apostila de eclesiologia

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“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério” BACHARELADO EM TEOLOGIA APOSTILA DE ECLESIOLOGIA ÍNDICE I. Nomes bíblicos da igreja ........................................................... ............. p.02 II. Figuras bíblicas que descrevem a igreja de Cristo................................ p.04 III. A natureza da igreja .................................................... ......................... p.05 ECLESIOLOGIA p.1

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I

Habilitando os santos para o desempenho do seu ministrio

BACHARELADO EM TEOLOGIA

APOSTILA DE ECLESIOLOGIA

NDICEI. Nomes bblicos da igreja ........................................................................p.02II. Figuras bblicas que descrevem a igreja de Cristo................................p.04III. A natureza da igreja .............................................................................p.05IV. Os atributos da igreja ...........................................................................p.08V. O poder da igreja ..................................................................................

p.10VI. O governo da igreja .............................................................................p.18VII. Ordenao de mulheres ao ministrio pastoral batista: problema, ponderaes, exegese e sugestes ...................................................p.41

VIII. Os sacramentos em geral ..................................................................p.53IX. O Batismo Cristo ................................................................................p.56X. A ceia do Senhor ...................................................................................p.65XI. A igreja como a vanguarda de Deus ....................................................p.72XII. Contextualizao e tradio na igreja ps-moderna ...........................p.81I. NOMES BBLICOS DA IGREJA Louis Berkhof

1. No Velho TestamentoO Velho Testamento emprega duas palavras para designar a igreja, a saber, qahal (ou kahal), derivada de uma raiz qal (ou kal) obsoleta, significando "chamar"; e 'edhah, de ydadh, "indicar" ou "encontrar-se ou reunir-se num lugar indicado". s vezes estas duas palavras so usadas indiscriminadamente, mas, de incio, no eram estritamente sinnimas. 'Edhah propriamente uma reunio resultante de combinao, e, quando aplicada a Israel, denota a sociedade propriamente dita, formada pelos filhos de Israel ou por seus chefes representativos, reunidos ou no. Por outro lado, Qahal denota propriamente a reunio de fato do povo. Consequentemente, vemos ocasionalmente a expresso qehal 'edhah, isto , "a assemblia da congregao", (x. 12.6; Nm 14.5; Jr 26.17). V-se que, s vezes, a reunio realizada era uma reunio de representantes do povo, (Dt 4.10; 18.16, comp. 5.22,23; l Rs 8.1,2,3,5; 2 Cr 5.2-6). 'Edhah , de longe, a palavra mais comum em xodo, Levtico, Nmeros e Josu, mas est inteiramente ausente de Deuteronmio e raramente se v nos livros posteriores. Qahal aparece numerosamente em Crnicas, Esdras e Neemias. Synagoge a verso usual, quase universal, de 'edhah na Septuaginta, e tambm a verso usual de qahal no Pentateuco. Nos ltimos livros da Bblia [Velho Testamento], porm,qahal geralmente traduzida por, ekklesia. Schuerer afirma que o judasmo mais recente j indicava a distino entre synagoge como designativo da congregao de Israel como uma realidade emprica, e ekklesia como o nome da mesma congregao considerada idealmente. Ele seguido nisto pelo doutor Bavinck. Cremer-Koegel, porm, faz objeo a isto. Diz Hort que aps o cativeiro a palavra qahal parece ter combinado as nuanas de sentido de qahal e 'edhah; e que, conseqentemente, "ekklesia, como o principal representante grego de qahal, naturalmente significaria para os judeus que falavam grego, tanto a congregao de Israel, como uma assemblia da congregao".2. No Novo Testamento

O Novo Testamento tambm tem duas palavras, derivadas da Septuaginta, quais sejam, ekklesia, de ek e kaleo, "chamar", "chamar para fora", "convocar", e synagoge, de syn e ago, significando "reunir-se" ou "reunir". Synagoge empregada exclusivamente para denotar, quer as reunies religiosas dos judeus, quer os edifcios em que eles se reuniam para o culto pblico, Mt 4.23; At 13.43; Ap 2.9; 3.9. O termo ekklesia, porm, geralmente designa a igreja neotestamentria, embora nuns poucos lugares denote assemblias civis comuns, (At 19.32, 39, 41). A preposio ek, de ekklesia (ekkaleo), muitas vezes interpretada no sentido de "dentre as massas do povo comum" e indicando, em conexo com o uso escriturstico de ekklesia, que a igreja consiste dos eleitos, chamados para fora do mundo da humanidade. Contudo, esta interpretao duvidosa, pois, originariamente, a preposio ek simplesmente denotava que os cidados gregos eram chamados para fora das suas casas. Agora, no seria antinatural que aquela idia inteiramente escriturstica tivesse sido introduzida na palavra, pela revelao de Deus. Mas, na verdade, no temos prova de que isso foi feito realmente. O verbo composto ekkaleo nunca empregado desse modo, e a palavra ekklesia nunca ocorre num contexto no qual se tivesse a noo da presena daquele particular pensamento na mente do escritor. Deissmann simplesmente traduz ekklesia pela expresso "a assemblia (convocada)", considerando Deus como aquele que a convoca. Dado que a idia de igreja um conceito caracterizado por muitas facetas, natural que a palavra ekklesia, aplicada a ela, nem sempre tenha exatamente a mesma conotao. No Novo Testamento, Jesus foi o primeiro a fazer uso da palavra, e Ele a aplicou ao grupo dos que se reuniram em tomo dele (Mt 16.18), reconheceram-no publicamente como seu Senhor e aceitaram os princpios do reino de Deus. Era a ekklesia do Messias, o verdadeiro Israel. Mais tarde, como resultado da expanso da igreja, a palavra adquiriu vrias sgnificaes. Igrejas locais foram estabelecidas em toda parte, e eram tambm chamadas ekklesiai, desde que eram manifestaes da igreja universal de Cristo. Eis os usos mais importantes da palavra:a) Com muita freqncia a palavra ekklesia designa um crculo de crentes de alguma localidade definida, uma igreja local, independentemente da questo se esses crentes esto reunidos para o culto ou no. Algumas passagens apresentam a idia de que se acham reunidos (At.5.11; 11.26; l Co.11.18; 14.19, 28, 35), enquanto que outras no (Rm.16.4; l Co.16.1; Gl.1.2; l Ts 2.14 etc.).b) Nalguns casos, a palavra denota o que se pode denominar ekklesia domstica, igreja na casa de alguma pessoa. Ao que parece, nos tempos apostlicos, pessoas importantes por sua riqueza ou por outras razes separavam em seus lares um amplo cmodo para o servio divino. Acham-se exemplos deste uso da palavra em Rm.16.23; l Co.16.19; Cl.4.15; Fm 2.c) Se a interpretao de Tischendorf est certa (como hoje em dia se aceita que est), a palavra se acha pelo menos uma vez, no singular, para denotar um grupo de igrejas, a saber, as igrejas da Judia, da Galilia e de Samaria. A passagem em que o termo empregado desse modo At 9.31. Naturalmente, isto ainda no significa que elas constituam uma organizao como a que atualmente chamamos denominao. No impossvel que a igreja de Jerusalm e a de Antioquia da Sria tambm abrangessem diversos grupos que habitualmente se reuniam em diferentes lugares.d) Num sentido mais geral, a palavra serve para denotar a totalidade do corpo, no mundo inteiro, daqueles que professam exteriormente a Cristo e se organizam para fins de culto, sob a direo de oficiais para isso designados. Este sentido da palavra est um tanto no primeiro plano na Primeira Epstola aos Corihtios (10.32; 11.22; 12.28), mas tambm parece que estava presente na mente de Paulo quando escreveu a Epstola aos Efsios, embora nesta carta a nfase seja igreja como organismo espiritual, especialmente em Ef. 4.11-16.e) Finalmente, em seu sentido mais compreensivo, a palavra se refere a todo o corpo de fiis, quer no cu quer na terra, que se uniram ou se uniro a Cristo como seu Salvador. Este uso da palavra acha-se principalmente nas cartas de Paulo aos efsios e aos colossenses, mais freqentemente na primeira destas (Ef 1.22; 3.10, 21; 5.23-25, 27, 32; Cl.1:18, 24).Devemos ter em mente que os nomes em ingls, holands e alemo, "Church", "Kerk" e "Kirche", no so derivados da palavra ekklesia, mas da palavra kyrake, que significa "pertencente ao Senhor". Eles salientam o fato de que a igreja propriedade de Deus. O nome to kyriakon ou he kyrake designava acima de tudo o lugar onde a igreja se reunia. Entendia-se que este lugar pertencia ao Senhor e, portanto, era chamado to kyriakon. Mas o lugar propriamente dito era vazio e no se manifestava realmente como to kyriakon enquanto a igreja no se reunia ali para o culto. Conseqentemente, a palavra foi transferida para a igreja mesma, o edifcio espiritual de Deus.3. Outros designativos bblicos da Igreja

O Novo Testamento contm vrios designativos figurados da igreja, cada qual ressaltando algum aspecto particular da igreja. Esta chamada:a) Corpo de Cristo. Em nossos dias, alguns parecem considerar este apelativo como uma definio completa da igreja do Novo Testamento, mas no era este o propsito do seu uso. O nome no aplicado somente igreja universal, como em Ef 1.23 e Cl 1.18, mas tambm a uma congregao isolada (l Co 12.27). Ele d relevo unidade da igreja, quer local quer universal, e particularmente ao fato de que esta unidade orgnica e de que o organismo da igreja tem relao vital com Jesus Cristo visto como sua gloriosa cabea.b) Templo do Esprito Santo ou de Deus. A igreja de Corinto chamada "santurio de Deus", no qual o Esprito Santo habita (l Co 3.16. Em Ef 2.21,22) Paulo fala que os crentes crescem "para santurio dedicado ao Senhor" e que so edificados "para habitao de Deus no Esprito". O nome aplicado igreja ideal do futuro, que a igreja universal. E Pedro afirma que os crentes, como pedras vivas, so edificados "casa espiritual" (l Pe 2.5). O contexto mostra que ele est pensando num templo. Esta figura acentua o fato de que a igreja santa e inviolvel. A permanncia do Esprito Santo nela d-lhe um carter exaltado.

c) A Jerusalm de cima, ou nova Jerusalm, ou Jerusalm celestial. Todas estas trs formas se acham na Bblia (Gl 4.26; Hb 11.22; Ap 21.2; cf. os versculos 9 e 10). No Velho Testamento, Jerusalm descrita como o lugar onde Deus habitava entre querubins e onde, simbolicamente, Ele tinha contato com o Seu povo. O Novo Testamento, evidentemente, considera a igreja como a reproduo exata da Jerusalm veterotestamentria e, da, d-lhe o mesmo nome. De acordo com esta descrio, a igreja o lugar de habitao de Deus, onde o povo trazido comunho com Ele; e este lugar de habitao, embora ainda parcialmente na terra, pertence esfera celestial.d) Coluna e baluarte da verdade. H apenas um lugar em que o nome aplicado igreja, a saber, l Tm 3.15. Refere-se igreja em geral, e, portanto, aplica-se a cada parte dela. A figura expressa o fato de que a igreja guardi da verdade, cidadela da verdade e defensora da verdade contra todos os inimigos do reino de Deus.II. FIGURAS BBLICAS QUE DESCREVEM A IGREJA DE CRISTOEbenzer S. Ferreira

