arte e a condiÇÃo de urbanidade - ufrgs.br · baseada em uma abordagem fenomenológica ou...
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Sessão temática Cidade - 162
ARTE E A CONDIÇÃO DE URBANIDADE
Cássia Correa Pereira1
Orientador (a): Natalia Naoumova2
RESUMO: Este artigo trás um estudo sobre o tema “arte no espaço público”. O tema
deste artigo está presente na dissertação que está em desenvolvimento no Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PROGRAU, na Universidade Federal de
Pelotas, UFPEL na linha de Percepção e Avaliação do Ambiente pelo Usuário. O
objetivo da pesquisa é verificar de que forma a intervenção urbana, artística e cultural,
temporária ou permanente, pode contribuir, em maior ou menor grau, para a vitalidade
urbana e a história da cidade.
PALAVRAS-CHAVES: espaço público; Artes Visuais; amabilidade; hospitalidade;
INTRODUÇÃO
A cidade contemporânea, constrói-se através de lugares diversos, cujo caráter é
determinado tanto pela qualidade físico-espacial quanto pela experiência subjetiva que
ele proporciona. De maneira geral, os espaços definem-se como lugares por meio da
singularidade da experiência humana no ambiente físico. Ora os lugares são versões dos
processos de reprodução do capital ao redor do mundo, ora são associados a uma análise
fenomenológica e humanista, o lugar como lócus da reprodução da vida cotidiana
(SERPA, in CARLOS; SOUZA; SPOZITO, 2013, pág.97). Neste artigo, os lugares são
espaços que têm capacidade de simbolização e possuem a sua própria identidade, são os
espaços públicos urbanos, definidos por uma história social, cultural e política.
1 Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo-PROGRAU/UFPEL. [email protected] 2 Prof.ª , Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo-PROGRAU/UFPEL. [email protected]
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Definidos, enquanto combinação de espaço construído e espaço vivido, os lugares que
adquirem sentidos e imprimem significado àqueles que o habitam.
Os problemas urbanos, por exemplo, o individualismo e a antissociabilidade,
estão cada vez mais presentes nas cidades, e é o resultado de uma combinação negativa
do crescimento descontrolado das cidades e a falta de sensibilidade no ordenamento dos
espaços. O espaço público urbano, por exemplo, de países emergentes, é marcado por
imposições da inciativa privada, com uma lógica puramente comercial, que faz com que
em muitos casos, o espaço público perca seu propósito como lugar de encontro, e de
experiência humana de integração e de relacionamento social.
Por esta razão, ao longo das décadas, surgem diversos estudos que priorização o
lugar como um lugar histórico, relacional e identitário. A fim de descobrir e reativar o
espaço aquele que não se pode definir de tal modo e que deve ser encarado como um
não lugar. No entanto, deve levar em conta que o lugar, como veremos a seguir, “nunca
é completamente apagado”, ou de situação irreversível, a ponto de desaparecer da
cidade, e da mesma forma, que “o lugar nunca se realiza totalmente” (AUGÉ, 1994,
pág. 74). Cada lugar “é à sua maneira, o mundo”, visto que, “o mundo se encontra em
toda a parte” (CARLOS, 1996, pág. 36).
Jane Jacobs (1916-2006), na década de 60, trás diversos argumento, sobre um
urbanismo contemporâneo, marcado pela crítica ao idealismo do urbanismo modernista.
Trás para o debate sobre os lugares, e especialmente o espaço público, muitos aspectos
importantes, sobre a condição de urbanidade como: a vitalidade, atratividade e a
importância da mistura de tipos arquitetônicos e humanos na vida urbana. Ao contrário
dos ideiais modernistas, Jacobs (2000) defende a diversidade na apropriação da cidade:
os tipos sociais e os tipos de usos do espaço público. Salientando a necessidade de
corrigir a perda gradual desta diversidade/urbanidade dos espaços públicos urbanos. A
urbanidade que é por um lado, um conjunto de características e qualidades dos lugares
