antropologia semÍtica. uma anÁlise exegÉtica da...
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
ANTROPOLOGIA SEMÍTICA. UMA ANÁLISE
EXEGÉTICA DA PERÍCOPE DE DT 6,1-9, COM
APROXIMAÇÃO AO VOCÁBULO LEV.
Por
Rogério de Fábris
Orientador
Prof. Dr. José Ademar Kaefer
Dissertação apresentada em cumprimento às
exigências do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião para a obtenção do grau de
mestre.
São Bernardo do Campo, 2014
FICHA CATALOGRÁFICA
F84a Fabris, Rógerio de
Antropologia semítica : uma análise exegética da perícope de Dt. 6,
1-9, com aproximação ao vocábulo lev / Rógerio de Fabris. São Bernardo
do Campo, 2014.
232fls.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Metodista de São Paulo,
Faculdade de Humanidades e Direito, curso de Pós-Graduação em
Ciências da Religião.
Orientação: José Ademar Kaefer
1. Bíblia hebraica 2. Antropologia cristã I. Título
CDD 233
A dissertação de mestrado sob o título: “Antropologia Semítica. Uma Análise
Exegética da Perícope de Dt 6,1-9, com aproximação ao vocábulo lev”,
elaborada por Rogério de Fábris, foi apresentada e aprovada em 25 de Março
de 2014, perante banca examinadora composta por Dr. José Ademar Kaefer
(Presidente/UMESP), Dr. Tércio Machado Siqueira (Titular/UMESP) e
Antônio Carlos Frizzo (Titular/ITESP).
__________________________________________
Prof. Dr. José Ademar Kaefer
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
__________________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião
Área de Concentração: Linguagens da Religião
Linha de Pesquisa: Literatura e Religião no Mundo Bíblico
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus e ao nosso Senhor Jesus Cristo pela saúde, disposição, e pela
vida que prossegue.
Agradeço aos meus familiares pelo apoio e compreensão. Ao meu pai, Carlos Alberto de
Fábris e minha mãe Marly Mendes de Fábris.
Ao meu primeiro orientador, falecido, Dr. Milton Schwantes, ao meu segundo orientador Dr.
Cláudio de Oliveira Ribeiro, e ao atual orientador Dr. José Ademar Kaefer.
Ao professor Dr. Tércio Machado Siqueira, Dr. Paulo Roberto Garcia, Dr. Rui de Souza
Jozgrilberg, e à todos que apoiaram o meu ingresso. Agradeço à Sirley Antoni, à senhora Ana
Fonseca e Dr. Jung Mo Sung. Ao Dr. Rainer Kessler (Philipps-Universität Marburg).
Aos amigos que contribuíram de alguma forma, seja através de diálogos, sugestões, e debates
dialéticos a respeito do tema, dentre eles: Thiago de Menezes Machado, Fernando Marques,
Marlene Duarte, Jorge Steban “Bolívia”, Vitor Chaves, Helder Kanaschiro, Eufrásio Torquato
de Araújo Junior, e à todos os amigos discentes que de forma direta ou indireta contribuíram
para a pesquisa. Ao amigo Sérgio Claudio Rocha Duarte, à turma de 2011 do período de
graduação em teologia, pelo apoio, pois sem o mesmo não teríamos ingressado no programa
de Pós-Graduação.
Por fim, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
bonificação da bolsa de estudos.
FABRIS, Rogério de. Antropologia Semítica: Uma Análise Exegética da Perícope de Dt 6,1-
9, com aproximação ao vocábulo lev “coração”. São Bernardo do Campo: Universidade
Metodista de São Paulo, 2014 (Dissertação de Mestrado). 232 fo.
RESUMO
A presente pesquisa tem como objeto de investigação o vocábulo lev na perícope de Dt 6,1-9.
Este vocábulo também é utilizado em várias partes do Antigo Testamento. Assim a pesquisa
também faz um levantamento deste uso na perspectiva de diversos autores. No primeiro
capítulo se apresentam os blocos que constituem a moldura do livro do Deuteronômio com o
objetivo de identificarmos o contexto maior onde encontra-se a perícope de Dt 6,1-9. No
segundo capítulo partimos de uma análise exegética da perícope ressaltando os vários
aspectos da linguagem, como estilo literário, gênero literário, e análise de conteúdo. Nesta
parte também consta uma análise das realidades concretas subjacentes à produção do texto,
como assento histórico, contexto social, político e ideológico. No terceiro capítulo apresenta-
se o amplo campo semântico do vocábulo lev no Antigo Testamento na perspectiva de
diversos autores. Tal delineação tem por objetivo explorar a polissemia do vocábulo, e assim
neutralizá-la, buscando o sentido mais apropriado do vocábulo para a perícope de Dt 6,1-9.
Palavras-chave: Bíblia Hebraica – Exegese – Antropologia – Deuteronômio –
Lev.
Esta pesquisa foi realizada com o apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior).
FABRIS, Rogério de. Antropologia Semítica: Uma Análise Exegética da Perícope de Dt 6,1-
9, com aproximação ao vocábulo lev “coração”. São Bernardo do Campo: Universidade
Metodista de São Paulo, 2014 (Dissertação de Mestrado). 232 fo.
ABSTRACT
This research aims to research the word lev in the passage from Deuteronomy 6,1-9. This
word is also used in various parts of the Old Testament. Thus the research also suggests a set
of this use in view of various authors. The first chapter presents the blocks that constitute the
frame of the book of Deuteronomy with the aim of identifying where the larger context is the
pericope of Dt 6,1-9. In the second chapter we start from an exegetical analysis of the
pericope highlighting the various aspects of language , such as writing style, literary genre,
and content analysis. This part also contains a detailed analysis of the underlying text
production realities, as historical seat, social, political and ideological. The third chapter
presents the broad semantic field of the word lev in the Old Testament from the perspective of
several authors. Such delineation aims to explore the polysemy of the word, and thus
neutralize it, seeking the best sense of the word for the pericope of Dt 6,1-9.
Key words: Hebrew Bible – Exegesis – Anthropology – Deuteronomium – Lev.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
Deuteronômio: Origem, Formação, Moldura e Mensagem ...................................................... 14
1. Da Lei Reformatória ao Esboço Constitucional do Novo Israel Pós-Exílico. A História
Literária e Legal do Dt e de suas Fontes ............................................................................... 15
2. Deuteronômio e os contratos neoassírios ...................................................................... 16
2.1. Estrutura do código da aliança: .................................................................................. 21
2.2. Estrutura do Deuteronômio pré-exílico: .................................................................... 21
3. A Moldura do livro ........................................................................................................ 22
4. Continuidade e Novo Começo: a localização histórica ................................................. 36
4.1. Questões centrais das exposições anteriores .............................................................. 40
5. Vocabulário, sistema de palavras-chave, e expressões recorrentes do deuteronomista no
Deuteronômio ....................................................................................................................... 42
5.1. Resumo: Uma breve síntese das palavras-chave e expressões recorrentes: .............. 74
5.2. Sinopse dos discursos do divino YHWH no Deuteronômio ...................................... 81
CAPÍTULO II
Análise Literária de Dt 6,1-9. ................................................................................................... 88
Introdução ............................................................................................................................. 89
1. Texto Massorético. Deuteronômio 6,1-9. ...................................................................... 90
1.1. Tradução literal: ......................................................................................................... 90
1.2. Crítica Textual ........................................................................................................... 91
1.3. Delimitação do texto .................................................................................................. 97
1.4. Estrutura do texto ....................................................................................................... 98
1.4.1. Comentando a estrutura:......................................................................................... 98
1.5. Coesão do texto ........................................................................................................ 101
1.5.1. Introdução............................................................................................................. 101
1.5.2. Comentário sobre a Coesão da Perícope: ............................................................. 103
1.6. Estilo literário .......................................................................................................... 106
1.7. Gênero literário ........................................................................................................ 107
2. Estudo do Conteúdo com Análise Semântica. (Nível Diacrônico) ............................. 110
2.1. Semântica (análise de vocábulos) ............................................................................ 124
2.2. Resumo: ................................................................................................................... 144
3. Análise do Contexto Histórico (Macro-Estrutura) ...................................................... 152
3.1. Local, Data, e Contexto ........................................................................................... 152
CAPÍTULO III
Uma Análise do vocábulo lev no Antigo Testamento ............................................................ 158
1. Delineação do campo significativo do vocábulo lev no Antigo Testamento. ............. 159
1.1. Delineação do vocábulo lev na antropologia de Hans Walter Wolff ....................... 162
1.2. O vocábulo lev definido por vários autores: ............................................................ 188
1.3. Outras abordagens acerca do significado de lev: ..................................................... 189
1.3.1. Sentido físico: (coração, órgão ou víscera) .......................................................... 189
1.3.2. Sujeito de sintomas (impressão física, medicina popular; o predicado costuma ser
metafórico): ......................................................................................................................... 189
1.3.3. Por metonímia: ..................................................................................................... 189
1.3.4. Sentido figurado: .................................................................................................. 190
1.3.5. Sede da vida consciente: ...................................................................................... 190
1.3.6. Memória ............................................................................................................... 190
1.3.7. Imaginação, fantasia: ............................................................................................ 190
1.3.8. Órgão da Atenção: ................................................................................................ 190
1.3.9. Inteligência, entendimento, juízo, razão, compreensão: ...................................... 192
1.3.10. Atividade, exercício de pensar: ............................................................................ 192
1.3.11. Capacidade: .......................................................................................................... 193
1.3.12. Vontade, desejo, decisão: ..................................................................................... 193
1.3.13. Sentimentos, emoções, paixões: ........................................................................... 193
1.3.14. Atitudes, sentimentos: .......................................................................................... 194
1.3.15. Atitudes nas relações com Deus e como os seres humanos: ................................ 195
1.3.16. Consciência e Mentalidade: ................................................................................. 195
1.3.17. Em paralelo com outros órgãos e membros: ........................................................ 196
2. Uma análise (aproximação) do vocábulo lev no Deuteronômio.................................. 196
3. Hermenêutica ............................................................................................................... 212
3.1. O contexto sócio-econômico e político da América Latina marcado pela ausência do
lev (coração). ...................................................................................................................... 212
3.2. Medicina e Pastoral da Saúde .................................................................................. 214
3.2.1. Contexto sociocultural.......................................................................................... 219
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 223
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 229
INTRODUÇÃO
A proposta de realizar um trabalho sobre o livro do Deuteronômio com
aproximação ao vocábulo lev é fruto de uma pesquisa realizada durante o curso de
graduação em teologia na UMESP nos anos de 2008-2011.
Durante o período de graduação na referida instituição, elaboramos o trabalho de
conclusão de curso (TCC) sob o título: “Antropologia Semítica. O Ser Humano no
Antigo Testamento. Uma Análise do Campo Semântico dos Vocábulos Antropológicos
Fundamentais da Bíblia Hebraica”.
Nesse período foram objetos desta pesquisa determinadas palavras do hebraico
bíblico relacionadas aos órgãos do ser humano, aos membros do seu corpo, e às suas
características como um todo. Partindo de diversos conceitos particulares elaboramos
uma linguística-bíblico-antropológica onde palavras como nefesh, ruah, basar e lev nos
auxiliaram para que tivéssemos uma visão mais holística e integrada de ser humano na
Bíblia Hebraica. Nesta pesquisa foi dada ênfase ao autor Hans Walter Wolff1 em
diálogo com outros autores.
No final do ano de 2011 apresentamos um projeto de mestrado ao Dr. Milton
Schwantes seguindo a mesma proposta, buscando um suposto aprofundamento da
mesma. Sob a orientação do docente decidimos fazer uma delimitação da pesquisa com
o objetivo de adquirirmos mais familiaridade com a exegese bíblica. Sob a orientação de
Milton Schwantes escolhemos uma perícope para ser analisada a partir desta perspectiva
1 WOLFF, Walter, Hans. Antropologia do Antigo Testamento. Edições Loyola, São Paulo, 1983.
10
antropológica com aproximação do vocábulo escolhido, a saber, “lev”, palavra
comumente traduzida por “coração”.
Alguns critérios influenciaram na escolha desse vocábulo. Dentre eles o número
de ocorrências e a relevância teológica do vocábulo no AT.
Outro fator determinante na sua escolha foi a influência do método teológico
latino-americano que nos orienta a utilizar o coração e não apenas a cabeça na tarefa do
fazer, elaborar teologia. Tal enunciado é explícito no método ver-julgar e agir.
Dentro desta perspectiva analisamos a condição humana em nosso contexto
latino americano em alguns setores da sociedade e entendemos que o nosso contexto é
marcado pela ausência do coração, seja no campo político, sócio-econômico, e também
no campo da saúde e educação.
Não pretendemos nessa pesquisa fazer uma análise rigorosa de diferentes autores
do sistema teológico latino-americano, expondo seus limites, porém, apenas queremos
tomar a “pauta” do método, que é a dimensão teológico-profética da teologia da
libertação, que denuncia as injustiças sociais e pessoais do contexto da América Latina
marcado pela ausência do lev. Mas, antes disso, iremos nos ater a uma análise exegética
da perícope de Dt 6,1-9 com aproximação do vocábulo lev.
Todo texto da Bíblia Hebraica passou por um longo período de transmissão oral,
desde a sua composição até a sua redação e editoração. Reconstruir a história completa
de uma unidade literária, desde a sua origem e desenvolvimento no estágio oral, até a
sua composição, redação e canonização não é tarefa simples.
Perícope ou unidade literária é um texto bíblico onde se encontra uma unidade
de sentido, significado, com início meio e fim claramente demarcados.
Cada texto ou perícope tem seu lugar vivencial ou sitz im leben. Foi escrito em
determinada época, por determinado movimento, com certas ênfases, pois surge das
realidades concretas. Não é uma composição literária abstrata, mas é um clamor, uma
realidade vivenciada seja por um indivíduo, seja por determinados grupos ou
movimentos. Uma perícope pode pertencer a vários autores ou várias épocas pelo fato
de ter passado por processos de revisões, interpretações, releituras e adaptações em sua
trajetória.
Pelo menos três tarefas serão realizadas no exercício da abordagem da unidade
literária ou perícope de Dt 6,1-9 a ser investigada na presente pesquisa: Primeiro
verificaremos se há estreitas relações entre o texto-perícope e o texto que lhe precede e
o que lhe sucede. Justifica-se identificar o início da perícope no versículo que decidimos
11
iniciá-lo? Há sequência interna entre uma frase e outra ou existem rupturas literárias que
deixam entender que são duas perícopes justa-postas? Onde se encontra o final da
unidade literária? Estamos corretos em identificar o final da perícope no versículo que
pensamos ser o final? Estes critérios serão analisados e identificados através da análise
da coesão e coerência.
Outro fator importante a ser considerado na presente pesquisa é a identificação
do gênero literário. Será necessário identificar o gênero literário. A perícope pode ser
uma narrativa, um dito profético, oráculo, um salmo de lamentação individual ou
coletivo, uma oração individual ou litúrgica, um provérbio, poesia, etc.
Após estes passos teremos que identificar a datação, a época em que o texto foi
fixado por escrito, assim teremos uma noção do momento histórico e das realidades
concretas subjacentes à produção do texto.
No tocante à teologia, a unicidade de YHWH deve ser guardada no coração ou
os mandamentos se referem às leis do código deuteronômico que virão após? Será que
existe relação entre guardar a unicidade de YHWH e consequentemente guardar as leis
referentes ao código de Dt 12-26? Tais leis estão integradas? A nossa perícope foi
colocada dentro de um bloco maior propositalmente conforme afirmam alguns
exegetas? Amar a Deus de todo o coração, conforme afirma a nossa unidade literária de
Dt 6,1-9, implicaria em guardar as leis do Dt 12-26, visto que tal estrutura se encontra
estreitamente vinculada ao amor ao próximo, ao estrangeiro, à viúva, ao jornaleiro e a
todo o projeto social que promove a preservação da vida?
O vocábulo comumente traduzido por “coração” refere-se ao “órgão”,
“coração”? Quais os distintos significados do vocábulo que formam o campo semântico
do mesmo?
Como último passo do procedimento exegético iremos fazer uma aproximação
do vocábulo lev no intuito de analisarmos o sentido antropológico-teológico do mesmo.
Este preceito acerca da guarda dos mandamentos no coração é considerado um
querígma, um dos pontos teológicos centrais da Bíblia Hebraica, e, por isso, será
também objeto de nossa investigação.
No capítulo I da pesquisa iremos elaborar um quadro geral das estruturas que
compõe o livro do Dt. O objetivo desta primeira análise é de averiguar as unidades que
formam o conjunto do livro do Dt e particularmente abrangem a nossa perícope.
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O autor que nos auxiliará nesse procedimento é Georg Braulik2, entre outros.
Ainda no capítulo I nos propomos a fazer uma exposição de determinadas
palavras-chave e expressões recorrentes que aparecem no livro do Deuteronômio.
Palavras como mitsvah, hoq, mishpatym, tsvah, lev, néfesh, eretz, entre outras, ocorrem
com muita frequência no desenrolar do texto de Deuteronômio, sendo que inúmeras
vezes estas palavras-chave se encontram relacionadas entre si.
Podemos até afirmar e posterioremente iremos voltar nesse assunto, é que, tais
expressões permanecem o tempo todo “orbitando”, no livro. No entanto quando um
objeto orbita, orbita em torno de algo.
No caso do Deuteronômio iremos demonstrar que estas expressões e palavras-
chave não foram utilizadas pelo deuteronomista sem critérios, antes orbitam sempre em
torno de um centro. Por “centro”, entendemos não um lugar espacial, um foco, uma
bússola. Falamos de centro no sentido de “orientação teológica”.
No capítulo II iremos analisar exegéticamente a perícope de Dt 6.1-9.
Seguiremos prioritariamente os passos do método histórico-crítico, sem nos ater
exclusivamente a ele, conforme estudado em sala de aula nas disciplinas referentes à
área de Literatura e Religião no Mundo Bíblico.
Iniciaremos com a tradução literal do texto hebraico massorético e com a
decodificação do aparato crítico da BHS no intuito de analisarmos a história da
transmissão do texto, o que chamamos na exegese de crítica textual.
Em seguida daremos os próximos passos como: identificação dos elementos de
coesão e coerência, análise literária, estrutura da perícope, análise semântica, contexto
sócio-econômico, atualização ou hermenêutica.
No capítulo III da pesquisa iremos fazer uma aproximação ao vocábulo lev
através de uma análise de ocorrências do vocábulo conforme exposto no AT. O autor
que nos auxiliará nesse projeto é Hans Walter Wolff.
A fim de justificar metodologicamente tal procedimento trabalharemos com o
conceito de polissemia, no sentido de que, partindo do pressuposto que um vocábulo
possui um amplo campo de significações, só podemos encontrar o sentido apropriado do
mesmo intensificando a sua polissemia, investigando o seu amplo campo de
significações. Tendo feito isso, faremos o movimento contrário de neutralização da
2 ZENGER, Erich; BRAULIK, Georg. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola,
2003.
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polissemia com o objetivo de nos aproximarmos de um sentido mais apropriado do
vocábulo para a nossa perícope.
CAPÍTULO I
DEUTERONÔMIO
ORIGEM, FORMAÇÃO, MOLDURA E MENSAGEM
15
1. Da Lei Reformatória ao Esboço Constitucional do Novo Israel
Pós-Exílico. A História Literária e Legal do Dt e de suas
Fontes3
O ponto de partida da pesquisa sobre o Dt nos séculos XIX e XX foi a
descoberta de W. M. L de Wette (1805) de que um Dt primitivo não podia ter sido
escrito no tempo de Moisés ou da monarquia primitiva, mas apenas no contexto da
reforma cúltica do rei Josias em 622/621 a. C.
Por isso, no século XIX reconheceu-se que a moldura do Dt (1-11; 27-34) à
diferença da Lei (12-26), possui várias camadas literárias. Ela foi colocada
posteriormente, secundariamente ao redor do Deuteronômio primitivo, de modo que o
código Deuteronômico não foi redigido por Moisés e também não estava absolutamente
vinculado a Moisés e à Montanha de Deus e à terra de Moab.
Depois de muitos debates sobre a hipótese de D. Wette, no inicio do século XX,
e depois de uma controvérsia sobre datação antiga ou tardia do Dt, reinou na pesquisa
do Dt uma certa calma. Isto se deu também por causa da tese de Martin Noth (1943) de
uma obra historiográfica deuteronomista que se estenderia de Dt 1 até 2 Reis 25.
Discutia-se, então, a pergunta da integração redacional do Deuteronômio nessa obra
historiográfica deuteronomista.
O Dt 1-3 foi considerado a introdução à obra historiográfica deuteronomista, de
modo que surgia a pergunta pela relação entre o Dt pré-deuteronomista em Dt 4-34 e as
várias camadas literárias da obra historiográfica deuteronomista.
H. D. Preuss (1982) reconheceu a ampla parcela exílica deuteronomista que Dt
4-34 tinha no Dt, mas não conseguiu demonstrar alguma correlação entre a história do
Dt e as camadas da obra historiográfica deuteronomista que fosse além do livro de
Josué.
Antes da integração em contextos literários mais amplos do que o Pentateuco, o
Dt permaneceu um elemento alheio aos livros de juízes até 2 Reis.
3 OTTO, Eckart. A Lei de Moisés. Edições Loyola. Tradução Monika Ottermann. São Paulo. 2011. 236 p.
O texto que descrevemos é parte da obra do autor referido. Decidimos mantê-lo na forma original devido
a sua importância.
16
Dessa maneira apareceu na agenda a pergunta por um Dt pós-deuteronomista
como parte do Pentateuco, pois um tetrateuco dos livros do Gênesis até Números
permaneceria um torso que não tem uma conclusão em Números 36.
2. Deuteronômio e os contratos neoassírios
Os novos impulsos da pesquisa sobre o Dt também tem seus impulsos e
interesses pelo reconhecimento de que o Dt adotou no fim da época pré-exílica tradições
da ideologia real neoasssíria.
Imprecações de juramento de lealdade que o rei neoassírio Assaradon exigia dos
grandes do seu império, entre os quais se deve supor o rei Manassés, teriam sido
recebidas em Dt 28.
Após a morte prematura de seu filho mais velho e de sua esposa, de seu ataque
fracassado contra o Egito e da constante piora de sua doença, Assaradon reuniu em 672
a. C. os notáveis do Império Assírio e dos povos que possuíam vínculos contratuais com
a Assíria, entre eles também Judá.
Assaradon exigiu deles um juramento em favor de Assurbanipal e seu irmão
Shamash-Shum-Ukin como príncipes herdeiros do império assírio e do Império
Babilônico que estava sob o domínio da Assíria.
O juramento exigia a lealdade absoluta em relação a esses príncipes herdeiros,
para garantirem a passagem, e a manutenção do governo depois da morte de Assaradon
e, dessa forma, a continuidade do Império Assírio.
A semelhança entre o juramento de lealdade de Assaradon e Dt 28 só pode ser
explicada através de uma análise da recepção.
Por meio da comparação de documentos do antigo Oriente é possível comprovar
que as diferenças entre o juramento de lealdade de Assaradon e o Dt 28 estão na faixa
daquilo que se deve esperar em traduções de textos da Antiguidade.
Os juramentos de lealdade neoassírios remontam a juramentos de funcionários
hititas.
O juramento de lealdade de Assaradon foi recebido não apenas em Dt 28, mas
também em Dt 13, no tempo neoassírio-josiânico.
17
Dessa maneira a história literária do Dt encontrou fora do ambiente da hipótese
de De Wette, um novo enfoque. Ele indica a época entre 672 a.C., ou seja, a redação do
juramento de lealdade de Assaradon, e 612 a.C., ou seja, o caso do império Neoassírio.
Sua recepção antes de 672 a.C. é impossível e depois de 612 é improvável, pois o
gênero literário neoassírio do juramento de lealdade não é mais comprovado nos tempos
babilônico e persa.
Na pergunta pela origem do Dt 12-16, a pesquisa encontrou uma nova hipótese.
Eckart Otto afirma que a lei pré-exílica do Dt (12-26) é uma releitura do Código
da Aliança (Ex 20,24-23,12).
Nesse processo receberam-se em Dt 12 não apenas as sentenças legais
individuais, por exemplo, a Lei do Altar no Código da Aliança.
A reformulação do Código da Aliança no Dt foi desencadeada pela reforma
cúltica do rei Josias (2 Rs 23).
Nos juramentos de lealdade neoassírios, a exigência do “amor”, que designa a
atitude da lealdade política absoluta, pode ser vinculada à fórmula de que se deve amar
ao imperador como a si mesmo, relaciona-se com o Estado, representado pelo rei.
À diferença disso, o aspecto singular e revolucionário do Dt é o desvinculamento
desta exigência do Estado e sua transferência para o Deus de Israel (apesar de que no
pós exílio não tem mais estado, e o poder é administrado pelo templo, em nome de
YHWH). Por isso a abertura do Dt já nomeia sua temática fundamental: a singularidade
de YHWH, a quem se dirige a lealdade absoluta e indivisa e de quem vem tudo que se
pode esperar de uma divindade, ou seja, exige a lealdade incondicional a esta divindade.
Esta exigência de lealdade é amplamente desenvolvida no Dt 13, 2-12, de modo
que ela emoldura a lei da centralização do culto (Dt 12, 13-27) como a lei principal do
programa legal.
Dessa maneira o Dt expressa, já na abertura, sua polêmica subversiva contra a
ideologia imperial assíria contemporânea. Não se pode aguardar, esperar o bem estar e a
segurança de Israel do Estado assírio e do deus imperial dele, Assur, mas
exclusivamente de seu deus YHWH.
A lei deuteronomista desenvolveu por meio de um programa de solidariedade
fraternal, desdobrado como a interpretação do Código da Aliança, a maneira de como
este bem estar deve ser realizado por Israel conforme a vontade de Deus. Deste modo, o
Dt possui uma perspectiva dupla, ou seja, de uma preservação da identidade religiosa
para fora e de um fortalecimento da comunidade para dentro.
18
Que o primeiro aspecto é novo em relação ao Código da Aliança mostra a
estrutura do Dt na comparação com o Código da Aliança como o texto interpretado,
pois o “shema Israel” e o juramento de lealdade a YHWH em Dt 13 e Dt 28 são textos
que vão além da estrutura recebida do Código da Aliança. Por isso vamos nos voltar
para a recepção subversiva da tradição assíria no Dt, que está a serviço da identidade
religiosa de Judá, ou seja, a manutenção da religião de Javé.
Desde o século VIII depois da sublevação fracassada do rei judaíta Ezequias
contra os assírios em 701 a.C., o reino de Judá estava sob a dominação do Império
Assírio.
A força da resistência contra a dominação assíria mostra-se na tentativa
desesperada de Judá de libertar-se militarmente sob a liderança de Ezequias.
Após a derrota de Ezequias, não havia mais como pensar numa revolta, ou
revolução militar, pois desde a campanha muito bem sucedida de Assaradon contra o
Egito, um ano depois do juramento de lealdade em 672 a.C., o imperador assírio reinava
sobre todo o crescente fértil do Oriente. A resistência poderia se realizar somente
através da pena, e ela se cristalizou no Dt.
O grande impacto da ideologia imperial, religiosamente motivada, mostra-se na
forte resistência que ela provocou entre intelectuais judaítas, por exemplo, no cântico de
agradecimento (Is 8,23b-9,6) que vincula a libertação de Judá e de Israel do jugo assírio
à subida do rei Josias, como criança legalmente incapaz, de apenas oito anos de idade
no ano de 639 a.C. Mostra-se também no Sl 72 o hino de coroação de Josias, bem como
nos salmos régios pré-exílicos tardios 2 e 89 que recebem motivos assírios de modo
subversivo.
Estes textos pertencem a esta época de declínio do império neoassírio, que
segundo Milton Schwantes possuía capacidade opressiva aperfeiçoada, porém, como
sistema de províncias e administração, não funcionava muito bem.
Os assírios eram sanguinários e costumavam enumerar os massacres feitos pelos
seus exércitos vencedores. Mas quem mata dessa maneira acaba liquidando o seu
próprio futuro. Povo massacrado já não é explorável. Este foi o motivo do declínio dos
assírios. Quando chegam ao limite dos massacres, já não tem o que explorar e chega-se
ao limite de seu tempo de dominação. A conquista do Egito é por sua vez o começo do
seu rápido declínio, afirma Milton Schwantes.4
4 SCHWANTES, Milton. Breve História de Israel. Editora Oikos, São Leopoldo, 2008. p. 39.
19
Pertencem também a essa época do declínio do império assírio, a recepção
subversiva pelo Deuteronômio de um dos textos centrais da ideologia imperial assíria, o
juramento de lealdade ao rei Assaradon de 672 a.C.
Este texto era importante para Judá, pois entre os grandes do Império Assírio
que tinham que prestar esse juramento, provavelmente estava também o rei judaíta
Manassés. Portanto um exemplar desse texto, na língua acádica ou aramaica, deve ter
existido também no arquivo do palácio de Jerusalém.
O juramento do rei judaíta, conforme esse texto, provocava a pergunta não só
acerca da identidade política judaíta, mas também acerca da sua identidade religiosa,
pois o juramento era prestado sob invocação das divindades assírias.
O juramento de lealdade assírio de 672 a.C., convoca à lealdade absoluta ao rei e
ao sucessor designado:
Se escutares uma palavra ruim, inadequada, má, que não é boa
para Assurbanipal, o rei da Assíria, vosso senhor, quer esta
palavra esteja na boca de seu inimigo, quer na boca de seu
amigo, ou na boca de seus irmãos, seus tios, seus primos, ou
da sua família, descendentes da casa de seu pai, ou na boca de
vossos irmãos, filhos e filhas, ou na boca de um profeta, ou
algum solicitador da palavra divina ou na boca de qualquer ser
humano, então vós não a ocultareis, mas vireis até
Assurbanipal, o príncipe herdeiro da casa sucessora, o filho de
Assaradon, o rei da Assíria, e a denunciareis. 5
A obrigação de denunciar oficialmente toda forma de crítica ao rei e ao príncipe
herdeiro possui acréscimos em outra parte do documento:
Se alguém vos noticiar de levantamento, rebelião para matar,
assassinar, eliminar Assurbanipal, o príncipe herdeiro da casa
sucessora, o filho de Assaradon, o rei da Assíria, vosso senhor,
que vos submeteu em favor de si ao julgamento de lealdade, e
se vós escutardes isso da boca de alguém, então agarrareis os
autores da rebelião e os levareis até Assurbanipal, o príncipe
herdeiro da casa sucessora. Se fordes capazes de agarrá-los, de
matá-los, então os agarrareis, os matareis, aniquilareis o seu
nome e sua descendência do país. Se não fordes capazes de
5 OTTO, Eckart. A Lei de Moisés. p. 134.
20
agarrá-los, de matá-los, então o relatareis a Assurbanipal, o
príncipe herdeiro da casa sucessora, e o apoiareis para matar e
para agarrar, matar os autores de rebeliões, para aniquilar o
seu nome e a sua descendência do país.6
O rei como imagem e semelhança de Deus e instrumento da missão divina de
pôr limites ao caos no mundo, precisava ser protegido a qualquer preço da rebelião
como expressão do caos contrário à criação.
Outro detalhe a ser considerado é que, a camada literária básica do Dt 13, 2-10
recebeu na segunda metade do século VII o juramento de lealdade de Assaradon e o
ampliou por motivos do documento mencionado acima. O lugar do imperador assírio e
de seu príncipe e herdeiro foi ocupado pelo deus judaíta YHWH que também impunha a
exigência de lealdade absoluta conforme o texto abaixo:
Se surgir em teu meio um extático ou um incubante (?) que te
diz: “Vamos seguir outros deuses e serví-los”, não o ouças.
Esse extático deverá ser morto, pois pregou uma alta traição
contra Yhwh. Se teu irmão, filho de teu pai, ou filho de tua
mãe, ou teu filho, ou tua filha ou a mulher do teu coração ou
teu amigo, a quem amas como a ti mesmo te seduzir às
escondidas dizendo: “vamos e serviremos a outros deuses”, tu
não o seguirás e não o ouvirás. Não terás piedade dele e não o
esconderás. Pelo contrário, deverá mata-lo (Dt 13, 2, 4, 6).7
Com a transferência da exigência da lealdade para o deus judaíta YHWH, a
recepção subversiva do juramento assírio de lealdade tira do imperador assírio e do
poder hegemônico sobre Judá, o direito de exigir lealdade absoluta, pois esta cabe ao
deus de Judá.
Conforme mostra em Dt 28 as imprecações do juramento assírio de lealdade,
igualmente recebidas, a exigência divina de lealdade em Dt 13 é também confirmada
por juramento. A confissão da singularidade de YHWH e a exigência da lealdade
absoluta com todo o coração e toda a força em Dt 6 e em Dt 13, 2-12, são a moldura em
torno da lei da centralização do culto em Dt 12, 13-27, que é uma centralização do
sacrifício.
6 Idem. p. 134.
7 Idem. p. 135.
21
Os autores do Dt não querem ficar para trás em relação à religião da Assíria,
pois a veneração ao deus Assur também se encontrava num local centralizado.
O deus Assur ficava no centro da procissão da festa do Ano Novo.
Animados pela reforma do rei Josias os autores do Dt decretaram uma
centralização dos sacrifícios de YHWH em Judá.
Os autores do Dt procuraram criar um projeto onde o povo encontraria sua
identidade por meio das liturgias em comum e não pelo poder das instituições estatais
representados na pessoa do rei.8
Abaixo segue as estruturas do Códigos da Aliança e do Dt apresentadas por
Eckart Otto:
2.1. Estrutura do Código da Aliança:9
Lei do Altar Ex 20, 24-26
Direito social de privilégio: Ex 21, 2-11 (moldura teológica)
Ordem legal: Ex 21, 12-17
Ex 21, 18-32
Ex 21, 33 – 22, 14
Ex 22, 15-16
Ex 22, 17-19
Ex 22, 20-26. 28-29
Ordem Judicial: Ex 23, 1-3
Ex 23, 4-5
Ex 23, 6-8
Direito social de privilégio: Ex 23, 10-12 (moldura teológica)
2.2. Estrutura do Deuteronômio pré-exílico:10
8 Tal afirmação do autor Eckart Otto não nos parece convincente, visto que, o rei Josias e os que estão
com ele, se utilizam de métodos semelhantes aos métodos assíros oprimindo as aldeias do interior. 9 Idem. p. 129.
10 Idem. p. 130.
22
Lei principal: Dt 12, 13-27
Exigência de lealdade: Dt 13, 2-12
Direito social do privilégio: Dt 14, 22-15, 23
Ordem das festas: Dt 16, 1-17
Ordem judicial: Dt 16, 18 - 18, 5
Ordem legal: Dt 19, 2-13
Dt 19, 15 - 21, 23
Dt 22, 1-12
Dt 22, 13-29
Dt 23, 16-26
Dt 24, 1-4
Dt 24, 6 - 25, 4
Dt 25, 5-10
Dt 25, 11-12
Dt 26, 2 – 13
Imprecações: Dt 28, (15). 20-44
3. A Moldura do livro
Segundo George Braulik11
, o Dt se apresenta como narrativa dos acontecimentos
do dia da morte de Moisés (32,50; 34,5).
É o primeiro dia do décimo primeiro mês do ano 40 depois da saída do Egito
(1,3; 32,48), e liturgicamente é também o primeiro dia da preparação para a Páscoa em
Canaã (Js 5,10).
O narrador do livro, entretanto, via de regra, apenas constatava que Moisés teria
dito algumas palavras. A maior parte da história relatada é apresentada por Moisés.
Sob a matriz da narrativa básica do livro transparece outra forma literária
abrangente: o Dt como coletânea de discursos. São as últimas palavras de Moisés, pois
11
BRAULIK, George. ZENGER, Erich; 2003. p. 97.
23
somente nos capítulos 31 e 34 ocorrem discursos de Deus. De certo modo estes
discursos são na verdade discursos de despedida de Moisés em forma de testamento.
Os textos arquivados foram providos de quatro títulos, que especificam a
“categoria textual” dos documentos que lhe são incorporados: “Palavras” (1,1), “Torá”
(4,44), “Palavras de berit “aliança” (28,69), “bênçãos” (33,1). A esses títulos
acrescentam-se observações sobre a forma da apresentação, os endereçados e as
condições de origem, além de uma ou várias introduções ao discurso.
Esse sistema de títulos estrutura o livro em quatro partes. Somente as passagens
sobre a morte de Moisés em 32,48-52 e 34 não são abrangidas por meio dele.
Se tratando da moldura do Deuteronômio o autor clássico na matéria, Gerhard
Von Rad estruturou o livro em quatro partes:
1) Exposição histórica dos acontecimentos do Sinai e parênese (1-11)
2) Proclamação da Lei (12-26)
3) Obrigação da aliança (26,16-19)
4) Benção e Maldição (27-28)
De forma um pouco distinta apesar de algumas semelhanças, Eckart Otto afirma
que, entre a interpretação do Decálogo em Dt 5 e da Torá sinaítica em Dt 12-26, Moisés
inicia uma nova parênese da Lei que abrange os capítulos 6-11 cujo centro é a
inculcação da exigência de exclusividade já contida no decálogo acerca da proibição de
outras divindades e proibição de imagens.
Outros autores definem a moldura do livro a partir de critérios distintos. Para
Juan Louis Ska12
a estrutura do livro do Deuteronômio gravita em torno de quatro
títulos semelhantes em sua construção e conteúdo:
1,1: Estas são as palavras que Moisés dirigiu a todo Israel, além do Jordão...
4,44: Esta é a lei que Moisés transmitiu aos filhos de Israel...
28,69: Eis as palavras da aliança que YHWH ordenou a Moisés concluir com os filhos
de Israel...
33,1: Esta é a benção que Moisés, o homem de Deus, concedeu aos filhos de Israel,
antes de morrer...
12 SKA, Louis, Juan. Introdução à Leitura do Pentateuco. Edições Loyola, São Paulo. 2003. p. 54.
24
Para Meredith G. Kline13
o Deuteronômio é uma unidade. O referido autor
também afirma que a estrutura do Deuteronômio é semelhante aos antigos tratados de
suserania, seguindo o mesmo padrão. O seu esboço do livro é apresentado abaixo:
1. Preâmbulo: O mediador da aliança, 1,1-5.
2. O prólogo histórico; a história da aliança, 1,6-4,49.
3. As estipulações da aliança: avida sob a aliança
a. O grande mandamento, 5,1-11,32
b. Mandamentos subsidiários 12,1-26,19.
4. As sanções da aliança: ratificação da aliança, bênçãos e maldições e voto de
confirmação da aliança, 27,1-30.20.
5. Disposições dinásticas: continuidade da aliança, 31,1-34,12.
Segundo Werner H. Schmidt, o Deuteronômio é formado pelos discursos de
despedida de Moisés14
. Esta homilia de Moisés dirigida ao povo é estruturada tendo
como núcleo a estrutura (Dt 12-26) cercada por uma moldura interior (5-11; 27-28) e
outra exterior (1-4; 29-30) de discursos, enquanto os capítulos finais (31-34) interligam
o cântico (32) e a bênção (33) de Moisés, como também informações sobre a
investidura de Josué (34), além de outros temas. Assim podemos visualizar a grosso
modo, a estrutura do Dt:15
I. (Dt 12-26)
II. (5-11) (27-28)
III. (1-4) (29-30) (31-34)
Segundo o autor referido anteriormente, a estrutura do Deuteronômio possui
semelhanças com o Código da Aliança (Ex 20.24).
13
THOMPSON, J.A. Deuteronômio. Introdução e Comentário. Sociedade Religiosa Edições Vida Nova,
São Paulo, 1982. p. 17-18. 14 SCHMIDT, H, Werner. A Fé do Antigo Testamento. Tradução: Vilmar Schneider. São Leopoldo, RS,
Editora Sinodal, 2004. p.118.
15 Idem. p. 119.
25
A lei deuteronômica inicia com instruções que se referem ao local de culto, neste
caso a distinção em relação ao Código da Aliança se dá por meio da centralização do
culto (Dt 12-26). No meio (16-18) um bloco se refere às autoridades, como o rei e os
profetas, o que lembra o livro de Jeremias (21-23). Na terceira e última parte se
mesclam vários temas.
É importante notarmos que a maioria dos autores reconhecem a estrutura do Dt
12-26 bem demarcada, de forma coesa formando uma unidade com começo, meio e fim,
e no debate atual há unimidade acerca disso entre grande parte dos exegetas.
Abaixo segue a estrutura do livro do Dt proposta por Georg Braulik:16
(1-4) Retrospectiva sobre a caminhada do Horeb até Bet-Pegor (1,6-3,29); Parênese
sobre as possibilidades e os perigos na terra da promessa
(5-28) Legitimação histórica da legislação no Horeb e parênese do mandamento
principal da adoração exclusiva à Javé (5,11)
Leis singulares (12,1-26,16)
Ata da celebração de uma aliança/acordo (26,17-19)
(27) Incumbências para o tempo depois da travessia do Jordão
(28) Bênção e maldição
(29-32) Notas de como agir com a aliança (29-30)
Instalação de Josué (31)
Cântico de Moisés (32)
(33) Bênção de Moisés
(34) Morte de Moisés
A estrutura dos capítulos 5-28 pode ser comparada à de alguns códices e leis do
Antigo Oriente Próximo:17
Códice de Hamurabi Lei Deuteronômica
Prólogo 5-11 Prólogo
16
BRAULIK, George. ZENGER, Erich; 2003. p. 98. 17
Idem, p. 98.
26
Leis
Epílogo (com benção e maldição)
12-26 Corpo de leis
28 Epílogo (benção e maldição)
Nesse esquema os versos 26,17-19 não possuem nenhuma função, mas apenas
constituem uma transição.
O cap. 27 não contém leis válidas para sempre, contudo no contexto de um ritual
futuro, contrapõe ao decálogo do início dos caps. 5-26 o “Dodecálogo de Siquém”
(27,15-26) como contraponto no final das leis.
Um códice trata de leis variadas que regulam a vida toda. De fato, anuncia-se a
promulgação de huqqim umishpatim “leis e preceitos legais”, em 4,45; 6,1;12,1.
Em 26,16 declara-se que elas terminam. Em 5-11 elas obtêm uma
fundamentação introdutória. E nos caps. 12-26 são expostas. Um sistema de moldura
em 5,1; 11,32; 12,1; 26,16 sublinha esse esquema. Com um sistema de moldura
comparável o trecho final é estruturado em bênção e maldição, por meio de misvot
“mandamentos” em 28,1.13 e 28,15.45.
No próprio corpo de leis podem ser distinguidos, sobretudo, três blocos:
12,2-16,17 Direito privilegiado de Javé (direito
litúrgico entremeado de regulamentações
sociais)
16,18-18,22 Projeto de constituição para Israel (leis
sobre cargos concebidos com subdivisão
de poderes)
19-25 Direito penal e civil (de conteúdo diverso)
26,1-15 Apêndice litúrgico
O corpo de leis singulares que forma esses blocos são sistematizados de acordo
com princípios que eram comuns em outras codificações legais do Antigo Oriente
Próximo, mas obviamente estranhos a uma moderna disposição de leis.
Outra característica a ser destacada é o fato de todo material ser organizado,
estruturado segundo áreas de assuntos.
É característico estruturar o material legal desta forma, por exemplo, 12,4-28;
13,2-19; conectar as áreas consecutivas por meio de casos limítrofes, como, por
27
exemplo, 12,29-31; contrapor caso e caso oposto (19,1-10; 11-13); alinhar as leis
segundo a posição social das pessoas envolvidas (22,13-29) ou segundo a sequência
cronológica de acontecimentos (16,1-17).
Em qualquer parte pode acontecer que seja feita uma inserção motivada por
palavras chave ou associação de pensamentos, a fim de tratar de uma questão de
maneira mais completa possível num só lugar. Depois de tais digressões volta-se ao
tema principal. Esses princípios de organização servem à memorização.
