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CURSO DE DIREITO
“CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS MUNICIPAIS”
ANA CAROLINA MINUTTI
R.A. 457442/1
TURMA 3109-A
FONE: (11) 3666-9418
E-MAIL: [email protected]
SÃO PAULO
2006
ANA CAROLINA MINUTTI
Monografia apresentada à Banca
Examinadora do Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas, como
exigência parcial para obtenção do título
de Bacharel em Direito, sob a orientação
do Prof. Dr. Paulo Adib Casseb.
SÃO PAULO
2006
2
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador: ____________________
Professor Argüidor: ______________________
Professor Argüidor: ______________________
3
DEDICATÓRIA
Aos meus queridos pais por terem me
dado esta oportunidade e me apoiado em
cada momento.
4
AGRADECIMENTOS
Minha homenagem e gratidão se
estendem ao meu Orientador Paulo Adib
Casseb, ao Professor Sérgio Nigro
Conceição, aos meus amigos Andreza,
Ana Regina, Alexandra, Camila, Karen,
Radha e Otávio, à minha chefe e também
amiga Anna Lúcia e ao meu irmão
Alessandro, pelo estímulo, compreensão
e, sobretudo, pelas críticas e preciosas
sugestões.
5
SINOPSE
Como se verificará a seguir, o presente trabalho não tem a pretensão de
esgotar o tema relativo ao Controle de Constitucionalidade das leis e atos
normativos municipais, mas tão-somente dar uma visão clara e objetiva sobre o
assunto, sem deixar, contudo, de abordar seus aspectos gerais, bem como os
requisitos específicos para que seja viável a prestação de tal controle jurisdicional,
facilitando, assim, seu exercício.
Contando que a singeleza deste trabalho seja suficiente para demonstrar
a importância deste instituto tão pouco discutido no direito brasileiro e com um
posicionamento doutrinário divergente, é que o exponho à Ilustre Banca
Examinadora.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL 10
2. SUPREMACIA CONSTITUCIONAL 13
3. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL 16
4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA BRASILEIRO ATUAL
19
5. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS
MUNICIPAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 22
5.1. Controle de constitucionalidade difuso 22
5.2. Controle de constitucionalidade concentrado 23
5.2.1. Tese das normas de repetição nas Constituições Estaduais diante
de leis ou atos normativos municipais 27
5.2.2. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF
_____ 30
5.2.3. Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADECON 34
6. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS
MUNICIPAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL 38
7. AMICUS CURIAE 39
8. JURISPRUDÊNCIA 42
CONCLUSÃO 46
BIBLIOGRAFIA 49
7
INTRODUÇÃO
Apesar da importância que tem sido dada ao Município Brasileiro, o
controle de constitucionalidade das leis e atos normativos municipais é um tema
pouco abordado pela doutrina, reconhecendo-se, então, a escassez bibliográfica
sobre o assunto. Ademais, a matéria em causa tem gerado muita discussão não só
entre os doutrinadores, mas igualmente no âmbito da jurisprudência, principalmente
no que diz respeito ao controle concentrado.
Sendo assim, na tentativa de analisar um assunto de grande relevância
para o atual sistema constitucional e amenizar a polêmica que tem sido criada em
torno dele, traçamos um panorama sobre o controle de constitucionalidade das
normas municipais frente à legislação brasileira no que tange aos seus aspectos
gerais, seu procedimento e, por fim, sua utilização na vida cotidiana dos profissionais
do Direito.
Inicialmente, estabelecemos uma análise da evolução histórica do instituto
em apreço no Brasil, até o advento da Constituição Federal de 1988, que trouxe a
combinação do controle de constitucionalidade difuso e concentrado.
Em seguida, reservamos um capítulo à supremacia constitucional e outro
à competência legislativa municipal, já que ambos os assuntos são de extrema
importância para entendimento do tema abordado neste trabalho.
Delimitamos, mais, os parâmetros do controle de constitucionalidade no
sistema brasileiro atual, examinando o conceito de inconstitucionalidade e suas
diversas manifestações, as formas de controle preventivo e repressivo e, finalmente,
o controle difuso e concentrado.
Adentrando ao tema central do presente estudo, começamos a analisar
os problemas pertinentes ao controle de constitucionalidade das leis e atos
normativos municipais em face da Constituição Federal, principalmente no que
concerne ao controle concentrado, oportunidade em que enfrentamos as diversas
posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes sobre o assunto.
Dedicamos, ainda, capítulo ao controle de constitucionalidade das leis e
atos normativos municipais em face das Constituições Estaduais, tema consagrado
8
pela Lei Fundamental de 1988, que autorizou expressamente o exercício do controle
concentrado pelos Tribunais de Justiça dos respectivos Estados.
No que diz respeito a figura do amicus curiae, destacamos os tópicos
mais importantes, analisando inclusive a posição dos Tribunais sobre a matéria.
Ao término do trabalho, apontamos jurisprudências, objetivando dar uma
visão geral dos entendimentos firmados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo.
Assim, a presente monografia tem por escopo, ainda que
superficialmente, esclarecer os principais pontos controvertidos existentes em torno
do controle de constitucionalidade das leis municipais, vez que este tem sido de
notória relevância para o nosso ordenamento jurídico.
9
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL
Na época do Império, a Constituição brasileira de 1824 não previa o
controle de constitucionalidade das leis, reservando ao Poder Legislativo o dever de
guardar a Lei Fundamental. Além disso, a existência de um Poder Moderador
também impedia um controle de constitucionalidade judicial, já que cabia ao
Imperador a solução dos conflitos entre os Poderes.
O controle de constitucionalidade, foi previsto pela primeira vez na
Constituição Republicana de 1891. Esta disciplinava apenas o controle difuso
(também chamado de via de exceção), apontando também a incompetência da
justiça estadual para decidir sobre a constitucionalidade das leis federais. Isso foi
alterado por Emenda Constitucional em 1926, ampliada a competência dos nossos
tribunais estaduais em relação às leis federais.
Com a edição da Lei 221, de 20.11.1894, o sistema de controle de
constitucionalidade ganhou força, instituindo a supremacia do Poder Judiciário para
tratar do assunto.
A Constituição de 1934 manteve o controle de constitucionalidade difuso,
porém, inovou quando determinou ao Senado Federal que caberia suspender a
execução de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, declarados
inconstitucionais pelo Poder Judiciário, por meio de resoluções. Com isso, os efeitos
das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal deixaram de ser apenas
inter partes, adquirindo também eficácia erga omnes, comprovando que a Lei
Fundamental caminhava rumo à admissão do controle direto de constitucionalidade.
Outras inovações importantes trazidas pela Lei Superior de 1934 foram: a
criação da “representação interventiva”, colocada sob a guarda do Procurador-Geral
da República e a exigência de um quorum de maioria absoluta dos membros dos
tribunais para declarar a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo.
A Carta de 1937, também conhecida como “polaca”, inibiu a atuação de
um controle de constitucionalidade judicial quando previu que a declaração de
inconstitucionalidade emanada do Poder Judiciário poderia perder seu efeito por
10
decisão do Parlamento, por iniciativa do Presidente da República, consolidando,
assim, o autoritarismo.
Em decorrência da redemocratização do país, a Constituição de 1946
restaurou o controle difuso de constitucionalidade judicial das leis, mantendo as
inovações trazidas pela Constituição de 1934.
Com a Emenda Constitucional nº 16, de 26.11.1965, a competência do
STF foi ampliada, já que o Excelso Pretório poderia, na nova redação dada à alínea
“k”, do artigo 101, inciso I, da Constituição Federal de 1946, processar e julgar “a
representação de inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal
ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República”. Esta Emenda
Constitucional instituiu, pela primeira vez, o controle concentrado de
constitucionalidade no Brasil (também conhecido como controle de
constitucionalidade pela via direta da ação).
A Emenda Constitucional nº 16 atribuiu, ainda, a competência aos
Tribunais de Justiça dos Estados para processar e julgar as declarações de
inconstitucionalidade de lei ou ato municipal em conflito com as Constituições
Estaduais.
A Constituição de 1967 juntamente com a Emenda Constitucional nº 1, de
1969, continuaram tratando do controle difuso e do controle concentrado de
constitucionalidade. Porém, a Carta de 1967 extinguiu a autorização dada aos
Tribunais de Justiça para controlar constitucionalmente as leis e atos normativos
municipais em face das Constituições dos respectivos Estados, como previa a
Emenda nº 16.
Finalmente, a nossa Lei Fundamental atual manteve o sistema misto de
controle de constitucionalidade, ou seja, abrangeu tanto o controle difuso quanto o
controle abstrato de constitucionalidade.
Como destaca Zeno Veloso, a Constituição Federal de 1988 trouxe
importantes inovações em relação ao controle de constitucionalidade brasileiro:
“Ampliou o número dos legitimados ativos para ingressar com a ação
direta de inconstitucionalidade (art. 103), extinguindo o monopólio do
Procurador-Geral da República; introduziu a ação direta de
11
inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º), o mandado de injunção
(art. 102, I, q) e a argüição de descumprimento de preceito fundamental
decorrente da Constituição (art. 102, § 1º, antigo parágrafo único); previu
a instituição, nos Estados-membros, de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais
em face da Constituição Estadual (art. 125). A Emenda Constitucional 3,
de 1993, dando nova redação ao art. 102, I, a, introduziu a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.” 1
A nossa Lei Superior também inovou quando determinou que, nas ações
diretas de inconstitucionalidade, a defesa do texto impugnado deveria ser feita pelo
Advogado-Geral da União (artigo 103, § 3º).