e, por outro, a presença e a apropriação das pessoas.3
3 Para mais ver “Urbanidades” de Douglas Aguiar & Vinicius Netto (Org.). Rio de Janeiro: Folio Digital.
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Este debate, é destaque neste artigo, a partir do momento, que entendemos que a
arte para o espaço público, pode vir a ser tratada, por nós pesquisadores e artistas, como
uma resposta ao desurbanismo. Cidades cada vez as cidades são projetadas menos para
as pessoas, por exemplo, e a arte por consequência, é cada vez mais voltado para os
problemas sociais, para a valorização dos espaços públicos e para o desaparecimento,
como veremos adiante, dos espaços ociosos na cidade. As artes aplicadas no espaço
público, como o graffite, as festas na cidade, as instalaçõe temporárias, o cinema, o
teatro, o design, podem ser uma alternativa, no lugar de intervenções marcadas pelo
erro.
“As cidades são um imenso laboratório de tentativa e erro, fracasso e sucesso, em
termos de construção e desenho urbano” (JACOBS, 2009, pág. 5).
1. A intervenção urbana: 1960-2014
A intervenção urbana, que veremos neste artigo, é uma ação de cunho socia e
político, de transformação social. É o tipo de apropriação e manifestação que se
confunde com a vida cotidiana, e que marca, temporariamente ou permanentemente, a
vida das pessoas. Ela, neste caso, é uma amplitude do campo criativo das Artes Visuais
e uma crítica à Arquitetura e Urbanismo hostil. Uma vez que desconstrói com o modelo
clássico de projeto da cidade do futuro, baseado em um desenho futurista, e passa a
rever as formas de se fazer o espaço público urbano na escala humana.
Veremos que, a intervenção urbana, é uma subcategoria da Arte Pública, que
sofreu profundas modificações, ao longo das décadas. E que por esta razão, não se trata
mais de uma obra como monumento comemorativo, ou decorativo de praças públicas.
Trata-se em muitos casos de uma proposta de cunho político e social.
Historicamente há diversas formas de intervir na cidade. Por definição, o conceito
de intervenção com origem no vocábulo latim interventĭo, é a ação e o efeito de intervir.
E é nas Artes Visuais que a intervenção urbana ganha um escopo critico e criativo.
Consiste basicamente em uma interação com um objeto previamente existente, que visa
colocar em questão as percepções sobre ele, nasceu de novas propostas.
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As propostas de intervenção urbana surgem em meados da década de 1960 e
1970, e surgiram junto das grandes mudanças nas Artes Visuais e na Arquitetura e
Urbanismo. Com novos termos, por exemplo, in situ ou site especific4 utilizado por
Daniel Buren (1938) e contextos, por exemplo, a Land art de Robert Smithson (1938-
1973) (Spiral Jetty, 1970; Rozel Point, GreatSalt Lake, Utah).
Na atualidade, a intervenção urbana é uma prática artística que ganha força com o
descontentamento dos usuários do espaço público urbano, artistas, arquitetos e
urbanismo, designer, e ativistas urbanos, sobre as condições da cidade. E este
descontentamento, gera novas possibilidades de usos.
Neste artigo, veremos alguns exemplos de intervenções urbanas, que tem como
proposta, a qualificação do lugar, e o objetivo de transformar a cidade, mesmo que
temporariamente, em uma cidade mais atrativa. Tratam-se de obras, por vezes,
instalações urbanas, que transformam o espaço público, proporcionando em parte, o que
é necessário para a vitalidade urbana de Jacobs (2000): a diversidade de usos, em locais
específicos da cidade.