Mais que no Antigo Oriente Próximo, em geral, forma-se no Dt uma unidade
retórica de grupos inteiros de leis por meio de diferentes técnicas estilísticas, como
concatenação de tópicos, molduras, esquema A-B e estrutura palindrômica (composição
circular). Isso talvez tenha a ver com o fato de que, como “lei de aliança”, esses textos
destinavam-se a ser proferidos em público (31,9-13) e recitados constantemente na
família (6,6).
A Torá de 5-28 pode ser entendida a partir da forma de um texto de aliança, ou
seja, de um contrato, assim como também se pode trocar a designação dos caps 5-28
como sefer hatorah, “livro da torá” por sefer haberit “livro da aliança”, no contexto do
Dt, quando o contexto trata do estabelecimento de uma aliança (2Rs 22s.). Para um
contrato interessa sobretudo, assegurar a lealdade diante do parceiro.18
Como modelo entra a hipótese do tipo de documento “hitita” de contratos com
vassalos. Seu esquema básico e a correspondência em Dt são:19
Contratos hititas com vassalos Parte central do Dt
Preâmbulo
Prólogo histórico
Declaração fundamental
Determinações detalhadas
Lista de divindades como testemunhas
contratuais
Bênção e maldição
5-11 Prólogo histórico e Declaração
fundamental
12-26 Determinações detalhadas
28 Bênção e maldição
O preâmbulo e a lista de divindades-testemunhas ficaram fora no Dt, cada qual
por razões próprias.
18
Idem. p. 99. 19
Idem. p. 100.
28
É importante atentarmos que o esquema de contrato com vassalos também pode
ser encontrado em blocos menores de textos, a saber, na forma redacional de 5-8 e 9-11
(e fora da Torah em 4 e 29s.
O trecho 26,17-19 interpreta expressamente os caps. 5-28 como documento de
contrato. O texto fala de duas mensagens, de duas declarações, em forma espelhada, por
parte de Javé e também por parte de Israel.
Elas correspondem antes a concepções de contratos paritários. Os dois
compromissos próprios são realizados publicamente nas declarações de 27,1 para Israel
e 27,9 para Javé. Também faz parte desse “contrato de aliança” o ato simbólico de
passar entre animais cortados ao meio. (29,11).
Como narrativa de um único dia e como composição de discursos em quatro
partes com ênfase na “Torá” de Moisés, o Dt é consistente em si mesmo.
Em contrapartida, a designação Deuteronômio, ou seja, “segunda Lei”, aponta
para a relação (e diferenças) desse livro final do pentateuco para com os corpos de leis
(e narrativas) dos livros precedentes. O papel de Josué e dos reis (Js 8,32; Dt 17,18)
revela ao mesmo tempo que o Dt está intensamente direcionado para os subsequentes
“profetas anteriores” do cânon hebraico. Portanto, deve ser lido dentro desse nexo
literário amplo. Isso vale no âmbito do texto canônico, mas de igual modo para a
história do surgimento. Isso porque, na época em que foi redigido, o Dt recorreu a
textos já existentes do Pentateuco e dos livros históricos, concedendo-lhes nesse
processo suas próprias ênfases e interpretações de máxima autoridade, vindas da boca
do maior de todos os profetas, que estava às portas da morte (Dt 34,10).
No tocante ao surgimento, o complexo sistema de afirmações do Deuteronômio
canônico somente pode ser compreendido a partir da profundidade histórica. No entanto
há concepções muito divergentes entre os estudiosos da Bíblia com relação ao processo
de formação do livro segundo o autor. Sequer existe unanimidade sobre os critérios de
diferenciação, que valem para uma crítica literária e redacional.
Outro fator que permanece como enigma é saber se as ênfases teológicas, ou
kerígmas distintos, difíceis de se ajuntarem, revelam distintas camadas.
A indagação que permanece é a seguinte: podemos através do conteúdo, situar o
texto historicamente e socialmente?
29
Algumas concepções iniciais são mencionadas quando se elaboram teorias sobre
a formação do Dt:20
a) Na interpelação de Israel há troca de número: uma vez
Moisés diz “tú”, depois ele retorna ao “vós”. A interpelação
no singular e no plural pode até alternar diversas vezes na
mesma frase. Será que esse fato indica diversas camadas de
modo que por exemplo, ao Deuteronomio que originariamente
estava no singular foram acrescentados trechos no plural e
esses novamente foram complementados por partes no
singular? Contudo, ainda que isso fosse o caso em certas
partes antigas do Dt, não seria possível que autores posteriores
tenham considerado a mescla de número como estilo típico do
Dt e teria o imitado em seus próprios textos, de modo que
apesar da alternância de número, não se descobrem, nesse
caso, camadas diferentes? A troca de número poderia, então,
ter sido útil, por exemplo, para destacar retoricamente pontos
altos temáticos ou assinalar subdivisões, como por exemplo
em Dt 4,1-40.
b) As palavras-chave teológicas não estão distribuídas de
forma homogênea pelo livro. Será que esse fato revela que no
Dt foram ajuntados textos da mais variada origem? Nesse caso
a estilística linguística seria um bom auxílio. Porém, não seria
possível que camadas posteriores retomassem as formulações
típicas de camadas mais antigas, de maneira que as divisas se
dissipam no uso linguístico?
c) Nos capítulos 12-26 há varias formas de leis: leis
apodícticas, casuísticas, com introdução aos mandamentos por
meio de memórias históricas, como por exemplo, 12,29-31; ou
com determinadas fórmulas como “extirparás o mal do teu
meio”, no caso de 13,6. Será que originalmente elas pertencem
a coleções separadas e formalmente uniformes de leis, ou já
era possível desde sempre que essas formas coexistissem de
forma mescladas?
d) acaso existem concepções teológicas distintas, “querigmas”
diferentes, impossíveis de juntar e, por isso, indicadoras de
camadas diferentes? Porém até que ponto é possível situar um
texto histórica e socialmente somente a partir do conteúdo?
Segundo Georg Braulik, quando se elaboram teorias sobre a formação do Dt,
pode-se trabalhar com diferentes concepções iniciais:21
Deve-se contar com relativamente poucos processos de
redação ou com longo processo de ampliações e comentários?
Muito depende da questão de em que medida se espera
consistência lógica de uma literatura do tipo do Dt e em que
proporção se pode contar com uma solução jurídico-
interpetativa de aparentes contradições já por ocasião da
formulação, solução expressa unicamente por meio de uma
20
Idem. p. 101. 21
Idem, p. 101.
30
composição sistemática. Será que já tiveram em circulação
diversas edições paralelas da lei do Dt, unificadas
posteriormente, Acaso foram reunidos por redatores diferentes
blocos de texto como defende, por exemplo, Martin Noth
4,44-33,20 foram ampliados pela obra historiográfica
deuteronomista com 1-3 (4) e 31 34? Existia um texto básico,
ao qual foram acrescentadas novas ampliações e interpretações
legais (hoje há uma predileção maior por essas “redações
continuadas”. Portanto, retornam os tipos básicos dos modelos
do Pentateuco: hipóteses do documento básico, dos
fragmentos e dos complementos. As inseguranças
metodológicas associam-se não raro a uma despreocupação
dos exegetas diante da LXX e da versão samaritana no que
concerne à crítica textual. Além disso, existem ainda poucas
investigações sincrônicas dos textos legais do Dt. É provável
que o Dt tenha sido sistematizado juridicamente e polido
linguisticamente num tipo de redação final. Apesar de grandes
incertezas e de uma multidão de teorias sobre o Dt, foram
feitas, durante a elaboração delas, numerosas observações de
valor duradouro, bem como vem crescendo entre alguns um
certo consenso.
Por exemplo, com frequência cada vez maior conta-se com o
fato de que não somente nos capítulos da moldura (1-4 e 29-
32), mas também nas partes centrais se encontram implicações
e revisões deuteronomistas da época pós- josianica,
relacionadas com diversas edições da Dtrg (obra
historiográfica deuteronomista) pelo menos uma história dos
reis até Josias, anterior ao exílio, e uma re-edição da época do
exílio. Nesse aspecto se entrelaçam as investigações do Dt e
de Dtr. Supondo que tenha existido uma primeira edição pré-
exílica da Dtr, os capítulos 1-3 e boa parte de 29-31 (32)?
Poderiam fazer parte dela. Se o Dt original foi escrito no estilo
do discurso de Javé, também se pode presumir que, quando a
lei do Dt foi introduzida nessa descrição histórica como
discurso de Moisés, ela também foi descrita numa dimensão
histórica. Nas próprias leis foram instaladas indicações
encobertas da história posterior, como por exemplo 12, 8; 25,
17-19. Da mesma forma, os retrospectos históricos nos
capítulos 5 e 9 dificilmente seriam cabíveis antes dessa
primeira edição da história Dtr. A primeira edição exílica da
história Dtr deve ter contido trechos consideráveis dos
capítulos 28 e 29, mas igualmente o sistema de crítica aos reis,
na legislação dos cargos, em sua versão existente agora nos
capítulos 16,18-18,22. Do tempo final do exílio deve ser o
trecho 4,1-40, bem como considerável parte dos caps. 7-9 e
30. É presumível que a redação do material coletado nos caps.
19-25 tenha se dado somente em época posterior ao exílio.
Queremos ressaltar para o leitor, que o nosso enfoque na análise acima se
resume numa uma tentativa de identificar os pressupostos que influenciaram o
deuteonomista no empreendimento de organização dos conteúdos do Deuteronômio.
Entendemos a partir da exposição dos autores que o livro possui um bloco centralizado,
31
a saber, a estrutura que abrange os capítulos 5-28. Inserido dentro da mesma se encontra
o Código Deuteronômico que abarca os capítulos 12-26. No tocante a tais afirmações há
unanimidade entre muitos exegetas. Queremos ressaltar este aspecto para o leitor, o
nosso enfoque na análise acima é uma tentativa de identificar os pressupostos que
influenciaram o deuteronomista no seu empreendimento de organização das
regulamentações, dos incisos do Deuteronômio. Entendemos a partir da exposição dos
autores que o livro possui um bloco centralizado, a saber, a estrutura que abrange os
capítulos 5-28. Inserido dentro da mesma se encontra o código deteronômico que abarca
os capítulos 12-26. Lembrando que tal forma de estruturação remonta aos contratos do
Antigo Oriente Próximo. Queremos deixar evidente ao leitor a nossa hipótese: O livro
do Deuteronômio possui uma estrutura concêntrica. Tal formulação não é
particularidade de Israel. São heranças, modelos, conforme as estruturas de contratos do
antigo Oriente, organizados possivelmente de forma a auxiliarem na busca rápida dos
incisos e preceitos, nos arquivos e na memória. No quadro abaixo apresentaremos ainda
a estrutura que compõe o blocos do livro do Dt na perspectiva de Duane Christhensen22
,
para que o leitor observe de forma demonstrativa o modelo concêntrico utilizado pelo
deuteronomista. Na sequência iremos expor o bloco que compõe a estrutura de 1-11 e as
unidade literárias menores que o compõe. Desta forma o leitor poderá notar que estas
estruturas ou unidades literárias menores também seguem o modelo concêntrico, onde
todos os elementos do texto orbitam em torno de um centro teológico elaborado pelo
redator deuteronomista:
A - O quadro externo: Parte I - Um olhar para trás (1-3).
B - O quadro interno: Part I – A grande peroração (4-11).
C - O núcleo central – Pacto, estipulações (12-26).
B' – QUADRO INTERIOR : Parte II - A Cerimônia de Aliança (27-30).
A ' - O quadro externo: Part II - Um olhar em frente (31-34).
1-3 QUADRO EXTERIOR. Parte I - Um olhar para trás:
1,1- 6a A - Inscrição: Deuteronômio em Nuce.
1,1- 6b- 8 B - Convocação para entrar na terra prometida.
1,9-18 C - Organização do povo para a vida na terra.
1,19-2,1 D - (Guerra profana de Israel).
2,2-25 E - A marcha para conquista.
2,26-3,11 D’ - YHWH e a guerra santa.
3,12-17 C '- Distribuição da terra na Transjordânia.
22
CHRISTHENSEN, Duane, L. Apud LOHFINK, Norbert. Das Deuteronomium. Entstehung, Gestalt
und Botschaft. Leuven: Leuven University Press: Peeters, 1985. p.135-144.
32
3,18-22 B '- Convocação para tomada da terra prometida.
3,23-29 A ' - Transição: A partir de Moisés para Josué.
31-34 QUADRO EXTERIOR. Part II - Um olhar em frente.
31,1-6 A - De Moisés a Josué: O que YHWH vai fazer.
31,7-23 B- Moisés e Josué: a Torá é a canção.
31,24-29 C- A Torá como Testemunha.
31,30 D - Moisés recita as palavras da canção.
32,1-43 E - O cântico de Moisés.
32,44 D ' - Moisés falou as palavras da canção.
32,45-47 C '- A Torá como Testemunha.
32,38-34,6 B '- Moisés e YHWH: a morte de Moisés.
34,7-12 A ' - De Moisés a Josué: O que Moisés fez.
Dt 1,19 - 2,1 ISRAEL DA GUERRA PROFANA
1,19 a - Relato sobre uma viagem: fomos de Horebe à Cades barnéia.
1,20 b- Relatório: Você chegou a terra prometida.
1,21 c- Convocação para possuir a terra.
1,22 d- Pecado de Israel : Eles pedem Spies.
1,23-24 e- Relatório: Enviei espiões.
1,25-28 f- Relatório dos espiões e rebelião de Israel.
1) Espiões: Será que é um Deus terra?
2) murmuração e rebelião de Israel.
3) Espiões: As pessoas são mais fortes do que nós.
1,29-31 g – Convocação: Sem medo.
1,32-36 f ' - Rebelião de Israel e Julgamento de YHWH
1) Relatório de Moisés : falta de confiança de Israel
2) de YHWH Julgamento: Adiamento da Conquista
3) Relatório de Moisés : A Exceção de Caleb
1,37-39 e’ - Relatório: YHWH estava com raiva de mim
1,40-41 d' - Pecado de Israel : eles confessam mas Act Presumptuosly
1,42 c' - Convocação. Não Luta pela Terra
1,43-44 b' - Relatório: Você não conseguiu entrar na terra
1,45-2,1 a’ - Um aviso de Viagem: Saímos de Cades para o Monte Seir
E - 2,2-25 A marcha para a conquista:
2,2- 4a a - Convocação para seguir em direção ao norte.
2,4 b – 6 b - Convocação para não lidar com os filhos de Esaú.
2,7 c - Um olhar para trás: O Êxodo.
2,8-9a d - A viagem, notas e aviso para não lidar com Moabe.
2,9 b-11 e - Os Emins foram desalojados pelos filhos de Ló.
2,12 e' – Os horeus foram desalojados pelos filhos de Esaú.
2,13-15 d’ - Convocação para atravessar o Zerede.
2,16-18 c' - A olhar em frente: A Conquista
2,19-23 b' – Aviso: Não lidar com os filhos de Ammin.
2,24-25 a’ - Uma Convocação: Não Atravesse a Arnon.
33
D ' 2,26 - 3,11 YHWH DA GUERRA SANTA
2,26-30 a - Anedota sobre Siom: Recusa do pedido de salvo-conduto.
2,31-36 b - A conquista de Heshbom.
1) A derrota de Siom.
2) O Reino de Siom Dedicado a destruição naquele tempo.
c - 2,37-3,1 - Anúncio de Viagens: na direção à Basã
contra Og.
3,2 c' - Convocação para não temer Og.
3,3-10 b' Conquista de Basã.
1) A derrota de Og no momento.
2) O Reino de Og dedicado a destruição.
3) Relato de Conquista na Transjordânia.
3,11 a' - Anedota sobre Og: o último dos “refains”.
4-11 O quadro interno: Parte I – A grande peroração:
4,1-40 A - E agora, ó Israel, obedeça os mandamentos de YHWH.
4,41-43 B - Moisés separou da árvore (levítico) cidades de refúgio.
4,44-6,3 C- Esta é a Torá - As dez palavras.
6,4-7,11 D - Ouve, ó Israel, YHWH é o nosso Deus - só YHWH.
7,12-8,20 E - Quando você obedece você será abençoado. Quando
você desobedecer você será destruído.
9,1-29 D ' - Ouve, ó Israel, você está prestes a atravessar o Jordão.
10,1-7 C '- Naquele tempo YHWH falou as dez palavras.
10,8-11 B '- Naquele tempo YHWH definir uma parte da tribo de Levi.
11,12-11,25 A ' - E agora, ó Israel, o que YHWH lhe pede?
A - E agora, ó Israel, cumpra OS MANDAMENTOS DE YHWH (Dt 4,1-40)
4,1-4 a – Mantenha os mandamentos de YHWH para viver na terra.
4,4-8 b – A singularidade de Israel, demonstrada em sua Torah.
4,9-10 c – Tenha cuidado para não esquecer o que aconteceu em
Horebe.
4,11-15 d – Tenha cuidado para não esquecer o que aconteceu em
Horebe.
4,16-19 e – Pacto e estipulações - emitidas em Horebe.
4,20 f – Nenhuma imagem ou divindades astrais.
4,21 f’ – O Êxodo fez o povo herança de YHWH.
4,22-24 e’ – A conquista faz a terra ser herança de Israel.
4,25-27 d’ – Não há imagens. YHWH é um Deus ciumento.
4,28-34 c’ – Pacto amaldiçoa - em vigor na Terra.
4,35-39 b’ – YHWH não vai esquecer o seu pacto com os seus pais.
4,40 a’ – A singularidade de YHWH, como mostrado no Êxodo.
Mantenha os mandamentos de YHWH para viver na terra.
C - ESTA É A TORAH - Dez Palavras (Dt 4,44-6,3)
4,44-48 a - Esta é a Torah.
5,1-3 b - HOJE: Ouve, ó Israel , a lei.
34
5,4-5 c - YHWH falou do meio do fogo.
5,6-7 d – Mandamento I: Não respeitar outros deuses.
5,8-10 e - Mandamento II: Idolatria Proibida.
5,11 f - Mandamento III: Honrar o nome YHWH.
5,12-15 g - Mandamento IV: Mantenha o sábado.
5,16 f ' - Mandamento V: honrar seus pais.
5,17-21 e ' - Mandamentos VI- X: Moralidade Ética.
5,22 d ' - Resumo : Não há outras palavras.
5,23-31 c ' - YHWH falou do meio do fogo.
5,32-33 b '- HOJE : Tenha o cuidado de guardar os mandamentos de
YHWH .6,1-3 a '- Este é o mandamento.
D – OUVE Ó ISRAEL, YHWH é nosso Deus e vocês um povo santo (Dt 6,4-
7,11)
6,4-9 a – Só YHWH é o nosso Deus. Devem amá-lo mantendo suas
palavras.
6,10-15 b - Quando YHWH lhe conduzir para a terra, tome cuidado
para não esquecer ou ele vai destruí-lo.
6,16-19 c - Um olhar para trás: Êxodo - Conquista
6,20-25 c ' – Um olhar para frente: Pós - Conquista.
7,1-6 b '- YHWH dá a seus inimigos para você destruí-los ou então
YHWH vai destruí-lo.
7,7-11 a'- o amor de YHWH para você é a sua maneira de manter sua
palavra/ juramento a vossos pais, de modo a manter a ordem.
E - Quando você obedece você é abençoado; quando você esquece e desobedece
VOCÊ SERÁ DESTRUÍDO (Dt 7,12-8,20).
7,12-16 a- Quando você obedecer essas leis você será abençoado na
terra, mas você deve destruir todos esses povos.
7,17-24 b - Não tenha medo deles. YHWH vai entrega-los para
que você possa destruí-los.
7,25-26 c - Um olhar Avançado: Destrua os seus deuses ou será
destruído.
8,1 d - Tenha o cuidado de manter todo o
mandamento que você pode, para possuir a terra.
8,2-5 c ' - Um olhar para trás: Lembre-se de disciplina de
YHWH esses 40 anos.
8,6-10 b '- Mantenha os mandamentos de YHWH e louva-o pela
boa terra que Ele lhe deu.
8,11-20 a'- Se você se esquecer de YHWH e dos mandamentos será
destruído.
D ' - OUVE, Ó ISRAEL, você está prestes a atravessar o Jordão (Dt 9,1-29).
9,1-3 a - YHWH está cruzando o rio Jordão como sua vanguarda para
ajudar você a destruir as nações.
9,4-6 b - Não é por causa da tua justiça que YHWH está fazendo isso,
pois tu és povo de dura cerviz.
35
9,7-10 c - Você se rebelou constantemente no deserto, enquanto eu
estava na montanha para receber as duas tábuas de pedra.
9,11-12 d - Enquanto estava na montanha YHWH me disse que
vocês tinham feito uma imagem de gesso.
9,13-14 d' - Como YHWH colocou: “Este povo tem dura cerviz
- fique para trás, enquanto irei destruí-los”.
9,15-21 c' - Quando eu vim para baixo e vi o bezerro, eu quebrei as
tábuas, intercedeu por você e Arão, e esmagou a imagem ao pó.
9,22-24 b'- Você se rebelou e outra vez no deserto, desde que eu
conheci você.
9,25-29 a' – Eu (Moisés) argumentei com YHWH: Não destrua o teu povo
para que não manchar sua reputação, porque são sua herança.
A' - E AGORA Ó ISRAEL, o que o seu YHWH requer de ti? (Dt 10,12-11,25)
10,12-15 a – Tema YHWH e guarde seus mandamentos. Ele escolheu
você.
10,16-19 b – Circuncidai os vossos corações e amai o estrangeiro.
10,20-11,1 c - Temam YHWH e guardem os seus mandamentos, pois
Ele tem vos abençoado.
11,2-7 d - Um olhar para trás: Seus olhos viram o que
YHWH fez.
11,8-9 e - Manter todos os mandamentos que você
pode para possuir a terra e permanecer nela.
11,10-12 d ' - Um olhar para frente: Os olhos de YHWH
estão sobre a terra para abençoá-la.
11,13-15 c' - Se guardardes os meus mandamentos, eu te abençoará
em sua terra.
11,16-21 b'- Não sirvam outros deuses, e guardem as minhas palavras
para permanecerem na terra.
11,22-25 a'- Se você observar cuidadosamente estes mandamentos, YHWH
irá desapropriar nações e dar-lhe toda a terra.
Queremos ressaltar mais uma vez que, não somente os blocos maiores que
compõem o livro do Deuteronômio possuem estrutura concêntrica, ou seja, uma
estrutura que emoldura um núcleo, um elemento central. Unidades literárias menores
também são compostas por elementos que estão sempre orbitando entorno de um centro
teológico.
Nos esquemas acima demonstramos o quadro apresentado por Christensen da
estrutura do Dt 1-11, para que o leitor tenha uma noção do quadro concêntrico e
centralizado apresentado pelo deuteronomista que, conforme abordamos anteriormente,
remonta às estruturas de documentos e contratos do antigo Oriente.
36
Queremos deixar evidente ao leitor que, apresentamos o quadro acima dando
ênfase ao modelo centralizado, ou “concêntrico”, apresentado pelo redator.
Entendemos que no livro do Dt tal esquema predomina. Pode ser um artifício
pedagógico utilizado na época, que facilita a memorização.
De forma resumida afirmamos o seguinte: A apresentação do quadro do Dt 1-11
nesta parte da pesquisa é importante por dois motivos: Primeiro porque o leitor poderá
notar que as unidades literárias menores do Dt também são compostas a partir de uma
estrutura concêntrica. Segundo, porque através desta apresentação nos aproximamos da
perícope que será objeto de análise exegética no próximo capítulo. Desta forma estamos
afunilando, fazendo um movimento de fora para dentro, em direção à unidade literária
que iremos ainda analisar.
4. Continuidade e Novo Começo: a localização histórica
Segundo Frank Crüsemann,23
o código de leis de Dt 12-26 é uma reformulação
da vontade de Deus através de um livro de leis. Isto se dá pela mudança das
circunstâncias que exigem alterações.24
Este fenômeno já se encontra no Código da Aliança, onde são notórias e
evidentes as marcas de complementação mais recente, ou seja, de atualizações.
No Deuteronômio se encontram múltiplos sinais de atualizações, revisões, e
releituras. Uma nova codificação possui significado radical, um corte profundo. A
alteração de um código de leis está vinculada a uma mudança profunda e significativa,
ou seja, a uma realidade concreta que inspira a reformulação das leis.
Lembrando que a constituição da Alemanha foi reformulada com o fim do
terceiro Reich e da segunda guerra mundial, mas que, com a anexação da Alemanha
Oriental, não deu lugar a uma nova interpretação, constituição.
23
CRÜSEMANN, Frank. A Torá. Teologia e História Social da Lei do Antigo Testamento. Editora
Vozes, São Paulo. p. 283. 24
A descrição a seguir baseada no autor Frank Crüsemann se concentra nos problemas do Código
Deuteronômico (Dt 12-26). As demais partes do livro do Deuteronômio, bem como seus muitos
problemas trabalhados pelos pesquisadores, só serão mencionados na medida em que forem necessários
para uma compreensão correta da Lei.
37
Mas, por que em Israel as possibilidades de complementação e ampliação não
foram suficientes? Portanto entende-se que esta pergunta serve de fio condutor para as
pesquisas do Deuteronômio.
Ampliação, complementação, e explicação, são os fatores que relacionam o
código deuteronômico com o Código da Aliança.
Fazendo uma análise comparativa entre o Código da Aliança e o Código
Deuteronômico concluímos que o material mais recente foi elaborado com a intenção de
substituir o mais antigo.
Os traços decisivos que são peculiares no Código da Aliança em relação aos
códigos de leis do antigo Oriente são ampliados pelo Dt, isto é, pelo menos em parte são
preservados, porém ampliados.
No conjunto se apresenta como o mandamento do Deus de Israel, porém, no Dt é
apresentado de maneira nova, transmitido por Moisés.
O centro é a adoração única à YHWH, o primeiro mandamento que ocupa lugar
central. Diversas tradições são conservadas, reunidas em um só texto: ética, religião,
direito e culto.
De forma geral podemos encontrar semelhanças da Lei Deuteronômica com o
Código da Aliança, como no início, em (Dt 12) encontramos uma lei referente ao altar
com prescrições relacionadas aos sacrifícios legítimos e a presença divina, sendo que no
final há declarações de bênção e maldição (Dt 27-28) que de certa forma correspondem
ao apêndice do Código da Aliança (Ex 23,20).
Algumas leis são repetidas sofrendo determinadas alterações. Podemos
identificar como uma das alterações a lei sobre os escravos (15, 12).
Outro exemplo é um calendário com as mesmas festas contidas no Código da
Aliança. Podemos encontrar também regras sobre a conduta diante de um tribunal (16,
19) que se repetem no Dt, porém, com pequenas variações em relação ao Código da
Aliança.
Esta constatação nos faz concluir que não se trata de uma complementação e sim
de uma substituição do Código da Aliança. Não há perspectiva de outra concepção
senão a de um novo começo.
Tal novo começo assume as decisões básicas, bem como uma boa parte do
direito material anterior. Somente no contexto de formação do Pentateuco como um
todo os dois códigos de leis foram integrados em uma única unidade literária.
38
Por outro, lado podemos encontrar alterações, inovações, quando comparamos
os dois códigos. No Dt o discurso é colocado na boca de Moisés e não de Deus.
Desta forma, a intenção teria sido de remontar a um passado longínquo a fim de
camuflar uma reformulação atual, no presente. As leis referentes ao direito e segurança
dos fracos em termos sociais e jurídicos, são no Dt reformuladas de maneira bem mais
detalhadas.
Um fator que distingue o Dt do Código da Aliança é a radicalização da
centralização do culto expressa no Dt, diferente do Ex 20,24 que autoriza o culto nos
lugares onde Deus havia determinado.
Partes importantes do Código da Aliança são abreviados no Dt, no entanto as
determinações em relação a segurança dos fracos são ampliadas e a elas se acrescentam
determinações detalhadas do direito familiar e sexual, como da virgindade (Dt 22,13) e
do novo casamento (24,1).
Encontramos também regulamentações amplas na parte central de Dt 16,18-
20,20, onde trata-se de instituições como monarquia, direito, sacerdócio, profecia e
guerra, isto é, uma esfera mais abrangente que não encontra-se no Código da Aliança
nem no direito oriental antigo, porém existem afirmações de que apenas encontramos
tais formulações em constituições da época moderna.
A relação entre os dois corpos legais encontra-se diante de outro problema, visto
que o dia do descanso que possui um papel central em Ex 34,21 e é considerado uma
das pilastras do Código da Aliança, falta completamente do Deuteronômio. Este aparece
apenas como um dos mandamentos do decálogo em Dt 5,12.
A partir de agora iremos abordar uma nova perspectiva, uma interpretação que
nos abre um mundo novo. Esta nova perspectiva refere-se às reflexões teológicas sobre
a lei. Estas leis encontram-se nos caps. 6-11 e 30s e não possuem correspondente no
Código da Aliança. Aqui encontramos uma “linguagem teológica nova”.
Neste ensejo encontramos uma terminologia que determina toda a teologia
orientada pela Bíblia. O sentido dos mandamentos é relacionado com a história do povo
que foi liberto do Egito. A doação da terra e a eleição também encontram sentido nos
mandamentos que possibilitam a permanência junto a esse Deus.
O código deuteronômico abrange conteúdos como unicidade de Deus,
integralidade do amor a Ele, e todos os acontecimentos da vida deste povo que foi
escolhido por Deus. Juntamente a dádiva da Torá se mostra como o amor de Deus
expresso em mandamentos da vida.
39
Para alguns autores a Torá é o centro, a união entre Deus e o seu povo que toma
forma no intuito de preservar e concretizar tal relacionamento que promove a liberdade.
Como em tudo isto se trata de ampliação, de extensa complementação do
conteúdo e de reflexões teológicas novas, em que só em poucos casos acontecem
correções maiores, a maioria destes passos também poderia ser entendida como revisão
literária do Código da Aliança.
Por isso, a comparação do conteúdo não pode responder à pergunta pela razão da
nova redação. A verdadeira razão não pode estar no conteúdo.
A pergunta pelo motivo da nova redação da história da lei no Deuteronômio, em
comparação como o Código da Aliança, deve ser feita e respondida dentro do próprio
Deuteronômio, especialmente tendo em vista os múltiplos traços e indicações de
ampliação e complementação. Muitas gerações se empenharam no Deuteronômio.
Atualmente não se questiona a hipótese de o termos em forma deuteronomista, isto é,
tardia ou exílica. É reconhecido que os cap. 1-3 estão ligados à obra histórica de Js e
2Rs e à inserção do Deuteronômio nesta obra. O Dt 4 mostra estar muito próximo da
teologia exílica e pós-exílica, especialmente do Deutero-Isaías.
Nos dias atuais também se afirma a existência se acréscimos posteriores em
passagens de Dt 5-11 e 12-26. Isso se afirma até de capítulos inteiros como Dt 5.
Outro exemplo são as determinações constitucionais em 16,18-18,22. Em outros
capítulos podemos encontrar complementos. Justamente pelo fato de não se poder
duvidar dos múltiplos traços de redação, é necessário inquirir a razão e o motivo de uma
nova codificação. O que não podemos esquecer é a afirmação de que certamente os
redatores conheciam o Código da Aliança e o tinham diante de si.
Através de nossas leituras podemos mencionar como fator importante, as teses
de Georg Braulik.
Baseado em trabalhos mais antigos ele entende que o Código Deuteronômico, na
redação final que temos em mãos, está estruturado de forma análoga aos mandamentos
do decálogo.
Os princípios estruturais que caracterizam as antigas leis orientais e o Código da
Aliança, também são encontrados aqui.
É certo que o Dt 12-26 não se baseia apenas nos dez mandamentos. Existem sim
correspondências, porém de clareza variada e gerais.
Por fim, duas situações aparentemente contraditórias tem importância especial
para a compreensão. Por um lado, praticamente em cada trecho do código há indícios
40
claros de redação e ampliação. Crescimento, complementação, narrativas explicativas
foram encontradas pelos pesquisadores em muitos lugares, mesmo que não concordem
sempre entre si. Haverá muitos exemplos para mostrar. Por outro lado, as determinações
legais se encaixam formando um conjunto de regras como uma obra legal fechada e
praticamente livre de questionamento.
Apesar dos múltiplos indícios de redação, o código foi concebido e elaborado
juridicamente como unidade. A suposição de que houve acréscimos aleatórios, até
exagerados, e trabalhos editoriais provenientes de épocas históricas diferentes ou de
grupos divergentes, não está muito de acordo com esta constatação.
No tocante ao questionamento acerca de quando e em que circunstancias foi
elaborado este novo trabalho jurídico na história de Israel, Frank Crüsemann afirma
existir duas posições básicas na pesquisa atual25
. A primeira é a tese clássica acerca de
uma datação um pouco antes do exílio. A outra tese que tem ganhado peso afirma uma
datação exílica, ou seja, a obra foi produzida num período tardio. Alguns afirmam até
fases históricas posteriores ao exílio.
Quando se busca explicações para elaboração de um novo código, esta
perspectiva faz muito sentido, visto que o exílio representa uma profunda
descontinuidade na história jurídica. A partir desta perspectiva uma nova codificação é
provável e porque não dizer até esperada? Frank Crüsemann26
analisa os argumentos em
favor de tal iniciativa, porém deixa evidente que tal fundamentação se situa ainda dentro
do campo das hipóteses, apenas para segmentos literários e não de forma abrangente e
detalhada.
4.1. Questões centrais das exposições anteriores
Os quadros e molduras do Deuteronômio mencionados acima nos fornecem
alguns assuntos centrais e relevantes para uma melhor compreensão da perícope de Dt
6, 1-9. Conforme afirmamos anteriormente, o livro do Deuteronômio é composto de
diversos blocos e estruturas.
Dentro de uma macro-narrativa podemos encontrar micro-narrativas. Assim
ocorre por exemplo com a estrutura que abrange os capítulos 5-28. Dentro desta
25
Idem. p. 293. 26
Idem. p. 293.
41
moldura encontra-se o Código Deuteronômico (12-26) que é considerado por muitos
exegetas o centro do livro, pois dentro deste bloco há uma coerência interna, ou seja,
pode-se identificar, começo, meio e fim.
A estrutura que precede Código Deuteronômico (12-26) é composta pelos
capítulos 5-11.
A nossa perícope se encontra dentro deste bloco, ou seja, é um texto que
precede, está para fora do Código Deuteronômico (12-26) porém aponta, sinaliza para
dentro dele.
A exposição das leis, que começa no capítulo 12 do livro (exceção feita à
situação particular do decálogo), é precedida pelos relatos feitos por Moisés. Sua função
é dupla, em relação às leis. Por um lado, Moisés relembra os acontecimentos passados,
convoca a memória do povo antes de fazê-lo ouvir as leis.
A Lei só é enunciada contra o pano de fundo de uma memória do passado: esta é
a estrutura fundamental da aliança. O ato da aliança é primeiramente relembrar o
passado, e depois enunciar a Lei.
Podemos perceber que o livro do Deuteronômio é construído sobre a estrutura da
aliança, no interior do discurso de Moisés. Mas essa rememoração do passado é feita
por Moisés, que, relembra o povo acerca de suas infidelidades em relação aos
acontecimentos do Sinai.
No livro do Dt nos deparamos com uma segunda escuta dos relatos do itinerário
entre o Sinai e as planícies de Moab. Narrar uma segunda vez é contar evocando o
sentido profundo, é dar importância aos acontecimentos que se narra, que neste caso se
trata de uma história de infidelidade.
As Leis do Deuteronômio aparecem então como uma segunda chance em relação
ao momento do Sinai-Horebe, contado no Êxodo. Talvez o livro proponha uma segunda
chance de se recuperar da queda da infidelidade.
Percebemos que a trama narrativa não é mais a mesma, pois não desempenha o
mesmo papel após o enunciado do código de leis. Não é mais Moisés quem narra, no
interior de seu discurso, mas o narrador deuteronomista. E porque este já não fala mais
do passado, mas do que se passa “hoje”.
No final do livro do capítulo 27-34, faz o relato da celebração da aliança, de um
lado, e da morte de Moisés de outro.
O décimo oitavo ano do rei Josias, o enunciado da Lei faz parte da celebração da
aliança. Deixa transparecer um modelo pós-exílico.
42
O Deuteronômio define a posição das leis afirmando uma articulação da Lei e da
História. A Lei é associada à História de duas maneiras: Uma voltada para o passado e a
outra para o futuro.
A Lei não pode ser enunciada sem que antes seja rememorada a História, tudo o
que aconteceu antes “do hoje”, desta enunciação. Há sempre uma história que precede a
Lei, em relação a qual esta última toma posição. E é a razão pela qual a Lei, inaugura
uma História, ela é posta como ponto de partida, ou referência, um critério de
discernimento de História que acontecerá.
A Lei apresentada no Deuteronômio por Moisés, nas planícies de Moab, é posta
como ponto de referência para a História de Israel na terra prometida, aquela que será
narrada a partir do livro de Josué até o final do livro dos Reis.
A articulação da Lei e da História é uma originalidade do livro do
Deuteronômio. É a aliança que religa a Lei a uma História passada, e através da
celebração da aliança inaugura-se um futuro.
5. Vocabulário, sistema de palavras-chave, e expressões
recorrentes do deuteronomista no Deuteronômio
Fazendo uma leitura do livro do Deuteronômio o leitor fica convencido de que
há certa uniformidade de estilo que caracteriza o livro.
Ainda que o leitor se depare com os capítulos considerados pelos exegetas sendo
de fontes distintas, o mesmo estilo encontra-se evidente. Não apenas no que tange às
características estruturais do livro, mas também pela unidade estilística, pela
simplicidade, fraseologia, e caráter retórico. Não queremos afirmar que as expressões
recorrentes são mencionadas exclusivamente no livro do Deuteronômio.
O que queremos aqui evidenciar é a combinação, a articulação pela qual estas
expressões se apresentam, bem com a estrutura e o ritmo das sentenças.
Queremos deixar evidente que, o fato de tais expressões ocorrerem em outras
partes do Antigo Testamento, principalmente nos livros históricos, tal fenômeno textual
já tem sido explicado pelos exegetas. Isso ocorre com base na explicação de que os
autores dos livros de Josué à 2 Reis foram influenciados pelo estilo deuteronômico, o
que denominamos de mão deuteronomista, ou obra historiográfica deuteronomista.
43
O nosso objetivo nessa parte da pesquisa é de fazer um levantamento dos textos
onde aparecem tais expressões que constituem esse vocabulário.
Alguns especialistas se dedicaram a fazerem listas destas expressões que
ocorrem no Deuteronômio e em outros textos da Bíblia Hebraica.
No decorrer da nossa exposição contaremos com o auxílio de alguns autores.
Estaremos fazendo menção de alguns textos do Deuteronômio comentando
algumas das consideradas expressões e palavras-chave.
A linguagem do Dt é prosa artística de
alto nível retórico. Ela se caracteriza
pelo ritmo ondeante de períodos bem
longos, que se estendem além de frases
secundárias intercaladas. Conhece um
tipo de métrica de prosa, trabalha com
quantidade de palavras equilibradas
entre si, expressões fixas e frequentes
assonâncias. Dessa maneira se produz a
impressão de harmonia e solenidade,
com força sugestiva. Repetições de
tópicos e sistemas de palavras-chave
estruturam os diversos blocos de textos e
os conectam uns com os outros.
Motivações e fundamentações prendem
a atenção do ouvinte. Argumenta-se com
extrema racionalidade. Os temas
teológicos centrais são mantidos na
memória por meio de fórmulas sempre
recorrentes.27
O livro do Dt é constituído por um sistema de palavras chave que preenchem o
livro, e no decorrer da narrativa vão ocorrendo repetidas vezes.
No entanto o autor referido não faz menção de tais expressões, pelo menos no
que tange à obra a qual tivemos acesso.
Tal empreendimento caberá a nós, através de uma análise destas palavras-chave
que ocorrem nas estruturas do livro com suas respectivas ênfases teológicas. Já que
afirmamos que estas expressões se repetem e fazem uma espécie de entorno à vários
temas teológicos, o nosso objetivo será de analisar se estas expressões aparecem
também em nossa perícope.
Acima podemos observar que estas expressões se referem à memória. No
desenrolar das narrativas algumas fórmulas aparecem “orbitando”, dando moldura
teológica às estruturas do livro, aos diversos blocos.
27
ZENGER, Erich; BRAULIK, Georg. 2003. p. 102-103.
44
Palavras como mitsvah, hoq, shapat, tsva, lamad, asah, etc, são palavras-chaves
que vão se repetindo e indicando de forma específica as ordenanças.
Nesta análise queremos apenas abordar alguns diferentes textos onde aparecem
estas palavras-chave.
Um dos principais objetivos desta análise é o exercício da leitura do texto bíblico
e a averiguação de tais palavras que norteiam o livro estabelecendo entre si relações,
isto é, ligadas umas às outras por uma cadeia de significados teológicos específicos
conforme veremos mais adiante.
Identificamo-as como palavras-chave pela estreita relação que estabelecem com
o conteúdo do texto do Dt como um todo. As palavras-chave devem estabelecer um
contato muito íntimo com o conteúdo do texto. Estas devem apontar para um tema
considerado central.
Procuramos dar uma ênfase à exposição das palavras-chaves que ocorrem com
frequência dentro do bloco de texto que vai dos capítulos 1-11. Tal procedimento é
justificado por nossa parte pela necessidade de delimitação.
Mais adiante faremos menção de algumas referencias que se utilizam das
palavras-chave que se encontram fora desta estrutura de Dt 1-11.
Podemos perceber que a perícope do capítulo 6 se encontra no centro do bloco,
precedida pelos cinco capítulos que iniciam o livro e procedida por cinco capítulos que
dão desfecho ao bloco. Ou seja, no centro do bloco de 1-11 encontra-se a perícope de Dt
6. Os capítulos 1-5 a precedem, e os blocos de 7-11 a sucedem.
Dt 1,1:
‘hv,mo rB<ÜDI rv,’a] ~yrIªb'D>h; hL,aeä laeêr"f.yI-lK'-la, Estas são as palavras que Moisés falou a todo o Israel...
Este verso é considerado o cabeçalho, o que encabeça, que dá início ao discurso
de Moisés, uma espécie de nota introdutória. Aqui o redator deuteronomista se utiliza da
expressão ~yrIªb'D>h; ha-devarim, que em hebraico é o título do livro do Deuteronômio:
Devarim, “Palavras”. A expressão ~yrIªb'D>h; hL,aeä estas as palavras, são dirigidas para
laeêr"f.yI-lK'-la, para, em direção à “todo Israel”. É importante frisarmos isso, essa
convocação de Moisés para que “todo Israel” escute as palavras, pois mais adiante
retornaremos, a abordar essa questão.
45
Ao tratarmos dos mandamentos e de como
Israel elaborou teológicamente a revelação
da vontade de Javé, convém falarmos do
Deuteronômio, pois em parte alguma Israel
expressou tão metódica e completamente o
sentido que atribuia aos mandamentos e à
situação única em que fora colocado pela
revelação da vontade de Javé. Mas é preciso
ter em mente que o Dt não é a interpretação
da vontade de Javé senão para uma época
precisa, e do ponto de vista histórico,
bastante tardia. Um grande número de coisas
devem ter sido ditas e reformuladas.28
1,3:
hW"ôci rv,’a] lkoK.û laeêr"f.yI ynEåB.-la, ‘hv,mo rB<ÜDI `~h,(lea] Atßao hw"±hy>
Moisés falou aos filhos de Israel, conforme a tudo o que o SENHOR lhe mandara
acerca deles.
A expressão acima `~h,(lea] Atßao hw"±hy> hW "ôci rv,’a] lkoK.û conforme tudo o que
Senhor YHWH lhe mandara, ocorre muitas vezes e possui aspecto teológico relevante.
Atentemos para a valorização do “tudo”, da noção de totalidade, sempre reivindicada
pelo redator deuteronomista em relação aos seus ouvintes e nesse caso atribuindo a
noção à fidelidade de Moisés em relação à transmissão de tudo aquilo que Deus havia
lhe ordenado falar.
1,5:
hv,êmo lyaiäAh ba'_Am #r<a,äB. !DEßr>Y:h; rb,[eîB.
