaCultural, 1988. (Os Pensadores).3HEIDEGGER, M.Kant etlproblme de la Mtaphysique.

    Traduo de Waelhens eBiemel. Paris: Gallimard, 1953.4Alm de Cassirer, E.El problemadel Conocimiento, 3 v., Mxico:Fondo de Cultura Economica,1986 e Philonenko, A.Lecture duSchematisme Transcendental, Paris:J.Vrin, 1982, podemos mencionaro importante artigo de Vaihinger,H. J. The TranscendentalDeduction of the Categories inthe first edition of the Critique of

    Pure Reason. In:Kant: DisputedQuestion. USA, editado porGram, S.M., editora RidgeviewPubls. Comp., 1984, p.25-63, e oextenso trabalho de Vleeschauwer,H.J. La dduction transcendentaledans louevre de Kant, 3 v., NY eLondres, Editora Garland PublsInc, 1976.

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    46de imaginao, tal como resulta desta terceiraCrtica, s poderia sersalva, e s poderia contribuir para uma Esttica kantiana realmenteoriginal e fundada, na medida em que a anterior postura de Kant,aquela prpria primeira edio daCrticada Razo Pura, pudesse serrecuperada. Inicialmente procuraremos, portanto, expor brevementequais so estas modificaes ocorridas na Deduo Transcendental

    das Categorias, e, depois, procuraremos mostrar como tais modifica-es so importantes para o esclarecimento da concepo kantiana deimaginao, tal como exposta naCrtica do Juzo.

    A Deduo Transcendental das Categorias procura, segun-do Kant, estabelecer a validade objetiva, ou a realidade empric

    a,

    a,dos conceitos puros do Entendimento (CRPa-84, CRPb-117 ss)

    dos conceitos puros do Entendimento (CRPa-84, CRPb-117 ss)66.A Esttica Transcendental j havia, anteriormente, estabelecido arealidade emprica e a idealidade transcendental das formas puras daintuio sensvel, ou seja, j havia mostrado que tais formas, o espaoe o tempo, aplicam-se necessariamente a tudo aquilo que se apresen-

    tar como fenmenos (validade objetiva), mas no se aplicam quiloque no for da ordem dos fenmenos (idealidade transcendental).E a Lgica Transcendental tem por funo realizar o mesmo, sque agora no em relao s formas da intuio, mas sim em relao outra das duas fontes do conhecimento, a saber, aos conceitosdo Entendimento. Assim, a segunda parte desta Lgica, a Dialti-ca Transcendental, procura estabelecer a idealidade transcendentaldestes mesmos conceitos, quer dizer, procura mostrar que eles nose aplicam para alm dos fenmenos e da experincia possvel, e a

    primeira parte, a Analtica Transcendental, que tem como ncleoa Deduo Transcendental das Categorias, procura demonstrar avalidade objetiva destes conceitos, ou seja, mostrar que eles aplicam-se necessariamente a tudo aquilo que for objeto da experincia. Oprincpio de construo de toda esta Deduo, a chamada chavepara a descoberta das categorias, estabelecido por Kant de maneirabastante clara: a funo que d unidade s snteses de representaesno juzo (a tbua lgica) deve ser a mesma que d unidade s sntesesde representaes na intuio (CRPb-104-5). A coincidncia entreestas duas unidades de snteses, uma operada na parte intelectual

    e espontnea, a outra operada na parte sensvel e receptiva de nossoaparato cognitivo, o que Kant entende por categoria (CRPa-79,CRPb-105). E em torno das noes de sntese e de unidadede sntese que giram as principais modificaes no papel da ima-ginao entre as duas verses destaDeduo: na primeira verso, aimaginao encarregada de operar todo tipo de sntese (incluindoa intelectual) e, alm disso, de promover a unidade sinttica quecondiciona mesmo a unidade sinttica da apercepo, de modo queo Entendimento, nesta primeira verso, nada mais do que esta uni-dade proveniente da imaginao enquanto posta em relao coma unidade sinttica que a mesma imaginao promove no lado dasensibilidade. Ao mesmo tempo receptiva e espontnea, a imagina-o a raiz comum entre Entendimento e Sensibilidade, e ela intermediria entre ambos simplesmente porque tanto um como aoutra surgem dela. isto o que podemos constatar a partir dessasbreves passagens da primeira verso daDeduo:

    5De modo a contrapor-se valorizao heideggeriana daimaginao transcendental,tal como presente naprimeira edio da DeduoTranscendental das Categorias,Vaihinger e Vleeschauwerdedicam-se a mostrar que estadeduo um mosaico confuso,composto de vrios extratossuperpostos, provenientes dediferentes pocas, juntados por

    Kant sem uma conexo linear eorgnica, e onde seria possvel,segundo estes autores, determinarque as consideraes sobre aimaginao transcendental sotardias e praticamente irrelevantespara a soluo do problema daDeduo Transcendental dasCategorias.