“1- Estimular a diversidade de usos e de usuários para a vitalidade social e
como alicerce da força econômica. 2- Interpenetração de vizinhanças, cujos
usuários e proprietários possam dar uma contribuição para a segurança. 3-
Evitar fronteiras desertas e ajudar a promover a identificação das pessoas
com os distritos extensos. 4- Estimular forças econômicas construtivas e
projetos pessoais, em meio à diversidade em uma área mais ampla da cidade”
(JACOBS, pág. 454/455)
1.1. Movimentos e artistas
A cidade que é o lócus da vida cotidiana, e sinônimo de vida coletiva, tem escrito
na sua história o desenvolvimento de experiências artísticas e de processos culturais e
4 in situ ou site-specific: Uma obra in situ está cirscunscrita a um determinado local mediante ao material a qual é
feita e as condições de sua existência física. Baseada em uma abordagem fenomenológica ou experiencial do sítio, o
site-specific foca especialmente os atributos físicos e materiais de uma localização particular (KWON, 2002).
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políticos. Nas Artes Visuais, é importante citar, as experiências do Grupo Fluxus5 ou
Movimento Fluxus, por toda Europa e EUA, e do Movimento Situacionista6 de Guy
Debord (1931-1994). Ambos foram cruciais para o rompimento das Artes Visuais, com
a História da Arte Moderna. E foram também os primeiros passos da experiência
urbana. No Brasil, nós temos as experiências dos artistas Lygia Clarck (1920-1988),
Lygia Pape (1927 – 2004) e Hélio Oiticica (1937 – 1980).
1.1. 1. As experiências de Hélio Oitica
A obra em destaque de Hélio Oitica, é na verdade um projeto, trata-se do projeto
ambiental formado a partir da vivência e do contato do artista com uma comunidade do
Rio de Janeiro. A intervenção “Penetrável Tropicália” (1966) inspirada na Favela da
Mangueira, localizada na Zona Norte do Rio.
A proposta do artista do projeto ambiental de Oiticica era proporcionar aos
visitantes, memórias da comunidade. Fazendo com que diversas pessoas revivessem os
5 O Grupo Fluxos, ou Movimento Fluxus traduz um fazer artístico e cultural que se manifestou nas mais diversas
formas de arte: música, dança, teatro, artes visuais, poesia, vídeo, fotografia, performance e happenings. Uma das
fontes do movimento foi o dadaísmo, e os ready-mades de Marcel Duchamp (1887-1968).
6 O Movimento Situacionista foi uma crítica social, cultural e política que reuniu poetas, arquitetos, cineastas, artistas
plásticos e outros profissionais interessados em construir situações de vida cotidiana, cada um explorando o seu
potencial de modo a romper com a alienação da cidade moderna. Com práticas como a "deriva", a "psicogeografia" e
o "desvio" perambulações ao acaso pela cidade com base na experiência vivida. (GUY DEBORD, 1957)
Figura 1 Penetrável Tropicália de Hélio Oiticica, exposição Museu é o mundo, em Berlim, 2014.
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aspectos culturais da Mangueira. Nos penetráveis há uma extensão de elementos do
cotidiano urbano, da Mangueira, que surtem percepções diferentes durante os percursos
dentro da instalação. O projeto ambiental espelha não só as características de uma
determinada zona urbana, mas também amplia a dimensão existencial da obra de arte.
A intervenção, neste caso, está na participação do público é a interferência do
público no ambiente criado. É uma analogia, ao que veriamos posteriormente, Oitica
recria um espaço cultural e diversificado e instala na sua obra a intervenção ambiental.
A obra é uma a instalação diferente de qualquer outra já existente. Oiticica
abandonou a pintura, a tela e a moldura, e buscou as problemáticas sociais, a memória
coletiva, e a interação do público. E sobretudo a experiência sensorial e a percepção
ambiental. A obra permitia a experiência das pessoas, o que se pressupôs a concepção
do artista. Esta obra, foi realizada no período neoconcreto7 (1959), que é conhecido pela
ousadia nas experiências artísticas. Período em que há uma forte caracterização da
cultural brasileira, momento em que os artistas criam sua própria identidade cultural,
criada fora dos circuitos e da crítica institucional.
O Neoconcreto [...]