1 Zeno Veloso. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Del Rey, 2003, p. 34 e 35.
12
2. SUPREMACIA CONSTITUCIONAL
A Lei Fundamental de um Estado é dotada de supremacia em relação às
demais leis e atos normativos que fazem parte do ordenamento jurídico, tratando de
assuntos relacionados à formação dos Poderes Públicos, forma de governo,
distribuição de competência, além dos direitos e garantias fundamentais do
indivíduo.
O princípio da supremacia constitucional decorre do fato de termos uma
Lei Fundamental rígida, ou seja, com procedimento de alteração mais difícil e solene
daqueles referentes às leis ordinárias e complementares.
Hans Kelsen se utiliza de uma figura geométrica para explicar a
supremacia da Constituição. Diz que a Lei Fundamental estaria situada no topo de
uma pirâmide, sendo, assim, o fundamento de validade de todas as demais normas.
É possível verificar, então, a existência de uma hierarquia normativa. 2
Luiz Flávio Gomes acentua que “a lei nem sempre significa a definitiva
palavra em termos de regramento da sociedade. É a Constituição a fonte primeira de
todo Direito. E sempre que a vontade do legislador derivado (ordinário) conflita com
a do constituinte (originário), há de prevalecer esta última, que ocupa posição
destacada conforme a doutrina da pirâmide jurídica de Kelsen.” 3
Nesse sentido, afirma ainda, Regina Nery Ferrari que “um preceito
normativo para ter validade dentro do sistema, precisa ser produzido em
concordância com a norma superior, que representa seu fundamento de validade, de
modo que a norma inferior não pode contrariar a superior, sob pena de não ter
validade face a tal ordem normativa”. 4
Portanto, os conflitos gerados entre a supremacia constitucional e as
demais leis e atos normativos do ordenamento jurídico podem ser resolvidos por
meio do controle de constitucionalidade.
2 Hans Kelsen. Teoria pura do direito. 3. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1974, p. 269. 3 Luiz Flávio Gomes. A dimensão da magistratura no estado constitucional democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 131. 4 Regina Maria Macedo Nery Ferrari. Controle da Constitucionalidade das Leis Municipais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 18.
13
O controle de constitucionalidade é definido por Zeno Veloso como sendo
“o principal mecanismo, o meio de reação mais eficiente, nos países de Constituição
rígida, para garantir a unidade intra-sistemática, eliminado os fatores de
desagregação e ruptura, que são as leis e atos normativos que se opõem ao Texto
Fundamental, conflitando com os seus princípios e comandos.” 5
Pode-se perceber, então, que este instituto contribui para a defesa da
nossa Constituição, visando proteger sua supremacia perante as demais normas.
Deve-se analisar, mais, o problema da hierarquia da Constituição
Estadual diante da lei municipal, já que a Constituição Federal assegura aos
Municípios uma esfera de competência legislativa exclusiva.
Todavia, ao mesmo tempo que a Lei Fundamental Brasileira confere
autonomia aos Municípios, impõe, também, a obediência destes aos preceitos
contidos nela e nas Constituições Estaduais, como podemos verificar no artigo 29:
“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos,
com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos
membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os
princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do
respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)” (grifo nosso)
De acordo com Fernando Luiz Ximenes Rocha, a relação de hierarquia
existente entre a Constituição Estadual e a lei municipal não é tão evidente assim, já
que “no respeitante às matérias de competência exclusiva do Município conferidas
pela Constituição Federal, não há que se falar em hierarquia da lei estadual em face
da lei municipal, visto que cada uma dessas pessoas componentes da Federação
brasileira tem seu campo de autonomia próprio”. Acrescenta, ainda, que “tratando-se
de matéria que diga respeito a interesse local, a atuação legislativa municipal se
sobrepõe à ação das demais entidades políticas. Eis por que qualquer invasão
5 Zeno Veloso op. cit. p. 18.
14
nessa seara, parta da União ou do Estado-membro, é ilegítima, sendo, de
conseqüência, inconstitucional a norma daí advinda”. 6
Entretanto, não se pode negar a existência da supremacia da
Constituição Estadual, desde que esta não limite a autonomia municipal, interferindo
na sua competência exclusiva.
Portanto, observa-se que as leis municipais devem obediência aos
princípios contidos na Constituição do Estado-membro, como podemos verificar no
artigo 29, caput, já retromencionado e no artigo 35, inciso IV, da Constituição
Federal:
“Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos
Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
(...)
IV – o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar
a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para
prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.”
6 Fernando Luiz Ximenes Rocha. Controle de Constitucionalidade das Leis Municipais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.99.
15
3. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL
O sistema federativo brasileiro possui características próprias em relação
às outras Federações existentes, principalmente no que diz respeito à sua formação.
O fato de o Brasil ser um Estado Federal faz com que desapareça a
concentração de poderes nas mãos de uma única pessoa jurídica de direito público.
Porém, esta divisão de poderes é complexa e precisa ser tratada de maneira
cautelosa pela Carta Magna, visando, assim, a garantia de uma convivência pacífica
e equilibrada entre as unidades federativas.
A atual Constituição Federal Brasileira acolhe, no seu artigo 1º, o
federalismo como forma de Estado, determinando também as ordens de sua
competência, ex vi:
“Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direitos e tem como fundamentos:
(...)”
Como conseqüência do federalismo, a Lei Fundamental atual estabelece
uma repartição de competências entre os entes políticos que compõem o Estado
brasileiro.
De acordo com Fernando Luiz Ximenes, “a distribuição de competência
feita nas Constituições brasileiras, desde a de 1891 até a atual, partiu da idéia de
centralização para descentralização, e de que, em princípio, os Estados tinham a
totalidade das competências atribuíveis ao Poder Público, só perdendo aquelas que
foram conferidas expressamente à União ou aos Municípios”. 7
O § 1º do artigo 25 da Constituição Federal recepciona expressamente a
competência remanescente dos Estados quando diz que “são reservados aos
Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”.
Sendo assim, é importante notar que a Lei Fundamental de 1988
“enumera no art. 21 as competências expressas da União, deixando as
7 Idem. p. 93
16
remanescentes para o Estado-membro no art. 25, § 1º, determinando, ainda, que o
que for de interesse local é da competência do Município, conforme o art. 30, I, e
que ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos
Estados e aos Municípios”. 8
No Brasil, a autonomia municipal é contemplada pela Carta Magna e não
por legislação infraconstitucional, como ocorre nos demais países. Então, como é
possível verificar, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 1º, reconheceu
definitivamente ao Município a condição de ente político integrante da República
Federativa do Brasil. Esta inovação alterou a tradição do federalismo dual,
constituindo o Município um ente federado de terceiro grau, conforme repete e
ratifica o artigo 18 da respectiva Carta: 9
“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
(...)” (grifo nosso)
Com o novo modelo federativo estabelecido pelo artigo 18 da Constituição
Federal, o Município, além de manter sua autonomia política, administrativa e
financeira, adquiriu também capacidade de auto-organização que lhe foi conferida
pelo artigo 29 da mesma Lei.
O artigo 29 da Constituição Federal estabelece que os Municípios serão
regidos por Lei Orgânica elaborada pelas Câmaras Municipais. Podemos dizer que
essa lei pode ser considerada até mesmo uma espécie de Constituição Municipal,
porém, devendo observar os limites estabelecidos pela Constituição Federal e pela
Constituição Estadual.
Contudo, há divergência doutrinária acerca do aludido assunto, haja vista
que parte da doutrina, como por exemplo, José Afonso da Silva e José Nilo de
Castro, entendem que não existe federação de Município, argumentando que “esses
não têm representação no Senado da República, não podem propor emendas à
8 Regina Maria Macedo Nery Ferrari. op. cit. p. 55. 9 No mesmo sentido, Zeno Veloso expõe que “diante da atual Constituição, nos termos, especialmente, de seus arts. 1º, 18, 29, 30 e 31, não se pode deixar de garantir que o Município é um ente federativo, uma coletividade político-administrativa integrante da Federação” (Cf. op. cit. p. 349).
17
Constituição, não possuem Poder Judiciário, (...), não há, no sistema brasileiro,
intervenção federal no ente municipal, porquanto a intervenção nos Municípios é
feita pelos Estados-membros, (...)”, e, finalmente, “de que sua criação, incorporação,
fusão e desmembramento far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado
por lei complementar federal”. 10 Neste sentido, acrescenta, ainda, Regina Nery
Ferrari, que a competência para a instituição de representação de
inconstitucionalidade de normas estaduais e municipais em face da Constituição
Estadual será dos Estados (artigo 125 da Lei Fundamental), o que confirmaria que
os Municípios são entidades criadas e sujeitas às normas dos seus Estados-
membros. 11
Ademais, faz-se necessário analisar o artigo 30 da atual Constituição
Federal, o qual estabelece a competência dos Municípios, ou seja, os assuntos que
podem ser abordados por uma lei municipal.