    6De Kant, tanto para aCrtica

    da Razo Pura, como para aCrtica do Juzo, utilizamos asseguintes edies:Immanuel Kantsmmtliche Werke, ed. Vorlnder,K., Leipzig, Felix Meiner;Immanuel Kants CritiqueofPurReason, traduo de Smith, N.K.,Londres, Macmillan Publs, 1985;Crtica da Razo Pura, traduode Rohden, V. e Moosburger,U.B., So Paulo, Nova Cultural,1987 (OsPensadores);Crtica daFaculdade de Julgar, traduo de

    Rohden, V. e Marques, A-, Riode Janeiro, Forense Universitria,1993. As pginas so indicadasentre parntesis conforme apaginao da edio original,sendo CRP-a (primeira ediodaCrtica da Razo Pura) eCRP-b (segunda edio) e CJ aCrtica do Juzo.

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    47Por sntese, em seu sentido mais geral, entendo o ato dejuntar diferentes representaes, e de apreender o que mltiplo nelas em um ato de conhecimento [...] A snteseem geral [..] um mero resultado da faculdade de imagi-nao [...] (CRPa-77). A unidade transcendental da aper-cepo refere-se, ento, sntese pura da imaginao, como

    uma condio a priori da possibilidade de toda combinaodo mltiplo num conhecimento [...] Ento o princpio daunidade necessria da sntese pura (produtiva) da imagina-o, anterior apercepo, o fundamento da possibilida-de de todo conhecimento, especialmente da experincia(CRPa-118). Uma imaginao pura, que condiciona todoconhecimento a priori, , ento, uma das faculdades fun-damentais da alma humana. Por seu intermdio ns pomoso mltiplo da intuio, por um lado, em conexo coma condio da unidade necessria da apercepo pura, de

    outro lado. Os dois extremos, a saber, a sensibilidade e oentendimento, precisam manter uma conexo necessriaentre si atravs da mediao desta funo transcendental daimaginao. (CRPa-124, grifo nosso).

    Kant, aqui, afirma claramente, e isto vai se mostrar sumamenteimportante para a compreenso daCrtica do Juzo, haver uma unidadede sntese da imaginao independente da, e anterior , apercepo,e afirma tambm que a unidade desta ltima pressupe a unidadeda imaginao. De um modo geral, aDeduo, em suas duas verses,

    procura mostrar que a unidade do objeto da experincia no seriapossvel sem a unidade da apercepo. Ora, na primeira verso, tanto aunidade do objeto que se apresenta na intuio sensvel como a uni-dade da apercepo so ditas provenientes da imaginao. Na primeiraverso, o Entendimento poucas vezes mencionado, e Kant mesmo odefine como a unidade da apercepo quando posta em relao com aunidade da imaginao (CRPa-119), isto , o Entendimento a meraconfluncia, tornada consciente, destas duas unidades provenientes daimaginao.

    Na segunda verso daDeduo, o Entendimento passa a primei-rssimo plano: a sntese em geral, como ato de espontaneidade, agoradita ser um ato do Entendimento (CRPb-130); ele que, sozinho,submete o mltiplo da intuio unidade da apercepo, so a sntesee a unidade da sntese unicamente operadas por ele que condicionama prpria identidade da apercepo, apercepo que, agora, identifi-cada ao prprio entendimento (CRPb-133 n, CRPb-134); a unidadeda apercepo e, com ela, o Entendimento, que, segundo Kant dizagora, condiciona a primeira, so, nesta segunda verso da Deduo,pensados como independentes da imaginao. Esta v seu

    papel redu-

    papel redu-

    zido a operar apenas um tipo de sntese, a sntese gurativazido a operar apenas um tipo de sntese, a sntese figurativa77, e mesmonesta operao ela no faz mais que se submeter ao Entendimento:

    ...a capacidade da imaginao nesta medida uma facul-dade de determinar a priori a sensibilidade, e a sua sntesedas intuies, conforme s categorias, tem que ser a sntesetranscendental da imaginao... (CRPb-152, grifo nosso).