“em suas duas vertentes básicas, tinham um projeto comum: reorganizar os
postulados construtivos dentro do ambiente cultural brasileiro. O projeto era
renovar a vanguarda construtiva. Uma exposição neoconcreta aparecia, então,
como o ponto mais avançado e “livre” da pesquisa de arte no País. (...) Os
agentes neoconcretos prescreviam, assim, o terreno de sua prática e se
dispunham a analisar os seus elementos de modo autônomo: a arte não podia
ser instrumentalizada, e sim compreendida como atividade cultural
globalizante, que envolvesse o conjunto da relação do homem com seu
ambiente.” (BRITO, 2006, pág. 79)
7 A ruptura neoconcreta na arte brasileira data de março de 1959, com a publicação do Manifesto Neoconcreto pelo
grupo “Neoconcreto”, e deve ser compreendida a partir do movimento concreto no país no início da década de 1950.
Os artistas do grupo “Frente”, no Rio de Janeiro, e do grupo “Ruptura”, em São Paulo. Tributária das correntes
abstracionistas modernas das primeiras décadas do século XX - com raízes em experiências como as da Bauhaus, dos
grupo De Stijl [O Estilo] e Cercle et Carré, além do suprematismo e construtivismo soviéticos -, a arte concreta ganha
terreno no país em consonância com as formulações de Max Bill, principal responsável pela entrada desse ideário
plástico na América Latina, logo após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
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Diante disto, diversos artistas, inspirados na teoria fenomenológica de Merleau-
Ponty (1908-1961), experimentam procedimentos e metodologias, que permitem a
analise e a experiência fenomenológica. No campo fenomenológico, o lugar é entendido
como um fenômeno da experiência humana (SERPA, in SPOZITO, 2013, pág.97).
“O sujeito da sensação não é nem um pensador que nota uma
qualidade, nem um meio inerte que seria afetado e modificado por ela;
é uma potência que co-nasce com um certo meio de existência e se
sincroniza com ele” (MERLEAU-PONTY, 1994, pág. 285)
É neste ponto, que devemos lembrar, que não são só os artistas, formados em
Artes Visuais, ou especializados de alguma forma no campo das artes, que realizam os
projetos de intervenção humana. Mas sim, todo sujeito que nele desperta, a necessidade
de buscar algo novo, e que neste momento, está diante do processo artístico. A arte,
neste caso, é uma espécie de estratégia de transformação e tática de uso do espaço, visto
que, em Hélio Oiticica (1967), no manifesto “Esquema Geral da Nova Objetividade” 8,
a negação do quadro de cavalete, é uma necessidade involta do processo criativo do
artista. E um despertar para a “desmusealização” da obra de arte. Conforme Miwon
Kwon (2002)
“é a busca de um engajamento maior com o mundo externo e a vida cotidiana
– uma crítica da cultura que inclui os espaços não especializados, instituições
não especializadas e questões não especializadas em arte (em realidade
borrando a divisão entre arte e não-arte), preocupada em integrar a arte mais
diretamente no âmbito social.” (KWON, 2002, pág. 24)
8 Texo publicado na exposição Nova Objetividade Brasileira, em 1967, no MAM-Rio. Trecho: “Há atualmente no
Brasil a necessidade da tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e Éticos, necessidade essa que se
acen tua a cada dia e pede uma formulação urgente, sendo o ponto crucial da própria abordagem dos problemas no
campo criativo: artes ditas plásticas, literaturas, etc. Nessa linha evolutiva da qual surgiu, ou melhor, que eclodiu no
objeto, na participação do espectador, etc, o chamado grupo “realista” segundo Schembeng (no Rio), no campo plás
tico (incluindo aí as experiências de Escosteguy), conseguiu a pri meira síntese de idéias nesse sentido aqui
verificadas. Aí, a primeira obra plástica propriamente dita com caráter participante no sentido político, foi a de
Escosteguy em 1963, que, surpreendido por gestões políticas de vulto na época, criou uma espécie de relevo para ser
apre endido menos pela visão e mais pelo tato (aliás, chamava-se Pintura Tátil, e teria sido então a primeira obra
nesse sentido aqui — mensagem politico-social em que o espectador teria que usar as mãos como um cego para
desvendá-la).”