Vrias so as figuras usadas para descrever o conceito apostlico de igreja. Vejamos nove delas:1. ColunaAs colunas ocupavam, nos templos antigos, posio de salincia. A coluna um pilar quase sempre cilndrico, que tem a funo de sustentar as coberturas e os tetos de um edifcio. Os apstolos foram chamados "colunas" porque eles sustentaram as doutrinas de Cristo (Gl.2:9). Tambm Jeremias foi chamado de "coluna de ferro" (Jr.1:18). No Apocalipse, os crentes so considerados como "colunas" (Ap.3:12). Mas a coluna mais notvel de todas a igreja, a que Paulo denomina de ''coluna e esteio da verdade' (I Tm.3:15). A igreja de Cristo , portanto, a coluna forte, o poderoso apoio em que se assenta a verdade. coluna firme, sustentculo irremovvel.2. Corpo de CristoPaulo diz que a igreja o corpo de Cristo (I Co.12:27). Esta imagem paulina usada para explicar a unidade e a diversidade numa igreja. A igreja no entendida como organizao, mas como organismo. E o organismo vivo. Em sua metfora, Paulo mostra que o corpo humano se compe de muitos membros e que cada membro exerce a funo que lhe peculiar sem, contudo, haver entre eles qualquer conflito ou mesmo superposio. As funes no corpo humano so exercidas harmoniosamente, visando ao bem-estar do organismo. Paulo deixa claro que a pluralidade de membros no corpo bem como a diversidade deles e as diferenas nas funes no afetam a unidade do corpo. Cristo , assim, a cabea do corpo, que a igreja. 3. Noiva de CristoVrias vezes ocorre na Bblia essa figura. Escrevendo aos corntios, Paulo declara: "A minha dedicao por vs purssima, pois para mim sois como que uma donzela virgem, que se apresenta como noiva ao seu verdadeiro esposo, Jesus Cristo" (II Co.11:2). A traduo de J.B. Phillips. Essa figura vem do Antigo Testamento. Israel era tido como a esposa de Deus. O profeta Osias diz que Deus falou: "E desposar-te-ei comigo para sempre..." (Os.2:19a). No Apocalipse, a figura empregada vrias vezes. No captulo 22:17, l-se: "E o Esprito e a noiva dizem: Vem..." Estejamos preparados, pois somos convidados para as bodas do Cordeiro: "Bem-aventurados aqueles que so chamados ceia das bodas do Cordeiro" (Ap.19:9).4. Casa, edifcioPaulo usa a imagem da casa e do edifcio que foi colocado sobre o fundamento que Cristo. Os crentes, quais pedras vivas, cooperam como se fossem os tijolos que servem para construir as paredes. Pedro diz: "Vs tambm, quais pedras vivas, sois edificados como casa espiritual para serdes sacerdcio santo, a fim de oferecerdes sacrifcios espirituais, aceitveis a Deus por Jesus Cristo" (I Pe.2:5).5. PovoTodos sabemos que nos tornamos possesso especial de Deus (l Pe.2:9). Somos o povo adquirido. Barclay comenta: "Freqentemente sucede que o valor de um objeto reside no fato de haver pertencido a algum. Nesses casos, um objeto bastante comum pode adquirir um novo valor se ele foi propriedade de alguma pessoa. Em qualquer museu podemos encontrar objetos vulgares roupas, lapiseiras, livros, peas de mobilirio etc. cujo nico valor reside em haverem pertencido e haverem sido utilizado por alguma personagem destacada. o proprietrio quem lhes tem conferido um valor especial. E assim ocorre tambm com o seguidor de Cristo. O cristo pode ser uma pessoa vulgar, mas adquire novo valor, dignidade e grandeza porque pertence a Deus. A grandeza do cristo consiste em que ele pertence a Cristo."6.TemploNa antigidade, entre os pagos, os templos eram chamados de habitaes dos deuses. Paulo toma essa idia e a transporta para o cristianismo, dizendo porm, que a igreja, isto , os crentes, so um templo para o Senhor, o Deus dos deuses. Em I Corntios 3:9, Paulo fala que ns somos o edifcio de Deus. E, em I Corntios 6:19, ele escreve: "Ou no sabeis que o vosso corpo santurio do Esprito Santo, que habita em vs, o qual possus da parte de Deus, e que no sois de vs mesmos?"7. RebanhoEsta uma das mais lindas figuras. Ela tirada da experincia da vida pastoril, quando o pastor de ovelhas sai tangendo seu rebanho para gui-lo a pastos verdejantes e a guas tranqilas. O profeta Isaas j dizia que "todos ns ramos como ovelhas sem pastor..." (Is.53:6). Jesus se apresentou como o bom pastor, que est pronto a dar a sua vida pelas ovelhas. Ele diferente do mercenrio que, vendo vir o lobo, foge (Jo.10). O autor da carta aos Hebreus descreve Jesus como o "sumo pastor das ovelhas" (Hb.13:20). Que alegria imensurvel ser parte do rebanho do sumo pastor, que Cristo!8. FamliaA igreja representada tambm como uma famlia. Na famlia h comunho, h entendimento, h paz, porque a famlia de Deus. Todos os seus membros so irmos porque nasceram do mesmo sangue espiritual de Cristo. Nasceram de novo, de cima. Essa famlia a famlia da f, pois os crentes so chamados "os domsticos da f" (Gl.6:10).9. CastialO castial utenslio usado para segurar velas de iluminao. No Apocalipse, o vidente de Patmos ouviu que os sete candeeiros (ou castiais) de ouro eram as sete igrejas (Ap.1:20b). Os castiais, ou candeeiros, no so luzes, nem as produzem. A luz vem de Cristo, que a luz do mundo. A igreja o castial onde brilha a luz de Cristo Jesus.III. A NATUREZA DA IGREJA

Louis Berkhof

1. A essncia da igrejaa) A concepo catlica romana.

Os cristos primitivos falavam da igreja como a commnio sanctorum (comunho dos santos) e assim, sem contudo terem pensado na matria completamente, j deram expresso essncia da igreja. Logo, porm, no fim do segundo sculo, como resultado do surgimento de heresias, a questo quanto verdadeira igreja se lhes imps e os levou a fixar a ateno em certas caractersticas da igreja como instituio externa. Desde o tempo de Cipriano at Reforma, a essncia da igreja foi cada vez mais procurada em sua organizao visvel e externa. Os chamados pais da igreja entendiam que a igreja compreende todos os ramos da igreja de Cristo e que entrelaada numa unidade externa e visvel, tendo seu lao unificador no colgio de bispos. A concepo da igreja como organizao externa com o tempo foi ganhando proeminncia. Foi dada crescente nfase a sua organizao hierrquica, e nesta foi o posto o selo definitivo com a instituio do papado. Os catlicos romanos definem a igreja como: A congregao de todos os fiis que, sendo batizados, professam a mesma f, participam dos mesmos sacramentos e so governados por seus legtimos pastores, sob um chefe visvel da terra. Eles fazem distino entre ekklesia docens e a ekklesia audiens (igreja docente e ouvinte), isto , entre a igreja que ensinada e governada, e que recebe os sacramentos. No sentido estrito da palavra, no a ekklesia audiens que constitui a igreja, mas, sim, a ekklesia docens. Esta participa diretamente dos gloriosos atributos da igreja, mas aquela s indiretamente adornada por eles. Os catlicos romanos esto prontos a admitir que h um lado invisvel da igreja, mas preferem reservar o nome igreja para a comunho visvel dos crentes. Falam eles com freqncia da alma da igreja, mas no parecem estar em pleno acordo quanto conotao exata do termo. Devine define a alma da igreja como a sociedade daqueles que so chamados para a f em Cristo e que so unidos a Cristo por dons e graas sobrenaturais. Wilmers, porm, a v naquelas graas espirituais e sobrenaturais que constituem a igreja de Cristo e habilitam os seus membros a alcanarem o seu fim ltimo. Diz ele: O que denominamos alma em geral aquele princpio impregnante que d vida a um corpo e capacita os seus membros a exercerem funes peculiares. alma da igreja pertencem a f, a comum aspirao de todos pelo mesmo fim, a invisvel autoridade dos superiores, a graa interior da santificao, as virtudes sobrenaturais e outros dons da graa. O primeiro escritor supracitado v a alma da igreja em certas pessoas qualificadas, enquanto que o segundo a considera como um princpio totalmente impregnante, algo semelhante alma do homem. Mas, seja o que for que os catlicos romanos estejam prontos a admitir, eles no admitem que aquilo que se pode denominar igreja invisvel preceda logicamente visvel. Diz Moethler: Os catlicos (romanos) ensinam: primeiro vem a igreja visvel depois a invisvel: a primeira d nascimento segunda. Quer dizer que a igreja a mater fidelium (me dos crentes) antes de ser uma communio fidelium (comunidade de crentes). Contudo, Moehler concede que h um sentido em que a igreja interna antecede igreja externa, a saber, no sentido de que no somos membros vivos desta enquanto no pertencermos quela. Ele discute todo o assunto da relao mtua das duas em sua obra, Symbolism or Doctrinal Differences (Simbolismo ou Diferenas Doutrinrias). Salienta ela a identidade da igreja visvel com Cristo: Assim, do ponto de vista aqui tomado, a igreja visvel o Filho de Deus perenemente se manifestando entre os homens em forma humana, perpetuamente renovada e eternamente jovem a permanente encarnao dele, como na Escritura Sagrada, pelo que os fiis so chamados corpo de Cristo.b) A concepo ortodoxa gregaA concepo grega da igreja estreitamente relacionada com a dos catlicos romanos, e, todavia, difere dela nalguns pontos importantes. Essa igreja no reconhece a Igreja Catlica Romana como a igreja verdadeira, mas reivindica para si esta honra. H somente uma igreja verdadeira, e essa igreja a Ortodoxa Grega. Conquanto reconhea com maior franqueza do que os catlicos romanos os dois diferentes aspectos da igreja, visvel e invisvel, no obstante coloca a nfase na igreja como organizao. Ela no v a essncia da igreja em seu carter de comunidade dos santos, mas na hierarquia episcopal, que ela conservou, apesar de rejeitar o papado. A infalibilidade da igreja defendida, mas esta infalibilidade reside nos bispos, e, portanto, nos conclios eclesisticos. Como invisvel, diz Gavin, ela (a igreja) portadora de dons e poderes divinos e est empenhada em transformar a humanidade no reino de Deus. Como visvel, ela constituda de homens que professam uma f comum, observam costumes comuns e usam meios de graa visveis. Ao mesmo tempo, rejeitada a idia de uma igreja invisvel e ideal, da qual os vrios corpos de cristos, formando organizaes distintas e se chamando igrejas, so incorporaes parciais e incompletas. A igreja uma entidade concreta, tangvel e visvel, no um ideal realizado e irrealizvel.

