ap 470 - voto de luiz fux
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Voto de Luiz Fux na Ação Penal do MensalãoTRANSCRIPT
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Supremo Tribunal Federal
AO PENAL N 470
VOTO
MINISTRO LUIZ FUX
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Ao Penal 470 Plenrio
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VOTO
ITEM III DA DENNCIA
ORIGENS DOS RECURSOS EMPREGADOS NO
ESQUEMA CRIMINOSO
O Senhor Ministro Luiz Fux: Senhor Presidente,
Senhores Ministros, Senhor Procurador-Geral da Repblica,
eminentes advogados.
Preliminarmente incumbe-me cumprimentar a todos
pela competncia demonstrada nas atuaes orais e escritas
o que exacerba sobremodo a difcil funo de julgar um
processo materialmente complexo porquanto composto de
mais de 235 volumes, centenas de apensos, mais de 500
depoimentos, cuja digitalizao posto no comportar num
hard disk de inmeros computadores, mereceu um HD
parte que contm mais de 40 gigabytes de documentos.
A complexidade que o caso sub judice encerra, pelo
seu carter mltiplo (37 rus), e as teses minuciosamente
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defendidas pelas partes e por mim anotadas uma a uma,
inclusive as veiculadas nas sustentaes orais
brilhantemente realizadas por ambas as partes, de um lado
o PGR competente e combativo de outro um verdadeiro
pool da inteligncia jurdica da advocacia penal brasileira,
atributo extensivo aos advogados dativos, impuseram-me
uma metodologia expositiva que fosse aplicvel votao
de cada ru no que concerne s teses jurdicas comuns.
Assim, v. g., restaram constantes alegaes sobre carncia
probatria, ausncia de contraditrio na coleta da prova,
ausncia de tipicidade por fora da inexistncia de ato de
oficio no crime de corrupo, alm das vicissitudes
apontadas em relao aos delitos que compem o mosaico
penal do caso sub judice.
Em face dessas nuances, permiti-me, preliminarmente
traar premissas tericas sobre os temas acima indicados
para depois, sem o vezo da repetio, analisar fatos, provas
incidncia da norma penal e concluso.
Assim explicitado o modo como me proponho a votar
a presente ao penal, iniciou, ento pelas premissas
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tericas para ao depois adentrar nos captulos at ento
enfrentados, na ordem de votao.
Os graves fatos noticiados nestes autos foram
inicialmente revelados pelo 29 denunciado (Roberto
Jefferson) na CPMI dos Correios em 2005. O
aprofundamento das investigaes conduziu ao
depoimento da secretria do 5 denunciado (Marcos
Valrio), Sra. Fernanda Karina Ramos Somaggio, que restou
por revelar as inmeras operaes suspeitas praticadas pelo
referido ru e pelas suas empresas de publicidade, em
especial a SMP&B e a DNA.
Em sntese, a tese defendida pela acusao pode ser
identificada com a gnese do denominado "esquema do
mensalo" nas palavras do discurso de defesa do 29
denunciado (Roberto Jefferson) na Cmara dos Deputados,
ocorrido em 14/09/2005.
A expresso mensalo foi, assim, empregada para
designar a suposta mesada recebida por parlamentares da
Cmara dos Deputados oriunda de pagamentos feitos por
uma suposta quadrilha integrada por um ncleo poltico,
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publicitrio e financeiro. O propsito dos pagamentos seria
o de obter o apoio poltico ao governo federal e necessrio,
sobremaneira, para a aprovao de matrias sensveis e
deliberadas no Congresso Nacional no perodo de 2003 e
2004 a que se refere a denncia.
Os recursos destinados ao suposto pagamento dos
congressistas volveis recompensa seria, em linhas gerais,
obtido atravs de emprstimos contrados pelo PT e por
empresas d0 5 denunciado (Marcos Valrio) com o Banco
Rural e Banco BMG. Os referidos emprstimos seriam,
segundo a compreenso do parquet, forjados e as aludidas
instituies realizavam, na prtica, a disponibilizao dos
recursos sem exigir a sua restituio. A acusao tambm
sustenta que os valores necessrios para o preenchimento
dos objetivos do esquema era fruto de dinheiro desviado
dos cofres pblicos e destinado ao pagamento de polticos e
de campanhas eleitorais.
Na apresentao dos fatos e da dinmica dos ilcitos
supostamente perpetrados, a denncia partiu de uma
premissa de que havia diversos ncleos, grupos de pessoas
com funes especficas no suposto mensalo. Essa
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formatao em grupos de rus e de ilcitos originou um
texto dividido por itens. H, na denncia, um total de 8
(oito) itens, cada qual, com exceo do primeiro que veicula
a introduo da pea inicial acusatria, correspondente a
um contexto ftico abrangente de diversos rus e ilcitos.
O eminente relator optou por iniciar os trabalhos com
o julgamento do item III da denncia que retrata, dentre
outros crimes, a prtica de supostos ilcitos pelo ex-
presidente da Cmara dos Deputados, o 15 denunciado
(Joo Paulo Cunha), na contratao de uma agncia de
publicidade do 5 denunciado (Marcos Valrio). De acordo
com o aludido item III, intitulado Desvio de Recursos
Pblicos, encartado s fls. 5.659 e seguintes do volume 27, o
15 denunciado (Joo Paulo Cunha), o 5 denunciado
(Marcos Valrio), o 6 denunciado (Ramon Hollerbach) e o
7 denunciado (Cristiano Paz) teriam participado de
diversos ilcitos envolvendo o desvio de recursos da
Cmara dos Deputados para o favorecimento da agncia de
publicidade contratada pelo referido rgo. Os crimes
imputados aos rus no item III.1 da denncia so os de
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peculato, corrupo ativa, corrupo passiva e de lavagem
de dinheiro.
Em linhas gerais, de acordo com a verso do
Ministrio Pblico, o 5 denunciado (Marcos Valrio)
possua empresas de publicidade que j mantinham
contratos com o Banco do Brasil, Ministrio do Trabalho e
Eletronorte. Em decorrncia de sua proximidade com a
agremiao partidria ocupante do poder no governo
federal, o 5 denunciado (Marcos Valrio) teria, segundo a
acusao, conseguido renovar essas avenas, manter um
contrato com o Ministrio dos Esportes e vencer uma
licitao feita pelos Correios em 2003 para prestar servios
de publicidade.
O estreito vnculo com integrantes da cpula do
governo federal tambm teria, segundo a pea vestibular,
gerado resultados positivos ao conseguir a conta de
publicidade da Cmara dos Deputados, rgo de estatura
constitucional presidido, na poca dos fatos, pelo 15
denunciado (Joo Paulo Cunha), cuja campanha
presidncia havia sido realizada por uma das empresas do
5 denunciado (Marcos Valrio), do 6 denunciado (Ramon
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Hollerbach) e do 7 denunciado (Cristiano Paz). A acusao
noticia a ocorrncia de diversas irregularidades na execuo
do contrato de publicidade com a Cmara dos Deputados,
v. g., a excessiva subcontratao dos servios e a ausncia
de comprovao da prestao dos servios cobrados.
No item III da denncia, h relato do parquet de que o
modus operandi do desvio de recursos pblicos ocorria
pela simulao de mtuos entre empresas do grupo do 5
denunciado (Marcos Valrio) e terceiros, pela ausncia de
contabilizao de servios e operaes financeiras; pela
emisso de notas fiscais falsas para justificar o pagamento
de servios sem a devida contraprestao, alm de outras
prticas ilcitas envolvendo, v. g., a Cmara dos Deputados,
o Banco do Brasil, a DNA Propaganda Ltda. e a Companhia
Brasileira de Meios de Pagamento VISANET.
No contexto da pea acusatria, h relato de que o 5
denunciado (Marcos Valrio), em nome do 6 denunciado
(Ramon Hollerbach) e do 7 denunciado (Cristiano Paz),
ofereceu a vantagem indevida de R$ 50.000,00 (cinquenta
mil reais) ao 15 denunciado (Joo Paulo Cunha), tendo em
vista sua condio de Presidente da Cmara dos
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Deputados, com a finalidade de receber tratamento
privilegiado para a sua agncia de publicidade. A referida
quantia teria sido sacada pela Sra. Mrcia Regina no Banco
Rural em 04 de setembro de 2003, um dia aps a reunio do
15 denunciado (Joo Paulo Cunha) com o 5 denunciado
(Marcos Valrio), e, segundo o parquet, o modo como o
saque ocorreu teve o intuito de ocultar a origem dos
recursos.
O MPF tambm destaca que a empresa SMP&B teria
participado do contrato de publicidade com a Cmara dos
Deputados apenas para intermediar subcontrataes,
recebendo honorrios de 5% s para fazer isso, o que
caracterizaria um ilcito.
Antes de adentrarmos a anlise da dinmica dos fatos
pertinentes ao item III, revela-se necessrio abordar
algumas premissas tericas concernentes aos crimes
imputados aos rus. Essa anlise terica feita com o
escopo precpuo de enfrentar os principais argumentos e
teses invocados pelas partes. Sero enfrentados, outrossim,
temas comuns na acusao e nas defesas de diversos dos
acusados na presente Ao Penal, sob os aspectos do
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Direito Penal e do Direito Processual Penal, evitando-se a
cansativa repetio de fundamentos ao longo do voto.
PREMISSAS TERICAS
INTRODUO: PROVA DA INFRAO PENAL EM
CRIMES DO COLARINHO BRANCO
A tnica das sustentaes escritas e orais se calca na
prova de delitos de sofisticada atuao delitual, nos quais
nem sempre os elementos de convico usuais do vetusto
processo concebido como actus ad minus trium personarum
so satisfatrios prima facie. Alis, dessa constatao que a
histria penal inaugura a pr-compreenso dos
denominados crimes do colarinho branco.
Os crimes do colarinho branco constituem um
conceito relativamente novo, que apenas alcanou
reconhecimento no ano de 1939, nos Estados Unidos, em
um discurso do socilogo Edwin Sutherland na American
Sociological Society, que criticou criminlogos da poca por
atriburem a criminalidade pobreza ou a condies
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psicopticas e sociopticas. A noo de white collar crime
particularmente importante por evidenciar a necessidade
de considerar as infraes praticadas por indivduos
ocupantes de posies de poder como crimes e no apenas
ofensas civis. Ope-se aos blue-collar crimes, que so delitos
perpetrados por integrantes de estratos sociais mais
desfavorecidos.