O inciso I do referido dispositivo traz uma competência genérica quando
afirma que cabe aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local. Isso
ocorre, pois a Lei Superior não define “interesse local”, ficando a critério da doutrina
e da jurisprudência interpretar e esclarecer essa expressão vaga e imprecisa. Assim,
tem-se entendido, de forma ampla, por interesse local aquele relacionado de forma
direta e imediata com o Município, não podendo ser exercido por outro ente político.
Além da competência discriminada no inciso I, o artigo 30 também
enuncia outras, dentre essas, a de suplementar a legislação federal e estadual no
que for necessário (inciso II); exercer sua autonomia financeira em relação aos seus
tributos e rendas (inciso III); criar e extinguir distritos, desde que observada a
legislação estadual (inciso IV); exercer sua autonomia administrativa (inciso V);
manter, com o auxílio da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e
de ensino fundamental (inciso VI); prestar, também com o auxílio da União e do
Estado, serviços de atendimento à saúde da população (inciso VII); adequação do
ordenamento territorial, no que couber (inciso VIII); proteção do patrimônio histórico-
cultural local, observada a legislação e fiscalização federal e estadual (inciso IX).
10 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op. cit. p. 96 e 97. 11 Regina Maria Macedo Nery Ferrari. op. cit. p. 63.
18
4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA BRASILEIRO ATUAL
Quando uma norma contraria a Lei Fundamental, surge a
inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade, de acordo com Oswaldo Luiz Palu, é a
“inadequação entre a ação ou omissão de agente ou órgão público frente aos
postulados da Constituição, passível de ser aferida por um órgão com competência
advinda da própria Constituição para dizer o que é e o que não é conforme a seus
princípios.” 12 Neste caso, não se pode falar em inconstitucionalidade e,
conseqüentemente, censura dos atos dos particulares em suas relações privadas ou
até em suas relações jurídico-públicas.
A inconstitucionalidade pode manifestar-se de várias maneiras:
• Inconstitucionalidade por ação – esta espécie de inconstitucionalidade
é a mais comum de todas. Consiste na edição de normas contrárias à Constituição
Federal, ou seja, é aquela em que o ato normativo infringe a Lei Superior (é uma
inconstitucionalidade positiva).
• Inconstitucionalidade por omissão – é aquela em que há uma omissão
legislativa relacionada a um ato exigido pela Constituição Federal, isto é, se
relaciona com a falta de regulamentação das normas constitucionais de eficácia
limitada (normas incompletas) em tempo oportuno. Esta espécie de
inconstitucionalidade pode ser denominada também de inconstitucionalidade
negativa.
• Inconstitucionalidade material – é a hipótese em que o texto da lei
contraria a Constituição, ou seja, a norma editada não está acordo com o conteúdo
da Carta Política.
• Inconstitucionalidade formal – está relacionada com a elaboração da
norma e, conseqüentemente, com o processo legislativo. A inconstitucionalidade
formal ocorre quando o ato normativo é editado por autoridade incompetente, ou
quando deixa de obedecer as regras de elaboração legislativa previstas pela Lei
Maior.
12 Oswaldo Luiz Palu. Controle de Constitucionalidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 72.
19
Observação: É importante ressaltar que uma lei pode ser formalmente
constitucional, mas conter uma inconstitucionalidade material. A recíproca também é
verdadeira. Pode existir, também, a inconstitucionalidade material e formal
simultaneamente, hipótese em que a lei terá os dois defeitos ao mesmo tempo. 13
• Inconstitucionalidade total – esta espécie de inconstitucionalidade
ocorre na hipótese em que todo o texto da norma contraria a Constituição, isto é, a
inconstitucionalidade atinge o ato normativo no todo.
• Inconstitucionalidade parcial – neste caso, apenas alguns dispositivos
da norma contrariam a Constituição, ou seja, a inconstitucionalidade atinge parte do
ato normativo (a parte que não foi atingida permanece válida).
Observação: Deve-se notar, nas duas espécies acima, o critério da
interdependência, pelo qual a inconstitucionalidade parcial transforma-se em
inconstitucionalidade total. Como exemplo, podemos citar o caso de uma norma que,
em decorrência da alegação de inconstitucionalidade parcial de seu texto, nulifique
todo o ato, já que o restante perde o significado. 14
O momento em que o controle de constitucionalidade é exercido chama-
se “Formas de Controle”, podendo ser: preventivo e repressivo. O controle
preventivo, também chamado de a priori, é exercido durante o processo de formação
da norma, antes de sua publicação, com o objetivo de evitar o nascimento de uma lei
inconstitucional. Esse controle é exercido pelos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário.
Alguns autores citam como exemplo de controle preventivo, “a
competência do Presidente da República Federativa do Brasil de vetar projetos de lei
por inconstitucionais. Porém, neste caso, o veto será apreciado pelo Congresso, que
poderá rejeita-lo por maioria qualificada, transferindo para o Legislativo a faculdade
de apreciar a constitucionalidade” 15 (artigo 66, §§ 1º e 4º, da Constituição Federal).
Já o controle repressivo, também denominado de a posteriori, é aquele
exercido após o surgimento da norma, quando esta passa a ser exigida, tendo por
13 Zeno Veloso. op. cit. p. 22. 14 Oswaldo Luiz Palu. op. cit. p. 75 e 76. 15 Regina Maria Macedo Nery Ferrari. op. cit. p. 27.
20
objetivo reprimir, invalidar a lei que contraria a Constituição. Esta forma de controle é
o modelo adotado pelo Brasil.
Os órgãos que exercem o controle repressivo de constitucionalidade são
definidos de acordo com o sistema adotado por cada país, podendo classificar-se
em controle jurisdicional ou controle político.
No Brasil, o controle de constitucionalidade repressivo é exercido pelo
Poder Judiciário (controle judicial). O controle judicial brasileiro, por sua vez, pode
ser concentrado ou difuso, já que a nossa Constituição combina os dois tipos.
Controle de constitucionalidade difuso (também denominado via de
defesa ou exceção) é aquele que abrange todos os orgãos do Poder Judiciário
(singular ou colegiado), ou seja, qualquer juiz tem competência para apreciar, em
qualquer ação, uma alegação, formulada por qualquer das partes, de que uma lei
contrariou a Constituição. Neste caso, a norma será declarada inválida apenas para
uma situação específica, envolvendo partes determinadas (efeito inter partes) e,
portanto, não desaparecerá.
Já no controle concentrado (também chamado de via de ação direta), a
inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo se dá perante um Tribunal, por
meio de uma ação denominada Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN, além
da Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADECON e da Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, tendo por objetivo a invalidação
da norma in abstrato. Neste caso, portanto, a decisão declarando a
inconstitucionalidade da lei ou ato terá efeito erga omnes, ou seja, perante todos e
não apenas entre as partes de um processo, como ocorre no controle difuso.
O controle de constitucionalidade concentrado é de competência do
Supremo Tribunal Federal, no âmbito federal e dos Tribunais de Justiça, no âmbito
estadual. Cabe aos Tribunais de Justiça dos Estados julgarem as ações que
envolvem leis municipais ou estaduais contrárias às Constituições Estaduais. 16
16 Vasco Della Giustina. AJURIS. Porto Alegre, V. 30, n. 92, p. 319-336, dez. 2003.
21
5. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS MUNICIPAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
5.1 Controle de constitucionalidade difuso
Controle de constitucionalidade difuso é aquele que pode ser apreciado
por qualquer órgão do Poder Judiciário, em qualquer ação, sendo possível qualquer
interessado suscitar a questão da inconstitucionalidade de uma lei em face da Lei
Fundamental. Neste caso, a norma será declarada inválida para uma situação
específica, fazendo coisa julgada apenas inter partes, produzindo efeitos, porém, em
relação a terceiros. 17
Sempre que uma norma inconstitucional for impugnada por intermédio do
método difuso (via de defesa ou exceção), a competência para apreciar as decisões
dos tribunais inferiores será do Supremo Tribunal Federal, em grau de recurso
extraordinário, ex vi do artigo 102, III, alínea c, da Constituição Federal:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em
única ou última instância, quando a decisão recorrida:
(...)
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta
Constituição. (...)” (grifo nosso)
O dispositivo constitucional acima mencionado demonstra que, em se
tratando de norma municipal contrária à Constituição Estadual, o Supremo Tribunal
Federal não terá, por meio de recurso extraordinário, competência para rever as 17 Sobre o controle difuso, ensina Michel Temer: “a) só é exercitável à vista de caso concreto, de litígio posto em Juízo; b) o juiz singular poderá declarar a inconstitucionalidade de ato normativo ao solucionar o litígio entre as partes; c) não é declaração de inconstitucionalidade de lei em tese, mas de exigência imposta para a solução do caso concreto; d) a declaração, portanto, não é o objetivo principal da lide, mas incidente, conseqüência” (Cf. Elementos de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 44).
22
decisões dos órgãos judiciais inferiores, cabendo esta função tão-somente ao
Tribunal de Justiça. A exceção refere-se aos casos em que o dispositivo questionado
reproduza norma prevista na Lei Fundamental, a qual deve ser obedecida pelos
Estados Federados. 18
A Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal confirma a presente questão
quando diz que “por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”.