`rmo*ale taZOàh; hr"îATh;-ta, raE±Be
Além do Jordão, na terra de Moabe, começou Moisés a declarar esta lei, dizendo:
Acima a expressão hr"îATh;-ta, esta Lei, é entendida por nós como a expressão
que abrange os demais conceitos substantivados que serão utilizados para se referir à
esta Lei.
1,6:
rmo=ale brEäxoB. WnyleÞae rB<ïDI Wnyhe²l{a/ hw"ôhy>
28
RAD, Von, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. vol 1, Editora ASTE, São Paulo,
Brasil, 1974. p. 221-222.
46
O SENHOR nosso Deus nos falou em Horebe, dizendo:
A expressão o Senhor nosso Deus, aparece com frequência, o nosso Deus é
mencionado pelo redator deuteronomista como Wnyhe²l{a/ hw"ôhy> e nesse caso podemos de
início identificar indícios de certa reivindicação do redator deuteronomista em relação à
prioridade a ser dada à religião conhecida pelos exegetas como Javista.
1,8
Wvår>W WaBo… #r<a'_h'-ta, ~k,ÞynEp.li yTit;în" hae²r>
~k,øytebo’a]l; hw"hy>û [B;äv.nI rv<åa] #r<a'êh'-ta,
Eis que tenho posto esta terra diante de vós; entrai e possuí a terra que o SENHOR
jurou a vossos pais...
A expressão a terra que jurou o Senhor YHWH a vossos pais aparece em muitas
ocorrências e abrange dentro da mesma a palavra-chave #r<a'êh'-ta a terra, ou
“terra”, pois aqui no caso ela ocorre precedida pelo h' a (artigo definido) e pelo (sinal
do objeto direto). A expressão eretz “terra”, ou “a terra” #r<a'êh'-ta é mencionada
com muita frequência no desenrolar do livro do Deuteronômio e possui ênfase na posse
da mesma como “herança”.
1,9: rmo=ale awhiÞh; t[eîB' ~k,êlea] rm:åaow"
E no mesmo tempo eu vos falei, dizendo:
Podemos notar a preocupação do redator deuteronomista em se utilizar de
termos que expressam e se relacionam com “palavras”, “ditos”, ou “dizer”, “falar”. No
desenrolar do livro o redator vai aprofundando esta exposição porém ao mesmo tempo
vai mantendo expressões como no caso das expressões ~k,êlea] rm:åaow e rmo=ale
“dizendo”.
1,18:
taeî awhi_h; t[eäB' ~k,Þt.a, hW<ïc;a]w"
`!Wf)[]T; rv<ïa] ~yrIßb'D>h;-lK'
Assim naquele tempo vos ordenei todas as palavras que havíeis de fazer...
47
Novamente a ideia de totalidade ocorre, agora através da expressão ~yrIßb'D>h;-
lK' todas as palavras.A expressão !Wf)[]T; taasún “fazer” ocorre no sentido de fazer
conforme tudo o que YHWH ordenara. A mesma expressão fazer, ou “fez” é muito
utilizada pelo redator deuteronomista nos livros históricos se referindo à conduta dos
reis: “fez o que era retos aos olhos de YHWH”, ou “fez o que era mal aos olhos de
YHWH”.
1,19:
. WnyheÞl{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa]K;
Conforme o SENHOR nosso Deus nos ordenara...
No decorrer do livro o deuteronomista vai preenchendo o conteúdo com as
expressões recorrentes voltadas à obediência, a tudo àquilo que Moisés teria a dizer por
parte do Deus nomeado de forma enfática pelo deuteronomista: WnyheÞl{a/ hw"ïhy
YHWH é o nosso Deus!
1,21:
^yn<ßp'l. ^yh,²l{a/ hw"ôhy> !t;’n" haer>
%l'ê ‘^yt,’boa] yheÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K; vrEª hleä[] #r<a'_h'-ta,
`tx'(Te-la;w> ar"ÞyTi-la;
Eis aqui o SENHOR teu Deus tem posto esta terra diante de ti; sobe, toma posse dela,
como te falou o SENHOR Deus de teus pais; não temas, e não te assustes.
O tema da #r<a'_h'-ta, “da terra” é frequente. Esta é sempre relacionada com
YHWH. Às vezes a terra é dádiva, às vezes é fruto da obediência no Deuteronômio, mas
entendemos que mesmo quando colocada dentro de uma relação causa-efeito, ela pode
ser entendida como dádiva. A terra fora prometida por Deus aos pais, isto é, o Deus de
vossos pais ‘^yt,’boa] yheÛl{a/ hw"÷hy> .
1,34:
@coàq.YIw: ~k,_yrEb.DI lAqå-ta, hw"ßhy> [m;îv.YIw:
`rmo*ale [b;îV'YIw:
48
Ouvindo, pois, o SENHOR a voz das vossas palavras, indignou-se, e jurou,
dizendo:
A palavra “ouvir” que ocorre no verso acima, porém na forma [m;îv.YIw: “e
ouvindo” é vista por muitos exegetas como elemento central na teologia do livro do
Deuteronômio. Muitas vezes a expressão aparece se referindo à importância de Israel
ouvir as palavras de Javé. Nesse caso YHWH é quem ouve as palavras do povo. Aqui
não iremos aprofundar a questão, visto que tal vocábulo aparece na nossa perícope e
mais adiante será analisada com mais afinco. Mas é digna de nota tal palavra e
certamente faz parte do conjunto de palavras-chave que compõem a ilustre obra do
deuteronomista, mais especificamente o livro do Deuteronômio. É para isso que
queremos chamar a atenção do leitor. As palavras e expressões vão se relacionando no
decorrer do Deuteronômio. É importante ressaltarmos a ocorrência de certas palavras no
livro, porém estamos atento não somente a isso, mas queremos entender como se dá o
desenvolvimento, o encadeamento das mesmas, isto é, compreender como tais
expressões se relacionam.
1,42:
“ hw"÷hy> rm,aYO“w
E disse-me o SENHOR:
Esta expressão é recorrente não apenas no livro do Deuteronômio. A ênfase da
expressão hw"÷hy> rm,aYO“w: vayomér YHWH, e disse YHWH está na fonte dos oráculos
proféticos e talvez utilizada como fórmula pelo redator deuteronomista. Nesse caso a
palavra é dita por YHWH por intermédio de Moisés. Em outros casos a expressão é
posta na boca de alguma autoridade competente, como por exemplo o próprio redator de
Gn 12,1: YHWH ordenou a Abraão que saísse de sua terra. No capítulo 2,2 do
Deuteronômio a expressão ocorre da seguinte forma: `rmo*ale yl;îae hw"ßhy> rm,aYOðw:
vayomér YHWH Elay Lemór, então YHWH me falou dizendo...
Outra expressão recorrente no livro do Deuteronômio é [B;îv.nI “jurou’. Às
vezes a expressão aparece se referindo ao juramento que YHWH fez aos pais, por outro
49
lado a mesma expressão ocorre com o sufixo pronominal na segunda pessoa do plural,
“para vós”, em Dt 2,14: `~h,(l' hw"ßhy> [B;îv.nI rv<±a]K; conforme jurou YHWH para vós...
3,18:
hw"åhy> rmo=ale awhiÞh; t[eîB' ~k,êt.a, wc;äa]w"
#r<a'Ûh'-ta, ~k,øl' !t;’n" ~k,ªyhel{a/
E no mesmo tempo vos ordenei, dizendo: O SENHOR vosso Deus vos deu esta terra...
A palavra terra conforme já afirmamos é muito utilizada pelo
deuteronomista. Nesse caso específico ela aparece como graça, dádiva através da
expressão acima: #r<a'Ûh'-ta, ~k,øl' !t;’n" vos deu esta terra...
3,25:
hb'êAJh; #r<a'äh'-ta, ‘ha,r>a,w> aN"©-hr"B.[.a,
Rogo-te que me deixes passar, para que veja esta boa terra
A palavra terra nesse versículo vem acompanhada pela qualidade de “boa terra”.
A expressão hb'êAJh; #r<a'äh'-ta et haáretz hatováh, “a terra boa”, desse verso,
é muito importante para a teologia do Deuteronômio. Visto que alguns autores
entendem que o redator está diante de uma terra que a conhece, ainda que a expressão
esteja colocada na boca de Moisés. Nesse caso ao mesmo tempo que “Moisés” conhece,
por se referir à ela como hb'êAJh; #r<a'äh' “ a terra boa”, ele também deseja entrar nela,
ou seja, quem narra, ou coloca na boca de Moisés parece não estar dentro da boa terra
ainda. Tal afirmação não tomada de forma geral obviamente, pode auxiliar o estudante,
pesquisador a encontrar o ambiente vivencial do Deuteornômio.
4,1:
‘~yQixuh;(-la, [m;Ûv. laeªr"f.yI hT'ä[;w>
![;m;äl. tAf+[]l; ~k,Þt.a, dMeîl;m. yki²nOa'( rv<ôa] ~yjiêP'v.Mih;-la,w>
yheîl{a/ hw"±hy> rv<ôa] #r<a'êh'-ta, ~T,äv.rIywI) ‘~t,ab'W Wy©x.Ti(
`~k,(l' !tEïnO ~k,Þyteboa]
50
Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos que eu vos ensino, para os
cumprirdes; para que vivais, e entreis, e possuais a terra que o SENHOR Deus de
vossos pais vos dá.
A expressão que ocorre no início laeªr"f.yI hT'ä[;w> indica conexão, o textos está
costurado com os assuntos tratados anteriormente. É uma expressão recorrente
preparatória para o apelo a ouvir e obedecer, como se alguém pronunciasse: “agora pois,
à luz dos atos libertadores de Deus, vocês deverão obedecer os teus mandamentos” (Dt
10,12).
A partir do capítulo 4,1 as expressões relacionadas com a Lei passam a ser
mencionadas através de alguns substantivos, como: ~yjiêP'v.Mi juízos e ‘~yQixuh; ( os
estatutos.
Desta forma o deuteronomista amplia o seu vocabulário para se referir às leis.
Estas começam aparecer agrupadas dando caráter de uniformidade ao livro. Ou seja, o
redator deuteronomista quer chamar atenção dos seus ouvintes através desse recurso
retórico, através de repetições de fórmulas e expressões-chave que facilitam a
compreensão do livro como um todo unificado e coerente. O que entendemos através
desse recurso retórico é a tentiva de argumentação voltada para a memória.
Por um lado o redator se utiliza de alguns substantivos para se referir às leis, por
outro lado tais expressões são fixas, para facilitação dos ouvintes. São substantivadas
para o texto não se tornar monótono, mas também são fixas para não se perderem na
memória dos destinatários do deuteronomista. Seria como um autor escrever algo sobre
um assunto se utilizando de algumas variáveis de expressão para não ser redundante,
porém mantendo sempre a uniformidade do texto.
O que importa para o deuteronomista é a relevância teológica, é o cuidado em
instruir os seus ouvintes, é a preservação da memória, dos feitos de YHWH, é o
despertamento, é a parênese da observância, é o chamado de atenção para o favor
imerecido de YHWH “que vos tirou da casa dos escravos”, é a preservação da vida das
pessoas, que irão herdar a promessa feita ao pais.
O deuteronomista insistirá nas fórmulas no decorrer do livro, não se cansará em
alertar, em chamar a atenção de seus destinatários, e nós nessa pesquisa iremos
caminhar com ele.
4,2:
hW<åc;m. ‘ykinOa' rv<Üa] ‘rb'D"h;-l[; Wpsiªto al{å
51
~k,êyhel{)a/ hw"åhy> ‘twOc.mi-ta, rmoªv.li WNM,_mi W[ßr>g>ti al{ïw> ~k,êt.a,
`~k,(t.a, hW<ïc;m. ykiÞnOa' rv<ïa]
Não acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis
os mandamentos do SENHOR vosso Deus, que eu vos mando.
A expressão: hw"åhy> ‘twOc.mi-ta, rmoªv.li para guardar os mandamentos do
Senhor YHWH, mais propriamente dito, a ênfase teológica no “guardar os
mandamentos”, é muito valorizada pelo redator deuteronmista, e aparecerá
constantemente no livro do Deuteronômio. Conforme o verso abaixo as palavras-chave
relacionadas com a Lei começam a se desenvolver, a crescer de forma cada vez mais
extensiva e ligada à outros elementos. Isto é, o vocabulário do deuteronomista vai
crescendo no que tange a expressões ligadas à Lei, porém estes vocábulos vão se
relacionando cada vez mais, tomando proporções maiores quanto ao número de
ocorrências e também se desenvolvendo no tocante aos elos de ligação entre si. No caso
do verso seguinte podemos observar que as palavras-chave aparecem de forma mais
unificadas, isto é, juntas. Os estatutos, os juízos, “decretou”, “mandou” YHWH para
fazer”, “cumprir”, “na terra”.
4,5:
~yjiêP'v.miW ‘~yQixu ~k,ªt.a, yTid>M;äli Ÿhaeär>
rv<ïa] #r<a'êh' br<q<åB. !Keê tAfå[]l; yh'_l{a/ hw"åhy> ynIW:ßci rv<ïa]K;
`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yaiîB' ~T,²a;
Vedes aqui vos tenho ensinado estatutos e juízos, como me mandou o SENHOR meu
Deus; para que assim façais no meio da terra a qual ides a herdar.
Atentemos para esse fenômeno textual que ocorre no livro do Deuteronômio
como estratégia do redator deuteronomista que se preocupa muito com a condição dos
seus destinatários no tocante ao cumprimento, à obediência, a perseverança em guardar
os estatutos na terra que irão herdar. Parece monótono e cansativo, mas é isso mesmo
que nos chama a atenção.
O deuteronomista não faz nenhuma economia no que tange ao seu projeto
pedagógico de repetir, as palavras-chave, repetir advertendo, chamando a atenção dos
seus destinatários.
52
As palavras-chave continuam orbitando, aparecendo conforme iremos ver
abaixo, mas agora relacionadas com a sabedoria e o entendimento:
4,6:
‘~k,t.m;k.x' awhiÛ yKiä è~t,yfi[]w: é~T,r>m;v.W
~yQIåxuh;-lK' tae… !W[ªm.v.yI rv<åa] ~yMi_[;h' ynEßy[el. ~k,êt.n:ybiäW
`hZ<)h; lAdßG"h; yAGðh; !Abên"w> ~k'äx'-~[; qr:… Wrªm.a'w> hL,aeêh'
Guardai-os pois, e cumpri-os, porque isso será a vossa sabedoria e o vosso
entendimento perante os olhos dos povos, que ouvirão todos estes estatutos, e dirão:
Este grande povo é nação sábia e entendida.
No caso acima podemos perceber que o êxito de Israel na terra está também
vinculado à “guarda dos mandamentos”, é~T,r>m;v.W e à gurda de “todos os estatutos”
~yQIåxuh;-lK' que estão intimamente entrelaçados à sabedoria. Isso será “a vossa
sabedoria” ‘~k,t.m;k.x' e o “vosso entendimento” ~k,êt.n:ybiäW perante os olhos dos
povos.
4,8:
~yjiÞP'v.miW ~yQIïxu Al±-rv,a] lAdêG" yAGæ ‘ymiW
`~AY*h; ~k,ÞynEp.li !tEïnO yki²nOa' rv<ôa] taZOëh; hr"äATh; ‘lkoK. ~qI+yDIc;
E que nação há tão grande, que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta Lei
que hoje ponho perante vós?
4,9:
daoªm. ^øv.p.n: rmo ’v.W •^l. rm,V'ähi qr:‡
^êb.b'äL.mi ‘WrWs’y"-!p,W ^yn<©y[e Waår"-rv,a] ~yrIøb'D>h;-ta, xK;’v.Ti-!P,
`^yn<)b' ynEïb.liw> ^yn<ßb'l. ~T'î[.d:Ahw> ^yY<+x; ymeäy> lKoß
Tão-somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem a tua alma, que não te esqueças
daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e não se apartem do teu coração todos os
dias da tua vida; e as farás saber a teus filhos, e aos filhos de teus filhos.
53
Agora pediremos auxílio do autor Von Rad29
no tocante à sua opinião em
relação à exposição dos conteúdos teológicos que estão na base do pensamento do
redator deuteronomista no Deuteronômio:
Em todo o Dt vemos os pregadores
deuteromistas se esforçarem para tornar sensível
e simplificar, mediante uma motivação
fundamental a multiplicidade das expressões da
vontade de Javé que reclamam a obediência de
Israel.30
Percebemos a insistência do redator do Deuteronômio em relação à obediência.
Para isso ele vai desenvolvendo o seu vocabulário unificando palavras e termos
sinônimos em torno da Lei.
A obediência é guardar as palavras, os mandamentos, os estatutos e juízos. E a
posse da terra se encontra ora vonculada a essas condições.
Entendemos que as admoestações não se referem somente à tomada de posse da
terra, mas também à permanência na terra. Israel precisaria obedecer à YHWH
guardando as palavras, mandamentos, estatututos e juízos para possui a terra e se manter
nela com uma boa qualidade de vida.
4,10:
é ^yh,l{a/ hw"åhy> ynE“p.li T'd>m;ø[' rv,’a] ~Ay©
~[eÞmiv.a;w> ~['êh'-ta, ‘yli-lh,q.h; yl;ªae hw"÷hy> rmo’a/B, èbrExoB.
~heÛ rv,’a] ‘~ymiY"h;-lK' ytiªao ha'är>yIl. !Wdøm.l.yI rv,’a] yr"_b'D>-ta,
`!Wd)Mel;y> ~h,ÞynEB.-ta,w> hm'êd"a]h'ä-l[; ‘~yYIx;
O dia em que estiveste perante o SENHOR teu Deus em Horebe, quando o SENHOR me
disse: Ajunta-me este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, e aprendê-las-ão, para
me temerem todos os dias que na terra viverem, e as ensinarão a seus filhos...
Uma expressão recorrente no livro do Deuteronômio é ‘~ymiY"h;-lK' todos os
dias.
29
Idem. p. 221-232. 30
Idem. p. 226.
54
A ideia de totalidade se repete nessa fórmula e também em outras como por
exemplo: laeêr"f.yI-lK la, “para todo Israel”, ~yQIåxuh;-lK' “todos os estatutos”, ^yY<+x;
ymeäy> lKoß todos os dias as tua vida, etc.
4,13:
‘~k,t.a, hW"Üci rv,’a] AtªyrIB.-ta, ~k,øl' dGE“Y:w:
`~ynI)b'a] tAxïlu ynEßv.-l[; ~beêT.k.YIw:) ~yrI+b'D>h; tr<f,Þ[] tAfê[]l;
Então vos anunciou ele a sua aliança que vos ordenou cumprir, os dez mandamentos, e
os escreveu em duas tábuas de pedra.
Uma palavra importante na teologia do deuteronomista é a palavra aliança. No
versículo acima ela aparece acompanhada pelo sinal do objeto direto AtªyrIB.-ta “a
sua aliança”.
É importante considerarmos nesse passo a passo da nossa leitura do
Deuteronômio alguns fatores: Conforme podemos perceber as expressões vão
crescendo, digo, as palavras que aparecem de forma mais recorrentes. Elas foram
“aparecendo aos poucos”, como uma semente que vai crescendo, se desenvolvendo,
criando forma, raízes, tronco e assim por diante. Não estamos afirmando que tais
palavras são muitas, pelo contrário, vamos recordar mais uma vez que falamos de
expressões-chave, e palavras recorrentes que vão sempre orbitando. Esse fator
primeiramente deixa entender que o livro não foi escrito da noite para o dia, antes
passou por um longo processo de desenvolvimento até chegar em sua forma final.
Quando pensamos em forma final também consideramos a hipótese de que, o
deuteronomista organizou, foi reunindo as expressões unificando-as, formando um
grupo de palavras talvez já existentes em documentos antigos ou não. Mas de qualquer
forma percebemos que o Deuteronômio ajunta, unifica entorno de um centro várias
tradições.
4,14:
dMeäl;l. awhiêh; t[eäB' ‘hw"hy> hW"Üci ytiúaow>
~T,²a; rv<ïa] #r<a'§B' ~t'êao ~k,ät.fo[]l; ~yji_P'v.miW ~yQIßxu ~k,êt.a,
`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o
Também o SENHOR me ordenou ao mesmo tempo que vos ensinasse estatutos e juízos,
para que os cumprísseis na terra a qual passais a possuir.
55
A referência aos estatutos e ordenanças faz o povo relembrar a experiência do
Êxodo. YHWH fez conhecidas suas palavras ao seu povo, no entanto não se revelou em
forma física. Entendemos que através das fórmulas que se apresentam costuradas aos
eventos do passado YHWH queria instruir Israel acerca da impossibilidade de Deus ser
representado fisicamente. Através desses ensinamentos YHWH queria separar Israel dos
cananeus. A forma com que YHWH se apresentou, ou se manifestou a Israel era algo
que o mesmo jamais poderia deixar cair no esquecimento, por isso o deuteronomista se
utiliza de recursos retóricos, de fórmulas fxas recorrentes na narração.
As leis no decorrer do livro vão sendo descritas, mas algumas tradições ligadas à
eventos históricos estão sempre sendo rememoradas juntamente com as fórmulas
exortativas que reclamam, que advertem os destinatários no tocante à audição concreta,
obediente.
4,15: ~k,_ytevop.n:l. daoßm. ~T,îr>m;v.nIw>
Guardai, pois, com diligência as vossas almas... A audição concreta vinculada à decisão obediente da guarda dos mandamentos
às vezes parece junto com o termo antropológico néfesh. Nesse caso a palavra é dirigida
à sede dos anseios e desejos. Às vezes o termo é compreendido como “cobiça”, e nesse
caso o deuteronomista adverte os seus destinatários no tocante a esse aspecto da vida
humana. A sede dos anseios e desejos não deve se voltar às práticas cananéias. Por isso
o deuteronomista recorre a esses recursos antropológicos no intuito de alertar os seus
destinatários, conforme prossegue no verso mencionado a seguir:
4,29:
`^v<)p.n:-lk'b.W ^ßb.b'l.-lk'B. WNv,êr>d>ti yKiä...
...quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma
Neste verso o deuteronomista utiliza o vocábulo néfesh juntamente, em paralelo
com o vocábulo lev, palavra comumente traduzida por coração. Nesse caso é obvio que
a recitação dos termos antropológicos de forma paralela deixa entender que o
deuteronomista se refere a setores distintos da vida humana. Com mais afinco
analisaremos o vocábulo lev nos capítulos 2 e 3.
No decorrer de sua narração o deuteronomista agora, mais uma vez, lembra
Israel de que o mesmo não viu YHWH mas ouviu a sua voz, do meio do fogo. Podemos
entender que a insistência do deuteronomista na utilização da fórmula recorrente tem
56
por objetivo lembrar Israel acerca dos estatutos referentes à proibição de imagens e
representações:
4,36:
%ATïmi T'[.m;Þv' wyr"îb'd>W
`vae(h'
...e ouviste as suas palavras do meio do fogo.
4,39:
è^b,b'l.-la, ét'boveh]w: ~AY©h; T'ä[.d:y"w>
Por isso hoje saberás, e refletirás no teu coração...
Para o deuteronomista o coração é a sede dos pensamentos, da reflexão, da
memória. Nesse caso utiliza-se da expressão ét'boveh]w e refletirás, e pensarás, da raiz
hachav, pensar, que no caso seria “pensar no coração”.
O coração é um setor da vida humana considerado central na teologia
deuteronomista.
4,40:
rv,’a] wyt'ªwOc.mi-ta,w> wyQ"åxu-ta, T'úr>m;v'w>
![;m;’l.W ^yr<_x]a; ^yn<ßb'l.W ^êl. bj;äyyI ‘rv,a] ~AYëh; ‘^W>c;m. ykiÛnOa'
^ßl. !tEïnO ^yh,²l{a/ hw"ôhy> rv,’a] hm'êd"a]h'ä-l[; ‘~ymiy" %yrIÜa]T;
`~ymi(Y"h;-lK'
E guardarás os seus estatutos e os seus mandamentos, que te ordeno hoje para que te
vá bem a ti, e a teus filhos depois de ti, e para que prolongues os dias na terra que o
SENHOR teu Deus te dá para todo o sempre.
As palavras-chave em destaque são recorrentes, permanecem orbitando em torno
das molduras que abrangem os blocos e as perícopes do Dt. Elas se relacionam entre si
às vezes relacionadas com termos antropológicos, inclusive lev, que é o objeto de nossa
análise.
Justificando aqui a utilização de palavras chave no DT. São palavras que
aparecem de reforma recorrente, estatutos, juízos, mandamentos, preceitos, concerto,
palavras, terra, lev "coração", "guardar", davar, devarim, palavras. Elas ficam
57
"orbitando" no decorrer do livro sendo inseridas de forma gradual e permanecem
sempre entorno daquilo que é central... Ouve Israel!
5,1:
rm,aYOæw: èlaer"f.yI-lK'-la, éhv,mo ar"äq.YIw:
yki²nOa' rv<ôa] ~yjiêP'v.Mih;-ta,w> ~yQIåxuh;-ta, ‘laer"f.yI [m;Ûv. ~h,ªlea]
`~t'(fo[]l; ~T,Þr>m;v.W ~t'êao ~T,äd>m;l.W ~AY=h; ~k,ÞynEz>a'B. rbEïDo
E chamou Moisés a todo o Israel, e disse-lhes: Ouve, ó Israel, os estatutos e juízos que
hoje vos falo aos ouvidos; e aprendê-los-eis, e guardá-los-eis, para os cumprir. Não
com nossos pais fez o SENHOR esta aliança, mas conosco, todos os que hoje aqui
estamos vivos.
5,3:
tyrIåB.h;-ta, hw"ßhy> tr:îK' Wnyteêboa]-ta, al{å
`~yYI)x; WnL'îKu ~AYàh; hpo± hL,aeî Wnx.n:“a] WnT'ªai yKiä taZO=h;
Não com nossos pais fez o SENHOR esta aliança, mas conosco, todos os que hoje aqui
estamos vivos;
As palavras da aliança são agora vistas com ênfase na expressão ~AYàh; muito
recorrente no livro do Deuteronômio. Israel hoje é interpelado a acatar a aliança. O
deuteronomista dá ênfase para o hayom mas sempre articulando o hoje com os eventos
históricos-salvíficos e tradicionais do passado. O deuteronomista quer que Israel faça
uma aliança hoje, porém sempre remomorando os feitos de YHWH no passado. Assim
com YHWH foi com Israel no passado, será no presente. Israel agora deverá guardar a
aliança, os mandamentos para que tenha um futuro promissor na boa terra que YHWH
jurou vos dar por herança.
5,22:
hw"“hy> •rB,DI hL,ae‡h' ~yrIåb'D>h;-ta,(
Estas palavras falou o SENHOR...
A expressão ~yrIåb'D>h é de suma importância, pois é o título do livro devarim,
“palavras”. Essa fórmula que o deuteronomista utiliza para intitulação do livro ocorre
conforme vimos no início do capítulo 1 como encabeçando a seção. Ela foi dirigida a
todo o Israel e de forma recorrente aparece no livro. O redator aqui nesse caso utiliza da
58
forma referindo-se à YHWH como o autor das palavras. No início do livro a expressão
ocorre com referência a Moisés, porém o mesmo como porta-voz de YHWH.
No texto abaixo as palavras são colocadas na boca de YHWH pelo
deuteronomista que procura atingir os seus destinatários. O narrador expressa o seu
desejo, o seu projeto centralizador e unificado com a noção de totalidade articulada com
expressões referentes à guarda dos mandamentos. Reclama, reivindica a entrega total do
lev e os desdobramentos de tal entrega no cotidiano, através da expressão ~ymi_Y"h;-lK'
todos os dias:
5,29:
ha'îr>yIl. ~h,ªl' hz<÷ ~b'’b'l. •hy"h'w> !Te‡yI-ymi(
~ymi_Y"h;-lK' yt;ÞwOc.mi-lK'-ta, rmoðv.liw> yti²ao
Quem dera que eles tivessem tal coração que me temessem, e guardassem todos os
meus mandamentos todos os dias...
5,31:
^yl,ªae hr"äB.d:a]w: èydIM'[i dmoå[] éhPo hT'ªa;w>
Wfå['w> ~dE_M.l;T. rv<åa] ~yjiÞP'v.Mih;w> ~yQIïxuh;w> hw"±c.Mih;-lK' taeó
`HT'(v.rIl. ~h,Þl' !tEïnO yki²nOa' rv<ôa] #r<a'êb'
Tu, porém, fica-te aqui comigo, para que eu a ti te diga todos os mandamentos, e
estatutos, e juízos, que tu lhes hás de ensinar, para que cumpram na terra que eu lhes
darei para possuí-la.
O citado estilo deuteronomico caracterizado
pela infatigável repetição de fórmulas típicas, é
do princípio ao fim uma interprelação que
exorta, reclama o compromisso e conjura
afetuosamente. Do ponto de vista de sua forma
é a única pregação de despedida de Moisés a
Israel. Supõe a seguinte situação: Israel no
Sinai, chamado Horebe no Deuteronomio, só
recebeu o Decálogo, mas Moisés recebeu
muito mais de Javé, recebeu “toda a lei” (kol
hammitzvâh Dt 5,31) para cuja recepção Israel
não estava preparado pois não podia mais
escutar Javé. Mas a revelação completa divina
foi revelada na terra de Moab por Moisés antes
59
de sua morte, vistp que só deveria entrar em
rigor como regra de vida depois que o povo
entrasse na terra de Canaã (Dt 4,45; 5,27;
31,9). O próprio Dt se considera uma revelação
sinaítica ampliada. Só num apendice posterior
desliga-se um pouco dos acontecimentos do
Sinai imaginando uma aliança na terra de
Moabe (Dt 28,69). Mas mesmo sobre esse
aspecto é a revelação de Javé a Moisés sobre o
Sinai.31
No tocante à expressão acima utilizada por Von Rad, a saber “repetição de
fórmulas”, atentemos para o detalhe observado pelo mesmo acerca da expressão kol
hamitzvâh, a saber, “todos os mandamentos” hw"±c.Mih;-lK' juntamente com as
palavras-chave muito recorrentes: ~yjiÞP'v.Mih;w> ~yQIïxuh;w> e os estatutos e os juízos,
ligadas ao lK' todo, vocábulo este que marca presença muito forte na teologia
deuteronomista, pois refere-se à totalidade, um dos pontos centrais da teologia do
Deuteronômio.
5,33:
~k,²yhel{a/ hw"ôhy> hW"÷ci rv,’a] %r<D<ªh;-lk'B.
~ymiêy" ~T,äk.r:a]h;w> ~k,êl' bAjåw> ‘!Wyx.Ti( ![;m;Ûl. Wkle_Te ~k,Þt.a,
`!Wv)r"yTi( rv<ïa] #r<a'ÞB'
Andareis em todo o caminho que vos manda o SENHOR vosso Deus, para que vivais e
bem vos suceda, e prolongueis os dias na terra que haveis de possuir.
As palavras-chave como mandamento, estatuto, juízo e as parêneses acerca da
obediência seguem estabelecendo uma relação de proximidade com o tema da terra.
Conforme falamos anteriormente o deuteronomista descreve a posse da terra como
dádiva, mas dádiva sempre acompanhada, seguida da exortação no tocante à guarda dos
estatutos e juízos de YHWH. Isso poderemos notar em várias passagens, como por
exemplo os versos 17-18 à seguir:
6,17a:
hw"åhy> twOàc.mi-ta, !Wrêm.v.Ti rAmæv'
31
Idem. p. 222.
60
Diligentemente guardareis os mandamentos do SENHOR...
6,17b
`%W")ci rv<ïa] wyQ"ßxuw> wyt'îdo[ew>
...os seus testemunhos e seus estatutos, que te tem mandado.
6,18:
‘![;m;’l. hw"+hy> ynEåy[eB. bAJßh;w> rv"ïY"h; t'yfi²['w>
hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] hb'êJoh; #r<a'äh'-ta, ‘T'v.r;y")w> t'ab'ªW %l'ê bj;yyIå
`^yt,(boa]l;
E farás o que é reto e bom aos olhos do SENHOR, para que bem te suceda, e entres, e
possuas a boa terra, sobre a qual o SENHOR jurou a teus pais;
O deuteronomista nessa passagem traz a parênese da exortação seguida de uma
qualidade que acompanha a terra, a saber hb'êJoh; #r<a'äh'-ta a terra boa. A expressão
ocorre muitas vezes para que Israel recorde das dificuldades de outrora. O Egito é
descrito pelo deuteronomista como casa dos escravos, o deserto como lugar terrível,
mas a Canaã é descrita como hb'êJoh; #r<a'äh'-ta terra boa.
O narrador se utiliza destes contrastes a fim de atingir, influenciar na decisão dos
destinatários por YHWH. Os destinatários do deuteronomista tinham que ter
consciência do passado, mas precisavam no presente olhar para o futuro promissor na
terra boa que fora prometida aos pais. Para o deuteronomista a única forma de Israel
adentrar na terra boa, terra essa completamente distinta da casa da servidão e do deserto
terrível é pelo viés da observância, da guarda diligente dos mandamentos.
Nestas passagens podemos perceber como o encadeamento das palavras-chave
pressupõe intenções teológicas no pensamento do narrador. Egito, deserto,
mandamentos, estatutos, juízos, ordenanças, terra boa, passado, presente, fututo estão
sempre em relação. YHWH é senhor de todas as coisas, inclusive do tempo.
6,20:
tdoª[eh' hm'ä rmo=ale rx"ßm' ±n>bi ^ïl.a'v.yI-yKi(
`~k,(t.a, WnyheÞl{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa] ~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;(w>
61
Quando teu filho te perguntar, pelo tempo adiante, dizendo: Quais são os testemunhos,
e estatutos, e juízos que o SENHOR, nosso Deus, vos ordenou?
A resposta à pergunta dos filhos se volta para a relação entre mandamentos e
êxodo. A libertação da condição de escravos é o pré-requisito para a obediência, por
outro lado, guardar os mandamentos, estatutos e juízos implica em liberdade, e
qualidade de vida, conforme observa Frank Crüsemann:32
O Deuteronômio é dirigido a proprietários de
terra livres, e o tempo todo pressupõe sua
liberdade efetiva e real. Isto acontece, por um
lado, no discurso de Moisés depois da libertação
do Egito. Mas é também, sistemática e
explicitamente a pressuposição e o sentido de
todas as leis. Isso fica claro especialmente em Dt
6,20, um texto que segue o shemá Israel
fundamental (6,4) com sua ênfase na unidade de
Deus com a qual todas as forças humanas devem
estar relacionadas.33
6,24:
~yQIåxuh;-lK'-ta, ‘tAf[]l; hw"©hy> WnWEåc;y>w:
~ymiêY"h;-lK' ‘Wnl'’ bAjïl. Wnyhe_l{a/ hw"åhy>-ta, ha'Þr>yIl. hL,aeêh'
`hZ<)h; ~AYðh;K. WnteÞYOx;l.
E o SENHOR nos ordenou que fizéssemos todos estes estatutos, para temermos ao
SENHOR, nosso Deus, para o nosso perpétuo bem, para nos guardar em vida, como no
dia de hoje.
O narrador utilza-se de inúmeras vezes da expressão ~yQIåxuh;-lK'-ta, ‘tAf[]l
para fazer todos os estatutos...O leitor poderá perceber que o deuteronomista associa tal
reivindicação expressa na noção de totalidade conforme já abordamos no decorrer do
trabalho com a noção de recompensa através da expressão ~ymiêY"h;-lK' ‘Wnl'’ bAjïl.
para o nosso bem todos os dias... Até mesmo a vida é colocada dentro desta cadeia de
expressões como recompensa da obediência às ordenanças e estatutos.
6,25:
32
CRÜSEMANN, Frank. A Torá. Teologia e História Social da Lei do Antigo Testamento. Editora
Vozes, São Paulo. 2002, 599 p. 33
CRÜSEMANN, Frank. 2002, p. 307.
62
tAfø[]l; rmo’v.nI-yKi( WnL'_-hy<h.Ti( hq"ßd"c.W
`WnW")ci rv<ïa]K; WnyheÞl{a/ hw"ïhy> ynE±p.li taZO©h; hw"åc.Mih;-lK'-ta,
E será para nós justiça, quando tivermos cuidado de fazer todos estes mandamentos
perante o SENHOR, nosso Deus, como nos tem ordenado.
Através da expressão recorrente hw"åc.Mih;-lK'-ta, tAfø[]l para fazer todos os
mandamentos, ordenanças, o deuteronomista associa promete em nome de YHWH que
a justiça será estabelecida na vida do israelita obediente.
Quanto a essa teologia deuteronomista muito baseada na relação causa-efeito
nós não entraremos no mérito da questão. Achamos conveniente nos ater às
características literárias, as questões de estilo do narrador. Queremos através dessa
análise apenas fazer ressalva aquilo que identificamos como relevante para o redator. É
certo que o deuteronomista traz consigo algumas premissas, alguns interesses
particulares de cunho político e ideológico, porém que não serão abordados aqui.
Entendemos a questão da teologia deuteronomista muito baseada na relação causa-efeito
já resolvida do ponto de vista de uma análise canônica, ou seja, embasada na leitura de
outros livros da Bíblia Hebraica. O que nos interessa aqui é a investigação das palavras-
chave recorrentes na redação deuteronomista para uma melhor compreensão do projeto
deuteronômico. O deuteronomista continua utilizando destas reivindicações
relacionadas à guarda de todos os mandamentos implementados por seu projeto:
7,11
~yQIåxuh;¥-ta,w> hw"÷c.Mih;-ta, T'’r>m;v'w>
`~t'(Af[]l; ~AYàh; ^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] ~yjiªP'v.Mih;-ta,w>
Guarda, pois, os mandamentos, e os estatutos, e os juízos que hoje te mando fazer.
8,1:
~AYàh; ±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hw"©c.Mih;-lK'
~T,äv.rIywI) ‘~t,ab'W ~t,ªybir>W !Wy÷x.Ti( ![;m;’l. tAf+[]l; !Wråm.v.Ti
`~k,(yteboa]l; hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] #r<a'êh'-ta,
Todos os mandamentos que hoje vos ordeno guardareis para os fazer, para que vivais,
e vos multipliqueis, e entreis, e possuais a terra que o SENHOR jurou a vossos pais.
63
O projeto deeuteronômico é legitimado pelo redator deuteronomista utilizando o
nome YHWH ou às vezes utilizando a expressão ^yh,_l{a/ hw"åhy> conforme segue abaixo
um exemplo:
8,6:
tk,l,îl' ^yh,_l{a/ hw"åhy> twOàc.mi-ta, T'êr>m;v'äw>
`At*ao ha'îr>yIl.W wyk'Þr"d>Bi
E guarda os mandamentos do SENHOR, teu Deus, para o temeres e andares nos seus
caminhos.
8,11:
^yh,_l{a/ hw"åhy>-ta, xK;Þv.Ti-!P, ^êl. rm,V'ähi
^ßW>c;m. ykiînOa' rv<±a] wyt'êQoxuw> wyj'äP'v.miW ‘wyt'wOc.mi rmoÝv. yTi’l.bil.
`~AY*h;
Guarda-te para que te não esqueças do SENHOR, teu Deus, não guardando os seus
mandamentos, e os seus juízos, e os seus estatutos, que hoje te ordeno;
Advertencia do versiculo 17 acerca da soberba do coração. Podemos perceber
um enfoque diferente do uso do vocabulo antropológico lev relacionado com os
mandamentos. Nesse caso se trata do orgulho, da altivez do coração que não reconhece
os feitos de Javé.
9,1:
!DEêr>Y:h;-ta, ‘~AYh; rbEÜ[o hT'’a; laeªr"f.yI [m;äv.
tl{ïdoG> ~yrI±[' &'M<+mi ~ymiÞcu[]w: ~yliîdoG> ~yIëAG tv,r<äl' ‘abol'
`~yIm")V'B; troßcub.W
Ouve, ó Israel, hoje, passarás o Jordão, para entrares a possuir nações maiores e mais
fortes do que tu; cidades grandes e muradas até aos céus;
Algumas fórmulas continuam aparecendo de forma recorrente como: Lembra-te,
e não te esqueças (Dt 9.7); E YHWH me disse...(9.12); Falou-me mais YHWH dizendo
(9.13).
10,1:
64
hw"åhy> rm:ôa' awhiøh; t[e’B'
Naquele mesmo tempo, me disse o SENHOR:
10,4:
tae… !AvªarIh' bT'äk.MiK; txoøLuh;-l[;( bTo’k.YIw:
vaeÞh' %ATïmi rh"±B' ~k,îylea] hw"“hy> •rB,DI rv<åa] ~yrIêb'D>h; tr<f,ä[]
`yl'(ae hw"ßhy> ~nEïT.YIw: lh'_Q'h; ~AyæB.
Então, escreveu o SENHOR nas tábuas, conforme a primeira escritura, os dez
mandamentos, que o SENHOR vos falara no dia da congregação, no monte, do meio do
fogo; e o SENHOR mas deu a mim.
10,1:
[S;Þm;l. %lEï ~Wq± yl;êae ‘hw"hy> rm,aYOÝw:
~t'Þboa]l; yTi[.B;îv.nI-rv,a] #r<a'êh'-ta, Wvår.yI)w> ‘Wabo’y"w> ~['_h' ynEåp.li
`~h,(l' tteîl'
Porém o SENHOR me disse: Levanta-te, põe-te a caminho diante do povo, para que
entre e possua a terra que jurei a seus pais dar-lhes.
O redator deuteronomista possui uma característica que o torna peculiar. Esta
peculiaridade se encontra no seu vocabulário. Ele sempre retoma as expressões e
palavras-chave que possui em seu acervo. O redator deuteronomista no decorrer do
texto vai tecendo os fios. Ele prossegue costurando-os, às vezes retomando elementos
mencionados outrora, porém de forma mais agrupada conforme o texto abaixo:
10,12:
laeÞvo ^yh,êl{a/ hw"åhy> hm'… laeêr"f.yI ‘hT'[;w>
tk,l,Ûl' ^yh,øl{a/ hw"“hy>-ta, ha'r>yIl.û-~ai yKiä %M"+[ime
^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘dbo[]l;(w> Atêao hb'äh]a;l.W ‘wyk'r"D>-lk'B.
`^v<)p.n:-lk'b.W ßb.b'l.-lk'B.
Agora, pois, ó Israel, que é o que o SENHOR, teu Deus, pede de ti, senão que temas o
SENHOR, teu Deus, e que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao
SENHOR, teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma;
65
O vocabulário típico deuteronomista permanece retomando elementos outrora
mencionados, mas agora relacionados com outros elementos. A exemplo disso podemos
notar a relação que o redator estabelece acima entre as expressões: “amar”, “servir”,
“andar”, e novamente a noção de totalidade, expressa através do vocábulo kol
aglutinado à palavra “caminho”, wyk'r"D>-lk'B. todos os seus caminhos. Junto com tais
expressões o deuteronomista faz o fechamento da exortação novamente com a ideia de
totalidade expressa nas dimensões corpóreas do ser humano através da seguinte
fórmula: `^v<)p.n:-lk'b.W ^ßb.b'l.-lk'B. de todo o teu coração e com toda a tua vida.
Talvez o estilo do deuteronomista que se utiliza de repetições cause
estranhamento por parte do leitor pelo fato de que, a expressão já fora utilizada pelo
redator na perícope de Dt 6. De fato o deuteronomista já a utilizou, porém não se cansa
de retomá-la no intuito de aconselhar o povo. A maneira com que toma os vocábulos é
um aspecto a ser considerado, pois os retoma de forma mais agrupada, e por motivações
teológicas. Ou seja, em algumas passagens se utiliza desse recurso para dar ênfase
àquilo que está sendo exposto. Outro aspecto que pode ser considerado é uma tentativa
por parte do deuteronomista de fazer com que o texto mantenha um certo padrão de
unidade. Isso porque no desenrolar da narrativa as leis mudam, mas o vocabulário
utilizado nas passagens exortativas permanecem. A relação do ser humano com YHWH
é sempre vista na relação com a guarda dos mandamentos, dos estatutos e juízos. Estes
são muitas vezes colocados como condicionamentos em relação à posse da terra que por
outro lado é considerada dádiva de YHWH. Esta forma de exposição possui esse
aspecto dialético. O Isrelita tem que obedecer, mas obedecendo não pode se esquecer
que era escravo, que YHWH o libertou do Egito. Por isso a preocupação do
deuteronomista no tocante ao “guardar” as ordenanças e mandamentos. O israelita é
convocado a guardar sem se esquecer dos benefícios outrora recebidos:
10,13:
wyt'êQoxu-ta,w> ‘hw"hy> twOÝc.mi-ta, rmoúv.li
`%l") bAjßl. ~AY=h; ^ßW>c;m. ykiînOa' rv<±a]
para guardares os mandamentos do SENHOR e os seus estatutos, que hoje te ordeno,
para o teu bem?