A definio de Sutherland, que enfatizava mais o
sujeito que o delito praticado sendo, por isso, mais
adequada a expresso criminosos do colarinho branco ,
foi substituda posteriormente por uma concepo voltada
para o fato. Assim, o Bureau of Justice Statistics (BJS) dos
Estados Unidos utiliza o seguinte conceito de white collar
crime: crime no violento dirigido ao ganho financeiro,
cometido mediante fraude. Observa-se, portanto, que no
h um rol delimitado de delitos que compem a categoria
de crimes do colarinho branco, o que, todavia, no
impede a represso e a punio aos autores desse tipo de
infraes. Dentre os delitos que podem se amoldar ao
conceito, incluem-se os crimes tributrios (tax crimes), as
fraudes bancrias (bank fraud), os crimes de corrupo
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(public corruption) e a lavagem de dinheiro (money
laundering), todos de relevantssimo interesse para a
presente causa (PODGOR, Ellen S. White Collar Crime in a
nutshell. Minnesota: West Publishing Co., 1993. p. 1-4).
Na Alemanha, utiliza-se a denominao
Wirtschaftsstrafrechts para designar o Direito Penal
Econmico, que se ocupa dos aqui cognominados crimes do
colarinho branco, sendo certo que no h uma lei que
regulamente o tema de maneira uniforme (KUDLICH,
Hans; OGLAKCIOGLU, Mustafa Temmuz.
Wirtschaftsstrafrecht. Heidelberg: Hthig Jehle Rehm, 2011;
MANSDRFER, Marco. Zur Theorie des
Wirtschaftsstrafrechts. Heidelberg: Hthig Jehle Rehm,
2011; HELLMANN, Uwe; BECKEMPER, Katharina.
Wirtschaftsstrafrecht. Stuttgart: Kohlhammer, 2008). Klaus
Tiedemann, expoente do Direito Penal Econmico alemo,
afirma que esse ramo engloba todas as infraes que
atingem bens jurdicos coletivos ou supraindividuais da
vida econmica (TIEDEMANN, Klaus. Poder econmico y
delito. Trad. Amelia Mantilla Villegas. Barcelona: Ariel,
1985. p. 16).
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Os crimes do colarinho branco, em essncia, so
condutas punveis na esfera penal, e no apenas civilmente
irregulares; so proibies relevantssimas para o seio
social, e no apenas restries formais e circunstanciais.
Cuida-se, nas palavras de Abanto Vsquez, da proteo dos
bens jurdicos mais importantes contra as aes perigosas
mais graves em uma sociedade, motivo pelo qual a
tendncia da legislao e da doutrina penal dominante a
de recrudescer o tratamento penal conferido a condutas que
afetem negativamente interesses sociais econmicos
(ABANTO VSQUEZ, Manuel A. Derecho Penal
Econmico consideraciones jurdicas y econmicas. Lima:
IDEMSA, 1997. p. 37).
O desafio na seara dos crimes do colarinho branco
alcanar a plena efetividade da tutela penal dos bens
jurdicos no individuais. Tendo em conta que se trata de
delitos cometidos sem violncia, incruentos, no atraem
para si a mesma repulsa social dos crimes do colarinho
azul (Go directly to jail: white collar sentencing after the
Sarbanes-Oxley Act. In: Harvard Law Review, vol. 122,
2008-2009. p. 1742 e ss.). A inoperncia das instituies
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causa um nefasto efeito sistmico, que, fomentado pela
impunidade, causa pobreza atrs de pobreza, para o
enriquecimento indevido de alguns poucos. O fato
delituoso tanto mais grave na medida em que a cada
desvio de dinheiro pblico, mais uma criana passa fome,
mais uma localidade desse imenso brasil fica sem
saneamento, o povo sem segurana e sem educao e os
hospitais sem leito.
A dificuldade de represso tambm se deve,
conforme aponta o argentino Fernando Horacio Molinas, ao
fato de que o delito econmico , aparentemente, uma
operao financeira ou mercantil, uma prtica ou
procedimento como outros muitos no complexo mundo dos
negcios. A ilicitude no se constata diretamente, sendo
necessrio, no raras vezes, lanar mo de percias
complexas e interpretar normas de compreenso
extremamente difcil. As manobras criminosas so
realizadas utilizando complexas estruturas societrias, que
tornam muito difcil a individualizao correta dos diversos
autores e partcipes. Alm disso, comum o apelo
chamada moral de fronteira, apresentando o fato criminal
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como uma prtica inevitvel, generalizada, conhecida e
tacitamente tolerada por todos, de modo que o castigo seria
injusto, passando-se o autor do fato por vtima do sistema
ou de ocultas manobras polticas de seus adversrios
(MOLINAS, Fernando Horacio. Delitos de cuello blanco
en Argentina. Buenos Aires: Depalma, 1989. p. 22-23 e 27).
A dignidade humana dos rus importante, como aqui se
destacou, mas no podemos olvidar a dignidade da
sociedade brasileira, atingida no seu mago por esse flagelo
da corrupo.
Essas sutilezas que marcam a identidade dos crimes
do colarinho branco constituem razes que devem
informar a lgica probatria inerente sua persecuo.
O DIREITO PROBATRIO EM DELITOS
ECONMICOS
Com efeito, a atividade probatria sempre foi
tradicionalmente ligada ao conceito de verdade, como se
constatava na summa divisio que por sculos separou o
processo civil e o processo penal, relacionando-os,
respectivamente, s noes de verdade formal e de verdade
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material. Na filosofia do conhecimento, adotava-se a
concepo de verdade como correspondncia.
Nesse contexto, a funo da prova no processo era
bem definida. Seu papel seria o de transportar para o
processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos
litigantes. Da dizer-se que a prova era concebida apenas
em sua funo demonstrativa (cf. TARUFFO, Michele.
Funzione della prova: la funzione dimostrativa, in Rivista
di Diritto Processuale, 1997).
O apego ferrenho a esta concepo gera a
compreenso de que uma condenao no processo s pode
decorrer da verdade dita real e da (pretensa) certeza
absoluta do juiz a respeito dos fatos. Com essa tendncia,
veio tambm o correlato desprestgio da prova indiciria, a
circumstancial evidence de que falam os anglo-americanos,
embora, como ser exposto a seguir, o Supremo Tribunal
Federal possua h dcadas jurisprudncia consolidada no
sentido de que os indcios, como meio de provas que so,
podem levar a uma condenao criminal.
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Contemporaneamente, chegou-se generalizada
aceitao de que a verdade (indevidamente qualificada
como absoluta, material ou real) algo inatingvel
pela compreenso humana, por isso que, no af de se obter
a soluo jurdica concreta, o aplicador do Direito deve
guiar-se pelo foco na argumentao, na persuaso, e nas
inmeras interaes que o contraditrio atual,
compreendido como direito de influir eficazmente no
resultado final do processo, permite aos litigantes, com se
depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabral (Il
principio del contraddittorio come diritto d'influenza e dovere di
dibattito. Rivista di Diritto Processuale, Anno LX, N2, aprile-
giugno, 2005, passim).
Assim, a prova deve ser, atualmente, concebida em
sua funo persuasiva, de permitir, atravs do debate, a
argumentao em torno dos elementos probatrios trazidos
aos autos, e o incentivo a um debate franco para a formao
do convencimento dos sujeitos do processo. O que importa
para o juzo a denominada verdade suficiente constante
dos autos; na esteira da velha parmia quod non est in actis,
non est in mundo. Resgata-se a importncia que sempre
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tiveram, no contexto das provas produzidas, os indcios, que
podem, sim, pela argumentao das partes e do juzo em
torno das circunstncias fticas comprovadas, apontarem
para uma concluso segura e correta.
Essa funo persuasiva da prova a que mais bem se
coaduna com o sistema do livre convencimento motivado ou
da persuaso racional, previsto no art. 155 do CPP e no art.
93, IX, da Carta Magna, pelo qual o magistrado avalia
livremente os elementos probatrios colhidos na instruo,
mas tem a obrigao de fundamentar sua deciso,
indicando expressamente suas razes de decidir.
Alis, o Cdigo de Processo Penal prev
expressamente a prova indiciria, assim a definindo no art.
239: Considera-se indcio a circunstncia conhecida e provada,
que, tendo relao com o fato, autorize, por induo, concluir-se a
existncia de outra ou outras circunstncias.
Sobre esse elemento de convico, Giovanni Leone
nos brinda com magistral explicao:
Presuno a induo da existncia de um
fato desconhecido pela existncia de um
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fato conhecido, supondo-se que deva ser
verdadeiro para o caso concreto aquilo que
ordinariamente si ser para a maior parte
dos casos nos quais aquele fato acontece.
(...)
A presuno legal (praesumptio iuris seu
legis) se a ilao do conhecido ao
desconhecido feita pela lei; por outro
lado, a presuno do homem (praesumptio
facti, seu hominis, seu iudicis) se a ilao
feita pelo juiz, constituindo, portanto, uma
operao mental do juiz.
()
No Direito Processual Penal no existem,
de regra, fices e presunes legais ().
Existe, ao contrrio, a possibilidade de
incluso, no processo penal, como em
qualquer outro processo, das presunes
hominis.
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A expresso mxima da
presuno hominis dada pela prova
indiciria.
(Traduo livre do texto: Presunzione
"l'induzione della esistenza di un fatto ignoto
da quella di un fatto noto, sul presupposto che
debba essere vero pel caso concreto ci che
ordinariamente suole essere vero per la maggior
parte dei casi in cui quello rientra".(...)La
presunzione legale (praesumptio iuris seu
legis) se la illazione dal noto all'ignoto fatta
dalla legge; ovvero dell'uomo (praesumptio facti,
seu hominis, seu iudicis) se la illazione fatta
dal giudice, costituendo pertanto una operazione
mentale del giudice.(...)Nel diritto processuale
penale nonesistono, di regola, finzioni e
presunzioni legali (...). Trovano invece
possibilit di inserimento nel processo penale,
come in ogni altro processo, le presunzioni
hominis.L'espressione massima della
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presunzione hominis data dalle prove
indiziarie. )
(LEONE, Giovanni. Trattato di Diritto
Processuale Penale. v. II. Napoli: Casa
Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p. 161-
162).