5.2 Controle de constitucionalidade concentrado
Em relação ao controle de constitucionalidade concentrado (via de ação)
de norma municipal em face da Constituição Estadual, o artigo 125, § 2º, da
Constituição Federal determinou o seguinte:
“Cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais
em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação
para agir a um único órgão.”
Este dispositivo constitucional criou um sistema de controle de
constitucionalidade, no qual compete exclusivamente aos Tribunais de Justiça, por
via de ação direta, declararem a inconstitucionalidade, em tese, de norma municipal
em face das Constituições Estaduais.
Todavia, a Lei Fundamental foi omissa em relação à declaração de
inconstitucionalidade de norma municipal em face da Constituição Federal, por meio
de ação direta, já que o artigo 102, I, alínea a, determina que compete ao Supremo
Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, ou seja, como primeira e última
instância, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual.
Esta omissão da Lei Superior no que diz respeito ao controle de
constitucionalidade concentrado das normas municipais em face da Constituição
Federal tem acarretado diversas discussões doutrinárias e jurisprudenciais.
18 Sobre esse assunto, já se posicionou o STF, nos autos da Reclamação nº 383-3, cuja ementa será discutida posteriormente.
23
Alguns doutrinadores entendem que o silêncio do legislador constituinte
em relação ao assunto foi proposital, ou seja, ele realmente não teve a intenção de
incluir as normas municipais nesse tipo de controle. Nesse sentido, Zeno Veloso
afirma que o direito brasileiro não admite, em sede de controle concentrado, a ação
direta de inconstitucionalidade de normas municipais em razão da Constituição
Federal, devendo este conflito ser resolvido por meio do controle difuso (incidenter
tantum), por qualquer órgão do Poder Judiciário, podendo a matéria em questão
chegar ao Supremo Tribunal Federal, via recurso extraordinário. 19
Outros, como por exemplo Manoel Gonçalves Ferreira Filho20 e José
Afonso da Silva21, afirmam que foi uma falha do legislador constituinte, podendo ser
sanada pelos Estados-membros, os quais estão autorizados a estabelecer em suas
Constituições a competência dos Tribunais de Justiça para o julgamento de ações
diretas de inconstitucionalidade das normas municipais frente à Constituição
Federal.
No Supremo Tribunal Federal a discussão sobre o assunto é extensa.
Ainda sob a égide da Constituição Federal anterior, o tema começou a ser
enfrentado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 91. 740, do Rio Grande do
Sul, tendo como Relator o Ministro Xavier de Albuquerque, ficando registrado,
porém, o voto condutor do Ministro Moreira Alves, in verbis:
“o controle de constitucionalidade in abstrato (principalmente em países
em que, como o nosso, se admite, sem restrições, o incidenter tantum) é
de natureza excepcional, e só se permite nos casos expressamente
previstos pela Constituição, como consectário, aliás, do princípio da
harmonia e independência dos Poderes do Estado. Não há que se falar,
portanto, nesse terreno, de omissão da Constituição Federal que possa
ser preenchida – principalmente quando se trata, como no caso, de meio
de controle para a preservação da obediência dela – por norma supletiva
de Constituição Estadual. Se nem o Supremo Tribunal Federal pode julgar
19 Zeno Veloso. op. cit. p. 353 e 354. 20 Constitucionalidade do art. 51 da Constituição do Estado de São Paulo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. São Paulo, nº 16, jun. 1980. p. 399-400. 21 Ação direta de declaração de inconstitucionalidade de Lei Municipal. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo, nº 11, dez. 1977. p. 455.
24
da inconstitucionalidade, ou não, em tese, de lei ou ato normativo
municipal diante da Constituição Federal, como admitir-se que as
Constituições Estaduais, sob o pretexto de omissão daquela, dêem esse
poder, de natureza, como disse, eminentemente política, aos Tribunais de
Justiça locais, e, portanto, ao próprio Supremo Tribunal Federal, por via
indireta, em grau de recurso extraordinário?” 22
Com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 92.169, de São Paulo,
surgiram dois votos contrários ao posicionamento anterior, proferidos pelos Ministros
Cunha Peixoto e Rafael Mayer, no sentido de admitir que a Constituição Federal
teria uma lacuna de formulação e, por isso, a expressão lei estadual deveria
abranger, mesmo que implicitamente, as leis municipais. Sendo assim, o Supremo
Tribunal Federal teria competência para julgar ação direta de inconstitucionalidade
de leis ou atos normativos municipais em face da Lei Fundamental, preenchendo,
portanto, a lacuna constitucional apontada. 23
Todavia, os dois votos acima mencionados restaram vencidos,
prevalecendo na Suprema Corte a tese do Ministro Moreira Alves, que defendia a
inexistência de controle de constitucionalidade concentrado de normas municipais
em razão da Constituição Federal, afirmando naquela oportunidade:
“Não se deu competência ao Supremo para julgar representações dessa
natureza, por se entender, evidentemente, que as questões municipais,
em termos de volume, com relação a cada município, não compensaria
(sic), para a redução da carga de processos do Supremo Tribunal
Federal, o aumento de seu serviço com a possibilidade da argüição de
inconstitucionalidade de leis de quase cinco mil municípios; tais
inconstitucionalidades continuariam a ser declaradas ‘incidenter tantum’: e
também não se deu competência aos Tribunais de Justiça Estaduais pelo
simples fato de que não são eles guardiões da Constituição Federal, em
processo de natureza política como é o da representação não-
interventiva. Só podem declarar a inconstitucionalidade de qualquer lei
(municipal, estadual, ou federal), em face da Constituição Federal, no
22 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op. cit. p. 104 e 105. 23 Gilmar Ferreira Mendes. Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 154.
25
exercício estrito do poder jurisdicional, na medida em que é preciso
verificar a validade da lei a ser aplicada ao caso concreto (declaração de
inconstitucionalidade ‘incidenter tantum’).” 24
Sendo assim, fica evidente a intenção do legislador ao elaborar a
Constituição Federal de 1988. Mesmo com toda discussão existente em torno da
matéria, o legislador constituinte optou por repetir a omissão, deixando claro que o
conflito entre uma norma municipal e a Constituição Federal só pode ser resolvido
por meio do controle difuso, não podendo o legislador constituinte estadual
ultrapassar os limites estabelecidos pela Lei Maior (no caso, o artigo 125, § 2º, da
Constituição Federal).
Portanto, os Estados que adotaram, em suas Cartas Políticas Estaduais,
via de ação direta, o controle de constitucionalidade de normas municipais em razão
da Constituição Federal, como por exemplo Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande
do Sul, tiveram esses dispositivos suspensos por liminar deferida pela Suprema
Corte, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, com forte tendência a ser
confirmada. 25
No caso do Estado de São Paulo, o Supremo Tribunal Federal, na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 347, suspendeu a aplicação do artigo 74, inciso XI,
da Constituição paulista, que “deferia ao Tribunal de Justiça do Estado a
competência para processar e julgar originariamente a representação de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, contestado em face da
Constituição Federal”. 26
Dessa maneira, conclui-se ser inadmissível o controle abstrato de
constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição
Federal, já que em razão dos milhares de municípios que fazem parte do nosso país,
o Supremo Tribunal Federal não teria tempo para exercer sua verdadeira função,
qual seja, a de guardião da Constituição Federal.
24 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op. cit. p. 106. 25 Idem. p. 107. 26 André Ramos Tavares e Walter Claudius Rothenburg. Aspectos atuais do Controle de Constitucionalidade no Brasil: Recurso Extraordinário e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 70.
26
5.2.1. Tese das normas de repetição nas Constituições Estaduais diante de leis ou atos normativos municipais
No que pertine às hipóteses de confronto entre as normas municipais e os
dispositivos da Constituição Estadual que reproduzam preceitos da Constituição
Federal, faz-se necessário uma análise aprofundada, já que o tema tem gerado
diversas discussões doutrinárias e jurisprudenciais.
De acordo com Fernando Luiz Ximenes Rocha, “a repetição de normas da
Carta da República pelas Constituições Estaduais pode dar-se de forma
compulsória, no caso das chamadas normas de preordenamento ou de reprodução
obrigatória e, de forma facultativa, na hipótese das denominadas normas de
imitação, que são aquelas em que não existe a obrigatoriedade de observância
pelas Leis Fundamentais dos Estados-membros, sendo adotadas pelas Cartas
Estaduais por livre opção do constituinte decorrente.” 27
Clèmerson Merlin Clève, referindo-se a classificação acima mencionada
diz que “em princípio, apenas as primeiras podem ensejar, no caso de deficiente
interpretação, a interposição do recurso extraordinário. As segundas, configurando
normas constitucionais estritamente estaduais, servem de parâmetro definitivo e
único para a aferição da validade dos atos normativos e das leis estaduais”. 28
Sendo assim, se uma lei ou um ato normativo municipal contraria uma
norma de imitação (também denominada de norma de reprodução voluntária),
caberá ao Tribunal de Justiça do Estado resolver o conflito definitivamente, seja por
meio do controle difuso ou do controle concentrado, já que o Supremo Tribunal
Federal não tem competência para argüir acerca do controle de constitucionalidade
de norma municipal em face da Constituição Estadual.
Entretanto, se o caso for de contrariedade a uma norma de reprodução
obrigatória, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado, ainda que seja
por meio do controle abstrato, não terá caráter definitivo, pois cabe ao Supremo
Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em
27 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op. cit. p. 109. 28 Clèmerson Merlin Clève. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 404.
