apráticadopsicólogohospitalaremequipemultidisciplinar.pdf

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Estudos de Psicologia I Campinas I 24(1) I 89-98 I janeiro - março 2007 1 A pesquisa contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Proc. nº 471273/2003-1) 2 Mestre em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Porto Alegre, RS, Brasil. 3 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia. Rua Ramiro Barcelos, 2600, 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: W.B. GOMES. E-mail: <[email protected]>. A prática do psicólogo hospitalar em equipe multidisciplinar 1 The practice of hospital psychologist in a multidisciplinary team Aline Maria TONETTO 2 William Barbosa GOMES 3 Resumo Este trabalho analisa a interação estabelecida no hospital entre a Psicologia e a Enfermagem para identificar aspectos capazes de promover a ação multidisciplinar. Foram entrevistadas sete psicólogas hospitalares, três enfermeiras, e observadas várias situações de intervenção psicológica. Os conteúdos obtidos foram analisados qualitativamente através de três etapas sinérgicas: descrição, análise indutiva e análise crítica. A descrição e a análise indutiva trazem a questão do poder hierárquico e da visão reducionista do médico como obstáculo à prática multidisciplinar. A Enfermagem reconhece a importância da intervenção psicológica, mas avalia que o psicólogo nem sempre consegue justificar a pertinência de um atendimento à equipe. A análise crítica destacou que a prática multidisciplinar depende de o psicólogo deslocar o foco da doença em si para uma visão mais integrada do processo saúde-doença, o que implica ser capaz de justificar procedimentos psicológicos de forma clara e objetiva. Unitermos: enfermagem; hospitais; intervenção psicológica. Abstract The interaction between hospital psychologists and nursing professionals is examined in order to identify the multidisciplinary activity aspects. Seven hospital psychologists and three nurses were interviewed. Also, the psychologists’ activities carried out in different hospital settings were observed. The results were analyzed qualitatively through three synergic steps: description, inductive analysis and critical analysis. The description and the inductive analysis brought up the hierarchical power and doctors’ reduced vision as obstacles to the multidisciplinary practice. While nursing acknowledges the importance of the psychological intervention, they consider psychologists rarely justify its importance to the team. The critical analysis showed that the multidisciplinary practice depends on the psychologist to displace the focus from the illness towards a more integrated vision of the health-illness process. Such a displacement involves the competency to justify psychological procedures in a clear and objective way. Uniterms: nurses; hospitals; psychological intervention. O trabalho em equipe é hoje uma prática cres- cente no atendimento à saúde (Bucher, 2003; Maclean, Plotnikoff & Moyer, 2000; Moré, Crepaldi, Queiroz, Wendt & Cardoso, 2004; Remor, 1999; Seidl & Costa, 1999; Wild, Bowden & Bell, 2003). As equipes se caracterizam pelo modo de interação presente na relação entre pro- fissionais (Chiattone, 2000; Maclean et al., 2000), que pode ser interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar. A interação é interdisciplinar quando alguns especialistas discutem entre si a situação de um paciente

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    Estudos de Psicologia I Campinas I 24(1) I 89-98 I janeiro - maro 2007

    11111 A pesquisa contou com apoio da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior e do Conselho Nacional do Desenvolvimento Cientficoe Tecnolgico (Proc. n 471273/2003-1)

    22222 Mestre em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Ps-Graduao em Psicologia. Porto Alegre, RS, Brasil.33333 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia. Rua Ramiro Barcelos, 2600, 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil. Correspondncia

    para/Correspondence to: W.B. GOMES. E-mail: .

    A prtica do psiclogo hospitalar em equipe multidisciplinar1

    The practice of hospital psychologist in a multidisciplinary team

    Aline Maria TONETTO2

    William Barbosa GOMES3

    Resumo

    Este trabalho analisa a interao estabelecida no hospital entre a Psicologia e a Enfermagem para identificar aspectos capazes depromover a ao multidisciplinar. Foram entrevistadas sete psiclogas hospitalares, trs enfermeiras, e observadas vriassituaes de interveno psicolgica. Os contedos obtidos foram analisados qualitativamente atravs de trs etapas sinrgicas:descrio, anlise indutiva e anlise crtica. A descrio e a anlise indutiva trazem a questo do poder hierrquico e da visoreducionista do mdico como obstculo prtica multidisciplinar. A Enfermagem reconhece a importncia da intervenopsicolgica, mas avalia que o psiclogo nem sempre consegue justificar a pertinncia de um atendimento equipe. A anlisecrtica destacou que a prtica multidisciplinar depende de o psiclogo deslocar o foco da doena em si para uma viso maisintegrada do processo sade-doena, o que implica ser capaz de justificar procedimentos psicolgicos de forma clara e objetiva.

    Unitermos: enfermagem; hospitais; interveno psicolgica.

    Abstract

    The interaction between hospital psychologists and nursing professionals is examined in order to identify the multidisciplinary activityaspects. Seven hospital psychologists and three nurses were interviewed. Also, the psychologists activities carried out in different hospitalsettings were observed. The results were analyzed qualitatively through three synergic steps: description, inductive analysis and critical analysis.The description and the inductive analysis brought up the hierarchical power and doctors reduced vision as obstacles to the multidisciplinarypractice. While nursing acknowledges the importance of the psychological intervention, they consider psychologists rarely justify its importanceto the team. The critical analysis showed that the multidisciplinary practice depends on the psychologist to displace the focus from the illnesstowards a more integrated vision of the health-illness process. Such a displacement involves the competency to justify psychological proceduresin a clear and objective way.

