apostila nº 7 profae -saúde mental

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    PPPPPnfermagem

    rofissionalizao de

    uxiliares deAAAAA EEEEECadernos do AlunoCadernos do AlunoCadernos do AlunoCadernos do AlunoCadernos do Aluno

    SADE MENTAL

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    PPPPPnfermagem

    rofissionalizao de

    uxiliares deAAAAA EEEEECadernos do AlunoCadernos do AlunoCadernos do AlunoCadernos do AlunoCadernos do Aluno

    SADE MENTAL

    Ministr io da SadeSecretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade

    Departamento de Gesto da Educao na SadeProjeto de Profissionalizao dos Trabalhadores da rea de Enfermagem

    Srie F. Comunicao e Educao em Sade

    2a Edio

    1a Reimpresso

    Braslia - DF

    2003

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    SUMRIOSUMRIOSUMRIOSUMRIOSUMRIO

    1 A presentao pg. 7

    2 Sade M ental pg. 9

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    Parasitologiae

    Microbiologia

    PsicologiaAplicada

    ticaProfissional

    Estudos

    Regionais Nutrioe

    Diettica

    Higienee

    Profilaxia

    Fundamentosde

    Enfermagem

    SadeColetiva

    Sadedo Adulto

    -Assistncia

    Clnica

    Sadedo Adulto

    -Atendimento

    de Emergncia

    Sadedo Adulto

    -AssistnciaCirrgica

    Sadeda Mulher,da Criana

    e doAdolescente

    Discip

    linasIn

    strumentais

    Discipl inas

    Profiss

    ionalizant

    es

    AnatomiaeFisiologia

    SadeMental

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    APRESENTAPRESENTAPRESENTAPRESENTAPRESENTAOAOAOAOAO

    MIN ISTRIO DA SADE

    SECRETARIA DE GESTO DO TRABALHO E DA EDUCAO NA SADE

    PROJETO DE PROFISSIONALIZAO DOS TRABALHADORES DA REA DE

    ENFERMAGEM

    processo de construo de Sistema nico de Sade (SUS)colocou a rea de gesto de pessoal da sade na ordem das

    prioridades para a configurao do sistema de sade brasileiro.A formao e o desenvolvimento dos profissionais de sade, a regulamentaodo exerccio profissional e a regulao e acompanhamento do mercado detrabalho nessa rea passaram a exigir aes estratgicas e deliberadas dos rgosde gesto do Sistema.

    A descentralizao da gesto do SUS, o fortalecimento do controle social emsade e a organizao de prticas de sade orientadas pela integralidade daateno so tarefas que nos impem esforo e dedicao. Lutamos porconquistar em nosso pas o Sistema nico de Sade, agora lutamos por implant-lo efetivamente.

    Aps a Constituio Federal de 1988, a Unio, os estados e os municpiospassaram a ser parceiros de conduo do SUS, sem relao hierrquica. Demeros executores dos programas centrais, cada esfera de governo passou a terpapel prprio de formulao da poltica de sade em seu mbito, o que requerdesprendimento das velhas formas que seguem arraigadas em nossos modosde pensar e conduzir e coordenao dos processos de gesto e de formao.

    Necessitamos de desenhos organizacionais de ateno sade capazes deprivilegiar, no cotidiano, as aes de promoo e preveno, sem prejuzo do

    cuidado e tratamento requeridos em cada caso. Precisamos de profissionaisque sejam capazes de dar conta dessa tarefa e de participar ativamente daconstruo do SUS. Por isso, a importncia de um "novo perfil" dostrabalhadores passa pela oferta de adequados processos de profissionalizao ede educao permanente, bem como pelo aperfeioamento docente e renovaodas polticas pedaggicas adotadas no ensino de profissionais de sade.

    Visando superar o enfoque tradicional da educao profissional, baseado apenasna preparao do trabalhador para execuo de um determinado conjunto detarefas, e buscando conferir ao trabalhador das profisses tcnicas da sade omerecido lugar de destaque na qualidade da formao e desenvolvimentocontinuado, tornou-se necessrio qualificar a formao pedaggica dos docentes

    O

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    para esse mbito do ensino. O contato, o debate e a reflexo sobre as relaesentre educao e trabalho e entre ensino, servio e gesto do SUS, de ondeemanam efetivamente as necessidades educacionais, so necessrios e devemser estruturantes dos processos pedaggicos a adotar.

    No por outro motivo, o Ministrio da Sade, j no primeiro ano da atual

    gesto, criou uma Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade,que passa a abrigar o Projeto de profissionalizao dos Trabalhadores da reade Enfermagem (PROFAE) em seu Departamento de Gesto da Educaona Sade. Dessa forma, o conjunto da Educao Profissional na rea daSade ganha, na estrutura de gesto ministerial, nome, lugar e tempo de reflexo,formulao e interveno. As reformulaes e os desafios a serem enfrentadospela Secretaria repercutiro em breve nas polticas setoriais federais e, paraisso, contamos com a ajuda, colaborao, sugestes e crticas de todos aquelescomprometidos com uma educao e um trabalho de farta qualidade e elevadadignidade no setor da sade.

    O Profae exemplifica a formao e se insere nesta nova proposta de educao

    permanente. imprescindvel que as orientaes conceituais relativas aosprogramas e projetos de formao e qualificao profissional na rea da sadetenham suas diretrizes revistas em cada realidade. Essa orientao vale mesmopara os projetos que esto em execuo, como o caso do Profae. O importante que todos estejam comprometidos com uma educao e um trabalho dequalidade. Esta compreenso e direo ganham mxima relevncia nos cursosintegrantes do Profae, sejam eles de nvel tcnico ou superior, pois estoorientadas ao atendimento das necessidades de formao do segmento detrabalhadores que representa o maior quantitativo de pessoal de sade e que,historicamente, ficava merc dos "treinamentos em servio", sem acesso educao profissional de qualidade para o trabalho no SUS. O Profae vemoperando a transformao desta realidade. Precisamos estreitar as relaesentre os servios e a sociedade, os trabalhadores e os usurios, as polticaspblicas e a cidadania e entre formao e empregabilidade.

    Sabe-se que o investimento nos recursos humanos no campo da sade terinfluncia decisiva na melhoria dos servios de sade prestados populao.Por isso, a preparao dos profissionais-alunos fundamental e requer materialdidtico criterioso e de qualidade, ao lado de outras aes e atitudes que causemimpacto na formao profissional desses trabalhadores. Os livros didticospara o Curso de Qualificao Profissional de Auxiliar de Enfermagem, j emsua 3 edio, constituem-se, sem dvida, em forte contribuio no conjuntodas aes que visam a integrao entre educao, servio, gesto do SUS econtrole social no setor de sade.

    H umberto CostaMinistro de Estado da Sade

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    NDICENDICENDICENDICENDICE

    1 A presentao2 Psiquiatria ou Sade Mental?3 A evoluo da Sade Mental

    3.1 Portas abertas para a liberdade

    4 E pidemiologia da Sade Mental4.1 V oc gostaria de integrar uma equipe

    de Sade Mental?

    4.2 Quem o paciente que procura o Setorde Sade Mental?

    4.3 Quem o profissional que trabalha nosetor de Sade Mental?

    4.4 Integrao da equipe de sade mental

    5 Processo Sade - Transtorno Mental5.1 Fatores de influncia

    5.2 E o que so os tais de id, ego esuperego?5.3 Mesclando os trs tipos de fatores

    6 Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamento6.1 Mtodos diagnsticos em Psiquiatria6.2 Sinais e sintomas de transtornos

    mentais6.3 Os principais tipos de transtorno

    mental

    7 Formas de Tratamento de Transtornos Mentais7.1 Terapia medicamentosa7.2 E CT - eletroconvulsoterapia ou

    eletrochoque

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    8 Condutas do A ux iliar de E nfermagem no Setor deSade Mental

    8.1 Setores de atendimento em SadeMental

    8.2 Relao teraputica: a ferramentaindispensvel

    8.3 Intervenes do auxiliar deenfermagem diante de determinadoscomportamentos

    9 Promoo e Preveno em Sade Mental

    10 O A ux iliar de E nfermagem e a (sua prpria) SadeMental

    11 E mergncia Psiquitrica11.1 Caracterizando as intervenes diantedas crises

    11.2 A valiao primria na emergnciapsiquitrica

    11.3 Classificando emergncias psiquitricas

    12 Referncias Bibliogrficas13 A nex os

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    PPPPP EEEEEAAAAARRRRROOOOOFFFFFIdentif icando a ao educativa

    SSSSS aaaaa dedededede

    MentalMentalMentalMentalMental

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    1- APRESENTAO

    constante avano de novas abordagens no setor de Sa-de Mental faz com que os livros relativos a este assunto

    se desatualizem com facilidade, a menos que apresentemuma abordagem desvinculada de conceitos rgidos e utpi-

    cos. Foi o que pretendemos fazer durante a elaborao deste trabalho:fornecer, de forma ampla, e ao mesmo tempo leve e descontrada, con-tedos que permitam ao profissional de nvel mdio refletir e agir, atu-

    alizando-se a cada passo de sua atuao neste setor.Mediante apresentaes de fatos reais, histricos ou obtidos atra-

    vs de experincias profissionais, os autores levantam situaes parareflexes, pois todas as reas de atuao da Enfermagem esto intima-mente ligadas Sade Mental. A Sade Mental um saber fundamentalpara promoo da sade.

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    SadeMental

    2 - PSIQUIATRIA OU SADE MENTAL?

    Por que preferimos falar em En-

    fermagem Sade Mental? Por que no usar-mos o velho termo Enfermagem Psiqui-trica, que, afinal de contas, at parece nosdar maior status? Por que mudar?

    Vamos respondendo passo a passoas dvidas que podem surgir a esse res-peito. Falar em Sade Mental muito maisdo que uma troca de termos; inclui umadiferena de critrios, da doena foco

    central da Psiquiatria para a sade. Issomesmo! Vamos falar em transtornos men-tais, mas com os olhos voltados para a re-

    abilitao, a sade e a reintegrao. Obviamente a Psiquiatria, comtodo o seu conhecimento, parte essencial desse estudo, mas no anica. Outras reas de estudo se integram para formar um conheci-mento mais amplo, que tente dar conta desta forma de sofrimentohumano.

    O termo Sade Mental se justifica, assim, por ser uma rea deconhecimento que, mais do que diagnosticar e tratar, liga-se preven-

    o e promoo de sade, preocupando-se em reabilitar e reincluir opaciente em seu contexto social.

    Outro ponto o fato de que a Enfermagem sempre pareceu,para alguns olhares menos perspicazes, estar sombra do conhecimen-to mdico. Mas, na verdade, ela constri seu conhecimento e dividecom todas as outras reas envolvidas os louros e as frustraes detrabalhar em (ou para a) Sade Mental.

    Em ltima anlise, a flexibilidade para desprender-se de concei-tos cientficos fixos e a ateno para as necessidades de mudanas acada passo constituem pontos-chave para o crescimento pessoal e doconhecimento no setor Sade Mental.