27
última instância que versem sobre o controle de constitucionalidade das leis
municipais em razão da Constituição Federal (esse posicionamento já foi assentado
por meio da Reclamação nº 383/SP, julgada em 10.06.1992).
O entendimento firmado pela Suprema Corte, por meio da Reclamação nº
383/SP, não foi unânime, já que os Ministros Sepúlveda Pertence, Francisco Rezek,
Carlos Velloso e José Celso de Mello proferiram votos divergentes, adotando, então,
o seguinte posicionamento:
“as normas constitucionais estaduais que reproduzem normas da
Constituição Federal obrigatórias em todos os níveis da federação (e cuja
eficácia existiria independentemente dessa reprodução), são apenas
aparentemente normas estaduais, pois, por não poderem inovar na ordem
jurídica, sequer são normas jurídicas”. 29
Os referidos Ministros mantiveram-se, portanto, na antiga posição que o
Supremo Tribunal Federal tinha sobre o assunto (antes da Reclamação nº 383/SP).
De acordo com Zeno Veloso, a Suprema Corte entendia “que o conflito hierárquico
entre a lei municipal e a norma da Constituição do Estado, que é mera cópia da
Constituição Federal, na verdade, representa desarmonia entre a lei municipal e a
Carta Magna, e nem o STF está autorizado a julgar a inconstitucionalidade em tese
da lei municipal em face da Constituição Federal (art. 102, I, “a”), não se podendo
admitir que, de forma indireta ou reflexa, o Tribunal de Justiça exerça tal
competência. Estaria tomando o lugar do Supremo Tribunal Federal de guardião
principal da Lei Fundamental”. 30 Por fim, os Ministros concluíram seus votos no
sentido de que a ação deveria ser julgada extinta sem julgamento do mérito, em
decorrência da impossibilidade jurídica do pedido, nos termos do já mencionado
artigo 102, I, “a” da Lei Fundamental.
No entanto, como dito anteriormente, a posição prevalecida na Suprema
Corte e, conseqüentemente, a que tem sido adotada, foi a do Relator Ministro
Moreira Alves, acompanhado dos Ministros Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Paulo
Brossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Sydney Sanches. O Excelso Pretório
decidiu que no caso de conflito entre lei municipal e normas da Constituição 29 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op. cit. p. 110. 30 Zeno Veloso. op. cit. p. 356.
28
Estadual reprodutoras de preceitos obrigatórios da Lei Fundamental, o Tribunal de
Justiça do respectivo Estado teria competência para decidir a matéria, por meio do
controle concentrado, nos termos do artigo 125, § 2º da Constituição Federal,
cabendo, mais, recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, consoante o
artigo 102, inciso III, alínea c da mesma Carta. É o que resumiu a ementa do
julgamento da referida Reclamação:
“Reclamação com fundamento na preservação da competência do
Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta
perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei Municipal sob a
alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que
reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância
obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos
constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros.
Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante
o Tribunal de Justiça local, com a possibilidade de recurso extraordinário
se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a
norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados,
contrariar o sentido e o alcance desta.” 31
É importante destacar, ainda, os argumentos presentes no voto vencedor
proferido pelo Ministro Moreira Alves:
“a) como, em nosso sistema de controle constitucional, a ação direta não
tem como causa petendi a inconstitucionalidade diante dos dispositivos
constitucionais invocados na inicial, mas em face de qualquer outro do
parâmetro adotado (Constituição Estadual ou Constituição Federal), não
se pode suprimir a competência dos Tribunais de Justiça, os quais não
ficam adstritos ao exame dos preceitos mencionados na vestibular,
podendo declarar a inconstitucionalidade do ato normativo atacado com
base em conflito com dispositivo da Carta Estadual não apontado na
preambular;
31 André Ramos Tavares e Walter Claudius Rothenburg. op. cit. p. 73.
29
b) aceitar a tese contrária seria admitir que em qualquer ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal ou estadual em face da Constituição
do Estado ensejaria um julgamento preliminar do Supremo Tribunal
Federal, via reclamação, para saber se a norma da Constituição do ente
federado afrontada seria de imitação ou de reprodução obrigatória;
c) igualmente, tal concepção implicaria reduzir a quase nada a regra do
art. 125, § 2º, que permite aos Estados-membros instituir a representação
de inconstitucionalidade de leis e atos normativos municipais e estaduais
em face da Constituição que adotarem, bem como a que autoriza a
intervenção nos Municípios pelos Estados quando o Tribunal de Justiça
der provimento à ação interventiva diante da violação dos chamados
princípios sensíveis indicados na Carta Estadual (art. 35, inciso IV, da
CF), que nada mais são do que a reprodução dos constantes da Lei Maior
Federal.” 32
No Recurso Extraordinário nº 161.390-4/AL, o Relator, Ministro Sepúlveda
Pertence, acompanhou o posicionamento do Plenário em relação à Reclamação nº
383/SP, admitindo a competência do Tribunal de Justiça do Estado-membro para
julgar ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição
Estadual, ainda que se trate de reprodução obrigatória de normas da Constituição da
República.
5.2.2. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF
Conforme já foi discutido, não existe controle concentrado de
constitucionalidade do direito municipal perante o Supremo Tribunal Federal. No
entanto, o § 1º do artigo 102, da Constituição Federal inseriu em nosso ordenamento
jurídico a ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental,
intensificando, assim, o controle abstrato:
“Art. 102. (...)
32 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op. cit. p. 111 e 112.
30
§ 1º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente
desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na
forma da lei.
(...)”
Contudo, a aplicação deste artigo só foi possível com a edição da Lei nº
9.882, de 3 de dezembro de 1999, regulamentadora do novo instrumento de controle
direto.
O artigo 1º e seu parágrafo único, desta lei, entende ser cabível a
argüição de descumprimento de preceito fundamental nas seguintes situações: 33
“Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal
será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar
ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder
Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de
preceito fundamental:
I – quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional
sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os
anteriores à Constituição.
II – (VETADO)”
Sendo assim, caberá a ação judicial em questão quando houver
desrespeito a preceito fundamental constante na Lei Superior, ao contrário do ocorre
com a ação direta de inconstitucionalidade que protege qualquer norma da
Constituição Federal.
Por preceito fundamental, entende Zeno Veloso que sua indicação não
pode ser feita pelo legislador ordinário, cabendo, portanto, tal atribuição ao
33 Sobre o assunto, ressalta Patrícia Teixeira de Rezende Flores: “É de se emprestar relevo ao fato de que o art. 1º da Lei nº 9.882/99 estabelece, na realidade, duas hipóteses de argüições. No caput, prevê a argüição autônoma, na qual o objeto é evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. No parágrafo único, inciso I, do mesmo dispositivo, há a previsão do incidente processual de inconstitucionalidade, isto é, a argüição incidental, que se vislumbra quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (Cf. Aspectos Processuais da Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei Municipal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 359 e 360).
31
constituinte originário ou ao Supremo Tribunal Federal. Sustenta, mais, o autor que
os preceitos fundamentais podem ser descobertos por parte do intérprete, nos
princípios fundamentais presentes nos artigos 1º a 4º da Constituição, bem como
nos direitos e garantias fundamentais do artigo 5º, nos princípios que regem a
Administração Pública (artigo 37) e nos princípios constitucionais sensíveis dispostos
no § 4º do artigo 60. 34
Observa-se, também que, diferentemente da ação direta de
inconstitucionalidade, a argüição de descumprimento de preceito fundamental
poderá discutir normas anteriores à Constituição Federal de 1988.
Cumpre notar, ainda, o caráter subsidiário da ação em causa, podendo,
assim, ser utilizada somente nos casos de não existência de outros meios
processuais eficazes, conforme demonstra a jurisprudência da Suprema Corte. 35
O inciso I do artigo 2º da Lei nº 9.882/99 trata da legitimação para propor
a argüição de descumprimento de preceito fundamental, especificando que é a
mesma pertencente à ação direta de inconstitucionalidade e à ação declaratória de
constitucionalidade, nos termos do artigo 103 da Lei Fundamental.
Com a ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental, a
Suprema Corte, mediante provocação dos legitimados, poderá suspender os
processos, por meio de liminar, e proferir decisões com efeito vinculante apenas
sobre a questão constitucional. Sendo assim, resolvida a questão da
constitucionalidade, o processo retomará seu curso normal, cabendo ao juízo, no
qual tramita a ação, proceder ao julgamento de mérito da lide, observando
obrigatoriamente o que ficou resolvido pelo Supremo Tribunal Federal sobre a
matéria constitucional questionada.
34 Zeno Veloso. op. cit. p. 327 e 328. Do mesmo modo, assegura André Ramos Tavares que “a tarefa de identificar, topicamente, todos os preceitos constitucionais fundamentais, dentro desse contexto geral, caberá precipuamente ao Supremo Tribunal Federal, na condição de órgão que dita a última palavra em questões constitucionais, por meio de sua percuciente análise e atenção à constante evolução valorativa” (Cf. Tratado da argüição de preceito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 114). 35 Nesse sentido, destaca Walter Claudius Rothenburg algumas argüições de descumprimento de preceito fundamental não conhecidas pelo STF por falta de subsidiariedade: ADPF 3-CE, ADPF 12-DF, ADPF 13-SP, ADPF 17-AP e ADPF 18-CE. Essas ações não foram conhecidas pela Suprema Corte, em decorrência da existência de outros meios processuais eficazes (Cf. André Ramos Tavares e Walter Claudius Rothenburg. op. cit. p. 253 a 257).