    Uniterms: nurses; hospitals; psychological intervention.

    O trabalho em equipe hoje uma prtica cres-

    cente no atendimento sade (Bucher, 2003; Maclean,

    Plotnikoff & Moyer, 2000; Mor, Crepaldi, Queiroz, Wendt

    & Cardoso, 2004; Remor, 1999; Seidl & Costa, 1999; Wild,

    Bowden & Bell, 2003). As equipes se caracterizam pelo

    modo de interao presente na relao entre pro-fissionais (Chiattone, 2000; Maclean et al., 2000), que podeser interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar.

    A interao interdisciplinar quando algunsespecialistas discutem entre si a situao de um paciente

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    sobre aspectos comuns a mais de uma especialidade. multidisciplinar quando existem vrios profissionaisatendendo o mesmo paciente de maneira indepen-dente. transdisciplinar quando as aes so definidase planejadas em conjunto. Na prtica, poucos so ostrabalhos que contemplam essa diferenciao. Inde-pendente do termo empregado, h expectativas de queprofissionais da sade sejam capazes de ultrapassar odesempenho tcnico baseado em uma nica arte ouespecializao (Bucher, 2003; LoBianco, Bastos, Nunes &Silva, 1994).

    Reconhea-se, contudo, que o interesse pelotrabalho em equipe multidisciplinar vem se fortale-cendo, tendo como base a crescente aceitao domodelo biopsicossocial de sade. Nesse modelo, sade definida como o bem-estar fsico, mental e social, emcontraste com o modelo biomdico tradicional para oqual sade a ausncia de doena (OrganizaoPanamericana da Sade, 1996).

    A organizao ou mobilizao de equipes estassociada complexidade da demanda (Crepaldi, 1999).Nessas situaes, os profissionais se deparam com seusprprios limites e encontram nos colegas de outras for-maes subsdios para a compreenso e atendimentodo caso em questo. No entanto, tal atitude no umaconduta padro, podendo variar conforme a tradioprofissional, a caracterstica do grupo de trabalho e otipo de interveno (Chiattone, 2000). Na verdade, otrabalho em equipe traz novos desafios, exigindocompetncias e habilidades para o trabalho em grupoe para a justificao clara e objetiva de procedimentostcnicos pertencentes dada especialidade.

    No mbito hospitalar, a falta de clareza quantos atribuies dos diferentes profissionais, principal-mente em profisses emergentes, um dos fatores quedificulta o trabalho em equipe. O hospital uma insti-tuio complexa, que envolve um grande nmero deespecialidades. Esses profissionais so preparados paratomar decises importantes em curto espao de tempo.Tradicionalmente, tais decises competem aos mdicos.No entanto, com o aparecimento de novas especiali-dades, os mdicos contam hoje com o auxlio dediversos profissionais de campos emergentes. Um dessescampos a Psicologia.

    A crescente insero da Psicologia em equipesde sade hoje um fato reconhecido (LoBianco et al.,

    1994). No mbito hospitalar, sabe-se que a Psicologiavem participando mais ativamente na definio decondutas e tratamentos (Romano, 1999). Contudo, hqueixas entre psiclogos de que muitas das suas obser-vaes clnicas no so prontamente aceitas pelasequipes. Tais dificuldades tm gerado discusses sobrequal o modo mais apropriado da Psicologia se inserirnas equipes multidisciplinares.

    Uma primeira condio para o trabalho multidis-ciplinar efetivo do psiclogo a clareza de suasatribuies e das expectativas concernentes a suaespecificidade (Romano, 1999). No caso de estaremesclarecidas as atribuies do psiclogo, espera-se queele seja capaz de se mostrar competente o suficientepara que sua prtica seja vista como necessria(Chiattone, 2000; Mor et al., 2004).

    Uma das dificuldades apontadas na relao dopsiclogo com a equipe a ausncia de linguagemclara e objetiva. Em contraste, Seidl e Costa (1999)informaram que tais dificuldades diminuem quando opsiclogo ps-graduado, desenvolve atividades depesquisa e participa de eventos cientficos.

    Em estudo realizado na Esccia, Wild et al. (2003)verificaram que o baixo ndice de encaminhamento paratratamento psicolgico estava mais relacionado faltade compreenso da prtica do que desconfiana dosmtodos. A partir desses resultados, os autoresconcluram que h necessidade dos psiclogos hospi-talares investirem em canais de comunicao quepermitam divulgar e esclarecer o trabalho que realizamou podem realizar em hospitais.