    7Segundo Kant, na snteseintelectual o Entendimentoconfere unidade a um mltiplode uma intuio em geral (sejaesta intuio a nossa intuioou a de qualquer outro ser,bastando que seja sensvel), aopasso que na sntese figurativao Entendimento confere

    unidade sntese operadaapenas em ns, homens,pela imaginao (CRPb-150-1). A sntese figurativaque a imaginao realiza,porm, no seria possvelsem a sntese intelectualefetuada exclusivamente peloentendimento.

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    48A anterior e fundamental Imaginao Transcendental perde,

    nesta segunda verso daDeduo, toda a importncia: ela j no a fa-culdade encarregada de operar a sntese em geral, e ela j no pode, porsi s, promover qualquer unidade de sntese. E mesmo a sntese quelhe resta operar previamente determinada pelas unidades fornecidaspelos conceitos do Entendimento. Enfim, enquanto na primeira verso

    a imaginao era a intermediria entre as partes intelectual e sensvel denosso aparato cognitivo por ser a origem comum de ambos, na segundaverso ela a intermediria apenas por ser o instrumento que o Enten-dimento utiliza para atuar sobre a sensibilidade. E, sobretudo, podemosperceber que, na primeira verso, a imaginao era entendida comocapaz de forjar uma unidade de sntese antes e independentementede qualquer unidade conceitual proveniente do Entendimento, ao passoque na segunda verso essa possibilidade negada, na medida em quese afirma que toda unidade, inclusive a unidade sinttica do mltiplo daintuio sensvel, ou seja, inclusive a unidade de qualquer objeto de ex-

    perincia, pressupe uma unidade conceitua fornecida exclusvamentee uma unidade conceitual fornecida exclusivamentepelo Entendimento

    pelo Entendimento88.

    . Pretendemos agora mostrar o quanto a leitura daCrtica do Juzo enriquecida quando levamos em considerao as mo-dificaes acima mencionadas.

    A Crtica do Juzoprocura, segundo Kant, investigar se, sendo aFaculdade de Julgar um termo mdio entre o Entendimento e a Ra-zo, e na medida em que estes fornecem princpios constitutivos para asfaculdades de conhecimento e apetio, respectivamente, se a faculdadede julgar fornece princpios, e quais, para a faculdade de prazer e des-

    prazer (CJ-pg.V). Quer dizer, se aCrtica da Razo Pura(Especulativa)mostra como o Entendimento fornece leis a priori para o domnio daNatureza, e se aCrtica da Razo Prticamostra como a Razo forneceleis a priori para o domnio de Liberdade, a presenteCrtica, aos olhos deKant, fornecer a transio entre os domnios da natureza e da liberdade,entre o Entendimento e a Razo, entre a Razo terica e a Razo Prti-ca. O papel de intermedirio que Kant atribui ao juzo, no entanto, norecai sobre o juzo enquanto este, seja no domnio terico, seja no do-mnio prtico, se mostra um juzo meramente determinante (um juzoque apenas subsume a intuio de um particular sob um universal, um

    conceito, j dado), mas sim sobre o juzo enquanto juzo reflexivo, querdizer, um juzo que procura, para um particular, ou uma intuio j dada,o universal ou o conceito sob o qual a primeira poderia ser subsumida.Da as noes de fim e de conformidade a fins, noes estas de cujoesclarecimento depende toda a compreenso daCrtica do Juzo:fimo conceito de um objeto, na medida em que este conceito ao mesmotempo contm o fundamento da realidade ou efetividade deste objeto,ou, dito de outra forma, fim o objeto de um conceito, na medida emque este for considerado como a causa daquele, ou como o fundamentoreal de sua possibilidade. E

    conformidade a finssignifica esta causalidade

    do conceito com respeito a seu objeto. com tais noes que Kantespera proceder transio entre natureza e liberdade, entre as razesterica e prtica, pois elas, tendo surgido no domnio tecno-prtico daao voluntria e intencional (na qual o entendimento ou a Razo de-terminam, mediante um conceito j dado, a vontade na produo deum efeito pensado como fim naquele conceito, na qual a representao