32
Entretanto, impende destacar que, com a edição da Lei nº 9.882/99, o
legislador ordinário abriu a possibilidade da existência de um controle concentrado
da lei municipal perante o Pretório Excelso, já que anteriormente o confronto das
normas municipais com a Constituição Federal só poderia ser realizado de forma
incidental, pela via difusa. 36
Existe uma notória divergência doutrinária acerca do parágrafo único do
artigo 1º da lei em causa. Para Zeno Veloso, este parágrafo trouxe uma solução
mais eficiente e rápida para o controle concentrado de constitucionalidade das leis
ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. 37
No entanto, Fernando Luiz Ximenes Rocha argumenta que “o legislador
ordinário andou mal quando equiparou ao descumprimento de preceito fundamental
a controvérsia constitucional relevante de lei ou ato normativo federal, estadual ou
municipal, incluindo os anteriores à Constituição, porquanto, em assim agindo,
alargou, por via do processo legislativo comum e não do especial de emenda à
Constituição, o raio de competência do Supremo Tribunal Federal, criando a
possibilidade de argüição, perante a mais Alta Corte de Justiça do País, de
inconstitucionalidade de leis e atos normativos, fora das hipóteses de fiscalização
abstrata elencadas na Carta da República”. 38
Ressalta, mais, o autor, “ser indisfarçável a inconstitucionalidade do
parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.882/99, uma vez que a hipótese legal ali criada
não constitui descumprimento de preceito fundamental pelo poder público, o que
contraria o disposto no artigo 102, § 1º, da Lei Maior, além de ampliar a competência
constitucional do Supremo Tribunal Federal, sem que haja sido processada qualquer
alteração, nesse sentido, no Estatuto Político”. Conclui, então, que o controle de
constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição
Federal continuará a ser exercido pelo método difuso. 39
36 Um exemplo disso, é o ajuizamento de argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF nº 68) pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, pleiteando a suspensão de lei municipal de Bragança Paulista – SP. A Ministra Ellen Gracie é a Relatora do processo ainda pendente de julgamento. 37 Zeno Veloso. op. cit. p. 390 e 391. 38 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op.cit. p. 119. 39 Ibidem.
33
Em face do exposto, é importante lembrar que existe uma ação direta de
inconstitucionalidade (ADI nº 2231 – 8) em andamento perante a Suprema Corte,
proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, objetivando
questionar a Lei nº 9.882/99 em sua totalidade. Esta ação, ainda analisada
liminarmente, pende de julgamento em virtude de pedido de vista do Ministro
Sepúlveda Pertence:
“Depois do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, Relator, deferindo,
em parte, a medida liminar, com relação ao inciso I do parágrafo único do
artigo 1º da Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999, para excluir, de sua
aplicação, controvérsia constitucional concretamente já posta em juízo,
bem como deferindo, na totalidade, a liminar, para suspender o § 3º do
artigo 5º da mesma lei, sendo em ambos os casos o deferimento com
eficácia ex nunc e até final julgamento da ação direta, pediu vista o
Senhor Sepúlveda Pertence (...) – Plenário, 05.12.2001”. 40
5.2.3. Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADECON
A ação declaratória de constitucionalidade foi introduzida no nosso
ordenamento jurídico por meio da Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de
1993, alterando o artigo 102, inciso I, alínea “a”, que passou a ter a seguinte
redação:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual e ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal;
(...)” (grifo nosso)
40 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2231–8. Disponível em http: // www.stf.gov.br / processos / andamentos processuais.
34
Referida Emenda também acrescentou o § 2º ao artigo 102, sendo que o
mesmo teve sua redação alterada pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de
dezembro de 2004:
“Art. 102. (...)
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal.
(...)”
Adicionou, igualmente, o § 4º ao artigo 103 da Lei Fundamental, no qual
são indicadas as autoridades legitimadas a propor a ação em tela. No entanto, a
Emenda Constitucional nº 45/04 revogou este parágrafo, indicando como legitimados
os mesmos da ação direta de inconstitucionalidade, ex vi do caput e incisos do
mencionado artigo:
“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do
Distrito Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
(...)”
A introdução deste instrumento de controle concentrado de
constitucionalidade no nosso ordenamento jurídico tem gerado diversas discussões
35
doutrinárias e jurisprudenciais, vez que muitos apontam sua ineficácia e a
inconstitucionalidade da Emenda que o criou.
Fernando Luiz Ximenes Rocha descreve alguns dos vícios apontados por
aqueles que se insurgem contra a adoção da ação declaratória de
constitucionalidade: ausência de parte, já que não se identifica o pólo passivo na
citada ação; semelhante ação se apresenta com características mais graves do que
a avocatória, por comprometer diversos princípios garantidos pela Constituição
Federal, ofendendo, assim, direitos fundamentais (art. 60, § 4º, IV, da Lei Maior); e,
finalmente, a ação declaratória comprometeria o órgão de cúpula do judiciário com a
elaboração legislativa, ferindo o princípio previsto no art. 60, § 4º, III, da CF. 41
Todavia, existem aqueles que defendem a legitimidade da referida ação,
como por exemplo, Gilmar Ferreira Mendes, o qual entende ser a ação declaratória
de constitucionalidade nada mais do que a ação direta de inconstitucionalidade com
sinal trocado. Assim, os argumentos que contrariam a ação declaratória também
ofenderiam a ação direta de inconstitucionalidade, tornando-a igualmente inócua, o
que não poderia ocorrer. 42
Já o Supremo Tribunal Federal, depois de muita discussão, acabou por
reconhecer a legitimidade da ação declaratória, traçando-lhe os pressupostos para
proposição, dentre os quais “a comprovação da existência de controvérsia judicial
com relação à constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, pondo em risco
sua presunção de validade e vulnerando a segurança jurídica” 43, ou seja, essa ação
só poderá ser proposta se existirem ações individuais que discutam em juízo a
validade de uma lei ou ato normativo.
Portanto, caso seja exigido um mínimo de contraditório para o exercício
da ação declaratória de constitucionalidade, os vícios já mencionados tendem a ser
minimizados.
No que se refere ao âmbito municipal, objeto do presente estudo, faz-se
necessário verificar se existe ou não a possibilidade de os Estados-membros
41 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op.cit. p. 120 e 121. 42 Ação declaratória de constitucionalidade: a inovação da Emenda Constitucional nº 3, de 1993. In: Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Ação declaratória de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 56 e 57. 43 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op. cit. p. 122.
36
introduzirem, por meio de emenda, a ação declaratória de constitucionalidade em
suas Constituições.
De acordo com Regina Maria Macedo Nery Ferrari, a Constituição
Estadual não pode criar mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade
por meio da ação declaratória de constitucionalidade, de leis estaduais e municipais
frente à Constituição Federal. Todavia, isso seria perfeitamente possível nos casos
em que a ação declaratória de constitucionalidade de normas estaduais e municipais
tivesse como parâmetro a Constituição Estadual, desde que atendido o paradigma
federal, nos termos do artigo 125, § 2º, da Lei Superior: 44
“Art. 125. (...)
§ 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais
em face da Constituição Estadual vedada a atribuição da legitimação para
agir a um único órgão.
(...)”
José Afonso da Silva, ao contrário, entende não ser possível a existência
de ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e
municipais, por falta de previsão legal, já que o artigo 102, inciso I, alínea “a”, da
Constituição Federal prevê esse tipo de controle concentrado apenas para leis ou
atos normativos federais. 45
Ademais, mesmo que se admitisse a hipótese de que a ação declaratória
de constitucionalidade nada mais é do que uma ação direta de inconstitucionalidade
invertida, podendo ter, portanto, sua criação no âmbito estadual autorizada pelo
artigo 125, § 2º, da Lei Fundamental, sua prática não teria utilidade alguma, pois,
ainda que a norma municipal ou estadual fosse considerada válida perante a
Constituição Estadual, isso não impediria que tais normas continuassem a sofrer
impugnação, em face da Constituição Federal. 46
44 Regina Maria Macedo Nery Ferrari. op. cit. p. 153 e 154. 45 José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 61. 46 Fernando Luiz Ximenes Rocha. op. cit. p. 126.
37
6. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS MUNICIPAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
Quando uma lei ou um ato normativo municipal contraria a Constituição
Estadual, o conflito pode ser resolvido através do controle jurisdicional de
constitucionalidade difuso ou concentrado.
No controle de constitucionalidade difuso (incidenter tantum), não cabe
recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, já que o confronto entre
norma municipal e a Constituição Estadual, neste caso, só pode ser resolvido, em
última instância, pelo Tribunal de Justiça do Estado.
Quanto ao controle de constitucionalidade concentrado, o conflito entre
norma municipal e a Constituição Estadual será solucionado através de ação direta
de inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça do Estado, em única
instância, nos termos do artigo 125, § 2º da Lei Fundamental.
A Constituição do Estado de São Paulo, no seu artigo 90, traz o rol dos
legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
estadual ou municipal, perante o Tribunal de Justiça:
“Art. 90. (...)