c) A concepo protestante

A Reforma foi uma reao contra o externalismo de Roma em Geral, e em particular, tambm contra a sua concepo externa da igreja. Ela tornou a trazer ao primeiro plano a verdade de que a essncia da igreja no se acha na organizao externa da igreja, mas nesta como commnio sanctorum. Tanto para Lutero como para Calvino, a igreja era simplesmente a comunidade dos santos, isto , a comunidade dos que crem e so santificados em Cristo, e que esto ligados a Ele, sendo Ele a sua Cabea. Esta tambm a posio exposta nos padres confessionais reformados (calvinistas). Da, diz a Confisso Belga: Cremos e professamos uma s igreja catlica ou universal, que uma santa congregao de verdadeiros crentes cristos, todos esperando a sua salvao em Jesus Cristo, sendo lavados por Seu sangue, santificados e selados pelo Esprito Santo. A Segunda Confisso Helvtica expressa a mesma verdade, dizendo que a igreja uma assemblia dos fiis, convocada e reunida do mundo, uma comunho de todos os santos, isto , daqueles que verdadeiramente conhecem e retamente adoram e servem o verdadeiro Deus em Jesus Cristo, o Salvador, pela palavra do Esprito Santo, e que pela f participam de todos os benefcios gratuitamente oferecidos mediante Cristo. E a Confisso de Westmister, definindo a igreja do ponto de vista da eleio diz: A igreja catlica ou universal, que invisvel, consta do nmero total dos eleitos que j foram, dos que agora so e dos que ainda sero reunidos em um s corpo sob Cristo, sua cabea; ela a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas. A igreja universal, isto , a igreja como existe no plano de Deus e s se concretiza no transcurso dos sculos, foi entendida no sentido de que consiste do corpo completo dos eleitos, os quais, no transcorrer do tempo, so chamados para a vida eterna. Mas a igreja, como existe realmente na terra, foi considerada como a comunidade dos santos. E no somente a igreja invisvel que foi entendida assim, mas a igreja visvel tambm. Estas no so duas igrejas, mas uma somente e, portanto, tm apenas uma nica essncia. Uma, bem como a outra, essencialmente a communio sanctorum, mas a igreja invisvel a igreja como Deus a v, uma igreja que s contm crentes, ao passo que a igreja visvel a igreja como o homem a v, composta dos que professam a Jesus Cristo, juntamente com seus filhos e, portanto, julgados como sendo a comunidade dos santos. Esta pode conter, e sempre contm de fato, alguns que ainda no foram regenerados pode haver joio entre o trigo porm no pode tolerar incrdulos declarados e pessoas mpias. Paulo dirige as suas epstolas a igrejas empricas, e no hesita em tratar os seus membros de santos, mas tambm insiste na necessidade de expulsar os mpios e os que, dentre eles, praticam delitos (I Co. 5; II Ts. 3:6, 14; Tt 3:10). A igreja forma uma unidade espiritual da qual Cristo o chefe divino. animada por um Esprito, o Esprito de Cristo; professa uma f, comparte uma esperana e serve a um s Rei. a cidadela da verdade e a agncia de Deus para comunicar aos crentes todas as bnos espirituais. Como corpo de Cristo, est destinada a refletir a glria de Deus como esta se v manifestada na obra de redeno. A igreja, em seu sentido ideal, a igreja como Deus quer que ela seja e como um dia vir a ser, mais objeto de f que de conhecimento. Da a confisso: Creio na santa igreja catlica.

2. O carter multiforme da igrejaa) A igreja militante e a igreja triunfante

Na presente dispensao, a igreja militante, isto , convocada para uma guerra santa, e de fato nela est empenhada. Isto, naturalmente, no significa que ela deve gastar suas foras em lutas sangrentas de autodestruio, mas, sim, que tem o dever de levar avante uma incessante guerra contra o mundo hostil em todas as formas em que este se revele, seja na igreja ou fora dela, e contra todos os poderes espirituais das trevas. A igreja no pode passar o tempo todo em orao e meditao, embora estas prticas sejam to necessrias e importantes, nem tampouco deve parar de agir, no pacfico gozo da sua herana espiritual. Ela tem que estar engajada com todas as suas foras nas pelejas do seu Senhor, combatendo numa guerra que tanto ofensiva como defensiva. Se a igreja na terra a igreja militante, no cu a igreja triunfante. L a espada permutada pelos louros da vitria, os brados de guerra se transformam em cnticos triunfais, e a cruz substituda pela coroa. A luta finda, a batalha est ganha, e os santos reinam com Cristo para todo o sempre. Nestes dois estgios da sua existncia, a igreja reflete a humilhao e a exaltao do seu celestial Senhor. Os catlicos romanos falam, no somente de uma igreja militante e triunfante, mas tambm de uma igreja padecente. Esta igreja, de acordo com eles, inclui todos os crentes que j no esto na terra, mas que ainda no penetram nos gozos do cu, e agora esto sendo purificados dos seus restantes pecados no purgatrio.

b) Distino entre igreja visvel e invisvel

Quer dizer que, de um lado, a igreja de Deus visvel, e, de outro, invisvel. Dizem que Lutero foi o primeiro a fazer esta distino, mas os outros Reformadores a reconheceram e tambm a aplicaram igreja. Nem sempre se entendeu bem esta distino. Os oponentes dos Reformadores freqentemente os acusavam de ensinarem que existem duas igrejas separadas. Lutero talvez tenha dado ocasio a esta acusao, por falar de uma ecclesiola invisvel dentro da ekklesia visvel. Mas tanto ele como Calvino acentuam o fato de que, quando falam de uma igreja visvel e invisvel, no se referem a duas igrejas diferentes, mas a dois aspectos da nica igreja de Jesus Cristo. Tem-se interpretado variadamente o termo invisvel como aplicvel (a) igreja triunfante; (b) igreja ideal e completa, como ser no fim dos sculos; (c) igreja de todas as terras e de todos os lugares, que o homem no tem nenhuma possibilidade de ver; e (d) igreja como ela vive nos dias de perseguio, oculta e privada da Palavra e dos sacramentos. Agora, indubitavelmente certo que a igreja triunfante invisvel para os que se acham na terra e que Calvino, em suas Institutas, tambm concebe como includa na igreja invisvel, mas, sem dvida, a distino foi feita principalmente com a inteno de aplicar-se igreja militante. Em geral, feita essa aplicao na teologia reformada (calvinista). Ela ressalta o fato de que a igreja, como existe na terra, visvel e invisvel. Esta igreja dita invisvel porque essencialmente espiritual e, em sua essncia espiritual, no a pode discernir o olho humano; e porque impossvel determinar infalivelmente quem lhe pertence e quem no lhe pertence. A unio dos crentes com Cristo uma unio mstica; o Esprito que os une constitui um lao invisvel; as bnos da salvao, tais como a regenerao, a converso genuna, a f verdadeira e a comunho espiritual com Cristo, so todas invisveis aos olhos naturais; e, todavia, estas coisas constituem a forma real (o carter ideal) da igreja. Que o termo invisvel deve ser entendido neste sentido, v-se pela origem histrica da distino entre a igreja visvel e a invisvel na poca da Reforma. A Bblia atribui certos atributos gloriosos igreja e a apresenta como um meio de salvao e de bnos eternais. Roma aplicava isto igreja como instituio externa, mas particularmente ekklesia representativa ou hierarquia como distribuidora das bnos da salvao e, assim, ignorava e virtualmente negava a comunho imediata e direta de Deus com os Seus filhos, colocando entre eles um sacerdcio mediatrio humano. Este o erro que os Reformadores procuraram erradicar considerada como instituio externa, mas a igreja como corpo espiritual de Jesus Cristo, que essencialmente invisvel no presente, embora tendo uma encarnao relativa e imperfeita na igreja visvel e esteja destinada a ter uma perfeita encarnao visvel no fim dos sculos.

Naturalmente, a igreja invisvel assume uma forma visvel. Justamente como a alma humana se adapta a um corpo e se expressa por meio do corpo, assim a igreja invisvel, que consiste, no de almas, mas de seres humanos que tm alma e corpo, assume necessariamente forma visvel numa organizao externa, por meio da qual se expressa. A igreja visvel na profisso de f e conduta crist, no ministrio da Palavra e dos sacramentos, e na organizao externa e seu governo. Ao fazer esta distino, diz McPherson: O protestantismo procurou encontrar o ponto mdio adequado entre o externalismo mgico e sobrenatural da idia romanista e a extravagante depreciao de todos os ritos externos caracterstica do espiritualismo fantico e sectrio. muito importante ter em mente que, embora tanto a igreja invisvel como a visvel possam ser consideradas universais, as duas no so comensurveis em todos os aspectos. possvel que alguns que pertencem igreja invisvel nunca se tornem membros da organizao visvel, como as pessoas alcanadas pela ao missionria e convertida em seus leitos de morte, e que outros sejam temporariamente excludos dela, como crentes errantes por algum tempo afastados da comunho da igreja visvel. Por outro lado, pode haver crianas e adultos no regenerados que, apesar de professarem a Cristo, no tm a verdadeira f nele, se achem na igreja como instituio externa; e estes, enquanto estiverem nestas condies, no pertencero igreja invisvel. Pode-se achar boas definies da igreja visvel e da igreja invisvel na Confisso de Westminster.

c) A distino entre a igreja como organismo e a igreja como instituioNo se deve identificar esta distino com a imediatamente anterior, como s vezes se faz. uma distino que se aplica igreja visvel e dirige a ateno a dois aspectos diferentes da igreja considerada como corpo visvel. um erro pensar que a igreja s se torna visvel nos ofcios, na administrao da Palavra e dos sacramentos e numa certa forma de governo eclesistico. Mesmo que todas estas coisas estivessem ausentes, a igreja continuaria sendo visvel na vida comunitria e nos testemunho pblico dos crentes, em sua unida oposio ao mundo. Mas, embora salientando o fato de que a distino em foco feita dentro da igreja visvel, no devemos esquecer que tanto a igreja como organismo como a igreja como instituio (tambm chamadas apparitio e institutio funo e instituio) tm seu fundo de pano na igreja invisvel. Contudo, apesar de ser verdade que estes so dois aspectos diferentes da igreja visvel, representam diferenas importantes. A igreja como organismo o coetus fidelium, a unio ou comunho dos fiis, unidos pelo vnculo do Esprito, enquanto que a igreja como instituio a mater fidelium, a me dos fiis, uma Heilsanstalt, um meio de salvao, uma agncia para a converso dos pecadores e para o aperfeioamento dos santos. A igreja como organismo tem existncia carismtica; nela todos os tipos de dons e talentos tornam-se manifestos e so utilizados na obra do Senhor. A igreja como instituio, por outro lado, existe numa forma institucional e funciona por meio dos ofcios e meios que Deus institui. Num sentido, ambas so coordenadas, e, todavia, h tambm certa subordinao de uma outra. A igreja como instituio ou organizao (mater fidelium) um meio para um fim, e este fim se acha na igreja como organismo, a comunidade dos crentes (coetus fidelium).

IV. OS ATRIBUTOS DA IGREJA

Louis Berkhof

Segundo os protestantes, os atributos so atribudos primariamente igreja considerada como um organismo invisvel, e s secundariamente como instituio externa. Todavia, os catlicos romanos os atribuem sua organizao hierrquica. Aqueles falam em trs atributos, mas estes acrescentam um quarto.