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    3 - A EVOLUO DA SADE MENTAL

    _ Pessoas normais esto agora em outro lugar._ Como ser que se sentem? O que pensam?

    _ N o pensam. A doena no lhes deix ou capacidade de raciocinar._ Podemos tomar como fato?_ Podemos._ Por qu?_ Porque a outra alternativa inconcebvel

    (Do filme Tempo de Despertar)

    O dilogo de dois personagens, mdicos do filme Tempo deDespertar, expressa a problemtica do relacionamento do homem com oque denominamos de transtornos mentais. Embora o filme aborde umaenfermidade oriunda de uma virose contrada no caso, encefalite letrgi-ca , a questo de como os problemas de incapacitao das faculdadesmentais, ou da agressividade desprovida de senso crtico, limites e padresticos e morais, sempre amedrontou e ainda amedronta a humanidade.

    Para evitar uma situao desesperadora, em que se admitisse que,de alguma forma, os sofredores dos transtornos mentais tivessem cons-cincia de suas enfermidades, encarou-se o louco como algum to-talmente alienado ao que se passa ao redor. Neste contexto, mais fcilseria definir que outra alternativa inconcebvel, simplesmente porser aterradora sua perspectiva.

    Atualmente novas teraputicas no tratamento destes tipos dedoentes tm sido adotadas na tentativa de uma maior integrao entreo paciente e a sociedade. Mas esta forma de encarar o problema daloucura nem sempre ocorreu assim.

    Para se entender a Sade Mental nos dias de hoje, necessrioque se tenha conhecimento do processo histrico ao longo do qualela evoluiu.

    Voc j deve ter assistido a algum filme bblico, independente dareligio da qual voc adepto. Se j assistiu, deve ter reparado que

    aquelas pessoas viviam em uma poca em que a cincia era pratica-mente desconhecida. Sem o conhecimento cientfico para explicar omundo que o cercava, como aqueles homens conseguiam entender fe-nmenos como o raio e o trovo, as fases da lua, o ciclo das mars, asestaes do ano?

    Assim, para aquelas pessoas, tudo na natureza se explicava atra-vs de idias ligadas a prticas de magia e religio.

    Da mesma forma, o conceito de doena mental estava ligadoa explicaes mgico-religiosas, que atribuam a uma fora sobrena-tural a origem dos transtornos mentais. Assim, a loucura era aceita

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    Deixando de lado a questo das flutuaes dos lquidos seminais,a verdade que foi graas aos romanos que, pela primeira vez, surgiuuma concepo diferente com relao aos doentes mentais. Foram cri-adas leis em que se detalhava as vrias condies, tais como insanidadee embriaguez, que, se presentes no ato do crime, poderiam diminuir o

    grau de responsabilidade do criminoso. Outras definiam a capacidadedo doente mental para contratar casamento, divorciar-se, dispor de seusbens, fazer testamento e at testemunhar.

    Com o fim do Imprio Romano, em 476 d.C., iniciou-se um per-odo que a Histria denominou de Idade Mdia. Foi tambm o perodoem que o cristianismo expandiu-se. Muitos chamam a Idade Mdia deIdade das Trevas, mas no pela falta de energia eltrica, que ainda nohavia sido descoberta, e sim devido ao fato de todo pensamento culturalestar ligado s idias religiosas. Isso fez com que todas as descobertas nocampo cientfico e nos outros campos do conhecimento humano progre-

    dissem muito lentamente.Neste perodo, o conceito de doena mental que surgiu foi a de

    uma doutrina dos temperamentos, isto , do estado de humor do paci-ente. Melancolia era o termo utilizado com freqncia para descre-ver todos os tipos de enfermidades mentais.

    Mas afinal, o que eles chamavam de melancolia?

    Constantino Africano, fundador da Escola de Salermo, descre-veu os sintomas de melancolia como sendo a tristeza - devido perdado objeto amado -, o medo - do desconhecido -, o alheamento - fitar ovazio - e a culpa e temor intenso nos indivduos religiosos. So Toms

    de Aquino descreveu a mania - fria patolgica -, a psicose orgnica -perda de memria - e a epilepsia, alm de comentar tambm sobre amelancolia. Mas Aquino acreditava que a causa e o tratamento da do-ena mental dependiam fortemente da influncia dos astros sobre apsique e do poder malfico dos demnios.

    Apesar de todas essas concepes cientficas, seguindo o pensa-mento religioso da poca, a possesso da mente de uma pessoa por umesprito maligno, e suas alteraes verbais e de comportamento, retornoucomo a principal causa dos distrbios mentais, como havia sido empocas anteriores.

    Desta forma, muitos dos portadores de alienaes mentais en-contraram a cura para seus males nas fogueiras e nos patbulos desuplcios. Aos doentes mentais que escapavam a essa teraputicaimposta pelas idias religiosas da poca, o abandono prpria sorte foio que restou. Assim, os poucos esforos como os empreendidos duran-te o governo do imperador romano Justiniano, para que os portadoresde transtornos mentais tivessem direito a tratamento juntamente comoutros enfermos em instituies prprias, foi abandonado.

    Durante todo o perodo da Idade Mdia, as epidemias como a pestenegra aliadas lepra causavam grande medo na populao. Quando

    Ainda hoje comum dizerque algum de lua quan-do queremos nos referir auma pessoa que muda cons-tantemente de humor.

    !Por mais estranhas que essasteorias possam parecer, ainda

    na atualidade ouvimos falar queo esperma acumulado sobe aocrebro, transformando-se emalgo semelhante ao queijo, ouque a menstruao pode subir cabea, ocasionado altera-es de comportamento.

    Psique Palavra de origemgrega que, neste contexto,significa mente.

    Patbulos de suplcios adenominao figurada doslocais em que se realizammanobras de tortura e castigo,como surras, banhos gelados,sangrias e tantas outras.

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    estes flagelos comearam a se dissipar, achava-se que uma nova ameaapairava sobre a populao: os loucos, criminosos e mendigos.

    Se por um lado, realmente liberta de muitos preceitos religiosos acincia pode caminhar um pouco mais livremente, para os portadoresde enfermidades mentais novas nuvens tempestuosas se aproximavam.

    Para uma sociedade que iniciava um processo de produo capi-talista, a existncia de indivduos portadores de transtornos mentais,ou de alguma forma inteis nova ordem econmica (tais como osloucos, os criminosos e os mendigos), andando livres de cidade emcidade tornava-se uma ameaa.

    Os antigos depsitos de leprosos, cuja ameaa j no se faziato presente, abriram suas portas para a recepo destes novos inqui-linos. Sem preocupar-se em resolver esses problemas sociais, a novaordem poltico-social decidiu pelo isolamento destes seres considera-

    dos improdutivos.Excludos do mundo, os enfermos mentais foram trancafiados

    nos pores das prises juntamente com todos aqueles que por algummotivo no participavam da nova ordem mundial. A semente dos ma-nicmios havia sido plantada.

    Ainda que vozes se levantassem clamando por um tratamentomais digno aos alienados, e por conseguinte se fizesse uma seleomais ntida das anomalias mentais, a idia de que os loucos eramperigosos e inteis permaneceu na sociedade at os fins do sculo XVIII.A internao destes tornou-se caso de polcia, e a sociedade no se

    preocupava com as causas, manifestando insensibilidade ao seu car-ter patolgico. verdade que em determinados hospitais os doentesportadores de distrbios mentais tinham lugar reservado, o que lhesdava uma imagem de tratamento mdico, sendo uma exceo; a maio-ria residia em casas de internamento, levando uma vida de prisioneiro.

    Em 1789 (sculo XVIII), novos ventos sopraram na EuropaOcidental. A ordem absolutista, onde o Rei mandava sozinho re-velia dos anseios do povo, entrou em falncia, e idias mais liberaise libertadoras passaram a ser discurso constante, principalmente naFrana, onde a revoluo vitoriosa levou grande parte daqueles que

    no se importavam com os problemas das cabeas alheias a perde-rem as suas.

    neste clima de luta pelos direitos de cidadania e da valorizaodo homem que um jovem mdico, chamado Phillipe Pinel, libertardos pores destes hospitais aqueles cuja alienao mental, e principal-mente a ignorncia social, haviam condenado ao isolamento.

    Descendo aos subterrneos da incompreenso humana, repre-sentados por esses pores, Pinel encontrou acorrentados s paredesftidas e sombrias seres humanos, que ali jaziam h quase meio

    O perodo que se seguiu Idade Mdia foi batizado deRenascimento, pois toda

    manifestao cultural, impe-dida de se desenvolver pelaconcepo das idias religio-sas da Idade Mdia, renas-cia neste Sculo das Luzes.

    A situao em que profissio-nais buscavam outra forma

    de atendimento ao louco retratada em vrios filmes.Um deles O outro lado danobreza.

    Phillipe Pinel, mdico francs,foi responsvel pela direodo hospital de Bictre, e pos-teriormente tambm do deSalptrire. Sua influncia,atuao e grau deenvolvimento com a SadeMental foi to significativa queat hoje, vulgarmente se usa otermo pinel para denominarqualquer indivduo que apa-rente um transtorno mental.

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    sculo, condenados pelo crime de serem portadores de transtor-nos mentais.

    Com uma proposta de tratamento humanitrio para os doentes, alia-dos prtica de docncia, Pinel desenvolveu uma corrente de pensamentode mdicos especialistas em doenas mentais, aprimorando as descries

    detalhadas dos transtornos mentais atravs de longas observaes.A escola francesa, inaugurada com Pinel, trouxe muitas inova-

    es neste campo, como por exemplo, a influncia de txicos nas alte-raes do comportamento, a conceituao de esquizofrenia e a divisodos portadores de doenas mentais em duas classes: os degenerados,que apresentariam estigmas morais e fsicos, sendo propensos a apre-sentar acessos delirantes; e os no-degenerados, que eram indivduosnormais, porm predispostos ao transtorno mental.

    Esta Escola desenvolveu o conceito de inconsciente, paralela-mente aplicao da hipnose como mtodo teraputico. Nesse pero-do, Jean Martin Charcot, que descreveu diversos sintomas histricos,reconhecia que um trauma, em geral de natureza sexual, estava relacio-nado a idias e sentimentos que se tornaram inconscientes. Como ossintomas da histeria podiam ser reproduzidos atravs da hipnose, suacura tambm poderia advir desta prtica.

    Enquanto os alienistas franceses desenvolviam suas observaesclnicas, na Alemanha uma nova corrente com relao aos transtornosmentais surgia: a psiquiatria. Essa corrente seguiu os caminhos da me-dicina, recebendo um reconhecimento internacional, e o estabelecimen-to de um sistema moderno de estudo dos transtornos mentais.

    Nesta nova corrente de pensamento do campo dos transtornosmentais, estava um mdico de origem austraca chamado Sigmund Freud.