I - o Governador do Estado e a Mesa da Assembléia Legislativa;
II - o Prefeito e a Mesa da Câmara Municipal;
III - o Procurador-Geral de Justiça;
IV - o Conselho da Seção Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil;
V - as entidades sindicais ou de classe, de atuação estadual ou municipal,
demonstrando seu interesse jurídico no caso;
VI - os partidos políticos com representação na Assembléia Legislativa,
ou, em se tratando de lei ou ato normativo municipal, na respectiva
Câmara.”
Pelo exposto, observa-se, então, que o controle de constitucionalidade de
lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Estadual é resolvido pelo
Tribunal de Justiça do Estado, seja em última (controle difuso) ou única (controle
concentrado) instância.
38
7. AMICUS CURIAE
Amicus curiae é uma expressão que vem do latim e significa “amigo da
corte”, ou seja, “diz respeito a uma pessoa, entidade ou órgão com profundo
interesse em uma questão jurídica levada à discussão junto ao Poder Judiciário.
Originalmente, o ‘amicus’ é amigo da corte e não das partes, uma vez que se insere
no processo como um terceiro, que não os litigantes iniciais, movido por um
interesse maior que o das partes envolvidas inicialmente no processo”. 47
Cumpre notar, mais, que “o objetivo do ‘amicus’ é trazer um leque de
informações adicionais prévias que possam auxiliar na discussão antes da decisão
final”. 48
No Brasil, a figura do amicus curiae foi consagrada no controle abstrato
de constitucionalidade pela Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe
sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação
declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
O caput do artigo 7º da Lei nº 9.868/99 veda expressamente a figura da
intervenção de terceiros na ação direta de inconstitucionalidade. Porém, o § 2º do
mesmo artigo, criou uma exceção à regra, permitindo, portanto, o amicus curiae,
desde que fiquem demonstradas a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes.
O § 2º, do artigo 7º da Lei 9.868/99 apesar de admitir a figura do amicus
curiae, não o torna obrigatório, deixando a critério exclusivo do Relator do processo
decidir se deve ou não haver a manifestação de um terceiro na lide, como podemos
verificar:
“Art. 7º (...)
§ 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível,
47 Esther Maria Brighenti dos Santos. “Amicus curiae”: um instrumento de aperfeiçoamento nos processos de controle de constitucionalidade. [Obtido em 08.02.06]. Disponível em http://www.jus2.uol.br/doutrina/texto.asp?=7739. 48 Ibidem.
39
admitir, observado o prazo final no parágrafo anterior, a manifestação de
outros órgãos ou entidades.” (grifo nosso)
O Supremo Tribunal Federal já se decidiu no sentido de admitir o amicus
curiae, conforme podemos verificar por meio da ADI nº 2130 – SC, de relatoria do
Ministro Celso de Mello:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INTERVENÇÃO
PROCESSUAL DO ‘AMICUS CURIAE’. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99
(ART. 7º, § 2º). SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA ADMISSÃO DO
‘AMICUS CURIAE’ NO SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO
ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE ADMISSÃO
DEFERIDO. – No estatuto que rege o sistema de controle normativo
abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro
processualizou a figura do ‘amicus curiae’ (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º),
permitindo que terceiros – desde que investidos de representatividade
adequada – possam ser admitidos na relação processual, para efeito de
manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia
constitucional. – A admissão de terceiro, na condição de ‘amicus curiae’,
no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como
fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto
Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado
democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de
constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob
uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de
participação formal de entidades e de instituições que efetivamente
representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os
valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.
Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 – que contém
a base normativa legitimadora da intervenção processual do ‘amicus
curiae’ – tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional.” 49
49 Luiz Carlos dos Santos Gonçalves e Walter de Almeida Guilherme. Controle de constitucionalidade. São Paulo: CPC, 2005, p. 137 e 138.
40
Relevante destacar, ainda, que a Lei nº 9.882/99, que regulamenta o
procedimento para a argüição de descumprimento de preceito fundamental, também
possibilita a participação do amicus curiae:
“Art. 6º (...)
§ 1º - Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos
processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais,
designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a
questão, ou, ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de
pessoas com experiência e autoridade na matéria.
(...)”
Entretanto, a grande questão que surge é se o instituto do amicus curiae
pode ser aplicado, por analogia, ao controle de constitucionalidade exercido pelos
Tribunais de Justiça Estaduais. Neste caso, observa-se, por meio da jurisprudência
existente, não haver nenhum tipo de impedimento para que esta intervenção ocorra,
embora não seja muito freqüente. 50
Um exemplo do que foi mencionado acima é a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 76.072-0/9, julgada pelo Órgão Especial do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, na qual, por votação unânime, se admitiu o
ingresso das associações, ora interessadas, na qualidade de amicus curiae. 51
Sendo assim, a admissão de terceiros na condição de amicus curiae “tem
por finalidade precípua pluralizar ou democratizar o processo de controle da
constitucionalidade” 52, já que o controle concentrado, ao contrário do que ocorre no
difuso, não está à disposição de qualquer cidadão, mas sim restrito aos legitimados
elencados no artigo 103 da Lei Fundamental. 50 No Rio Grande do Sul, podemos verificar a ocorrência no julgamento da ADIN nº 70007609407, onde o Movimento Negro Unificado requereu sua admissão no processo que questionava lei municipal e o Tribunal do Estado, por sua vez, com base na Lei nº 9.868/99, admitiu-o como amicus curiae, vez que esta figura é própria ao processo objetivo. Já no agravo regimental nº 2003 00 2 006845-6 interposto em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o pedido de participação de amicus curiae feito após última manifestação do Ministério Público foi negado, vez que este deve ser formulado no prazo do oferecimento das informações. 51 Nesse sentido, ainda, embargos de declaração nº 044.584-0/0-02 julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, contemplando igualmente o instituto do amicus curiae. 52 Ana Letícia Queiroga de Mattos. Amicus Curiae e a Democratização do Controle de Constitucionalidade. Revista Jurídica. São Paulo, nº 332, jun. 2005. p. 67.
41
8. JURISPRUDÊNCIA
“COMPETÊNCIA - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL CONTESTADA EM FACE DA CARTA DO ESTADO, NO QUE REPETE PRECEITO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O § 2º do
artigo 125 do Diploma Maior não contempla exceção. A competência para
julgar a ação direta de inconstitucionalidade é definida pela causa de
pedir lançada na inicial. Em relação ao conflito da norma atacada com a
Lei Máxima do Estado, impõe-se concluir pela competência do Tribunal de
Justiça, pouco importando que o preceito questionado mostre-se como
mera repetição de dispositivo, de adoção obrigatória, inserto na Carta da
República. Precedentes: Reclamação nº 383/SP e Agravo Regimental na
Reclamação nº 425, relatados pelos ministros Moreira Alves e Néri da
Silveira, com acórdãos publicados nos Diários de Justiça de 21 de maio
de 1993 e 22 de outubro de 1993, respectivamente. (...)
INCONSTITUCIONALIDADE DE ATO NORMATIVO - CONTROLES DIFUSO E CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE - COMUNICAÇÃO À CASA LEGISLATIVA - DISTINÇÃO. A comunicação
da pecha de inconstitucionalidade proclamada por Tribunal de Justiça
pressupõe decisão definitiva preclusa na via recursal e julgamento
considerado o controle de constitucionalidade difuso. Insubsistência
constitucional de norma sobre a obrigatoriedade da notícia, em se
tratando de controle concentrado de constitucionalidade.”
(STF, Recurso Extraordinário nº 199293/SP, Relator Ministro Marco
Aurélio, Tribunal Pleno, j. 19.05.2004, p. 06.08.2004)
“DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL, EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: CABIMENTO ADMITIDO PELA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, QUE ATRIBUI COMPETÊNCIA AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSÁ-LA E JULGÁ-LA. INADMISSIBILIDADE.
42
1. O ordenamento constitucional brasileiro admite Ações Diretas de
Inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais, em face da
Constituição Estadual, a serem processadas e julgadas, originariamente,
pelos Tribunais de Justiça dos Estados (artigo 125, parágrafo 2° da CF).
2. Não, porém, em face da Constituição Federal. 3. Aliás, nem mesmo o
Supremo Tribunal Federal tem competência para Ações dessa espécie,
pois o art. 102, I, "a", da CF só a prevê para Ações Diretas de
Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Não,
assim, municipal. 4. De sorte que o controle de constitucionalidade de leis
ou atos normativos municipais, diante da Constituição Federal, só se faz,
no Brasil, pelo sistema difuso, ou seja no julgamento de casos concretos,
com eficácia, "inter partes", não "erga omnes". 5. Precedentes. 6. Ação
Direta julgada procedente, pelo STF, para declarar a inconstitucionalidade
das expressões "e da Constituição da República" e "em face da
Constituição da República", constantes do art. 106, alínea "h", e do
parágrafo 1° do art. 118, todos da Constituição de Minas Gerais, por
conferirem ao respectivo Tribunal de Justiça competência para o processo
e julgamento de ADI de lei ou ato normativo municipal, em face da
Constituição Federal. 7. Plenário. Decisão unânime.”
(STF, ADI nº 508/MG, Relator Ministro Sydney Sanches, Tribunal Pleno, j.