1. A unidade da igrejaa) Concepo catlica romana Comumente, os catlicos romanos reconhecem como igreja apenas a ekklesia organizada hierarquicamente. A unidade desta igreja se manifesta em sua imponente organizao mundial, que visa a incluir a igreja de todas as naes. Seu centro real no se acha nos crentes, mas na hierarquia com seus crculos concntricos. H primeiramente o largo crculo do clero de nvel mais baixo, os sacerdotes e os demais funcionrios inferiores; depois o crculo menor dos bispos; em seguida o crculo mais restrito ainda dos arcebispos; e, finalmente, o crculo mais restrito de todos, dos cardeais sendo que a pirmide completa encimada pelo papa, o chefe visvel da organizao toda, que tem domnio absoluto sobre todos os que esto sob ele. Dessa maneira, a igreja Catlica Romana apresenta aos olhos uma estrutura grandiosa.

b) Concepo protestanteOs protestantes asseveram que a unidade da igreja no primariamente de carter externo, mas, sim, de carter interno e espiritual. a unidade do corpo mstico de Jesus Cristo, do qual todos os crentes so membros. Este corpo dirigido por uma Cabea, Jesus Cristo, que tambm o Rei da igreja, e vivificado por um s Esprito, o Esprito de Cristo. Esta unidade implica que todos os que pertencem igreja participam da mesma f, so solidamente interligados pelo comum lao do amor, e tm a mesma perspectiva gloriosa do futuro. Relativamente falando, esta unidade interior busca e tambm adquire expresso na profisso e conduta crist dos crentes, em sua pblica adorao do mesmo Deus em Cristo, e em sua participao nos mesmos sacramentos. No pode haver dvida quanto ao fato de que a Bblia afirma a unidade, no s da igreja invisvel, mas tambm da visvel. A figura do corpo, como se acha em I Co.12:12-31, implica esta unidade. Alm disso, em Ef 4:4-16, onde Paulo ressalta a unidade da igreja, evidentemente ele tambm tem em mente a igreja visvel, pois fala de oficiais da igreja e dos seus esforos pela unidade ideal da igreja. Em vista da unidade da igreja, uma igreja local foi admoestada a suprir as necessidades doutra, e o conclio de Jerusalm se encarregou da soluo de um problema que surgira em Antioquia. A igreja de Roma dava forte nfase unidade da igreja visvel e a expressa em sua organizao hierrquica. E quando os Reformadores romperam com Roma, no negaram a unidade da igreja visvel, mas, antes, a sustentaram. Contudo, eles no viram o vnculo e unio na organizao eclesistica da igreja, mas na fiel pregao da Palavra e na correta administrao dos sacramentos. esta tambm a posio que se v na Confisso Belga. Citamos dela apenas as seguintes declaraes: Cremos e professamos uma s igreja catlica universal, que uma santa congregao dos crentes verdadeiros, todos aguardando a sua salvao em Jesus Cristo, sendo lavados pelo seu sangue, santificados e selados pelo Esprito Santo. Os sinais pelos quais se conhece a verdadeira igreja so estes: Se a s doutrina do Evangelho pregada nela; se ela mantm a s administrao dos sacramentos como estes foram institudos por Cristo; se a disciplina da igreja exercida na punio do pecado; em suma, se todas as coisas so conduzidas de acordo com a santa Palavra de Deus, todas as coisas contrrias a ela rejeitadas, e Jesus Cristo reconhecido como o nico Chefe da igreja. Por meio disso se pode conhecer certamente a igreja verdadeira, da qual ningum tem direito de separar-se. A unidade da igreja visvel foi ensinada tambm pelos telogos reformados (calvinistas) do perodo ps-Reforma, e sempre foi vigorosamente salientada na teologia escocesa. Walker diz at: As verdadeiras igrejas de Cristo, com governos separados, pareciam-lhe [aos telogos escoceses] inadmissveis, a menos que o fossem de maneira muito limitada e por alguma razo de expedincia temporria. Na Holanda esta doutrina foi eclipsada em anos recentes, na medida em que a multi ou pluriformidade das igrejas recebeu nfase em deferncia aos fatos da histria e condio vigente. Nos dias atuais ela voltou a ser salientada nalgumas discusses correntes. Em vista das presentes divises da igreja, muito natural que seja levantada a questo sobre se essas divises no militam contra a doutrina da unidade da igreja visvel. Em resposta, pode-se dizer que algumas divises, como as causadas por diferenas de lugar ou de lngua, so perfeitamente compatveis com a unidade da igreja; mas outras, como as que se originam em perverses doutrinrias ou abusos sacramentais, realmente prejudicam essa unidade. As primeiras resultam da direo providencial de Deus, mas estas ltimas se devem influncia do pecado: ao obscurecimento do entendimento, ao poder do erro, ou obstinao do homem; e, portanto, a igreja ter que lutar pelo ideal de sobrepor-se a elas. Pode ainda surgir a questo sobre se a igreja invisvel nica no deveria achar expresso numa nica organizao. Dificilmente se pode dizer que a Palavra de Deus exige isso explicitamente, e a histria mostra que isso inexeqvel e tambm de valor questionvel. A nica tentativa feita para unir a igreja toda numa grande organizao externa, no mostrou capacidade de produzir bons resultados, mas levou ao externalismo, ao ritualismo e ao legalismo. Ademais, a multiformidade de igrejas, to caracterstica do protestantismo, na medida em que resultou da direo providencial de Deus e de modo legtimo, surgiu da maneira mais natural, e est em completa harmonia com a lei da diferenciao, segundo a qual um organismo em seu desenvolvimento evolui do homogneo para o heterogneo. muito possvel que as riquezas inerentes ao organismo da igreja achem expresso melhor e mais completa na presente variedade de igrejas, do que numa s organizao externa. Isto no significa, porm, que a igreja no deve lutar por maior medida de unidade externa. O ideal sempre dever ser dar a mxima expresso adequada unidade da igreja. Na poca atual h um movimento muito forte pela unio da igreja, mas este movimento, como se desenvolveu at agora, embora indubitavelmente brotando de motivos louvveis por parte de alguns, ainda de valor duvidoso. Seja qual for a unio externa que se realize, ter que ser expresso natural de uma unidade interior existente, mas o presente movimento em parte procura fabricar uma unio externa onde no se acha nenhuma unidade interna, esquecido de que nenhuma agregao artificial que busque unificar disparidades naturais pode oferecer garantia contra o conflito das partes componentes dessa agregao. antibblica, na medida em que procura unidade s custas da verdade e voga na onda do subjetivismo na religio. A menos que esse movimento mude de cor e lute por maior unidade na verdade, no produzir real unidade, mas apenas uniformidade, e ainda que possa tornar a igreja mais eficiente do ponto de vista da atividade, nada acrescentar verdadeira eficincia espiritual da igreja. Barth toca na tecla certa quando diz: A busca da unidade da igreja deve, de fato, ser idntica busca de Jesus Cristo como a concreta Cabea e Senhor da igreja. A bno da unidade no pode estar separada daquele que abenoa; nela ela tem a sua origem e realidade; por meio da Sua Palavra e do Seu Esprito -nos revelada; e somente na f ela pode tornar-se uma realidade entre ns.

2. A santidade da igrejaa) Concepo catlica romana. A concepo catlica romana da santidade da igreja tambm primeiramente de carter externo. No a santidade interna dos membros da igreja pela obra santificadora do Esprito Santo, mas a santidade cerimonial exterior que posta em primeira plano. De acordo com o padre Devine, a igreja Santa acima de tudo em seus dogmas, em seus preceitos morais, em seu culto e em sua disciplina, em que tudo puro e irrepreensvel, tudo de natureza tal que planejado para afastar o mal e a iniqidade, e para promover a mais exaltada virtude. S secundariamente a santidade da igreja concebida como moral. Diz o padre Deharbe que a igreja tambm santa porque houve nela, em todos os tempos, santos cuja santidade Deus tambm afirmou com milagres e graas extraordinrias.

b) Concepo protestante. Os protestantes, porm, tm uma concepo completamente diversa da santidade da igreja. Eles sustentam que a igreja absolutamente santa num sentido objetivo, isto , como ela considerada em Jesus Cristo. Em virtude da justia mediatria de Cristo, a igreja tida por santa perante Deus. Tambm, num sentido relativo, os protestantes consideram a igreja como subjetivamente santa, isto , como realmente santa no princpio interior da sua vida, e destinada santidade perfeita. Da, ela de fato pode ser denominada comunidade de santos. Esta santidade , acima de tudo, uma santidade do homem interior, mas uma santidade que tambm acha expresso da vida externa. Conseqentemente, a santidade atribuda tambm, secundariamente, igreja visvel. Essa igreja santa no sentido de que separada do mundo na sua consagrao a Deus, e tambm no sentido tico de colimar e em princpio realizar um santo relacionamento com Cristo. Desde que as igrejas visveis locais se compem de crentes e sua semente, pressupe-se que delas esto excludos todos os descrentes e todas a pessoas mpias. Paulo no hesita em dirigir-se s igrejas como igrejas de santos.

3. A catolicidade da igrejaa) Concepo catlica romana. A Igreja Catlica Romana se apropria do atributo de catolicidade, como se somente ela tivesse o direito de chamar-se catlica. Como o faz com os outros atributos da igreja, ela o aplica organizao visvel. Ela reivindicou o direito de ser considerada como a nica igreja realmente catlica, porque est espalhada pela terra toda e se adapta a todos os pases e a todas as formas de governo; porque existe desde o princpio e sempre teve sditos e filhos fiis, enquanto que as seitas vm e passam; porque tem posse da plenitude da verdade e da graa, destinadas a serem distribudas entre os homens; e porque sobrepuja em nmero de membros a todas as seitas dissidentes juntas.

b) Concepo protestante. Os protestantes, mais uma vez, aplicam este atributo primariamente igreja invisvel, que pode ser chamada catlica num sentido muito mais verdadeiro que quaisquer organizaes existentes, a Igreja Catlica Romana inclusive. Com justia reagem contra a arrogncia dos catlicos romanos em sua apropriao deste atributo para a sua organizao hierrquica, com a excluso de todas as demais igrejas. Os protestantes insistem em que a igreja invisvel primordialmente a real igreja catlica, porque inclui todos os crentes da terra, de toda e qualquer poca particular, sem nenhuma exceo; porque, conseqentemente, ela tambm tem os seus membros entre todas as naes evangelizadas do mundo; e porque exerce uma influncia controladora sobre a vida inteira do homem, em todas as suas fases. Secundariamente, eles tambm atribuem o atributo de catolicidade igreja visvel. Em nossa discusso da unidade da igreja visvel, j ficou patente que os Reformadores e as confisses reformadas (calvinistas) expressaram sua f numa igreja catlica visvel, e esta opinio tem sido reiterada por telogos holandeses, escoceses e americanos at poca atual, embora em anos recentes algumas da Holanda tenham expressado dvida acerca desta doutrina. Deve-se admitir que esta doutrina apresenta muitos problemas difceis que ainda clamam por soluo. Ademais, surgem questes como as seguintes: (1) Esta doutrina leva consigo uma vasta condenao do denominacionalismo, como parece pensar o doutor Henry Van Dyke? (2) Significar ela que alguma denominao, e s essa, a igreja verdadeira, enquanto que todas as outras so falsas, ou ser melhor distinguir entre as igrejas de formao mais pura ou menos pura? (3) Em que ponto uma igreja local ou uma denominao deixa de ser parte integrante da igreja visvel? (4) Uma nica instituio ou organizao externa essencial para a unidade da igreja visvel, ou no?

V. O PODER DA IGREJA Wayne Grudem

Explicao e Base Bblica

Quando olhamos para os governos do mundo e para outras organizaes educacionais e empresariais que possuem grande influncia, e ento consideramos nossas igrejas locais, ou at mesmo nossas sedes denominacionais, a igreja pode parecer-nos fraca e ineficiente. Alm disso, quando reconhecemos o rpido crescimento do mal visto diariamente em nossa sociedade, podemos duvidar se a igreja tem poder para fazer quaisquer mudanas.