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Pois de que “adiantaria possuir a obra uma "unidade" se essa unidade fosse largada à
mercê de um local onde não só não coubesse como idéia, assim como não houvesse a
possibilidade de sua plena vivência e compreensão?” (OITICICA, 1986, pág. 43)
1.2. A história da intervenção urbana na Arquitetura e Urbanismo
Do outro lado, surge a intervenção urbana, de essência artística, realizada por
arquitetos e urbanistas, também na década de 1960 e 1970. Tratam-se de experiências
urbanas, por exmeplo, as experiências de corte do arquiteto Gordon Matta-Clark (1943-
1978). Matta-Clark fez da própria arquitetura uma obra de ruputra, uma intervenção
urbana. Ele interviu nas construções suburbanas de cidades como Nova York e propôs
uma nova perspectiva sobre a arquitetura. Na obra, Conical Intersect (1975) (figura 2)
o artista, utiliza a arquitetura como material do processo artístico. Ele se apropria de um
prédio prestes a ser demolido em Paris e nele faz buracos criando uma vista para a
cidade.
Figura 2. Conical Intersect, de Matta-Clark, Paris, 1975.
Neste caso, por se tratar de uma interferência em prédios em fase de demolição, as
obras eram temporárias. O que sobrevivia delas, eram os registros realizados pelo
artista. A intervenção na arquitetura foi um processo subjetivo, necessário, na medida
em que a construção abandonada, era transformada temporariamente em uma obra de
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arte9. Matta-Clark libertava o espaço do caráter do abandono, e agregava à sua
existência uma nova possibilidade de uso.
“O trabalho com edificações abandonadas começou com a minha
preocupação com a vida da cidade, da qual um importante efeito colateral é a
metabolização de prédios antigos. Aqui, tal como em muitos centros urbanos,
a disponibilidade de edifícios negligenciados e desocupados foi um crucial
lembrete textural da atual falácia da renovação por meio da modernização. A
onipresença do vazio, de moradias abandonadas e de demolições iminentes
me proporcionou a liberdade de experimentar com as múltiplas alternativas
para a vida das pessoas em uma caixa e também com as atitudes corriqueiras
em relação às necessidades de cercamento.” (apud CUEVAS; RANGEL,
2010, pág. 24) 10
Tais espaços assumiram diversas características no conjunto de sua obra: o espaço
que se parte ao meio, o espaço esquecido, o espaço do movimento, espaços que foram e
que ficaram na história da cidade. A intervenção, nestes casos, é uma forma de pensar a
desconstrução dos espaços e é uma tentativa de chamar a atenção para espaços em
situação de descaso e abandono, "deve ser entendido como uma recusa a deixar o objeto
ser considerado desperdício, algo que não pode ser aproveitado por seu valor de uso, e
não como a destruição de um objeto" (O’NEILL, 2008, pág 97).
2. Tipos de intervenção urbana:
Agora veremos, as intervenções urbanas, instalações temporárias, e intervenções
permanentes, in situ e site specific, projetadas como possibilidades de qualificação do
espaço urbano, em grande parte, atreladas as necessidades dos usuários, como críticas
ou como solução para os seus problemas.
9 Artistas como Michael Asher, Daniel Buren, Marcel Broodthaers, dentre outros, contestaram a ‘inocência’ do
espaço, ou seja, a sua ênfase nos aspectos físicos e espaciais, incorporando ao site aspectos relativos à sua
estrutura cultural definida pelas instituições de arte. Daniel Buren acreditava que qualquer trabalho, independente do
local em que está exposto, é contaminado pelo lugar, portanto, de acordo com o artista, se ele não enfrenta e
considera tal influência converte a obra num modelo autorreferente. Para Buren, a arte é, antes de tudo, política,
existindo a partir da consideração dos seus limites formais e culturais. (CARTAXO, 2006, p. 85)
10 Entrevista com Gordon Matta-Clark por Donald Wall, para a Arts Magazine 1975, in CUEVAS, Tatiana;
RANGEl, Gabriela (orgs.). gordon Matta-Clark: desfazer o espaço. Catálogo. são Paulo: Museu de arte Moderna,
2010, p. 168.