    Formado em um ambiente cientfico fervoroso, Freud, um neu-rologista com um grande censo de rigor experimental, conservou a idiada importncia de um mtodo cientfico para compreender o psiquismoe sua estreita relao com os processos fsicos e fisiolgicos.

    Rompeu com a teraputica da hipnose, quando influenciado porJosef Breuer, outro mdico austraco. Ele havia curado uma pacientecom sintomas histricos usando um novo mtodo: a catarse. Durante a

    hipnose, a paciente relatou um acontecimento do passado relegado a umsegundo plano em sua mente/ memria, como se o estivesse vivenciandono momento. O fez com violenta expresso de suas emoes (catarse), edepois experimentou alvio substancial dos seus sintomas.

    Atravs dessas observaes, Freud desenvolveu os conceitos deinconsciente e represso, nos quais a emoo ligada s idias reprimi-das podia afetar o comportamento nos eventos do presente.

    Embora a utilizao de substncias como teraputica no campodas doenas mentais j ocorresse desde a Antigidade, a partir dosculo XIX que o uso de substncias (Haldol R)que agem diretamente no

    Esses mdicos especialistasem doenas mentais eram

    conhecidos como alienistas,que tratavam as alienaesmentais.

    Voc por certo j ouviu falar deFreud. Ele considerado o Paida Psicanlise.

    Psiquismo tudo aquilo ori-ginado da compreenso damente.

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    SadeMental

    Psicocirurgia Cirurgiasmutiladoras do sistema ner-voso central que separavamas fibras que unem uma partedo crebro com a outra, com oobjetivo de destruir ou estimu-lar o tecido cerebral, reduzin-do as perturbaes de com-portamento e/ou alterando ocontedo do pensamento ouhumor.

    Toxicmanos Termo anterior-mente utilizado para denomi-nar indivduos viciados no usode drogas que causam de-

    pendncia.

    Interdio civil quando oindivduo perde os seus diretoscivis atravs de ordem judiciala pedido de algum, no po-dendo se casar, negociar seusbens ou administrar suas fi-nanas, entre outras aes.

    Curatela a indicao judi-cial de algum (curador) paraadministrar e fiscalizar osbens de outro indivduo.

    sistema nervoso central passaram a ser amplamente difundidas, sendovrias delas sintetizadas na segunda metade do sculo.

    Mas foi no final dos anos de 1930, que para os casos de transtor-nos mentais graves houve a introduo do tratamento de choque e dapsicocirurgia, sendo esta ltima introduzida somente baseada nos resulta-dos da experimentao animal, sem qualquer base terica, anatmica oufisiolgica. Aps expectativas ilusrias, estas prticas foram limitadas acondies clnicas especficas. Ao trmino da Segunda Guerra Mundial,iniciou-se a terapia medicamentosa, com bastante sucesso.

    No Brasil, paralelamente a todo este processo, a poltica comrelao ao tratamento dos transtornos mentais permaneceu sempreatrelada ao modelo europeu do sculo XIX, centrado no isolamentodos psicopatas ou indivduos suspeitos, toxicmanos e intoxicados ha-bituais em instituies fechadas, mesmo quando tal modelo tornou-seultrapassado em muitos outros pases.

    J em 1916, o Cdigo Civil prescrevia a interdio civil e a con-seguinte curatela aos loucos de todo os gneros. At recentemente, aSade Mental brasileira estava ligada legislao de 1934, que legali-zava o seqestro de indivduos e a subseqente cassao de seus direi-tos civis, submetendo-os curatela do Estado.

    No fim da dcada de 1980, a partir das transformaes sociais e pol-ticas que vinham acontecendo no campo da psiquiatria, em pases da Euro-pa (Inglaterra, Frana e principalmente Itlia) e nos Estados Unidos da Am-rica, inicia-se no Brasil o movimento da Reforma Psiquitrica. Este movi-

    mento recebeu esta denominao por apresentar e desencadear mudanasque vo muito alm da mera assistncia em sade mental. Estas vm ocor-rendo nas dimenses jurdicas, polticas, scio-culturais e tericas.

    3.1 Portas abertas para a liberdade

    Desde a 8 Conferncia Nacionalde Sade, profissionais de sade e gru-pos da sociedade civil organizada avalia-

    ram que o sistema de assistncia ao do-ente com transtornos mentais eraexcludente, impedindo que os indivdu-os ali tratados exercessem os seus direi-tos civis, polticos e sociais.

    Os hospitais superlotados de do-entes no dispunham de programas queos reintegrassem sociedade. Ao seremfilmados pela imprensa, as imagens

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    Dentro desta realidade,quantas riquezas no passadoforam desviadas? Quantaspenses foram utilizadas porterceiros? Equantos donos dehospitais enriqueceram comos moradores deste sistemade custdia? As condiessubumanas negavam diaria-mente o reencontro do usurioconsigo mesmo, e a esperan-a de recuperao transfor-mava-se em fico.

    apresentadas opinio pblica eram de descuido, expresso em pacien-tes contidos nos leitos e em enfermarias gradeadas. A higiene precria,o sussurro de palavras arrastadas e a expresso facial de desespero de-monstravam que essas pessoas, chamadas de internos, estavam aban-donados prpria sorte.

    Muitos chegavam ao hospcio levados por seus familiares depoisde um ataque de loucura, quando gritavam e quebravam objetos.Outros eram levados pelos familiares que queriam seqestrar bens e/ou heranas, acreditando, por vezes, na proteo do patrimnio famili-ar. Havia tambm aqueles que, por falta de informao sobre as doen-as da mente, acabavam convencidos de que a hospitalizao era amelhor alternativa em momentos de crise.

    Muitos advogados tambm utilizavam a loucura como argumen-to para inocentar ou amenizar a pena de seus clientes que praticavamcrimes hediondos. Infelizmente para os clientes, esta estratgia nemsempre dava certo, pois acabavam sendo condenados e encaminhadosaos manicmios judicirios.

    Uma coisa era certa: todos os que no hospcio chegavam eram sub-metidos s rotinas institucionais, que incluam na teraputica a camisa defora, o eletrochoque, a medicao em excesso e inade-quada as psicocirurgias, revelia do querer do cliente.

    Neste momento, a prtica predominante na reade sade mental sustentava-se nos princpios: da here-ditariedade acreditavam que passava de gerao em

    gerao; da institucionalizao - o tratamento s pode-ria ocorrer atravs da hospitalizao; da periculosidade- todos os loucos eram agressivos e perigosos; e daincurabilidade a loucura no tinha cura. O pacienteera visto como um transtorno para a sociedade e porisso as prticas adotadas seqestravam este cidado tem-porariamente dos direitos civis, isolando-o e segregan-do-o em manicmios, afastando-o dos espaos urbanos.

    Mas por que chegamos a este ponto? Por que no Brasil, na dcadade 1960, chega-se margem de cem mil leitos psiquitricos, quando no

    restante do mundo estava se refazendo conceitos sobre o tratamentodesta clientela? Por que mantivemos, por tanto tempo, seres humanosencarcerados de suas identidades?

    Nesta poca estvamos em plena ditadura militar e no haviaespao para nenhum tipo de questionamento poltico e social. Dentrodeste contexto, reforava-se que o louco era de difcil convivncia, pe-rigoso e representava o diferente do convencional, do aceitvel pelasregras sociais. Por isso, fazia-se necessrio segreg-lo, seqestr-lo ecassar seus direitos civis, submetendo-o tutela do Estado. Isso per-dura na atualidade, pois o Cdigo Civil em vigor refora que os lou-

    Crimes hediondos todocrime sinistro, medonho, pa-voroso, como por exemplo:chacina, assassinato de crian-as, torturas com morte.

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    cos de todo o gnero so incapazes para os atos da vida civil. Comesta afirmao, a segregao deste grupo era considerada legal.

    Neste caos do sistema psiquitrico, juntamente com os avanosda Constituio de 1988, surgiram espaos de elaborao eaprofundamento de leis voltadas para o atendimento das questes so-ciais, propiciando um ambiente adequado para que a sociedade civil,trabalhadores de Sade Mental e a articulao Nacional da LutaAntimanicomial se organizassem pela reforma do sistema psiquitrico,buscando um novo estado de direito para o doente mental.

    Norteadas pelos princpios da universalizao, integralidade, eqi-dade, descentralizao e participao popular, foram realizadas suces-sivas conferncias de Sade Mental nos diversos nveis (nacional, esta-dual, municipal e distrital), tendo como objeto a insero da SadeMental nas aes gerais de sade. O importante que nestas confern-cias o processo de municipalizao, a criao dos conselhos de sade eos dispositivos legais previstos para a efetivao do SUS foram consi-derados, como mecanismos na desconstruo do modelo asilar dos hos-pitais psiquitricos (asilo de loucos).

    Abandonar a idia de que transtornos mentais eram produzidossomente por causas naturais e aceitar que os fatores sociais podem serdeterminantes destes transtornos, foi uma reflexo difcil para muitosprofissionais de sade, gestores e familiares.

    Atualmente, considera-se que existe uma relao estreita entretranstorno mental e a explorao da fora de trabalho, as condies

    insalubres dos ambientes, o viver na linha da misria, o alto ndice dedesemprego, as relaes familiares, o estresse, a violncia e a sexuali-dade mal resolvida como causas. Enfim, so pequenas e grandescoisas que a qualquer momento nos deixam no limite entre a sanida-de e a loucura.

    Na 2 Conferncia de Sade Mental, em 1992, os delegados pre-sentes resgataram propostas previstas no projeto do Deputado PauloDelgado, de 1989, que previam a substituio do modelo hospitalo-cntrico por uma rede de servios descentralizada, hierarquizada, di-versificada nas prticas teraputicas, favorecendo o acesso desse clien-

    te ao sistema de sade, diminuindo o nmero de internaes, reinte-grando-o famlia e comunidade, resultando, desta forma, na melhoriada qualidade dos servios nesta rea.

    Entre os delegados, estavam representantes do segmento pbli-co e do segmento privado, que concordavam, pelo menos no discurso,em que a assistncia ao cliente com transtorno mental precisava sermais humanizada. A discordncia surgia quando o tema era a substitui-o do sistema de internaes hospitalares pela adoo de outras mo-dalidades teraputicas que investiam na ressocializao deste indiv-duo, ou seja, sua desospitalizao.

    Compreendendo que a estru-tura social influi no limite entrea sanidade e a loucura, e quetodos ns somos clientes empotencial do sistema de sa-de mental, devemos pergun-tar: Nesse caso, seremos con-siderados loucos? Seremosexcludos do convvio social?

    Delegados - So pessoas querepresentam nas confernciasos segmentos dos usurios,profissionais e gestores de sa-de na rea de Sade Mental.

    Modelo hospitalocntrico omodelo assistencial baseadona prestao de tratamentohospitalar atravs dainternao do indivduo.

    Insalubres So condies doambiente e do trabalho quepodem levar deformao,ao adoecimento fsico e/oupsicolgico do trabalhador.