    8A segunda verso daDeduotorna proeminente aquiloque, segundo Schopenhauer,constitui o equvoco mais graveque ele nota em Kant: Depoisdo estudo da Crtica da RazoPura, repetido em diferentespocas da vida, imps-se a mimuma reflexo sobre a gneseda Lgica transcendental...A descoberta, fundada na

    compreenso objetiva e namais alta lucidez humana,, unicamente, o achado deque o tempo e o espao soconhecidos por ns a priori.Entusiasmado com este achado,feliz quis Kant seguir o seufilo...Como ele havia porcerto encontrado uma intuiopura a priori como condiosubjacente da intuio emprica,do mesmo modo, acreditou queigualmente conceitos, adquiridos

    empiricamente, teriam tambmem nossa faculdade de conhecer,como seu pressuposto, certosconceitos puros e que opensamento emprico efetivos seria possvel atravs de umpensamento puro a priori...(SCHOPENHAUER, A.,op.cit.,p.112).

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    49do efeito , por assim dizer, a causa da causa daquele efeito), podemestender-se no s s aes morais (nas quais a Razo determina, atra-vs de suas Idias, uma vontade pura), mas tambm aos conhecimentostericos, nos quais o conceito tambm , conforme Kant espera terdemonstrado naDeduo Transcendental das Categorias, a condio depossibilidade do objeto do conceito. Nos dois casos acima menciona-

    dos, porm, o conceito, a lei ou a regra so dados a priori, quer dizer,em ambos os domnios, tanto no terico como no prtico, a faculdadede julgar meramente determinante. Pode-se dizer que nelas o fim (oconceito) j dado, e trata-se apenas de estabelecer uma conformidadede um objeto a este fim, ou de subsumir um mltiplo de intuies aeste conceito. A faculdade de juzo reflexiva, por outro lado, procurar,para uma conformidade a fins j dada, o fim. Porm aqui surge umadistino importante: no juzo reflexivo teleolgico este fim ou concei-to, se bem que no dado, pressuposto e procurado, ao passo que nojuzo reflexivo esttico, alm do conceito ou fim no ser dado, ele no

    sequer pressuposto e procurado. Conforme Kant no deixa de frisar, aconformidade a fins expressa pelo juzo esttico uma conformidadea finssem fim, resolutamente sem fim. Acompanhemos, brevemente, omodo como Kant analisa o juzo reflexivo sobre o belo.

    Esta anlise incide, principalmente, sobre dois aspectos deste tipode juzo: 1- o prazer e a satisfao que eles veiculam, e 2- a reivin-dicao de validade universal que eles manifestam. O prazer e a sa-tisfao, diz Kant, veiculados por tais juzos no so nem da ordemdo agradvel da sensao (j que este no pode reivindicar validadeuniversal), nem da ordem do bom moral (j que este pressupe um

    conceito dado como fim), nem ainda, e de um modo geral, da ordemdaquele oriundo da efetivao de uma inteno ou do exerccio dafaculdade de apetio. A satisfao no belo no faz referncia quelasatisfao vinculada seja ao agradvel da sensao, seja ao bom, sejaao til, seja ainda ao verdadeiro. Ao contrrio, a satisfao veiculadapelos juzos estticos est ligada simples apreenso da forma de umobjeto na imaginao, sem referncia a um conceito destinado a umconhecimento, seja terico ou prtico. Neste caso, continua Kant, arepresentao liga-se no ao objeto, mas ao sujeito, e o prazer e a satis-fao exprimem apenas a adequao (Angemessenheit) desse objeto sfaculdades de conhecimento, imaginao e entendimento, quer dizer,exprimem uma conformidade a fins apenas subjetiva e formal, umaconformidade a fins sem fim, do objeto da representao:

    Na verdade, aquela apreenso das formas na faculdade deimaginao nunca pode ocorrer sem que a faculdade dejuzo reflexiva, tambm sem inteno, pelo menos a possacomparar com a sua faculdade de relacionar intuies comconceitos. Ora, se nesta comparao a faculdade de imagi-nao (como faculdade das intuies a priori) sem inten-

    o posta de acordo (Einstimmung) com o entendimento(como faculdade dos conceitos) mediante uma dada repre-sentao e deste modo desperta-se um sentimento de prazer,nesse caso o objeto tem que, ento, ser considerado comoconforme a fins para a faculdade de juzo reflexiva, quer di-zer, o objeto considerado belo. (CJ-XLIV, grifo nosso).