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2.1. Intervenção “Stairway Cinema” coletivo OH.NO.SUMO.
A imagem abaixo, corresponde a intervenção “Stairway Cinema” (Figura 2),
realizada na cidade de Auckland, Nova Zelândia. A intervenção tinha o intuito de
transformar a realidade da rua em questão através de uma instalação temporária. A
intervenção faz parte dos projetos do coletivo OH.NO.SUMO.
O coletivo trabalha com uns instrumentos e conceitos das Artes Visuais,
Arquitetura e Urbanismo, Designer e da Cultura urbana. Ele desenvolveu a intervenção
“Stairway Cinema” no ano de 2012, que trata-se de uma instalação de madeira coberta
por um tecido colorido a prova d’água com interior decorado com almofadas.
O segredo da instalação está no videoprojetor instalado no interior da residência
que abriga a intervenção. A instalação é um ambiente projetado por um grupo de
pessoas, que viu neste lugar, uma potencialidade de tranformação. E quis beneficiar
através do projeto as pessoas que passam e que permanecem ali, antes sem nenhuma
distração. O projeto, é de certa maneira, uma provocação para a arquitetura ociosa da
cidade de Auckland. A intervenção ocupou um lugar, que era simplesmente, um vazio,
assim como outros locais despercebidos nas cidades. Espaços que as pessoas
desconhecem, e que poderiam ser áreas atrativas, dedicadas ao convívio social e o
entretenimento. Stairway Cinema era parte de St Paul St Gallery’s Curatorial Season
Figura 3. Stairway Cinema, de OH.NO.SO.MO, Auckland, Nova Zelândia, 2012.
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2012. Uma série de exposições de artistas e coletivos, convidados para analisar e criar
novas abordagens relativas ao projeto urbano.
2.2. Piscina no Minhocão
A intervenção “Piscina” (Figura 2), é um projeto da Arquiteta Luana Geiger,
formada em arquitetura pela USP, e especialista em Mídias Interativas pelo SENAC. A
arquiteta, inspirada nas iniciativas do artista Hélio Oiticica (Ver página 4) e da arquiteta
ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914), projetou uma piscina para a via expressa Elevado
Presidente Costa e Silva de São Paulo, conhecida por Minhocão. A psicina é um espaço
comunitário, que prevê o lazer e o envolvimento social. Renovando o uso do espaço e
apostando na interação da comunidade local.
A piscina é uma grande intervenção urbana, para qual foi arrecadado dinheiro com
doações pela internet e o apoio da Prefeitura de São Paulo. Tudo para que o espaço
ocioso, do Minhocão. Um espaço pouco atrativo, no calor de São Paulo, fosse um
convidativo, e atrativo.
O Minhocão foi construído com o intuito de desafogar o trânsito das vias que não
poderiam ser alargadas para ampliar a capacidade do trânsito na região. No entanto, o
elevado gerou inúmeros problemas estruturais para o bairro, para os quais existem
poucas soluções, como garante os responsáveis pelo projeto de extinção do Elevado,
discutido no ano início de 2014, e que ainda não há previsão para ser executado.
Figura 4. Piscina, de Luana Geiger, São Paulo, Brasil, 2014.
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O maior problema do espaço, está relacionado à vida dos moradores. A
convivência com acidentes, a poluição sonora e visual além da insegurança provacada
pelos vazios urbanos existentes no local provocados pela instalação do Elevado. Por
estas razões, o Minhocão é considerado um lugar indesejado e ocioso. Por esta razão,
foi o espaço escolhido por Luana Geiger, para criar sua intervenção. E também por
outros artistas e interessados em reviver o espaço com intervenções que ainda são
visíveis no Elevado, como as intervenções do projeto "Elevado à Arte" criado
pela Funarte, em 1998, entidade ligada ao Ministério da Cultura, pinturas murais de
vários artistas plásticos, nas laterais do interior do Minhocão.