    Segregao todo processode marginalizao, isolamen-

    to, separao em uma socie-dade, das minorias como asreligiosas, raciais, pessoascom transtornos mentais.

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    Os contrrios a esta idia, ao serem vencidos nas Confernciasde Sade Mental, passaram a fazer presso no Congresso Nacional,impedindo a tramitao do projeto. A luta deles era pela manutenoda prtica de asilamento e excluso deste usurio do convvio social.

    Justificavam sua posio argumentando que os lares no teriamestrutura para manterem financeiramente estes pacientes, somando-seos compromissos empregatcios e atividades dirias dos familiares, oque poderia indisponibiliz-los a levar os pacientes s sucessivas ses-ses teraputicas e de cuidar diariamente deste indivduo adoecido. Maso que de fato lhes preocupava era a reduo dos lucros gerados por estesistema de encarceramento do louco.

    O outro lado, representado pelo movimento da reforma sanit-ria, sustentava a desospitalizao e desinstitucionalizao dos pacien-tes como uma forma de garantir a cidadania queles que passaram anosde suas vidas encarcerados em enfermarias sombrias. Esta lgica trans-formava tambm as relaes institucionais, alcanando as necessida-des dos funcionrios e tcnicos que ali trabalhavam no que diz respeito melhoria das condies de trabalho, implantao de um modeloparticipativo de gerenciamento, rompendo com a estrutura que distan-ciava o fazer do saber e vice-versa.

    Ingenuamente, os familiares dos pacientes que h anos esta-vam hospitalizados, mesmo conscientes das falhas do sistema hos-pitalar psiquitrico, o defendiam. O que mais os preocupava era aconvivncia com indivduos com histrico de desvios da personali-dade que os deixavam violentos, letrgicos, eufricos, repetitivos,sem nexos, enfim, cujo afastamento desgastou os sentimentos, ogostar de estar junto.

    A prova desta oposio de idias foi o a tramitao lenta do pro-jeto-de-lei de autoria do deputado Paulo Delgado, conforme se obser-va nos seguintes movimentos:

    DATA E NCAMIN H AME NTOS

    1989 Projeto-de-lei (PL) aprovado na Cmara dos Deputados, por acordo de lideranas.04/ 04/ 1991 PL deu entrada no Senado Federal na Comisso de Assuntos Sociais (CAS)

    14/ 03/ 1995 PL foi redistribudo sendo indicado como relator o Sen. Lcio de Alcntara

    08/ 11/ 1995 O Sen. Lcio de Alcntara d parecer favorvel a aprovao do projeto original. No mesmo diao Sen. Lucdio Portella pede vista do processo e retarda a aprovao.

    23/ 11/ 95 Sen. Lucdio Portella apresenta outro texto, de carter eminentemente cientfico, fundamentadoem resoluo da Assemblia da Organizao das Naes Unidas (ONU),de 17/ 11/ 91 intituladoPrincpios para proteo das Pessoas Acometidas de Transtornos Mentais e para a melhoria daassistncia Sade Mental. Este procedimento teve como objetivo atrasar o processo, numatentativa de evitar a extino dos manicmios.

    Tramitao a via legalpercorrida por um projeto-de-lei at sua aprovao ou ar-quivamento.

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    1 Padro, 1992, p.13.

    1999 Comisso Diretora apresenta redao final do substitutivo do Senado ao Projeto de Lei daCmara n 8, de 1991 (n 3.657, de 1989 na casa de origem), que dispe sobre a extinoprogressiva dos manicmios e sua substituio por outros recursos assistenciais e regulamenta ainternao psiquitrica compulsria, consolidando as emendas e subemendas aprovadas.

    De janeiro Com o n 43, o parecer de 1999 retornou Cmara dos Deputados para aprovao final.de 1999 amaro de2001

    Em 2001 Em 06 de Abril foi sancionada a Lei n 10.216, pelo Presidente da Repblica, sendo publicada noDOU em 09 de Abril (ANEXO I)

    Esta longa tramitao de uma lei de carter nacional no impe-diu que cidades como Rio de Janeiro, Braslia, Santos, Santo Andr e So

    Bernardo inserissem em suas Leis Orgnicas Municipais dispositivos le-gais de promoo de atendimento fora dos manicmios, j se responsabi-lizando pela desativao gradativa, criando uma rede alternativa de aten-dimento aos usurios acometidos por transtornos mentais1 .

    Mas o que dizem esta lei e este substitutivo que geram tantodesconforto entre parte da sociedade civil, profissionais de sade egestores? O que moveu tantos interesses e que serve de referncia paraaqueles que trabalham na rea de sade?

    Em primeiro lugar, esta lei prope a extino progressiva dosmanicmios (instituies fechadas) e sua substituio por instituiesabertas, tais como: unidades de Sade Mental em hospital geral, emer-gncia psiquitrica em pronto socorro geral, unidade de ateno inten-

    siva em Sade Mental em regime de hospital-dia, Centrosde Ateno Psicossocial (CAPS), servios territoriais quefuncionem 24 horas (NAPS), penses protegidas, lares abri-gados, centros de convivncia, cooperativas de trabalho eoutros servios que preservem a integridade do cidado.

    A escolha de modalidade libertadora de ateno aosclientes com transtorno mental depende da criatividade eviso de mundo dos gestores, trabalhadores da sade, asso-ciaes de familiares e de todos os delegados dos conselhosde sade que so responsveis por estabelecer princpiosfilosficos, operativos ou normativos, tendo como finalida-de o resgate da cidadania desta parcela de excludos da po-pulao.

    Na realidade, substituir a lgica hospitalar por no-vas modalidades de ateno ao cliente com transtornos

    mentais sustenta-se nos princpios de incluso, solidariedade e cidada-nia e representa um resgate tico.

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    2 Padro, 1992, p.13.

    Consentneo Em conformi-dade; conveniente; adequadoas necessidades de um gru-po, no caso, as pessoas comtranstornos mentais.

    O direito informao sobre a sua doena representa um dospontos crticos da relao instituio/ profissional de sade e famlia/usurio, tendo em vista a falta de dilogo imposta pelo sistema asilar.Aos profissionais de sade cabia o tratar/ cuidar; famlia cabia oaceitar/ calar e confiar. Esta relao de poder ainda muito forte nos

    dias de hoje, sendo um fator impeditivo da consolidao na prtica doArt. 2 da lei, o qual prev que o usurio tem o direito de receber omaior nmero de informao a respeito de sua doena e de seu trata-mento, detalhado em seu pargrafo nico.

    I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de sade, consentneo s suas necessidades;

    II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua sade, visando alcanar sua recuperao pela insero na famlia, no trabalho e na comunidade;

    III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e explorao;

    IV - ter garantia de sigilo nas informaes prestadas;

    V - ter direito presena mdica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou no de sua hospitalizaoinvoluntria;

    VI - ter livre acesso aos meios de comunicao disponveis;

    VII - receber o maior nmero de informaes a respeito de sua

    doena e de seu tratamento;VIII - ser tratada em ambiente teraputico pelos meios menosinvasivos possveis;

    IX - ser tratada, preferencialmente, em servios comunitriosde Sade Mental.

    Observa-se nessa lei que a famlia, o trabalho e a comunidaderecebem lugar de destaque, contribuindo para a insero deste indiv-duo no cenrio social. Em particular, a famlia levada a refletir sobreo seu papel no processo de reintegrao deste indivduo, embora exis-tam famlias que continuem achando a internao uma soluo. Nestes

    casos, para elaborar um plano teraputico familiar, pertinente estudar acultura desta famlia, a maneira pela qual ela se organiza e expressa osofrimento fsico e psicolgico para si e para o mundo exterior.

    Outro aspecto importante que a lei inibe a construo de novoshospitais psiquitricos e a contratao ou financiamento de novos lei-tos nesta rea pelo poder pblico, utilizando critrios rgidos e atrelan-do sua aprovao a comisses intergestoras e de controle social dostrs nveis de gesto do SUS. Exemplificando: se quisssemos implan-tar um hospital de 400 leitos para assistir clientes com transtornos men-tais no municpio do Rio de Janeiro, teramos de levar a proposta aos

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    Territrio a rea ou regiode abrangncia do servio desade, neste caso de Sademental, pelo qual este deve seresponsabilizar. Este espaoest sempre em processopermanente de transforma-o e construo, em que osconflitos de interesses, projetose sonhos fazem parte dasrelaes entre os sujeitos.

    Responsabilidade - Estabele-ce relao de compromissopelos rumos do sistema deateno na rea de Sade

    Mental. Para transformar estesistema, profissionais de sa-de e populao devem esta-belecer uma parceria embusca da melhoria de quali-dade de vida.

    3 Lei n. 10.216, de 2001.

    Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Sade, alm de requerera aprovao das Comisses Bipartite e Tripartite.

    Esta medida no somente dificulta a ao dos empresrios quelucram com este setor, mas fora a rede pblica e privada de sade acriar efetivamente mecanismos concretos de desospitalizao, como

    os hospitais-dia, Lares Abrigados, penses protegidas e os Centros deAteno Psicossocial (CAPS).

    Para efetivar este processo de desmobilizao da hospitalizao,foi proposto na 2 Conferncia de Sade Mental o limite e reduogradual de pagamentos de Autorizao de Internao Hospitalar (AIHs)at alcanar a meta de desocupao de 20 % dos leitos ao ano. O n-mero de hospitais distribudos em 22 Estados era de 241, totalizando55.387 leitos contratados e 55.488 existentes. Os estados, em ordemdecrescente, que mais investiram na desospitalizao foram: So Pau-lo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paran, Pernambuco e Gois.

    Assim sendo, do total de leitos contratados pelo SUS, 11.774leitos por ano deveriam ser desativados. Pode-se dizer que a meta paragarantir o acesso da populao com transtornos mentais a novas moda-lidades de servios de 20% ao ano, por estado.

    Para alcanar esta meta, faz-se necessrio o resgate do conceitode territrio e responsabilidade, proporcionando aos sistemas locais oudistritos sanitrios a descentralizao das dimenses poltica, ideolgi-ca e tcnica de romper com o modelo hospitalocntrico, garantindo odireito dos usurios assistncia e recusa ao tratamento, observandoa obrigao dos servios em no abandon-los prpria sorte.

    Com relao ao processo de internao, est previsto que s po-der se dar quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insufi-cientes. Desta forma, a lei prev trs tipos de internao: voluntria,aquela consentida pelo usurio; involuntria, aquela a pedido de ter-ceiro, sem consentimento do usurio; e compulsria, aquela determi-nada pela justia3 .

    bom lembrar que a internao involuntria a pedido da fam-lia, sem consentimento expresso do paciente, deve ser comunicada aoMinistrio Pblico, autoridade sanitria e ao Conselho Local de Sa-

    de no prazo de 48 horas. Deve tambm ser composta uma comissointerdisciplinar com integrantes da administrao pblica, de entida-des profissionais, de usurios e da sociedade civil, para avaliar apertinncia legal da internao.