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    50Segundo Kant, esta conformidade a fins exprime apenas a le-

    galidade no uso emprico da faculdade de juzo em geral (unidade dasfaculdades de imaginao e de entendimento), quer dizer, o acordoou unanimidade do objeto da representao com as faculdades queso exigidas em todo conhecimento emprico. Antes de tornar precisaa concepo deste acordo, ou desta univocidade ou unanimida-

    de entre imaginao e entendimento, tratemos de notar que a deter-minao do fundamento da validade universal reivindicada pelo juzode gosto conduzir Kant ao mesmo ponto: com efeito, Kant localizaeste fundamento na comunicabilidade do estado de esprito que seencontra na relao recproca daquelas duas faculdades de represen-tao, na medida em que estas referem uma representao dada aoconhecimento em geral. As faculdades do conhecimento, diz Kant,que por ocasio desta representao so postas em jogo, esto, na me-dida em que nenhum conceito determinado submete-as a uma regracom vistas a um conhecimento particular, esto num jogo livre, e o

    sentimento deste jogo livre das faculdades de representao que, diantede uma representao dada, remete-a a um conhecimento em geral,constitui o estado de esprito que, vlido para todos e universalmentecomunicvel, constitui o fundamento da validade universal dos juzosestticos, na medida em que eles referem-se universalidade das con-dies subjetivas do ajuizamento de objetos:

    Ora, a uma representao pela qual o objeto dado, paraque disso resulte conhecimento, pertencem a faculdade deimaginao, para a composio do mltiplo da intuio, e

    o entendimento, para a unidade do conceito, que unifica asrepresentaes. Este estado de um jogo livre das faculdadesde conhecimento...tem que poder comunicar-se univer-salmente. (CJ-28-29, grifo nosso).

    A comunicabilidade universal subjetiva do modo de represen-tao em um juzo esttico, visto que ela deve ocorrer sem pressuporum conceito determinado, no pode ser outra coisa seno o estado deesprito no jogo livre da faculdade de imaginao e do entendimento(na medida em que concordam entre si, como requerido para um

    conhecimento em geral), enquanto somos conscientes de que esta re-lao subjetiva, conveniente ao conhecimento em geral, tem que valerpara todos e ser universalmente comunicvel.

    Mas o que significa este acordo, esta unanimidade, esta vi-vificao e jogo livre das faculdades de imaginao e de entendi-mento, cuja sensao, mediante o sentido interno, constitui o prazere a satisfao prpria ao estado de esprito que o juzo esttico pre-tende comunicar, e cuja universalidade, na medida em que constituios princpios subjetivos de ajuizamento vlidos para todos e qualquerum, constitui o fundamento ltimo da validade universal reivindicadapelos juzos estticos?

    Na primeira Introduo

    Na primeira Introduo99Crtica do Juzoencontramos aqui-lo que, sem dvida, o melhor esclarecimento que Kant, a este res-peito, pode nos oferecer: segundo ele, trs aes da faculdade de co-nhecimento esto necessariamente envolvidas na constituio de umconceito emprico: 1) aapreensodo diverso da intuio na imaginao,

    9Kant, I. Primeira Introduo Crtica do Juzo. Traduo de

    Torres Filho, R.R. So Paulo:Abril Cultural, 1980, (OsPensadores), p.182.

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    512) a compreensodeste diverso numa unidade sinttica da conscin-cia, num conceito de um objeto, pelo entendimento, e 3) aexposiodo objeto deste conceito na intuio mediante a faculdade de juzo.Assim, diz Kant, num juzo reflexivo, imaginao e entendimento soconsiderados na proporo em que, de um lado, tm de estar no juzoem geral em relao um ao outro, comparada com a proporo em

    que, por outro lado, efetivamente esto em uma percepo dada:Se, pois, a forma de um objeto dado na intuio emprica de tal ndole que a apreenso do diverso do mesmo naimaginao coincide com a exposio de um conceito doentendimento (sem se determinar qual conceito), entona mera reflexo entendimento e imaginao concordammutuamente em favor de sua operao, e o objeto per-cebido como final meramente para o Juzo, portanto a fi-nalidade mesma considerada meramente como subjetiva;

    assim como nenhum conceito determinado do objeto requerido para isso nem engendrado por isso, o juzo mes-mo no um juzo de conhecimento. Um tal juzo cha-ma-se juzo-reflexionante-esttico. (p.182, grifo nosso).