66
A insistência na repetição de fórmulas e expressões fixas podem ser uma tentiva
por parte do redator de manter a unidade do livro conforme mencionamos
anteriormente.
O redator agrupou diversas tradições, jurídicas e cultuais no livro do
Deuteronômio e no desvendar dos diversos assuntos ele retoma a importância da
observância do que se tem mencionado. E esse método é sempre motivado por um
interesse teológico, de unificar, de reivindicar o todo do ser humano na sua relação com
Deus e com o próximo. Não podemos nos esquecer que o deuteronomista direciona o
seu discurso a um grupo, ou seja, ele conhece pelo menos parcialmente os seus
destinatários e por motivações próprias desenvolve todo esse afresco esquemático para
instrução das pessoas. Abaixo percebemos a retomada dos elementos do capítulo 6:
11,1:
T'är>m;v'w> ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw>
`~ymi(Y"h;-lK' wyt'ÞwOc.miW wyj'²P'v.miW wyt'óQoxuw> ATªr>m;v.mi
Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, e guardarás a sua observância, e os seus estatutos,
e os seus juízos, e os seus mandamentos, todos os dias.
A preocupação do deuteronomista se volta para a importância da guarda dos
mandamentos e estatutos ~ymi(Y"h;-lK' todos os dias. Esse alerta, essa preocupação não é
em vão. Israel andou por algum tempo afastado dessa unidade reivindicada pelo redator
que agora insiste com ela. A ênfase dada a expressão “todos os dias” tem suas razões na
história, de um povo que por muitas vezes não deu conta de perseverar, de permanecer
na observância de “tudo” que YHWH havia ordenado. Por isso agora o tempo “todo”
YHWH interpretado pelo deuteronomista pede às pessoas a totalidade, a unidade, a
veneração ao único num único lugar, com um só lev indivisível, com uma só néfesh,
com todas as posses, num lugar único o qual seria escolhido por YHWH. Conforme
vemos abaixo a tradição do êxodo aparece com ênfase na redação. Isso porque a
reivindicação por parte de YHWH não quer ser legalista. As exortações querem lembrar
os israelitas que o ponto de partida é o amor de YHWH para com Israel, ainda que haja
um condicionamento em relação à posse da terra o que sobrepões a tudo isso é a grande
oferta da salvação. Os númerosos imperativos são explicações do mandamento do amor
por YHWH e de apego exclusivo a ele.
11,2:
rv<Üa] ~k,ªynEB.-ta, al{å ŸyKiä è~AYh; é~T,[.d:ywI)
67
~k,_yhel{a/ hw"åhy> rs:ßWm-ta, Waêr"-al{ rv<åa]w: ‘W[d>y"-al{)
`hy")WjN>h; A[ßroz>W hq'êz"x]h; ‘Ady"-ta, Al§d>G"-ta,
E hoje sabereis que falo, não com vossos filhos, que o não sabem e não viram a
instrução do SENHOR, vosso Deus, a sua grandeza, a sua mão forte, e o seu braço
estendido;
11,8:
ykiînOa' rv<±a] hw"ëc.Mih;-lK'-ta, ‘~T,r>m;v.W
rv<ïa] #r<a'êh'-ta, ~T,äv.rIywI) ‘~t,ab'W Wqªz>x,T, ![;m;äl. ~AY=h; ßW>c;m.
`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o ~T,²a;
Guardai, pois, todos os mandamentos que eu vos ordeno hoje, para que vos esforceis, e
entreis, e possuais a terra que passais a possuir;
11,9:
rv,a] hm'êd"a]h'ä-l[; ‘~ymiy" WkyrIÜa]T; ![;m;’l.W
bl'Þx' tb;îz" #r<a,² ~['_r>z:l.W ~h,Þl' tteîl' ~k,²yteboa]l; hw"ôhy> [B;’v.nI
s `vb'(d>W
.e para que prolongueis os dias na terra que o SENHOR jurou a vossos pais dá-la a
eles e à sua semente, terra que mana leite e mel.
11,13:
rv<ôa] yt;êwOc.mi-la, ‘W[m.v.Ti [:moÜv'-~ai hy"©h'w>
‘~k,yhel{)a/ hw"Ühy>-ta, hb'úh]a;l. ~AY=h; ~k,Þt.a, hW<ïc;m. yki²nOa'
`~k,(v.p.n:-lk'b.W ~k,Þb.b;l.-lk'B. Adêb.['l.W
E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje te ordeno, de
amar o SENHOR, teu Deus, e de o servir de todo o teu coração e de toda a tua alma.
11,14:
hr<äAy ATß[iB. ~k,²c.r>a;-rj:)m. yTiót;n"w>
`^r<)h'c.yIw> ^ßv.royti(w> ^n<ëg"d> T'äp.s;a'w> vAq+l.m;W
Então, darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a serôdia, para que
recolhas o teu cereal, e o teu mosto, e o teu azeite.
68
11,18:
~k,Þb.b;l.-l[; hL,aeê yr:äb'D>-ta, ‘~T,m.f;w>
tpoßj'Ajl. Wyðh'w> ~k,êd>y<-l[; ‘tAal. ~t'Ûao ~T,’r>v;q.W ~k,_v.p.n:-l[;(w>
`~k,(ynEy[e !yBeî
Ponde, pois, estas minhas palavras no vosso coração e na vossa alma, e atai-as por
sinal na vossa mão, para que estejam por testeiras entre os vossos olhos;
11,20:
`^yr<(['v.biW ^t<ßyBe tAzðWzm.-l[; ~T'²b.t;k.W
e escreve-as nos umbrais de tua casa e nas tuas
portas,
11,22:
hw"åc.Mih;-lK'-ta, !Wrøm.v.Ti rmo’v'-~ai •yKi
hw"ôhy>-ta, hb'úh]a;l. Ht'_fo[]l; ~k,Þt.a, hW<ïc;m. yki²nOa' rv<ôa] taZO©h;
`Ab*-hq'b.d"l.W wyk'Þr"D>-lk'B. tk,l,îl' ~k,²yhel{a/
Porque, se diligentemente guardardes todos estes mandamentos que vos ordeno para os
guardardes, amando o SENHOR, vosso Deus, andando em todos os seus caminhos, e a
ele vos achegardes,
De agora em diante iremos apenas fazer algumas resslavas de assuntos
recorrentes e importantes de forma mais resumida, visto que nessa análise delimitamos
a nossa pesquisa nos atendo aos capítulos que abrangem a estrutura de 1-11 por conta da
necessidade de limitarmos a averiguação para não incorrermos num projeto muito
amplo sem profundidade.
Agora se inicia o bloco de textos denominado Código Deuteronômico. O leitor
poderá notar que o deuteronomista encabeça o código agrupando várias palavras-chave
mencionadas em nossa leitura anteriormente. O redator reúne as expressões no verso
que dá abertura à seção para desenrolar os assuntos posteriores:
12,1:
!Wråm.v.Ti rv<åa] é~yjiP'v.Mih;w> ~yQIåxuh;¥ hL,aeû
69
HT'_v.rIl. ßl. ^yt,²boa] yheól{a/ hw"÷hy> !t;’n" •rv,a] #r<a'§B' ètAf[]l;
`hm'(d"a]h'-l[; ~yYIßx; ~T,îa;-rv,a] ~ymiêY"h;-lK'
Estes são os estatutos e os juízos que tereis cuidado em fazer na terra que vos deu o
SENHOR, Deus de vossos pais, para a possuirdes todos os dias que viverdes sobre a
terra.
Podemos notar o encadeamento utilizado pelo deuteronomista de início, no
bloco denominado de Código Deuteronômico. Pelo menos sete expressões-chave se
encontram aqui no início do capítulo 12 conforme listamos abaixo:
1. ~yQIåxuh;¥ os estatutos
2. ~yjiP'v.Mih;w e os juízos
3. !Wråm.v.Ti tereis cuidado(guardareis)
4. ètAf[]l em fazer, para fazer
5. #r<a'§B' na terra
6. ^yt,²boa] yheól{a/ hw"÷hy> SENHOR, Deus de vossos pais
7. ~ymiêY"h;-lK' todos os dias
No inicio do Código Deuteronômico
se encontra a exigência de um lugar
de culto unificado (Dt 12). Todos os
sacrífícios, ofertas devem de culto
devem ser trazidos para o único
santuário, aquele lugar que YHWH
escolheu. Esta é sem dúvida, uma das
intervenções mais profundas na
história do culto israelita, com
consequências incalculáveis. A
libertação do abate profano, a
separação de culto e religião e, com
isto, a forma de judaísmo e
cristianismo, tudo parte daqui.34
Conforme observamos acima Israel deveria ser unificado nas questões cultuais.
A guarda dos mandamentos no que se refere à advertecia do início do capítulo 12 reflete
esta ideia. Estes mandamentos estão sob a mira, o foco do centro do deuteronômio 6,4
que reinvindica de Israel o amor de todo o lev coração, isto é, YHWH requer sempre a
34
Idem. p. 311.
70
totalidade, e nesse caso observamos os desdobramentos, ou mehor, a “extensão”, os
ramos do tronco que é o shemá inclusive na prática cultual. O culto deveria ser apenas
um, centralizado. Vejamos o que diz Crüsemann a esse respeito:
A centralização do culto é a forma
que o Deuteronômio dá ao
primeiro mandamento. É verdade
que a unidade de culto nunca é
justificada diretamente pela
unidade de Deus. Mesmo assim,
não se pode duvidar da conexão; a
questão só é como ela deve ser
vista. A fórmula de Dt 6,4: YHWH
nosso Deus é o único YHWH, em
sua indeterminação e
multiplicidade de sentido
gramatical e de conteúdo, entre
outras coisas, também pode ser
entendida como defesa contra o
polijavismo, como é comprovado
em fórmulas como “YHWH de
Dã”, “YHWH de Temã”, e
“YHWH de Samaria”. O único
YHWH está somente ligado ao
único santuário.35
A obediência aos mandamentos no Deuteronômio é um dos pré-requisitos para a
bênção. Mais uma vez podemos notar a intercalação de exortações e mandamentos
divinos. Isso é bem característico do narrador deuteronomista. Israel irá bem na terra
que YHWH jurou aos pais, desde que guarde, e ouça e faça conforme todas as palavras
que YHWH ordenou:
12,28:
hL,aeêh' ~yrIåb'D>h;-lK' tae… T'ª[.m;v'w> rmoæv.
Guarda e ouve todas estas palavras
13,18:
‘rmov.li ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘lAqB. [m;ªv.ti yKiä
rv'êY"h; ‘tAf[]l; ~AY=h; ^ßW>c;m. ykiînOa' rv<±a] wyt'êwOc.mi-lK'-ta,
`^yh,(l{a/ hw"ïhy> ynEßy[eB.
35
Idem. 311-312.
71
Quando ouvires a voz do SENHOR, teu Deus, para guardares todos os seus
mandamentos, que hoje te ordeno, para fazeres o que for reto aos olhos do SENHOR,
teu Deus.
As exortações voltam constantemente ao tema da separação entre Israel e os
outros povos. Esta exigência é formulada nas leis (Dt 13,2-6; 9-12; 13-19; 17,2-7; 18,9-
13).
15,5:
hw"åhy> lAqßB. [m;êv.Ti [;Amåv'-~ai qr:…
ykiînOa' rv<±a] taZOëh; hw"åc.Mih;-lK'-ta, ‘tAf[]l; rmoÝv.li ^yh,_l{a/
`~AY*h; ^ßW>c;m.
Se somente ouvires diligentemente a voz do SENHOR, teu Deus, para cuidares em fazer
todos estes mandamentos que hoje te ordeno;
15,15:
~yIr:êc.mi #r<a,äB. ‘t'yyI’h' db,[,Û yKiä T'ªr>k;z"w>
hZ<ßh; rb"ïD"h;-ta, ±W>c;m. ykiónOa' !Keú-l[; ^yh,_l{a/ hw"åhy> ßD>p.YIw:)
`~AY*h;
E lembrar-te-às que foste servo na terrado Egito, e de que o Senhor teu Deus te
resgatou, pelo que te ordeno esta coisa hoje.
O fato de que os mandamentos
deuteronômicos se aplicam aos que foram
libertados no êxodo é retomado no livro
em muitas passagens e contextos bem
diferentes. No Código da Aliança
recordava-se a condição de estrangeiros
no Egito (Ex 22,20; 23,9). Agora o
enfoque está sempre em acabar com a
condição de escravos. Este é o argumento
nas leis sobre a escravidão ou para
72
proteção de estrangeiros e fracos (Dt
15,15).36
16,18:
^yr<ê['v.-lk'B. ‘^l.-!T,Ti( ~yrIªj.vo)w> ~yjiäp.vo
~['Þh'-ta, Wjïp.v'w> ^yj,_b'v.li ^ßl. !tEïnO ^yh,²l{a/ hw "ôhy> rv,’a]
`qd<c,(-jP;v.mi
Juízes e oficiais porás em todas as tuas portas que o SENHOR, teu Deus, te der entre as
tuas tribos, para que julguem o povo com juízo de justiça.
16,19:
~ynI+P' ryKiÞt; al{ï jP'êv.mi hJ,ät;-al{
yrEîb.DI @LEßs;ywI) ~ymiêk'x] ynEåy[e ‘rWE[;y> dx;Voªh; yKiä dx;voê xQ:åti-al{w>
`~qI)yDIc;
Não torcerás o juízo, não farás acepção de pessoas, nem tomarás suborno, porquanto o
suborno cega os olhos dos sábios e perverte as palavras dos justos.
16,20:
T'äv.r:y"w> ‘hy<x.Ti( ![;m;Ûl. @Do=r>Ti qd<c,Þ qd<c,î
`%l") !tEïnO ^yh,Þl{a/ hw"ïhy>-rv,a] #r<a'êh'-ta,
A justiça, somente a justiça seguirás, para que vivas e possuas em herança a terra que
te dará o SENHOR, teu Deus.
O projeto do deuteronomista deveria ser comprido à risca. Os vocábulos e
expressões chaves são utilizados no verso abaixo pelo narrador pressupondo um
modelo, um projeto, um trabalho prévio, um planejamento. Tudo deveria ser feito
conforme a administração oficial solicitava:
17,11:
^WrªAy rv<åa] hr"øATh; yPi’-l[;
rb"±D"h;-!mi rWsªt' al{å hf,_[]T; ^ßl. Wrïm.ayO-rv,a] jP'²v.Mih;-l[;w>
`lamo)f.W !ymiîy" ^ßl. Wd)yGIïy:-rv,a] 36
Idem. p. 307-308.
73
Conforme o mandado da lei que te ensinarem e conforme o juízo que te disserem, farás;
da palavra que te anunciarem te não desviarás, nem para a direita nem para a
esquerda.
As palavras-chave aparecem às vezes acompanhadas pela preposição l[;
“conforme”. A expressão hr"øATh; yPi’-l[; e também a expressão jP'²v.Mih;-l[;w>
legitimam a afirmação de que havia uma administração, uma elite, um grupo oficial que
regia a lei seguida de prescrições pautadas na teologia deuteronomista e na fé javista.
Abaixo o deuteronomista com sua proposta de reforma dirige sua admoestação ao rei. O
redator sabe dos riscos e das limitações de um governo humano. Por isso ele se utiliza
das mesmas expressões e advertências.
O rei para o deuteronomista deveria exercer o seu regime com os pressupostos
do Código Deuteronômico. Para o deuteronomista a noção de totalidade que era
reivindicada do povo era também cobrada dos reis. Não poderia haver distorção no
juízo. A lei como um todo era válida para todos. O Deuteronomista deixa nítido que o
rei deveria agradar à YHWH, o Deus único do Dt 6:
17,19:
wyY"+x; ymeäy>-lK' Abß ar"q"ïw> AMê[i ht'äy>h'w>
yrEúb.DI-lK'-ta,( rmov.liû wyh'êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘ha'r>yIl. dm;ªl.yI ![;m;äl.
`~t'(fo[]l; hL,aeÞh' ~yQIïxuh;-ta,w> taZO°h; hr"îATh;
E o terá consigo e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer ao
SENHOR, seu Deus, para guardar todas as palavras desta lei e estes estatutos, para
fazê-los.
O leitor poderá notar que o rei deveria guardar hr"îATh; yrEúb.DI-lK'-ta,( rmov.liû
“todas as palavras desta lei”... E no verso a seguir ocorre o lev do Dt 6 para
advertência ao rei no tocante au cuidado com a lei:
17,20:
rWsï yTi²l.bil.W wyx'êa,me( ‘Abb'l.-~Wr yTiÛl.bil.
AT±k.l;m.m;-l[; ~ymióy" %yrI’a]y: •![;m;l. lwamo+f.W !ymiäy" hw"ßc.Mih;-!mi
`lae(r"f.yI br<q<ïB. wyn"ßb'W aWhï
74
Para que o seu coração não se levante sobre os seus irmãos e não se aparte do
mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; para que prolongue os dias no
seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel.
18,19:
yr:êb'D>-la, ‘[m;v.yI-al{) rv<Üa] ‘vyaih' hy"©h'w>
`AM*[ime vroïd>a, ykiÞnOa' ymi_v.Bi rBEßd:y> rv<ïa]
E será que qualquer que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu nome, eu
o requererei dele.
Na expressão acima o redator deuteronomista recorre à ameaça. Conforme
abordamos anteriormente quando apresentamos a moldura e formação do livro, tais
pressupostos tinham como base os tratados seculares de susserania. Outras passagens
que fazem menção de palavras recorrentes mencionadas anteriormente são: 27,1,3,10;
28,9,13; 29,1,9; 30,14,16; 31,12; 32,1,2, etc.
5.1. Resumo: Uma breve síntese das palavras-chave e
expressões recorrentes:
M. Weinfeld,37
tem sido um dos autores que preparou uma lista com o objetivo
de caracterizar o vocabulário do deuteronomista no livro do Deuteronômio e suas
respectivas expressões recorrentes. Com o auxílio do referido autor apresentamos esta
síntese que nos servirá como um resumo dos assuntos tratados nessa parte.
Abaixo segue a lista de palavras e expressões uitlizadas pelo narrador
deuteronomista:
1. Ouve Israel! (5,1; 6,4; 9,1; 20,3). ex: 6,4: lae_r"f.yI [m;Þv.
2. Servir a YHWH (6,13; 10,12; etc). ex: 10,12: ^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘dbo[]l;(w>
3. Temer a YHWH (5,29) : yt;ÞwOc.mi-lK'-ta, rmoðv.liw> yti²ao ha'îr>yIl.
4. Apegar-se a YHWH (4,4; 10,20; 11,22).
37
THOMPSON, J.A. Deuteronômio. Introdução e Comentário. Sociedade Religiosa Edições Vida Nova,
São Paulo, 1982. p. 31-34.
75
5. Andar nos caminhos de YHWH (5,33; 8,6; 10,12; 11,22).
wyk'Þr"d>Bi tk,l,îl' ^yh,_l{a/ hw"åhy> twOàc.mi-ta, T'êr>m;v'äw>
6. Fazer o que é reto aos olhos de YHWH (6,8; 12,25; 13,18). 12,25:
`hw")hy> ynEïy[eB. rv"ßY"h; hf,î[]t;-yKi(
7. Guardar/cumprir os mandamentos/estatutos/juízos/testemunhos/as palavras
desta lei. Estas expressões são recorrentes no decorrer da narração do
deuteronomista.
8. Estatutos e ordenanças (4,1,5,8; 5,1; 11,32; 12,1; 26,16).
Ex: 11,32: ~yji_P'v.Mih;-ta,w> ~yQIßxuh;¥-lK' taeî tAfê[]l; ~T,är>m;v.W
O deuteronomista utiliza também expressões fixas para se referir à rebelião
contra YHWH e contra a aliança. Lembrando que, a linguagem é semelhante aos
tratados do Antigo Oriente próximo:
1. Fazer aquilo que é mal aos olhos de YHWH (4,25; 9,18;17,31,29).
Ex: 9,18: hw"ßhy> ynEïy[eB. [r:²h' tAfï[]l;
2. Proceder corruptamente (4,16,25; 31,29).
Ex: 4,25: ^yh,Þl{a/-hw")hy> ynEïy[eB. [r:²h' ~t,îyfi[]w:
3. Provocar a ira de YHWH (4,25; 9,7,18; 31,29).
Muitas expressões referem-se à deuses estranhos e à idolatria:
1. Seguir após outros deuses (6,14;11,28; 13,2).
ex: 6,14: ~yrI+xea] ~yhiäl{a/ yrEÞx]a; !Wkêl.te( al{å
2. Servir, adorar outros deuses (7,4; 11,16; 13,2,6,13; 17,3; 28,14).
ex: 7,4: ~yhiäl{a/ Wdßb.['w> yr:êx]a;me
3. Idolatria como abominação (7,25,26; 13,14; 17,4; 18,9).
ex: 18,9: ~he(h' ~yIïAGh; tboß[]AtK. tAfê[]l; dm;äl.ti-al{
4. Uma abominação à YHWH teu Deus (7,25; 12,31; 17,1; 18,12; 22,5).
17,1: `aWh) ^yh,Þl{a/ hw"ïhy> tb;²[]At yKió
5. Referência a praticas cultuais de outras nações: queimar, fazer passar pelo fogo
filhos/filhas (12,31; 18,10); deuses que são obras das mãos de seres humanos
feitos de madeira e pedra (4,28; 27,15; 28,64).
76
Há um número significativo de ocorrências que o deuteronomista utiliza para se
referir à centralização do culto:
1) O lugar que YHWH vosso Deus escolher (12,5,11,14,18,21,26; 14,23,24,25;
15,20). Ex: 12,5: ‘~k,yhel{)a/ hw"Ühy> rx;’b.yI-rv,a] ~AqúM'h;-la,
2) O lugar onde YHWH fara habitar o seu nome (12,5; 14,23; 26,2).
Ex: 26,2: `~v'( Amßv. !KEïv;l. ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘rx;b.yI rv<Üa] ~AqêM'h;-la,
Outras expressões recorrentes se referem ao êxodo com os feitos de YHWH e a
escolha de Israel por Deus:
1. redimir do Egito/casa da servidão (5,6; 6,12; 7,8; 8,14).
ex: 5,6: ~yIr:ßc.mi #r<a,îme ^yti²aceAh
2. Lembra-te que foste escravo na terra do Egito (5,15; 15,15; 16,12)
ex: 5,15: ~yIr:ëªc.mi #r<a,äB. Ÿ‘t'yyI’åh' db,[<Üî-yKiä T'ùªr>k;z"w>
3. YHWH escolheu Israel (4,37; 7,6; 10,15).
4. Para serdes seu povo próprio (4,20; 7,6; 14,2). ex: `hZ<)h; ~AYðK; hl'Þx]n: ~[;îl.
5. Seu povo precioso (7,6; 14,2; 26,18). ex: 26,18: hL'êgUs. ~[;äl. ‘
6. Um povo santo (7,6; 14,2; 26,19). ex: 7,6: vAdq' ~[;Û yKiä
7. Teu povo Israel ((21,8; 26,15). ex: 26,15: laeêr"f.yI-ta, ‘^M.[;-ta,(
8. Aliança (4,13,23; 5,2,) ex: 5,2: brE(xoB. tyrIßB. WnM'²[i tr:îK' Wnyheªl{a/ hw"åhy>
Há muitas expressões que o redator deuteronomista utiliza também para dar
ênfase na posse da terra como dádiva de YHWH:
1. A boa terra que YHWH teu Deus te dá como herança para a possuíres (4,21;
15,4; 19,10; 21,23; 24,4; 26,1).
`hl'(x]n: ^ßl. !tEïnO ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘rv,a] hb'êAJh; #r<a'äh '-la,
2. A terra que passas a possuir/possuir as nações/possuir a sua terra (4,1; 6,18;
7,1; 8,1). ex: 6,18: hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] hb'êJoh; #r<a'äh'-ta,
3. Possessão “yerussa” (2,5,9,12,19; 3,20). ex: 2,5: hV'ärUy>
4. Lançar fora as nações diante de ti (4,38; 7,1, etc). ex: 7,1: ~yBiär:-~yIAG* lv;än"w>
5. Jurar aos pais (1,8; 4,31; 6,10, etc). ^yt,²boa]l; [B;óv.nI
77
6. A terra/o descanso/as cidades/ que YHWH teu (nosso, etc) Deus te/nos dá (1,20;
3,20; 4,1; 11,17; 12,9; 13,12; 15,7; 16,5; etc)
Algumas frases e expressões fixas se referem à lealdade da aliança:
1. Para que YHWH te abençoe (14,29; 23,20; 24,19). hw"åhy> ‘^k.r<b'y> ![;m;Ûl.
2. Para que prolongues os teus dias (4,26; 5,16; 32,47). ^ym,ªy" !kUåyrIa]y: Ÿ![;m;äl.
3. Abençoar toda obra das tuas mãos (2,7; 14,29). ^d<êy" hfeä[]m; ‘lkoB. ªk.r:Be
4. Para que te vá bem (4,40; 5,16; 6,3; 12,25, etc). %l'ê bj;yyIå ‘![;m;’l.W
5. Alegrar-se perante YHWH teu Deus ( 12,12; 16,11). èhw"åhy> éynEp.l i~T,ªx.m;f.W
6. Que hoje te ordeno (4,40; 6,6; 8,1; 13,18, etc). ~AYëh; ‘^W>c;m. ykiÛnOa' rv,’a]
7. Todo Israel (1,1; 5,1; 13,11; 21,21, etc). laeêr"f.yI-lK'
8. Tuas portas, ((12,12; 14,21; 15,7) `%l") !tEïnO ^yh,Þl{a/ hw"ïhy>-rv,a] ^yr<ê['v.
Esta é uma lista resumida das palavras-chave e frases frequentes que ocorrem na
narração deuteronomista segundo o autor referido anteriormente. Tais expressões
caracterizam o estilo e o vocabulário do livro.
A frequência das expressões faz com que o livro seja considerado uma unidade
coesa, bem definida e elaborada. Diante da referida coesão e unidade do Deuteronômio
podemos afirmar que o livro passou pelo crivo de um laboroso processo redacional.
Conforme já afirmamos anteriormente estas expressões e palavras chave vão se
relacionando no decorrer da narração do deuteronomista sinalizando o centro do livro, o
primeiro mandamento, a saber, o shemá Israel!
O sistema de utilização de palavras-chave é uma das características do livro do
deuteronômio e da mão historiográfica deuteronomista.
Em diferentes contextos as palavras aparecem de forma recorrente sempre
fornecendo um sentido teológico.
É importante notarmos que náo se trata apenas de número de ocorrências, mas
de relevância teológica dentro da moldura do livro.
Tais palavras-chave muitas vezes aparecem relacionadas de forma intrínseca.
Por exemplo, a importância da guarda dos mandamentos se dá pelo fato de que Israel
precisa transmitir estas oredenanças aos filhos e aos filhos dos filhos para que a lei seja
78
preservada. A guarda dos mandamentos está relacionada com a prática da justiça social.
Em todo sistema de jurisdição do Deuteronômio estes termos aparecem como forma de
lembretes. As leis mudam, variam, mas as palavras-chave no tocante à observância, à
guarda dos mandamentos, preceitos, juízos, e estatutos vão sempre se repetindo.
A obedencia à lei implica em tomada de posse da terra que YHWH jurou aos
pais.
As expressões chave se apresentam sempre orbitando no decorrer do livro. Elas
aparecem inúmeras vezes porém indicam um centro, que é o Shema Israel do Dt 6.
O movimento contrário ocorre pois, “ouvir”, “amar”, YHWH de todo o coração,
de toda a vida e com todas as posses, implica em atos concretos de justiça e
solidariedade ao próximo que são expressos de forma pormenorizada no decorrer do
livro, isto é, fora da perícope, porém sinalizados por ela.
No decorrer da exposição das leis no Deuteronômio as expressões chave
continuam fazendo o seu papel de interpelação. O texto foi construído a partir deste
esquema bem elaborado de palavras-chave.
Estas expressões ocorrem repetidas vezes talvez como um recurso que visa
facilitar a elaboração da redação final e/ou é um recurso didático que possui a intenção
de fazer com que os ouvintes guardem na memória tais instruções, ou seja, um projeto
de manutenção da tradição oral.
A disposição de fórmulas expressas através de exortação, preceitos,
mandamentos, estatutos, compromisso de aliança, anúncio de bençãos e maldições
formam um todo, porém tal unidade pode refletir uma liturgia, um desenrolar litúrgico
de solenidade da festa da renovação da aliança em Siquém.
No Deuteronômio fica evidente as dificuldades que Israel tinha de formular os
assuntos teológicos com os materiais que dispunha.
O quadro geral da obra do Deuteronomio é formulado no desenrolar de uma
liturgia, de uma celebração, de um ato de culto. O que caracteriza a obra como tal é a
memória dos acontecimentos concretos em forma de ritual litúrgico.
No entanto o conteúdo do livro possui caráter de exposição sistemática, e isso se
dá pelo fato da obra ser construida de forma coesa e equilibrada. O que o caracteriza
como tal é o estilo deuteronômico, que é único, pois Israel nunca criou uma obra
literária com tanta unidade de estilo e de vocabulário. Tal afirmação nos ajuda a
compreender com mais afinco a formulação coesa do Deuteronômio. Esse certamente
foi elaborado tendo em vista um a priori de um vocabulário constituído por palavras
79
chaves e expressões recorrentes conforme já afirmamos. Queremos aqui dar ênfase à
esse aspecto da obra.
É importante frizar isso. Estamos voltados para o aspecto unitário da obra
literária, o sistema de vocábulos e fórmulas fixas sempre orbitando sob o foco de um
centro de forma agrupada. Esta questão da unidade e da coerência tem sido a grande
motivação de nossa análise.
Apesar do Deuteronomio se apresentar de forma coerente, homogenea e com
unidade teológica expressa principalmente com a utilização de palavras-chave e
expressões recorrentes principalmente no que tange à observancia e guarda dos
mandamentos, nenhum leitor, por mais ingenuo que seja, deixaria de identificar a
multiplicidade de pregações sobre os mais variados assuntos.
As mais diversas tradições históricas, cultuais, jurídicas convergiam para esses
elaboradores que certamente se utilizaram de materiais de diversas fontes para o preparo
do grande afresco esquemático.38
Ou seja, os diversos documentos e tradições existiam
de forma autonoma e independente, mas no Dt foram reunidos, agrupados e unificados.
Nós defendemos a hipótese de uma mão posterior que elaborou uma última
redação com o emprego de palavras-chave a fim de construir um vocabulário que
tivesse caráter de unidade.
A nossa atenção nessa pesquisa está voltada para esse aspecto da composição.
Portanto achamos importante evidenciar que, tal unidade provavelmente foi construída a
fim de dar coesão, unidade ao livro do Deuteronômio como um todo.
Entendemos também como um recurso didático para facilitar a guarda dos
mandamentos na memória, haja vista que tais vocábulos se repetem no decorrer do livro
e apontam para um centro. Não deixamos de reconhecer a diversidade de tradições e de
carcaterísticas tanto do ponto de vista da jurisdição como também das tradições
históricas, e das carcterísticas de culto, mas entendemos que o livro passou pelo crivo
de uma última redação que organizou, poliu o texto se utilizando das expressões
recorrentes referidas anteriormente.
Cada uma das ditas expressões recorrentes e palavras–chaves possuem
características peculiares, ainda que a composição como um todo se apresente como
unidade. Importante para esta caracteristica de unificação principalmente do que tange
às disposições jurídicas é a expressão “esta torah”. Tal expresão parece abarcar a
38
RAD, Von. 1986, p.223.
80
totalidade das expressões recorrentes no tocante à disposição de leis, a saber, as palavras
chaves: mandamentos, estatutos, decretos e juízos, palavras, ouvir, guardar, coração,
aliança, terra, que se seguem no decorrer do livro. Entendemos que a expressão “esta
torah” é uma espécie de intitulação do corpo de leis que se apresenta no decorrer do
texto do Dt.
Os desígnios de Javé para com Israel passam a ser considerados em unidade
apesar da diversidade de conteúdo. Neste ensejo o Deuteronômio é um todo indivisível
cujas partes se ordenam umas às outras e em que o conjunto é indispensável para que
seja compreendida qualquer uma das peculiaridades.
As exortações deuteronomistas possuem um tom de ameaça no tocante a não
correpondência por parte de Israel à vocação de Javé.
Podemos perceber que as palavras-chave que orbitam em torno de um centro que
afirmamos ser a perícope de Dt 6 possuem caráter de exortações.
Pelo fato de aparecerem de forma contínua e repetidas vezes no desenrolar no
livro, afirmamos que as palavras-chaves e expressões recorrentes são indicadores,
sinalizadores, que estão continuamente apontando para o centro de um núcleo.
No Deuteronômio as expressões e palavras chave sempre estabelecem uma
ligação de causa e efeito entre a obediencia aos mandamentos e o cumprimento da
promessa feita aos pais, a saber a eretz tovah amplamente irrigada, cheia de culturas e
vinhas, e rica de tesouros mineirais. Haverá casas confortáveis e cheias de coisas boas, e
cidades prontas. Israel não precisará construir de igual forma quando eram escravos no
Egito.
Através dessas promoções podemos identificar o contexto dos ouvintes, a saber,
um grupo que fazia uma série de exigencias. Israel não teria mais problemas de
irrigação pois estará numa terra que Javé cuida e da qual não retira os olhos.
Este conjunto de expressões e palavras chaves sendo repetidas vezes
relembradas por nós na presente pesquisa era o principal tema da pregação
deuteronomista. É um elemento na lógica das advertencias e exortações. Israel deveria
corresponder à Javé no amor através da obediencia aos mandamentos, estatutos e juízos.
Trata-se de uma parenese, de um apelo à obediencia.
Veremos adiante no terceiro capítulo o quanto o deuteronomista apela para o
sentimento e o quanto se dirige ao lev, coração. Israel havia se distanciado dos estatutos
cultuais e dos mandamentos de Javé, por isso os deuteronomistas apelam o tempo todo à
aceitação íntima dos mandamentos. Israel deve pertencer à Javé pelo sentimento e pelo
81
pensamento. É importante salientarmos que a vontade de Javé decompõe-se numa série
de mandamentos bem concretos a serem todos eles observados na prática. Mas todas
estas leis a serem obedecidas são colocadas como consequencia do amor à Deus de todo
o lev e de toda a néfesh. O amor a Deus vivenciado de forma integral teria os seus
desdobramentos na relação com o próximo e assim consequentemente na prática da
justiça social. É importante tornar evidente que estas obras de justiça são
desdobramentos do amor à Javé e não fruto da justiça de Israel por si mesmo. Tal
projeto tem como ponto de partida o amor de Deus para com Israel, que o escolheu, o
elegeu.
Nesta parte evidenciamos esses aspectos e características da narrativa
deuteronomista contida no livro do Deuteronômio.
Lembrando que ainda no primeiro capítulo analisamos o quadro dos diferentes
blocos que compõe o livro do Deuteronômio apresentado por diversos autores e
posteriormente fizemos um exame das palavras-chave recorrentes no livro, através de
uma exposição de textos onde as mesmas se apresentam.
Esses procedimentos são parte da pesquisa, pois contribuem para uma melhor
compreensão da nossa perícope no que tange ao aspecto sincrônico da análise, porém a
exegese não se limita a tais enfoques e procedimentos.
No próximo tópico faremos uma breve apresentação de um vocábulo que por
razões próprias necessita de uma abordagem à parte. Visto que o vocábulo também faz
parte do acervo de expressões recorrentes do deuteronomista apresentaremos uma lista
em forma de síntese de diversas ocorrências onde aparece uma das palavras mais
importantes do Deuteronômio, o centro do livro e da teologia, a saber, o nome do divino
YHWH.
5.2. Sinopse dos discursos do divino YHWH no
Deuteronômio
O livro de Deuteronômio contém várias passagens formuladas como palavras
“ditas por Deus”, ou “discursos divinos”.
82
Segundo C. J. Labuschagne39
, de forma geral, estas palavras e expressões estão
distribuídas e caracterizadas como “fala do divino”. Dentro deste sistema organizado
pelo deuteronomista (assim concebemos) algumas expressões são caracterizadas como
“fórmulas introdutórias”.
Abaixo listamos as ocorrências (as expressões abaixo estão mescladas entre
fórmulas introdutórias e expressões caracterizadas como fala do divino que às vezes irão
aparecer isoladas do nome YHWH na apresentação) segundo C. J. Labuschagne40
, e
algumas inserções de nossa parte com o intuito de conduzir o leitor à familiaridade com
tais fórmulas introdutórias e expressões recorrentes:
1,21: %l'ê ‘^yt,’boa] yheÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K; 1,34a: hw"ßhy> [m;îv.YIw: 1,34b: rmo*ale [b;îV'YIw: @coàq.YIw: 1,35: ~k,(yteboa]l; tteÞl' yTi[.B;êv.nI rv<åa] hb'êAJh; #r<a'äh
1,37: rmo=ale ~k,Þl.l;g>Bi hw"ëhy> @N:åa;t.hi ‘yBi-~G: 1,41: Wnyhe_l{a/ hw"åhy> WnW"ßci-rv,a] lkoïK. 1,42: yl;ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 2,1: yl'_ae hw"ßhy> rB<ïDI rv<±a]K; 2,2: rmo*ale yl;îae hw"ßhy> rm,aYOðw: 2,9: yl;ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 2,14: ~h,(l' hw"ßhy> [B;îv.nI rv<±a]K; 2,17: rmo*ale yl;îae hw"ßhy> rBEïd:y>w: 2,31: yl;êae ‘hw"hy> rm,aYOÝw: 2,37: Wnyhe(l{a/ hw"ïhy> hW"ßci-rv,a] lkoïw> 3,2: ‘yl;ae hw"Ühy> rm,aYO“w: 3,3: Wnyheøl{a/ hw"“hy> •!TeYIw: 3,26a: hw"ïhy> rBe’[;t.YIw: 3,26b: ‘yl;ae hw"Ühy> rm,aYO“w:
4-11
4,5: yh'_l{a/ hw"åhy> ynIW:ßci rv<ïa]K; 4,10: yl;ªae hw"÷hy> rmo’a/B, è 4,12: vae_h' %ATåmi ~k,Þylea] hw"±hy> rBEôd:y>w: 4,13: tAfê[]l; ‘~k,t.a, hW"Üci rv,’a]
39
LABUSCHAGNE, C. J. Apud LOHFINK, Norbert. Das Deuteronomium. Entstehung, Gestalt und
Botschaft. Leuven: Leuven University Press: Peeters, 1985. p.111. 40
Idem p. 123-126.