    Esta medida evita o uso indevido pela famlia e classe jurdica daprerrogativa de dispor sobre a vida de pessoas com transtornos men-tais, tendo como finalidade o gerenciamento dos seus bens e a libera-o de penas judiciais.

    Em casos de internao, existe tambm um movimento que lutapela reviso da legislao cvel, no sentido de responsabilizar proprie-

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    trios de clnicas e a equipe envolvida no processo teraputico quandohouver erro, dano ou omisso. Nestes casos, devero ser aplicadas (...)penalidades, sem prejuzos de eventuais processos judiciais eindenizatrios relativos ao paciente ou famlia4 .

    Na 2 Conferncia de Sade Mental, as propostas sobre o direito informao esto conjugadas ao direito divulgao e educao. Adivulgao desses direitos devem contemplar aes educativas em sa-de mental para toda a populao, extrapolando os espaos das institui-es de sade, da famlia e do usurio, chegando aos meios de comuni-cao de massa como TVs, rdios e jornais.

    Esta divulgao de informaes legais da Reforma Psiquitricainclui debates sobre um dos problemas mais srios do mundo contem-porneo, que o problema da droga, com a finalidade de minimizar adivulgao de notcias distorcidas sobre o assunto.

    Em toda discusso sobre este assunto se defende adiscriminalizao do usurio e dependente de drogas, recusando os pro-cedimentos penais e apoiando os encaminhamentos para assistncia sade. A finalidade evitar a excluso deste grupo do convvio socialcom internaes prolongadas em clnicas de recuperao, garantindo oacesso e a permanncia nas escolas, de todos os nveis, dos usurios e/ou dependentes de substncias psicoativas.

    Para tal, o movimento de reforma psiquitrica vem lutando paramodificar o artigo 16 do cdigo penal que trata das sanes aos alco-latras e drogaditos, que os coloca no mesmo nvel dos traficantes. A

    proposta incluir o direito ao tratamento e reabilitao de todos osusurios, penalizando apenas os traficantes.

    A propaganda direta ou indireta de fumo, lcool, agrotxicos emedicamentos deve ser limitada ou eliminada dos meios de comunica-o. Somado a isto a frase Faz mal a sade deve estar contida emtodos os produtos que trazem dependncia qumica. A implantao destamedida nos anncios de cigarro a maior prova do alcance das aesconstrudas em parceria com outros setores, que ultrapassam os espa-os hospitalares.

    Outro ponto crtico a prescrio abusiva de medicamentos que

    causam dependncia, tais como: anorexgenos, antitussgenos eanticonvulsivantes. Para o controle do uso dessas drogas, importanteque os Conselhos Profissionais e a Vigilncia Sanitria Estadual fiscali-zem e avaliem as corporaes de mdicos, farmacuticos, indstria far-macutica e comrcio, visando o controle do processo de medicalizao,e implementem programas de educao continuada para os profissio-nais envolvidos que apontem para a desmedicalizao.

    O movimento de reforma psiquitrica, nos anos 1980/ 1990, dis-cute os instrumentos que incluam na vida produtiva as pessoas porta-doras de transtornos mentais e de deficincias, bem como defende

    Lcitas ou ilcitas, as drogas naatualidade so ou no um pro-

    blema de sade pblica? Elastrazem dependncia e podemlevar o indivduo a apresentartranstornos mentais?

    Discriminalizao nomais considerar a dependn-

    cia de drogas como crime.Drogadito: denominao atu-al das pessoas que conso-mem drogas ilcitas e quecausam dependncia.

    Anorexgeno, Antitussgenos eAnticonvulsivantes - Medica-mentos inibidores do apetite,da tosse e utilizados para evitarconvulses, respectivamente.

    Muitos mecanismos foramprevistos para reintegrar es-tes pacientes ao contexto so-cial, melhorando a qualidadede sua assistncia. Mas

    como se d esta reintegraono mundo do trabalho? Oque est sendo pensadopara evitar a estigmatizaoe a excluso deste cidadoda vida produtiva?

    4 Relatrio da 2 CNSM, 1994, p. 43.

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    modificaes na CLT (Consolidao das Leis do Trabalho) e nos esta-tutos dos funcionrios pblicos municipais, estaduais e federais, nointuito de preservar a sade mental da classe trabalhadora, tais como:

    ! diminuio do tempo de exposio dos trabalhadores s condi-es de fadiga e tenso psquica, atravs da diminuio das

    jornadas de trabalho e do aumento do perodo de tempo livre(folgas e frias), de acordo com a natureza das atividades;

    ! perodo de descanso durante a jornada cotidiana, destinadostambm a permitir a preservao da atividade mental autno-ma. Tais intervalos devero ser em nmero e durao suficientespara tais finalidades, em conformidade com as necessidades de-terminadas pela carga de trabalho exigida em cada posto, evitan-do as patologias do tipo leses por esforos repetidos (LER);

    ! em se tratando de atividades reconhecidas como especialmen-

    te desgastantes do ponto de vista psquico, diversificar estasatividades;

    ! para a preveno da fadiga mental ser obrigat-ria, sempre que solicitada pelos trabalhadores - atravsde seus sindicatos, comisses de fbricas, Comit de Sa-de ou Comisso Interna de Preveno de Acidentes (CIPA)- a formao de grupos de avaliao dos condicionantesde fadiga e tenso psquica. Tais grupos devero ser cons-titudos de forma igual entre os pares, por tcnicosespecializados e trabalhadores do local, devendo, neces-

    sariamente, ao final dos estudos, formular sugestes paramodificaes - cuja implantao dever ser acompanha-da pelos trabalhadores, em todas as suas etapas;

    ! os prazos e as alternativas de modificao das condiesorganizacionais e ambientais devero ser objeto de negociaoentre empresas e trabalhadores;

    ! a durao normal do trabalho, para os empregados que traba-lham em regime de turnos alternados e para os que trabalham emhorrio fixo noturno, no poder exceder 35 horas semanais;

    ! a preservao do emprego aos trabalhadores alcoolistas,drogaditos e portadores de transtornos mentais deve ser asse-gurada com garantia de estabilidade no emprego por 12 mesesaps o retorno ao trabalho, penalizando-se as empresas e em-pregadores que desrespeitarem a lei e garantindo-se que ne-nhuma outra dependncia cause excluso do trabalho5

    Pode-se perceber a categoria de enfermagem includa nos itensacima, principalmente no que diz respeito exposio deste traba-lhador a condies de fadiga e de tenso, vivenciada diariamentepela equipe de enfermagem. Quando a pessoa s tem um emprego,5 Relatrio da 2 Conferncia de Sade

    Mental, 1994, p. 51-54

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    a carga horria normalmente de 40 horas semanais, sendoduplicada quando este trabalhador possui outro emprego. Conside-rando que esta equipe formada predominantemente por mulheres,essa jornada pode ser tripla, com as atribuies domsticas (casa,filhos, marido).

    Alm da jornada excessiva de trabalho, a equipe de enfermagemvive em constante nvel de estresse, pois seu objeto de trabalho ocuidar do outro com o seu sofrimento, com as leses que transfiguram ocorpo, com os seus resduos (urina, fezes e sangue), o que leva ao des-gaste emocional do profissional.

    Desta forma, comum que se encontre nos corredores dos hos-pitais profissionais em crise, alcoolistas, drogaditos e portadores de trans-tornos mentais. So pessoas que esto doentes, se sentem doentes, masno podem ficar doentes por depender mensalmente daquele pequenosalrio para o sustento de sua famlia. Talvez a efetivao desta propos-ta no mbito legal e a criao de um servio de sade mental para aten-der os profissionais de sade, em particular os de enfermagem, pelanatureza de seu trabalho, j seria um soluo.

    Como pode-se perceber, o projeto-de-lei de autoria do deputadoPaulo Delgado demorou a ser sancionado no parlamento, o que noimpediu que, na prtica, mudanas na estrutura dos servios de atendi-mento ao cliente em sofrimento psquico fossem conquistadas. Amobilizao de familiares, usurios, gestores e profissionais de sadepela aprovao das propostas nos conselhos de sade que vem pressi-onando as autoridades municipais e estaduais a investirem em atos con-cretos que apontam para a ressocializao desta clientela.

    Finalizando, voc h de perguntar: e os pacientes que esto hlongo tempo hospitalizados, sem perspectiva de integrao, que desti-no tero? Essa tambm a preocupao dos familiares destes doentes.Na Lei n 10.216 de 2001, isto est previsto no artigo 6, que diz: Opaciente h longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterizesituao de grave dependncia institucional, decorrente de seu quadroclnico ou de ausncia de suporte social, ser objeto de poltica espec-fica de alta planejada e reabilitao psicossocial assistida, sob respon-sabilidade da autoridade sanitria competente e superviso de instn-cia a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade dotratamento quando necessrio.

    Outra referncia a Carta de Direitos dos Usurios e Familia-res de Servio de Sade Mental (Anexo II), que contm, como o pr-prio nome indica, os direitos destes usurios e sua famlia. Esta foielaborada durante o III Encontro Nacional de Entidades de Usuriose Familiares de Sade Mental, realizado em Santos em 1993, sendouma importante conquista para os usurios dos servios de sademental em nosso pas.

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    4 - EPIDEMIOLOGIA DA SADE MENTAL

    4.1 Voc gostaria de integrar

    uma equipe de sademental?

    Com freqncia, a idia de trabalhar comdoentes mentais pode ser assustadora para al-guns profissionais de sade, mas encantadora paraoutros. Apesar do desenvolvimento de programasrelativos Sade Mental, a imagem de algumagressivo, desprovido de senso crtico, de limitese de padres ticos e morais ainda costuma perse-

    guir esse tipo de clientela.Mas se esta imagem se forma em mentes

    teoricamente mais esclarecidas para a rea de sade, como no haveriade se propagar para a populao?

    Pesquisas realizadas demonstram que uma em cada trs pessoaster pelo menos um episdio de transtorno mental no decorrer da vida,e, no perodo de um ano, um entre cinco indivduos encontra-se em faseativa da doena. No entanto, a prtica aponta o perodo de resistnciapelo qual as pessoas passam antes de se sentirem obrigadas a procurarajuda, ressaltando-se o fato de que algumas jamais a procuram.

    Freqentemente ouve-se colocaes do tipo: Vim procurar aju-da porque no agentava mais; ou: H muitos anos sinto isso, mastinha medo de me tratar; ou ainda: Ficava pensando no que os meusamigos iriam dizer se soubessem que me trato aqui... O medo de en-louquecer ou de ser taxado como louco ainda o causador de umaenorme demanda reprimida, que dificulta qualquer anlise numricamais exata. Isso sem se falar no estigma do prprio tratamento, seja elemedicamentoso ou psicoterpico.

    Em nvel de Brasil, principalmente em algumas reas carentes, tor-na-se ainda mais difcil se obter estatsticas, pois ainda so poucos os locaisonde o Programa de Sade Mental est implantado de forma satisfatria.