    Se a concordncia de que se trata , em ltima instncia, a con-cordncia entre uma apreenso na imaginao e uma exposio nafaculdade de juzo (no envolvendo assim a compreenso num con-ceito do entendimento), por que afirmar que se trata de um acordoentre imaginao e entendimento? Esta questo torna-se ainda mais

    urgente quando constatamos que, em inmeras outras passagens, Kantatribui a tarefa de exposio do objeto de um conceito na intuio

    o na intuiono faculdade de juzo, mas sm faculdade de imaginao

    no faculdade de juzo, mas sim faculdade de imaginao1010.

    . Se asaes que constituem um conceito emprico, tal como acima alinha-das por Kant, formam uma srie de condies, nas quais a exposiopressupe a compreenso e esta, por sua vez, pressupe a apreenso,ento, no juzo reflexivo esttico, teramos somente a condio iniciale o resultado final de um processo, sem que houvesse elemento algumque os interligasse. Como seria possvel, ento, a exposio do objetode um conceito sem uma compreenso que gerasse aquele conceito?

    Ora, esta questo idntica quela que incide sobre a possibilidade deuma conformidade a fins sem (e resolutamente sem) fim, j que estaexpresso significa propriamente uma conformidade a conceitos sem(e resolutamente sem) conceitos. Se, no juzo reflexivo esttico, o quefundamentalmente so comparadas so a apreenso de um mltiplo naimaginao com a exposio do objeto de um conceito (conceito estecompletamente indeterminado e, na verdade, inexistente) na facul-dade de juzo ou, mais propriamente, na imaginao, sem que estejaenvolvida a compreenso daquele mltiplo num conceito do Enten-dimento, temos ento que concluir:deve ser possvel a exposio,na e pela imaginao, de um objeto, entendido como unida-de sinttica de um mltiplo de representaes, sem que estaunidade seja proveniente de um conceito do entendimento.Aqui, o modo de falar de Kant gera alguma confuso, pois, ao referir-se a conceitos indeterminados, ele d a impresso de estar afirmandoque algum tipo de conceito, afinal de contas, preside unificao da-

    10das Vermgen der Darstellungaber ist die Einbildungskraft (CJ,-54-55).

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    52quele mltiplo, quando, de fato, esta unidade d-se na inteira ausnciade conceitos e do entendimento. O que, portanto, est em acordo,harmonia, etc., no juzo esttico, no a imaginao e o entendi-mento, mas simplesmente a apreenso de um mltiplo e uma unidadesinttica no-conceitual, ambas pertencentes somente imaginao.Se no for admitida a possibilidade desta unidade sinttica no-con-

    ceitual, e que tem origem to somente na imaginao, possibilidadeesta que, conforme vimos, era explicitamente admitida por Kant naprimeira, e depois inteiramente suprimida na segunda edio daCr-tica da Razo Pura, se no for admitida esta possibilidade, digo, toda acrtica kantiana do juzo esttico deixa de fazer sentido. Pois, quandoKant fala em conformidade a fins sem fim, ele no quer dizer queo fim (ou o conceito) em questo preexista, e que esteja para ser des-coberto ou mais precisamente determinado. O juzo reflexivo estticono pode ser um juzo determinante incompleto, vacilante, e que, porassim dizer, ficou a meio caminho. Fosse assim, teramos que con-

    siderar a atividade da faculdade de juzo reflexiva esttica como nadamais sendo do que, por assim dizer, uma atividade recreativa a que seentrega, em suas horas de folga, a faculdade de juzo determinante noconhecimento terico. Neste caso, a satisfao veiculada pelos juzosestticos seria idntica quela satisfao oriunda do exerccio virtuale despreocupado de uma atividade sria e obrigatria. Tal como oprofissional que, em suas horas de folga, pode encontrar satisfao noexerccio descompromissado de uma atividade que, em outras circuns-tncias, exige dele a mxima seriedade, assim tambm a faculdade de

    conhecimento terico, s vezes, daria incio aos procedimentos de umconhecimento emprico, ela apreenderia o mltiplo da intuio naimaginao, e ela estabeleceria a concordncia deste mltiplo com aunidade de um objeto na intuio, unidade esta supostamente prove-niente dos conceitos do entendimento, mas, na hora de determinareste conceito e subsumir sob ele aquele mltiplo, na hora de formularum juzo determinante, a faculdade de juzo interromperia o processoimediatamente antes de sua concluso, pois isto estragaria a satisfao.Como imputar a Kant uma tal concepo? Segundo ela, um juzo re-flexivo no passaria de um juzo determinante incompleto, e um juzo