83
4,14: awhiêh; t[eäB' ‘hw"hy> hW"Üci ytiúaow> 4,15: vae(h' %ATïmi brEÞxoB. ~k,²ylea] hw"ôhy> rB,’DI ~Ay©B. 4,21: !DEêr>Y:h;-ta, ‘yrIb.[' yTiÛl.bil. [b;ªV'YIw: 4,23: ^yh,(l{a/ hw"ïhy> ^ßW>ci rv<ïa] lKoê 4,31: `~h,(l' [B;Þv.nI rv<ïa] ^yt,êboa] tyrIåB.-ta, 4,33: vae²h'-%ATmi rBEôd:m. ~yhiøl{a/ lAq’ 4,36: vae(h' %ATïmi T'[.m;Þv' wyr"îb'd>W 5,2: brE(xoB. tyrIßB. WnM'²[i tr:îK' Wnyheªl{a/ hw"åhy> 5,4: vae(h' %ATïmi rh"ßB' ~k,²M'[i hw"ôhy> rB,’DI 5,5: vaeêh' ynEåP.mi ‘~t,arEy> yKiÛ hw"+hy> rb:åD>-ta, 5,12: ^yh,(ªl{a/ hw"ïähy> Ÿ ßäW>ci rv<ïa]K; 5,15: ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘^W>ci !Keª-l[; 5,16a: %l") !tEïnO ^yh,Þl{a/ hw"ïhy>-rv,a] hm'êd"a]h'( l[;
5,16b: ^yh,_l{a/ hw"åhy> ßW>ci rv<ïa]K; 5,22: vaeh' %ATÜmi rh'ªB' ~k,øl.h;q.-lK'-la, hw"“hy> •rB,DI 5,24a: ‘Wnyhe’l{a/ hw"Ühy> Wna'ør>h, !hEå Wrªm.aTow:
5,24b: `yx'(w" ~d"Þa'h'(-ta, ~yhi²l{a/ rBEôd:y>-yKi( 5,26: vae²h'-%ATmi rBEôd:m. ~yYI÷x; ~yhi’l{a/ •lAq
5,27a: Wnyhe_l{a/ hw"åhy> rm:ßayO rv<ïa]-lK' tae 5,27b: ^yl,Þae Wnyhe²l{a/ hw"ôhy> rBeød:y> rv,’a]-lK' •tae 5,28: yl;ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 5,31: hw"±c.Mih;-lK' taeó ^yl,ªae hr"äB.d:a]w: 5,32: ~k,_t.a, ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa]K; 5,33: ~k,Þt.a, ~k,²yhel{a/ hw"ôhy> hW"÷ci rv,’a] 6,1: ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa] 6,3: %l'ê ‘^yt,’boa] yheÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K;
6,10: ^yt,²boa]l; [B;óv.nI rv,’a] #r<a'øh'-la, ^yh,ªl{a/ hw"åhy> 6,17: %W")ci rv<ïa] wyQ"ßxuw> wyt'îdo[ew> ~k,_yhel{a/ hw"åhy> 6,18: ^yt,(boa]l; hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] hb'êJoh; #r<a'äh'-ta, 6,19: hw")hy> rB<ïDI rv<ßa]K; 6,20: ~k,(t.a, WnyheÞl{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa] 6,23: Wnyte(boa]l; [B;Þv.nI rv<ïa] #r<a'êh'-ta, 6,24a: hw"©hy> WnWEåc;y>w: 6,24b: ‘Wnl'’ bAjïl. Wnyhe_l{a/ hw"åhy>-ta, ha'Þr>yIl. 6,25: WnW")ci rv<ïa]K; WnyheÞl{a/ hw"ïhy> 7,8: hw"±hy> aycióAh ~k,êyteboåa]l; ‘[B;v.nI rv<Üa] ‘h['buV.h;-ta, 7,12: ds,x,êh;-ta,w> ‘tyrIB.h;-ta,( ^ªl. ^yh,øl{a/ hw"“hy> •rm;v'w> 7,13: %l") tt,l'î ^yt,Þboa]l; [B;îv.nI-rv,a] hm'êd"a]h'¥ l[;…
84
8,1: ~k,(yteboa]l; hw"ßhy> [B;îv.nI-rv,a] #r<a'êh'-ta, 8,18a: ^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘T'r>k;z")w> 8,18b: hZ<)h; ~AYðK; ^yt,Þboa]l; [B;îv.nI-rv,a] At±yrIB.-ta, 9,3a: ^yh,øl{a/ hw"“hy> •yKi ~AY©h; T'ä[.d:y"w> 9,3b: %l") hw"ßhy> rB<ïDI rv<±a]K; 9,5: ^yt,êboa]l; ‘hw"hy> [B;Ûv.nI rv,’a] rb'ªD"h;-ta, 9,10: vaeÞh' %ATïmi rh"±B' ~k,îM'[i hw"“hy> •rB,DI rv<åa] 9,12a: yl;ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 9,12b: ~tiêyWIci rv<åa] 9,13: rmo=ale yl;äae hw"ßhy> rm,aYOð 9,16: ~k,(t.a, hw"ßhy> hW"ïci-rv,a] 9,23: rmoêale ‘[:nE’r>B; vdEÛQ'mi ~k,ªt.a, hw"÷hy> x:l{’v.biW 9,25: `~k,(t.a, dymiîv.h;l. hw"ßhy> rm:ïa'-yKi(
9,28: ~h,_l' rB<åDI-rv,a] #r<a'Þh'-la, ~a'§ybih]l; hw"ëhy 10,1: yl;ªae hw"åhy> rm:ôa' 10,4: vaeÞh' %ATïmi rh"±B' ~k,îylea] hw"“hy> •rB,DI rv<åa] 10,5: `hw")hy> ynIW:ßci rv<ïa]K; 10,9: Al* ^yh,Þl{a/ hw"ïhy> rB<±DI rv<ïa]K; 10,11a: yl;êae ‘hw"hy> rm,aYOÝw: 10,11b: ~h,(l' tteîl' ~t'Þboa]l; yTi[.B;îv.nI-rv,a] #r<a'êh'-ta, 11,9: ~k,²yteboa]l; hw"ôhy> [B;’v.nI •rv,a] hm'êd"a]h'ä-l[; 11,21: ~h,_l' tteäl' ~k,Þyteboa]l; hw"±hy> [B;óv.n I rv,’a] hm'êd"a]h'( l[;… 11,25: ~k,(l' rB<ïDI rv<ßa]K;
12-26
12,1: ^ßl. ^yt,²boa] yheól{a/ hw"÷hy> !t;’n" •rv,a] 12,20: è%l'-rB,DI rv<åa]K; é^l.Wb)G>-ta,( ^yh,îl{a/ hw"“hy> 13,6: ^yh,Þl{a/ hw"ïhy> ±W>ci rv<ôa] 13,18a: hw"÷hy> bWv’y" 13,18b: ^yt,(boa]l; [B;Þv.nI rv<ïa]K; 15,6: %l"+-rB,DI rv<ßa]K; ^êk.r:Be( ‘^yh,’l{a/ hw"Ühy>-yKi( 17,16: ~k,êl' rm:åa' ‘hw"hyw:) 18,2: Al)-rB,DI rv<ßa]K; Atêl'x]n: aWhå ‘hw"hy> wyx'_a, br<q<åB. 18,17: yl'_ae hw"ßhy> rm,aYOðw: 18,18: WNW<)c;a] rv<ïa]-lK' 18,20: rBeêd:l. ‘wytiyWIci-al{) rv<Üa] taeä 19,8a: ‘^yh,’l{a/ hw"Ühy> byxiúr>y:-~ai 19,8b: ^yt,_boa]l; [B;Þv.nI rv<ïa]K;
85
19,8c: ^yt,(boa]l; tteîl' rB<ßDI rv<ïa] #r<a'êh'-lK'-ta, 20,17: ^yh,(l{a/ hw"ïhy> ßW>ci rv<ïa]K; 26,3: Wnl'( tt,l'î WnyteÞboa]l; hw"±hy> [B;óv.nI rv,’a] #r<a'êh'-la, 26,13a: ^yh,øl{a/ hw"“hy> •ynEp.li T'‡r>m;a'w> 26,13b: ynIt"+yWIci rv<åa] 26,14: nIt")yWIci rv<ïa] lkoßK. ytiyfi§[' yh'êl{a/ hw"åhy> ‘lAqB. 26,15: Wnyteêboa]l; ‘T'[.B;’v.nI rv<Üa]K; 26,16: ^ôW>c;m. ^yh,øl{a/ hw"“hy> hZ<©h; ~AYæh; 26,17: ~AY=h; T'r>m:ßa/h, hw"ïhy>-ta, 26,18: %l"+-rB,DI rv<ßa]K; 26,19: rBE)DI rv<ïa]K; ^yh,Þl{a/ hw"ïhyl; vdo±q'-~[;
27,1-31,13
27,3: %l") ^yt,Þboa]-yhe(l{a/ hw"ïhy> rB<±DI rv<ïa]K; vb;êd>W ‘bl'x' tb;Ûz" #r<a,ä 28,8a: hk'êr"B.h;-ta, ‘^T.ai hw"Ühy> wc;’y> 28,8b: %l") !tEïnO ^yh,Þl{a/ hw"ïhy>-rv,a] #r<a'§B' ^êk.r:beäW 28,9: %l"+-[B;(v.nI) rv<ßa]K; vAdêq' ~[;äl. ‘Al hw"ïhy> ‘^m.yqi¥y> 28,11: %l") tt,l'î ^yt,Þboa]l; hw"±hy> [B;óv.nI rv,’a] hm'êd"a]h' l[;… 28,45: %W")ci rv<ïa] wyt'ÞQoxuw> wyt'îwOc.mi rmo°v.li ^yh,êl{a/ hw"åhy> 28,68: ^êl. yTi(r>m:åa' rv<åa] ‘%r<D<’B; ètAYnIa \B' é~yIr:c.mi Ÿhw"ïhy> ^’b.yvi(h/w<) 28,69: hv,ªmo-ta, hw"åhy> hW"ôci-rv,a] 29,12a: %l"+-rB,DI rv<ßa]K; 29,12b: bqo)[]y:l.W* qx'Þc.yIl. ~h'îr"b.a;l. ^yt,êboa]l; ‘[B;v.nI rv<Üa]k;w> 30,20a: AlßqoB. [:moïv.li ^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘hb'h]a;(l. 30,20b: ^yt,²boa]l; hw"ôhy> [B;’v.nI •rv,a] hm'ªd"a]h'-l[
31,2: yl;êae rm:åa' ‘hw"hyw:) 31,3: hw")hy> rB<ïDI rv<ßa]K; 31,7: ~h,_l' tteäl' ~t'Þboa]l; hw"±hy> [B;óv.nI rv,’a] #r<a'§h'-la,
31,14-34,12
31,14a: hv,ªmo-la, hw"÷hy> rm,aYO“w: 31,14b: WNW<+c;a]w 31,16: hv,êmo-la, ‘hw"hy> rm,aYOÝw: 31,20: wyt'ªboa]l; yTi[.B;äv.nI-rv,a] Ÿhm'äd"a]h'-la, 31,21: yTi[.B'(v.nI rv<ïa] #r<a'Þh'-la, 31,23a: !Wn©-!Bi [;vuäAhy>-ta, wc;úy>w: 31,23b: rm,aYOw: 31,23c: ~h,_l' yTi[.B;äv.nI-rv,a] #r<a'Þh'-la,
86
32,20: rm,aYO©w: 32,26: yTir>m:ßa' 32,37: Ab* Wys'îx' rWcß Amyhe_l{a/ yaeä rm:ßa'w> 32,40: ~l'([ol. ykiÞnOa' yx;î yTir>m;§a'w> 32,48:rmo*ale hZ<ßh; ~AYðh; ~c,[,²B. hv,êmo-la, ‘hw"hy> rBEÜd:y>w: 33,27: rm,aYOðw: 34,4a: wyl'ªae hw"÷hy> rm,aYO“w: 34,4b: rmoêale ‘bqo[]y:l.W* qx'Ûc.yIl. ~h'’r"b.a;l. yTi[.B;v.nIû rv<åa] ‘#r<a'’h' tazO 34,9: `hv,(mo-ta, hw"ßhy> hW"ïci rv<±a]K;
A palavra hw"ßhy> YHWH faz parte da lista de vocábulos e expressões recorrentes
do livro do Deuteronômio que orbitam entorno de um centro, conforme já temos
abordado. É importante lembrarmos que a lista acima não se refere apenas a ocorrências
em que aparecem o nome UHWH, mas a discursos, palavras ditas por YHWH.
Entendemos que o grande número de ocorrências do nome YHWH no livro do
Deuteronômio empregado pelo narrador deuteronomista é parte de um projeto de
centralização. Tal projeto não esboça apenas uma tentativa de unificação do santuário,
de um local de culto, mas uma tentativa de unificar o próprio nome do divino.
Neste caso YHWH no projeto deuteronomista é considerado o Deus oficializado,
instituído, que agora deveria ser único, um. Provavelmente tal empreendimento tinha
por objetivo neutralizar a diversidade de nomes atribuídos a divindade pelo próprio
Israel em suas diferentes localidades de cultos, como também distinguir o deus de Israel
dos deuses dos cananeus.
Entendemos que o deuteronomista utiliza de forma recorrente o nome YHWH
como recurso didático, para que, este “emblema” agora seja familiarizado pelos seus
destinatários, isto é, para gravar o nome agora instituído nos ouvidos e no coração de
seus ouvintes.
É importante recordarmos que o livro do Deuteronômio possui um núcleo, uma
estrutura concêntrica, conforme abordamos anteriormente.
Os capítulos 5-28 para alguns especialistas é a parte central do livro, no entanto,
dentro desse bloco há uma estrutura bem definida e coesa, bem delimitada, que é o
código deuteronômico que abrange os capítulos 12-26.
87
Nesta pesquisa nós entendemos que ainda dentro desse bloco central do
Deuteronômio existe um núcleo, que é a perícope de Dt 6, mais especificamente o v. 4:
Ouve Israel, hw"ßhy> YHWH é o nosso Deus, hw"ßhy> YHWH é um, único!
Concluímos tal abordagem identificando o termo hw"ßhy> YHWH como um
elemento central no livro do Deuteronômio. Obviamente que é visto relacionado com
outros elementos, expressões que orbitam no seu entorno, mas entendemos que, o
deuteronomista quer deixar evidente para o seus destinatários que o nome YHWH a
partir de então seria o nome único a ser venerado oficialmente, institucionalmente.
No próximo capítulo iremos voltar à atenção para a perícope de Dt 6,1-9.
CAPÍTULO II
ANÁLISE LITERÁRIA DE DT 6,1-9.
89
Introdução
Nesse capítulo iremos analisar a perícope de Dt 6,1-9, através dos passos
metodológicos do chamado método histórico crítico, porém sem nos prendermos
totalmente a ele. Durante esse processo onde diferentes passos e procedimentos serão
realizados investigaremos a perícope a partir de dois tipos de análise.
A primeira é a denominada análise sincrônica, onde iremos destacar os vários
aspectos da linguagem que se encontram na perícope.
Iniciaremos apresentando o texto massorético e uma tradução provisória.
Posteriormente daremos o próximo passo metodológico-exegético denominado
por crítica textual onde iremos estudar a história da transmissão do texto.
Através deste procedimento iremos constatar as alterações que alguns vocábulos
e expressões que sofreram alterações no decorrer da história, durante o processo longo
de transmissão do texto.
Tendo feito isso iremos fazer a delimitação da perícope procurando justificar o
suposto início, meio e fim, ou seja, a nossa perícope é uma unidade literária coesa? Ela
possui uma coesão interna determinada por um começo, um meio e um fim?
Após faremos a análise de coerência e coesão no que tange ao conteúdo do texto.
Iremos analisar a suposta relação entre as partes a fim de constatarmos se há coesão,
unidade, estreita relação entre os tecidos que formam o texto, o tecido.
Iremos também analisar a estrutura do texto, como este se encontra organizado,
montado, estruturado, construído.
Posteriormente investigaremos o texto dentro de uma perspectiva semântica
através de uma análise de conteúdo. Esta análise abrange o que chamamos de corte
diacrônico, ou análise diacrônica.
Dentro da parte denominada por semântica iremos apresentar uma seleção dos
principais vocábulos que compõem a perícope com o objetico de explorarmos a
polissemia dos mesmos, para depois neutralizá-la.
Ainda na análise denominada de dicrônica, ou diacronia, faremos um
levantamento de possíveis realidades concretas subjacentes à composição do texto.
90
Esta análise busca reconstituir o contexto histórico, sócio-econômico,
ideológico, religioso, e político que faziam o entorno da situação concreta onde o texto
foi composto, produzido.
Todas estas ferramentas nos auxiliarão na tentativa de reconstituição das
realidades concretas que contribuíram para a composição da perícope e dos aspectos da
linguagem que remontam o sentido originário e teológico do texto, com ênfase no
vocábulo antropológico lev como objeto de nossa pesquisa.
1. Texto Massorético. Deuteronômio 6,1-9.41
rv<ïa] ~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih; tazOæw> 1 rv<ïa] #r<a'êB' tAfå[]l; ~k,_t.a, dMeäl;l. ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci
`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o ~T,²a; rmov.liû ^yh,ªl{a/ hw"åhy>-ta, ar"øyTi ![;m;’l. 2
^ån>biW ‘hT'a; è^W<c;m. ykiänOa' rv<åa] éwyt'wOc.miW wyt'äQoxu-lK'-ta, `^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W ^yY<+x; ymeäy> lKoß ^ên>Bi-!b,W
‘rv,a] tAfê[]l; T'är>m;v'w> ‘laer"f.yI T"Ü[.m;v'w> 3
yheÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K; dao+m. !WBßr>Ti rv<ïa]w: êl. bj;äyyI p `vb'(d>W bl'Þx' tb;îz" #r<a,² %l'ê ‘^yt,’boa]
`dx'(a, Ÿhw"ïhy> WnyheÞl{a/ hw"ïhy> lae_r"f.yI [m;Þv. 4 ^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw> 5
`^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W ^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> 6
`^b<)b'l.-l[; ~AYàh; ^ÜT.b.viB. ~B'_ T'Þr>B;dIw> ^yn<ëb'l. ~T'än>N:viw> 7
`^m<)Wqb.W ^ßB.k.v'b.W* %r<D<êb; åT.k.l,b.W ‘^t,’ybeB. tpoßj'jol. Wyðh'w> ^d<+y"-l[; tAaßl. ~T'îr>v;q.W 8
`^yn<)y[e !yBeî s `^yr<(['v.biW ^t<ßyBe tzOðWzm.-l[; ~T'²b.t;k.W 9
1.1. Tradução literal:
41
BiblieWork 7.
91
1. E este o mandamento42
, os estatutos e os juízos que ordenou YHWH, vosso
Deus, ensinar para vós fazerdes na terra que vós passais ali para herdá-la.
2. Portanto, temerás a YHWH teu Deus para guardar todos os seus estatutos e seus
mandamentos que eu te ordeno tú, teu filho e o filho de teu filho todos os dias da
tua vida para que se prolonguem os teus dias.
3. E ouvirás Israel, e guardarás para fazerdes e que seja bom para ti para que te
multipliques muito conforme falou YHWH, Deus de seus pais, para ti na terra
que flui leite e mel.
4. Ouve Israel, YHWH é o nosso Deus, YHWH é um.
5. E amarás a YHWH teu Deus em/com todo o teu coração, e em/com toda a tua
vida e com toda a tua força/posse.
6. E estarão as palavras as estas que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.
7. E as inculcarás a teus filhos e falarás delas em teu assentar, em tua casa, em teu
andar no/pelo caminho, e em teu deitar-te e em teu levantar-te.
8. E as atarás como sinal sobre tua mão e estarão como sinais/bandas entre os teus
olhos.
9. E as escreverás sobre os umbrais da tua casa e nas tuas portas.
1.2. Crítica Textual
O método denominado por crítica textual é considerado um dos primeiros passos
de aproximação do texto na exegese. Não temos um original da Bíblia Hebraica. O que
temos é um grande número de cópias, manuscritos, códices e às vezes muito
fragmentários. As copias possuem grande número de variantes. Diante disso, qual seria
a tarefa desse método exegético?
Ao realizar a crítica textual temos acesso a uma história da transmissão do texto,
ou seja, uma história dos conflitos em torno da fixação do texto.
Sabemos que o texto utilizado pelas edições críticas da Bíblia Hebraica pertence
às famílias Ben Asher e Tiberíades.
Estas duas famílias conseguiram suplantar todos os demais grupos de
massoretas, pois o texto considerado oficial foi massoretizado por estas duas famílias.
42
Há uma discrepância gramatical na nossa tradução.
92
Diante desse fato encontramos certa tensão. Por um lado respeitamos o texto
considerado o mais confiável, pois foi analisado e submetido pelo crivo de avaliação de
autoridades competentes. Por outro lado perguntamos: No tocante aos demais textos,
manuscritos, e códices, estes não tem importância? Por que então as edições críticas os
inserem no aparato crítico das edições críticas?
É certo que através desse método podemos investigar a história da transmissão
do texto, mas vale aqui ressaltar a necessidade de fazermos uma apreciação crítica sobre
isso. Nesse caso não basta apenas uma análise linguística, fonética, e semântica de
vocábulos, mas uma análise da história social do vocábulo, ou seja, como esse veio a ser
da forma com que se apresenta. A questão levantada seria a seguinte:
Por que da escolha diferente da grafia? Tal escolha reflete alianças políticas,
culturais? Tal escolha reflete a importação de um estilo estrangeiro ou o resgate de um
estilo nacional?
O texto utilizado é definido como analisado durante séculos por uma elite? Por
que chamar a elite de elite? Que tipo de influência de poder estas famílias ou elites
exercem? Política? Econômica? Culural? Religiosa? Todos estes fatores ao mesmo
tempo? Qual seria o perfil dessa elite? Se existe uma elite existe um povo, e qual seria
então o perfil do povo?
Conforme abordamos anteriormente as famílias Ben Acher e Tiberíades
detiveram o poder intelectual e cultural para que conseguissem suplantar os demais
grupos de massoretas. Mas quais seriam as formas de dominação destas elites, se é que
podemos falar nestes termos, Burocrática? Tradicional?
A forma de dominação tradicional tende a favorecer a permanência das antigas
tradições, do prestígio de uma família e do texto tradicional.
A forma de dominação burocrática possui relação com o progresso da ciência e
do conhecimento.
Uma possui um aspecto revolucionário por tentar abrir novos caminhos pela
ciência e a outra busca evitar o caos da revolução dos costumes e crenças, mantendo as
velhas tradições já bem conhecidas e aceitas.
Estes fatores são importantes serem considerados quando fazemos a crítica
textual, para entendermos a história da transmissão do texto, e o conflito dos grupos
envolvidos.
Nessa introdução queremos deixar evidente tais questões, porém deixaremos em
aberto, visto que fizemos opções, escolhas, e a nossa tradução tende a favorecer o texto
93
do Códice de Lenigrado B19A, mas não queremos omitir tais perspectivas, como se a
nossa análise pautada no texto escolhido fosse absoluta em detrimento de outros códices
e manuscritos. Apenas queremos deixar evidente que, o texto possui um histórico de
transmissão e preservação, e que muitos grupos trabalharam durante séculos com afinco
para que tivéssemos acesso ao texto massoretizado, e agora as edições críticas nos dão a
oportunidade de através do aparato crítico termos conhecimento do árduo trabalho, da
contribuição de cada grupo.
No início do v. 1 há algumas distinções entre códices e manuscritos acerca dos
quais listamos abaixo:
Constatamos uma variante textual no códice manuscrito hebraico 9, em alguns
“poucos” manuscritos hebraicos medievais (de 3 à 10 manuscritos), na versão da
Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen, segundo a edição de J. Ziegler et alii,
Septuaginta: Vetus Testamentum Graecum auctoritate Societates Literarum Götingensis
editum (Gottingen, 1931 em diante) ou de acordo com a edição de A. Rahlfs,
Septuaginta: Id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes, 2 vols. (Stuttgart,
1935). Versão Síria Peshitta (séc. II), segundo as versões S.A. (Códice Ambrosiano, séc.
VI e VII, editado por A. M. Ceriani, Translatio Syra Pescitto Veteris Testamenti ex
Códice Ambrosiano sec. fere VI photholitographice edita (Milão, 1876 em diante), e
(Peshyta segundo a poliglota de Londres, vols. I-III, edição de B. Walton (Londres
1654-1657) utilizam a conjunção aglutinada ao artigo, “e os estatutos”.
Nos manuscritos hebraicos encontrados a partir de 1947 em Hirbet Qumran, na
região do mar morto, na Judéia em Israel, segundo Discoveries in the Judaean Desert
(DJD) , VOL. I (Oxford, 1960 em diante) encontra-se a expressão “e estatutos”...
No v. 2 constatamos em alguns manuscritos as seguintes variantes:
Nos nanuscritos hebraicos encontrados a partir de 1947 em Hirbet Qumran, na
região do mar morto, na Judéia em Israel, segundo Discoveries in the Judaean Desert
(DJD) , VOL. I (Oxford, 1960 em diante); consta a expressão “e estatutos” aglutinado a
conhjunção ao substantivo huqim. No caso do texto de códice de Leningrado que
utilizamos como base para a tradução, a mesma palavra é utilizada, porém acompanhada
apenas do artigo definido: ha-huquim.
No v. 2b encontramos em alguns textos as seguintes variações:
O Pentateuco Samaritano (séc. V a.C.), edição de A. F. von Gall, Der hebräische
Pentateuch der Samaritaner (Giesen, 1914-1918, reimpr. Berlim, 1966) omite o taw
94
seguido da vogal qamets na palavra “huqotav” conforme o códice de Lenigrado B 19 A
que utilizamos como base.
No v. 2 ainda, manuscrito (s) hebraico (s) medieval (is) citado (s), segundo as
edições de B. Kennicott, Vetus Testamentum Hebraicum cum varriis lectionibus, vols.
I-II (Oxford, 1776-1780, reimpr. Hildesheim, 2003), de G. B. de Rossi, Variae
Lectiones Veteris Testamenti, ex imensa MMS. Editorum. Codicum Congerie haustae et
ad Samar. Textum, ad vetustiss. Versions, ad accuratiores sacrae criticae fonts ae leges
examinatae opera as studio Johannis Bern. De Rossi, vols. I-IV (Parma, 1784-1788,
reimpr. Amsterdã, 1969-1970), idem, Scholia Critica in Vetus Testamentum libros seu
supplementa ad varias sacri textos lectiones (Parma, 1978, reimpr. Amsterdã, 1969-
1970 e de C. D. Ginsburg, Textum Masoreticum accuratissime expressit et fontibus
Masorae Codicumque varie illustravit, vols. I-IV (Londres, 1908-1926, reimpr.
Jerusalém, 1970); Manuscritos hebraicos encontrados a partir de 1947 em Hirbet
Qumran, na região do mar morto, na Judéia em Israel, segundo Discoveries in the
Judaean Desert (DJD) , VOL. I (Oxford, 1960 em diante); Pentateuco samaritano,
Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen, segundo a edição de J. Ziegler et alii,
Septuaginta: Vetus Testamentum Graecum auctoritate Societates Literarum Götingensis
editum (Gottingen, 1931 em diante) ou de acordo com a edição de A. Rahlfs,
Septuaginta: Id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes, 2 vols. (Stuttgart,
1935) acrescenta-se a expressão hayom.
Ainda no verso 2d, a Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen, segundo a edição
de J. Ziegler et alii, Septuaginta: Vetus Testamentum Graecum auctoritate Societates
Literarum Götingensis editum (Gottingen, 1931 em diante) ou de acordo com a edição
de A. Rahlfs, Septuaginta: Id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes, 2
vols. (Stuttgart, 1935) acrescenta hayom, Vulgata (séc. IV-IV), segundo a edição do
mosteiro beneditino de S. Jeronimo, em Roma, Bíblia Sacra iuxta Latinam Vulgatam
versionem Abbatiae Pont. S. Hieronymi in Urbe O.S.B. editada por A. Gasquet et alii
(Roma, 1926 em diante) ou de acordo com a edição de M. Hetzenauer, Bíblia Sacra
Vulgate Editiones (1. Ed., Innsbruck, 1906; 2. Ed., Regensburg-Roma, 1911 e 3. Ed.,
Regensburg-Roma, 1929) utiliza a expressão no plural “e teus filhos e filhos de teus
filhos”
Constatamos algumas variantes também no v. 3.
Nos manuscritos hebraicos encontrados a partir de 1947 em Hirbet Qumran, na
região do mar morto, na Judéia em Israel, utiliza-se a expressão kaashér ao invés de
95
ashér, e nesse caso seria “como que”. Nesse caso aderimos a expressão ashér conforme
o texto apresentado pela BHS.
No v. 3b constatatamos as seguintes alterações:
No Pentateuco Samaritano, Septuaginta e Vulgata, utiliza-se a expressão no
singular: “prolongues tú”.
No v. 3c manuscritos hebraicos encontrados em Hirbet Qumran, na região do
mar morto, na Judéia em Israel acrescenta um vaw e um hê na expressão
(). Esses acréscimos de letras em alguns vocábulos são muito comuns nos
manuscritos do mar morto e ocorrem por questões de distinção entre dialetos da mesma
língua.
3d: Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen coloca antes da palavra a expressão
dounai, Versão Síria Peshitta (séc. II) acrescenta dntl lk dare tibi (dar, oferecer, dar para
ti), sendo que no texto da Bíblia Hebraica Stuttgartensia ocorre “para ti”, e optamos por
essa versão em nossa tradução.
No v. 4a, a Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen (coloca, admite-se, várias
palavras).
No texto da Septuaginta há um acréscimo considerável no prenúncio deste verso,
e a questão do imperativo a IHWH surge depois. Nesse caso optamos pela versão
apresentada pela BHS (códice de Leningrado B19A).
No v. 7a o Pentateuco samaritano, Septuaginta, Septuaginta (texto grego da
Septuaginta baseado na recensão de Luciano de Antioquia), utiliza a expressão .
Nesse caso omite-se o sufixo pronominal que consta no Códice de Leningrado
B19 A na segunda pessoa, utilizando-se apenas a expressão “em casa”.
No caso do manuscrito baseado na recensão de Luciano de Antioquia a
expressão é colocada no plural “em casas”.
No caso do verso 7b o Pentateuco samaritano utiliza a expressão , ou seja, uma
preposição, e no caso resulta na expressão
“em teu andar”.
No v. 7c, poucos manuscritos hebraicos medievais (de 3 a 10), Pentateuco
samaritano, Vulgata (séc. IV-IV), segundo a edição do mosteiro beneditino de S.
Jeronimo em Roma, utilizam a expressão fazendo com que o sentido da palavra seja
“em teu deitar”.
96
No v. 8a identificamos em muitos manuscritos hebraicos medievais, fragmentos
de códices hebraicos da Guenizá da sinagoga Bem Ezra, do Cairo (séc. V-IX), e o
pentateuco samaritano, utilização da expressão “tuas mãos”, omitindo a
preposição seguida de um maqqéf que ocorre no códice de Leningrado B 19 A.
No v. 9a, a versão da Septuaginta (Setenta/LXX) de Göttingen (utiliza a
expressão no plural) “tuas casas”.
Ao decorrer do mesmo v. 9 na parte b, o Pentateuco samaritano, a Septuaginta
(Setenta/LXX) de Göttingen, e Versão Síria Peshitta (séc. II) utilizam a expressão no
plural “tuas casas”.
Ainda no v. 9c: há uma variante textual no códice manuscrito hebraico 69, entre
outros da edição de B. Kennnicott (Oxford, 1776-1780), que utilizam a expressão ou
seja, acrescenta-se um waw à palavra.
Na Septuaginta a expressão ocorre na segunda pessoa do plural, “e portões
teus”, e também na Vulgata (séc. IV-IV), segundo a edição do mosteiro beneditino de S.
Jeronimo em Roma.43
Podemos através da crítica textual analisar um pouco da história da transmissão
da nossa perícope, ou seja, como diferentes grupos transmitiram o texto.
Esta tarefa é importante, pois uma alteração pode modificar o sentido do texto.
No caso da nossa perícope, as distinções apresentadas pelos manuscritos e
códices são pequenas em relação ao Códice de Leningrado.
De fato, não percebemos alterações que poderiam mudar de forma radical o
sentido do texto que utilizamos como base para a nossa tradução. No entanto, pensamos
que a ênfase sobre essa conclusão talvez se encontre na possibilidade de levantarmos
algumas questões já feitas de início.
Se não houve alterações relevantes e somente modificações ultraminuciosas,
quais as razões que fazem um manuscrito ou códice na história da transmissão do texto
conseguir se impôr tanto em relação aos outros?
Se o sentido do texto não sofre modificações no decorrer de sua transmissão e
suas supostas alterações, então por que um códice, ou manuscrito prevalece sobre outro?
Por questões políticas? Ideológicas? Por questões tradicionais?
43
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético: Guia
Introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. São Paulo: Vida Nova, 2008.
97
Estas são algumas questões que podemos levantar no intuito de esclarecer ao
leitor que estes enfoques em seus limites, pedem outras ferramentas e outros tipos de
análise, que a exegese deve aplicar.
No decorrer do trabalho analisaremos a nossa perícope utilizando outros
enfoques e prespectivas, e outras ferramentas.
Mas desde já concluímos esta parte reafirmando a importância do método no
tocante à história da transmissão do texto e parabenizamos as versões críticas da Bíblia
Hebraica que nos dão acesso a essa história, como também trazem à tona os supostos
conflitos de grupos entorno da transmissão e fixação do texto.
1.3. Delimitação do texto
A perícope de Dt 6,1-9 possui uma estrutura bem definida e concisa.
O contexto maior em que se encontra a unidade literária corresponde aos
capítulos 5-28. Este bloco abrange três divisões: a primeira se estende dos capítulos 1-4,
a segunda abarca os capítulos 5-11, e a terceira abrange os capítulos 12-26.
A perícope de Dt 6,1-9 foi colocada dentro do bloco que se estende dos capítulos
5-11. Esta estrutura traz consigo o tema da legitimação histórica da legislação no
Horebe e a parênese sobre o mandamento principal de veneração exclusiva à YHWH, o
centro da perícope de Dt 6. A nossa perícope se encontra dentro deste bloco, ou seja, é
um texto que precede, está para fora do Código Deuteronômico (12-26) porém sinaliza
para dentro dele.
Entendemos a expressão no v.1: E este o (s) mandamento (s)... com duplo
aspecto.
O primeiro aspecto é a função de extensor, conectivo entre os assuntos tratados
anteriormente e o assunto que será discorrido posteriormente.
O segundo aspecto dessa expressão entendemos como fórmula introdutória. É
uma expressão preparatória para o apelo à audição dos itens elaborados pelo
deuteronomista que tem como centro o v. 4 ouve Israel! Por isso entendemos que a
perícope pode ter o seu início no local onde definimos.
O desfecho da unidade literária é o v. 9. Primeiro por que há uma ruptura, uma
mudança no tocante ao assunto que vem sido discorrido. Segundo porque, o fechamento
98
da perícope é indicado, definido pelo trabalho dos massoretas que sinalizaram o final da
unidade literária na própria estrutura do texto. Sobre a costura do v.1 da perícope com o
v. 9 formando assim uma unidade coesa, tratremos no tópico a seguir onde iremos expor
a estrutura do texto.
1.4. Estrutura do texto
1a) E este o mandamento, os estatutos e os juízos que ordenou YHWH vosso Deus
ensinar para vós fazerdes na terra que vós passais alí para herdá-la.
2b) Portanto temerás a YHWH teu Deus para guardar todos os seus estatutos e
mandamentos que eu te ordeno tú, teu filho e o filho de teu filho todos os dias da tua
vida para que se prolonguem os teus dias.
3c) E ouvirás Israel, e guardarás para fazerdes e que seja bom para ti para
que te multipliques muito conforme falou YHWH Deus de seus pais para ti na terra que
flui leite e mel.
4-5d) Ouve Israel, YHWH é o nosso Deus, YHWH é um. E amarás a
YHWH teu Deus de todo o teu coração de toda a tua vida e com todas as tuas posses.
6c’) E estarão estas palavras que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.
7b’) E às inculcarás a teus filhos e falarás delas em teu assentar, em tua casa, em
teu andar e pelo caminho, ao deitar e ao levantar.
8-9a’) E as atarás como sinal sobre tua mão e estarão como sinal entre os teus olhos. E
as escreverás sobre os umbrais da tua casa e nas tuas portas.
1.4.1. Comentando a estrutura:
Entendemos que a prícope de Dt 6,1-9 possui uma estrutura concêntrica, também
chamada de quiasmo.
Num texto quiásmico os fios do texto são entrelaçados tendo como condutor um
fio central, ou seja, os fios estão concatenados apontando para um centro conforme o
esquema abaixo:
99
1a)
2b)
3c)
4-5d) 6c’)
7b’)
8-9a’)
Os elementos vão se cruzando, e esse centro é onde se encontra o cruzamento de
todos os fios. No caso do nosso texto de Dt 6,1-9 o centro onde se encontra esse
cruzamento dos fios concatenados são os versos 4-5:
`dx'(a, Ÿhw"ïhy> WnyheÞl{a/ hw"ïhy> lae_r"f.yI [m;Þv.
^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw>
`^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W
Indicamos os versos 4-5 como o centro da perícope, isto é, o fio condutor dos
demais fios que se estendem formando o tecido do texto de Dt 6,1-9. Os demais
versículos emolduram, fazem uma espécie de entorno para os versos 4-5 que são
apontados como o centro do texto.
O verso 1 inicia com um waw conversivo indicando o tema dos
mandamentos,ou, o mandamento, estatutos e juízos ~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih;
tazOæw.
Este vs. 1 entendemos como costurado com os versos 8-9: ^d<+y"-l[; tAaßl.
~T'îr>v;q.W
e as atarás como sinal na tua mão... v. 9: `^yr<(['v.biW ^t<ßyBe tzOðWzm.-l[; ~T'²b.t;k e as
escreverás sobre os umbrais da tua casa e nas tuas portas...
O v. 2 está ligado ao v.7, pois ambos referem-se a importância da transmissão,
do ensino dos mandamentos aos filhos e aos filhos dos filhos:
rmov.liû ^yh,ªl{a/ hw"åhy>-ta, ar"øyTi ![;m;’l. 2 ^ån>biW ‘hT'a; è^W<c;m. ykiänOa' rv<åa] éwyt'wOc.miW wyt'äQoxu-lK'-ta,
`^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W ^yY<+x; ymeäy> lKoß ^ên>Bi-!b,W
Portanto, temerás a YHWH teu Deus para guardar todos os seus estatutos e
mandamentos que eu te ordeno tú, teu filho e o filho de teu filho todos os dias da tua
vida para que se prolonguem os teus dias.
^ÜT.b.viB. ~B'_ T'Þr>B;dIw> ^yn<ëb'l. ~T'än>N:viw> 7
100
`^m<)Wqb.W ^ßB.k.v'b.W* %r<D<êb; åT.k.l,b.W ‘^t,’ybeB.
E as inculcarás a teus filhos e falarás delas em teu assentar, em tua casa, em teu andar
e pelo caminho, ao deitar e ao levantar.
Os vs. 3 e 6 estão costurados pelo mesmo ponto teológico que é a importância da
guarda dos mandamentos: o v. 3 inicia com a expressão: T'är>m;v'w> ‘laer"f.yI T"Ü[.m;v'w > e
ouvirás Israel e guardarás ... enquanto o v. 6 se apresenta pela expressão:
^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> `^b<)b'l.-l[; ~AYàh;
E estarão estas palavras que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.
Os vs. 4-5 são apontados por nós como o centro da perícope, aquele que é a
razão de ser dos demais fios que estão entrelaçados a esse fio condutor. Todos os fios se
encontram unidos com um objetivo comum, permanecerem no foco do centro, do fio
condutor do texto-tecido que é o Shemá Israel.
Abaixo elaboramos um quadro que nos dá uma ideia do conjunto que forma a
estrutura concêntrica do Dt 6,1-9:
dx'(a, Ÿhw"ïhy> WnyheÞl{a/ hw"ïhy> lae_r"f.yI [m;Þv.
^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw> `^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W
4. Ouve Israel, YHWH é o nosso
Deus, YHWH é um.
5. E amarás a YHWH teu Deus de
todo o teu coração, de toda a tua vida e
com todas as tuas posses.
1. E este o mandamento, os
estatutos e os juízos que
ordenou YHWH, vosso Deus,
ensinar para vós fazerdes na
terra que vós passais alí para
herdá-la.
8. E as atarás como sinal sobre tua
mão e estarão como sinal entre os teus
olhos.
9. E as escreverás sobre os umbrais da
tua casa e nas tuas portas.
2. Portanto, temerás a YHWH teu Deus
para guardar todos os seus estatutos e
mandamentos que eu te ordeno tú, teu
filho e o filho de teu filho todos os dias
da tua vida para que se prolonguem os
teus dias.
7. E as inculcarás a teus filhos e
falarás delas em teu assentar, em tua
casa, em teu andar e pelo caminho, ao
deitar e ao levantar.
3. E ouvirás Israel, e guardarás para
fazerdes e que seja bom para ti para
que te multipliques muito conforme
falou YHWH, Deus de seus pais, para
ti na terra que flui leite e mel.
6. E estarão estas palavras que eu te
ordeno hoje sobre o teu coração.
101
1.5. Coesão do texto44
1.5.1. Introdução
A coesão é entendida como a operação que responde, do ponto de
vista textual, pela organização das unidades lingüísticas do texto e pela
conservação/progressão das informações nele contidas.
Em outras palavras, a coesão retrata uma “amarração” entre as
várias partes do texto, ou seja, um entrelaçamento significativo entre
declarações e sentenças.
A fala e também o texto escrito não se constituem apenas numa
seqüência de palavras ou de frases. A sucessão de coisas ditas ou escritas
forma uma corrente que vai muito além da seqüencialidade. Em outras
palavras, quando falamos de coesão textual, fazemos referência aos
mecanismos linguísticos que permitem uma sequência lógica e semântica
entre as partes de um texto, sejam elas palavras, frases, parágrafos, etc.
Entre os elementos que garantem a coesão de um texto, temos: as
referências e as reiterações: Este tipo de coesão acontece quando um
termo faz referência a outro dentro do texto, quando reitera algo que já foi
dito antes ou quando uma palavra é substituída por outra que possui com
ela alguma relação semântica. Alguns destes termos só podem ser
compreendidos mediante estas relações com outros termos do texto, como
ocorre em casos de catáfora e anáfora.
As substituições lexicais (elementos que fazem a coesão lexical):
este tipo de coesão acontece quando um termo é substituído por outro
dentro do texto, estabelecendo com ele uma relação de sinonímia,
antonímia, hiponímia ou hiperonímia, ou mesmo quando há a repetição da
mesma unidade lexical (mesma palavra).
44 BIEZUS, Marly de Fátima Gonçalves Tavares. A coesão textual na tessitura do texto: a referenciação
como artifício de construção de objetos discursivos. Unioesp, 2008. p. 1-21. http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/artigo_marly_fatima_goncalves_tavares. A introdução referente aos pressupostos de coesão e coerência utiliza como fonte
o trabalho da autora referida.
102
Os conectores (elementos que fazem a coesão interfrásica): Estes
elementos coesivos estabelecem as relações de dependência e ligação
entre os termos, ou seja, são conjunções, preposições. A correlação dos
verbos (coesão temporal e aspectual): consiste no emprego correto dos
aspectos e tempos verbais, ordenando assim os acontecimentos de uma
forma lógica e linear, que irá permitir a compreensão da sequência dos
mesmos. São os elementos coesivos de um texto que permitem o
encadeamento das ideias, as articulações e ligações entre suas diferentes
partes.
Podemos entender melhor a coerência compreendendo os seus três
princípios básicos:
1) Princípio da não contradição: em um texto não se pode ter situações ou
ideias que se contradizem entre si, ou seja, que quebram a lógica.
2) Princípio da não tautologia: tautologia é um vício de linguagem que
consiste na repetição de alguma ideia, utilizando palavras diferentes. Um
texto coerente precisa transmitir alguma informação, mas quando há
repetição excessiva de palavras ou termos, o texto corre o risco de não
conseguir transmitir a informação. Caso ele não construa uma informação
ou mensagem completa, então ele será incoerente.
3) Princípio da Relevância: Fragmentos de textos que falam de
assuntos diferentes, e que não se relacionam entre si, acabam tornando o
texto incoerente, mesmo que suas partes contenham certa coerência
individual. Sendo assim, a representação de ideias ou fatos não
relacionados entre si, fere o princípio da relevância, e trazem incoerência
ao texto.
Deste modo podemos compreender o seguinte: Os elementos
contidos no texto vão se desencadeando dentro de uma sequência lógica e
estruturada onde os vocábulos estabelecem entre si uma relação de
dependência mútua. O que sucede no decorrer do desenvolvimento das
ideias já fora anunciado anteriormente, fazendo com que o texto seja
“tecido”, um entrelaçamento de fios, um todo coeso, organizado, de forma
que os fios se encontrem amarrados a ponto de não poderem ser vistos
isoladamente.
103
1.5.2. Comentário sobre a Coesão da Perícope:
O texto de Dt 6,1-9 trata-se de uma perícope que possui uma estrutura precisa e
bem definida. Há indicadores no texto que confirmam tal coesão. O tema central é a
unicidade de YHWH, a saber, o tema do javismo.
Eixos principais dão coesão ao texto a partir de repetições. Um dos elementos-
eixo da perícope refere-se à advertência no tocante a unicidade de Javé e da guarda dos
mandamentos, estatutos e juízos. Alguns verbos como “ouvir” e “guardar”, aparecem
com frequência no texto garantindo a coesão literária e teológica. Substantivos se
repetem justificando a centralidade teológica do tema do javismo, a saber, a fé no Deus
único que se expressa através da obediência.
A centralidade do tema possui um entorno composto por subtemas, que são
expressos através de substantivos e verbos que se referem à guarda dos mandamentos,
estatutos e juízos.45
É importante notarmos que o tema está no centro da perícope.
Os elementos coesivos que aparecem no início do texto movimentam-se em
direção à centralidade do tema que se encontra nos versos 5 e 6.
Os versos posteriores retomam os subtemas do inicio em relação à guarda dos
mandamentos que irão sinalizar o centro.
O desfecho sinaliza o centro em concordância com os indicadores que se
apresentam desde o início que também apontam para a centralidade do tema e da
perícope.
A expressão que ocorre no vers. 1: “E este o mandamento, os estatutos e os
juízos”, se encontra “amarrada” com a expressão que faz o desfecho da perícope no
vers. 9:“ E as escreverás sobre os umbrais da tua casa e nas tuas portas”. Os
mandamentos, estatutos e juízos deveriam ser fixados nos umbrais. Encontramos coesão
45
A construção de um texto se faz em torno de um assunto pontuado, um tema. Esse tema, de certa
forma, tem que ser referenciado até o fim do texto, mas será misturado a outros subtemas, que farão parte
das argumentações discursivas e que vão gravitando em volta do tema central. Dessa forma vai-se
mantendo o assunto no fio do discurso e compondo o texto, a “tessitura”. No caso da perícope de Dt 6.1-9
o tema central possui uma moldura em seu entorno. Os subtemas são referentes à guarda dos
mandamentos, estatutos, juízos, e ocorrem juntamente com os conceitos antropológicos e outros
indicadores de coesão como artigos, conjunções e os verbos “ouvir” e “guardar”, que gravitam em torno
do centro que é o tema do javismo, a unicidade de YHWH.
104
através desta moldura. No desfecho da perícope retomam-se os elementos anunciados
desde o início.
O movimento de aproximação dos entornos para o centro continua. No vers. 8
“E as atarás”... refere-se às palavras, aos mandamentos e estatutos que foram
pronunciados no início. Estes se desenrolam no decorrer do texto como elementos de
progressão textual coesiva. Um exemplo é a palavra que ocorre no vers. 2: “para
guardar”.
O verbo indica a guarda dos mandamentos, estatutos e juízos que aparecem no
início da perícope, sendo que no desfecho os mesmos devem ser fixados nos umbrais
das portas, e no vers. 8 devem ser “como sinal sobre a tua mão” e “como sinal sobre os
teus olhos”. No vers. 7 os mandamentos, estatutos e juízos anunciados no início da
perícope, no vers. 1, posteriormente retomados no vers. 2 para serem guardados, são
ordenados para que sejam “inculcados aos filhos”.
Deste modo mais uma vez nos aproximamos ao centro da perícope através da
ligação dos termos com o vers. 3: “E ouvirás Israel e guardarás... Neste caso
encontramos mais alguns elementos de coesão na narrativa.
Marcas na progressão do enredo nos indicam que a perícope é bem estruturada.