    Apesar de tudo isso, a demanda nesse setor vem aumentando acada dia, causando muitas vezes a impresso errnea de que hoje aspessoas apresentam mais transtornos mentais que antigamente. co-mum ouvirmos nossos pais ou avs afirmando que esto todos enlou-quecendo, ou que antigamente no tinha nada disso. verdade queo ritmo da vida de hoje capaz de causar maior tenso nas pessoas ecom isso desencadear episdios de transtornos mentais; no entanto,outros fatores podem estar influenciando no aumento desta demanda:

    Demanda reprimida - umcontingente de pessoas comnecessidades de atendimentoe que tem seu acesso aosservios de sade impedidospor algum motivo: falta devagas, do servio ou de infor-maes, questes culturaisentre outras. Neste caso espe-

    cfico, os fatores principais soo medo e o estigma, alm dafalta de informaes.

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    1 A introduo de um programa de Sade Mental ocasionou umnmero maior de unidades assistenciais.

    2 A conscientizao da necessidade do acompanhamento psico-lgico para os pacientes de outros programas, como Sade daMulher (gestao, climatrio, aborto), hansenase, DST (princi-palmente para os portadores de HIV), tuberculose etc.

    3 A introduo de novas formas de tratamento na Sade Mentalvem apresentando melhoras nos quadros clnicos e diminuindoo medo do tratamento por parte de pacientes e familiares.

    4 A conscientizao da populao de que o programa de SadeMental pode e deve atuar como preveno, e no s como tra-tamento nos surtos, vem fazendo com que a populao busqueassistncia antes de apresentar sintomas de maior complexida-de. Assim, a dona de casa que no tinha vontade de sair e que

    era considerada excelente, hoje se v deprimida. O pai de fam-lia que chegava em casa exaltado e achava que era cansao,hoje se acha nervoso. Observa-se, desta forma, uma mudanade padres de normalidade.

    5 A veiculao de informaes sobre transtornos mentais atravsdos meios de comunicao (jornais, revistas, televiso, rdioetc), vem fazendo com que as pessoas identifiquem-se com ossintomas e busquem ajuda por valorizarem o que sentem. Pas-sam a perceber que no esto sozinhas e que muitas vezes po-dem at estar na moda.

    Com todos estes fatores atuando na demanda de Sade Mental, possvel perceber que a alterao que ela vem sofrendo no apenasnumrica. Embora em nmeros venha alcanando ndices consider-veis, a sua caracterizao surpreendentemente diferente da observa-da h alguns anos.

    4.2 Quem o paciente queprocura o setor de sade

    mental?Voc j esteve em contato com algum que sofria de

    transtorno mental? Qual era sua aparncia? Estava desorienta-do? Ele agrediu voc?

    Sua resposta provavelmente ser positiva para a primeira per-gunta. Com o atual ndice de usurios do setor de Sade Mental, muito difcil encontrar algum que ainda no tenha tido este tipo decontato, mesmo que no atue na rea de sade. No entanto, procure asrespostas para as perguntas subseqentes.

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    Havia algo de estranho em sua aparncia? A aparncia do in-divduo que procura este setor pode ser um sinal muito importantena deteco de determinados quadros mentais e o auxiliar de enfer-magem deve saber perceb-los. Mas o que desejamos ressaltar nestemomento que a menos que o paciente estivesse em franco surto,

    dificilmente haveria nele algo que o classificasse como um pacientecom transtorno mental.

    verdade que com as variaes da moda, muitas vezes en-contramos pessoas de aparncia estranha, no somente no que se refe-re ao vesturio, mas tambm com auto-mutilaes, como tatuagens oupiercings. No entanto, estas pessoas nem sempre freqentam um setorde Sade Mental, embora algumas vezes precisem de ajuda pela razocom que justificam tais procedimentos.

    O nvel de orientao de uma pessoa varivel com a situaoque est experimentando. As atribulaes do dia-a-dia e as preocupa-es podem nos deixar desligados, o que no quer dizer, necessaria-mente, que devamos nos inscrever num setor de Sade Mental. O inver-so tambm verdadeiro. Nem todo o usurio deste setor encontra-sedesorientado e suas colocaes devem sempre ser ouvidas com ateno.

    Em relao agresso, embora este parea ser o maior ponto dereceio para os profissionais quando se trata de lidar com o pacientecom transtorno mental, o ndice de profissionais de sade agredidosneste setor no maior que em muitos outros setores. Isso se deve adois fatores: violncia no tem que estar necessariamente presente notranstorno mental, e nem todos os usurios do setor apresentam umtranstorno mental de maior gravidade.

    O grau de dificuldade em lidar com todas estas questes podevariar. No entanto, pessoas consideradas saudveis conseguem perce-ber suas dificuldades e procurar ajuda. Estas constituem grande parteda demanda do setor de Sade Mental, sem que sejam portadoras detranstornos mentais mais graves, como as psicoses.

    Tambm fazem parte dessa demanda indivduos que buscam lau-dos para conseguirem uma aposentadoria por invalidez ou mesmo umperodo de licena. A maioria destes no pretende ficar em casa, e sim

    conseguir um ganho monetrio extra que permita satisfazer as necessi-dades bsicas suas e de sua famlia.

    O transtorno mental pode causar um profundo sofrimento aoportador, sua famlia e amigos. Freqentemente, ele abate o nimo eleva autodestruio, que se reflete, em parte, na elevada taxa de ten-tativas de suicdio entre esses pacientes.

    Muitas vezes tais pacientes encontram-se abandonados pela fa-mlia, que ou se afasta por medo de sofrer ou por no acreditar, de fato,que as alteraes de comportamento que os indivduos apresentam se-

    jam derivadas de uma patologia, e sim de uma deficincia de carter.

    Lidar com nossas emoes sempre algo muito difcil. En-frentar os desafios e as mu-danas que a vida nos oferecetodos os dias, assim comolidar com traumas e transi-

    es importantes, como a per-da de pessoas queridas, difi-culdades conjugais, proble-mas escolares e profissionaisou a perspectiva de uma apo-sentadoria, por exemplo,pode no ser muito fcil.

    Num setor de Sade Mentalvoc deve estar atento aossinais e sintomas que os usu-rios apresentam e no aosdiagnsticos que carregam.Por exemplo: tendemos a sconsiderar em risco de suic-dio os pacientes com transtor-nos. No entanto, um indivduopassando por perodos crti-cos, ou ainda usurio de dro-gas, pode apresentar riscosreais de autodestruio, mes-mo que seu transtorno ainda

    no tenha sido identificado.

    Para a famlia difcil caracte-rizar um transtorno mentalcomo patologia, pois essenem sempre pode ser com-provado por exameslaboratoriais.

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    O importante lembrar que, num setor como este, voc vai encon-trar pessoas que buscam ajuda para seus transtornos. O fato de reconhece-rem que precisam de ajuda para resolver suas questes emocionais podeser a nica linha que o diferencia dos pacientes dos demais setores.

    4.3 Quem o prof issionalque trabalha no setor deSade Mental?

    Por sua vez, o profissional que recebe este tipo declientela muitas vezes encarado por seus colegas comocorajoso, ou masoquista, quando no afirmam que tambm doente. Comumente ouvimos este tipo de afirmao:

    Trabalhou tanto tempo com malucos que ficou malucotambm. Esse tipo de preconceito abrange todos os nveisde escolaridade e no raro escalar-se os profissionais pro-blemas para este setor, como uma forma de castigo.

    Quando uma mulher vai trabalhar no setor de Gi-necologia, torna-se muito mais atenta aos possveis pro-blemas ginecolgicos que venha a ter; quando o profissi-onal insere-se no setor de Tuberculose, passa a prestar mais ateno empossveis sintomas respiratrios que venha a apresentar; o funcionriodo setor de DST/ AIDS preocupa-se demasiadamente com seu emagre-

    cimento. Por que seria diferente com a Sade Mental?O medo de vir a apresentar um transtorno mental passa muitas vezes

    pela mente deste indivduo. Porm, o medo de buscar as respostas pode sermaior, pois a prpria dvida pode ser relacionada patologia. O desconheci-mento do transtorno mental associado diversidade de fatores e sintomaspode gerar uma grande insegurana no profissional, provocando reaes eposturas lamentveis para com os pacientes e colegas. Como exemplo, certavez, uma psicloga foi mantida presa durante duas horas numa enfermariacom uma paciente agressiva por ter interferido quando os auxiliares de enfer-magem se negavam a alimenta-la por ter se comportado mal.

    O despreparo dificulta o funcionamento de todos os setores,mas o preconceito vem atrapalhando o preparo dos profissionais parao setor em questo. Afirmar que sente prazer em atuar na Sade Mentalpode muitas vezes custar ao profissional o rtulo de maluco e dimi-nuir seu status e valor de representatividade diante do grupo.

    O preconceito o fruto da rvore da ignorncia. imprescind-vel a busca de conhecimentos por parte dos profissionais de sadequanto aos fatores geradores do processo sade-doena na rea de Sa-de Mental para que ele possa elaborar estratgias no lidar com este tipode clientela contraditoriamente to comum, mas to especial.

    Masoquista No sentido realda palavra, a pessoa quesofre de um tipo de perversosexual em que procura al-gum que o maltrate. No con-texto aqui descrito, seria umapessoa que gosta de sofrer.

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    4.4 Integrao da equipe de sademental

    Certa vez, num encontro para integrantes da equipe de SadeMental, uma profissional contou um fato que trazia uma questo inte-

    ressante, que era mais ou menos assim:

    Sendo atuante em um Centro de Ateno Psicossocial(CAPS), afirmava que sempre sentiu-se feliz com a maneira inte-grada com que sua equipe atuava. Era uma equipe composta porpsiquiatras, psiclogos, assistentes sociais, terapeutasocupacionais, um enfermeiro e uma auxiliar de enfermagem. Po-rm, na prtica no havia qualquer linha hierrquica que demar-casse as profisses. O paciente que chegasse poderia ter seu pron-

    turio preenchido por qualquer um dos profissionais, s depen-dendo de quem estivesse disponvel no momento. Assim tam-bm as participaes nas oficinas ou outras atividades teraputi-

    cas eram obrigao de todos, pois todos,igualmente, eram capazes de estabelecerrelaes teraputicas com o paciente.

    At mesmo na cozinha algumas psi-clogas foram atuar para que a cozinheirativesse frias. ramos uma famlia! dizia nossa narradora. Todos eram igual-

    mente importantes e indispensveis; em-bora suas profisses fossem diferentes,suas funes se confundiam num nicoobjetivo: atender o usurio.

    Foi ento que apareceu Carlos. Eleera um paciente com dependncia totalque fora encaminhado quela unidade poracharem que poderia beneficiar-se deste

    tipo de assistncia. Na primeira vez que sujou as fraldas, surgiu apergunta: quem vai trocar as fraldas de Carlos?