2.3. REVIVART
REVIVART é um projeto de revitalização urbana através das Artes Visuais. O
objetivo do projeto além da revitalização de uma zona urbana é a valorização das
iniciativas culturais e artísticas independentes e o apoio na divulgação dos trabalhos dos
artistas locais.
O projeto foi idealizado pelo artista Subtu, e executado ao longo do ano de 2014,
em São Paulo. Vencedor do edital do “Programa VAI” com a proposta de revitalizar os
prédios do Conjunto Residencial Parque do Gato. O resultado do projeto (figura 3) são
desenhos feitos em grande escala, que se encaixam no contexto da comunidade. Os
artistas que participaram do projeto, foram selecionados através de um edital interno,
que contou com a avaliação dos moradores.
Figura 5. Projeto REVIVART, Murais produzidos por Subtu e Fel, visíveis da Marginal Tietê.
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O projeto coloca em evidência os prédios, transformando e valorizando o local de
moradia da comunidade. O Conjunto Residencial Parque do Gato, fez parte das
políticas habitacionais da Prefeitura Municipal de São Paulo em 2004. Foi construído no
local onde havia a Favela do Gato. São 480 apartamentos em 9 blocos prediais que
apesar de estar localizado na região central de São Paulo, encontra-se com sérios
problemas sociais e de infraestrutura urbana.
Com isto, passamos a entender a intervenção urbana como uma possibilidade de
mudança da cidade, de revitalização e vitalidade. Uma alternativa, que pode solucionar
problemas específicos do espaço urbano. Tornar o espaço vivido mais dinâmico e
atrativo. O espaço que não é mais, “aquele uniforme (...)” (SARAMAGO, 2008, p: 63).
“é aquele desprovido do tempo, da heterogeneidade das paisagens do mundo,
das diferentes direções, o invisível e intangível, ainda que facilmente
objetivado pelas ciências exatas. Como contraponto a este espaço-objeto, há
o espaço interior da consciência de um sujeito, que se coloca "diante" do
mundo, estabelecendo um esquema interior-exterior tão avesso à unidade
inseparável entre Dasein e mundo, por exemplo; unidade que sempre
permaneceu inalterada para Heidegger, ainda que formulada de diferentes
modos. Nos lugares do mundo há espaços, mas jamais o espaço.”
(SARAMAGO, 2008, p: 66).
3.1. A hospitalidade e a amabilidade
Em espaços, onde reside principalmente a hospitalidade11
e a amabilidade12
. A
hospitalidade e a amabilidade, segundo Fuão (1997) e Fontes (2013) são indispensáveis,
na vida urbana, porque “a hospitalidade, assim como a interioridade é construída por
uma relação de afeto muitas vezes construída por aquele que chega para o outro, de fora
para dentro” (FUÃO, 1997, pág. 14). E a amabilidade “é ação ou qualidade de amável, o
ato ou estado de comportamento que pressupõe a generosidade, o afeto ou a cortesia”
(FONTES, 2013, pág.14). Ora a hospitalidade e a amabilidade, falam em parte, do que é
essencial para os espaços públicos: o afeto. Ora podemos concluir, que uma
11 Ver a “Interioridade da arquitetura” de Fernando de Freitas Fuão. PROARQ 14, pág. 99. Fernando Fuão, Doutor
pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona/Universitat Politécnica de Catalunya, Barcelona. 12Ver “Intervenções temporárias, marcas permanentes. Apropriações, arte e festa na cidade contemporânea” de
Adriana Sansão Fontes. FAPERJ, pág. 14. Adriana Fontes, Doutora em Urbanismo pelo PROURB-FAU/UFRJ.