    esttico no seria mais do que o ensaio de um juzo de conhecimentoterico. Ora, na medida em que se admite que a unidade sintticade representaes, que constitui um objeto na intuio, s possvelmediante um conceito do Entendimento, e, conforme vimos, exata-mente isto o que a segunda verso daDeduoadmite em detrimentoda primeira, o juzo reflexivo esttico, na medida em que compara ummltiplo de intuies com esta unidade sinttica, no poder deixarde fazer referncia ao Entendimento, no poder deixar de seguir asregras anteriormente traadas por ele, e no poder, portanto, ser maisdo que um subproduto da faculdade de conhecimento e de sua facul-dade de juzo determinante. Tal como o objeto que um arquelogo,por exemplo, pode encontrar, e que parece ter sido feito por homensou por seres inteligentes de modo a cumprir determinada finalidade,finalidade que, no entanto, para o arquelogo ainda desconhecida, oobjeto da representao esttica teria sido, ele tambm, construdo apartir de um conceito, conceito este que momentaneamente ignora-

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    53mos. Ora, justamente isto o que Kant recusa como sendo um exem-plo da conformidade a fins sem fim dos juzos estticos (CJ-61 n.).Portanto, se o exerccio da faculdade de juzo esttica for algo mais doque um mero ensaio, do que uma mera etapa prvia e recreativa a quese entrega a faculdade de conhecimento terico, precisamos entenderque o juzo esttico exprime uma conformidade a fins resolutamente

    sem fim, uma conformidade a conceitos sem conceitos, isto , admitirque a imaginao, por si s, capaz de apreender e expor um objeto,enquanto unidade sinttica de representaes, sem que, nesta sntesede representaes, e nesta unidade de sntese, ela seja guiada por qual-quer conceito do Entendimento. Ora, e conforme vimos, apenas aprimeira, mas no a segunda, edio daCrtica da Razo Puraadmitiatal possibilidade.

    Na Analtica do Sublime a tenso existente entre as duas con-cepes kantianas a respeito da imaginao chega ao seu mximo:traando um esboo desta anlise, Kant diz que, tanto no ajuizamento

    do belo como no do sublime, a satisfao vinculada simples apre-sentao do objeto, de modo que esta faculdade de apresentao, aquiefetivamente designada como sendo a imaginao, ora posta emrelao aos conceitos do entendimento, ora posta em relao s Idiasda Razo. Se o belo, porm, deve ser considerado como a apresenta-o de um conceito indeterminado do entendimento, o sublime, poroutro lado, deve, diz Kant, ser considerado como a apresentao, sem-pre inadequada, das Idias da Razo. A diferena fundamental entre obelo e o sublime, diz Kant, reside no fato de que, na representao do

    belo, o objeto julgado como conforme a fins para nossa faculdadede juzo, quer dizer, como adequado faculdade de apresentao daimaginao, ao passo que, no sentimento do sublime, o objeto podeaparecer mesmo como o contrrio a fins para a faculdade de juzo,como inadequado a, e violento para, a faculdade de imaginao. Estadesconformidade a fins do objeto em relao faculdade da imagi-nao, no entanto, constituir a ocasio para o despertar de um sen-timento de conformidade a fins de ordem superior, pois trata-seno de uma incapacidade da imaginao em apreender os objetos dossentidos, mas de sua incapacidade em apreender e fornecer a apresen-

    tao de uma Idia (Moral) da Razo, e esta incapacidade da imagina-o, faculdade mxima da sensibilidade, aponta, segundo Kant, paranossa destinao superior, independente da natureza e do mundodos sentidos.

    ...precisamente pelo fato de que em nossa faculdade deimaginao encontra-se uma aspirao ao progresso at oinfinito, e em nossa razo, porm, uma pretenso totalida-de absoluta como uma idia real, mesmo aquela inadequa-o a esta idia de nossa faculdade de avaliao da grandeza

    das coisas do mundo dos sentidos desperta o sentimento deuma faculdade supra-sensvel em ns...(CJ-85).