    Uma pergunta que se repetiria inmeras vezes. E nunca afuno da auxiliar de enfermagem fora to lembrada. Esta, porsua vez, argumentava que como fazia parte de uma equipe inte-grada, todos teriam que executar a troca de fraldas. Os outros senegavam, afirmando que sua funo no era essa.

    Carlos no continuou na unidade. Seu grau de dependn-cia no era compatvel com os recursos do local. No entanto,uma dvida passou a dificultar a aparente integrao da equipe,que at aquele momento se perguntava: quem vai trocar as fral-das de Carlos?

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    Quando se fala de uma integrao de equipe de sade, naturalque surjam as distores e confuses que muitas vezes tendem a minaresse processo de trabalho. A equipe de sade vem de uma histria derelao de poder em que o mdico est sempre no topo da escala. E oauxiliar de enfermagem na base.

    Muitas vezes fazemos parte de uma equipe sem que estejamosintegrados a ela. Assim, se voc trabalha numa equipe onde cada umtem seu papel isolado, sem nenhuma relao entre si, onde cada umpreocupa-se em realizar a sua tarefa independente da do outro, voc fazparte desta equipe, mas no est, por certo, integrado a ela.

    Integrar-se a uma equipe antes de mais nada entregar-se aoque ela representa. No cumprir tarefas, mas realizar trabalhos. Numaequipe integrada, no existe o bom funcionrio, s a boa equipe. estar ciente de que o outro precisa de voc e que voc precisa do outro. ainda romper as linhas divisrias que o separa do outro e o distnciado objeto a ser atingido no caso de uma equipe de assistncia emsade, quase sempre a recuperao do paciente.

    As funes do auxiliar de enfermagem no so diferentes porqueeles atuam numa equipe de Sade Mental. Promover o conforto dopaciente, atender suas necessidades bsicas, prevenir agravos soquestes sempre presentes em sua atuao, seja l em que setor es-teja. No entanto, ele deve ter conscincia de que, muitas vezes, podeestar percebendo detalhes relativos ao paciente que os outros mem-bros da equipe, mesmo tendo uma formao mais aprofundada, po-dem no ter captado. Sensibilidade no se aprende na escola, fazparte das vivncias de cada um.

    Assim, so indispensveis as observaes do auxiliar de enfer-magem, como a de qualquer outro profissional.

    Posso citar, como exemplo, o caso de uma paciente quehavia sido internada em um hospital psiquitrico com um diag-nstico de esquizofrenia. O interessante, no entanto, tinha sido aforma como ela surgira. Ao trmino de uma festa de integraoentre famlia, paciente e equipe de sade, depois de todos terem

    ido embora, ficando apenas os internos, l estava ela! Comoda-mente sentada, assistindo televiso. Ao indagar-se quem era e ondemorava, respondeu apenas: Quem eu sou no sei, mas moro aqui!

    E morou mesmo! Por trs meses, Norma, como mais tardese identificou, morou no hospital e por mais que se tentasse des-cobrir sua origem ou famlia, nada havia sido obtido. At que umdia, enquanto a auxiliar de enfermagem lia para ela um gibi doMickey, (atividade prazerosa para ambas) ela, identificando-secom o personagem que dava o endereo para a namorada Minnie,

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    tambm comeou a fornecer o seu endereo.O momento era aquele! Uma pequena corti-na se abriu! No havia tempo de se chamaruma psicloga, assistente social ou enfermei-

    ra. Mais que depressa, a profissional, valori-zando a informao, tratou de anot-la empronturio e de notificar a equipe.

    Duas semanas depois, a equipe presen-ciava, emocionada, o reencontro de Norma(este no era o seu nome) com sua famlia,que a procurava h dois anos. Hoje ela en-contra-se reintegrada a uma sociedade, por-que uma profissional no se deteve em reali-zar tarefas limitadas, foi alm.

    Integrar-se equipe, modificando esse papel to comum decumpridor de tarefas, necessrio; e, em Sade Mental, poderia sedizer que essencial. Conscientizar-se de seu grau de importncianuma equipe, no como cumpridor de tarefas, mas como membro atu-ante e indispensvel na recuperao do paciente e preveno de surtosou desenvolvimento de transtornos, , para o auxiliar de enfermagem,a maneira de humanizar-se.

    Retornando questo das fraldas de Carlos, qualquer membroda equipe poderia e deveria troc-la, se a necessidade surgisse enquan-to ele estivesse com o paciente. Porm o auxiliar de enfermagem nopode esquecer-se que esta atividade faz parte de seu preparo e no dade outro profissional. Uma dobra na roupa de cama capaz de produzirbem mais que desconforto num paciente acamado, no ?

    Mesmo que entenda isso, os demais profissionais podem no tera destreza e habilidade desenvolvida pelo auxiliar de enfermagem emseu curso. Neste caso a especificidade era outra.

    Assim, todos podem participar das oficinas, porm o terapeutaou psiclogo no podem estar alheios ou distantes a isso, para que o

    processo no seja prejudicado. Todos poderiam trocar as fraldas deCarlos, mais o auxiliar de enfermagem deve estar sempre atento quan-to maneira como este cuidado vem sendo realizado. No se trataapenas de trocar fraldas, mas de prevenir desconforto, transtornos eagravos ao paciente.

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    5 - PROCESSO SADE - TRANSTORNOMENTAL

    5.1 Fatores de influncia

    Voc j enfileirou peas de dominuma aps a outra? Ou quem sabe j tentoufazer um castelinho de blocos de madeira?O que acontece se derrubarmos a primeirapea da fila, ou se puxarmos uma das peasque formam a base do castelo? As outrascaem em seguida, no verdade? E, ao ver-mos todas as peas derrubadas, muitas ve-zes no somos capazes de identificar qual

    foi a causadora do desastre, at porque umafoi causando a queda da outra.

    Com os fatores geradores do trans-torno mental acontece algo muito pareci-do. Precisamos compreender que ns, se-res humanos, funcionamos como um todo,ou seja, vrios fatores influenciam ao mesmo tempo os nossos compor-tamentos, as nossas escolhas. Por exemplo, se algum desenvolve ummedo excessivo da violncia atual, a ponto de recusar-se a sair s ruas,ou at mesmo a atender o telefone, assistir televiso ou chegar ao porto

    de casa, podemos pensar de imediato que h vrias causas colaborandopara isso, como: a histria de vida do indivduo, se foi uma criana muitoprotegida ou excessivamente exposta; os mecanismos fisiolgicos queatuam na resposta de medo; o prprio aumento da violncia nos diasatuais e a explorao que a imprensa faz disso; alguma perda de pessoaquerida em perodo recente. Tudo pode atuar ao mesmo tempo.

    Esse um conceito do qual ouvimos muito falar atualmente: ode multicausalidade. Ou seja, vrias so as causas que fazem comque o indivduo venha a desenvolver, em determinado momento desua histria, um transtorno mental.

    No entanto, muitas vezes difcil trabalharmos com esse concei-to em mente, pois no somos acostumados a avaliar situaes comoum todo, alm de ficarmos achando que se encontrarmos uma nicacausa para o problema, o resolveremos mais depressa. Essa forma deraciocnio to tentadora que existem at muitos especialistas que fi-cam insistindo que a causa de tal transtorno mental apenas fsica ouapenas emocional. O que acontece que, com isso, acabamos vendos um pedacinho do paciente e acabamos por no ajud-lo a se ver porinteiro, dificultando o processo de melhora. Felizmente, profissionaiscom essa viso restrita esto ficando mais raros.

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    Assim, precisamos tornar nossa viso mais ampla. Quando nosdetemos a tentar conhecer mais as pessoas que estamos atendendo,saber do que gostam, de onde vm, como vivem, torna-se mais fcilfazer uma idia dos fatores que podem estar exercendo maior influn-cia no momento atual de seu transtorno.

    De forma simplificada, podemos dizer que trs grupos de fatoresinfluenciam o surgimento da doena mental: os fsicos ou biolgicos,os ambientais e os emocionais.

    5.1.1. Fatores fsicos oubiolgicos

    O nosso corpo funciona de forma inte-grada, isto , os aparelhos e sistemas se comu-nicam uns com os outros e o equilbrio de umdepende do bom funcionamento dos outros.

    Muitas vezes podemos achar difcil deentender como sintomas to emocionaiscomo sentir-se culpado ou ter pensamentos re-petidos de morte ou ouvir vozes possam tertambm uma base orgnica, mas ela existe. Oenvelhecimento, o abuso de lcool ou outras

    substncias so exemplos comuns. Em muitos casos essa base j podeser identificada e descrita pelos especialistas, em outros casos ainda no.

    O que se sabe que sempre que temos alguma emoo, seja elaagradvel ou desagradvel, ocorrem uma srie de trocas eltricas e qu-micas em nosso crebro, o que j constitui, por si s, um fator orgnico.

    Podemos definir os fatores fsicos ou biolgicos como sendo asalteraes ocorridas no corpo como um todo, em determinado rgo ouno sistema nervosos central que possam levar a um transtorno mental.

    Dentre os fatores fsicos ou biolgicos que podem ser a base oudeflagrar um transtorno mental, existem alguns mais evidentes, queavaliaremos a seguir.

    a) Fatores genticos ou hereditriosQuantas vezes j ouvimos dizer que fulano puxou o gnio do

    pai? Ou que tem problema de cabea que nem a tia? Ou que nervo-so que nem a me?

    Quando usamos essas expresses, estamos nos referindo s pos-sveis heranas genticas que possamos trazer em nosso comporta-mento e forma de ser.

    O nome gentico vem da palavra genes, que so grandes mo-lculas que existem dentro de nossas clulas contendo informaes

    Qualquer alterao no corpocomo um todo chamada desistmica.

    Herana gentica tudo aqui-lo que passa do pai e dame para os filhos atravs decdigos que vm inscritos emnossas clulas.

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    sobre como nosso corpo deve se organizar. As informaes contidasnos genes so muitas e no so todas que utilizamos; algumas ficamguardadas.

    Em Psiquiatria, os fatores genticos ou hereditrios tm sido muitofalados ultimamente, muitas vezes em programas de televiso, semprecaracterizados como grandes descobertas. Isso porque embora popular-mente sempre se diga que a pessoa com transtorno mental o herdou dealgum da famlia, h muito tempo os cientistas tentam identificar seessa herana veio atravs do corpo ou do ambiente em que a pessoafoi criada. Atualmente, os avanos da Medicina tm permitido identifi-car alguns genes que possam ter influncia no desenvolvimento de trans-tornos mentais.

    No entanto, importante deixar claro que quando se fala de fato-res genticos em Psiquiatria, estamos falando de tendncias, predispo-sies que o indivduo possui de desenvolver determinadosdesequilbrios qumicos no organismo que possam lev-lo a apresentardeterminados transtornos mentais.

    Ainda assim, uma grande armadilha acreditarmos que a esttoda a causa da doena mental, pois passamos a acreditar que a solu-o do problema s estar neste ponto e deixamos de prestar atenoem todos os outros aspectos da pessoa que atendemos em sofrimentomental.