Umas destas marcas é o entrelaçamento e a ordem das informações contidas no texto,
como também a sua progressão na ordem dos acontecimentos. Os indicadores de coesão
que fazem parte do desfecho e do índice no início da perícope estão conectados dentro
de uma estrutura lógica que propõe uma solução, uma saída, um desfecho para os
problemas enfrentados no passado e os desafios do futuro.
No vers. 6 os elementos de coesão aparecem, porém agora as palavras devem ser
fixadas “no coração”. Assim, nos aproximamos do centro da perícope conforme a nossa
proposta desde o primeiro capítulo desta pesquisa. Defendemos a hipótese de que o
centro do texto encontra-se nos versos 4 e 5.
A perícope possui coesão do ponto de vista de uma análise linguística-bíblico-
antropológica.46
46
O ser humano convocado a guardar os mandamentos é visto de forma integral na perícope de Dt 6.1-9.
Palavras como néfesh e lev demostram tal coesão antropológica por auxiliarem na descrição do ser
humano como um todo.
O narrador traz consigo estes pressupostos que remontam a antropologia semítica e o pensamento
estereométrico-sintético. Esse modo estereométrico-sintético de pensar determina o espaço vital do ser
humano mediante a citação de órgãos característicos, descrevendo desse modo a totalidade do ser
humano. Deste modo a concepção estereométrica-sintética pressupõe uma visão integrada, holística, ou
seja, uma visão de conjunto dos membros e órgãos do corpo humano, juntamente com suas funções e
características. O membro nesse caso é visto juntamente com a sua função. Deste modo quando se fala de
105
O mandamento do amor a Deus colocado de forma imperativa através do shema
Israel remonta ao decálogo do capítulo 5 que traz consigo também a exigência do amor
ao próximo. O amor ao próximo não se restringe a uma abstração afetiva mas se
concretiza na prática da justiça e da solidariedade. Quem ama o próximo não furtará os
pertences do próximo e nem tomará a esposa do próximo por mulher. Amar ao próximo
é respeitar os seus próprios limites como também do seu irmão, o pobre. Desta forma
podemos identificar pontos de contato entre nossa perícope e o decálogo, ou seja,
situando o nosso texto num contexto mais amplo encontramos uma estrutura 5-28
delimitando o texto por uma espécie de moldura que envolve os relatos, imprimindo
também à nossa perícope características próprias e peculiares principalmente no tocante
aos vocábulos antropológicos.
Portanto podemos compreender a estrutura de Dt 6,1-9 como um tecido. Os fios
se encontram entrelaçados e amarrados dando coesão à tessitura como um todo. No
início da perícope a expressão “e estes” se encontra conectada aos “mandamentos” que
ocorrem juntamente com os artigos e conjunções, pois os mesmos aparecem aglutinados
através da expressão: “os mandamentos, os estatutos e os juízos”. Na sequencia toda o
desenrolar do tecido é mera continuidade tornando a sequencia dos eventos cada vez
mais amarrados. “Portanto”, “consequentemente”, “temerás ao YHWH teu Deus”, ou
seja, após ter acesso aos mandamentos os israelitas devem temer e guardar as
néfesh se pensa no órgão “garganta”, juntamente com a sua função, ou seja, “órgão da respiração”. Sendo
assim a vida como um todo se encontra na garganta “néfesh”. Do mesmo modo pensa-se no coração
juntamente com suas funções, logo a vida como um todo passa pelo coração e está comprometida com
ele. Tamanha importância estes vocábulos possuem no pensamento semita, que às vezes são trocados por
pronomes. Tanto néfesh como lev abarcam o ser humano em sua totalidade. Sobre o pensamento
estereométrico sintético conferir: WOLFF, Walter, Hans. Antropologia do Antigo Testamento. Edições
Loyola, São Paulo, 1983. A ilustre obra de Hans Walter Wolff possui como objetivo principal remontar a
visão holística de ser humano descrita no Antigo Testamento. Isso ocorre num período de desilusão com o
próprio ser humano, principalmente na Alemanha devido às atrocidades das grandes guerras,
especialmente (1914-1918). Neste período surge a crise seguida do questionamento do ser humano
acerca de si mesmo: O que vem a ser o ser humano? Porque o progresso das ciências e da técnica não nos
conduz unicamente à claridade, mas também nos lança sempre em trevas? Porque o abuso de
conhecimentos e métodos científicos tomam formas ameaçadoras, não só nas práticas das ciências
naturais, mas também nas chamadas ciências humanas? Porque pesquisas como a medicina, a química, a
farmácia, a psicologia e a teologia que proclamam a sua vocação humana começam a se esquecer do ser
humano? Oportunidades de lucro, primazia da razão e da técnica, o individualismo exacerbado, planos e
estatísticas desviam o olhar do ser humano moderno acerca de si mesmo. É importante destacar também
os acontecimentos e as atrocidades no nazismo. Durante e após os equívocos cometidos nesse período
alguns investigadores encontraram um meio de remontar uma antropologia a partir da Bíblia. O principal
teólogo a chamar a atenção para o lugar em que o ser humano poderia verdadeiramente ser compreendido
foi Karl Barth, referindo-se às escrituras do
Antigo e Novo Testamento. A Bíblia seria o lugar de encontro do ser humano com Deus, segundo Barth,
nesse período. O ser humano havia se tornado um enigma. Em todos os ramos do saber surgiram
pesquisas no intuito de investigar os conceitos antropológicos.
106
prescrições que ainda serão anunciadas. “E ouvirás Israel”, e guardarás para cumprir...
Mais uma vez o narrador desperta a atenção dos seus ouvintes no intuito de orientá-los
com toda a diligência e o cuidado devido. Novamente os fatores de coesão aparecem
dando uma sequencia lógica. O israelita que ouvir e guardar para fazer tudo conforme
lhe será ordenado estará obedecendo e fazendo o bem a si mesmo, para que
“multipliques”, conforme falou YHWH Deus dos pais na terra que flui leite e mel. O
ouvir e guardar, a observância, e a obediência aos mandamentos no caso do
deuteronômio, são seguidas de uma recompensa. Mais uma vez os israelitas são
convocados a “ouvir”, no caso no vers. 4 onde o verbo aparece como indicador de
coesão, pois dá sequencia ao que consideramos um dos fatores teológicos relevantes na
nossa perícope, “o ouvir”, “o atentar para guardar os mandamentos”: Ouve Israel,
YHWH é o nosso Deus YHWH é um!
1.6. Estilo literário
Trata-se de uma narrativa. Em um texto narrativo encontramos alguns elementos
fundamentais como cenário, tempo, espaço, e o local onde se narra.
A narrativa possui uma estrutura e uma descrição de personagens que vivem ou
que irão viver uma situação. Faz parte da estrutura narrativa encadear os eventos de
forma em que haja um desfecho, uma proposta de solução para que os personagens
superem os desafios e os problemas enfrentados.
No caso da perícope de Dt 6 fica evidente esta estrutura seguida de tal proposta.
O narrador deuteronomista também se utiliza de técnicas na tentativa de criar
uma atmosfera que produza no leitor algum sentimento, ou no intuito de prender a sua
atenção através de um suspense. No caso da nossa perícope o narrador utiliza de
recursos narrativos a fim de prender a atenção do leitor e fazer com que o mesmo vá pra
diante e parta trás da pericope de Dt 6. 1-9. Para trás o narrador desloca a atenção do
leitor em direção à memória, isto é, os feitos de YHWH no Egito, e ao decálogo de Dt
5, e para frente sinaliza, para o cumprimento da promessa, a terra, conduzindo o leitor
para o código deuteronomico 12-26. O narrador não se utiliza obviamente da expressão
código deuteronomico mas pressupõe que adiante irá especificar o significado da guarda
dos mandamentos, estatutos e juízos de forma pormenorizada. A perícope de Dt 6,1-9 é
107
uma narrativa em discurso direto cujo narrador é anônimo, isto é, ele narra de forma
direta as palavras de Moisés. A legitmimação de tal afirmação se encontra em Dt 1.1:
“Estas são as palavras que falou Moisés para todo Israel”... Na perícope de Dt 6 Moisés
e o seu público estão fora da terra prometida aguardando entrar nela. No caso do
narrador este também se encontra fora da terra, no exílio. Ambos aguardam pelo favor
de YHWH para tomarem posse da terra. A conquista da terra conforme abordamos
anteriormente é condicionada por alguns fatores, a saber, o amor ao Deus único
reivindicado pela religião javista. O amor deve se concretizar através da observância e
da guarda dos mandamentos.
1.7. Gênero literário
A expressão ouve Israel é composta por uma
cadeia de vários interativos que é o prefácio
dos sermões subsequentes com o objetivo de
chamar atenção à importância do assunto. As
palavras “Ouve Israel” são evidentemente
uma fórmula de estereótipo no
Deuteronômio. Sendo assim, a hipótese de
que essas cláusulas são meramente
ferramenta literária não pode ser aceita
facilmente, portanto devemos perguntar qual
a sua origem. Provavelmente se refere a
coisas tradicionais dos dias antigos da
adoração da assembleia ou das tribos.47
De início, queremos ressaltar a presença de alguns resquícios no texto que
deixam entender que, a perícope de Dt 6,1-9, possui aspecto poético e alguns traços
daquilo que se chama “paralelismo”, na literatura hebraica.
Quando falamos de paralelismo não há possibilidade de definirmos o conceito
apenas a partir dos três tipos de paralelismo, como sinonímico, sintético e antitético.
É tarefa muito difícil fazer o mapeamento destes três aspectos do paralelismo de
forma rígida. O verso hebraico possui muita liberdade. Varia entre poesia e prosa
ritmada bem como nas frequentes e imprevistas passagens da prosa à poesia e vice-
versa.
47
RAD, Von. Deuteronomy. Tradução de Dorothea Barton. Westminster Press Philadelphia, Pensylvania,
1966, p. 63
108
No entanto entendemos que na perícope de Dt 6,1-9 podemos identificar alguns
aspectos de paralelismo denominado de sinonímico.
Há uma cuidadosa correspondência entre coisas e coisas, entre palavras e
palavras umas e outras perfeitamente medidas e correlatas.
A relação de sinonímia encontra-se nos versos alternados, correspondendo o v. 1
aos vs. 8-9, sendo que estes últimos exprimem o efeito do que se diz no v. 1.
O v. 7 é um reflexo, ou efeito do que se diz no v. 2, enquanto o v. 6 é também
efeito do que se afirma no v. 3.
Mas, a elegância do paralelismo sinonímico da perícope se concentra na
superposição do quiasmo. Superposição porque, constitui um centro, a saber, os vs. 4-5,
enquanto isso os demais versos surgem correspondendo-se entre eles entorno deste foco
que é o centro donde os vocábulos, expressões e palavras permanecem orbitando.
Portanto podemos levar aos vários entendimentos, de que a unidade literária
poderá vir acompanhada de alguns aspectos da poética hebraica. Uma das características
encontradas é a métrica com rima.
Exemplo v. 1:
~yjiêP'v.Mih;w ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih; tazOæw>
~k,_t.a, dMeäl;l. ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci rv<ïa
~T,²a; rv<ïa] #r<a'êB' tAfå[]l;
`HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o
A rima poderá existir como procedimento didático, ou seja, como forma de
facilitar o entendimento, o aprendizado, o armazenamento das informações na memória.
A poesia, o poema, o canto, são formas fáceis de serem arquivadas no
consciente/memória, pois a sonoridade é pressuposto para que as palavras se combinem
de forma simétrica conforme o exemplo acima através da expressão:
~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih; ha-mitsvah ha-huquim we-ha-mishpatim...
Assim, a rítmica presente na perícope de Dt 6,1-9 remete-nos ao sentido didático
na apropriação do texto de forma hábil. Um exemplo de tal procedimento poder ser
demonstrado através da justaposição de expressões chaves que são encadeadas não
apenas pela significação, mas pela semelhança sonora conforme da expressão contida
no v. 2:
rmov.liû ^yh,ªl{a/ hw"åhy>-ta, ar"øyTi ![;m;’l.
109
^ån>biW ‘hT'a; è^W<c;m. ykiänOa' rv<åa] éwyt'wOc.miW wyt'äQoxu-lK'-ta,
`^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W ^yY<+x; ymeäy> lKoß ^ên>Bi-!b,W
Podemos notar a métrica rítmica utilizada pelo redator deuteronomista através de
expressões que possuem terminações sonoras muito semelhantes.
O redator deuteronomista utiliza de repetições frequentes no tocante às
terminações de algumas palavras na forma gramatical de sufixo pronominal na segunda
pessoa do singular. Só no v. 2 aparecem seis vezes tais expressões acompanhadas por
sufixo pronominal conforme o esquema abaixo:
1. ^yh,ªl{a/
2. ^W<c;m.
3. ^ån>biW
4. ^ên>Bi-!b,W
5. ^yY<+x; ymeäy> lKoß
6. ^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W
Estes fatores podem remontar tantos às descrições das estruturas literárias
quanto legislativas das sociedades e culturas próximas daquela época.
A cláusula, a ordenança, o chamamento poderá não ser meramente literário,
podendo ser também parte de um ambiente de culto, de tradição oral, de ordenanças
legislativas.
Podemos considerar, a fórmula de estereótipo lae_r"f.yI [m;Þv. Ouve Israel! uma
designação prática do sistema método/didático daquele tempo, quer seja, o do direito
e/ou dos contratos hititas conforme abordagem anterior, no capítulo primeiro.
Em equiparação contextualizada desta última designação, poderíamos referir-nos
a legislação atual com seus artigos, parágrafos e incisos, organizados de forma
facilitadora para a guarda, para a busca na memória pelos operadores do direito, o que
facilita uma busca rápida e habilidosa nos arquivos imaginários.
No v. 5 o redator deuteronomista utiliza novamente a justaposição de expressões
com terminações semelhantes, porém nesse caso, utiliza suas ferramentas gramaticais
não apenas no intuito de cativar o lev (sentimento/racionalidade) de seus destinatários
através da sonoridade das expressões tiradas do seu acervo vocabular, mas no intuito de
110
justapor termos antropológicos que descrevem a reivindicação da entrega total do ser
humano à YHWH:
^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw>
`^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W
Levantamos a hipótese de uma forma sistemática-metodológica-didática
caracterizada pela memorização de textos rítmicos, simétricos, poéticos. Não obstante, o
sistema de chamamento poderá fazer alusão ao cânon do Deuteronômio, à lei.
A fórmula Ouve Israel! poderá ser entendida como uma designação de cláusula,
um símbolo, uma forma de pensamento para designar a importância da lei na época.
No entanto, o escutar no pensamento semita possui sentido concreto. Escutar é
com o lev! Pois o lev é também o órgão da escuta!
2. Estudo do Conteúdo com Análise Semântica. (Nível
Diacrônico)
rv<ïa] ~yjiêP'v.Mih;w> ‘~yQixuh;( hw"©c.Mih; tazOæw> 6:1
rv<ïa] #r<a'êB' tAfå[]l; ~k,_t.a, dMeäl;l. ~k,Þyhel{a/ hw"ïhy> hW"±ci `HT'(v.rIl. hM'v'Þ ~yrIïb.[o ~T,²a;
w> partícula de conjunção “e”.
hz< adjetivo, pronome, demonstrativo feminino singular.
h; partícula artigo o, a, os, as.
hw"c.mi substantivo feminino singular absoluto comum.
h; partícula artigo.
qxo substantivo masculino plural comum absoluto.
w> particular de conjunção “e”.
h; partícula artigo.
jP'v.mi substantivo masculino plural comum absoluto.
rv,a] pronome (partícula) relativo.
hwc verbo piel perfeito terceira pessoa do singular masculino.
hwhy nome próprio, substantivo, sem sexo, nenhum estado.
~yhil{a/ substantivo masculino plural comum, no caso, com sufixo pronominal segunda
pessoa do plural masculino.
l. partícula de preposição para, em direção à.
Dml verbo piel infinitivo construto aprender, ensinar.
111
tae partícula do objeto direto marcado + sufixo segunda pessoa masculino plural
homônio.
l. partícula de preposição.
hf[ verbo qal infinitivo construto homônimo.
B. partícula de preposição.
h; partícula de artigo.
#r,a, substantivo comum feminino singular absoluto.
rv,a] partícula pronome relativo.
~T,a; pronome independente segunda pessoa masculino plural.
rb[ verbo qal particípio masculino plural homônimo absoluta.
~v' partícula de advérbio direcional.
l. partícula de preposição.
vry verbo no infinitivo qal construir sufixo terceira pessoa do singular feminino.
A unidade literária se inicia com a exposição de três substantivos cujos
significados são sinônimos. Mitsvah, hoq e mishpat se apresentam unidos e indicados
pelo demonstrativo zot que inicia o verso. Em seguida são precedidos pelo artigo
definido sendo que o vocábulo mishpat além do artigo, vem acompanhado de uma
conjunção “e”, ou vav conversivo. Optamos traduzir mitsvah por “mandamentos”, hoq
por “estatutos”, e mishpatim por “juízos”. Conforme afirmamos anteriormente há
unanimidade entre dicionários acerca da interpretação destes vocábulos como
sinônimos. Em parte concordamos, mas iremos fazer uma ressalva, uma distinção.
Entendemos a expressão mishpat, “juízos”, como relacionados às consequências da
observância ou não das mitsvot, “mandamentos”, expressos pelo Deuteronômio. Por
outro lado concordamos com certa unanimidade entre autores acerca dos vocábulos
terem sentido sinonímico. Ainda no mesmo verso pronome relativo asher aparece
precedendo um vocábulo importante que é o verbo tsvah que optamos traduzir como
“ordenou”, e em segundo plano “decretou”.
O nome YHWH refere-se ao nome de Deus.
Outro verbo importante é lmd que ocorre aqui nesse verso na forma piel e
optamos traduzir por “ensinar”. Este “ensinar” é procedido pela expressão etchém
indicando o local, sinalizando a palavra eretz traduzido por nós por “terra” no sentido
territorial.
rmov.liû ^yh,ªl{a/ hw"åhy>-ta, ar"øyTi ![;m;’l. 6:2
^ån>biW ‘hT'a; è^W<c;m. ykiänOa' rv<åa] éwyt'wOc.miW wyt'äQoxu-lK'-ta, `^ym,(y" !kUïrIa]y: ![;m;Þl.W ^yY<+x; ymeäy> lKoß ^ên>Bi-!b,W
112
l. particular de preposição
ary verbo qal imperfeito segunda pessoa masculino singular
tae particular do objeto direto
hwhy nome de Deus, nome próprio sem sexo, nenhum número, de nenhum estado.
~yhil{a/ substantivo comum masculino aparece no texto com sufixo, construção plural
2 ª pessoa masculino singular.
l. particular de preposição.
rmv verbo qal infinitivo construto, “guardar”.
tae particular do objeto direto.
lKo substantivo comum construção singular masculino
hQ'xu substantivo comum feminino com sufixo, construção plural 3 ª pessoa masculino
singular.
w> particular de conjunção
hw"c.mi substantivo comum feminino com sufixo, construção plural 3ª pessoa masculino
singular.
rv,a] partícula relativa (pronome relativo).
ykinOa' pronome primeira pessoa singular independente.
hwc verbo piel particípio construção singular masculino sufixo 2 ª pessoa masculino
singular.
hT'a; pronome segunda pessoa independente masculino singular.
w> particular de conjunção “e”.
!Be substantivo comum masculino, aprece no texto com sufixo construção singular 2 ª
pessoa masculino singular homônimo.
w> particular de conjunção.
!Be substantivo comum masculino sufixo construção singular 2 ª pessoa masculino
singular homônimo.
lKo substantivo comum construção singular masculino.
~Ay substantivo masculino comum construção plural.
yx; substantivo comum com sufixo construção plural 2 ª pessoa singular masculino
homônimo.
w> particular de conjunção.
![;m;l. partícula de conjunção.
$ra verbo hiphil imperfeito 3 ª pessoa masculino plural
~Ay substantivo masculino comum construção plural.
O verso 2 inicia com o termo lemaan estabelecendo assim um elo de ligação
com o versículo anterior. Tal relação quer deixar evidente a sequencia textual.
O texto está sendo desenvolvido e o redator faz questão de utilizar este elo de
ligação entre o verso 1 e 2, isto é, como ponte no intuito de não deixar lacunas entre um
113
hemistíquio e outro, ou seja, entre o que foi dito anteriormente e o que será
desenvolvido, anunciado posteriormente. Um vocábulo importante que ocorre no
versículo é o verbo shamar.
O verbo está vinculado teologicamente e linguisticamente aos substantivos hoq e
mitsvot. Notemos que tais vocábulos fazem parte das expressões e palavras-chaves que
norteiam o livro do Deuteronômio. Estas expressões e vocábulos ocupam um lugar
central na teologia deuteronomista. Os mandamentos deveriam ser guardados e
transmitidos aos filhos, e aos filhos dos filhos, para que os israelitas pudessem viver
bem na terra que passariam a herdá-la.
‘rv,a] tAfê[]l; T'är>m;v'w> ‘laer"f.yI T"Ü[.m;v'w> 6:3
yh eÛl{a/ hw"÷hy> rB,’DI •rv,a]K; dao+m. !WBßr>Ti rv<ïa]w: êl. bj;äyyI p `vb'(d>W bl'Þx' tb;îz" #r<a,² %l'ê ‘^yt,’boa]
w> particular de conjunção.
[mv verbo qal+waw consecutivo segunda pessoa perfeita masculino singular.
laer'f.yI nome próprio sem sexo, nenhum número, de nenhum estado.
w> particular de conjunção.
rmv verbo qal+waw consec segunda pessoa perfeita masculino singular
l. particular de preposição.
hf[ verbo qal infinitivo “fazer”.
rv,a] partícula relativa (pronome relativo).
bjy verbo qal imperfeito 3 ª pessoa masculino singular.
l. partícula de preposição + sufixo 2 ª pessoa masculino singular.
rv,a] partícula relativa (pronome relativo).
hbr verbo qal imperfeito segunda pessoa masculino plural.
daom. particula adverbial.
rv,a]K; : K. + rv,a]: preposição+pronome relativo.
rbd verbo piel perfeito 3 ª pessoa masculino singular homônimo.
hwhy nome divino.
~yhil{a/ substantivo comum construção plural masculino.
ba' substantivo comum masculino + sufixo construção plural 2 ª pessoa masculino
singular.
l. particular de preposição sufixo segunda pesssoa singular.
bwz verbo qal particípio construção singular feminino.
bl'x' substantivo comum masculino singular absoluto.
conjunção + substantivo comum masculino singular absoluto.
114
“E ouvirás Israel” “e guardarás para fazer”.... O verbo aqui se apresenta na
forma verbo qal+waw consecutivo, ou seja, é precedido pala conjunção vaw no intuito
de estabelecer ligação com o a afirmação anterior do verso 2, dando uma sequência
lógica aos acontecimentos narrados. Israel deve ouvir e guardar para fazer...
Não bastaria somente ouvir, ou somente ouvir e guardar, mas fazer, exteriorizar
os mandamentos de YHWH em atos concretos de justiça. Esta era a condição para que
vivessem bem na terra que flui leite e mel.
`dx'(a, Ÿhw"ïhy> WnyheÞl{a/ hw"ïhy> lae_r"f.yI [m;Þv. 6:4
[mv verbo qal imperativo masculino singular.
laer'f.yI nome próprio sem sexo nenhum número de nenhum estado.
hwhy nome do divino.
~yhil{a/ substantivo plural masculino.
hwhy nome do divino.
dx'a, cardeal numeral masculino absoluto singular.
O v. 4 inicia com o verbo shemá. Esta expressão verbal é considerada por muitos
exegetas o vocábulo mais importante da perícope. A palavra aparece no texto na forma
QAL como imperativo do verbo e é endereçada à Israel.
Ouça Israel , YHWH é nosso Deus , YHWH é ehad um! - Escuta Israel, YHWH
é nosso Deus , YHWH é um.
Linguisticamente falando pode-se justificar a
tradução: YHWH, nosso Deus, é um YHWH é
único, quer dizer um, ao qual não se poderia
dividir e diferente dos deuses e poderes, como
os baais de Tiro, Assor ou Siquém etc. Como
uma pessoa que reúne em si tudo o que um
israelita pensa que é próprio sobre Deus. Mas
também é possível outra tradução: YHWH é
nosso Deus, somente YHWH!, na qual teria
mais em conta a sua exclusividade diante das
demais divindades. É preciso ter a atenção
sobre a importância dos sinais cumpridos no
Egito para o conhecimento da singularidade de
Deus na literatura deuteronomista. Esta frase
remonta a época de Josias e conheceu várias
interpretações, mas em todo caso se
transformou na confissão básica do monoteísmo
absoluto. Com isso a unicidade de Deus se
transformou no artigo mais importante e
fundamental do conhecimento humano, não
somente do ponto de vista simplismente
115
religioso, mas também do teológico e do
metafísico.48
Conforme afirmamos anteriormente, o verso 4 começa com o imperativo do
verbo. Israel é convidado a ouvir, Israel é convidado a ouvir em primeiro lugar, que
YHWH é ehad um (único).
Este convite liga o v. 4 ao v. 5. O próprio v. 5 é uma construção sintática em
conjunto com os versos 6-9 e, portanto, proporciona a ligação entre o primeiro convite e
o resto do texto. Podemos entender o preceito fundamental do v. 5 seguido pelos
indicadores de coesão por "meios" para viver esta confissão teológica.49
Shemá é um convite para agir conforme um projeto que possui uma fórmula
centralizadora na tentativa de refutar qualquer relação entre YHWH e os muitos
santuários locais. Tal fórmula é o pressuposto teológico fundamental para a
interpretação do Dt 4.1-9.
“Ouve Israel, Javé nosso Deus, Javé (é) único. E deves amar
Javé, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e
com toda a tua força.” Esta palavra sintetiza tematicamente a
intenção principal do Deuteronômio: doação indivisa ao único
Deus. Provavelmente não há outro livro do AT que, por um
lado, fale com tanta intensidade do amor de Deus e que, por
outro lado, convoque o ser humano em contínuas exortações
para que ame a Deus e se regozije com suas dádivas. O
Deuteronômio, considerado a segunda lei (sendo a primeira a
do Sinai) – o nome surgiu em razão da interpretação
equivocada do termo “cópia da lei” em Dt 17.18 – trata de
granjear a aprovação do povo para esta lei.50
A preocupação dos redatores deste versículo parece ter sido a de resumir em
poucas palavras a essência da teologia de Israel, e isso às vezes traz consigo a hipótese
de uma suposta origem puramente cultual e nesse caso teria mais o sentido de uma
confissão de fé.
Estamos portanto na presença de duas hipóteses usando exatamente a mesma
formulação, com uma diferença mínima na aparência, mas apenas na aparência.
Podemos ler: Ouça Israel, YHWH Deus é único! Podemos entender que estamos sem
dúvida, na presença de uma formulação monoteística com a rejeição absoluta de outros
deuses. Porém, estaríamos na presença de uma afirmação monoteística de Israel em
relação a si mesmo, em referência aos santuários locais? Nós temos que fazer uma
48
EICHRODT, Walter. Teologia do Antigo Testamento. Tradução: Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo:
Editora Hagnus, 2004, p. 198. 49 Jean- Lucien e David Borda Hamido vićSource : Vetus Testamentum , vol. 52, Fasc . 1 (Jan. 2002), p.
13-29, Published por: URL BRILLStable : http://www.jstor.org/stable/1585100. 50
SCHMIDT. H, Werner. Introdução ao Antigo Testamento. p. 119.
116
escolha difícil, que pode ser resumida por esta pergunta: YHWH é único para a
exclusão de outras divindades ou único YHWH em relação à exclusão dos deuses
locais? Em outras palavras, o shemá , vai na direção de uma afirmação monoteística
exclusiva ou inclusiva?51
O autor levanta essa questão, essas duas hipóteses acerca da
intepretação desta passagem, porém entendemos que as duas opções são viáveis, visto
que o projeto centralizador poderia possuir o objetivo de desfazer os cultos locais e ao
mesmo tempo desconstruir a ideia de politeísmo. Mas veremos a seguir quais são as
contribuições de outros autores concernente à interpretação do shemá Israel.
Da mesma forma afirma Wolfram Herrmann52
, que do ponto de vista da sintaxe
e do estilo, a unidade tem inicio com o imperativo shemá, seguido do vocativo “Israel”.
O vocativo confere à fórmula caráter de invocação, chamado. Se o nome no
vocativo é o de YHWH a interpelação transforma-se em invocação ou súplica.
Em 6,4 o vocativo é o nome de Israel, e logo assume a forma de um convite.
Neste caso o convite é um apelo para que Israel ouça que o YHWH é uno (v. 4b).
Sobre a palavra mais importante da perícope, o autor referido afirma a
necessidade em interpretar o shemá em relação a várias partes do seu contexto, pois
alguns comentários podem auxiliar sobre o significado do shemá no seu contexto
histórico.
Alguns exegetas têm defendido a seguinte interpretação: "YHWH é um", isso
pelo fato de pesquisadores identificarem pontos de contato, com a afirmação de que, tal
unicidade refere-se ao movimento em direção a centralização e unificação do culto, no
tempo de Josias. Esta seria uma hipótese, afirma o autor.
Segundo J. Gerald53
o sentido tem o seu fundo comparativo na Mesopotâmia. No
início do primeiro milênio a.C. a questão religiosa para os babilônios foi constituída por
duas formas contrastantes, em duas metáforas para os deuses. Desta forma o surgimento
da afirmação possui este aspecto religioso de resposta de Israel a este ambiente de
confronto no tempo da composição do Deuteronômio.
51 Jean- Lucien e David Borda Hamido vićSource : Vetus Testamentum , vol. 52, Fasc . 1 (Jan. 2002), p.
13-29, Published por: URL BRILLStable : http://www.jstor.org/stable/1585100. 52
Wolfram HerrmannSource: Jahwe und des Menschen Liebe zu ihm zu Dtn. VI 4. Vetus Testamentum,
Vol. 50, Fasc. 1 (Jan., 2000), pp. 47-54, Published by: BRILLStable URL:
http://www.jstor.org/stable/1585533. 53 J. Gerald Janzen Source: Vetus Testamentum, Vol. 37, Fasc. 3 (Jul., 1987), pp. 280-300, Published by:
BRILLStable URL: http://www.jstor.org/stable/1517630.
117
Israel só tem YHWH Deus como o Senhor e deve estar unicamente nele a sua
devoção. Alguns entendem a palavra como número e no sentido de "beleza única",
YHWH era único e incomparável, Ele é único no seu género e na sua natureza, quer
dizer, YHWH é uma personalidade não localmente diversa.
O Senhor é o único que realmente deve reinar como rei e verdadeira divindade.
Isso significa que não há negação de outros deuses, mas o fato de que Ele foi para Israel
, o único, onde as necessidades da vida somente Ele foi capaz de suprir.
Podemos interpretar da seguinte forma: Israel quer descrever a “personalidade”
de YHWH que também se aplica ao amor indiviso do seu povo. O mandamento do
amor em Deuteronômio ocupa um lugar central.
A ênfase na indivisibilidade do Senhor faz parte da teologia de quem devemos as
leis dos pregadores deuteronomistas.
Os produtores das jurisdições do Deuteronômio formularam as leis para que as
pessoas cumprissem o amor e o estabelecessem como base para a vida como um todo.
^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw> 6:5
w> particula de conjunção.
bha verbo qal + waw consec segunda pessoa perfeita masculino singular.
tae partícula do objeto direto.
hwhy nome de Deus, próprio, sem sexo, nenhum número, de nenhum estado.
~yhil{a/ substantivo comum masculino sufixo construção plural 2 ª pessoa masculino
singular.
B. particula de preposição.
lKo substantivo comum masculino singular.
bb'le substantivo comum masculino+sufixo construção singular 2 ª pessoa masculino
singular.
w> partícula de conjunção.
B. partícula de preposição.
lKo substantivo comum masculino singular construto.
vp,n< substantivo comum feminino+sufixo construção na 2 ª pessoa masculino singular.
w> particular de conjunção.
B. partícula de preposição.
lKo substantivo comum masculino singular construto.
daom. particula adverbial+ sufixo 2 ª pessoa masculino singular.
118
É importante explorar principalmente o conceito deuteronômico de coração, este
vocábulo é de suma importância para o desenho, a construção deste arquético corpóreo-
espacial.
A relação com Deus pode ser trabalhada nesta base, os "problemas do coração",
visto que por causa da conduta do coração, Israel pode ser levado à rejeição de YHWH .
A perspectiva espacial no coração desempenha uma dupla função. É um lugar
onde estarão “estas palavras", ou seja, podem ser colocadas no lev coração, e ao mesmo
tempo o lev está sujeito ao espaço, criando sínteses para formar outros conceitos
espaciais. A vontade de YHWH deve ser guardada no coração para aplicação num
espaço. Ela transcende o corpo pois deve ser aplicada dentro do espaço.
A compreensão do coração abrange esse lugar especial entendido por nós
também como “centro”, mas também se desdobrando em posturas físicas no espaço.
O principal mandamento do v. 5 está entrelaçado, ligado à afirmação anterior de
que YHWH é um.
Posteriormente no mesmo v. 5b a sequência da narrativa é composta por elos de
corrente, isto é, os conectores ligam-se uns aos outros. Três vezes no v.5 é afirmada a
expressão de totalidade através das preposições seguidas do kol (todo), do lev
“coração”, de toda a sua néfesh “vida”, e de todas as suas “posses”, meod.
A expressão de totalidade afirmada três vezes no v. 5 entende-se como um apelo
para que Israel se entregue de forma integral ao YHWH único. Tanto lev como néfesh e
meód são apresentados como sede do amor ao YHWH único. Semelhantemente os dois
pares de palavras assentado em tua casa /andando pelo caminho, ao deitar-te/ao
levantar-te em razão de sua construção em antítese, indicam toda a atividade humana de
forma holística e integral. Intimamente ligados estão as expressões precedentes que
referem-se às imagens visuais: sinal visível no punho e na fronte, nos umbrais das casas
e nas tuas portas. As mãos e os olhos devem associar-se à néfesh, a vida como um todo
e ao lev, coração. Deste modo o ser humano deve articular as faculdades internas do v.5
com as faculdades externa do v.8. Assim o ser humano como um todo, global, integrado
está acatando o imperativo do v. 4 Shemá Israel! A totalidade da pessoa desta forma
está comprometida com o amor indivisível de YHWH.
Entendemos que o ponto central, o eixo da perícope, se encontra nos versos 4-5.
Este é o ponto de encontro e de convergência entre os demais versos da unidade.
A afirmação chave da lei israelita quer possuir uma relação intrínseca com a
atitude chave do povo de Israel.
119
As inúmeras ocorrências dos pronomes pessoais tem por objetivo alcançar a
pessoa no seu interior a fim de dar impulso e engajamento à ação concreta no exterior.
As fórmulas de totalidade do v.5 são posições análogas à das formas antitéticas
do v.7. De todo o teu lev implica em oposição à parte do lev e de toda a tua néfesh está
em oposição à parte da néfesh. No entanto a questão que permanece é se esses critérios
são válidos em relação ao nome de YHWH já que o imperativo shemá reivindica a
unicidade de YHWH. Seria YHWH múltiplo? No entanto quando se afirma que YHWH
é uno ou único afirma-se que ele não é divisível. Através dos conectivos que ligam os
versos 4-5 legitimamos a seguinte interpretação: Se YHWH é uno e indivisível, o amor
a Ele deve ser de forma única, sem reservas.54
Aqui no v. 5 conforme já abordamos anteriormente encontra-se uma lista de três
elementos onde pelo menos dois (lev e néfesh) se referem a conceitos antropológicos.
A primeira perspectiva de ação descreve a atitude de Israel para com Deus: "E
amarás
O Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a sua vida , e com todas
as tuas forças. Com três metáforas diferentes descreve-se este amor acerca do qual a
pessoa deve cultivar. Pessoa, inclui compreensão ( lev ), vitalidade, ( néfesh ) e
“extremo esforço”. Neste caso identificamos um caráter antropológico no texto. O ser
humano convocado a “ouvir” é visto de forma integrada, onde não apenas um setor da
vida humana é considerado, mas o todo. Entendemos que tal unidade ou visão
antropológica holística pressupõe desde o início o caráter único e indivisível de Javé, ou
seja, assim como Javé é um e indivisível, o ser humano israelita não poderia estar
dividido em relação à sua fé em YHWH. O Deus único e indivísivel requer dos
israelitas a mesma unidade.
Estes vocábulos possuem relação de ligação entre si. No v. 7 aparece uma outra
lista de quatro infinitivos temporais. Além disso, a preposição é usada várias vezes (v.
6. 8. 9.). Estes fenômenos do texto correspondem à unidade composicional do conteúdo.
A partir da análise do v. 6 a seguir, entraremos com mais afinco na averiguação da
relação espacial destes conceitos.
^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> 6:6
`^b<)b'l.-l[; ~AYàh;
54
Wolfram Herrmann Source: Jahweh und des Menschen Liebe zu ihm zu Dtn. VI 4. Vetus
Testamentum, Vol. 50, Fasc. 1 (Jan., 2000), pp. 47-54, Published by: BRILLStable URL:
http://www.jstor.org/stable/1585533.
120
w> particular de conjunção.
hyh verbo qal+waw consec perfeito plural comum 3 ª pessoa.
h; particular de artigo.
rb'D' substantivo comum masculino plural absoluto.
h partícula de artigo.
hL,ae adjetivo tanto plural nenhum estado.
rv,a] pronome relativo.
ykinOa' singular comum pronome primeira pessoa independente.
hwc verbo piel particípio masculino singular construto sufixo 2 ª pessoa masculino
singular.
h; particular artigo.
~Ay substantivo comum masculino singular absoluto
l[; particular de preposição.
bb'le substantivo comum masculino com sufixo construção 2 ª pessoa singular.
De início precisamos compreender o seguinte: Em 6:4-9 conceitos essenciais de
espaço são introduzidos de forma conexa, e se trata de uma primeira síntese do espaço
de design para a próxima vida no país a ser herdado no futuro.
Segundo a autora Michaela Geinger55
, este projeto se combina com alguns
elementos-locais: casa, porta, e cidade, isso no que tange aos espaços territoriais.
A questão levantada no conceito de corpo e dimensão espacial ocorre aqui
também no v. 6, a saber, o coração. "E estarão estas palavras sobre o teu coração”.
Mas aqui no v. 6 o projeto estende-se aos espaços do corpo, abrangendo o lev,
“coração”, entrelaçado com o (v. 8), as “mãos” e os “olhos”. As áreas do corpo e os
edifícios estão em conexão na estrutura da perícope de Dt 6:4-9 e tecidas através da
expressão, "estas palavras”, pois juntos, eles funcionam como sinais que caracterizam
os respectivos conceitos de design interiores. Estes sinais são a resposta de Israel à auto-
concepção de Javé contida em Deuteronômio no v. 4 shemá Israel!
Por isso Moisés introduz a seção do discurso em 6:4-9 com a declaração
confessional: “O YHWH é a nossa Divindade ".
Os exemplos de metáforas corporais são, obviamente, um uso criativo da
linguagem, que tenta expressar a intensidade do comprometimento pessoal.56
Essa
intensidade pode ser descrita como uma resposta à intensidade do Senhor YHWH. Seria
talvez uma formulação semelhante à impressionante vontade de YHWHH expressa no
55
GEIGER, Michaela. Gottesräume. Beiträge zur Wissenschaft von Alten und Neuen Testament
(BWANT 183), Stuttgart. p. 141-150. 56
Idem p. 141-179.
121
Pentateuco em relação ao cumprimento e ao pacto das promessas de YHWH feitas aos
Pais.
O desenvolvimento de conceitos espaciais só tem sido entendido quando
considerado num contexto de perseguição, como a história da morte do rabino Akiva
que quando foi executado, morreu com o Shemá em seus lábios.57
Podemos compreender que o comportamento fundado no coração implica em
posturas que geram consequências para o conceito de espaço. Esta relação é a
“chamada”, da expressão: “E estarão estas palavras em teu coração”, (6,6 ).
O coração é também o espaço do corpo, mas também surge, se move a partir da
ação no espaço criada pelo próprio lev, coração. A concepção deuteronomista de espaço
não para na fronteira do corpo. A capacidade do corpo é o pré-requisito para fazer a
concepção deuteronômica agir concretamente dentro de um espaço para a prática da
justiça.
O conceito deuteronômico de lev relacionado com o espaço é o ponto de partida
para uma maior movimentação concreta da expressão: "estas palavras".
A conexão do coração de alguém que se apropriou concretamente da expressão,
"estas palavras" tem por incumbência a efetivação da sua transferência para o espaço e
para a descendência (6,7).58
^ÜT.b.viB. ~B'_ T'Þr>B;dIw> ^yn<ëb'l. ~T'än>N:viw> 6:7
`^m<)Wqb.W ^ßB.k.v'b.W* %r<D<êb; åT.k.l,b.W ‘^t,’ybeB. w> particular de conjunção.
!nv verbo piel com waw consecutivo.
l. particular de preposição.
!Be substantivo comum construção plural com sufixo 2 ª pessoa masculino singular
w> partícula de conjunção.
rbd verbo piel + waw consecutivo segunda pessoa masculino singular.
B. partícula de preposição e sufixo 3 ª pessoa masculino plural.
B. particular de preposição.
bvy verbo qal + sufixo infinitivo construto 2 ª pessoa masculino singular
B. particular de preposição.
tyIB; substantivo comum sufixo construção masculino singular 2 ª pessoa masculino
singular homônimo.
w> partícula de conjunção.
B. particula de preposição.
57
Idem p. 141-179. 58
Idem p. 148-172.
122
$lh verbo qal + sufixo infinitivo construto 2 ª pessoa masculino singular.
B. particular de preposição.
h; partícula de artigo.
%r,D, substantivo comum singular absoluto.
w> particular de conjunção.
B. particular de preposição.
bkv verbo qal sufixo infinitivo construto 2 ª pessoa masculino singular.
w> partícula de conjunção.
B. particular de preposição.
~wq verbo qal com sufixo infinitivo construto 2 ª pessoa masculino singular.
O amor à YHWH é visto em estreita relação com "estas palavras”. Todas as
seguintes são formas perfeitas, e consecutivos com "estas palavras”. Elas estarão “em
seu lev” (v. 6), e devem ser "inculcadas” (v. 7), ligadas a um sinal (v. 8) e "escritas” (v.
9).
No entanto, "estas palavras" é o tangível, o que torna evidente a forma da relação
do Senhor com Israel. O termo enfatiza a autoridade, legitimação nas palavras.
A resposta de Israel encontra-se em ouvir "essas palavras, "e em ação", agir
conforme essas palavras, e consequentemente você e sua descendência depois de ti para
sempre irá bem, porque você está fazendo o que é bom e razoável aos olhos do Senhor
YHWH teu Deus.
tpoßj'jol. Wyðh'w> ^d<+y"-l[; tAaßl. ~T'îr>v;q.W 6:8
`^yn<)y[e !yBeî
w> particula de conjunção.
rvq verbo qal com waw consecutivo perfeito + sufixo na terceira pessoa masculino
plural.
l. particula de preposição.
tAa substantivo comum tanto singular
l[; partícula de preposição.
dy" substantivo comum feminino+sufixo construção na 2 ª pessoa masculino singular
w> particula de conjunção
hyh verbo qal + waw consec perfeito plural comum 3 ª pessoa
l. particular de preposição
tApj'Aj substantivo comum feminino plural absoluto
!yIB; particular de preposição
!yI[; substantivo comum, construção dual, com sufixo 2 ª pessoa masculino singular.
123
No v. 8 predominam as imagens visuais. O sinal deve ficar visível no punho e na
fronte. O espaço do corpo continua sendo preenchido no v. 8. As mãos e os olhos
devem associar-se ao lev e a néfesh. Desse modo simbolicamente o ser humano deveria
ser comprometido com as palavras de YHWH em todos os setores da sua vida. As
faculdades internas e externas deveriam estar associadas, isto é, a totalidade da pessoa
deveria estar comprometida com as palavras de YHWH. Podemos perceber a relação
muito próxima entre os versos que compõe a perícope, sendo que o próximo versículo já
inicia tendo como ponto de partida uma conjunção vaw, tamanha ligação que há entre os
versos desta perícope. Tal relação entre os conectores, vocábulos e expressões
permanecem sempre orbitando, mantendo-se sobre o foco, a mira, do centro da perícope
que são os vs. 4-5 iniciados pelo imperativo Shemá Israel!