No mesmo sentido, Nicola Malatesta, para quem,
pela prova indiciria, alcana-se determinada concluso
sobre um episdio atravs de um processo lgico-
construtivo; mais precisamente: o indcio aquele argumento
probatrio indireto que deduz o desconhecido do conhecido por
meio da relao de causalidade (MALATESTA, Nicola
Framarino dei. A lgica das provas em matria criminal. Trad.
J. Alves de S. Campinas: Servanda Editora, 2009, p. 236).
Assim que, atravs de um fato devidamente
provado que no constitui elemento do tipo penal, o
julgador pode, mediante raciocnio engendrado com
supedneo nas suas experincias empricas, concluir pela
ocorrncia de circunstncia relevante para a qualificao
penal da conduta.
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Alis, a fora instrutria dos indcios bastante para a
elucidao de fatos, podendo, inclusive, por si prprios, o
que no apenas o caso dos autos, conduzir prolao de
decreto de ndole condenatria. (cf. PEDROSO, Fernando
de Almeida. Prova penal: doutrina e jurisprudncia. So Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 90-91).
Neste sentido, este Egrgio Plenrio, em poca
recente, decidiu que indcios e presunes, analisados luz do
princpio do livre convencimento, quando fortes, seguros,
indutivos e no contrariados por contraindcios ou por prova
direta, podem autorizar o juzo de culpa do agente (AP 481,
Relator: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em
08/09/2011). Idntica a orientao da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal, cabendo a referncia aos
seguintes julgado:
O princpio processual penal do favor rei
no ilide a possibilidade de utilizao de
presunes hominis ou facti, pelo juiz, para
decidir sobre a procedncia do ius puniendi,
mxime porque o Cdigo de Processo Penal
prev expressamente a prova indiciria,
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definindo-a no art. 239 como a
circunstncia conhecida e provada, que, tendo
relao com o fato, autorize, por induo,
concluir-se a existncia de outra ou outras
circunstncias. Doutrina (LEONE,
Giovanni. Trattato di Diritto Processuale
Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott.
Eugenio Jovene, 1961. p. 161-162).
(HC n 111.666, Relator: Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, julgado em 08/05/2012)
CONDENAO - BASE. Constando do
decreto condenatrio dados relativos a
participao em prtica criminosa, descabe
pretender fulmin-lo, a partir de alegao
do envolvimento, na espcie, de simples
indcios.
(HC 96062, Relator: Min. Marco Aurlio,
Primeira Turma, julgado em 06/10/2009)
Em idntico sentido: HC n 83.542, Relator: Min.
Seplveda Pertence, Primeira Turma, julgado em
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09/03/2004; HC n 83.348, Relator: Min. Joaquim Barbosa,
Primeira Turma, julgado em 21/10/2003.
As digresses ora engendradas se justificam porque,
nesses delitos econmicos e sofisticados, unem-se as foras
das provas diretas e dos indcios.
No Direito Comparado, no qual se abeberam nossos
juristas, tambm se perfilha entendimento semelhante.
Assim que a utilizao da prova indiciria para embasar a
sentena penal condenatria admitida, v. g., em Portugal,
cujo Supremo Tribunal de Justia j decidiu:
IV - A prova nem sempre directa, de
percepo imediata, muitas vezes baseada em
indcios.
V - Indcios so as circunstncias conhecidas e
provadas a partir das quais, mediante um
raciocnio lgico, pelo mtodo indutivo, se obtm
a concluso, firme, segura e slida de outro
facto; a induo parte do particular para o geral
e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma
fora que a testemunhal, a documental ou outra.
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VI - A prova indiciria suficiente para
determinar a participao no facto punvel se da
sentena constarem os factos-base (requisito de
ordem formal) e se os indcios estiverem
completamente demonstrados por prova directa
(requisito de ordem material), os quais devem
ser de natureza inequivocamente acusatria,
plurais, contemporneos do facto a provar e,
sendo vrios, estar interrelacionados de modo a
que reforcem o juzo de inferncia.
VII - O juzo de inferncia deve ser razovel,
no arbitrrio, absurdo ou infundado, e respeitar
a lgica da experincia e da vida; dos factos-base
h-de derivar o elemento que se pretende provar,
existindo entre ambos um nexo preciso, directo,
segundo as regras da experincia.
(Portugal, Supremo Tribunal de Justia,
Processo n 07P1416, n convencional
JST000, n do documento
SJ200707110014163, relator Armindo
Monteiro, data do acrdo 11/07/2007)
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Consectariamente, o quadro probatrio dos autos,
composto das provas orais, documentais e periciais so
suficientes para lastrear uma deciso justa e atenta s
garantias penais e processuais.
Advirta-se que a presuno de no culpabilidade
somente atua como um peso em favor do acusado no
momento da prolao da sentena de mrito. dizer: se,
para a sentena absolutria, existe um relaxamento na
formao da convico e na fundamentao do juiz, na
sentena condenatria, deve o magistrado romper esta fora
ou peso estabelecido pelo ordenamento em sentido
contrrio. Em suma: a presuno de no culpabilidade pode
ser ilidida at mesmo por indcios que apontem a real
probabilidade da configurao da conduta criminosa. A
condenao, na esteira do quanto j exposto, no necessita
basear-se em verdades absolutas, por isso que os indcios
podem ter, no conjunto probatrio, robustez suficiente
para que se pronuncie um juzo condenatrio.
O critrio de que a condenao tenha que provir de
uma convico formada para alm da dvida razovel
no impe que qualquer mnima ou remota possibilidade
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aventada pelo acusado j impea que se chegue a um
juzo condenatrio. Toda vez que as dvidas que surjam
das alegaes de defesa e das provas favorveis verso
dos acusados no forem razoveis, no forem crveis diante
das demais provas, pode haver condenao. Lembremos
que a presuno de no culpabilidade no transforma o
critrio da dvida razovel em certeza absoluta.
Nesse cenrio, caber ao magistrado criminal
confrontar as verses de acusao e defesa com o contexto
probatrio, verificando se so verossmeis as alegaes de
parte a parte diante do cotejo com a prova colhida. Ao
Ministrio Pblico caber avanar nas provas ao ponto
timo em que o conjunto probatrio seja suficiente para
levar a Corte a uma concluso intensa o bastante para que
no haja dvida, ou que esta seja reduzida a um patamar
baixo no qual a verso defensiva seja irrazovel,
inacreditvel ou inverossmil.
Nesse contexto, a defesa deve trazer argumentos
devidamente provados que infirmem as ilaes articuladas
pela acusao. A simples negativa genrica incapaz de
desconstruir o itinerrio lgico que leva prima facie
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condenao. Como de sabena geral, a prova do libi
incumbe ao ru, nos termos do que dispe o art. 156 do
Cdigo de Processo Penal (A prova da alegao incumbir a
quem a fizer [...]). Assim tambm a remansosa
jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, sendo de
rigor consignar os seguintes arestos:
EMENTA: - PENAL. PROCESSUAL
PENAL. HABEAS CORPUS. JRI:
SOBERANIA. CF, ART. 5, XXXVIII. CPP,
ART. 593, III, d. LIBI: NUS DA PROVA.
CPP, ART. 156. I. - A soberania dos
veredictos do Tribunal do Jri no exclui a
recorribilidade de suas decises, quando
manifestamente contrrias prova dos
autos (CPP, art. 593, III, d). Provido o
recurso, o ru ser submetido a novo
julgamento pelo Jri. II. - Cabe defesa a
produo de prova da ocorrncia de libi
que aproveite ao ru (CPP, art. 156). III. -
HC indeferido.
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(HC 70742, Relator Min. Carlos Velloso,
Segunda Turma, julgado em 16/08/1994, DJ
30-06-2000)
EMENTA: HABEAS CORPUS - ALIBI -
CIRCUNSTANCIA INVOCADA APS A
CONDENAO - CONTRADIO COM
OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA -
IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DESSA
MATRIA EM SEDE DE HABEAS
CORPUS - ALEGAO DE
CERCEAMENTO DE DEFESA -
INOCORRENCIA - ORDEM DENEGADA.
- O libi, enquanto elemento de defesa,
deve ser comprovado, no processo penal
condenatrio, pelo ru a quem seu
reconhecimento aproveita. - O habeas
corpus no constitui sede processualmente
adequada ao reconhecimento do libi se
este se revela incompatvel com a prova
produzida, sob o crivo do contraditrio, no
procedimento penal. - licita a audincia
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de instruo quando, ausente o Advogado
constitudo, que fora regularmente
intimado de sua realizao, vem o ru a ser
assistido por defensor dativo designado
pelo Juiz processante.
(HC 68964, Relator Min. Celso de Mello,
Primeira Turma, julgado em 17/12/1991, DJ
22-04-1994)
A lio idntica em sede doutrinria. Tratando do
libi, preleciona Damsio de Jesus que [q]uem alega deve
prov-lo, sob pena de confisso (Cdigo de Processo Penal
anotado. 24 ed. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 187).
Ora, se a prova deve ser compreendida em sua
funo persuasiva, na argumentao do processo que se
deve buscar o convencimento necessrio aos magistrados
para o teste probatrio s alegaes das partes. E um
conjunto probatrio seguro, cuja elaborao, decorrente do
debate processual, seja apta a reconstruir os fatos da vida e
apontar para a ocorrncia dos fatos alegados pelo
Ministrio Pblico, o suficiente para extirpar qualquer
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dvida razovel que as alegaes de defesa tentavam
impingir na convico do julgador.
Isso especialmente importante em contextos
associativos, no qual os crimes ou infraes administrativas
so praticados por muitos indivduos consorciados, nos
quais incomum que se assinem documentos que
contenham os propsitos da associao, e nem sempre se
logra filmar ou gravar os acusados no ato de cometimento
do crime. Fato notrio, e notoria non egent probatione, todo
contexto de associao pressupe ajustes e acordos que so
realizados a portas fechadas.
Neste sentido, por exemplo, a doutrina norte-
americana estabeleceu a tese do paralelismo consciente
para a prtica de cartel. Isso porque normalmente no se
assina um contrato de cartel, basta que se provem
circunstncias indicirias, como a presena simultnea dos
acusados em um local e a subida simultnea de preos, v. g.,
para que se chegue concluso de que a conduta era ilcita,
at porque, num ambiente econmico hgido, a subida de
preos, do ponto de vista de apenas um agente econmico,
seria uma conduta irracional economicamente. Portanto, a
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concluso pela ilicitude e pela condenao decorre de um
conjunto de indcios que apontem que a subida de preos
foi fruto de uma conduta concertada.