    Dessa forma, a constituio gentica precisa ser vista como umafacilidade orgnica para desenvolver um determinado transtorno

    mental, mas no h garantias de que, ao longo da vida do sujeito, talfato ocorrer, visto que depender de outros fatores para que tal ten-dncia de fato se manifeste.

    Em alguns filmes de fico do futuro, vemos pessoas tendo car-tes magnticos contendo informaes sobre seu genoma (o mapade seus genes), utilizados como carteira de identidade. Os cientistasafirmam que isto no est to longe de acontecer. Imaginamos at queseja possvel, mas esperamos que at l a sociedade tenha evoludo osuficiente para no usar de forma preconceituosa tais informaes. Outalvez venhamos a descobrir que todos ns temos uma ou outra altera-

    o gentica que possa nos predispor ao transtorno mental.b) Fatores pr-natais

    As condies de gestao, dentre eles os fatores emocionais, eco-nmicos e sociais, o consumo de lcool, drogas, cigarro e de algunstipos de medicao podem prejudicar a formao do beb, gerando pro-blemas futuros que podero comprometer sua capacidade adaptativano crescimento e desenvolvimento, podendo facilitar o surgimento dadoena mental.

    Os genes se organizam den-tro de estruturas que se cha-

    mam cromossomas (tudo issoainda dentro de cada clulado nosso corpo). Em cada clulaexistem 46 cromossomas, orga-nizados em pares. Todas asclulas de nosso organismopossuem os mesmos 46cromossomas, menos as clulasgerminativas, ou seja, os vulose os espermatozides. Essasclulas contm somente 23cromossomas, apenas a meta-de das outras clulas do corpo.

    Quando ocorre a fecundao,os cromossomas de uma eoutra clula germinativa(espermatozide e vulo) seunem, formando pares, so-mando um total de quarentae seis, dando incio ao novo ser.Quando os cromossomos seunem, os genes neles contidosformam diferentes combina-es, o que faz com que filhosdos mesmos pais tenham ca-ractersticas diferentes.

    H casos nos quais a influn-cia gentica determinantede um problema. Por exem-plo, a existncia de um tercei-ro cromossoma no par 21 ge-rar, sem dvida, a Sndromede Down, que trar uma situa-o de atraso mental paraesse indivduo. Isso nos infor-ma que esse indivduo teruma adaptao mais difcilao mundo e que, portanto,necessitar de recursos espe-ciais, no caso a educaoespecializada.

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    c) Fatores peri-natais

    Peri-natal tudo aquilo que acontece durante o nascimento dobeb. Em algumas situaes o beb pode sofrer danos neurolgicosdevido a traumatismos ou falta de oxigenao do tecido cerebral. Nes-

    ses casos, dependendo da gravidade desses danos, a criana poderdesenvolver problemas neurolgicos (como, por exemplo, a epilepsiaou diversos tipos de atraso de desenvolvimento) que podem formar abase para futuros transtornos psiquitricos.

    d) Fatores neuro-endocrinolgicos

    O sistema endcrino, que responsvel pela regulao do equil-brio de nosso organismo, faz isso atravs da produo de hormniospelas glndulas endcrinas (pituitria, tireide). Acontece que esse sis-tema tem estreita ligao com o sistema nervoso central, havendo umainfluncia recproca entre eles, isto , o que acontece em um causa

    reaes no outro e vice-versa.Muitos estudos recentes tm mostrado a ligao entre mecanis-

    mos neuro-endocrinolgicos e reaes cerebrais. As mudanashormonais podem influenciar nosso estado de humor e deflagrar atmesmo estados psicticos como o caso da psicose puerperal ou datenso pr-menstrual (TPM).

    e) Fatores ligados a doenas orgnicas

    O transtorno mental pode tambm aparecer como conseqnciade determinada doena orgnica, tal como infeces, traumatismos,

    vasculopatias, intoxicaes, abuso de substncias e qualquer agentenocivo que afete o sistema nervosos central.

    5.1.2. Fatores Ambientais

    Voc acorda pelamanh e percebe que otempo mudou. O solque havia ontem no

    apareceu hoje, faz frio ecai forte chuva. Ao sepreparar para sair, comcerteza voc buscarroupas mais quentes eprocurar se protegercom capa ou guarda chuva. Estamos, assim, procurando nos ajustar aosfatores ambientais (nesse caso, climticos).

    Na verdade, estamos o tempo todo procurando formas de nosadaptarmos, o melhor possvel, ao que acontece nossa volta. Tantos

    Psicose puerperal - um esta-do psictico que pode ocorrerna mulher aps o parto.

    Por ambiente podemos definirtudo aquilo que est fora doindivduo, que no inerentea ele, mas que est o tempotodo sua volta. No hcomo no estabelecer trocascom o ambiente em que vive-mos, estamos o tempo todointeragindo com ele. Comovoc interage e se adapta aoambiente em que voc moraou trabalha?

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    so os estmulos que sofremos que acabamos desenvolvendo maneirascaractersticas de reagir, muitas vezes supervalorizando as informaesque nos chegam, outras vezes tornando-nos apticos a elas. Que sensa-o voc experimenta quando entra em contato com as constantes (emassacrantes!) notcias de violncia via rdio e televiso? As pessoas

    costumam ter diferentes reaes: algumas tornam-se apticas a elas,outras fazem uso do humor para digeri-las, outras tornam-se excessiva-mente medrosas, e assim por diante. Como exemplo, uma paciente pas-sou a pensar na possibilidade de fazer algum mal sua pequena filha apartir de noticirios de rdio que relatavam maus tratos e at homicdi-os materno-infantis.

    Os fatores ambientais exercem forte e constante influncia sobrenossas atitudes e nossas escolhas dirias, tanto externa quanto interna-mente, isto , como nos sentimos e enxergamos a ns mesmos. As rea-es a cada estmulo ambiental se daro de acordo com a estrutura

    psquica de cada pessoa, e essa estrutura psquica estar intimamenteligada s experincias que a pessoa teve durante a vida. Assim se esta-belece uma relao circular entre todos os fatores geradores de trans-torno mental onde um ocasiona o outro.

    Para melhor compreenso, podemos dizer que os fatoresambientais podem ser sociais, culturais e econmicos.

    Como sociais podemos compreender todas as interaes que te-mos com o outro, nossas relaes pessoais, profissionais e com outrosgrupos. Estudos falam da importncia das pessoas significativas emnossa infncia e de como ficam marcadas em ns as suas formas de

    pensar e agir, assim como as reaes que passamos a ter influenciam onosso comportamento diante de outras pessoas. Se, com as pessoasimportantes de nossa infncia, aprendemos que existem pessoas queno so confiveis e que devemos estar sempre atentos para no ser-mos enganados, possivelmente teremos dificuldades em confiar em al-gum mesmo em nossa vida adulta.

    Entre os fatores ambientais culturais podemos lembrar de todoo sistema de regras no qual estamos envolvidos. Este sistema varia depas para pas, de estado para estado, de grupo para grupo, e tambm deacordo com a poca. Ou seja, noo de certo e errado, de bom e mau

    varia muito dependendo do local e poca em que estamos. Os mitos, ascrenas, os rituais que nos cercam, nos do as noes de bem e mal queso aceitas pelos grupos aos quais pertencemos, seja ele o nosso pas, onosso grupo religioso, a nossa escola ou mesmo a nossa famlia.

    Outro grupo de fatores ambientais que podemos perceber comoexercendo influncia sobre ns so os econmicos. Nesse tpico tan-to podemos nos referir nossa possibilidade mais direta de aquisiode bens, ou seja, nosso bolso, quanto s atuais condies sociais,onde a misria, aliada baixa escolaridade, pode levar ao aumento dacriminalidade e esta ao aumento de tenso em nosso dia-a-dia.

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    SadeMental

    Vale observar que todos estes grupos de fatores ambientais es-to presentes tanto em meios menos extensos, como a famlia, quantoem meios mais amplos, como a prpria humanidade.

    5.1.3. Fatores emocionais ou psicolgicos

    Continuamos tentando compreender o que, afi-nal de contas, torna as pessoas diferentes umas

    das outras. O que faz com que se comportemde uma maneira e no de outra. J abordamosos aspectos fsicos e os ambientais e, no poracaso, deixamos para abordar os aspectosemocionais depois de bem compreendidos os

    anteriores. Isso porque, como j foi visto an-tes, os fatores influenciam-se entre si, mas nocaso dos aspectos emocionais estamos falan-

    do de formao de identidade, que se inicia jus-tamente com a conjugao dos aspectos fsicose ambientais.

    Cada pessoa vem a este mundo como sernico, diferente de todos os outros. Cada um de

    ns apresenta, mesmo ao nascer, uma forma de interagir com o mundoque influencia o comportamento de quem est nossa volta e influ-

    enciado por ele. No incomum as mulheres que possuem mais de umfilho afirmarem que foram bebs totalmente diferentes: um dormia mais,outro chorava o tempo todo, ou estava sempre doente.

    Tambm devemos lembrar que, quando nascemos, j trazemosconosco uma histria de vida. Se fomos desejados ou no, se somoso primeiro filho ou o dcimo, se nossa estadia na barriga foi tranqilaou cheia de altos e baixos, se a mame fez uso de algum medicamentoou droga que tenha nos deixado mais agitados ou mais apagados, setivemos ou no dificuldades maiores no parto, se fomos bem atendidose fomos logo para perto da mame, ou se tivemos que ficar mais tempo

    longe (indo para uma UTI neonatal, por exemplo), se a mame ficoubem aps nosso nascimento (disponvel para gente) ou se teve, porexemplo, uma depresso puerperal.

    Bom, estes so s alguns exemplos que mostram que ns j bota-mos o p na vida com algumas caractersticas que nos so indivi-duais e que as interaes que vamos estabelecer com o mundo, apartir de nosso nascimento, sero formadoras de um modo de sercaracteristicamente nosso, mais ou menos ajustado, ao qual chama-mos personalidade.

    Pois bem, voltemos a pensar um pouco no nosso beb...

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    PPPPP EEEEEAAAAARRRRROOOOOFFFFF

    Ao nascer, o beb no tem ainda conscincia de si mesmo e domundo sua volta. No consegue diferenciar suas sensaes internasdo mundo externo. Apenas consegue perceber sensaes boas(prazerosas) e ms (desprazerosas). A fralda molhada d desprazer e elechora. O colo da mame d prazer (possivelmente lembra o conhecido

    aconchego do tero e d segurana) e ele dorme.Nessa seqncia, entre chorar e ser confortado, se d um dos alicerces

    fundamentais para o restante da vida do beb (e dificilmente a me se d contado papel fundamental desses momentos), pois, aos poucos, a criana vai cons-truindo a noo de confiana, que o ponto de partida para sentimentos comosegurana, otimismo e f na vida adulta. Alm disso a formao do vnculoafetivo com a me ou pessoa su