    Apesar dos avanos obtidos, o trabalho emequipe ainda constitui um importante desafio para odesenvolvimento da Psicologia Hospitalar (Seidl & Costa,1999; Yamamoto & Cunha, 1998). Gavio e Pinto (2000)ouviram 80 psiclogos que trabalhavam em hospital econcluram que o compromisso interprofissional aindamuito idealizado. Com efeito, a interveno multi-disciplinar no ocorre de modo freqente e sistemtico(Bucher, 2003; Crepaldi, 1999), podendo ser prejudicadapor uma rgida discriminao hierrquica (Romano,1999). A discriminao hierrquica ocorre quando nose diferencia status de funo, substituindo-se asespecificidades de cada membro da equipe pelasrelaes de poder. A dinmica de trabalho em equipe,fundamentada na diferena de cada especialista, depen-

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    de da autonomia e do compartilhamento de responsabi-lidades. Em uma equipe bem-sucedida, o dilogo aberto e cooperativo, favorecendo o rodzio natural delideranas situacionais (Romano, 1999).

    Este estudo uma proposta de insero naprtica da Psicologia em hospitais atravs de dois olhares:a reflexo da Psicologia sobre a prpria prtica em equi-pes multidisciplinares e a observao da Enfermagemsobre a participao da Psicologia nessas interaes.Epistemologicamente, o estudo estabelece uma conver-sa entre a primeira pessoa do psiclogo (como eu faoe como eu sinto) com a terceira pessoa do enfermeiro(como ele faz e eu vejo).

    Espera-se que esta pesquisa revele aspectos darotina psicolgica em hospitais e aponte exemplos deinseres bem-sucedidas e aspectos que requeremmaior ateno e pesquisa.

    Mtodo

    Participantes

    Participaram deste estudo sete psiclogas

    (Tabela 1) e trs enfermeiras (Tabela 2), procedentes de

    quatro instituies da cidade de Porto Alegre, RS: A)

    particular (hospital confessional com atendimento a

    particulares e a convnios); B) pblico-escola (hospital

    vinculado universidade pblica); C) pblico (hospitalgerenciado pelo Sistema nico de Sade SUS), e D)misto-escola (hospital confessional com atendimentoa particulares, a convnios e ao SUS).

    As psiclogas foram selecionadas a partir doncleo de psiclogos hospitalares de cada instituio.Nos locais com mais de dois psiclogos envolvidos comatendimento de pacientes, familiares e equipe, foramsolicitadas a participarem do estudo aquelas com maistempo na instituio. Uma instituio consultada noindicou um profissional da Psicologia, inviabilizando a

    incluso na pesquisa. Todos os hospitais consultados

    ofereciam estgio de Psicologia para cursos de gra-

    duao, embora nem todas as psiclogas participantes

    fossem supervisoras de estgio. Quanto s enfermeiras,

    uma foi indicada por trabalhar com psiclogos em

    equipe multidiscipinar h vrios anos. As demais foram

    indicadas pelas psiclogas participantes. No hospital

    pblico as psiclogas informaram no haver enfermeirasdispostas a colaborar com a pesquisa.

    Instrumentos

    O contato com as profissionais se deu por meiode entrevistas e observaes. Antes da entrevista, aspsiclogas foram observadas em situaes deatendimento psicolgico. As observaes incluam a

    Tabela 1. Perfil das psiclogas entrevistadas.

    Psicloga

    A1A2B1B2C1C2D1

    Idade (anos)

    37

    33

    29

    37

    45

    45

    23

    Tempo de servio (anos)

    6 *

    4 *

    5 *

    12 *

    19*

    16 *

    4 *

    Carga horria hospitalar

    40 h/semanais40 h/semanais30 h/semanais30 h/semanais30 h/semanais30 h/semanais20 h/semanais

    Natureza do hospital

    ParticularParticularPblico/escolaPblico/escolaPblicoPblicoMisto/escola

    Outra atividade

    ClnicaClnicaConsultrioConsultrio

    -ConsultrioConsultrio

    *Seis meses como psicloga e trs anos e meio como estagiria

    Tabela 2. Perfil das enfermeiras entrevistadas.

    Psicloga

    A3B3D3

    Idade (anos)

    32

    47

    48

    Tempo de atuao (anos)

    13

    25

    26

    Unidade de atuao

    MaternidadeUTI Neonatal

    Pediatria

    Natureza do hospital

    ParticularPblico/escolaMisto

    Funo

    EnfermeiraEnfermeiraEnfermeira

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    descrio do local de atendimento e as verbalizaesda profissional. Em algumas das situaes observadas,as atividades foram executadas por estagirios queestavam sob superviso da psicloga participante. Asentrevistas orientaram-se por roteiros tpicos flexveiselaborados especialmente para este estudo. A entrevistacom as psiclogas focalizou as experincias, opinies,conhecimentos e sentimentos dessas profissionais sobreo trabalho em hospitais. Como perguntas tpicas daentrevista podem-se mencionar: Que tipo de atividadestem realizado na instituio em que trabalha? Qual ademanda e quais os objetivos do trabalho realizado?Quais as atividades que considera peculiar do trabalhoem Psicologia Hospitalar? Qual a relao das atividadesque desenvolve com os demais servios oferecidos pelainstituio em que trabalha? Se for o caso, que estrat-gias so utilizadas para integrar-se aos demais pro-fissionais? Quais os maiores desafios enfrentados naprtica da Psicologia Hospitalar? Como percebe avalorizao do que faz pelos demais profissionais dainstituio?