`^yr<(['v.biW ^t<ßyBe tzOðWzm.-l[; ~T'²b.t;k.W 6:9
w> particular de conjunção.
btk verbo qal waw consec segunda pessoa perfeita sufixo masculino singular terceira
pessoa do plural masculino.
l[; partícula de preposição.
hz"Wzm. substantivo comum construção plural feminino.
tyIB; substantivo comum com sufixo 2 ª pessoa masculino singular.
w> particula de conjunção.
B. particula de preposição.
r[;v; substantivo comum masculino, com sufixo construção plural 2 ª pessoa masculino
singular homônimo.
“E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas” (v. 9). Visto que a
expressão já inicia com uma conjunção indicando um elo de ligação entre os elementos
expostos no verso anterior e este. Novamente nos deparamos com a relação entre versos
que expressam sinais corporais v. 8 e sinais espaciais v. 9.
Esta passagem juntamente com o Dt 11,13-21 e Êx 13,1-10, 11-16, era escrita
em pequenos rolos e colocados em pequenos invólucros de couro atados à testa e ao
braço esquerdo quando o shemá era recitado. A origem dos filactérios se encontra nesse
texto. Os filactérios eram usados pelos judeus homens durante o período da oração
matutina, exceto aos sábados e dias de festa, que já eram sinais em si mesmos.
Posteriormente outra prática foi desenvolvida, a de colocar estas quatro passagens em
pequenos recipientes que eram afixados no portal de entrada da casa (mezuzá). Cópias
antigas de tais documentos foram encontrados nas cavernas de Qunran e em outros
124
locais. As breves passagens eram sinais que representavam todo o conteúdo da lei, que
deveria ser ensinado e observado.
2.1. Semântica (análise de vocábulos)
Através da análise semântica (análise de vocábulos) iremos explorar o
aspecto polissêmico de alguns vocábulos da perícope de Dt 6,1-9.
O objetivo de tal análise é uma tentativa de delinear o amplo campo
significativo dos vocábulos, através da verificação dos diversos significados, em
diversos contextos, fazendo com que tal procedimento sinalize o sentido mais
apropriado do vocábulo para a nossa perícope, que é o objeto da nossa pesquisa.
Para isso iremos fazer dois movimentos, um de abertura dos diversos significados
através de uma breve análise de ocorrências de cada vocábulo, explorando
conforme mencionamos anteriormente a polissemia, isto é, os diversos sentidos de
cada vocábulo em diversos textos. Tendo feito isso utilizaremos o campo de
significação delineado fazendo outro movimento, um movimento contrário, que
visa neutralizar a polissemia, buscando um sentido, um significado mais
convincente para a perícope de Dt 6,1-9.
Definição de análise semântica: sema (sentido). Ciência que estuda a
significação das palavras e das sentenças. A palavra se divide em duas partes:
significante e significado.
O significante refere-se ao plano de expressão, isto é, a forma com que se
escreve, parte física, escrita, o som, a pronúncia, a parte sonora. Em cada
significante inserimos um plano de conteúdo, que é o significado. Para resumirmos
ao leitor de forma sintética vamos definir da seguinte forma: 1) significante: plano
de expressão; 2) significado: plano de conteúdo.
A soma do significante com o significado resulta em uma palavra. Ainda
falando de semântica é importante conhecermos alguns conceitos referentes a este
tipo de análise, e o primeiro é o conceito de polissemia.
Polissemia (poli: vários; sema: sentido) ocorre quando o plano de
expressão serve de base para mais de um plano de conteúdo, ou significado, isto é,
quando usamos o mesmo significante com alteração de significado.
125
Para simplificar ainda mais ao leitor vamos definir o conceito de polissemia
como “palavra que possui vários significados”.
O que faz com que identifiquemos tal mudança de significação de uma
palavra é o contexto linguístico.
O contexto linguístico é uma unidade linguística de âmbito maior que
abrange uma unidade de âmbito menor.
O significado contextual pode ser explicado através da seguinte estrutura
básica: palavra-contexto da frase-contexto do parágrafo-contexto do texto.
Aprender analisar semanticamente uma estrutura implica em averiguar as várias
palavras do texto analisando-as nos seus diversos significados. Para identificarmos
o sentido de uma palavra devemos fazer dois tipos de movimento:
O primeiro é de intensificação da polissemia, isto é, uma análise dos
diversos sentidos de uma determinada palavra. Tendo feito isso poderemos fazer o
movimento contrário, de neutralização da polissemia, definindo um sentido
apenas, que se encaixe melhor ao texto que estamos analisando. Portanto dois
movimentos são necessários para uma analise semântica: Movimento do texto para
a palavra e movimento da palavra para o texto, como no caso da redação. Estes são
os dois movimentos que intensificam e neutralizam a polissemia.
hw"c.mi
Na definição de Milton Schwantes59
, a palavra possui o significado de: encargo,
mandamento, (resumo de todos os) mandamentos, direito, reivindicação.
qxo Parte, alvo, porção, tarefa, quantia, obrigação; reivindicação; limite, limitação,
lei, estatuto, costume, norma, prescrição, determinação.60
jP'v.mi
Sentença arbitral, arbítrio, sentença legal, decisão legal; pl. juízos, decretos,
processo legal, julgamento, controvérsia jurídica; direito, direito à; conformidade,
justiça.61
A palavra representa o significado mais correto daquilo que interpretamos como
governo. Seja o governo do ser humano pelo ser humano seja o governo da criação por
Deus. Cerca de 400 vezes o vocábulo é traduzido por justiça, porém tal tradução é
59
KIRST, Nelson; SCHWANTES, Milton. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. São
Leopoldo; Petrópolis: Sinodal-Vozes, 1987. p. 137. 60
Idem. p. 75. 61
Idem. p. 146.
126
limitada visto que atualmente se faz distinção entre poder legislativo executivo e
judiciário no que diz respeito a cargos e funcionários. O substantivo mishpat pode ser
utilizado para designar quase qualquer aspecto de governo civil ou religioso. Iremos a
partir de agora delinear o campo de significação do vocábulo na tentativa de neutralizar
a polissemia do mesmo a fim de extrair um sentido que sinalize para nossa perícope. O
vocábulo pode designar: 1) o ato de decidir uma ação litigiosa levada a um magistrado
civil; 2) o local onde se decido uma ação litigiosa; 3) O processo litigioso é denominado
mishpat. Existem casos duvidosos dificultando a distinção entre os dois significados
mencionados anteriormente. Um exemplo é Is 3,14. A palavra litígio seria uma tradução
apropriada para essa categoria; 4) Um caso de litígio específico levado ao magistrado.
Salomão por exemplo pediu à Deus sabedoria pra poder “ouvir mishpat”, ou seja,
decidir sobre um caso específico trazido até ele (1 Rs 3,11); 5) Uma sentença ou decisão
dada por um magistrado. Este é um sentido bastate comum; 6) A época do julgamento,
pois deus há de trazer a juízo todas as obras; 7) Enfatiza-se o atributo de justiça em toda
a administração civil pessoal que é correta; 8) Mishpat como justiça, ou seja retidão
arraigada no caráter divino, deve ser utilizado como modular para o governo humano
em geral e nos processos judiciais no meio deles. Homens sábios falam do mishpat,
pensam por ele. Os magistrados justos fazem uso do mishpat no exercício do
julgamento. 9) Mishpat designa também uma determinação legal sendo frequentemente
usado em paralelo com tora e hoq como no caso da nossa perícope de Dt 6,1-9. As
determinações do pentateuco são mishpat (Lev 5,10; 9,16). Na verdade as
determinações individuais da lei mosaica são mishpat (Dt 33,10; 21,16).
hwc Ordenar, mandar, dirigir, nomear; proibir; dar ordens; encarregar; colocar em
ordem.62
A raiz designa a instrução de um pai para o filho (1Sm 17.20), de um
fazendeiro aos seus lavradores (Rt 2.9), de um rei para os seus servos (2 Sm 21.14). Tal
significação é reflexo de uma sociedade estruturada de tal forma em que as pessoas
tinham algumas responsabilidades diante de Javé no tocante ao direito de administrar (2
Sm 7.7). O líder tinha condições de administrar o povo (Js 1.9). Deus nomeou Josué
como sucessor de Moisés (Num 27.18). Quando Deus escolheu Davi para ser rei, Deus
62
ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce. Dicionario Internacional de Teologia
do Antigo Testamento. Tradução: Marcio Loureiro Redondo, Luiz Sayão, Carlos Osvaldo Pinto. São
Paulo. Edições Vida Nova, 1998. p. 1269-1270.
127
ordenou-o de tal modo como “príncipe”do povo (1 Sm 13.14). Dicionário Internacional
de Teologia do AT.
O verbo aparece 485 vezes no AT em piel, 9 vezes no pual, e 181 vezes como
substantivo mitsvah. No caso do Dt onde encontrasse nossa perícope a forma verbal e
substantivada se encontram com frequência. Da mesma forma ocorre na literatura
deuteronomista ( swh piel: Dt 88 vezes, Ex 53x, Num 46x, Jos 43x, Jr 39x, Lv 33x, Gn
26x; mitsvah: Dt 43x, Sal 26x, [22 x somente no Sl 119], 2 Cr 19x, Neh 14x, 1 Re 12x,
Lv 10x, Prov 10x).
O verbo designa uma forma específica de falar, de um superior ao um
subalterno. Os superiores que mandam e ordenam são reis: (Gn 12, 20; 26,11; 45,19;
47,11; Ex 1,22; 5,6; 1 Sm 4,12; 9,11; 13,28; 18,5; 21,14; 1 Rs 2,43; 5,20; 2 Rs 11,5;
16,15; Jr 36,26; 37,21; Est 3,2; Esd 4,3; Pais de tribos, chefes de famílias: (Gn 18,19;
28,1; 49,33; 50,16; 1 Sm 17,20; Jr 35,6). Mães de família: (Gn 27,8; Rut 3,6). Irmãos (1
Sm 20,29); oficiais de exército (Jos 1,10; 3,3). Sacerdotes: (Lv 13,54; 14,4). Os
subalternos que recebem as ordens são: servos: (Gn 32,18; 50,2; Rt 2,9; Jr 32,13).
Filhos e soldados também são mencionados como subalternos à ordem nesse sentido. A
ordem e o mandato são atos de autoridade, porém ambos se distinguem, pois a ordem
produz uma ação única em uma situação determinada, e o mandato tem validez
permanente, é uma proibição.63
hwhy
O nome de Deus.64
Nome próprio de Deus vocalizado pelos massoretas. Discute-
se muito acerca da vocalização primitiva, a origem e o significado.65
O nome divino YHWH, suscita alguns problemas. Para Israel YHWH é apenas
um nome. Etimológicamente não é possível o alcance do sentido teológico que há nesse
nome. O nome divino aparece 6800 vezes por extenso. Vinte e cinco vezes como “yah”,
como também aparece em textos de Elefantina.66
Para o deuteronomista YHWH é único e todas as coisas devem ser dirigidas por
ele e para Ele. YHWH é único no tocante ao amor e devoção que reivindica do seu
povo, pedindo ao mesmo que se entregue de forma unitária, sem divisões, e sem
63
JENNI Tomo II p. 669. 64
SCHWANTES, 1987. p. 86. 65
ALONSO SCHÖKEL, Luís (ed.). Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997. p.
271. 66
RAD, Von, Gerhard. 1974. p. 30.
128
reservas. Também é desenvolvido nesse contexto a teologia da centralização do culto,
ou seja, em um só lugar os israeliteas poderiam prestar culto.
Surgem as listas de animais impuros (Dt 14), o porco e o javali eram usados nos
cultos estrangeiros, dizem os textos de Ras-Shamra. Cozer o cabrito no leite era
“magia” e foi proibido pelo DT. O Deus único denominado YHWH requer entrega total
da pessoa. Em todas as dimenções da vida, até mesmo no tocante às questões
alimentícias. É nesse sentido teológico que o nome YHWH faz sentido e é empregado
pelo redator deuteronomista.
~yhil{a/ Plural deuses. Válido como singular, Deus.
67 A acepção da palavra mesmo na
forma plural refere-se a Deus com significado no singular.
Dml
Aprender, ensinar, ser instruído, versado, ter aprendido, ser treinado.
É uma das palavras que indicam no AT a ação de ensinar. Esse vocábulo traz a
ideia de treinar, bem como de educar. Pode se ver o aspecto de treinamento no termo
derivado malmed, traduzido por “aguilhada de boi”. Em Oséias 10,11 Efraim é ensinado
tal aqul uma bezerra o é pelo jugo e pela aguilhada. O ugarítico lmd significa
“aprender”, “ensinar”, e em acadico possui o sentido de aprender. O sentido principale
desse verbo é expresso no Sl 119. Neste salmo repete-se a palavra no refrão “ensina-me
os teus estatutos, os teus preceitos, os teus decretos os teus mandamentos, ou teus juízos
( 12, 26,64,66,68,108,124,135,171). A pedido do rei Josafá um grupo de homens saiu e
ensinou o livro da lei nas cidades de Judá (2 Cr 17,7). Embora o grego empregue duas
palavras distintas para aprender e ensinar, cada uma com contéudo, objetivo e métodos
próprios, o hebraico utiliza a mesma raiz para ambas as palavras, pois toda a didádica e
aprendizagem repousa em ultima instancia no temor de YHWH (Dt 4,10; 14,23; 17,19;
31,12,13). Aprender isso é acolher, se submeter a vontade de YHWH. Em outras
passagens os seres humanos são ensinados a guerrear (1 Cr 5,18). Às vezes são
ensinados por meio de um cântico (cabeçalho do Sl 60; Ct 3,8). Os profetas Miquéias e
Isaías antevêm uma época em que os seres humanos não mais aprenderão a guerrear
(4,3; Is 2,4).
Ninguém ensinou YHWH nem atuou como seu conselheiro (Is 40,14). Pelo
contrário, quem quer que saiba alguma coisa apredeu dele, a fonte de toda justiça e
verdade.68
67
ALONSO SCHÖKEL, Luís. 1997, p. 57.
129
hf[ Na forma kal: fazer, manufaturar, trabalhar; pôr, colocar, transformar, fabricar,
aprontar, elaborar, preparar, realizar, executar, agir, intervir.
Na forma nifil: ser feito, preparado, concluído. No piel: comprimir, pressionar.69
#r,a, Segundo Milton Schwantes a palavra pode significar: terra, chão, solo, terreno,
pedaço de terra; território, país, a Terra.70
A expressão possui vários sentidos: Pode ocorrer como “Terra” no sentido
cosmológico, globo terrestre, continentes. Ocorre também como matéria: terra, pó,
argila, torrão. A palavra possui também um sentido politico: terra, território, país,
região. No sentido de agricultura pode significar: campo, terreno, terra de lavoura. No
caso do DT entendemos que a expressão possui aspecto determinativo de território,
país, região, e também no sentido de agricultura, visto que a terra é descrita como boa.71
Esta palavra ocorre aproximadamente 2400 vezes no AT. Os dois principais
sentidso da palavra são os mais importantes. Isto quer dizer que a expressão designa
“terra”, no sentido cosmológico, ou no sentido de uma designação territorial específica,
principalmente com referencia a terra de Israel. Quanto ao primeiro sentido somos
informados pelo texto de Gn 1 que Deus criou a terra. No tocante ao segundo
significado mais importante a palavra eretz designa um território particular. Aqui as
referencias à Palestina tomam um lugar significativo especial. As fronteiras dessa nova
terra prometida a Abraão e à sua semente são pela primeira vez mencionada em Gn
15.18. Esta terra pertence à YHWH.72
É sua herança, como também é considerada santa
pelo fato de YHWH te-la dado ao seu povo.73
68
ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 790-791
69
SCHWANTES, 1987. p. 189. 70
Idem. p. 18. 71
ALONSO SCHÖKEL, Luís. 2010, p. 77-78. 72
A promessa da terra adquire um valor relevante no Deuteronômio: A terra foi jurada por YHWH aos
pais e aos seus descendentes (Dt 1,8,35; 6,10,18,23; 8,1; 10,11; 26,3; 31,7). A terra é dada por YHWH:
1,8,35; 4,38; 6,10,23; 10,11; 31,7. Israel toma posso da terra: ( 1,8,21; 3,18; 4,15; 5,31,33). Esta terra é
uma boa terra: ( 1,25; 3,25; 4,21; 6,18). A promessa referente a terra e a tomada de posse da terra, ambas
estão entrelaçadas, unidas no Dt com a proclamação dos mandamentos. A própria conquista da terra é um
pressuposto do cumprimento dos mandamentos, e este é colocado como condição necessária para a
conquista da terra (4,25; 6,18; 8,11). Esta linguagem deuteronomica contida em afirmações de cunho
deuteronomistico, ou seja, na obra historiográfica deuteronmista ocorre possui eco nos profetas
contemporâneos e pós-deuteronomistas (Jr 32,22; Ez 33,24). Ao mesmo tempo os profetas vão
formulando no contexto da experiência do exílio a esperança de uma nova conquista da terra (Jr 30,3).
Para uma abordagem mais específica acerca do tema Cf. JENNI, p.353 73 ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 124-125.
130
rb[ Na forma qal significa: atravessar, passar, ultrapassar, transpor, percorrer,
cruzar.74
O significado básico deste vocábulo traz a ideia de movimento. Pode indicar o
mevimento de uma coisa ou pessoa em relação a algum outro objeto que está parado,
movendo-se ou motivando-se. A tradução mais elementar é “passar”, mas esta definição
não pode ser geral, pois a palavra possui vários sentidos. O verbo ocorre cerca de 550
vezes. Existem quatro usos gerais:75
1) o conceito de movimento, no sentido que que
pode significar ir além ou mais adiante (Gn 18,5). 2. Pode se referir a existência de um
movimento entre dois lugares, que nesse caso ocorrem muitas referencia à Israel no
sentido de atravessar o Jordão a fim de entrar na terra prometida. Moisés muitas vezes
utiliza este vocábulo para se referir à Israel no tocante ao cumprimento da aliança em
meio as dificuldades enfrentadas. A ideia de travessia também ocorre em Gn 31,21
quando Jacó atravessa o Eufrates para fugir de Labão. 3) o conceito de movimento no
sentido metafórico. A riqueza de Salomão excedia a de todos os demais, “ultrapassava”.
4) Pode significar também quando uma pessoa ultrapassa os limites
estabelecidos pela aliança ou lei ao cometer adultério ou praticar idolatria (Dt 17,2).
Num contexto maior Moisés também falou de Israel entrar, passar a uma aliança que
Deus estava fazendo com aquele povo (Dt 29,12).
Podemos através da análise entender que o vocábulo quando situado na perícope
de Dt 6.1-9 possui o significado de “atravessar”, “passar”, no sentido geográfico,
territorial.
rmv Na forma qal o vocábulo significa: guardar, proteger, cuidar, observar,
conservar, manter; vigiar, reter, reverenciar.
Na forma nifal abrange os significados: ser guardado, ser protegido, guardar-se,
precaver-se, acautelar-se, ter cuidado, cuidar-se. Na forma piel: venerar, e no hitpael
resguardar-se, precaver-se, ter cuidado.76
O vocábulo ocorre 420 vezes no qal, 37 no nifal, 4 no piel e hitpael. O cognato
acadiano “shamaru”, significa ser criado de. O cognato fenício “vigiar”, guardar, cuidar.
No árabe significa “vigiar”. O sentido que mais vai de encontro com a nossa perícope é
de fazer com cuidado, fazer diligentemente, conservar, guardar. O verbo exprime a
74
SCHWANTES, 1987. p.172. 75
ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 1071. 76
SCHWANTES, 1987. p. 257.
131
atenção cuidadosa em que se deve ter com as obrigações de uma aliança, de leis, e
estatutos. Este é um dos empregos mais frequentes do verbo. Um outro sentido é o de
“tomar conta de”, mas que refere-se também ao “guardar”. Isso envolve o cuidado que
se deve ter com o jardim (Gn 2,15), um rebanho (Gn 30,31), uma casa (2 Sm 15,16), ou
como porteiros (Is 21,11), ou sentinelas (Ct 5,7). O mesmo é válido em relação às
pessoas: “sou eu guardador do meu irmão”? (Gn 4,9). A palavra também possui o
sentido de “cuidar”. Muitas vezes nos salmos Davi fala sobre o cuidar, ou proteção
divina (Sl 34,20). Com frequência utilza-se o vocábulo para se refererir à disciplina
pessoal, a necessidade de ser cuidadoso em relação a própria vida e as ações ( Sl 39,1).
Outro sentido refere-se à reverência, ao sentido de prestar atenção. Em Oséias 4.10
Israel deixou de prestar atenção. Outra categoria abrange o sentido de armazenar,
acumular, preservar (Ml 2,7).77
[mv Na forma qal o vocábulo tem os seguintes significados: ouvir, escutar, prestar
atenção, dar ouvidos; entender, examinar, discernir. Na forma nifal significa: ser
ouvido, ser atendido, tornar-se obediente. No piel: fazer ouvir, convocar, e no hitpael
posssui o sentido de fazer ouvir, anunciar, proclamar, fazer-se ouvir, convocar.78
A raiz “escutar” pertence ao semítico comum. Conforme abordamos acima o
verbo ocorre no hebraico bíblico nas formas radicais qal, (passivo), hifil (causativo,
fazer, anunciar escutar) e piel (proclamar). Em aramaico bíblico aparecem as formas
qal e hitpael (obedecer).
Há sete derivações nominais: como abstrato do infinitivo (escutar, o que se
escuta; som forte; notícia, informação, o que se escuta por parte de alguém, prestígio,
notoriedade, fama (rumor); como particípio passivo feminino, as coisas ouvidas, notícia,
o que se escuta; como substantivo verbal abstrato, escuta, percepção de ruídos.
Também como elemento de nomes pessoais pertence ao semítico comum. Como
elemento predicativo aparece em três nomes completos e abreviados do AT (entre
outros em Simeão e Ismael.
O verbo ocorre no AT 1159 vezes em hebraico e 9 vezes em aramaico. Em
hebraico na forma qal 1051 X, incluindo Jó 26, 14; excluídos Dn 10, 12 e Ne 13,27 ; Jr
158 X, Dt e Is em cada um ocorre 86 X, Gn 61 X, 1 Sm 60 X, 1 Re ocorre 58 X, em Ez
47 X, em 2 Cr 46 X, 2 Rs 42 X, em Jó 39 X, Num e 2 Sm ocorre 32 X, em Prov 30 X;
77
ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 1587-1588. 78
SCHWANTES, 1987. p. 256.
132
nifal, 43 X incluídos Dn 10,12; Neh 13,27; Jr 11 X, Ne 5 X; piel, 2 X (1 Sm 15,4; 23,8);
hifil ocorre 63 X (Is 17 X, Jr 15 X, Sal 6 X); em aramaico qal 8 X; hitpael 1X. Os
substantivos ocorem: shema 1 X no Sl 150,5; semua 27 X; misma 1 X em Is 11,3;
mismaat 4 X; hasmaut 1 X em Ez 24,26.
Como mostra a estatística, sm na forma qal está fortemente representado nos
livros narrativos ( 7 X em Lv) e nos sapienciais (Jó e Prov), sendo que em Dt e Is
ocorrem em maior número de vezes, que neste caso sm parece ser uma palavra chave da
“escuta deuteronomico-deuteronmista”, e de seus herdeiros como hace supor su
acumulacion em secciones programáticas, no solo em Dt e Jr, sendo que no Dt ocorrem
41 X, tais ocorrências aparecem nos capítulos 4; 5; 13; 28 e 30. Em Jr ocorre 44 X,
sendo que tais ocorrências aparecem nos capítulos 7; 11; 26; 35; 42). Ocorre também
em outros livros como Lv 26, Num 14, 1 Sm 8; 15; 1 Re 8 ocorrem 14 vezes,
paralelamente a 2 Cr 6 ocorre 12 vezes; em Ez 2-3 ocorre 14 X, aparece também no
livro de Zac, em Dn, Neh e também no Dt-Is na formah qal 29 X e hifil 14 X. A
ausência de sm qal é algo surpreendente em certos blocos de oráculos proféticos ( Is 2-
5; 8-15; 25-27; Ez 26-32; Zac 9-14) e também em dois terços dos Salmos.
A gama de significados de sm nas formas qal e nifal é quase completamente
coberta pelo nosso verbo escutar, porém o vocábulo possui vasto campo semântico
sendo que em casos específicos não pode ser traduzido por escutar. Pode ocorrer alguns
casos em que o verbo genérico escutar não dá conta dos significados mais concretos de
sm. Pode designar a capacidade física de percepção acústica (2 Sm 19,36; Ez 12,2; Sal
38,14; 115,6) e também pode significar a própria percepção mesma, como a questão da
linguagem (Is 6,9; Dn 12,7; ou a música Jue 5,16; e ruídos 1 Rs 6,7, sendo que em 14,6
na forma nifal. Outro aspecto a ser considerado é que em relação à escuta o ser humano
toma posturas de reações diante do que se ouve, tanto de forma positiva quanto de
forma negativa em relação àquilo o que se escuta, a pessoa reage em pensamentos,
palavras e obras diante da escuta de algo. Geralmente se mencionam pressupostos (Ex
4,31), consequências (1 Sm 7,7), às vezes complementos decisivos para o contexto. O
contexto da relação entre o que se fala e o que se escuta, que o leitor da Bíblia
pressupõe determina também o que sm pode significar em cada caso. Pode significar
captar o que o outro disse (Gn 37,17), estar à escuta, escutar às escondidas, talvez espiar
(Gn 18,10), se dispor a escutar ((gn 37,6), prestar atenção (Jó 15,8; 1 Cr 28,2), ter
conhecimento de algo (Gn 21,26), interar-se de algo sobre alguém (Jr 37,5), temer
notícia de algo (Gn 41,15), fazer o que alguém pede, aconselha, ordena, cumprir um
133
apetição, seguir um conselho, obedecer uma ordem, uma lei, aceitar uma proposta,
seguir (Jr 35,14), dar fé, confiança a alguém (Dt 18,14).
Posto que o significado concreto de sm depende do contexto onde se encontra
inserido, cada caso deve ser analisado de forma particular. Em Gn 18,10 espía e escucha
Sara em secreto o se puede oír a los hombres incluso desde o departamento da tenda
destinado a as mulheres? Em 1 Sm 8,7.9.22 obedecer a voz do povo, estaria Samuel em
uma relação de subordinação com respeito ao povo ou a frase significa: “cumpre seu
desejo”? Analogamente em 1 Rs 3,9 leb some, coração obediente.
Em alguns casos sm se emprega idiomaticamente. Assim em Gn 11,7; Dt 28,49
se diz “entender uma língua”. Em 1 Rs 3,11 habin lismo mishpat pertence ao âmbito
jurídico, e designa a capacidade de emitir um juízo depois de haver ouvido as partes e
testigos (Dt 1,16). Outras referencias que se encontram dentro desse âmbito das relações
jurídicas são Jue 11,10; 2 Sm 15,3; Jó 31,35. São sujeitos da escuta os homens
individuais e coletivamente. Gramaticalmente também os órgãos do ouvir, são
considerados coração. Conforme a concepção pessoal e no sentido antropomórfico de
Deus, o Deus de Israel também ouve, e pelo contrário os deuses estrangeiros são
considerados na polemica de serem como matéria sem vida (Sl 115,6; Is 44,9).
O conteúdo que você ouve é objetivo e subjetivo (por exemplo 2 Re 7,6 hifil). O
conteúdo que a pessoa ouve se identifica, naturalmente com os múltiplos contextos em
que se tem o lugar da escuta.
Naturalmente o escutar e portanto o verbo sm, não se reduz a um só âmbito da
vida. O conceito e a realidade de escutar possui em Israel, como também no Egito, uma
importância decisiva para a sabedoria, sendo que a primeira exigência para o alcance de
promessas é a escuta que se converte em obediência. Assim o mestre recorda ao
discípulo incansavelmente para que o mesmo escute, não no sentido de adquirir
conhecimentos, mas para os desdobramentos concretos que tem como meta a sabedoria,
o ser sábio (Prov 23,19). Por isso se falava tanto em escutar no sentido de ter um ouvido
atento, disposto a escutar, em contraposição ante o perigo do descuido da escuta (Prov
19,27). Interessante é que pertence ao contexto sapiencial da expressão devido a
influencia egípcia, do “coração atento” (1 Re 3,9; 12), sobre o escutar da sabedoria.
O mesmo para o qal e hifil é válida a afirmação de que o significado básico
“fazer ouvir”, é também na maioria das vezes a tradução adequada. Às vezes, fazer
ouvir, perceber, conforme 2 Re 7,6 refere-se a um efeito produzido por Deus. Pode
significar também dependendo do contexto “comunicar palavras” (Dt 4,10; 1 Sm 9,27).
134
Ou anunciar paz, salvação (Is 52,7), também pode significar o “grito de guerra” (Is
49,2), fazer ouvir, fazer valer (Is 58,4) às vezes predizer o futuro (Is 41,22; 48,5). Em
Jeremias e em Deutero-Isaías sm hifil é um dos términos que indicam o anuncio
profético e possui um significado, um acento solene, e não aparece nas narrações.
No hifil se emprega na obra do cronista como expressão técnica que indica tocar
instrumentos (1 Cr 15,16; 16,5; 2 Cr 5,13), e como término militar significa “mobilizar”
(1 Rs 15,22; Jr 50,29 51,27).
No hifil está frequentemente em paralelo com outros verbos de manifestações
humanas sonoras, sobretudo com ngd hifil (Is 41,22.26; 42,9; 43,9; 44,8; 45,21; 48,3; Jr
4,5; 46,14; 50,2); ademais ocorre também como llamar (Am 4,5) sq, zq “gritar” (Is
42,2), bsr piel, “anunciar” (Is 52,7; Nah 2,1); yd hifil, “dar a conhecer” (Sal 143,8), sm
hifil está em paralelo com r’h hifil, “fazer ver”, em Is 30,30; Cant 2,14.
Em passagens de importância teológica, sm não tem uma função distinta de la
ordinária. Pode significar Deus como ouvinte de manifestações humanas, o ser humano
como ouvinte direto ou indireto de manifestações divinas. A Deus se pede que escute, e
se afirma que ajuda, salva, perdoa, etc. Precisa-se muitas vezes do contexto (Ez 22,26;
Sl 4,2). Em Gn 16,11 Deus escuta a aflição silenciosa de Agar.79
Com frequência, principalmente em expressões deuteronomico-deuteronomistas,
se fala genericamente de escutar, mas é importante ressaltar que a expressão sm nesses
casos não é a única expressão. Os preceitos e as instruções de Javé aparecem muitas
vezes com outras expressões (Gn 26,5; 1 Rs 11,38; Is 30,9).
Com frequência ocorre como requerimento aparentemente genérico para a escuta
das palavras de Javé, e como indica o contexto se refere à exigência de adoração única a
Javé (Dt 11,13; Gn 17; Sl 81,9).
laer'f.yI
A fonte testemunhal mais antiga do nome Israel aparece no cântico de triunfo de
Mernepta, na estela de Israel do templo funerário de um faraó, erigido em Tebas por
volta de 1125 a.C. Esta inscrição se encontra conservada no museu de Cairo. Com a
ocasião da conquista de diversas cidades palestinas o faraó destruiu também Israel, visto
79 WESTERMANN, JENNI. 1978. Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, Volume 2.
Biblioteca bíblica Cristiandade. p. 1229.
135
que o mesmo havia desaparecido e ficado sem descendência, conforme a inscrição da
estela. O problema é que não se pode afirmar que este Israel refere-se ao Israel que
conhecemos como uma liga de tribos, antes se refere a um grupo mais antigo. Pouco se
pode conhecer sobre o significado do vocábulo. Diante das dificuldades encontradas
para uma possível delineação semântica do vocábulo vamos nos ater a análise de
algumas ocorrências da palavra no AT. O nome Israel está documentado mais de 2500
vezes no AT incluídas as ocorrências em aramaico. Na maioria dos casos Israel é
relacionado como designação da liga de tribos. A este sentido corresponde a grande
maioria dos casos. Segundo o ponto de vista do AT as tribos que compõe Israe
procedem de uma família de um antepassado comum, do qual havia recebido também
esse nome. Este nome é identificado do ponto de vista histórico-tradicional com o
patriarca Jacó. Nesse caso o nome teria sido usado também como nome pessoal,
próprio. Em Gn 32,29-50,25 o patriarca pe chamado de Israel 34 vezes e de Jacó 75
vezes. Ocorre tambpem o nome Jacó referindo-se ao povo de Deus, porém raramente.
Ocorre também em construções no genitivo referindo-se ao Deus de Jacó, casa de Jacó.
Em cerca de 60 passagens o vocábulo fica difícil distinguir entre Jacó como nome
próprio-pessoal e como nome de um povo, de um grupo. No Deutero-Isaías ocorrem 15
vezes. Se trata normalmente de textos poéticos. Em algumas passagens Jacó aparece em
paralelismo com Israel, “o resto de Israel” (Gn 49,7,24; Nm 23,7; 24,5; Dt 33,10; Is 9,7;
27,6; 40,27; 42,24; 43,1; 44,1; 45,4; 48,12; 49,5; Jr 30,10; 31,7; 46,27; Miq 2,12; 3,8;
Sal 14,7; 78,5; 105,10; Lam 2,3). È raro a designação “filhos de Jacó” como designação
de povo: (Mal 3,6; Sal 105,6).
A divisão política do reino de Israel em dois Estados resultou num impacto no
tocante ao emprego linguístico do nome Israel. Os profetas em suas afirmações
teológicas utilizam o termo se referindo à liga das tribos. Nos livros dos Reis
encontramos uma terminologia orientada politicamente que limita o nome Israel a uma
entidade política concreta: o reino do norte. Um emprego linguístico mais antigo ocorre
em 2 Sm 2,9 e 3,17 donde Israel designa um determinado grupo tribal do norte. Os
profetas utilizam o nome Efraim para se referirem ao reino do norte especialmente
Isaías e Oséias. Diferente de Judá que desde o inicio se constitui como nome de um
Estado, Israel não possuiu desde o inicio tal dimensão politico-jurídica, mas conquistou
de forma gradativa no decorrer de alguns acontecimentos históricos. Enquanto
designação de uma liga tribal sacra submetida a lei divina, que não pode considerar-se
simplesmente como povo nem como Estado, o nome Israel não constitui originalmente
136
um conceito político, senão religioso. Israel é o povo enquanto comunidade religiosa, e
aqui se encontra a relevância teológica do termo para a interpetação de nossa perícope
de Dt 6,1-9. Israel enquanto comunidade religiosa tem por missão transmitir as
tradições acerca das fundamentais intervenções divinas na história, e por isso, depois de
ter perdido sua soberania política pode sobreviver como comunidade cúltica.80
dx'(a, A expressão ehad é usada para designar o número “um”, na forma trilítera básica
comum a todas as línguas semíticas. Junto a ehad existe também em todas as línguas
semíticas a raiz aparentada whd (em neosemítico, yhd). Em acádico aparecesse como
wedum, único, só. Em ugarítico yhd, unir. Em hebraico a forma verbal aparece
raramente: yhd qal, unir-se (Gn 48.6). Mais frequente aparece como substantivo, usado
também nos textos de Qumran, “união”. Aparece tambpem algumas vezes na forma
adverbial, incluindo (Jr 48.7)
Como numeral a expressão ocorre várias vezes no AT (no masculino 703 vezes e
feminino 267 vezes). Obviamente que a palavra ocorre com mais frequência nos livros
que fazem menção de listas e numerações, seções legais e descrições. (Nm 180 vezes).
Em aramaico aparece 14 vezes na forma had.
O numeral adquire uma especial relevância na linguagem teológica. A expressão
possui caráter intransigente na fé Javista que não tolera adoração ao ser humano nem
tampouco às outras divindades junto com YHWH. O Deus uno ocupa nesse sentido a
primeiríssima posição. Isso é exigido também pelo decálogo que expressa a fé de tal
modo que deixa a entender que Deus é uma unidade divina (Ex 20,2; Dt 5,7). Nesta
perspectiva podemos notar que YHWH possui apenas um nome.
Tal formulação foi construída na época do rei Josias. Nesse caso a expressão
contida no Dt 6,4 possui como ponto central de discussão entre alguns especialistas, o
questionamento acerca de uma dúvida, a saber, se a palavra se refere ao politeísmo ou
ao polijavismo.
A expressão está inserida no mandamento do amor ao Deus único de forma
também única. Deste modo entende-se que o Dues único deve ser venerado num local
único (2 Cr 32,12).
No judaísmo a expressão pode ser usada como nome substitutivo de YHWH.
Precisamente este aspecto da exclusividade de Deus que interpela o ser humano com
essa mesma exclusividade, sendo que esta acepção é muito infiltrada também no NT
80
Idem. p. 1075-1077.
137
(Mc 12,29; Rom 3,30). Tal unicidade se reflete na pessoa de Jesus como único de
Deus.81
Bha
Palavra comumente traduzida por amar82
, gostar, porém há variação no sentido
básico deste verbo. O sentido abarca desde o amor infinito de Deus até os apetites
humanos. Na perícope de Dt 6, 1-9, IHWH ordenou que o ser humano o amasse. Os
salmos contém testemunhos da obediência a este mandamento (Sl 116,1; 145,20). Por
outro lado Deus ama os seres humanos, e no caso do Deuteronômio este expõe o amor
de YHWH por Israel de forma mais específica (Dt 4,32). No entanto Deus ama outros
seres humanos e outras coisas tais como as portas de Sião (Sl 87,2), a justiça, o juízo (Sl
33,5) e o templo santo (Ml 1,2). No tocante ao sentido da palavra aplicada aos seres
humanos no Antigo Testamento constatamos que Isaque “amou” uma comida saborosa
(Gn 27,4); de outros se diz que amaram o azeite (Pv 21,17), a prata (Ec 5,9) e os
presentes (Is 1,23). O salmista amava os mandamentos de Deus (Sl 119,47); amava a lei
(v. 97); os testemunhos (v. 119); e os preceitos (v. 159). Os seres humanos podem amar
também o mal conforme (Sl 52,3; Pv 8,36; Sl 4,2). Por outro lado podem amar o bem
(Am 5,15), a verdade ( e a paz (Zc 8,19), a salvação (Sl 40,16) e a sabedoria (Pv 29,3).
No livro do Deuteronômio encontramos o vocábulo como forma de mandamento
“amarás a YHWH teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua vida (conforme
traduzimos). Isso significa que YHWH convoca Israel a praticar esse mandamento.
Visto que o ser humano é capaz de amar tantas coisas conforme expostas acima YHWH
convoca Israel à amá-lo acima de todas as coisas. Este amor se desdobra no
Deuteronômio em atos concretos de bondade. O ser humano quando decide amar a
YHWH ele opta pela vida, e fazendo tal escolha decide pelo bem para si e para o
próximo, na terra que YHWH jurou dá-los como herança.
Nós trabalhamos aqui o campo semântico do vocábulo a fim de
compreendermos a variedade dos setores de atuação que o amor pode ter na vida
concreta, e assim podermos compreender o sentido do vocábulo na nossa perícope de Dt
6,1-9.
O amor a YHWH é reivindicado por Ele mesmo no Deuteronômio, talvez pelo
fato de YHWH conhecer as inclinações dos seres humanos e assim querer orientá-los.
Amar a YHWH no Dt 6,1-9 a partir desta análise do campo semântico do vocábulo
81
Idem. p. 176-180. 82
ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 19-21.
138
possui esse sentido, já que o ser humano tem condições de amar tantas coisas a ponto de
se esquecer de Deus. No entanto aqui nessa parte não iremos nos ater aos fatores
ideológicos e interesse políticos de uma elite que reivindica para si prioridade. Mesmo
porque reconhecemos também a contribuição que uma elite pode dar a sociedade. Mais
adiante iremos tratar desses aspectos.
lKo Kol, uma partícula muito comum que ocorre em um dos versos considerados centrais
da nossa perícope é traduzida comumente por: todo, toda, todos, todas, cada, qualquer, a
totalidade de, etc. Na maioria das vezes esta partícula se encontra numa relação genitiva
com a palavra seguinte, tendo significado de “a totalidade” (de algo). Pode aparecer
também de forma autônoma, independente de outras palavras, mas absolutamente
exprime a ideia de “tudo”. Foi assim que Eliezer levou consigo “tudo dos bens do seu
senhor, isto é, uma grande variedade de bens (Gn 24,10). O sentido do vocábulo deve
ser dado pelo contexto. No caso da pericope de Dt 6,1-9, a partícula ocorre se referindo
aos termos antropológicos. O ser humano israelita é convocado por YHWH a amá-lo de
“todo” o coração, de “toda” a sua vida e com “todas” as suas posses. Todas as
dimensões da vida humana precisam ser consideradas dependentes de YHWH. Todas as
necessidades humanas, sejam elas físicas, psíquicas, devem ser colocadas em relação de
dependência com YHWH. O todo do ser humano é reivindicado pelo pregador
deuteronomista. YHWH quer ser o supridor do israelita em todos o setores da vida, Ele
quer esse reconhecimento por parte de Israel, pois afinal de contas o Senhor YHWH que
os tirou da casa da servidão. P. 723 Dicionario internacional.
vp,n< 83
O vocábulo néfesh possui correspondência em todas as línguas semíticas. Os
diversos significados do vocábulo hebraico são encontrados em grande parte em línguas
como acádico: napistú (garganta, vida) ; amorreu: naps (alento, vida); Em ugarítico: nps
(garganta, apetite, alma, ser vivente, etc. Em aramaico, hebraico e árabe meridional, o
vocábulo pode ser traduzido em alguns casos como tumba e funerária.
83
O vocábulo nefesh também será delineado no seu campo significativo de forma pormenorizada em
relação à outros, visto que se trata de um termo antropológico de suma importância para o sentido
teológico da nossa perícope e para toda teologia do Antigo Testamento. Uma análise do vasto campo de
significação dete vocábulo nos auxiliará para uma maior aproximação do sentido em que a palavra ocorre
dentro da nossa perícope. Conforme abordamos anteriormente é necessário este procedimento de
exploração da polissemia de um vocábulo para que possamos nos aproximar do sentido do mesmo para a
nossa perícope, que nesse caso se trata de um movimento de fechamento ou neutralização da polissemia
do vocábulo.
139
Em hebraico e aramaico, e no antigo árabe meridional se encontra o significado
“tumba”, estela funerária.
O vocábulo néfesh é uma das palavras mais investigadas no AT. Uma exposição
panorâmica sobre os significados e do uso da palavra néfesh no AT pode ser articulada
da seguinte forma:
1. Significado básico concreto: a) alento, respiração; b) garganta, laringe;
Anelo, avidez: a) hambre; b) sede de vingança;
2. Alma: a) anciosa; b) saciada; c) Afligida; d) Esperançosa; e) Amorosa,
rancorosa; f) vivente;
3. Vida: a) Salvação, conservação, preservação; b) ameaçada, perdida;
4. Ser vivente/Ser humano: a) em Leis; b) em censos; c) Expressões gerais; d) Uso
pronominal;
5. Cadáver.
O problema do significado concreto é difícil pois a acepção “alento”, se encontra
documentada apenas em hebraico, pelo que se pode deduzir do verbo nps nifal o
significado “garganta”, “laringe”, é comprovado, porém não é frequente.
As três vezes que aparece o verbo nifal nps, “tomar alento”, reponerse (Ex
23,12; 31,17; 2 Sm 16,14; sendo que em qal não se encontra). Isto permite deduzirmos
que anteriormente a palavra pode ter significado “alento”, palavra esta empregada
normalmente como neshamá, e mais tarde, provavelmente ruah. Esta acepção ocorre no
AT em Gn 1,30: “alento de vida”, e em Jó 41,13 “seu alento queima como carbonos
incendiados”.