No mesmo diapaso a prova dos crimes e infraes
no mercado de capitais. So as circunstncias concretas,
mesmo indicirias, que permitiro a concluso pela
condenao. Na investigao de insider trading (uso de
informao privilegiada e secreta antes da divulgao ao
mercado de fato relevante): a baixa liquidez das aes; a
frequncia com que so negociadas; ser o acusado um
nefito em operaes de bolsa; as ligaes de parentesco e
amizade existentes entre os acusados e aqueles que tinham
contato com a informao privilegiada; todas estas e outras
so indcios que, em conjunto, permitem concluso segura a
respeito da ilicitude da operao.
AS PROVAS COLHIDAS EM INVESTIGAES
PRELIMINARES E O CONTRADITRIO
O contraditrio e a prova representam binmio
inseparvel, o que foi objeto de todas as sustentaes. Nesse
contexto, h que se enfrentar o tema da eficcia das provas
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Ao Penal 470 Plenrio
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colhidas em procedimentos preliminares de investigao,
como Comisses Parlamentares de Inqurito e inquritos
policiais.
As CPIs so comisses temporrias do Legislativo
nacional, destinadas apurao de dados relativos a fatos
determinados e relevantes, com o fito de posterior
promoo da responsabilidade cvel, criminal e poltica de
eventuais envolvidos. De acordo com a doutrina do insigne
jurista Lus Roberto Barroso, a frmula poderes de
investigao prprios das autoridades judiciais, constante
do art. 58, 3, da Constituio, atribui s comisses
parlamentares de inqurito competncias instrutrias amplas, que
incluem a possibilidade de (i) determinar diligncias, (ii) convocar
testemunhas (que tm o dever de dizer a verdade, sob pena de
crime de falso testemunho), (iii) ouvir indiciados (quando estes
no optem pelo silncio), (iv) requisitar documentos pblicos, (v)
determinar a exibio de documentos privados, (vi) convocar
ministros de Estado e outras autoridades pblicas, (vii) realizar
inspees pessoais, transportando-se aos locais necessrios
(Temas de Direito Constitucional. V. I. So Paulo: Renovar,
2001. p. 138).
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O inqurito policial um procedimento
administrativo pr-processual que tem por objetivo colher
elementos aptos formao da opinio delicti do rgo
acusador sobre a autoria e a materialidade do crime, seja
pela sua configurao, seja pela sua no ocorrncia.
Precisamente em razo desse vis unilateral, como
preleciona Bruno Bodart, a participao do investigado no
procedimento pr-processual no se fundamenta no princpio do
contraditrio (BODART, Bruno Vincius Da Rs. Inqurito
policial, democracia e Constituio modificando
paradigmas. In: Revista Eletrnica de Direito Processual,
vol. III, ano 2, jan.-jul. 2009, Rio de Janeiro. p. 133).
Os elementos amealhados no curso desses
procedimentos preliminares, todavia, no ficam
permanentemente alijados da apreciao judicial em futuro
processo.
A uma, porque estes elementos podem ser
confirmados, sob o crivo do contraditrio, no curso do
processo penal, adquirindo, desse modo, a eficcia
necessria para embasar um decreto condenatrio. o caso,
deveras comum, da testemunha que ratifica em juzo todas
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Ao Penal 470 Plenrio
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as declaraes prestadas em sede preliminar, oportunidade
na qual o ru exerce em plenitude o seu direito de defesa. A
prova, para todos os efeitos, passa a ser processual, na
esteira da jurisprudncia deste Supremo Tribunal Federal
(v. HC n 83.348, Relator: Min. Joaquim Barbosa, Primeira
Turma, julgado em 21/10/2003).
A duas, em razo da expressa exceo contida na
parte final do art. 155 do Cdigo de Processo Penal, que
autoriza que o magistrado fundamente a sua deciso nos
elementos informativos colhidos na investigao quando
cuidar-se de provas cautelares, no repetveis e antecipadas.
Por fim, h que se ter em mente que o mesmo art. 155
do CPP apenas probe que o juiz fundamente sua deciso
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigao, no impedindo a utilizao de elementos pr-
processuais quando acompanhados e corroborados por
provas produzidas em juzo. Esta tambm a pacfica
jurisprudncia deste Pretrio Excelso, como se nota a partir
dos seguintes julgados:
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Os elementos colhidos no inqurito policial
podem influir na formao do livre
convencimento do juiz para a deciso da
causa quando complementados por outros
indcios e provas obtidos na instruo
judicial. Precedentes.
(HC 104669, Relator: Min. Ricardo
Lewandowski, Primeira Turma, julgado em
26/10/2010)
Os elementos do inqurito podem influir na
formao do livre convencimento do juiz
para a deciso da causa quando
complementam outros indcios e provas que
passam pelo crivo do contraditrio em
juzo.
(HC 102473, Relator: Min. Ellen Gracie,
Segunda Turma, julgado em 12/04/2011
assim tb. RE 425734 AgR, Relator: Min. Ellen
Gracie, Segunda Turma, julgado em
04/10/2005)
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Ao Penal 470 Plenrio
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Superadas as questes prejudiciais probatrias, passo
s premissas tericas referentes aos delitos em espcie.
LAVAGEM DE DINHEIRO
Incluindo as condutas narradas em seu item III, a
exordial acusatria imputa, no total, a prtica de crimes de
lavagem de dinheiro a 36 (trinta e seis) dos 40 (quarenta)
denunciados. As acusaes envolvem a interpretao e
aplicao dos incisos V, VI e VII do art. 1 da n 9.613/98.
De promio, alerto que a recente alterao da Lei n
9.613/98, operada pela Lei n 12.683/2012, em vigor desde o
dia 10 de julho de 2012, no tem o condo de afetar este
julgamento. que se trata de legislao destinada a alargar
o tipo penal da lavagem de dinheiro para abranger a
ocultao ou dissimulao da natureza, origem, localizao,
disposio, movimentao ou propriedade de bens, direitos
ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de
qualquer tipo de infrao penal. No houve alterao das
penas cabveis, de modo que as imputaes lanadas na
exordial acusatria devem continuar sendo regidas pela
redao pretrita.
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A lavagem de dinheiro, entendida como a prtica de
converso dos proveitos do delito em bens que no
podem ser rastreados pela sua origem criminosa, prtica
combatida no mundo todo. No se deve perder de vista que
a atividade de lavagem de recursos criminosos o grande
pulmo das mais variadas mazelas sociais, desde o trfico
de drogas, passando pelo terrorismo, at a corrupo que
desfalca o Errio e deixa rfos um sem-nmero de
cidados que necessitam dos servios pblicos (v. SATOW,
Joe Tadashi Montenegro. Segurana Pblica. Nria Fabris,
2011). Saber de onde vem o dinheiro , muitas vezes, o
nico diagnstico para identificar a prtica de um crime e
o seu autor.
Alm disso, conforme descreve Oliveira Ascenso, a
respeito do Direito Portugus, o branqueamento de capitais
(como denominada a lavagem de dinheiro naquele pas)
um mal por si, pois o seu combate previne o
envenenamento de todo o sistema econmico-financeiro
(ASCENSO, J. Oliveira. Represso da lavagem do
dinheiro em Portugal. In: Revista da EMERJ, v. 6, n. 22,
2003. p. 37). Estima-se que a lavagem de dinheiro envolva,
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hoje, at 5% do PIB mundial, ou seja, at dois trilhes de
dlares alguns dados chegam ao absurdo montante de
10% do PIB global (NAM, Moiss. Ilcito: o ataque da
pirataria, da lavagem de dinheiro e do trfico economia
global. Trad. Srgio Lopes. Jorge Zahar Editor Ltda, 2006. p.
130). A represso lavagem de dinheiro visa a prevenir a
contaminao da economia por recursos ilcitos, a
concorrncia desleal, o zelo pela credibilidade e pela
confiana nas instituies.
Sendo assim, a dissimulao ou ocultao da
natureza, origem, localizao, disposio, movimentao ou
propriedade dos proveitos criminosos desafia censura
penal autnoma, para alm daquela incidente sobre o
delito antecedente, tal como ocorre com a ocultao do
cadver (art. 211 do Cdigo Penal) subsequente a um
homicdio no se opera a consuno de um crime pelo
outro.
Em sede doutrinria, o entendimento idntico:
Com relao ao concurso de crimes, o
entendimento de que h concurso
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material com o crime antecedente. Ento, o
agente que pratica o crime de lavagem de
dinheiro oriundo de atividade criminosa,
responde em concurso material pelo crime
de lavagem e pelo crime antecedente que
deu origem criminosa aos bens, valores ou
direitos. Essa no seria uma hiptese de
progresso criminosa, porque a autonomia
dos crimes est expressa na prpria lei.
(BALTAZAR JUNIOR, Jos Paulo. Crimes
Federais. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010. p. 594)
No Direito norte-americano, a doutrina costuma
distinguir trs fases da lavagem de dinheiro (money
laundering). A primeira fase a da colocao (placement)
dos recursos derivados de uma atividade ilegal em um
mecanismo de dissimulao da sua origem, que pode ser
realizado por instituies financeiras, casas de cmbio,
leiles de obras de arte, dentre outros negcios
aparentemente lcitos. Aps, inicia-se a segunda fase, de
encobrimento, circulao ou transformao
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(layering), cujo objetivo tornar mais difcil a deteco da
manobra dissimuladora e o descobrimento da lavagem. Por
fim, d-se a integrao (integration) dos recursos a uma
economia onde paream legtimos (REUTER, Peter;
TRUMAN, Edwin M. Chasing Dirty Money: The Fight
Against Money Laundering. Washington: Peterson
Institute, 2004).
Uma vez que qualquer dessas fases tenha sido levada
a efeito, resta consumado o crime do art. 1 da n 9.613/98,
no havendo que se cogitar da completude do ciclo para o
aperfeioamento do delito. Suficiente, portanto, para fins
de condenao, a prova da autoria e materialidade de uma
das etapas da lavagem de dinheiro.