    A entrevista das enfermeiras abordou as expe-rincias, opinies, conhecimentos e sentimentos dasprofissionais em relao ao trabalho das psiclogas. Asperguntas da entrevista foram: Qual a sua formaoprofissional? H quanto tempo voc trabalha na insti-tuio? E no setor que atualmente desenvolve suasatividades? Voc costuma exercer sua profisso a partirdo trabalho em equipe? A sua formao foi orientadapara o trabalho em equipe? Como voc avalia aimplementao do trabalho em equipe na rea dasade? Quais os profissionais que voc consideraimportantes para compor as equipes na rea da sade?

    Qual a sua experincia de trabalho com psiclogos?

    Como foi ou est sendo? O que voc concebe como

    sendo funo do psiclogo nos trabalhos em equipe?

    Que aspectos voc destacaria do trabalho dos psic-

    logos que voc trabalhou? A quais aspectos voc

    acredita que os psiclogos deveriam dar mais ateno?

    Como voc avalia a insero dos psiclogos nas equipes

    de sade?

    Procedimentos

    As observaes e as entrevistas foram agendadasconforme consentimento e disponibilidade dos

    participantes. As observaes foram autorizadas apenasem dois hospitais: no pblico/escola e no misto/escola.Todas as observaes foram registradas em dirio decampo para posterior anlise. O tempo mdio dedurao de cada atividade observada foi de 60 minutos.Em ambos os hospitais, o local de realizao dasatividades observadas variou conforme seu objetivo epblico-alvo. A pesquisadora (primeira autora) encon-trava com as psiclogas ou estagirias, responsveispelo desenvolvimento das atividades observadas, nasala do servio de Psicologia, momentos antes do inciode cada atividade.

    No hospital pblico/escola puderam ser acom-panhadas somente as atividades realizadas ou supervi-sionadas pelas psiclogas participantes que nosofressem interferncias com a presena do pesquisador.Foram observadas as seguintes atividades consideradasmultidisciplinares: grupo de pais da UTI neonatal; grupode portadores de osteoartrose; grupo de gestantes;grupo de mulheres portadoras do vrus HIV.

    No hospital misto/escola foi possvel acom-panhar as diversas atividades multidisciplinaresrealizadas pela Psicologia: grupo de pais da UTI infantil;grupo de pacientes do SUS; grupo de pais de pacientesde convnios e particulares; reunio da equipe decirurgia torcica e reunio do comit gestor do hospital.

    As psiclogas dos hospitais pblico e particularno permitiram que fossem realizadas as observaesporque as atividades consistiam basicamente ematendimentos individuais. As profissionais do hospitalparticular alegaram ainda que a presena do pesqui-sador nas atividades realizadas em grupos poderiaconstranger os participantes e, portanto, prejudicar odesenvolvimento dos trabalhos.

    As entrevistas com as psiclogas e as enfermeirasforam realizadas nos hospitais, depois de concludas asobservaes. O relato das entrevistadas foi gravado emudio e transcrito na ntegra. O tempo mdio de duraodas entrevistas com as psiclogas foi de 70 minutos, ecom as enfermeiras de 40 minutos. Todas as participantesassinaram o Termo de Consentimento Livre e Escla-recido.

    Critrios de anlise

    O contedo das observaes e das entrevistasfoi analisado qualitativamente em trs etapas siste-

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    mticas e sinrgicas, conhecidas como descrio,anlise indutiva e anlise crtica (Gomes, 1998). Na des-crio procura-se relatar o fenmeno estudado confor-me vivenciado pelos participantes, de modo direto eno avaliativo. Na anlise indutiva escolhem-se partesda descrio que se mostrem essenciais ao esclare-cimento da questo que se quer compreender. A escolhaentre partes segue a tcnica da variao imaginativalivre, processo de sucessivos questionamentos sobre aspresenas e ausncias que compem o relato da des-crio (Lanigan, 1988). Nessa fase, o pesquisador revsua compreenso inicial do problema, demarcandoaquelas experincias consideradas essenciais.

    Na anlise crtica os pesquisadores propemuma compreenso possvel ao fenmeno estudado,tendo em vista propostas de mudanas ou de apro-priao dos aspectos positivos encontrados. As re-corrncias (repeties de certo tema ou observao emvrias entrevistas) sero tratadas qualitativamente comopossibilidades potenciais e no como quantidades reais.

    As etapas de anlise deste estudo so informadasa seguir. Inicialmente preparou-se uma exaustiva descri-o compreensiva do que havia sido documentado emobservaes e entrevistas (1 etapa). Procedeu-se ento anlise indutiva com a definio dos temas tratadosna entrevista, seja por associao s perguntas, seja porintroduo espontnea das entrevistadas. Cada temafoi documentado por excertos retirados das obser-vaes e das entrevistas (2 etapa). O resultado dessaoperao foi, portanto, a primeira interpretaoqualitativa do estudo (3 etapa).

    A primeira interpretao qualitativa foi tomada,ento, como descrio, no caso documentado porexcertos previamente selecionados (1 etapa) para servirde base aos questionamentos da anlise indutiva (2etapa). A anlise crtica abarcou o conjunto das anlisesindutivas, dialogando com o contexto geral das entre-vistas e com a literatura (3 etapa). Para maiores informa-es sobre essa modalidade de anlise qualitativa verOliveira e Gomes (2004) e Souza, Gomes e McCarthy(2005).