12.02.2003, p. 23.05.2003)
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL. 3. RECURSO NÃO CONHECIDO.” (STF, Recurso Extraordinário nº 175087/SP, Relator Ministro Néri da
Silveira, 2ª Turma, j. 19.03.2002, p. 17.05.2002)
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA EXTINTA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOB O ARGUMENTO DE HAVER CORRESPONDÊNCIA ENTRE O PRINCÍPIO ESTABELECIDO
43
NA CARTA ESTADUAL E O CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONSEQÜÊNCIA: INVIABILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DA CONSTITUCIONALIDADE DO ATO NORMATIVO. 1. Compete ao Tribunal de Justiça estadual apreciar representação de
inconstitucionalidade de ato normativo municipal, não devendo ser
declarada extinta a argüição pelo fato de haver correspondência entre o
princípio estabelecido na Carta Estadual e o consagrado na Constituição
Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, determinando-se a
remessa dos autos à origem para que, quanto ao mérito, julgue a ação
como entender de direito.”
(STF, Recurso Extraordinário nº 176482/SP, Relator Ministro Maurício
Corrêa, 2ª Turma, j. 28.11.1997, p. 13.03.1998)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Municipal que
ofende normas Constitucionais Federais – Controle concentrado de
constitucionalidade que se limita à hipótese de reprodução na Carta
Estadual dos referidos princípios.”
(TJ, ADIN nº 40.770-0/SP, Relator Desembargador Cunha Bueno, Órgão
Especial, V.U. 20.05.1998)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Controle abstrato de
constitucionalidade de lei municipal, fundada em violação de preceitos da
Constituição Federal – Inadmissibilidade – Inteligência dos artigos 102, I,
“a” e 125, § 2º, da Lei Maior, e 74, VI e 133, IX, “o”, estes da Constituição
Estadual – Processo extinto, sem julgamento do mérito, nos termos do
artigo 267, VI, do Código de Processo Civil.”
(TJ, ADIN nº 36.332-0/SP, Relator Desembargador Franciulli Netto, Órgão
Especial, V.U. 10.09.1997)
“COMPETÊNCIA – Declaração de inconstitucionalidade de lei municipal –
Juízo de Primeiro Grau competente para julgamento – Método difuso de
controle da constitucionalidade – Atração da competência pela forma
incidental – Sistema concentrado – Preliminar rejeitada – Recurso não
44
provido. Nenhum poder é ilimitado e o da Municipalidade não poderia fugir
a essa regra, pelo que submetem-se as leis locais ao controle de
constitucionalidade, pelo método difuso que permite exame do vício,
incidenter tantum, em todos os níveis, como requisito de solução da lide e
pelo sistema concentrado, executado por um único órgão.”
(TJ, AC nº 228.133-1/SP, Relator Desembargador Ênio Zuliani, 3ª Câmara
Cível, V.U. 27.06.1995)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Confrontação
indireta de lei – Inocorrência – Texto da Constituição Estadual semelhante
ao da Constituição da República – Irrelevância – Competência do Tribunal
de Justiça para a apreciação do conflito – Inexistência, ademais, de
previsão legal para controle concentrado de constitucionalidade de lei
municipal – Inconstitucionalidade declarada. O § 2º do artigo 125 da
Constituição da República confere aos Tribunais Estaduais o controle
abstrato da constitucionalidade das leis municipais, contestados em face
de normas e princípios constitucionais estaduais, sejam estes ou não
reprodução do texto constitucional federal.”
(TJ, ADIN nº 19.156-0/SP, Relator Desembargador Cunha Camargo,
Órgão Especial, V.U. 09.11.1994)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Municipal –
Descumprimento de preceito inserido em Lei Orgânica do Município –
Fato que não resulta na proclamação de inconstitucionalidade por esta via
especial – Controle da constitucionalidade que é feito em face de norma
constitucional – Ação procedente.”
(TJ, ADIN nº 13.882-0/SP, Relator Desembargador Márcio Bonilha, Órgão
Especial, V.U. 04.03.1994)
45
CONCLUSÃO
Com o desfecho do trabalho que ora é apresentado, podemos verificar
que o tema discutido, apesar de pouco abordado pela doutrina atual, é de extrema
importância num país onde os Municípios alcançam cada vez mais destaque no
cenário nacional.
Em razão da supremacia da Constituição torna-se possível o controle de
constitucionalidade das leis, inclusive das municipais, invalidando, assim, as normas
contrárias ao texto constitucional.
O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos municipais
pode ser feito pelo método difuso (via de exceção ou de defesa) e pelo método
concentrado (ação direta), já que a Constituição Federal de 1988 combinou os dois
tipos.
No primeiro caso, o controle poderá ser exercido por qualquer órgão do
Poder Judiciário e terá efeito inter partes. Já no segundo, somente uma Corte
Constitucional ou um órgão de cúpula do Poder Judiciário é que terá competência
para exercer o controle jurisdicional de constitucionalidade, sendo que nestes casos
a decisão terá efeito erga omnes.
Cumpre notar, que o controle de constitucionalidade difuso das normas
municipais é exercido em nosso país sem grandes polêmicas, seja em face da
Constituição Estadual, seja frente à Lei Fundamental.
Neste sentido, havendo controle de lei municipal em face da Constituição
Federal por intermédio da via de defesa, caberá ao Supremo Tribunal Federal, em
grau de recurso extraordinário, a competência para apreciar as decisões dos
tribunais inferiores, nos termos do artigo 102, III, “c”, da Lei Maior. Todavia, se o
controle da norma municipal for em relação à Constituição Estadual, este somente
poderá ser resolvido, em última instância, pelo Tribunal de Justiça do respectivo
Estado, não cabendo, portanto, recurso extraordinário para a Suprema Corte.
A controvérsia diz respeito ao controle jurisdicional de constitucionalidade
in abstracto, eis que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 102, I, “a”,
46
conferiu ao Excelso Pretório competência para julgar a ação direta de
inconstitucionalidade apenas de lei ou ato normativo federal ou estadual,
silenciando, assim, em relação às normas municipais. Alguns doutrinadores e
magistrados entendem ser, esta omissão, uma lacuna deixada pelo legislador,
devendo, então, ser suprida pelo constituinte estadual ou pelo Supremo Tribunal
Federal, dependendo do caso.
No entanto, resta claro que o silêncio do legislador foi proposital,
excluindo do controle abstrato, portanto, as leis e os atos normativos municipais,
devendo o conflito existente entre norma municipal e Constituição Federal ser
resolvido somente por meio do controle difuso.
Deve-se ressaltar, mais, que a Lei Maior, em seu artigo 125, § 2º, permite
a proposição de ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça
do Estado, em única instância, quando o confronto da lei municipal se der em
relação à Constituição Estadual.
Adentrando à problemática da lei ou ato normativo municipal que contraria
uma norma da Constituição Estadual repetitiva da Lei Fundamental, pudemos
verificar que, se a reprodução for de caráter voluntário, a competência para resolver
definitivamente o conflito será do Tribunal de Justiça, seja por meio da via direta ou
de exceção, de vez que a Suprema Corte não pode argüir sobre o controle de
constitucionalidade de norma municipal frente às Constituições dos Estados.
Em se tratando de confronto a uma norma de reprodução obrigatória,
caberá igualmente ao Tribunal de Justiça a competência para resolvê-lo, ainda que
seja por meio do controle abstrato. Entretanto, a decisão proferida não terá caráter
definitivo, pois cabe ao Excelso Pretório julgar, mediante recurso extraordinário, as
causas decididas em última instância que versem sobre o controle de
constitucionalidade das leis municipais em razão da Constituição Federal (esse
posicionamento já foi consolidado por meio da Reclamação nº 383/SP, julgada em
10.06.1992, na Suprema Corte).
No que concerne à ação de argüição de descumprimento de preceito
fundamental, introduzida no ordenamento jurídico pela Lei nº 9.882/99, resta claro a
intenção do legislador ordinário em abrir a possibilidade da existência de um controle
47
concentrado da norma municipal, perante o Supremo Tribunal Federal (parágrafo
único do artigo 1º, da lei em causa). Todavia, em razão do caráter subsidiário desta
ação e de seu questionamento frente ao artigo 102, § 1º da Lei Maior, tem-se
encontrado certa resistência por parte dos doutrinadores e dos magistrados em
admiti-la.
Já em relação à ação direta de constitucionalidade, apesar da existência
de opiniões contrárias, tem-se entendido que, mais uma vez, o legislador expressou
um silêncio proposital quando, no artigo 102, I, “a” da Constituição Federal, não
incluiu as normas municipais neste tipo de controle.
Podemos concluir, portanto, que a finalidade e o objetivo do instituto
estudado é tornar mais ágil a resposta do Poder Judiciário em litígios nos quais
possa haver leis municipais que contrariem a Lei Fundamental ou às Constituições
dos Estados, facilitando, assim, o exercício do controle de constitucionalidade no
nosso país.
Dando por encerrado este trabalho, resta lembrar que a intenção não foi,
em nenhum momento, tentar esgotar um assunto tão rico, mas tão-somente levantar
e discutir os principais tópicos do controle de constitucionalidade das leis municipais,
demonstrando a sua importância e crescimento dentro do nosso ordenamento
jurídico.
48
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