Bem por isso, ao contrrio do que sustentaram as
defesas dos rus, no se pode exigir da acusao a
demonstrao de que os recursos retirados de um
mecanismo de lavagem de dinheiro equivalem, com exata
perfeio, aos bens de origem criminosa injetados na
economia regular. que o dinheiro lcito e o ilcito no
reagem como gua e leo. Bens fungveis que so, uma
vez reunidos em uma mesma economia, fica impossvel
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Ao Penal 470 Plenrio
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dissociar qual a parte advinda da atividade delituosa.
Afinal, exatamente nesta tarefa de gerar a
impossibilidade de distino que reside a atividade de
lavagem.
O elemento intencional necessrio para a tipificao
do delito em comento o dolo genrico, isto , a vontade
consciente e dirigida realizao de uma ou algumas das
fases da lavagem de dinheiro. Rodolfo Tigre Maia, tecendo
consideraes sobre o art. 1 da n 9.613/98, lembra que
[a]os moldes da lei portuguesa que inspirou o dispositivo, no se
exige qualquer outro elemento subjetivo (dolo especfico da
doutrina tradicional) ou especial fim de agir, como requer, por
exemplo, o tipo de branqueamento da legislao francesa (...) e,
no Direito brasileiro, na receptao ou no favorecimento (MAIA,
Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (Lavagem de ativos
provenientes de crime) Anotaes s disposies
criminais da Lei n. 9.613/98. 2 ed. So Paulo: Malheiros,
2007. p. 89).
No se reclama que o rgo acusador comprove o
elemento anmico, sob pena de se lhe incumbir de um
mister impossvel, verdadeira prova diablica.
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Ao Penal 470 Plenrio
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Exatamente no intuito de evitar a impunidade, a segunda
das quarenta recomendaes do Grupo de Ao
Financeira sobre a Lavagem de Dinheiro (GAFI),
organismo internacional que estabelece padres e
desenvolve e promove polticas de combate a essa espcie
de criminalidade, indica: Os pases deveriam assegurar que:
a) A inteno e o conhecimento requeridos para provar o crime de
branqueamento de capitais esto em conformidade com as normas
estabelecidas nas Convenes de Viena e de Palermo, incluindo a
possibilidade de o elemento intencional ser deduzido a
partir de circunstncias factuais objectivas (grifo nosso).
Deveras, basta, para o reconhecimento do dolo,
ainda que na sua modalidade eventual, que se comprove
que, pelas condies materiais em que praticado o delito,
h motivos suficientes para se inferir que o agente
desejava ocultar ou dissimular a natureza, origem,
localizao, disposio, movimentao ou propriedade do
numerrio, em relao ao qual, tambm pelas
circunstncias objetivas dos fatos provados, conclua, o
magistrado, que o ru sabia ou devia saber ser
proveniente, direta ou indiretamente, de crime. Conforme
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j decidiu esta Corte: O dolo eventual compreende a hiptese
em que o sujeito no quer diretamente a realizao do tipo penal,
mas a aceita como possvel ou provvel (assume o risco da
produo do resultado, na redao do art. 18, I, in fine, do CP).
(...) Faz-se imprescindvel que o dolo eventual se extraia das
circunstncias do evento, e no da mente do autor, eis que
no se exige uma declarao expressa do agente (HC
97252, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Segunda Turma,
julgado em 23/06/2009).
Outra no a lio de Klaus Tiedemann, que
transcrevemos na ntegra:
Na linha dos mais recentes acordos
internacionais, que devem ter uma especial
importncia para o mundo anglo-
americano, h que se esclarecer, todavia,
que sim admissvel deduzir dolo a partir
das circunstncias do fato. No que com
isso se retome a teoria do dolus ex re, mas
sim que isso se deriva da admissibilidade
processual da prova indiciria.
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Ao Penal 470 Plenrio
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(Traduo livre do trecho: en la lnea de los
ms recientes acuerdos internacionales, que han
de tener una especial importancia para el mundo
anglo-americano, hay que aclarar todava que s
es admisible deducir dolo (etc) a partir de las
circunstancias del hecho. No es que con ello se
retome la teora del dolus ex re, sino que esto se
deriva de la admisibilidad procesal de la prueba
indiciaria. TIEDEMANN, Klaus.
Eurodelitos: El derecho penal econmico en
la Unin Europea. Cuenca: Ediciones de la
Universidad de Castilla-La Mancha, 2004.
p. 15)
Outra objeo reiteradamente veiculada nas razes
de defesa dos acusados diz respeito eficcia do inciso VII
do art. 1 da Lei n 9.613/98. Alegam os rus, em suma, que
a inexistncia de um crime intitulado organizao
criminosa no ordenamento ptrio impediria a
aplicabilidade desta hiptese de lavagem de dinheiro.
O argumento, contudo, no resiste a uma anlise mais
atenta, pois fundado em premissas equivocadas. Ao
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Ao Penal 470 Plenrio
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contrrio do que sustentam os defensores, a Lei n 9.613/98
em momento algum prev, como delito antecedente
lavagem de dinheiro, um crime de organizao
criminosa. Nem parece razovel acreditar que tenha sido a
inteno do legislador fazer referncia a um crime que ele
mesmo no criou.
Em verdade, pune-se, por meio do inciso VII da
referida Lei, a lavagem de dinheiro que tenha como
antecedente o crime praticado por organizao criminosa,
algo absolutamente distinto da figura delitiva suscitada
pela defesa. Por exemplo, sabe-se que o crime de roubo (art.
157 do CP) no era contemplado no rol de crimes
antecedentes da Lei n 9.613/98, antes da sua recente
alterao pela Lei n 12.683/2012. Entretanto, a ocultao ou
dissimulao da origem, natureza, localizao, disposio
ou propriedade de ativos provenientes de crimes de roubo
praticados por uma organizao criminosa configura,
indubitavelmente, o delito de lavagem de dinheiro.
Por essa razo, perfeitamente possvel considerar
como antecedente da lavagem o crime, seja qual for a sua
natureza, praticado por uma organizao criminosa. A
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Ao Penal 470 Plenrio
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expresso organizao criminosa prevista no como
objeto, ou seja, como o crime antecedente em si, tratando-
se, isso sim, do sujeito ativo responsvel pela consecuo
do delito antecedente.
O art. 1, VII, da Lei n 9.613/98, no que concerne
concepo do termo organizao criminosa,
complementado por duas normas, uma de maior
abrangncia e outra de espectro mais restrito. So elas o
artigo 2 da Conveno das Naes Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional e o art. 288 do Cdigo Penal.
Assim, conforme j reconhecido por este Pretrio
Excelso, o conceito de organizao criminosa, para fins de
complementao do tipo previsto na Lei de Lavagem de
Dinheiro, pode ser extrado da Conveno das Naes
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional,
cognominada Conveno de Palermo, promulgada pelo
Decreto n 5.015 de 12 de maro de 2004 (Inq n 2786,
Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno,
julgado em 17/02/2011). Eis o que dispe o seu artigo 2:
Artigo 2
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Ao Penal 470 Plenrio
48
Terminologia
Para efeitos da presente Conveno,
entende-se por:
a) "Grupo criminoso organizado" - grupo
estruturado de trs ou mais pessoas,
existente h algum tempo e atuando
concertadamente com o propsito de
cometer uma ou mais infraes graves ou
enunciadas na presente Conveno, com a
inteno de obter, direta ou indiretamente,
um benefcio econmico ou outro benefcio
material;
b) "Infrao grave" - ato que constitua
infrao punvel com uma pena de privao
de liberdade, cujo mximo no seja inferior
a quatro anos ou com pena superior;
c) "Grupo estruturado" - grupo formado de
maneira no fortuita para a prtica
imediata de uma infrao, ainda que os
seus membros no tenham funes
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Ao Penal 470 Plenrio
49
formalmente definidas, que no haja
continuidade na sua composio e que no
disponha de uma estrutura elaborada;
Frise-se que este Supremo Tribunal Federal tem
longeva jurisprudncia no sentido de reconhecer aos
tratados e convenes internacionais devidamente
internalizados ao ordenamento brasileiro o mesmo status
conferido s leis ordinrias (RE n 80.004, Relator: Min.
Xavier de Albuquerque, Tribunal Pleno, julgado em
01/06/1977; ADI n 1.480 MC, Relator: Min. Celso de Mello,
Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997).
A integrao da norma penal em branco, no caso,
feita por diploma que tambm tem carter legal, no
havendo que se cogitar de qualquer afronta ao princpio da
legalidade. Klaus Tiedemann assevera que as normas
penais em branco (Blankettstrafgesetze) so o meio tpico e
mais importante disposio da tcnica legislativa no
Direito Penal econmico (TIEDEMANN, Klaus Tecnica
legislativa nel Diritto Penale Economico. Trad. Claudia
Kaufmann. In: Rivista Trimestrale di Diritto Penale
Delleconomia, ano XIX, n. 1-2, jan.-jun. 2006, CEDAM. p.
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Ao Penal 470 Plenrio
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2). Abanto Vsquez alerta que essa tcnica da norma penal
em branco e, portanto, lex dixit quam voluit, a adequada
para conseguir o objetivo final: a proteo suficiente dos
bens jurdicos que o legislador considere importantes
(ABANTO VSQUEZ, Manuel A. Derecho Penal
Econmico consideraciones jurdicas y econmicas. Lima:
IDEMSA, 1997. p. 24).
Alm do conceito previsto na Conveno de Palermo,
o art. 1, VII, da Lei de Lavagem de Dinheiro tambm
complementado pelo art. 288 do Cdigo Penal, que prev a
quadrilha ou bando, modalidade de organizao criminosa
h muito conhecida no Direito Penal brasileiro, nos
seguintes termos: Associarem-se mais de trs pessoas, em
quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. Sobre o
tema, afirma Rodolfo Tigre Maia, fazendo meno ao
idntico posicionamento de Mirabete, que, para
determinar-se a presena de uma organizao criminosa,
bastar to somente a presena dos requisitos
tradicionalmente exigveis para o crime descrito no art. 288 do
Cdigo Penal, desde que associados efetiva prtica de pelo menos
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Ao Penal 470 Plenrio
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um crime (MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro. 2
ed. So Paulo: Malheiros, 2007. p. 78).
Portanto, no procede a alegao de que o inciso VII
do art. 1 da Lei n 9.613/98 era desprovido de eficcia antes
da internalizao da Conveno de Palermo no
ordenamento ptrio a complementao da norma j era
realizada, embora com espectro mais restrito, pelo art. 288
do Cdigo Penal.