Por outro lado, em alguns pases a igreja oficialmente reconhecida tem grande influncia sobre o andamento das questes nacionais. Isso certamente verdadeiro no caso da influncia da Igreja Catlica Romana em tempos passados em alguns pases do sul da Europa e da Amrica Latina (e at certo ponto isso ocorre ainda hoje). Tal foi o caso da Igreja da Inglaterra nos sculos anteriores e da igreja de Joo Calvino em Genebra, na Sua, enquanto ele era vivo, e da igreja fundada pelos peregrinos em 1620 na colnia da baa de Massachusetts (EUA). Situaes como essas nas quais a igreja parece ter grande influncia levam-nos a perguntar se as Escrituras colocam alguma limitao sobre o poder da igreja.

Podemos definir o poder da igreja da seguinte maneira: o poder da igreja est na autoridade dada por Deus para levar a efeito a batalha espiritual, proclamar o evangelho e exercer a disciplina da igreja.

Embora essas trs reas sejam sobrepostas e possam ser tratadas em qualquer ordem, visto que a categoria batalha espiritual mais ampla, ela ser tratada primeiro. Essa perspectiva sobre o poder da igreja lembra-nos tambm de que o poder da igreja, diferente da influncia mundana exercida por exrcito e governos humanos, afeta diretamente o reino espiritual.A. A batalha espiritualPaulo lembra aos Corntios: Porque, embora andando na carne, no limitamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milcia no so carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas (2 Co 10:3-4). Entre essas armas usadas contra foras demonacas que impedem a propagao do evangelho e o avano da igreja encontram-se orao, adorao, autoridade para repreender foras demonacas, as palavras das Escrituras, f e retido de conduta por parte dos membros da igreja (Paulo d mais detalhes sobre o nosso combate espiritual e sobre a armadura prpria para isso em Ef. 6:10-18).Quando consideramos esse poder espiritual num sentido amplo, vemos que inclui com certeza o poder do evangelho de vencer o pecado e a oposio renitente e tambm de despertar f no corao dos incrdulos. Todavia, tal poder tambm inclui poder espiritual que tornar ineficaz a oposio demonaca ao evangelho. Vemos exemplos disso em Atos 13:11, onde Paulo pronunciou juzo sobre Elimas, o mgico, que se opunha pregao do evangelho, e em Atos 16:16-18, onde Paulo repreende um esprito maligno da jovem adivinhadora que o incomodava enquanto ele proclamava o evangelho. Tal poder espiritual de derrota a oposio maligna era visto com freqncia na igreja primitiva (At 12:1-17), e talvez tambm no juzo sobre o rei Herodes Agripa I (At 12:20-24).

Apesar disso Paulo reconhece que ele pode usar esse poder espiritual no somente contra os de fora da igreja que se opem ao evangelho como tambm contra os de dentro da igreja, opositores ativos de seu ministrio apostlico. Ele se refere a alguns arrogantes criadores de problemas na igreja: Mas, em breve, irei visitar-vos, se o Senhor quiser, e, ento, conhecerei no a palavra, mas o poder dos ensoberbecidos. Porque o reino de Deus consiste no em palavra, mas em poder (I Cor 4:19-20). No se pode brincar com tal poder, pois foi esse mesmo poder do Esprito Santo que trouxe morte a Ananias e Safira (At 5:11-11) e cegueira e Elimas (At 13:8-11). Paulo no quis usar esse poder como juzo, mas estava preparado para faz-lo, se necessrio. Mais tarde, ele escreveu de novo aos Corntios que sua atitude quando presente seria to poderosa quanto suas cartas, quando ausente (2 Co 10:8-11), e advertiu os que se opunham sua autoridade e que haviam pecado publicamente sem terem se arrependido: ... se outra vez for, no os pouparei, posto que buscais prova de que, em mim, Cristo fala [...] Porque ns tambm somos fracos nele, mas viveremos, com ele, para vs outros pelo poder de Deus(2 Co 13:2-3). Ento, ele acrescenta um lembrete final de sua relutncia de usar essa autoridade, dizendo-lhes que est escrevendo antes que venha a usar de rigor segundo a autoridade que o Senhor me conferiu para a edificao e no para destruir(2Co 13:10).

Podemos perguntar se a igreja tem hoje o mesmo grau de poder espiritual de Pedro ou de Paulo. Certamente h uma distino entre os apstolos e os outros primeiros cristos mesmo no livro de Atos (observe-se que logo aps a morte de Ananias e de Safira muitos sinais e prodgios foram feitos pelas mos dos apstolos, mas dos restantes, ningum ousava ajuntar-se a eles; porm o povo lhes atributava grande admirao, At 5:12-13). Alm disso, Paulo no instruiu nenhum lder da Igreja de Corinto, nem mesmo Timteo ou Tito, a exercer tal poder espiritual em Corinto contra os seus opositores. Ele falou do poder que o Senhor me conferiu (2 Co 13:10) e no do poder que o Senhor conferira igreja ou aos cristos em geral.

Todavia, Paulo orientou a igreja de Corinto a exercer disciplina eclesistica num caso de incesto na igreja, fazendo-o reunidos vs e o meu esprito, com o poder de Jesus, nosso Senhor (1Co 5:4). Alm do mais, as descries de batalha espiritual de Efsios 6:10-18 e de II Corntios 10:3-4 parecem aplicveis aos cristos em geral, e poucos hoje negariam que a igreja possui autoridade para orar contra o mal e para falar com autoridade contra a oposio demonaca obra do evangelho. Assim, parece haver pelo menos um grau expressivo de poder espiritual contra a oposio maligna que Deus est disposto a conceder igreja em cada poca (inclusive na de hoje). Talvez seja possvel definir mais especificamente o grau espiritual que Deus conceder igreja em tempos de luta contra o mal, mas no precisamos saber os detalhes de antemo: nosso papel apenas demonstrar fidelidade s Escrituras, orando e exercendo disciplina na igreja, deixando assim o restante nas mos de Deus, sabendo que ele conceder poder suficiente para cumprir seus propsitos atravs da igreja.B. As chaves do reinoA frase as chaves do reino ocorre apenas uma vez na Bblia, em Mateus 16:19, onde Jesus diz a Pedro: Dar-te-ei as chaves do reino dos cus; o que ligares na terra ter sido ligado no cu; e o que desligares na terra ter sido desligado nos cus. Qual o significado dessas chaves do reino dos cus?

Em outras passagens do Novo testamento, chave sempre implica autoridade para abrir uma porta e permitir entrada para certo lugar ou esfera. Jesus afirma: Ai de vs, intrpretes da lei! Porque tomaste a chave da cincia; contudo vs mesmos no entrastes e impedistes os que estavam entrando (Lc.11:52). Alm disso, Jesus diz em Apocalipse 1:18: Tenho as chaves da morte e do Inferno (Hades), indicando que ele tem autoridade para permitir a entrada e sada dessas esferas (cf. Ap. 3:7; 9:1; 20:1; bem como a predio messinica de Is. 22:22).

Portanto, as chaves do reino dos cus representam pelo menos a autoridade de pregar o evangelho de Cristo (Mt 16:16) e assim abrir a porta de entrada do reino dos cus permitindo o acesso.

A primeira vez que Pedro usou tal autoridade foi na pregao do pentecostes (At 2:14-42). Mas os outros apstolos tambm receberam essa autoridade de modo direto (eles escreveram o evangelho em sua forma permanente no Novo Testamento). E todos os cristos possuem essa chave em sentido secundrio, porque todos eles podem compartilhar o evangelho com outros, abrindo assim o reino dos cus para os que nele entraro.

Mas, ser que existe alguma autoridade alm dessa, que esteja implcita na frase de Jesus as chaves do reino dos cus? H dois fatores que sugerem que a autoridade das chaves tambm incluem a autoridade de exercer disciplina dentro da igreja: (1) O plural chaves sugere autoridade sobre mais de uma porta. Assim, aqui est implcito mais do que a simples entrada no reino; alguma autoridade dentro da igreja tambm sugerida. (2) Jesus completa a promessa sobre as chaves com uma declarao sobre ligar e Ligar que tem paralelos prximos em outra afirmao sua em Mateus 18, onde ligar e desligar significam respectivamente colocar sob disciplina eclesistica e livrar de tal disciplina.

E, se ele no os atender, dize-o igreja; e, se recusar ouvir tambm a igreja, considera-o como gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra ter sido ligado nos cus, e tudo o que desligardes na terra ter sido desligado nos cus (Mt 18:17-18).

Mas se ligar e desligar referem-se claramente disciplina eclesistica em Mateus 18, parece ento provvel que tambm se referem mesma disciplina em Mateus 16, onde as palavras de Jesus so muito semelhantes.

Essa interpretao de ligar e desligar com respeito disciplina eclesistica tambm concorda com o contexto de Mateus 16:19, segundo o qual, depois de prometer edificar a sua igreja (v.18), Jesus promete conceder somente a autoridade de abrir a porta de entrada no reino, mas tambm alguma autoridade de regulamentar a conduta das pessoas, uma vez que elas tenham entrado. Portanto, parece que as chaves do reino dos cus que Jesus prometeu a Pedro em Mateus 16:19 incluem tanto (1) capacidade de admitir pessoas no reino atravs da pregao do evangelho como (2) autoridade de exercer disciplina para com os que esto na igreja.

Em Mateus 16:16-19 Jesus no indica se a autoridade das chaves ser dada a outros alm de Pedro. Mas com certeza a autoridade de pregar o evangelho dada a outros um pouco mais tarde, e em Mateus 18:18 Jesus declara explicitamente que a autoridade de exercer disciplina eclesistica dada igreja em geral sempre que esta se rene e como corpo leva a efeito tal disciplina (Dize-o igreja, Mt.18:17). Assim ambos os aspectos da autoridade das chaves, ainda que primeiro dada a Pedro, foram expandidos para incluir autoridade dada igreja como um todo. Na pregao do evangelho e no exercer da disciplina a igreja exerce agora autoridade das chaves do reino.

Que pessoas ou atitudes esto sujeitas ao tipo de disciplina eclesistica implcita na autoridade das chaves? Tanto em Mateus 16:19 como em 18:18, o termo o que neutro no grego, e parece indicar que Jesus est falando especificamente a pessoas (quem, para o qual um plural masculino seria normalmente esperado), mas antes mais geralmente a situaes e relacionamentos que surgem dentro da igreja. Isso no excluiria a autoridade de exercer disciplina sobre indivduos, mas a frase mais abrangente e inclui atitudes especficas tambm sujeitas disciplina.