    Resultados

    A apresentao dos resultados est organizadaem duas partes. A primeira focaliza a perspectiva daspsiclogas e a segunda a das enfermeiras.

    Primeira parte: prtica multidisciplinar naperspectiva das psiclogas

    As psiclogas consideram que o modo deinterao que estabelecem com os demais profissionaisem um hospital depende de questes hierrquicas; dograu de importncia atribuda aos aspectos emocionais;e do conhecimento existente sobre o trabalho daPsicologia. Sendo assim, as condies de trabalho variamde hospital para hospital, e em um mesmo hospitalentre as diversas unidades. Por sua vez, o atendimentopode variar da ao isolada em uma unidade aointegrada em outra.

    Os depoimentos obtidos foram agrupados emdois temas: 1) insero em equipes e 2) prtica multidis-ciplinar. As etapas reflexivas sero abertas com umapergunta para orientao do foco a ser considerado.Cada pergunta procurar estabelecer uma relao entreo olhar do pesquisador e as falas obtidas nas entrevistas.

    Descrio do primeiro tema: a insero daPsicologia em equipes multidisciplinares

    Quais so as questes de hierarquia, de impor-tncia emocional, e de conhecimento sobre a Psicologiana percepo das psiclogas, no contexto das equipesmultidisciplinares?

    - A questo da hierarquia:

    O hospital a casa do mdico e a psicloga est aqui

    pagando aluguel, no sentido assim de estar aqui pra

    contribuir, pra ajudar porque os mdicos sabem que no

    do conta sozinhos. Mas quem realmente importante

    na histria so eles, isso algo bem visvel (B1).

    Como lidar com isso assim, no sentido de no desvalorizar

    nosso trabalho e tambm de no interferir na questo

    do mdico? (A2).

    H [mdicos] que querem, que fazem questo, que nos

    procuram. Mas h outros que surpreendem de chegar [e

    dizer] olha eu no quero: o que tu podes fazer pelo meu

    paciente se ele est morrendo? Talvez pelo paciente,

    indiretamente, mas pela famlia muito n? Tem muito de

    desinformao (A2).

    Eu tenho um mdico aqui que diz assim, mas vocs esto

    sempre falando o bvio, a gente sabe que o paciente que

    recebe psiclogo tudo de bom. Mas me prova que tudo de bom. E tu ficas numa reunio l da diretoriaassim, tu achando que tu t fazendo um baita dum

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    projeto e a eles chegam eu quero nmeros, me mostra,e a a gente fica olhando pra eles (A1).

    A Psicologia questionou se h realmente uma estruturafamiliar neste momento para realizar o transplante,considerando que isto implicaria em estar levando parao bloco cirrgico o pai, a me e o menino, sendo que outroirmo est internado na UTI. Segundo a psicloga, a meno tem claro a possibilidade de perder o filho notransplante. ... Vrios mdicos manifestaram-secontrrios ao exposto pela Psicologia, alegando teremconversado com a me e avaliado que a famlia estpreparada. (Registro de observao em reunio deequipe multidisciplinar de transplante).

    - A importncia do emocional:

    Os psiclogos ainda trazem muito assim, ah tudoemocional, tudo tem um fundo emocional, e tudo nosei o qu. E claro que eu tambm acredito nisso, acho quecomo causa ou conseqncia, a questo emocional tsempre implicada. Mas sempre achei que as pessoaseram muito reducionistas assim. O mdico acha quetudo do corpo, e tudo o corpo que produz (D1).

    A minha frustrao assim em relao a essa trajetria que demora bastante tempo, a gente tem um quadroclnico de mdicos credenciados em torno de trs mil eseiscentos, quatro mil mdicos n. A gente tem o que, nsno temos 10% dessa populao que solicita atendi-

    mento sempre quando o paciente est depressivo, n.

    s quando eles no esto conseguindo manejar uma

    situao, que o paciente est ali deixando eles de cabelo

    em p, bom ento passa pro psiclogo que ele tem, ele

    tem condies de dar conta disso n, idealizando a figura

    do psiclogo como se fosse uma pessoa milagrosa, que

    vai conseguir botar tudo no lugar (A1).

    - Conhecimento do trabalho do psiclogo:

    Basicamente fazer o contato com esse mdico e explicar,

    o que tu ests fazendo por ele. Te posicionar, dizer olha eu

    acredito que isso, isso, e isso. E pra isso tu tem que estudar

    muito, tu tem que poder discutir com o mdico, tem que

    poder entender o que ele est dizendo. ... tem que saber

    qual essa linguagem, pra poder trocar com esse mdico

    e ele entender o qu que tu t falando. Ento , eu entendo

    que buscar por a, n. Buscar a capacitao e poder

    mostrar pra esse mdico, porque pra ele que tu tem que

    mostrar, porque se tu no mostra, ele vai barrar (A1).

    - Anlise indutiva: As psiclogas consideram quepara se inserir no hospital e conseguir desenvolver seutrabalho preciso ser persistente na defesa de suas idiase buscar interagir com os demais profissionais. precisoindicar quais benefcios podem ser obtidos com a

    interveno psicolgica para que o servio passe a sersolicitado. Com esses cuidados, o trabalho tende a seraceito e valorizado por parte daqueles profissionais quereconhecem a interferncia de aspectos emocionais noquadro clnico de seus pacientes.