Ao acolher, no rol de delitos originrios da lavagem
de dinheiro, clusula abrangente de todos os delitos
perpetrados por organizaes criminosas, posicionou-se a
lei brasileira na vanguarda da represso mundial a esta
sorte de ilcitos. Como sabido, as legislaes de combate
lavagem de dinheiro podem ser classificadas
historicamente em trs geraes. A primeira diz respeito s
leis que previam somente o trfico de drogas como delito
antecedente do branqueamento de capitais. A gerao
subsequente composta pelos diplomas que listam
diversos crimes que podem figurar como antecedentes da
lavagem. Por fim, na terceira gerao de leis, qualquer
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Ao Penal 470 Plenrio
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delito apto a constituir antecedente da prtica da lavagem
de dinheiro.
Oliveira Ascenso, a respeito da evoluo legislativa,
ressalta manifestar-se orientao internacional no sentido de
estender a incriminao ao branqueamento de capitais com origem
noutras actividades criminosas (ASCENSO, J. Oliveira.
Represso da lavagem do dinheiro em Portugal. In: Revista
da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003. p. 42).
A prpria Conveno de Palermo exige de todos os
Estados-Partes, no seu art. 6, n. 2, a, a extenso do crime
de lavagem de dinheiro ao maior nmero possvel de
infraes subjacentes. Na Sua, onde recentemente foi
aprovado um novo Cdigo Penal, so antecedentes da
lavagem de dinheiro as infraes punidas com pena
privativa de liberdade superior a trs anos (BERNASCONI,
Paolo. La criminalit economica nel nuovo codice penale
svizzero. In: Rivista Trimestrale di Diritto Penale
Delleconomia, ano XX, n. 1-2, jan.-jun. 2007, CEDAM. p.
10).
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Ao Penal 470 Plenrio
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Ressalte-se, ainda, que a Lei n 9.613/98, conforme j
indicado, foi recentemente alterada pela Lei n 12.683/2012
para alinhar-se s legislaes de terceira gerao, em um
claro sinal de que a lavagem de dinheiro, seja qual for a
origem dos ativos, prtica reprovvel e no tolerada pela
ordem jurdica brasileira.
Desta feita, proclamar a no incidncia do inciso VII
do art. 1 da Lei n 9.613/98 caminhar na contramo da
histria, restringindo indevidamente a imputao do crime
de lavagem de dinheiro, quando, na realidade, a norma
penal existente, devidamente complementada pela
Conveno de Palermo e pelo art. 288 do Cdigo Penal,
permite a identificao de todos os elementos da sua
fattispecie.
CORRUPO PASSIVA, ATO DE OFCIO E CAIXA
DOIS
Ao tipificar a corrupo, em suas modalidades passiva
(art. 317, CP) e ativa (art. 333, CP), a legislao
infraconstitucional visa a combater condutas de inegvel
ultraje moralidade e probidade administrativas, valores
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encartados na Lei Magna como pedras de toque do regime
republicano brasileiro (art. 37, caput e 4, CRFB). A
censura criminal da corrupo manifestao eloquente da
intolerncia nutrida pelo ordenamento ptrio para com
comportamentos subversivos da res publica nacional. Tal
repdio tamanho que justifica a mobilizao do arsenal
sancionatrio do direito penal, reconhecidamente encarado
como ultima ratio, para a represso dos ilcitos praticados
contra a Administrao Pblica e os interesses gerais que
ela representa.
Consoante a legislao criminal brasileira (CP, art.
317), configuram corrupo passiva as condutas de
solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da funo ou antes de assumi-la,
mas em razo dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal
vantagem. Por seu turno, tem-se corrupo ativa no ato de
oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionrio pblico,
para determin-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofcio
(CP, art. 333). Destaque-se o teor dos dispositivos:
Corrupo passiva
-
Ao Penal 470 Plenrio
55
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da funo ou antes de assumi-la,
mas em razo dela, vantagem indevida, ou
aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - recluso, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,
e multa.
1 - A pena aumentada de um tero, se,
em conseqncia da vantagem ou
promessa, o funcionrio retarda ou deixa
de praticar qualquer ato de ofcio ou o
pratica infringindo dever funcional.
2 - Se o funcionrio pratica, deixa de
praticar ou retarda ato de ofcio, com
infrao de dever funcional, cedendo a
pedido ou influncia de outrem:
Pena - deteno, de trs meses a um ano, ou
multa.
Corrupo ativa
-
Ao Penal 470 Plenrio
56
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem
indevida a funcionrio pblico, para
determin-lo a praticar, omitir ou retardar
ato de ofcio:
Pena - recluso, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,
e multa.
Pargrafo nico - A pena aumentada de
um tero, se, em razo da vantagem ou
promessa, o funcionrio retarda ou omite
ato de ofcio, ou o pratica infringindo dever
funcional.
Sobressai das citadas normas incriminadoras o ntido
propsito de o legislador punir o trfico da funo pblica,
desestimulando o exerccio abusivo dos poderes e
prerrogativas estatais. Como evidente, o escopo das normas
penalizar tanto o corrupto (agente pblico), como o
corruptor (terceiro). Da falar-se em crime de corrupo
passiva para a primeira hiptese, e crime de corrupo
ativa para a segunda.
-
Ao Penal 470 Plenrio
57
Ainda que muitas vezes caminhem lado a lado, como
aspectos simtricos de um mesmo fenmeno, os tipos
penais de corrupo ativa e passiva so intrinsecamente
distintos e estruturalmente independentes, de sorte que a
presena de um no implica, desde logo, a caracterizao de
outro. Isso fica evidente pelos prprios verbos que integram
o ncleo de cada uma das condutas tpicas. De um lado, a
corrupo passiva pode configurar-se por qualquer das trs
aes do agente pblico: (i) a solicitao de vantagem
indevida (solicitar), (ii) o efetivo recebimento de
vantagem indevida (receber) ou (iii) a aceitao de
promessa de vantagem indevida (aceitar promessa). De
outro lado, a corrupo ativa decorre de uma dentre as
seguintes condutas descritas no tipo de injusto: (i) o
oferecimento de vantagem indevida a funcionrio pblico
(oferecer) ou (ii) a promessa de vantagem indevida a
funcionrio pblico (prometer).
Assim que, se o agente pblico solicita vantagem
indevida em razo da funo que exerce, j se configura
crime de corrupo passiva, a despeito da eventual resposta
que vier a ser dada pelo destinatrio da solicitao. Pode
-
Ao Penal 470 Plenrio
58
haver ou no anuncia do terceiro. Qualquer que seja o
desfecho, o ilcito de corrupo passiva j se consumou
com a mera solicitao de vantagem. De igual modo, se o
agente pblico recebe oferta de vantagem indevida
vinculada aos seus misteres funcionais, tem-se
caracterizado de imediato o crime de corrupo ativa por
parte do ofertante. O agente pblico no precisa aceitar a
proposta para que o crime se concretize. Trata-se, portanto,
de ilcitos penais independentes e autnomos.
Essa constatao implica, ainda, outra.
Note-se que em ambos os casos mencionados no
existe, para alm da solicitao ou oferta de vantagem
indevida, nenhum ato especfico e ulterior por qualquer
dos sujeitos envolvidos. A ordem jurdica considera
bastantes em si, para fins de censura criminal, tanto a
simples solicitao de vantagem indevida quanto o seu
mero oferecimento a agente pblico. que tais
comportamentos j revelam, per se, o ntido propsito de
traficar a coisa pblica, cujo desvalor intrnseco, justificando
a apenao do seu responsvel.
-
Ao Penal 470 Plenrio
59
Um exemplo prosaico auxilia a compreenso do tema.
Um policial que, para deixar de multar um motorista
infrator da legislao de trnsito, solicita-lhe dinheiro,
incorre, de plano, no crime de corrupo passiva. O agente
pblico sequer necessita deixar de aplicar a sano
administrativa para que o crime de corrupo se consume.
Basta que solicite vantagem em razo da funo que exerce.
De igual sorte, se o motorista infrator quem toma a
iniciativa e oferece dinheiro ao policial, aquele comete
crime de corrupo ativa. O agente pblico no precisa
aceitar a vantagem e deixar de aplicar a multa para, s
aps, o crime de corrupo ativa se configurar. Ele se
materializa desde o momento em que houve a oferta de
vantagem indevida para determin-lo a praticar, omitir ou
retardar ato de ofcio.
Isso serve para demonstrar que o crime de corrupo
(passiva ou ativa) independe da efetiva prtica de ato de ofcio.
A lei penal brasileira, tal como literalmente articulada, no
exige tal elemento para fins de caracterizao da corrupo.
Em verdade, a efetiva prtica de ato de ofcio configura
circunstncia acidental na materializao do referido ilcito,
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Ao Penal 470 Plenrio
60
podendo at mesmo contribuir para sua apurao, mas
irrelevante para sua configurao.
Um exame cuidadoso da legislao criminal brasileira
revela que o ato de ofcio representa, no tipo penal da
corrupo, apenas o mvel daquele que oferece a peita, a
finalidade que o anima. Em outros termos, a prtica possvel
e eventual de ato de ofcio que explica a solicitao de
vantagem indevida (por parte do agente estatal) ou o seu
oferecimento (por parte de terceiro).
E mais: no necessrio que o ato de ofcio pretendido
seja, desde logo, certo, preciso e determinado. O
comportamento reprimido pela norma penal a pretenso
de influncia indevida no exerccio das funes pblicas,
traduzida no direcionamento do seu desempenho,
comprometendo a iseno e imparcialidade que devem
presidir o regime republicano.
No por outro motivo a legislao, ao construir
linguisticamente os aludidos tipos de injusto, valeu-se da
expresso em razo dela, no art. 317 do Cdigo Penal, e
da preposio para no art. 330 do Cdigo Penal. Trata-se
-
Ao Penal 470 Plenrio
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de construes lingusticas com campo semntico bem
delimitado, ligado s noes de explicao, causa ou
finalidade, de modo a revelar que o ato de ofcio, enquanto
manifestao de potestade estatal, existe na corrupo em
estado potencial, i.e., como razo bastante para justificar a
vantagem indevida, mas sendo dispensvel para a
consumao do crime.