Apesar disso, a autoridade das chaves com respeito disciplina eclesistica no complemente ilimitada. Ela s ser eficaz contra o pecado real, definido pela Palavra de Deus. A igreja no possui autoridade de si mesma para legislar sobre o que moralmente certo ou errado em um sentido absoluto, porque a autoridade de definir o certo e errado pertence a Deus somente (Rm.1:32; 2:16; 3:4-8). A igreja pode apenas declarar e ensinar que Deus j ordenou em sua Palavra. Nem pode a autoridade das chaves envolver autoridade de perdoar pecados em nenhum sentido absoluto, porque nas Escrituras est claro que isso s pode ser feito pelo prprio Deus (Is.43:25; 55:7; Mc.2:7, 10; Sl.103:3; I Jo.1:9). Portanto, a autoridade de exercer disciplina uma autoridade que deve ser levada a efeito em conformidade com os padres das Escrituras.

possvel ser um pouco mais especfico sobre o tipo de autoridade espiritual envolvido no uso das chaves do reino dos cus? Tanto Mateus 16:19 como 18:18 usam uma construo verbal grega incomum (um futuro perfeito perifrstico). O texto mais bem traduzido pela ARA: Tudo o que ligardes na terra ter sido ligado nos cus, e tudo o que desligardes na terra ter sido desligado nos cus. Diversos outros exemplos dessa construo mostram que ela indica no apenas uma ao futura (ser ligado), para a qual um tempo comum do grego seria utilizvel (futuro passivo), mas sim uma ao que seria completada antes de algum ponto no futuro, com efeitos que continuariam a ser sentidos. Assim, Jesus est ensinando que a disciplina eclesistica ter sano do cu. Mas isso no quer dizer que a igreja precisa esperar que Deus endosse suas atitudes depois que elas acontecerem. Em vez disso, sempre que a igreja cumpre o papel disciplinar pode estar confiante de que Deus j comeou o processo espiritualmente. Sempre que ela tira algum da disciplina, perdoa o pecador e restaura relacionamentos pessoais, a igreja pode estar confiante de que Deus j comeou a restaurao espiritualmente (Jo 20:23). Desse modo, Jesus promete que o relacionamento espiritual entre Deus e a pessoa sujeita disciplina ser imediatamente afetado em maneiras coerentes com a direo da ao disciplinar da igreja. A disciplina eclesistica legtima, portanto, envolve a tremenda certeza de que a disciplina celestial correspondente j teve incio.

Alm disso, esse ensino sobre o poder das chaves tem uma importante aplicao aos cristos que, como indivduos, comeam a se submeter disciplina de uma verdadeira igreja: os cristos devem submeter-se a essa disciplina em vez de afastar-se dela, pois o prprio Deus tambm os colocou debaixo de disciplina por causa do pecado.

C. O poder da igreja e o poder do estadoAs sees anteriores discutiram o poder espiritual e a batalha espiritual que devem ser exercidos pela igreja. Mas deveria a igreja alguma vez usar da fora fsica (armas e exrcitos, por exemplo) para levar a efeito suas misses? A frase normalmente usada para referir-se idia de luta fsica e desse mundo fazer uso da espada.H diversas indicaes nas Escrituras de que a igreja nunca deve fazer uso da espada para levar a efeito os seus propsitos na era da nova aliana. Esse foi um erro terrvel cometido nas Cruzadas, quando os exrcitos sustentados pela igreja marcharam pela Europa e pela sia para tentar reconquistar a terra de Israel. Nesses casos a igreja estava tentando usar a fora fsica para conquistar vitrias em territrios deste mundo. Todavia Jesus afirmou: O meu Reino no deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam (Jo 18:36). A igreja tem o poder das chaves, que poder espiritual. Isso significa travar batalhas espirituais com armas espirituais, mas no usar o poder da espada para alcanar sem propsitos. Porque as armas da nossa milcia no so carnais (2Co 10:4).

Certamente Deus concede ao governo civil o direito de portar a espada, ou seja, usar de fora para punir o mal nesse mundo (Rm.13:1-7). Mas no h nenhuma indicao de que o poder do governo deve ser usado para forar algum a aderir ao cristianismo. Alm disso, h diversas indicaes de que Jesus recusou-se a usar o poder da fora para obrigar o povo a aceitar o evangelho. Por exemplo, quando uma cidade samaritana no quis receber Jesus, Tiago e Joo perguntaram: Senhor, queres que mandemos descer fogo do cu para os consumir? (Lc.9:54). Jesus, porm, repreendeu-os at por terem feito tal sugesto. Jesus veio na primeira vez para oferecer o evangelho a todos que o recebessem e no para punir os que o rejeitaram. Foi por isso que ele disse: Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, no para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele (Jo.3:17). Um diz ele voltar para juzo, no final da era da igreja, mas nessa era no prerrogativa da igreja usar da fora para exercer juzo.

Jesus fez uma clara distino entre a autoridade dada ao governo e a que Deus exerce em nossa relao de fidelidade devida a ele, quando disse: Dai, pois, a Csar o que de Csar e a Deus o que de Deus (Mt.22:21). E embora Jesus reconhecesse a autoridade do governo civil, ele se recusou a usurpar tal autoridade, dizendo a algum: Homem, quem me constituiu juiz ou partidor entre vs?, com respeito a uma disputa de herana de famlia (Lc.12:13-14).

Outra razo por que o governo no deve usar fora para exigir lealdade ao cristianismo que, na nova aliana, ser membro da igreja e leal a Cristo precisa ser algo voluntrio. No se pode ser obrigado pela famlia ou pelo Estado. De fato, f em Cristo, para ser verdadeiramente sustentada e praticada, no pode ser obrigada pela fora. Se for obrigada, muda sua qualidade essencial e no mais um ato voluntrio do indivduo, deixando de ser f verdadeira.

Da segue-se tambm que o governo civil no deve criar leis que exijam ou probam quaisquer doutrinas eclesisticas, nem que limitem a liberdade de o povo cultuar conforme sua prpria escolha. Por outro lado, a igreja no governa nem deve governar o Estado, como se tivesse algum tipo de autoridade superior do Estado. As coisas no so assim. Em vez disso, a autoridade da igreja e a do Estado pertencem a esferas distintas (Mt.22:21; Jo.18:36), e cada uma delas deve respeitar a autoridade que Deus tem-lhes dado em sua prpria esfera de atuao.

Essas limitaes das atividades da igreja e do Estado so diferentes da prtica da Igreja Catlica de grande parte da Idade Mdia, quando ela freqentemente tinha mais poder do que o governo civil. Tais princpios tambm diferem da prtica da Igreja Anglicana, que est sujeita autoridade da rainha e do parlamento na escolha dos bispos e a quaisquer mudanas nos parmetros doutrinrios. A falta de respeito pelos papis distintos da igreja e do Estado vista em muitos pases catlicos hoje, onde a igreja ainda tem forte influncia sobre o governo, e na filiao obrigatria nas igrejas protestantes sustentadas pelo Estado no norte da Amrica do Norte em busca de liberdade religiosa.

Todavia, deve ser dito que o grau de obrigatoriedade religiosa em pases protestantes ou catlicos ameno comparado obrigatoriedade da religio estatal da maioria dos pases muulmanos da atualidade e de muitos pases hindustas e budistas. Na verdade difcil encontrar liberdade religiosa genuna fora da forte influncia do cristianismo evanglico saudvel em qualquer pas do mundo (exceto onde vrias religies so to fracas ou tm fora to equilibrada que nenhuma religio tem poder poltico dominante). Sempre que os cristos envolvem-se em poltica, devem afirmar com clareza a liberdade religiosa como fator poltico inegocivel e devem estar dispostos a defender tal liberdade tambm para religies diferentes da que pertencem. A f crist pode firmar-se bem sobre os seus ps e competir muito bem no mercado das idias em qualquer sociedade e em qualquer cultura, desde que tenha liberdade para assim faz-lo.

Finalmente, o que foi dito acima no pode ser mal entendido como uma tentativa de proibir os cristos de levarem influncia moral positiva ao governo e de convencer os governos a promulgar leis coerentes com os padres bblicos de moralidade. correto que os cristos procurem convencer os governos a promulgar leis que protejam a famlia, a propriedade privada e a vida humana leis que condenem e punam homicdios, adultrio, roubo, violao de contratos (coisas que violam os Dez Mandamentos), bem como proibir conduta homossexual, embriaguez, uso de drogas, aborto e outras coisas incoerentes com o padro bblico de moralidade. Isso muito diferente de exigir que se creia em algumas doutrinas ou convices teolgicas da igreja e de exigir que o povo freqente determinadas igrejas ou cultos religiosos. Tais cultos so atividades claramente religiosas no sentido estrito de que dizem respeito ao nosso relacionamento com Deus e com nossas crenas a respeito dele. Os governos no devem estabelecer leis a respeito dessas coisas.D. A disciplina eclesisticaVisto que a disciplina eclesistica um aspecto do uso do poder da igreja, conveniente apresentar uma discusso dos princpios bblicos relevantes para a prtica da disciplina eclesistica.

1. O propsito da disciplina eclesistica

a) Restaurao e reconciliao do cristo que se est desviando. O pecado impede a comunho com outros cristos e com Deus. Para que haja reconciliao, o pecado precisa ser tratado. Portanto, o propsito principal da disciplina eclesistica alcanar o duplo alvo de restaurao (levar o pecador ao comportamento correto) e de reconciliao (entre cristos e com Deus). Assim como pais sbios disciplinam seus filhos (Pv.13:24: Mas o que ama (o filho), cedo, o disciplina), e assim como Deus, nosso pai, disciplina a quem ama (Hb.12:6; Ap.3:19), tambm a igreja em sua disciplina age em amor para trazer de volta um irmo ou irm que se tenha desviado, estabelecendo de novo tal pessoa em comunho e livrando-a dos caminhos destrutivos da vida. Em Mateus 18:15 a esperana que a disciplina pare no primeiro passo, quando algum vai sozinho: Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmo. A frase ganhaste a teu irmo implica que aqueles que exercem a disciplina devem manter o alvo de reconciliao pessoal entre os cristos sempre em mente. Paulo lembra-nos que devemos restaurar o irmo (ou irm) pecador com esprito de brandura(Gl.6:1), e Tiago incentiva-nos a converter o pecador do seu caminho errado (Tg.5:20).

De fato, se membros da igreja estivessem ativamente envolvidos aconselhando em particular com palavras brandas de admoestao e orando pelo outro quando o primeiro sinal claro de conduta pecaminosa visto, pouqussima disciplina eclesistica precisaria ser exercida, porque o processo teria incio e terminaria com uma conversa entre duas pessoas para nunca se tornar pblico.

Mesmo quando o passo final da excomunho (isto , colocar algum fora da comunho da igreja) dado, ainda o com a esperana de isso resulte em arrependimento. Paulo entregou Himeneu e Alexandre a Satans para que aprendessem a no blasfemar (I Tm.1:20) e o homem que vivia em incesto em Corinto foi entregue a Satans a fim de que o esprito seja salvo no Dia do Senhor Jesus(I Co.5:5).

Se os cristos que devem dar os passos relativos disciplina eclesistica continuarem a lembrar-se desse primeiro propsito a reconciliao dos cristos que se esto desviando, tanto na relao mtua como com respeito a Deus, e a restaurao dos mesmos a padres de vida corretos ser muito mais fcil continuar a agir em amor genuno em favor das partes envolvidas, e os sentimentos de ira ou desejos de vingana da parte dos que foram feridos, que com freqncia esto flor da pele, sero muito mais facilmente evitados.

b) Impedir que o pecado se espalhe, atingindo outros. Embora o primeiro alvo da disciplina eclesistica seja restaurao e reconciliao do crente que est no erro, nessa presente era a reconciliao e restaurao nem sempre acontecero. Mas quer ocorra a restaurao, quer no, a igreja est ordenada a exercer disciplina, pois dois outros propsitos tambm esto em vista.Um desses propsitos impedir que o pecado se espalhe, atingindo outros. O autor de Hebreus pede que os cristos atentem para que nem haja alguma raiz de amargura, que brotando, vos perturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados (Hb.12:15). Isso significa que se o conflito entre pessoas no for resolvido logo, os efeitos podem espalhar-se, atingindo muitas outras algo que infelizmente parece ser verdade em muitos casos de diviso de igreja. Paulo tambm afirma que um pouco de fermento leveda a massa toda e diz aos corntios que expulsem da igreja o homem que vivia em incesto (I Co. 5:2, 6-7), para que o pecado no afetasse a igreja toda. Se tal homem no fosse disciplinado, os efeitos do pecado se espalhariam, atingindo muitos outros que tinham conscincia disso e perceberam que a igreja deu pouca ateno ao caso. Isso poderia levar muitos a pensar que talvez aquele pecado no era to srio como eles achavam, e outros podem sentir-se tentados a cometer pecados semelhantes quele. Alm disso, se a disciplina de um pecado especfico no levada a efeito, ser muito mais difcil para a igreja exercer disciplina se um mesmo tipo de pecado for cometido por outra pessoa no futuro.