    Do mesmo modo como, no ajuizamento do belo, a imaginao referida ao entendimento para concordar com seus conceitos emgeral, no ajuizamento do sublime, diz Kant, esta faculdade referida Razo, para concordar com suas Idias, quer dizer, para produzir uma

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    54disposio de esprito que conforme e compatvel com aquele que ainfluncia de determinadas idias prticas efetuaria sobre o sentimento.Porm, se no primeiro caso h harmonia e acordo entre imaginao eentendimento, o mesmo j no ocorre entre imaginao e razo. Poisa imaginao, mesmo em seu mximo esforo, no consegue fornecera apresentao de uma idia da razo, e atravs justamente desta

    incapacidade da imaginao que torna-se-nos intuvel, diz Kant, a su-perioridade da determinao racional de nossas faculdades de conhe-cimento sobre a faculdade mxima da sensibilidade, a saber, sobre aimaginao. O excessivo para a imaginao , diz Kant, um abismo, noqual ela prpria teme perder-se, mas para a idia da razo do supra-sensvel no excessivo levar a imaginao at a beira do abismo, aocontrrio, trata-se de um jogo harmnico entre imaginao e razo,mesmo atravs de seu contraste e conflito, na medida em que o senti-mento de que possumos uma razo pura, independente, s pode serfeito intuvel atravs da insuficincia da faculdade que, na apresentao

    de objetos sensveis, ela prpria ilimitada.Mais ainda do que na anlise do belo, podemos ver aqui, na

    analtica do sublime, os efeitos da desvalorizao da imaginao in-troduzida pela segunda edio daCrtica da Razo Pura: se, antes, naanaltica do belo, a imaginao limitava-se a brincar de executar umaatividade que, quando servio do entendimento no juzo tericodeterminante, ela tinha que executar seriamente, nesta analtica dosublime a imaginao, atravs da penitncia, da abstinncia, atravsdo confessar-se limitada e incapaz, elevar-se-ia at a contemplao,

    se bem que ainda indireta, do Ser infinito da Razo. Se, antes, naapreenso do belo, a imaginao estaria s voltas com a apresentaode um conceito indeterminado do entendimento, no podendo, elaprpria, conferir uma unidade ao objeto apreendido que no aque-la proveniente de um conceito do entendimento, na apreenso dosublime ela, definitivamente, d-se conta de sua inferioridade, d-seconta da superioridade da parte racional e intelectual de nosso aparatocognitivo. Ora, mas como Kant pode falar de uma incapacidade daimaginao frente s Idias da Razo se, conforme ele mesmo afirma,a imaginao produz suas prprias Idias, as Idias estticas:

    ... por uma idia esttica entendo, porm, aquela repre-sentao da faculdade de imaginao que d muito a pen-sar, sem que contudo qualquer pensamento determinado,isto , conceito, possa ser-lhe adequado, que conseqen-temente nenhuma linguagem alcana inteiramente nempode tornar compreensvel. V-se facilmente que ela acontrapartida de uma idia da razo, que inversamente um conceito ao qual nenhuma intuio (representao dafaculdade da imaginao) pode ser adequada. (CJ-92-93,

    grifo nosso).

    Segundo Kant, tais representaes, caractersticas do gnio ar-tstico, merecem ser chamadas de Idias, tanto devido ao fato de queaspiram a algo situado para alm do domnio da experincia, aproxi-mando-se assim de uma apresentao das idias intelectuais, mas comotambm porque nenhum conceito do entendimento pode ser plena-

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    55mente adequado a elas. Tais Idias da Imaginao, diz Kant, chegammesmo a competir com as Idias da Razo, no sentido de transcenderas barreiras da experincia e de apreender uma completude para aqual no se encontra exemplo algum na natureza. Ora, bvio, ento,que tanto a sntese como a unidade da sntese, que gera tanto a Idiaesttica como o seu objeto, no provm do entendimento, mas, sim, e

    conforme admite Kant, da Imaginao. Se as Idias estticas forjadaspela imaginao chegam a competir com as prprias Idias da Razo,ambas pairam acima de tudo aquilo que o entendimento, com seusconceitos, pode apreender. claro, ento, que estas Idias estticas, talcomo formuladas aqui por Kant, no poderiam ser compreendidasno quadro resultante da segunda verso da Deduo Transcendentaldas Categorias, pois, conforme vimos, tal verso nega imaginaoa capacidade de conferir, por si prpria, qualquer unidade sntese derepresentaes. Portanto, somente no quadro resultante da primeiraverso daquelaDeduo, somente no interior da concepo que en-

    tende a imaginao como capaz de forjar, por si prpria, tanto a sntesecomo a unidade da sntese, independentemente dos conceitos do en-tendimento, que tanto as aluses de Kant s Idias estticas como orestante de suas aluses imaginao naCrtica do Juzopoderiam sercompreendidas como fornecendo as bases de uma Esttica kantianarealmente original.

    Ouro Preto, maro de 2005.

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    OuroPreto,n.1,p.4

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