Voltando ao exemplo j mencionado, pode-se dizer
que a titularidade de funo pblica pelo policial que
explica a solicitao abusiva por ele realizada ao motorista
infrator. No fosse o seu poder de aplicar multa (ato de
ofcio), dificilmente sua solicitao seria recebida com
alguma seriedade pelo destinatrio. Da mesma forma, a
simples possibilidade de deixar de sofrer a multa (ato de
ofcio) que explica por que o motorista infrator se dirigiu ao
policial e no a qualquer outro sujeito. Em ambos os casos,
o ato de ofcio funciona como elemento atrativo ou
justificador da vantagem indevida, mas jamais pressuposto
para a configurao da conduta tpica de corrupo.
No se pode perder de mira que a corrupo passiva
modalidade de crime formal, assim compreendidos
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Ao Penal 470 Plenrio
62
aqueles delitos que prescindem de resultado naturalstico
para sua consumao, ainda que possam, eventualmente,
provocar modificao no mundo exterior, como mero
exaurimento da conduta criminosa. O ato de ofcio, no
crime de corrupo passiva, mero exaurimento do ilcito,
cuja materializao exsurge perfeita e acaba com a simples
conduta descrita no tipo de injusto.
Em sntese: o crime de corrupo passiva configura-se
com a simples solicitao ou o mero recebimento de
vantagem indevida (ou de sua promessa), por agente
pblico, em razo das suas funes, ou seja, pela simples
possibilidade de que o recebimento da propina venha a
influir na prtica de ato de ofcio. J o crime de corrupo
ativa caracteriza-se com o simples oferecimento de
vantagem indevida (ou de sua promessa) a agente pblico
com o intuito de que este pratique, omita ou retarde ato de
ofcio que deva realizar. Em nenhum caso a materializao
do ato de ofcio integra a estrutura do tipo de injusto.
Antes que se passe anlise das particularidades do
caso sub examine, mister enfrentar uma construo muitas
vezes brandida da tribuna que, no fosse analisada com
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Ao Penal 470 Plenrio
63
cautela, poderia confundir o cidado e embaraar a correta
compreenso do ordenamento jurdico brasileiro. Trata-se
do argumento improcedente, j adianto de que, fosse o
ato de ofcio dispensvel no crime de corrupo passiva, os
Ministros do Supremo Tribunal Federal seriam todos
criminosos por receberem com alguma frequncia livros e
peridicos de editoras e autores do meio jurdico. Noutras
palavras, a configurao do crime de corrupo passiva, tal
como articulado por alguns advogados, dependeria da
demonstrao da ocorrncia de um certo e determinado ato
de ofcio pelo titular do munus pblico.
A estrutura do raciocnio tpica dos argumentos ad
absurdum, amplamente conhecidos e estudados pela lgica
formal. Assume-se como verdadeira determinada premissa
e dela se extraem consequncias absurdas ou ridculas, o
que sugere que a premissa inicial deva estar equivocada.
Ocorre que, in casu, a reductio ad absurdum no tem o
condo de infirmar a concluso quanto desnecessidade de
efetiva prtica de ato de ofcio para configurao do crime
de corrupo passiva.
-
Ao Penal 470 Plenrio
64
Com efeito, a dispensa da efetiva prtica de ato de
ofcio no significa que este seja irrelevante para a
configurao do crime de corrupo passiva. Consoante
consignado linhas atrs, o ato de ofcio representa, no tipo
penal da corrupo, o mvel do criminoso, a finalidade que o
anima. Da que, em verdade, o ato de ofcio no precisa se
concretizar na realidade sensorial para que o crime de
corrupo ocorra. necessrio, porm, que exista em
potncia, como futuro resultado prtico pretendido, em
comum, pelos sujeitos envolvidos (corruptor e corrupto). O
corruptor deseja influenciar, em seu prprio favor ou em
benefcio de outrem. O corrupto vende o ato em resposta
vantagem indevidamente recebida. Se o ato de ofcio
vendido foi praticado pouco importa. O crime de
corrupo consuma-se com o mero trfico da coisa pblica.
Nesse cenrio, indispensvel, para caracterizar a
corrupo passiva, que o agente pblico, ao receber a
vantagem indevida, saiba para que ele est recebendo (para
praticar certo e especfico ato de ofcio). Os Ministros desta
Casa recebem livros que nunca solicitaram e de que muitas
vezes nunca ouviram falar. Do recebimento do livro no se
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Ao Penal 470 Plenrio
65
pode esperar que haja qualquer comportamento ou
favorecimento. Pelo contrrio, possvel que o livro seja
utilizado justamente em sentido contrrio quele
pretendido, como forma de rebater as ideias nele lanadas,
apontando divergncia de entendimentos.
Da o engano da tese suscitada pela defesa. Os
Ministros do Supremo Tribunal Federal no cometem
qualquer crime simplesmente porque no mercanciam sua
funo pblica em troca de livros e peridicos jurdicos. De
fato, tais bens no tem o condo de influenciar o exerccio
da prestao jurisdicional em qualquer sentido. Em outras
palavras, falta, na comparao esdrxula sugerida da
tribuna, um ajuste mnimo de vontade entre o agente
pblico e a editora/autor do livro no sentido de influenciar,
de alguma maneira, o exerccio da funo pblica.
Ressalte-se, ademais, que totalmente despropositada
a comparao entre vultosos valores em pecnia e alguns
poucos exemplares de livros. Se os rus da presente ao
penal tivessem recebido livros e peridicos jurdicos talvez
no estivessem figurando no polo passivo deste feito. A
prxis demonstra que o dinheiro e no os livros que
-
Ao Penal 470 Plenrio
66
so usados para comprar agentes pblicos, subvertendo
os valores republicanos da nao brasileira.
Por fim, no se pode deixar de conceder que, embora
contra-intuitivo, o crime de corrupo passiva pode, sim, se
configurar a partir da entrega de livros ao agente pblico,
desde que demonstrado, por indcios robustos, que a
concesso do material foi motivada pela obteno de algum
favorecimento no exerccio da funo pblica.
PECULATO
A tutela jurdica da moralidade e da probidade
administrativas tambm se reflete na legislao
infraconstitucional pela tipificao do peculato como ilcito
criminal. Consoante o magistrio de Damsio de Jesus, a
aludida figura tpica consubstancia modalidade especial de
apropriao indbita cometida por funcionrio pblico ratione
officii. o delito do sujeito que arbitrariamente faz sua ou desvia,
em proveito prprio ou de terceiro, a coisa mvel que possui
em razo do cargo, seja ela pertencente ao Estado ou a particular,
ou esteja sob sua guarda ou vigilncia. (JESUS, Damsio E.
de., Direito Penal, v.4. Parte especial: Dos crimes contra a
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Ao Penal 470 Plenrio
67
administrao pblica, 9. ed. So Paulo: Saraiva, 1999, p. 119-
122).
O bem jurdico protegido pela norma incriminadora
a confiana pblica no escorreito e impessoal desempenho
das funes estatais, justificando a apenao daqueles que,
subvertendo essas finalidades, desviem ou apropriem-se de
dinheiro, valor ou qualquer bem cuja posse lhes tenha sido
atribuda em razo do exerccio de munus pblico. Nesse
sentido, sendo o crime de peculato um crime contra a
Administrao Pblica e no contra o patrimnio, o dano
necessrio e suficiente para a sua consumao o inerente
violao do dever de fidelidade para a mesma administrao,
associado ou no ao patrimonial (MIRABETE, Jlio Fabbrini,
Cdigo penal interpretado, 6. ed. - So Paulo: Atlas, 2007, p.
2372).
O caput do artigo 312 do Cdigo Penal brasileiro
criminaliza a conduta caracterizadora do peculato prprio,
que pode assumir duas distintas modalidades, quais sejam,
peculato-apropriao (1 parte do dispositivo) e o peculato-
desvio (2 parte do dispositivo).
-
Ao Penal 470 Plenrio
68
O peculato-apropriao configura-se quando o
funcionrio pblico apropria-se de dinheiro, valor ou
qualquer outro bem mvel, pblico ou particular, de que
tem a posse em razo do cargo. O ncleo da conduta tpica
a apropriao indevida do bem possudo ratione officii.
Apropriao, por seu turno, significa assenhoramento, de
sorte que o agente pblico age como se o bem fosse seu,
retendo-o, consumindo-o ou dele dispondo.
O peculato-desvio, por seu turno, caracteriza-se
quando o agente estatal imprime coisa destinao
diversa da exigida ou esperada, em proveito prprio ou
de outrem. O proveito a que se refere a lei tanto pode ser
material como moral, auferindo o agente qualquer
vantagem ainda que no de natureza econmica. Note-se
que, nesta hiptese, o ncleo da conduta tpica o desvio
de finalidade no emprego da coisa, cuja destinao in
concreto passa a diferir daquela para a qual foi confiada, em
proveito do prprio agente do Estado ou de terceiro.
Em ambas as hipteses, relevante destacar que o
dinheiro, a coisa ou o bem apropriado ou desviado no
precisa ser pblico para que o crime de peculato se
-
Ao Penal 470 Plenrio
69
configure. Em verdade, o relato normativo de clareza
meridiana ao reportar-se a dinheiro, valor ou qualquer outro
bem mvel, pblico ou particular (sem grifos no original). O
que figura indispensvel que o objeto tenha sido confiado
ao agente pblico em razo da sua qualidade. Da por que a
caracterizao do delito independe da natureza do bem, se
pblica ou privada, bastando que se comprove que o agente
o possua em razo das suas funes.
nesse exato sentido a remansosa jurisprudncia
desta Corte, cujos acrdos, h pelo menos trs dcadas, j
registram a desnecessidade da natureza pblica do bem
para a configurao do crime de peculato:
EMENTA. Penal. Peculato. Dinheiro
apreendido e, em seguida, apropriado por
agentes policiais, no exerccio da funo.
Delito configurado, j que, para a
realizao do tipo do art. 312, caput, basta a
posse da coisa em razo do cargo, ainda que
a sua propriedade seja de particular. (HC n
56.430-SP, rel. Min. Dcio Miranda, Segunda
-
Ao Penal 470 Plenrio
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Turma, DJ de 07.11.1978, p. 8824 sem grifos
no original).
EMENTA. Peculato. Configurao.
Irrelevncia de serem particulares os bens
apropriados ou desviados, desnecessidade
de previa prestao de contas. Habeas
corpus denegado. (HC n 56.998, rel. Min.