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possibilidade, de produzir afeto e subjetividade na cidade, é através da arte. Do seu
compromisso, como estratégia de mudança.
“Hoje em dia, uma reflexão sobre a hospitalidade pressupõe, entre outras
coisas, a possibilidade de uma delimitação rigorosa das soleiras ou fronteiras:
entre o familiar e o não-familiar, entre o estrangeiro e o não-estrangeiro, entre
o dentro e o fora, entre o publico e o privado. As possibilidades tecnológicas
ameaçam a interioridade do 'em casa' e a interioridade humana, são sentidas
como ameaças que pesam sobre o território "próprio do próprio", no mais
profundo do profundo, ainda que seja `na pele', parodiando Paul Valeri.
Agora é a rua dentro de casa, e a cidade esvaziada de qualquer sentido porque
já é um fantasma'', um espectro negro de violência que surge por todos os
lados, sufocando o sentido da beleza pública, da felicidade. Da `felizcidade'.”
(FUÃO, 1997, pág. 103)
A amabilidade, como um atributo de um espaço amável13
é o sentido de
“felizcidade”. Conforme Fontes (2014) “Assim como Bachelard descarta os espaços da
hostilidade, concentrando-se em verificar como o espaço expressa um sentimento, neste
caso um sentimento feliz, também me interessam os espaços ‘positivos’ capazes de
manifestar a amabilidade.”
“Os espaços amáveis que ocuparão estas páginas são os lugares onde a
amabilidade se manifesta, e para que isso aconteça, são necessários alguns
atributos específicos que, comunicativos e atraentes, os tornam ‘apropriáveis’
pelas intervenções: elas só se desencadearão caso exista no espaço algum
componente de atração. Determinadas características físicas podem resultar
tanto em um espaço hostil quanto em um espaço potencialmente atraente. A
qualidade urbana se cria, portanto, através da união dos atributos do lugar.”
(FONTES, 2014, pág. 71)
4. Conclusão
Entendemos através deste estudo, que podemos contribuir para a cidade dos
desejos com uma análise sobre as intervenções urbanas, artisticas e culturais. Estas que
podem modificar os usos e a percepção do usuário sobre o espaço público. Por isto,
13
Ibid, pág. 14.
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seguimos, com a pesquisa que busca construir um pensamento sobre o arte para o
espaço público, suas contruibuições para a disciplina do urbanismo contempoâneo e
principalmente suas alianças com a história da cidade. Mediante o descobrimento de
ações que despertam o interesse das pessoas pelo lugar, que não é só um local físico no
território, com significado localizacional, ou um dado, ele é um espaço vivido com
qualidades específicas: a qualidade sensitiva do espaço, que neste caso, refere-se ao que
cada um vê, ouve, ou cheira.
Devemos citar, antes do término deste artigo, a ideia do Genius Loci, de Christian
Norberg-Schulz (1926-2000), teórico norueguês, que basea-se sobretudo no ensaio de
Martin Heidegger (1989-1976): “Construir, habitar, pensar”. Esta ideia surge na
metodologia de pesquisa, e é uma forma de nos fazer ser capaz de revelar os
significados do ambiente mediante a criação de lugares específicos na cidade. Construir,
habitar e pensar a cidade dos desejos, a partir das manifestações culturais e artísticas,
pode ser um diferencial. Uma lógica que temo intuito de contribuir para novos hábitos
urbanos de uma cidade que é “um fenômeno que se revela pela percepção de emoções e
sentimentos dados pelo viver urbano” (PESAVENTO, 2007, pág. 14). A cidade que é
(...) sobretudo, a dimensão da sensibilidade que cabe recuperar para os efeitos
da emergência de uma história cultural urbana: trata-se de buscar essa cidade
que é fruto do pensamento, como uma cidade sensível e uma cidade pensada,
urbes que são capazes de se apresentarem mais ‘reais’ à percepção de seus
habitantes e passantes do que o tal referente urbano na sua materialidade e
em seu tecido social concreto” (PESAVENTO, 2007, pág. 14).
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