    Os reducionismos profissionais e as diferenashierrquicas so identificados como fatores queimpedem o desenvolvimento da prtica multidisci-plinar. O reducionismo est tanto do lado da Psicologia,exacerbando-se a defesa do emocional, quanto do ladoda medicina, limitando-se ao tratamento do corpo.Nesses impasses, uma sada tem sido a promoo deamplas discusses sobre as relaes mente-corpo. Noentanto, para que esse tipo de discusso avance e tragabenefcios prticos, preciso que as psiclogas reconhe-am as implicaes orgnicas no estado emocional dospacientes, e os mdicos acatem a relevncia dopsiquismo na recuperao dos pacientes.

    As psiclogas reconhecem as dificuldades quesentem para expor e sustentar seus posicionamentosperante os mdicos. H realmente um desafio capaci-tao. Um psiclogo para manter um dilogo produtivocom o mdico precisa dispor de uma viso ampla dasua cincia e da linguagem do mdico. No entanto, afalta de consenso sobre o papel da cincia na formaoem Psicologia parece dificultar o desenvolvimento dehabilidades profissionais para a atualizao cientfica.

    Descrio do segundo tema: prtica multi-disciplinar na perspectiva da Psicologia

    Como se constitui a rotina e a realidade vividana prtica multidisciplinar? As falas escolhidas soapresentadas nos excertos que seguem:

    Se eu estou atendendo, eu participo do round quando

    eu tenho assim, alguma paciente que eu preciso falar

    alguma coisa com algum da equipe, que a gente precisa

    trocar. E na verdade, o chefe da equipe gostaria da minha

    presena na equipe todos os dias. S que assim, so 24

    leitos e eu no consigo dar cobertura pra todos. Ento se

    eu fico ali no round, demorado, muito tempo que eu

    perco, eu no perco n, mas assim, eles esto discutindo

    questes mdicas n. Ento eu participo quando eu vou

    poder dar alguma assessoria do ponto de vista assim, ah

    como que vai conduzir aquele caso (C2).

    Tem grupos que a gente compartilha e olhe l n. Eu sinto

    isso nos andares n, na internao de clnica, cirurgia,

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    porque os mdicos eles so, eles esto muito maispreocupados com a questo do paciente estar bem, se aferida operatria t bem, se t curada. Difcil eles veremum paciente como um todo assim, uma pessoa queprecisa de ajuda, que se estiver deprimida no vaimelhorar e a ferida no vai fechar (B1).

    Eu posso dizer que a equipe que o trabalho multidisciplinarmais acontece com a psiquiatria. Tem toda umaproposta deles tambm de trabalhar assim, de poderemse dar conta que muitas vezes fica tudo centralizado nomdico, mas que no deve ficar. At tem um processoque de gerenciamento de pacientes, ento eu souresponsvel por alguns pacientes, a assistente social poroutros, e todo mundo fica mais ou menos no mesmonvel assim de responsabilidade. No s o mdico quetem que arcar com tudo, vai ter alta, no vai ter alta, vaifazer isso, fazer aquilo (B1).

    O trabalho multidisciplinar aqui no acontece, aquidentro, aqui no acontece. De longe isso que pra ser,que a gente entende, no acontece. O que a gente tenta trocar assim com um ou outro profissional (A2).

    No temos muito tempo para estar nessas reunies assim.Mas tem acontecido, tem um desejo deles em que a gente

    esteja inserida ali, bem marcada (A2).

    - Anlise indutiva: notrio nas falas que apesardo elogio ao multidisciplinar, tal prtica paira no ideriofuturo da prtica hospitalar. No caso da Psicologiaaparecem dois limitadores. Um deles o reduzidonmero de psiclogos e, por conseguinte, a limitaode tempo, refletida nas dificuldades em conciliar oacompanhamento s visitas mdicas, a discusso decasos, e o atendimento psicolgico. O outro limitador a disposio dos chefes de servios em conceder espaoao trabalho da equipe. A adeso de mais mdicos aotrabalho em equipe certamente uma questo detempo, tendo em vista a necessidade de o profissionaldesenvolver uma viso sistmica e integrada do serhumano e do processo sade/doena. Enquanto isso,espera-se que os psiclogos se disponham a compar-tilhar seus conhecimentos com os demais profissionais.

    Segunda parte: a insero da Psicologia notrabalho multidisciplinar na percepo daEnfermagem

    Como realizado na seco anterior, a descrioser composta com excertos procedentes das entrevistascom as enfermeiras. O foco o reconhecimento, porparte da Enfermagem, das contribuies da Psicologia

    para o desenvolvimento do trabalho multidisciplinar eo tratamento dos pacientes. A narrativa desdobra-seem trs temas:

    1) Descrio do primeiro tema: reconhe-cendo a Psicologia

    Qual a percepo da Enfermagem sobre otrabalho realizado pela Psicologia?

    Foi na maternidade [que] eu pude acompanhar bem de

    perto essa situao, juntamente com a Psicologia. A

    gente fica entendendo [como se d] a troca entreprofissionais ... do psiclogo com a enfermeira. A gentecomea a entender um pouco melhor do paciente,tambm, e pode ajudar at na questo do cuidado (A3).