Xavier de Albuquerque, Primeira Turma, DJ
de 08.06.1979, p. 115 sem grifos no
original).
As palavras pedaggicas do i. Min. Xavier de
Albuquerque merecem transcrio, in verbis:
No peculato, a leso patrimonial se
configura ainda quando a coisa apropriada,
ou desviada, pertena ao patrimnio
particular, como na hiptese destes autos.
o que diz o art. 312 caput quando se refere a
valor ou qualquer outro bem mvel, pblico
ou particular ... (Grifamos). O que importa
que a apropriao ou o desvio tenha por
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Ao Penal 470 Plenrio
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objeto bens possudos em razo do cargo.
E, no caso, isso igualmente se deu.
Outra concluso relevante para a presente causa a
de que o crime de peculato se configura ainda que o
desvio de finalidade ocorra de forma escamoteada ou
disfarada. o que se d quando o agente pblico emprega
dinheiro, bens ou valores sob sua posse com a justificativa
formal de satisfazer necessidade de interesse pblico, sendo
que, sob o ngulo material, acabam por satisfazer interesse
particular, prprio ou de terceiro.
Comprovado o desvio em proveito prprio,
configurado estar o crime de peculato. Da se concluir que
a forma pode, em um primeiro momento, camuflar a
realidade, mascarando o desvio da finalidade subjacente
ao emprego de dinheiro, bens ou valores cuja posse tenha
sido confiada a agentes estatais.
Alis, uma anlise mais detida da legislao penal
brasileira revela que dificilmente o peculato-desvio
caracteriza-se de plano, pelo emprego direto e imediato de
recursos sob custdia estatal em proveito particular,
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Ao Penal 470 Plenrio
72
prprio ou de terceiros. Caso isso ocorra, configura-se o
peculato-apropriao.
Em verdade, no peculato-desvio comumente nota-se
uma aparncia de regularidade, traduzida na pretensa
realizao do interesse pblico, seguida da sua efetiva e
concreta subverso, representada pelo desvio em proveito
particular, prprio ou de terceiro. Mister, portanto,
aprofundar a anlise e perquirir sobre a real e efetiva
utilidade proporcionada pelos recursos utilizados pelo
funcionrio pblico. S aps que se pode afirmar a
configurao ou no do crime de peculato, a entendido na
sua modalidade desvio.
Estabelecidas essas premissas tericas, procedo
anlise das imputaes feitas aos agentes.
-
Ao Penal 470 Plenrio
73
DAS IMPUTAES
III.1 CMARA DOS DEPUTADOS
JOO PAULO CUNHA (15 DENUNCIADO)
Da imputao de corrupo passiva (art. 317 c/c art. 327,
2, CP)
O acervo probatrio afiana a tese ministerial, no
sentido de que o 15 denunciado (Joo Paulo Cunha),
exercendo o cargo de Presidente da Cmara dos Deputados,
recebeu vantagem indevida na data de 4 de setembro de
2003, qual seja, o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),
como peita para beneficiar a empresa SMP&B Comunicao
em licitao pblica (concorrncia n 11/03 da Cmara dos
Deputados, contrato n 2003/204.0).
O recebimento da quantia, por intermdio de sua
esposa, foi confessado pelo prprio acusado, em seu
interrogatrio (fls. 14.335).
-
Ao Penal 470 Plenrio
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Em oportunidades anteriores, o 15 denunciado (Joo
Paulo Cunha) havia negado o recebimento de qualquer
quantia, alegando que sua esposa comparecera ao Banco
Rural para tratar de pendncias referentes a cobrana de
empresa de televiso por assinatura (informaes prestadas
ao Conselho de tica, fls. 10.697 do volume n 50).
Entretanto, aps a busca e apreenso de documentos que
evidenciaram o recebimento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil
reais) pela Sra. Mrcia Regina Milansio Cunha, passou o
15 denunciado (Joo Paulo Cunha) a sustentar que a verba
sacada fora enviada pelo 3 denunciado, com vistas ao
custeio de despesas da campanha da agremiao poltica a
que pertence prefeitura de Osasco/SP. A divergncia entre
as verses milita em favor da verso acusatria,
corroborada pelos demais elementos dos autos.
A fls. 325 do Apenso 07 consta o recibo assinado por
Mrcia Regina Milansio Cunha, referente ao saque de
cheque da empresa SMP&B.
A relao existente entre os rus envolvidos no
episdio foi explicitada pelo Ministro Relator e pelas provas
produzidas.
-
Ao Penal 470 Plenrio
75
A testemunha Virglio Guimares confirmou, a fls.
20.085 e segs., as suas declaraes de fls. 8.588 e segs.,
oportunidade em que relatou ter apresentado o 5
denunciado (Marcos Valrio) ao 15 denunciado (Joo Paulo
Cunha), bem como que o 5 denunciado (Marcos Valrio)
participou, em 2002, da programao visual da propaganda
da campanha do 15 denunciado (Joo Paulo Cunha)
Presidncia da Cmara dos Deputados. O 15 denunciado
(Joo Paulo Cunha), no seu interrogatrio de fls. 15.435,
noticiou a realizao de reunio em hotel de So Paulo, na
qual estiveram presentes, alm dele prprio, o 5
denunciado (Marcos Valrio), o 4 denunciado (Silvio
Pereira) e o Sr. Lus Costa Pinto. Disse tambm que, j como
Presidente da Cmara dos Deputados, participou de vrias
reunies com o 5 denunciado (Marcos Valrio).
A especial intimidade verificada entre o 5
denunciado (Marcos Valrio) e o 15 denunciado (Joo
Paulo Cunha) resultou notria do episdio em que o
primeiro presenteou o segundo com uma caneta mont blanc,
bem como da oportunidade em que custeou uma viagem de
sua secretria ao Rio de Janeiro, incluindo passagens areas
-
Ao Penal 470 Plenrio
76
e hospedagem. Os fatos foram confirmados pelo 5
denunciado (Marcos Valrio), em seu interrogatrio de fls.
16.363, pela secretria do 15 denunciado (Joo Paulo
Cunha) (fls. 6.009/6.010) e pelo prprio 15 denunciado
(Joo Paulo Cunha) no interrogatrio de fls. 14.337.
A conexo entre o recebimento da vantagem indevida
e a interferncia na funo pblica exercida pelo 15
denunciado (Joo Paulo Cunha) exsurge evidente.
Em primeiro lugar, constata-se que o montante foi
recebido ilicitamente na data de 4 de setembro de 2003,
enquanto que o edital da aludida concorrncia foi
publicado 12 (doze) dias depois, data peculiarmente
prxima. Alm disso, no dia 3 de setembro de 2003, vspera
do recebimento dos valores, houve uma reunio entre o 15
denunciado (Joo Paulo Cunha) e o 5 denunciado (Marcos
Valrio) na residncia oficial da Cmara dos Deputados,
conforme assumido pelo prprio 15 denunciado (Joo
Paulo Cunha), em seu interrogatrio de fls. 15.432. No
fosse o bastante, conforme argutamente apontado pelo
Ministro Relator, na data de 12 de setembro de 2003, trs
dias antes da assinatura do Edital de Concorrncia n
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Ao Penal 470 Plenrio
77
11/2003, a empresa Graffiti, do grupo econmico do 5
denunciado (Marcos Valrio), do 6 denunciado (Ramon
Hollerbach) e do 7 denunciado (Cristiano Paz), obteve um
emprstimo de R$ 9.975.400,00 (nove milhes, novecentos e
setenta e cinco mil e quatrocentos reais), posteriormente
repassado agremiao partidria a que pertence o 15
denunciado (Joo Paulo Cunha), em uma sucesso de
acontecimentos, minudentemente explicitados pelo Relator,
que no se pode atribuir ao mero acaso.
Documentos comprovaram, tambm, uma reunio
entre o 15 denunciado (Joo Paulo Cunha), o 5
denunciado (Marcos Valrio) e o 7 denunciado (Cristiano
Paz), na data de 16 de julho de 2003 (fls. 1.074). Essa reunio
precedeu em apenas alguns dias o ato da Presidncia da
Cmara dos Deputados, assinado pelo 15 denunciado (Joo
Paulo Cunha) em 08 de agosto do mesmo ano, que deu
incio ao procedimento licitatrio.
O 15 denunciado (Joo Paulo Cunha) confirmou em
seu interrogatrio (fls. 14.334) que, como Presidente da
Cmara dos Deputados, assinou o ato de nomeao da
Comisso Especial de licitao, responsvel pela
-
Ao Penal 470 Plenrio
78
contratao da SMP&B Comunicao. Desse modo, resta
afastado o argumento da defesa, no sentido de que o
acusado no teria poderes para interferir no certame
licitatrio.
Cumpre referir que o 6 denunciado (Ramon
Hollerbach) foi apresentado, na antessala do Gabinete do
15 denunciado (Joo Paulo Cunha), ao Diretor da
Secretaria de Comunicao da Cmara dos Deputados, Sr.
Mrcio Marques de Arajo, aproximadamente em abril de
2003, de acordo com as declaraes deste ltimo (fls.
40.810). Mrcio Marques de Arajo foi nomeado para o
cargo em fevereiro de 2003, justamente pelo 15 denunciado
(Joo Paulo Cunha), e posteriormente integrou a comisso
responsvel pelo contrato administrativo ora questionado.
Outro dado que descredita as alegaes defensivas
reside na circunstncia de que a empresa SMP&B j havia
participado de licitao anterior para contratao com a
Cmara dos Deputados, oportunidade em que obteve
apenas o ltimo lugar, tendo sido desclassificada por no
alcanar a nota mnima na avaliao tcnica (fls. 568 e segs.
do volume n 3 do apenso n 84).
-
Ao Penal 470 Plenrio
79
Conclui-se, assim, que o 15 denunciado (Joo Paulo
Cunha) recebeu vantagem indevida em razo das funes
exercidas na Presidncia da Cmara dos Deputados.
O 15 denunciado (Joo Paulo Cunha) deduziu, em
sua defesa, que o valor recebido foi destinado ao custeio de
pesquisas eleitorais em Osasco/SP. A afirmao no infirma
a configurao do delito. A uma, porque o praeceptum iuris
do art. 317 do Cdigo Penal contm o elemento subjetivo
especial do tipo para si ou para outrem, de modo que