Paulo tambm disse a Timteo que os lderes que persistirem no pecado devem ser repreendidos na presena de todos, para que tambm os demais temam (I Tm.5:20) isto , para que muitos outros reconhecessem que o pecado no ser tolerado, antes receber disciplina tanto da igreja como do prprio Deus. Na verdade, Paulo repreendeu Pedro publicamente, para que os outros no seguissem o mau exemplo de Pedro de separar-se e comer somente com os cristos judeus (Gl.2:11).c) Proteger a pureza da igreja e a honra de Cristo. O terceiro propsito da disciplina eclesistica que a pureza da igreja deve ser protegida, para que Cristo no seja desonrado. Naturalmente, nenhum cristo, nessa era, tem o corao completamente puro, e todos ns temos algum pecado que permanece em nossa vida. Mas quando um membro da igreja permanece em pecada de maneira indubitavelmente bvia para os outros, em particular para os descrentes, isso traz, sem dvida, desonra a Cristo. semelhante situao dos judeus que desobedeciam lei de Deus e levavam descrentes a ridicularizar e a blasfemar o nome de Deus (Rm 2:24: O nome de Deus blasfemado entre os gentios por vossa causa).Foi por isso que Paulo ficou chocado pelo fato de os corntios no terem disciplinado o homem que permanecia deliberadamente em pecado, o que era publicamente conhecido na igreja (I Co.5:2): E, contudo, andais vs ensoberbecidos e no chegastes a lamentar...?. Ele ficou tambm muito aborrecido ao saber que um irmo vai ao tribunal contra outro irmo, e isso diante de descrentes (I Co.6:6). Em vez de permitir tais manchas no carter da igreja, Pedro incentiva os cristos a empenharem-se por serem achados por ele (Cristo) em paz, sem mcula e irrepreensveis (II Pe.3:14). E o Senhor Jesus quer apresentar-nos a si mesmo como igreja sem mcula, nem ruga (...) santa e sem defeito (Ef. 5:27), porque ele o cabea da igreja, e o carter dela reflete-se na reputao dele. At os anjos e os demnios olham para a igreja e vem a sabedoria de Deus nela expressa (Ef.3:10); portanto (Ef.4:1), Paulo incentiva os cristos a esforarem-se diligentemente por preservar a unidade do Esprito no vnculo da paz (Ef.4:3).Essa uma questo muito sria. Visto que o Senhor Jesus zeloso de sua prpria honra, se a igreja no exercer disciplina adequada, ele mesmo far isso, como fez em Corinto, onde a disciplina do Senhor resultou em doena e morte (I Co.11:27-34), e como advertiu que faria tanto em Prgamo (Ap.2:14-15) quanto em Tiatira (Ap.2:20). Nesses ltimos dois casos o Senhor estava triste com toda a igreja por ela tolerar desobedincia aberta e no exercer disciplina: Tenho, porm, contra ti o tolerares que essa mulher, Jezabel, que a si mesma se declara profetisa, no somente ensine, mas ainda seduza meus servos a praticarem a prostituio e a comerem coisas sacrificadas a dolos (Ap.2:20; cf. v.14-16).2. Por causa de quais pecados a disciplina eclesistica deve ser exercida?

Por um lado, o ensino de Jesus em Mateus 18:15-20 fala-nos que se uma situao que envolve um pecado de algum contra outrem no pode ser resolvido em uma reunio privada ou de um grupo pequeno, o assunto deve, ento, ser levado igreja.

Se teu irmo pecar contra ti, vai argi-lo entre ti e ele s. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmo. Se, porm, no te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou trs testemunhas, toda palavra se estabelea. E, se ele no os atender, dize-o igreja; e, se recusar ouvir tambm a igreja, considera-o como gentio e publicano (Mt 18:15-17).

Nesse caso o assunto avanou de uma situao particular e informal para um processo de disciplina pblico e muito mais formal, feito pela igreja inteira.

Por outro lado, no parece haver nenhuma limitao explcita especificada para os tipos de pecado que devem estar sujeitos disciplina eclesistica. Os exemplos de pecados sujeitos disciplina eclesistica no Novo Testamento so extremamente diversificados: diviso na igreja (Rm.16:17), incesto (I Co.5:1), ociosidade e rejeio ao trabalho (II Ts.3:6-10), desobedincia aos escritos de Paulo (II Ts.3:14-15), blasfmia (I Tm.1:20) e o ensino de doutrinas herticas (II Jo.10-11).

No entanto, um princpio definido parece estar valendo: todos os pecados explicitamente disciplinados no Novo Testamento eram pecados publicamente conhecidos ou sem dvida bvios, e muitos deles haviam persistido por certo tempo. O fato de que os pecados eram publicamente conhecidos significava que a igreja estava sendo repreendida, Cristo estava sendo desonrado e havia uma real possibilidade de os outros serem estimulados a seguir os padres de vida errados mas tolerados em pblico.

H sempre a necessidade, porm, de um julgamento maduro no exercer da disciplina eclesistica, pois nossa vida carece de uma santificao completa. Alm do mais, quando reconhecemos que algum j est consciente de seu pecado e est lutando para venc-lo, uma palavra de advertncia pode, na verdade, trazer mais prejuzo do que ajuda. Devemos lembrar tambm que onde existem questes de conduta nas quais os cristos discordam legitimamente, Paulo recomenda um maior grau de tolerncia (Rm.14:1-23).

3. Como deve ser exercida a disciplina eclesistica?

a) O conhecimento do pecado deve ser preservado dentro do menor grupo possvel. Esse parece ser o propsito de Mateus 18:15-17, que est por trs do avano gradual que comea numa reunio privada, passa para uma reunio com duas ou trs pessoas e chega revelao a toda a igreja. Quanto menos pessoas souberem de algum pecado, melhor, pois mais fcil haver arrependimento, um nmero menor de pessoas se desvia, e a reputao da pessoa envolvida, da igreja e de Cristo menos prejudicada.

b) Medidas disciplinares devem ser cada vez mais severas at que haja uma soluo. Uma vez mais em Mateus 18 Jesus nos ensina que no podemos parar simplesmente em uma conversa privada se essa no trouxer resultados satisfatrios. Ele exige que a pessoa ofendida v primeiro sozinha, e ento leve mais uma ou duas outras pessoas (Mt 18:15-16). Alm disso, se um cristo acha que ofendeu algum (ou se algum acha que foi ofendido), Jesus exige que a pessoa que cometeu o erro (ou que se acredita ter errado) v pessoa que se considera vtima do erro cometido (Mt 5:23). Isso significa que se fomos ofendidos ou outros acham que foram ofendidos, sempre nossa responsabilidade tomar a iniciativa e ir falar com a outra pessoa. Jesus no nos permite que esperemos a outra pessoa vir falar conosco.

Depois de uma reunio privada e com um grupo pequeno, Jesus no especifica que os lderes ou responsveis da igreja sejam os prximos a serem consultados enquanto grupo, mas com certeza esse passo intermedirio parece ser apropriado, porque Jesus pode estar apenas resumindo o processo sem necessariamente mencionar cada passo dele. Na verdade, h diversos exemplos de admoestaes de grupos pequenos no Novo Testamento, levadas a efeito pelos lderes ou por outros oficiais da igreja (I Ts.5:12; II Tm.4:2). Alm disso, o princpio de manter o assunto do pecado limitado ao menor grupo possvel certamente incentivaria tambm esse passo intermedirio.

Finalmente, se a situao no pode ser resolvida, Jesus ordena que se diga igreja (Mt 18:17). Nesse caso a igreja deve ser reunida para ouvir os fatos e chegar a uma deciso. Visto que Jesus abre a possibilidade de que a pessoa se recuse a ouvir tambm a igreja, a igreja poder ter de se reunir outra vez para decidir o que dizer ao ofensor, e assim reunir-se outra vez para excluir tal pessoa da comunho da igreja.

Quando Jesus d tais orientaes sobre a disciplina eclesistica, lembra igreja que sua presena pessoal e seu prprio poder esto por trs das decises tomadas pela igreja: Em verdade tambm vos digo que, se dois dentre vs, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes- concedida por meu Pai, que est nos cus. Porque, onde estiverem dois ou trs reunidos em meu nome, ali estou no meio deles (Mt 19-20). Jesus promete estar presente nas reunies da igreja de modo geral, mas aqui especificamente com respeito igreja reunida para tratar de disciplina de um membro em pecado. Isso no algo que se possa tratar levianamente, mas levado a efeito na presena do Senhor, sendo que o elemento espiritual de tal disciplina conduzido pelo prprio Senhor.

Visto que isso deve ser feito, a igreja inteira saber ento que a pessoa em pecado no ser mais considerada membro da igreja e que ela no ter permisso de tomar parte da comunho, visto que participar da ceia do Senhor um sinal de participar da unidade da igreja (I Co.10:17: Porque ns, embora muitos, somos unicamente um po, um s corpo; porque todos participamos do nico po).

H outros textos do Novo Testamento que falam que devemos evitar a comunho com algum que foi excludo. Paulo diz aos corntios: Mas, agora, vos escrevo que no vos associeis com algum que, dizendo-se irmo, for impuro, ou avarento, ou idlatra, ou maldizente, beberro, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais (I Co.5:11). Ele afirma aos tessalonicenses: Ns vos ordenamos, irmos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo irmo que ande desordenadamente e no segundo a tradio que de ns recebestes (II Ts.3:6). Ele ainda acrescenta: Caso algum no preste obedincia nossa palavra dada por esta epstola, notai-o: nem vos associeis com ele, para que fique envergonhando. Todavia, no o considereis por inimigo, mas adverti-o como irmo (II Ts.3:14-15). O texto de II Joo 10-11 tambm probe que se sade ou se receba em casa algum que promove ensino falso. Tais orientaes aparentemente so dadas para prevenir a igreja de dar a outros a impresso de que ela aprova a desobedincia da pessoa em pecado.

c) A disciplina dos lderes da igreja. Em uma passagem Paulo apresenta diretrizes concernentes disciplina dos lderes da igreja:

No aceiteis denncia contra presbteros, seno exclusivamente sob o depoimento de duas ou trs testemunhas. Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presena de todos, para que tambm os demais temam. Conjuro-te, perante Deus, e Cristo Jesus, e os anjos, que guardes estes conselhos, sem preveno, nada fazendo com parcialidade (I Tm.5:19-21).

Paulo apresenta aqui uma cautela especial a fim de proteger os lderes de ataques individuais: uma medida com respeito ao pecado, nesse caso, exige o depoimento de duas ou trs testemunhas. Os que vivem no pecado devem ser repreendidos na presena de todos. A razo disso que o mau exemplo da conduta pecaminosa dos lderes ter muito provavelmente o efeito negativo que se disseminar nos outros que vem a vida deles. Assim Paulo aconselha Timteo a nada fazer com parcialidade em tal situao, advertncia muito til, j que Timteo era provavelmente muito amigo de vrios lderes da igreja de feso.