    Eu comecei a perceber que aquelas mes e aqueles casaisque eram acompanhados pela psicloga, no que elesno sentissem, eles sentiam todo o processo que os outrossentiam, s que de uma forma mais, h, no to ansiosa,sabe, o processo ele era mais lento talvez, no, no maislento que eu quero dizer, era mais brando, n. Ele no era

    uma coisa que vinha assim de qualquer jeito. E tambm

    aliviava pra Enfermagem, bem como se diz assim, aliviava

    pra Enfermagem por que as angstias, os anseios, a

    ansiedade daqueles pais elas eram minimizadas (A3).

    Ns profissionais sentimos necessidade tambm do

    psiclogo nos ajudando em alguns momentos, tipo,

    numa situao de extrema gravidade do paciente,

    numa situao de morte. A gente sente muita falta

    tambm, pra equipe tambm. Algumas decises que

    tem que serem tomadas. Eu acho que o psiclogo seria

    muito bom se ele pudesse trabalhar com essa equipe ... e

    ajudando na situao, tipo no tem mais nada pra fazer

    com esse paciente e a. Como que vai ser tratado isso

    com os pais, como que vai ser tratado com os mdicos,

    com a equipe de Enfermagem. Ento acho que um

    profissional que t fazendo falta, tanto pro paciente

    quanto pra equipe (B3).

    - Anlise indutiva: os profissionais da Enferma-gem consideram que as atribuies da Psicologiaconsistem no atendimento a pacientes e familiares queenfrentam situaes de crise, risco de vida e de morte,isto , em trabalhar a aceitao da doena e a adeso aotratamento com pacientes crnicos; preparar crianaspara cirurgia; trabalhar alta hospitalar com crianas queapresentam hospitalismo; trabalhar implicaesfamiliares e risco de morte com pacientes candidatos atransplante; preparar gestantes de alto risco para o

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    ps-operatrio e possvel internao de seu filho na UTIneonatal; trabalhar fantasias e sentimentos de culpa depais que tm filhos com anomalia; oferecer apoio aosfamiliares na comunicao de ms notcias, tais comorisco de vida e ausncia de tratamento; e facilitar oprocesso de luto dos familiares que enfrentam situaesde bito.

    A Enfermagem tambm tem expectativas clarascom relao contribuio da Psicologia s equipes.Espera-se que a Psicologia assessore na definio decondutas e tratamentos, trazendo conhecimentos sobrea influncia dos aspectos emocionais no quadro clnicodos pacientes. Desse modo, atribuda ao psiclogo afuno de qualificar a equipe para ser capaz de tomardecises condizentes com as necessidades dospacientes. Isso implica tornar a equipe mais autnoma,j que nem sempre o profissional da Psicologia temdisponibilidade para atend-la. interessante notar quena ltima fala foi introduzido o trabalho em equipe queser tema da prxima descrio.

    2) Descrio do segundo tema: a equipemultidisciplinar na perspectiva daEnfermagem

    Como a Enfermagem percebe e vivencia amultidisciplinaridade?

    Logo que a gente se forma, isso no muito claro dentro

    da tua cabea, n, porque tu queres trabalhar, tu queres

    fazer tcnica. Mas tu vais amadurecendo e tu vais

    percebendo cada vez mais a importncia da atuao

    da equipe interdisciplinar, e o quanto isso importante

    pra poder fazer o cuidado (A3).

    Participei de um grupo de maus tratos, onde eram vriosprofissionais, era mdico, era psiclogo, servio social, e aenfermagem que fazia o trabalho. E a conheci comofuncionava cada profissional. E a que eu fiquei viciada, euno sei mais trabalhar sem estar em grupo, no sei, nosei mesmo, eu sinto falta quando eu no posso contarcom algum. Porque eu consegui me dar conta que omeu servio tem sempre um momento que ele tem limite.Ele chega a um ponto que no est mais em mim emresolver, por falta de conhecimento na rea e outra talvezpor habilidade profissional, que depende de outroprofissional (D3).

    Normalmente quem faz e acontece [trabalho em

    equipe] so os mdicos mais simpticos, mais

    agradveis pra atender, porque eles mesmos se propem

    a isso. Tem uns que no participam, no adianta, mas

    normalmente vem algum. Vem algum mdico, mesmo

    que ele venha contrariado, mas a gente mostra a

    importncia. Esse o profissional que a gente tem mais

    dificuldade pra trazer pra equipe (D3).

    - Anlise indutiva: As enfermeiras reconhecem ascontribuies da equipe multidisciplinar e distinguem,com clareza, as vantagens para a anlise do caso clnicoquando ocorrem interaes entre profissionais dasdesvantagens decorrentes do distanciamento dotrabalho da equipe. Aquelas que vivenciaram ambas assituaes dizem valorizar ainda mais a possibilidade depoder contar com o apoio de colegas com outraformao.

    3) Descrio do terceiro tema: demandapor Psicologia

    Como a Enfermagem v a participao daPsicologia nas equipes multidisciplinares?

    Que pudesse ter um momento que a Psicologia pudesse

    trazer isso pra equipe, que no fosse s pro enfermeiro,

    mas pra equipe em si, assim o mdico juntamente n,

    que a gente pudesse entender um pouquinho mais n.

    Por mais que a enfermeira possa fazer esse link, n, mas

    que pudesse tambm a Psicologia participar de uma

    reunio juntamente com a Enfermagem, mdicos (A3).

    No incio assim, como era menos reas acho que o

    psiclogo teria que atender, at a presena dele era mais

    freqente aqui. Hoje em dia mais aluno, com a

    superviso da Psicologia, da psicloga, mas aqui conosco

    quem trabalha mais o aluno. E isso a gente sente muita

    falta. Por que o aluno na verdade ele t aprendendo. Teria

    que na verdade o psiclogo que t, o orientador dele estar

    mais presente, e a gente sente muito (B3).

    As acadmicas de Enfermagem comentaram sobre a

    importncia de escolher um lugar calmo para ama-

    mentar a criana, por ser este um momento de intimi-

    dade entre a me e o beb, em que um conhece o outro.

    A estagiria de Psicologia no comentou nada. (Registro

    de observao de atendimento multidisciplinar de

    um grupo de gestantes).

    - Anlise indutiva: foram mencionados dois tiposde demandas psicolgicas. A primeira requer maiorpresena do psiclogo na equipe, explicitando suasposies e intervenes para todo o grupo e no

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    somente para enfermeiras por ocasio de visitas apacientes. A segunda traz um aspecto positivo, oreconhecimento da demanda, e um aspecto preocu-pante, a insero prematura de estagirios no servio.As enfermeiras reconheceram a limitao de tempo daPsicologia para atender toda a demanda existente. Noentanto consideram que as intervenes psicolgicasseriam mais eficazes se esses profissionais atendessema um menor nmero de unidades e investissem maisnas situaes cuja atuao est consolidada.

    Discusso

    Conforme indicado anteriormente (LoBiancoet al., 1994; Romano, 1999), o trabalho da Psicologia vaise consolidando na prtica hospitalar. Tal impresso corroborada pelas psiclogas entrevistadas nestapesquisa. Para elas, a efetividade do trabalho dependeda conduta na equipe multidisciplinar e da capacidadede mostrar os resultados obtidos. O trabalho daPsicologia mais bem compreendido em instituiescom predomnio do modelo biopsicossocial.

    No entanto no se pode desprezar a tradiohistrica do modelo biomdico e nem assumi-lo comoobstculo ao trabalho. Por sua vez, os avanos da prticapsicolgica esto associados qualificao do psic-logo, mais especificamente capacidade de justificarprocedimentos e aes (Wild et al., 2003). Nesse sentido,espera-se que os psiclogos sejam crticos o suficientepara avaliar quando pertinente aceitar a argumentaodos demais profissionais e quando realar a especifi-cidade de sua atuao. O trabalho em grupo requerobjetividade, clareza e evidncias empricas. Nessesentido, Gorayeb e Guerelhas (2003) apresentaram umbelo estudo sobre como registrar e analisar as interven-es psicolgicas em hospitais. Do mesmo modo,Sheridan (1999) relatou que h evidncias empricasconfiveis indicando que a Psicologia contribui tantopara a qualificao do atendimento quanto para areduo de custos em hospitais.

    O aparente consenso da Psicologia sobre suasfunes e da Enfermagem sobre as atribuies dopsiclogo confirmam que o trabalho em equipe fundamental para o reconhecimento das diferentesreas de atuao. O relato das enfermeiras reitera apercepo das psiclogas de que a valorizao dos

    servios depende dos resultados obtidos. De relance,tal interpretao pode parecer bvia. Contudo oreconhecimento pela Psicologia da necessidade demostrar resultados recente. Durante muito tempo,acreditou-se que a satisfao com as intervenespsicolgicas era medida pela subjetividade de cada um.Entretanto a prtica psicolgica em hospitais precisaser ampliada, o que requer maior presena em diferentesequipes, mesmo naquelas no muito receptivas. Porexemplo, Hallas (2004) reconhece, em um texto didticoe informativo sobre as aplicaes psicolgicas nocuidado sade na Inglaterra, que o trabalhomultidisciplinar, apesar de intenso e efetivo, ocorreprincipalmente em nvel informal.

    Consideraes Finais

    Os servios de sade contam hoje com umconjunto diversificado de profissionais em condiesde oferecer atendimentos de altssima qualidade. A

    articulao desses atendimentos em equipes multidis-

    ciplinares sistematiza o trabalho, melhora os resultados

    e reduz os custos. As falas deste estudo mostram que

    tal diversificao pode em um primeiro momento trazer

    confuso, dificuldade de comunicao, e at frustrao.

    Nesse momento, as entrevistadas enfatizam que a clareza

    que cada profissional tem de suas funes e a habilidade

    para comunicar-se com os colegas so fatores prepon-

    derantes para a apropriao gradativa e segura da ao

    multidisciplinar. O interesse pelo trabalho psicolgico

    em hospitais vem crescendo e a Psicologia, como

    cincia, est preparada para contribuir de modo eficiente

    e seguro. A ao multidisciplinar, apesar dos desafios,

    apresenta-se como uma forma promissora e irreversvel

    de atendimento na rea da sade.

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    Recebido em: 31/1/2006Verso final reapresentada em: 2/5/2006Aprovado em: 28/8/2006