A ordem de Paulo de repreender um lder pecador publicamente significa que alguma declarao da natureza do pecado precisa ser feita diante da igreja (repreende-os na presena de todos). Por outro lado, os detalhes do pecado no devem ser revelados igreja. Uma diretriz til a seguinte: a igreja deve saber o suficiente para (1) entender a seriedade do pecado em questo, (2) ser capaz de compreender e apoiar o processo de disciplina e (3) no sentir, posteriormente, que o pecado foi minimizado ou encoberto caso, de alguma forma, mais detalhes depois venham tona.

Tal revelao pblica do pecado de um lder mostrar congregao que os lderes da igreja no escondero tais questes dos membros no futuro. Isso aumentar a confiana da igreja na integridade do grupo de lderes. Tambm permitir ao lder em pecado dar incio ao processo gradual de reconstruir relacionamentos e de reconquistar a confiana da igreja, pois ele no ter de lidar com pessoas que tm centenas de opinies sobre qual teria sido o seu pecado, mas com gente que sabe qual foi o seu pecado e que pode ver o arrependimento e a mudana genunos naquela rea de sua vida.

Que dizer dos pecados graves dos que no so lderes na igreja? A Bblia no nos d nenhum mandamento de revelar publicamente o pecado dos membros comuns da igreja, que no sejam lderes. Os lderes, porm, so tratados de maneira diferente, porque a vida deles deve ser irrepreensvel (1Tm 3:2), e eles devem ser um exemplo a ser imitado pelos outros cristos (ver I Tm.4:12).

d) Outros aspectos da disciplina eclesistica. Uma vez que a disciplina seja exercida, to logo haja arrependimento em qualquer estgio do processo, os cristos cientes da disciplina devem receber de corao o arrependimento na comunho da igreja com rapidez. Paulo afirma: De modo que deveis, pelo contrrio, perdoar-lhe e confort-lo, para que no seja o mesmo consumido por excessiva tristeza (...) Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor (II Co.2:7-8). Uma vez mais, nosso propsito na disciplina eclesistica nunca deve ser punir algum com um desejo de vingana, mas sempre restaur-lo e cur-lo.

A atitude com a qual a disciplina levada a efeito em qualquer estgio tambm muito importante. Isso deve ser feito com bondade e humildade e com uma genuna avaliao de nossa prpria fraqueza, acompanhada de um temor de que podemos cair em pecado semelhante: Se algum for surpreendido nalguma falta, vs, que sois espirituais, corrigi-o com esprito de brandura; e guarda-te para que no sejas tambm tentado (Gl. 6:1).No sbio fixar qualquer perodo de tempo antecipadamente, dizendo a todos quanto se espera que dure o processo de disciplina. A razo disso que impossvel predizer quanto tempo passar at que o Esprito Santo traga arrependimento e mudana genunos e profundos na condio do corao da pessoa que a levou inicialmente ao pecado.

Finalmente, devemos observar que logo depois do texto sobre a disciplina na igreja de Mateus 18:15-20, Jesus ensina enfaticamente a necessidade de perdoar individualmente os que pecaram contra ns (Mt.18:21-35). Devemos perdoar os que nos prejudicaram setenta vezes sete, e Jesus nos diz que nosso Pai celestial nos castigar com severidade se no perdoarmos nosso irmo de corao (v.35). Devemos encarar o texto da disciplina na igreja e essa passagem como complementares, no como contraditrios. Como indivduos, devemos sempre perdoar algum de corao e ainda assim procurar exercer a disciplina eclesistica para o bem da prpria pessoa que cometeu o pecado, para o bem da igreja, pela honra de Cristo e porque a Palavra de Deus assim o ordena.

VI. O GOVERNO DA IGREJAWayne Grudem

As igrejas hoje tm muitas diferentes formas de governo. A Igreja Catlica Romana tem um governo mundial sob a autoridade do papa. As igrejas episcopais tm bispos com autoridade regional e, acima deles, arcebispos. As igrejas presbiterianas do autoridade regional aos presbitrios e autoridade nacional aos conclios. Todavia, as igrejas batistas e muitas outras igrejas independentes no tm uma autoridade oficial de governo alm da congregao local, e a filiao a outras denominaes voluntria.

Nas igrejas locais os batistas geralmente tm um nico pastor com um grupo de diconos, mas algumas tm tambm um grupo de presbteros. Os presbiterianos tm um grupo de presbteros, e os episcopais, uma comisso de leigos. Outras igrejas tm apenas um conselho paroquial.

H um padro neotestamentrio de governo para a igreja? H uma forma de governo que deve ser preferida a outra? Este captulo trata dessas questes.

Entretanto, de incio deve-se dizer que a forma de governo da igreja no uma doutrina central como a trindade, a divindade de Cristo, a expiao vicria, ou a autoridade das Escrituras. Embora eu creia, aps examinar os dados do Novo Testamento, que uma forma particular de governo seja prefervel a outras, todas elas tm prs e contras. E a histria da igreja atesta que formas diferentes tm funcionado muito bem por sculos. Alm disso, enquanto alguns aspectos do governo da igreja so razoavelmente claros no Novo Testamento, outros (tais como a forma de escolha dos oficiais da igreja) so menos claros, principalmente porque os dados do Novo Testamento sobre eles no so conclusivos, e assim nossas concluses a partir deles so mais incertas. Dessa maneira, parece-me que deve haver espao para divergncia amigvel entre os cristos evanglicos sobre essa questo, na esperana de que uma compreenso mais profunda seja alcanada. E tambm parece que os cristos individualmente embora possam ter preferncia por um ou por outro sistema e queiram em certas ocasies argumentar bastante em favor de um sistema em detrimento de outro devem, no obstante, estar dispostos a viver e a ministrar em qualquer um dos muitos diferentes sistemas protestantes de governo eclesistico nos quais possam estar eventualmente inseridos.

Todavia, no estou afirmando que esta uma questo inteiramente sem importncia. Nessa rea, como em outras, uma igreja pode ser mais pura ou menos pura. Se h no Novo Testamento regras para alguns aspectos do governo da igreja, ento haver conseqncias negativas em nossas igrejas se as desrespeitarmos, mesmo que no possamos prever no momento todas as conseqncias. Portanto, os cristos certamente tm liberdade de falar e de escrever sobre esse assunto para levar a igreja a uma pureza cada vez maior.

Neste captulo daremos primeiro um panorama dos dados do Novo Testamento a respeito dos oficiais da igreja, especialmente o apstolo, o presbtero e o dicono. Depois perguntaremos como os oficiais da igreja devem ser escolhidos. Em seguida examinaremos duas questes polmicas: qual forma de governo eclesistico est mais prxima do padro se que h algum do Novo Testamento? E, finalmente, podem as mulheres atuar como oficiais na igreja?

A. Os oficiais da igrejaPara os propsitos deste captulo, usaremos a seguinte definio: um oficial da igreja algum publicamente reconhecido como detentor do direito e da responsabilidade de desempenhar certas funes para o benefcio de toda a igreja.

Segundo essa definio, presbteros e diconos seriam considerados oficiais na igreja, bem como o pastor (se esse for um ofcio distinto). O tesoureiro e o moderador tambm seriam oficiais (esses ttulos podem variar de igreja para igreja). Todas essas pessoas tiveram reconhecimento pblico, geralmente em um culto no qual foram "empossados" ou "ordenados" em um ofcio. De fato, eles precisam de reconhecimento pblico para dar conta de suas responsabilidades: por exemplo, no seria apropriado que se perguntasse a cada semana quem recolheria a oferta e a depositaria no banco, ou que vrias pessoas argumentassem que tinham sido encarregadas dessa atividade em uma mesma semana. O funcionamento adequado da igreja exige que algum seja reconhecido como tendo determinada responsabilidade. Da mesma forma, o pastor encarregado do ensino da Bblia a cada manh de domingo deve ser reconhecido como detentor do direito e da responsabilidade de fazer isso (pelo menos, em muitas formas de governo da igreja). Se no fosse assim, muitas pessoas poderiam preparar sermes e todas reivindicariam o direito de pregar, e em alguns domingos ningum estaria preparado para isso. Da mesma forma, para que imite os presbteros e busque os seus conselhos, o povo precisa saber quem so esses presbteros.

Em contraste com isso, muitas outras pessoas exercem dons na igreja, mas no dizemos que elas tm um "ofcio", porque no precisam de reconhecimento pblico oficial para que seus dons sejam utilizados. Aqueles que tm dom de "socorros" (veja l Co.12.28), ou dom de f poderosa, ou dom de "discernir espritos" (I Co. 12.10), ou dom de exortao ou de contribuio (Rm.12.8), no necessitam de reconhecimento pblico para atuar efetivamente na igreja.

No texto a seguir veremos que o Novo Testamento discute um ofcio que estava limitado ao tempo quando a igreja primitiva foi fundada (o ofcio de apstolo), e dois outros que continuaram por toda a histria da igreja (os ofcios de presbtero e dicono).1. Apstolos No incio deste livro vimos que os apstolos do Novo Testamento tinham um tipo singular de autoridade na igreja primitiva: autoridade para falar e escrever palavras que eram "palavras de Deus" em sentido absoluto. No acreditar neles ou desobedecer a eles era o mesmo que no crer em Deus e desobedecer a Deus. Os apstolos, portanto, tinham autoridade para escrever palavras que se tornaram palavras da Bblia. Este fato por si s nos sugere que havia algo de singular no ofcio de apstolo, e no esperaramos que ele continuasse hoje, porque atualmente ningum pode acrescentar palavras Bblia e t-las na conta de palavras de Deus ou como parte das Escrituras.

Alm disso, os dados do Novo Testamento sobre as qualificaes e sobre a identidade de um apstolo tambm nos levam a concluir que o ofcio era nico e limitado ao primeiro sculo e que no devemos esperar por mais apstolos hoje. Veremos isso quando fizermos as seguintes perguntas: Quais eram os requisitos para algum ser apstolo? Quem foram os apstolos? Quantos apstolos houve? H apstolos hoje?

Desde o incio deve ficar claro que as respostas para essas perguntas depende do que se quer dizer com a palavra apstolo. Hoje alguns usam a palavra apstolo em um sentido muito amplo para se referir a um fundador de igrejas eficaz ou a um missionrio pioneiro de destaque (por exemplo, "William Carey foi um apstolo para a ndia"). Se usssemos a palavra nesse sentido amplo, todos concordariam que h apstolos ainda hoje porque certamente temos missionrios atuantes e fundadores de igrejas.

O prprio Novo Testamento possui trs versculos nos quais a palavra apstolo (grego apostolos) usada em um sentido amplo, no para se referir a qualquer ofcio especfico na igreja, mas simplesmente com o sentido de "mensageiro". Em Filipenses 2:25, Paulo chama Epafrodito "vosso mensageiro (apostolos) e vosso auxiliar nas minhas necessidades"; em II Corntios 8:23, Paulo refere-se queles que acompanharam a oferta que ele estava levando para Jerusalm como "mensageiros [apostoloi] das igrejas"; e em Joo 13:16, Jesus diz: "... nem o enviado [apostolos] maior do que aquele que o enviou".Mas h outro sentido para a palavra apstolo. Com freqncia muito maior no Novo Testamento refere-se a um ofcio especial