Uma série de passagens em que geralmente se traduz nefesh por “alma/vida”, ou
“ser vivente”, esta acepção se aproxima muito de “alento”, hálito, conforme a passagem
de 1 Re 17,21.22: “faça com que a alma desse moço viva de novo”, e sobretudo na frase
conclusiva sobre a criação do ser humano em Gn 2,7: Assim o ser humano se fez ser
vivente, isto porque o Criador lhe deu o alento.
Em P é habitual para “ser vivente”, que pode se referir a seres humanos e
animais, e somente aparece no contexto da criação e do dilúvio (Gn 1,20).
Recordam estas passagens Lv 11,10.46 e Ez 47,9; fora destes casos só se fala da
criação da néfesh em Jr 38,16).
Na mesma direção aponta o pequeno grupo de textos em que néfesh é sujeito de
qsr qal, “ser breve” (Num 21,4; Jue 10,16; Zac 11,8.8).
140
É distinta a relação de nefesh com dam, sangue. Néfesh nunca teve significado
de sangue, apenas posteriormente se relaciona com sangue no sentido de “vida” (dam
paralelo de néfesh: Ez 22,27; Jon 1,14; Sal 72,14; 94,21; Prov 1,18.
Em uma série de passagens nefesh tem o significado de anelo, avidez e afan.
Este gurpo é o que mais se aproxima da acepção de garganta, laringe, sendo que nesses
casos nã seriapossível traduzir néfesh como vida. Néfesh aqui nestes casos significa a
força do desejo que nasce do vazio da garganta, da boca, onde a intensidade do desejo
vai além do ser humano.
Pode também significar simplesmente o ser humano (Dt 23,25; Os 9,4). Outro
sentido de pode ser o de sede de vingança, conforme exposto no quadro anteriormente.
Vingança no sentido de aniquilação (Ez 15,9; Sl 17,9; 27,12; 41,3). O vocábulo também
pode ter o sentido de desjo, apetite (Sl 35,25; Dt 21,14; 1 Sm 2,35; Jr 34,16; Sal 78,18;
105,22.
Na literatura sapiencial néfesh adquire o sentido de “cobiça”, tendo assim um
aspecto negativo. Não se condena a cobiça como tal, mas se refere ao desejo dos
malvados (Prov 13,2; 19,2; Ecl 6,9). É distinta a reflexão do eclesiates que vê néfesh
como fenômeno humano em relação com o seu tema pautado na afirmação de que tudo
é vaidade, toda a fadiga e o cansaço do ser humano é para sua boca que nunca se sacia
de seus apetites. Neste caso nefesh se assemelha bastante ao sentido concreto, boca,
laringe, isso porque estes órgãos são vistos como insaciáveis. Poderia se traduzir néfesh
por laringe. Isso deixa entender que nem na época tardia néfesh perdeu de todo o seu
sentido concreto.
Em algumas passagens néfesh conforme mencionado anteriormente pode ser
traduzida por “alma”.
Schökel84
define o vocábulo da seguinte forma: Na esfera da respiração: alento,
respiração; na esfera do seu órgão: garganta, pescoço; como princípio de vida, alma.
Na esfera do desejo e do afeto: apetite, afã, fome, cobiça, gula, gosto; estômago.
Equivale a indivíduo, pessoa, ser. Estes três grupos se ramificam em significados
diversos.85
84
ALONSO SCHÖKEL, 1997. p. 443. 85
Idem. p. 444.
141
Kirst e outros definem o vocábulo da seguinte forma: garganta; respiração,
fôlego, ser, pessoa, gente, personalidade, individualidade, vida, alma, desejo, estado de
ânimo, sentimento, vontade, pessoa morta, cadáver.86
Os distintos usos do vocábulo são mencionados referindo-se aos efeitos e
funções da garganta, de tragar e respirar. Há o significado de anelo, avidez, afã e uma
série de expressões unidas a néfesh que pressupõem a acepção original de garganta,
boca, laringe, Is 58.11; Pv 6.30; Is 29.8; Sl 107.9; paralelo de boca: Ec 6.7; Pv 3.22;
Nm 21.5; 1Sm 2.33; Jr 4.10; Sl 105.18; Pv 23.7. Em uma série de passagens o vocábulo
néfesh tem significado de anelo, avidez, afã. Este grupo se aproxima com a definição de
garganta, laringe, e neste caso não seria possível traduzir por vida, alma. A força do
desejo nasce do vazio da garganta, da boca.
O vocábulo pode significar simplesmente o “ser humano”, como nas seguintes
passagens bíblicas: Dt 23, 25; Os 9, 4; Prov 10, 3; 16, 26; Is 29, 8 etc.
A palavra pode significar a sede, ou desejo de vingança, como nas seguintes
passagens: Ex 15,9; Ez 16,27; Sl 17, 9; 27, 12; 41,3.
Pode ter o sentido de apetite, desejo, agrado, como nos seguintes textos: Sl 35,
25; Dt 21, 14; Jr 34, 16; Sal 78, 18; 105, 22.
O vocábulo aparece 754 vezes no Antigo Testamento. É considerada uma das
palavras mais investigadas da Bíblia Hebraica. A forma plural nefashot aparece 50
vezes no texto bíblico hebraico.87
Segundo Wolff88
, o vocábulo néfesh aparece, ao todo, 755 vezes na Bíblia
Hebraica. A Septuaginta a traduz 600 vezes por psyché89
. Tal diferença estatística
mostra que a significação diversa da palavra chamou a atenção dos antigos em não
poucos lugares. Chegamos ao resultado de que a tradução alma em poucos lugares
corresponde ao significado de néfesh.
rb'D' Davar, Palavra, fala, discurso, coisa, mandamento, assunto, ação, evento,
história, relato, negócio, causa, motivo. Muitos sinônimos encontram-se no Sl 119, onde
a Palavra de Deus é exaltada. A raiz ocorre nos óstracos de Laquis e na inscrição do
túnel de Siloé. Fora do hebraico a raiz ocorre no fenício púnico com o mesmo sentido
do hebraico e do aramaico bíblico na forma nominal divrâ, “assunto”. Em qualquer
86
SCHWANTES, 2010. p. 159. 87
WESTERMANN, JENNI. 1978. cl 103. 88
WOLFF, 1983. p. 21. 89
Idem. p. 21.
142
idioma o verbo que tem o sentido de falr e o substantivo palavra só podem ser de
suprema importância. O verbo davar e o substantivo davar possuem essa importante
característica na Bíblia Hebraica. O decálogo, as “dez palavras”, (Ex 34,28; Dt 4,13;
10,4), são dez declarações ou afirmações, como em Dt 10,4 as dez palavras (devarim)
que Javé falou (dibber).
As dez palavras são mandamentos por causa da forma sintática como foram
enunciadas. As dez palavras são o que Deus disse; são dez mandamentos por causa da
maneira como Javé às disse. A davar é às vezes o que é feito e às vezes um relato
daquilo que é feito. De modo que, com frequência em Cronicas, lê-se dos feitos (divrê)
de um rei, os quais estão escritos num determinado livro.
Certas características da palavra de Javé são enunciadas nos Salmos. Algumas
delas são: a palavra de Javé é reta (33,4), está firmada no céu (119,89), “Lampada para
os meus pés e luz para os meus caminhos”(119.105). A eficácia da palavra de Javé é
com frequência citada em certas orações, como “segundo a palavra que o Senhor havia
dito” (1Rs 13,26) ou “cumprirei a minha palavra” (1Rs 6,12). O cronista diz que Javé
levantou Ciro pra que se cumprisse a palavra de Javé por intermédio de Jeremias. Por
meio de Isaías o Senhor diz que sua palavra será como a chuva que desce dos céus e
para lá não tornam, mas faz produzir, britar dar semente ao semeador e pão ao que
come, a palavra não voltará vazia... antes fará o que me apraz e prosperará para aquilo
que a enviei (Is 55,11). Estas definições nos orientam acerca do sentido do vocábulo
para a pericope de Dt 6,1-9 visto que as palavras que deveriam ser ditas e transmitidas
aos flhos eram palavras de Javé transmitidas por intermédio de Moisés.
%r<D
O termo dérek é traduzido comumente por “caminho”. Pertence à raiz darak,
“pisar”.
O conceito básico por detrás de darak, pisar, relaciona-se com pôr os pés em
território ou em objetos, às vezes com o sentido de calcá-los. Pode ser entendido como o
caminho da terra pisada, batida, de tanto andar nela. E nesse caso levantamos uma
questão concernente ao sentido do vocábulo na perícope de Dt 6,1-9: Por que o redator
deuteronomista utilizaria a palavra dérek da raiz “pisar”, calcar os pés? Por que diante
do seu acervo de vocábulos o deuteronomista escolhe utilizar o termo que traz consigo o
imaginário de um contexto rural, ou seja, o caminho da carroça, “batido”, árido, seco, de
tanto andar nele? Sem dizer que a terra prometida é muito bem irrigada e flui leite e
143
mel. Mas por que o deuteronomista ainda utiliza dérek? Porém podemos considerar
também o seguinte: Segundo o Dicionário Internacional de Teologia do Antigo
Testamento de R. Laird Harris90
, em deuteronômio e Josué usa-se o verbo para indicar a
tomada de posse da terra prometida. Israel receberá como herança todo o lugar que pisar
a sola de seus pés (Dt 1,36; 11,24; Js 1,3; 14,9;). Numa ocasião é o exército assírio que
invade Israel e pisoteia suas fortalezas. (Mq 5,5;). Esse conceito de marchar é também
visto em Juízes 5,21. Em Salmos 91,13; refere-se a pisar ou calcar o leão e a serpente.
Portanto a partir dessa análise podemos compreender melhor o sentido do vocábulo no
nosso texto. Talvez o uso deste vocábulo pelo deuteronomista tenha por intenção dar
ênfase ao pisar firme, pisar com segurança, com convicção, tomar posse da terra. Por
outro lado o redator pode ter se utilizado do termo visto que está falando com pessoas
que conhecem o contexto rural o dérek, o caminho da terra batida, pisada de tanto andar
nela. Mas à guisa de conclusão o sentido mais apropriado ao nosso entender é de pisar
firme, possuir a terra, andar nela com segurança visto que YHWH é quem conduz os
acontecimentos. Consideramos essa hipótese.
Btk Escrever, descrever, inscrever, subscrever transcrever, gravar, tatuar, anotar,
apontar, redigir, estender, consignar, pôr por escrito, registrar, traçar, desenhar designar,
delinear, assinar, copiar.
O significado da palavra varia de acordo com o material subjacente a qual se
refere. Pode-se escrever sobre tábua de pedra, pode-se escrever sobre papel, papiro,
lousas e pedras. No caso de pedras a palavra tem o sentido de gravar, inscrever. Pode-se
também escrever num rolo (Jr 36,6), uma carta 2 Sm 11,14, Ez 2,10. No caso de
escrever, gravar em pedras encontramos a referência de Js 8,22. O vocábulo também
pode ser referir à escrita numa tabuinha Is 8,1, em ouro Ex 39,30, ou então nas
ombreiras Dt 6,9. Conforme o valor e a função, ocorre variação de significados. Se for
para lembrança pode ser traduzido por anotar, consignar. Com valor jurídico significa
registrar, conforme Nm 11,26; Is 4,3. Se for valor legal, pode ser, ditar Dt 27,3; ditar
sentença Sl 149,9.91
Referências ao vocábulo no sentido de “escrever”, são abundantes no Antigo
Testamento. Josué escreveu, conforme Js 24,26; um jovem escreveu algo para Gideão
Jz 8,14, Samuel escreveu a constituição do reino, e outros também escreveram, profetas,
90
ARCHER, Gleason, Jr; HARRIS, R. Laird. WALTKE, k. Bruce, 1998. p. 325-326. 91
ALONSO SCHÖKEL, Luís. 1997, 328-329.
144
reis, escribas e pessoas do povo em geral também escreveram. Considerando as muitas
referencias dos livros de 1 e 2 Rs, os relatos de acontecimentos das cortes de Israel,
como de Judá, também foram escritos, preservados e se encontravam disponíveis para
consulta. Com Salomão de inicia a série de registros 1 Rs 11,41; e vai até o colapso do
reino de Joaquim (2 Rs 24,5). Os reis babilônicos também mantinham arquivos. Os reis
da Pérsia também guardavam registros. Estes eram semelhantes às atas e registros de
hoje em dia, secos e objetivos. É importante ressaltar que, o próprio Deus escreveu os
dez mandamentos segundo Ex 31,18. Moisés escreveu o livro da aliança (Ex 24,4), a
legislação do Sinai Ex 34,27; os nomes dos líderes das tribos Num 17,2-3; o itinerário
percorrido no deserto Nm 33,2; as palavras da lei num livro até do todo as acabar Dt
31,9; e o último de seus cânticos Dt 31,22,24.
Diante da breve apresentação exposta acima das diferentes significações do
vocábulo entendemos que, para nossa perícope a tradução escrever é apropriada, não é a
única possibilidade que temos, mas é viável para o entendimento do significado do
vocábulo na perícope de Dt 6,1-9.
2.2. Resumo:
De forma geral e resumida queremos fazer algumas considerações finais acerca
de algumas palavras que analisamos nessa parte.
Selecionamos algumas palavras de nossa perícope que constam no acervo de
palavras-chave e expressões recorrentes do redator deuteronomista conforme abordamos
anteriormente.
De forma bem resumida queremos destacar aqui as suas ênfases teológicas na
tentativa de direcioná-las para uma melhor compressão do Dt 6,1-9.
O vocábulo hw"c.mi é uma das palavras mais recorrentes da teologia
deuteronomista.
O narrador não se cansa em repetí-la. Quer sempre chamar a atenção de seus
destinatários em relação à sua importância para a vida.
A palavra hw"c.mi que deu início à nossa análise possui o significado de encargo,
mandamento, (resumo de todos os) mandamentos, direito, reivindicação. A análise
desse vocábulo nos orienta na tarefa de ler a nossa perícope.
145
A melhor tradução para o termo é “ordenança”, gramaticalmente falando, mas a
maioria dos dicionários traduzem por mandamento, encargo, etc.
Outro vocábulo que analisamos acima e aparece com frequência no
deuteronômio é o vocábulo qxo que pode significar parte, alvo, porção, tarefa, quantia,
obrigação; reivindicação; limite, limitação, lei, estatuto, costume, norma, prescrição,
determinação. O termo jP'v.mi traduzido por sentença arbitral, arbítrio, sentença legal,
decisão legal e no plural juízos é também uma expressão recorrente e aparece repetidas
vezes no vocabulário utilizado na redação deuteronomista.
Conforme vimos anteriormente, a palavra representa o significado mais correto
daquilo que interpretamos como governo.
O substantivo mishpat é utilizado para designar quase qualquer aspecto de
governo civil ou religioso.
O processo litigioso é denominado mishpat. Às vezes refere-se a um caso
específico de litígio. Em algumas ocorrências a palavra mishpat é entendida como
justiça, ou seja, retidão arraigada no caráter de YHWH, que deve ser utilizada como
modular para o governo humano em geral e nos processos judiciais.
Os sábios e magistrados justos fazem uso de mishpat no exercício do
julgamento.
O vocábulo designa também uma determinação legal sendo frequentemente
usado em paralelo com tora e hoq como no caso da nossa perícope de Dt 6,1-9. As
determinações do Pentateuco são mishpat (Lev 5,10; 9,16). Na verdade as
determinações individuais da lei mosaica são mishpat (Dt 33,10; 21,16).
Se o caráter de YHWH é modular da formulação de preceitos e juízos, podemos
entender que o sentido do vocábulo para a perícope de Dt 6,1-9 pode ter pontos de
contato a formulação do deuteronomista que mantém a tradição do Êxodo acerca do
caráter de YHWH que libertou Israel da casa dos escravos no Egito. Sendo assim Israel
deve seguir o exemplo de YHWH guardando as ordenanças, não se esquecendo de
YHWH e favorecendo o estrangeiro, o pobre, a viúva, visto que outrora se encontravam
nas mesmas condições.
A palavra Hwc possui o senido de ordenar, mandar, dirigir, nomear; proibir; dar
ordens; encarregar; colocar em ordem.
A raiz designa a instrução de um pai para o filho (1Sm 17.20), de um fazendeiro
aos seus lavradores (Rt 2.9), de um rei para os seus servos (2 Sm 21.14). Tal
146
significação é reflexo de uma sociedade estruturada de tal forma em que as pessoas
tinham algumas responsabilidades diante de YHWH no tocante ao direito de
administrar.
O líder tinha condições de administrar o povo (Js 1.9). Deus nomeou Josué como
sucessor de Moisés (Num 27.18). No caso do Dt onde encontrasse nossa perícope a
forma verbal e substantivada se encontra com frequência. Da mesma forma ocorre na
literatura deuteronomista (Dt 88 vezes, Ex 53x, Num 46x, Jos 43x, Jr 39x, Lv 33x, Gn
26x; mitswah: Dt 43x, Sal 26x, [22 x somente no Sl 119], 2 Cr 19x, Neh 14x, 1 Re 12x,
Lv 10x, Prov 10x).
O verbo designa uma forma especifica de falar, de um superior ao um
subalterno. Os superiores que ordenam: (Gn 12, 20; Ex 1,22; 5,6; 1 Sm 4,12; 9,11; 1 Rs
2,43; 2 Rs 11,5; Jr 36,26; Esd 4,3; Pais de tribos, chefes de famílias: (Gn 18,19; 28,1; 1
Sm 17,20; ). Mães de família: (Gn 27,8; Rut 3,6). Irmãos (1 Sm 20,29); oficiais de
exército (Jos 1,10; 3,3). Sacerdotes: (Lv 13,54; 14,4). Os subalternos que recebem as
ordens são: servos: (Gn 32,18; 50,2; Rt 2,9; Jr 32,13). Filhos e soldados também são
mencionados como subalternos à ordem nesse sentido. A ordem e o mandato são atos de
autoridade, porém ambos se distinguem, pois a ordem produz uma ação única em uma
situação determinada, e o mandato tem validez permanente, é uma proibição.
Uma das palavras mais importantes no Antigo Testamento é hwhy YHWH o
nome de Deus. Este é utilizado pelo redator deuteronomista como único, um, sozinho
em algumas interpretações. Visto que o sentido faz alusão à unicidade podemos
entender que YHWH é único e deve ser priorizado por Israel diante dos deuses
cananeus. Outro sentido que extraímos para a nossa perícope é o vínculo que YHWH
tem com o lugar que Ele mesmo escolheu para o culto. Especialistas afirmam que esse
sentido de utilização do nome divino como único abrange também o projeto de
unificação e centralização do culto e dos sacrifícios.
Juntamente com YHWH aparece a expressão ~yhil{a/ que tem sentido plural
“deuses”. Na perícope de Dt 6,1-9 a palavra Elohym está concatenada à YHWH, ou
seja, YHWH é o nosso Elohym. Nesse caso a acepção da palavra mesmo na forma
plural refere-se a Deus com significado no singular.
Fez parte também de nossa investigação a palavra Dml uma das palavras que
indicam no AT a ação de “ensinar”. Esse vocábulo traz a ideia de treinar, bem como de
educar. Pode se ver o aspecto de treinamento no termo derivado malmed, traduzido por
147
“aguilhada de boi”. Em Oséias 10,11 Efraim é ensinado tal qual uma bezerra, pelo jugo
e pela aguilhada. O ugarítico lmd significa “aprender”, “ensinar”, e em acádico possui o
sentido de aprender. O sentido principal desse verbo é expresso no Sl 119. Neste salmo
repete-se a palavra no refrão “ensina-me os teus estatutos, os teus preceitos, os teus
decretos os teus mandamentos, ou teus juízos ( 12, 26,64,66,68,108,124,135,171).
Lembrando que tal palavra faz parte das expressões recorrentes que destacamos no
nosso trabalho. O deuteronomista a utiliza com muita frequência no Deuteronômio e
está muito entrelaçada com outros vocábulos recorrentes que aparecem no decorrer do
livro. Muitas vezes com mitzvot, hoq, mishpatim, tsvah, lev, néfesh, éretz, etc.
Outra expressão importante que analisamos é hf[ fazer, manufaturar,
trabalhar; pôr, colocar, transformar, fabricar, aprontar, elaborar, preparar, realizar,
executar, agir, intervir. Esta é utilizada pelo deuteronomista para se referir ao que se
deve fazer na #r,a, onde Israel iria entrar.
A palavra #r,a, pode significar: terra, chão, solo, terreno, pedaço de terra;
território, país, a Terra.
A expressão possui vários sentidos: Pode ocorrer como “Terra” no sentido
cosmológico, globo terrestre, continentes. Ocorre também como matéria: terra, pó,
argila, torrão. A palavra possui também um sentido politico: terra, território, país,
região. No sentido de agricultura pode significar: campo, terreno, terra de lavoura. No
caso do DT entendemos que a expressão possui aspecto determinativo de território,
país, região, e também no sentido de agricultura, visto que a terra é descrita como boa.
Além de ser descrita como boa é muitas vezes empregada pelo redator deuteronomista
com duplo sentido teológico. O primeiro descreve a terra éretz como dádiva e o segundo
parece deixar entender que é consequência da obediência, mas o importante é ressaltar
que para o narrador deuteronômico o ponto de partida é a dádiva de YHWH para com
Israel que agora requer obediência, no Deuteronômio.
A palavra rmv analisada semanticamente é também uma das palavras-chave
do Deuteronômio e que aparece na perícope de Dt 6,1-9. O sentido que mais vai de
encontro com a nossa perícope é de “fazer com cuidado”, fazer diligentemente,
conservar, guardar. O verbo exprime a atenção cuidadosa em que se deve ter com as
obrigações de uma aliança, de leis, e estatutos. Este é um dos empregos mais frequentes
do verbo. Um outro sentido é o de “tomar conta de”, mas que refere-se também ao
148
“guardar”. Isso envolve o cuidado que se deve ter com o jardim (Gn 2,15), um rebanho
(Gn 30,31), uma casa (2 Sm 15,16), ou como porteiros (Is 21,11), ou sentinelas (Ct 5,7).
O mesmo é válido em relação às pessoas: “sou eu guardador do meu irmão”? (Gn 4,9).
A palavra também possui o sentido de “cuidar”. Muitas vezes nos salmos Davi fala
sobre o cuidar, ou proteção divina (Sl 34,20). Outra categoria abrange o sentido de
armazenar, acumular, preservar (Ml 2,7).
Podemos reconhecer também através da análise semântica a importância da
palavra [mv “escutar” que pertence ao semítico comum.
Como mostra a estatística, o vocábulo ocorre em maior número de vezes em Dt e
Is, que neste caso sm parece ser uma palavra chave da “escuta do redator
deuteronômico-deuteronomista” e de seus discípulos, sendo que no Dt ocorrem 41 X,
tais ocorrências aparecem nos capítulos 4; 5; 13; 28 e 30. O vocábulo pode designar a capacidade física de percepção acústica (2 Sm
19,36; Ez 12,2; Sal 38,14; 115,6) e também pode significar a própria percepção mesma,
como a questão da linguagem (Is 6,9; Dn 12,7;). Outro aspecto a ser considerado é que
em relação à escuta o ser humano toma posturas de reações diante do que se ouve, tanto
de forma positiva quanto de forma negativa em relação àquilo o que se escuta, a pessoa
reage em pensamentos, palavras e obras diante da escuta de algo. Posto que o
significado concreto de sm depende do contexto onde se encontra inserido, cada caso
deve ser analisado de forma particular.
Em 1 Rs 3,11 a expressão pertence ao âmbito jurídico, e designa a capacidade de
emitir um juízo depois de haver ouvido as partes (Dt 1,16). São sujeitos da escuta os
homens individuais e coletivamente. Na perícope de Dt 6,1-9 todo Israel é convocado
para ouvir. No sentido antropomórfico YHWH também ouve, pelo contrário os deuses
estrangeiros não ouvem Is 44,9).
O conceito e a realidade de escutar possui em Israel, como também no Egito,
uma importância decisiva para a sabedoria, sendo que a primeira exigência para o
alcance de promessas é a escuta que se converte em obediência. Assim o mestre recorda
ao discípulo incansavelmente para que o mesmo escute, não no sentido de adquirir
conhecimentos, mas para ser sábio (Prov 23,19). Por isso se falava tanto em escutar no
sentido de ter um ouvido atento, disposto a escutar, em contraposição ante o perigo do
descuido da escuta (Prov 19,27). Interessante é que pertence ao contexto sapiencial da
149
expressão devido a influencia egípcia, do “coração atento” (1 Re 3,9; 12), sobre o
escutar da sabedoria.
Com frequência, principalmente em expressões deuteronomico-deuteronomistas,
se fala genericamente de escutar, mas é importante ressaltar que a expressão sm nesses
casos não é a única expressão. Porém com frequência ocorre como requerimento
aparentemente genérico para a escuta das palavras de YHWH, e como indica o contexto
se refere à exigência de adoração única a YHWH (Dt 6,4; 11,1; 11,13).
Analisamos também a expressão dx'(a, ehad que é usada para designar o número
“um”, na forma trilítera básica comum a todas as línguas semíticas. Junto a ehad existe
também em todas as línguas semíticas a raiz aparentada whd (em neosemítico, yhd). Em
acádico aparecesse como wedum, único, só. Em ugarítico yhd, unir. Em hebraico a
forma verbal aparece raramente: yhd qal, unir-se (Gn 48.6). Mais frequente aparece
como substantivo, usado também nos textos de Qumran, “união”.
Obviamente que a palavra ocorre com mais frequência nos livros que fazem
menção de listas e numerações, seções legais e descrições. (Nm 180 vezes).
O numeral adquire uma especial relevância na linguagem teológica. A expressão
possui caráter intransigente na fé Javista que não tolera adoração ao ser humano nem
tampouco às outras divindades junto com YHWH. O Deus uno ocupa nesse sentido a
primeiríssima posição. Isso é exigido também pelo decálogo que expressa a fé de tal
modo que deixa a entender que Deus é uma unidade divina (Ex 20,2; Dt 5,7). Nesta
perspectiva podemos notar que YHWH possui apenas um nome.
Tal formulação foi construída na época do rei Josias. Nesse caso a expressão
contida no Dt 6,4 possui como ponto central de discussão entre alguns especialistas, o
questionamento acerca de uma dúvida, a saber, se a palavra se refere ao politeísmo ou
ao polijavismo. Autores fazem referencia a Rabi Akiva que pronuncia a expressão no
momento do seu martírio. A expressão está inserida no mandamento do amor ao Deus
único de forma também única. Deste modo entende-se que o YHWH único deve ser
venerado num local único (2 Cr 32,12).
A expressão lKo kol, que investigamos também é uma partícula muito comum
que ocorre em um dos versos considerados centrais da nossa perícope. É considerada
também uma expressão que possui sentido teológico central na teologia deuteronomista.
É traduzida comumente por: todo, toda, todos, todas, cada, qualquer, a totalidade. Na
maioria das vezes esta partícula se encontra numa relação genitiva com a palavra
150
seguinte, tendo significado de “a totalidade” (de algo). Pode aparecer também de forma
autônoma, independente de outras palavras, mas absolutamente exprime a ideia de
“tudo”. Este sentido é muito forte no Deuteronômio e em toda teologia deuteronomista
que reivindica o tempo todo de seus destinatários o todo, através de expressões à todo
Israel, de todo o coração, de toda a néfesh, fazer tudo conforme ordenou YHWH, entre
outros casos.
No caso da pericope de Dt 6,1-9, a partícula ocorre se referindo aos termos
antropológicos. O ser humano israelita é convocado por YHWH a amá-lo de “todo” o
coração, de “toda” a sua vida e com “todas” as tuas posses. Todos os setores da vida
humana (psíquicos, físicos, etc) devem ser colocados em relação de dependência de
YHWH.
Um dos vocábulos que analisamos também que inclusive ocorre aglutinado à
preposição kol é a palavra vp,n< néfesh. Esta possui correspondência em todas as
línguas semíticas. Os diversos significados do vocábulo hebraico são encontrados em
grande parte em línguas como acádico: napistú (garganta, vida) ; amorreu: naps (alento,
vida); Em ugarítico: nps (garganta, apetite, alma, ser vivente, etc. Em aramaico,
hebraico e árabe meridional, o vocábulo pode ser traduzido em alguns casos como
tumba e funerária.
Em linhas gerais néfesh refere-se aos órgãos ligados à respiração como boca,
pescoço, garganta, faringe, laringe. Devido a importância que estes órgãos possuem
para a vida humana como um todo, às vezes néfesh pode se referir à pessoa na sua
totalidade, ou a própria vida. No caso da perícope de Dt 6,1-9 o vocábulo néfesh aparece
concatenado com o vocábulo antropológico lev. Por isso entendemos que o
deuteronomista queria se referir de forma específica a um setor da vida através do uso
da palavra néfesh. E entendemos que nesse caso a pessoa, a vida, os impulsos e desejos
devem ser direcionados à YHWH na reivindicação deuteronomista.
No decorrer de nossa análise investigamos também a palavra rb'D' davar, uma
das palavras mais importantes do Antigo Testamento que também faz parte da perícope
de Dt 6,1-9 e do acervo de palavras-chave do redator deuteronomista. Comumente
traduzida por palavra, fala, discurso, coisa, mandamento, assunto, ação, evento, história,
relato, negócio, causa, motivo. Muitos sinônimos encontram-se no Sl 119, onde a
palavra de YHWH é exaltada.
151
O decálogo, as “dez palavras”, (Ex 34,28; Dt 4,13; 10,4), são dez declarações ou
afirmações, como em Dt 10,4 as dez palavras (devarim) que Javé falou (dibber).
As dez palavras são mandamentos por causa da forma sintática como foram
enunciadas. As dez palavras são o que Deus disse; são dez mandamentos por causa da
maneira como Javé às disse.
Certas características da palavra de Javé são enunciadas nos Salmos. Algumas
delas são: a palavra de Javé é reta (33,4), está firmada no céu (119,89), “Lampada para
os meus pés e luz para os meus caminhos”(119.105).
A eficácia da palavra de Javé é com frequência citada em certas orações, como
“segundo a palavra que o Senhor havia dito” (1Rs 13,26) ou “cumprirei a minha
palavra” (1Rs 6,12). O cronista diz que Javé levantou Ciro pra que se cumprisse a
palavra de Javé por intermédio de Jeremias.
Por meio de Isaías o Senhor diz que sua palavra será como a chuva que desce
dos céus e para lá não tornam, mas faz produzir, britar dar semente ao semeador e pão
ao que come, a palavra não voltará vazia... antes fará o que me apraz e prosperará para
aquilo que a enviei (Is 55,11).
Estas definições nos orientam acerca do sentido do vocábulo para a pericope de
Dt 6,1-9 visto que as palavras que deveriam ser ditas e transmitidas aos flhos eram
palavras de Javé transmitidas por intermédio de Moisés.
Fechamos este resumo conclusivo fazendo menção de um termo analisado
anteriormente muito importante para a teologia deuteronomista e para a nossa pesquisa.
O termo dérek é traduzido comumente por “caminho”. Pertence à raiz darak, “pisar”.
O conceito básico por detrás de darak, pisar, relaciona-se com pôr os pés em
território ou em objetos, às vezes com o sentido de calcá-los. Pode ser entendido como o
caminho da terra pisada, batida, de tanto andar nela. E nesse caso levantamos uma
questão concernente ao sentido do vocábulo na perícope de Dt 6,1-9: Por que o redator
deuteronomista utilizaria a palavra dérek da raiz “pisar”, calcar os pés? Por que diante
do seu acervo de vocábulos o deuteronomista escolhe utilizar o termo que traz consigo o
imaginário de um contexto rural, ou seja, o caminho da carroça, “batido”, árido, seco, de
tanto andar nele?
A terra prometida que o deuteronomista avista e descreve como boa é muito bem
irrigada e flui leite e mel. Talvez o uso deste vocábulo pelo deuteronomista tenha por
intenção dar ênfase ao pisar firme, pisar com segurança, com convicção, tomar posse da
terra. Por outro lado o redator pode ter se utilizado do termo visto que os teus
152
destinatários são pessoas que conhecem o contexto rural o “derek”, o caminho da terra
batida, pisada de tanto andar nela, a perseverança, a dificuldade, seja a experiência do
deserto como do exílio, também o sofrimento seguido da esperança por uma terra e um
futuro melhor.
O sentido mais apropriado ao nosso entender é de pisar firme durante o caminho,
possuir a terra, andar pelo caminho com segurança, confiança, visto que YHWH é quem
conduz os acontecimentos.
Finalizamos esta parte fazendo alguns apontamentos acerca da contribuição da
análise para a pesquisa. A averiguação dos diversos sentidos de um vocábulo é parte
fundamental da análise semântica. As palavras são polissêmicas, e precisam ser
verificadas no seu amplo campo de significação. Só assim poderemos neutralizar a
polissemia avaliando o sentido mais adequado para o texto que está sendo analisado. O
que nos auxilia na escolha do melhor sentido é o contexto. Por isso achamos
indispensável passarmos por essa etapa. O objetivo primordial foi de exploração dos
diversos significados das palavras que compõem a nossa perícope. Tendo feito isso
quando nos deparamos com um vocábulo dentro de uma perícope, temos acesso a um
horizonte de significações que certamente nos auxiliará na definição do melhor sentido
a ser aplicado no texto em que estamos analisando exegeticamente.
Conforme abordamos já de início os vocábulos antropológicos seriam
investigados com mais afinco, sendo que o vocábulo lev será objeto de uma análise mais
detalhada que será apresentada no próximo capítulo.
3. Análise do Contexto Histórico (Macro-Estrutura)
3.1. Local, Data, e Contexto
A historiografia do livro dos reis de Israel nos apresenta um quadro
histórico das reformas realizadas no templo de Jerusalém. Isso ocorreu por volta do
ano 622 a.C. por conta da descoberta do livro da Lei.
Este livro da Lei, quando achado, trouxe imenso despertamento para o rei
Josias que ao tomar conhecimento do seu conteúdo, rasgou as suas vestes e enviou
153
os seus súditos para que consultassem uma profetiza chamada Hulda. A resposta
veio através de dois oráculos:
O primeiro se referia à desgraça de Jerusalém e de seus habitantes, e o outro
se referia à sorte do rei.
A partir disso o rei Josias reuniu o povo e leu diante dele o livro da Lei.
Tendo feito isso o rei se comprometeu publicamente em comprir, fazer tudo o que
estava prescrito no livro.
Após esse pacto empreendeu um projeto de reforma em todo o seu reino.
Esta reforma é denominada de reforma deuteronômica.
Visto que tal empreendimento recebera tal intitulação cabe a nós sabermos
até que ponto o livro do Deuteronômio verdadeiramente contribuiu para que
acontecesse essa reforma.
No livro de 2 Cr 34-35 encontramos uma narração distinta. Esta nos conta
que Josias no oitavo ano de seu reinado decidiu em seu coração procurar o Deus de
Davi seu pai, e no décimo segundo ano iniciou um projeto de reforma. Seja qual for
a historicidade desses relatos que inclusive tem sido motivo de debate entre
exegetas, uma coisa os especialistas não negam: O livro da Lei ou Deuteronômio
está estreitamente vinculado à reforma de Josias ou reforma deuteronômica.92
Porém é muito importante frisarmos que não é possivel descrevermos uma
relação perfeita do livro da Lei encontrado no templo e o livro do Deuteronomio
atual como se encontra moldado. Semelhante aos demais livros da Bíblia Hebraica,
o Deuteronômio é fruto de “longo processo de elaboração”.93
Certamente passou
pelo crivo de interpretações, foi submetido a revisões e atualizações durante
séculos. Além do mais considera-se a hipótese de uma mão final ter polido o texto
dando a forma atual como se apresenta. Mas aqui nessa abordagem não iremos nos
ater muito às etapas, mas apenas iremos delimitar em duas fases:
A primeira, a fase anterior à Josias quando o livro do Deuteronômio talvez
fosse uma espécie de coleção de leis que compreende os capítulo 6-28.
A segunda, a fase após Josias, à qual pertencem os capítulos 1-5 e 29-34.
A partir de então pode-se afirmar que o Deuteronômio perdeu sua
autonomia. Isto porque recebera inchertos, acréscimos posteriores, no caso os
92
LOPEZ, Garcia, Félix. O Deuteronômio. Uma lei pregada. Ediçõs Paulinas, São Paulo,1992. p. 7. 93
Idem. p. 8.
154
capítulo 1-5 e 29-34, e também fora colocado como quinto livro do pentateuco, ou
seja, como ponto final.
O Deuteronômio é um emaranhado, uma mescla de tradições. Tradições
primitivas dos quatro primeiros livros da Bíblia Hebraica se encontram fundidas
nele.
O Deuteronômio permanece intacto às exigências das principais tradições
dos demais livros do Pentateuco e da História deuteronomista. Há muitas conexões
entre o livro do Deuteronomio e as tradições expostas em outros livros da Bíblia
Hebraica, adaptando-se e revisando-se no intuito de responder melhor às realidades
concretas subjacentes da sociedade em desenvolvimento.
Outro aspecto muito importante no Deuteronômio é a relevância teológica
da unicidade de YHWH que se estende para outros campos.94
Um só YHWH, um
só povo, uma terra, um culto com suas respectivas características peculiares, um
santuário, uma Lei, e um só coração, isto é, a pessoa deve amar a YHWH de forma
integrada, única, sem divisas, sem reservas, sem espaço para outras coisas que
ocupem o lugar central de YHWH na vida humana.
Assim como o templo foi centralizado, YHWH quer ocupar, morar no
centro do ser humano.
Estes elementos e pressupostos se encontram entrelaçados como fios no
texto tecido do Deuteronomio. São elementos que estão “costurados” formando um
vasto tecido. O mandamento principal é o amor ao YHWH único, exclusivo, de
todo o lev “coração”, de toda a vida e com todas as suas forças, posses.
O programa de reforma contido no Deuteronômio fora muito exigente,
talvez por isso o rei Josias é considerado o único rei do qual se afirma em 2 Rs
23,25:
bv'Û-rv,a] %l,m,ª wyn"÷p'l. hy"“h'-al{) •Whmok'w> tr:äAT lkoßK. Adêaom.-lk'b.W ‘Avp.n:-lk'b.W AbÜb'l.-lk'B. ‘hw"hy>-la, `Whmo)K' ~q"ï-al{) wyr"Þx]a;w> hv,_mo
3 E antes dele não houve rei semelhante que se convertesse ao Senhor com todo o
coração, e com toda a tua alma e com todas as tuas forças, conforme toda a lei
de Moisés, e depois dele nunca se levantou outro tal.
Conforme o texto bíblico acima, existe uma relação entre o Deuteronômio
e o livro da Lei achado nos dias de Josias. E o próprio rei quem o diga, visto que se
94
Idem. p.8.
155
tornou estereótipo de rei que fez “kol”, tudo o que estava escrito no livro, e isso de
conformidade com os requisitos de Dt 6,4-5.
Mesmo diante de tais constatações defendidas por unanimidade entre
exegetas, queremos deixar evidente que não discordamos da existência de pontos
de contato entre o Deuteronômio e o livro achado nos dias de Josias, antes
queremos afirmar que entre o livro da Lei e o Deuteronômio na forma final em que
se encontra certamente existem processos de revisões, inserções e atualizações do
Deuteronômio.
Por isso defendemos a hipótese de um deuteronômio exílico como resposta
à pergunta pelo futuro de Israel que ainda se encontra cativo na babilônia
esperando o cumprimento da promessa de retorno à terra. Portanto, situamos a
perícope de Dt 6,1-9 no período do exílio, porém consideramos a hipótese de que
Israel está prestes a entrar na terra. Poderíamos identificar alguns pontos, alguns
fatores que nos reapaldam acerca de tal hipótese:
Primeiro: O discurso de Moisés pressupõe um ambiente de terras bem
cultivadas e bem irrigadas.
Segundo: pela centralidade do tema da éretz “terra” no discurso.
Terceiro: o textos deixam entender que essa terra está para ser conquistada,
mas pode ser perdida.
Esta terra é descrita pelo autor deuteronomista como bem regada, terra de
fontes, de abismos, de água que brota das fontes e nascentes, montanhas e vales,
terra que flui leite e mel com abundância, somada às riquezas agrícolas e
comerciais. Porém o autor deuteronomista se preocupa em descrever os riscos que
se corre diante de tal prosperidade. O fato é que, Israel não poderia se esquecer que
YHWH foi o doador de todos esses bens. A descrição da terra se apresenta
portanto, juntamente com as exortações. Tais admoestações, exortações, lembretes,
nos fazem compreender que o povo esta sendo avisado, está sendo preparado para
entrar na terra, ou seja, está às portas da posse da terra prometida aos pais. Por isso
pensamos num discurso no exílio onde Israel está sendo preparado para herdar a
éretz hatováh, a boa terra. Dá-se a impressão que o deuteronomista está relatando
um ambiente concreto do qual ele tem diante de si, ou seja, uma comunidade
agrícola próspera.
Através do bloco de Dt 6-28 entende-se que Israel vivia um período
economicamente florescente. Defendemos portanto a hipótese deu um
156
Deuteronômio que passou pelo crivo de interpretação e revisão de redatores
deuteronomistas no exílio. Estes revisaram o Deuteronômio pré-exílico tardio.
Concordamos com Eckart Otto95
quando o autor afirma que o interesse dos autores
deuteronomistas não é tanto o relato de acontecimentos referentes a um passado
longínquo, mas as pessoas do tempo exílico da narração na qualidade de seus
destinatários.
Com seu programa de uma comunidade integrada pelo culto sacrificial
comum no templo ao lado do Estado, os autores do Deuteronômio pré-exílico
possibilitaram a sobrevivência da população judaita como comunidade depois da
perda do Estado na conquista pelos babilônios.
No ano de 612 a. C. Nínive fora conquistada por uma colisão babilônico-
meda, e fora selado o colapso do Imperio Neoassírio, inaugurado já com a perda
do Egito na época do rei assírio Assurbanipal. No entanto como o império
babilônico em ascensão olhava para o Egito, Judá caiu novamente na dependência
política. Uma primeira rebelião contra os babilônios levou em 598/597 a. C. trouxe
a destruição da cidade de Jerusalém e do templo como a perda do Estado e da
monarquia davídica. Agora o escrito programático do deuteronômio pré-exílico
tardio podia desenvolver seu efeito. Os autores sacerdotais desse escrito libertaram
a religião judaita da função da legitimação do governante ai atribuir somente a
YHWH o direito de exigir lealdade absoluta e ao negá-lo, consequentemente, ao
Estado. Inicialmente esse ato de secularização do Estado voltava-se contra o poder
hegemônico assírio e estava vinculado à imagem idealizada de uma comunidade
que vive como irmãos e irmãs ao lado do Estado, que estava integrada por meio do
culto comum no templo como o santuário central, um templo que já não era
meramente a capela palaciana. Isso possibilitou o passo para a resolução ideal da
situação após a perda do Estado, algo que explica a longa história de recepção que
o deuteronômio desenvolveu após a catástrofe neobabilônica de 587/586. Junto à
cidade de Jerusalém como a sede de YHWH, o Deus real, ao templo como seu
palácio e ao rei davídico como seu ungido, estavam destruídas as instituições que
tinham funcionado quase meio milênio, desde o tempo de Davi e Salomão. Por
isso precisava-se agora de uma nova localização do programa deuteronomista. Esta
95
OTTO, Eckart. A Lei de Moisés. 2011. p. 139-140.
157
se encontrou com a narrativa de uma origem ideal de Israel, vinculada à Moisés
como o líder do povo e o intermediário da revelação.
No fim do período pré-exílico Moisés havia recebido uma caracterização
de antítipo ao imperador Assírio.
O escrito sacerdotal redigido simultaneamente ao deuteronômio exílico-
deuteronomista e concorrente dele, tinha tomado o tempo de Moisés como a meta
de sua narração.
Dessa maneira autores deuteronomistas
elaboram no exílio na Babilônia uma releitura
do deuteronômio pré-exílico tardio ao
deslocar a montanha de Deus para o deserto e
ao nomeá-lo Horeb, à diferença do escrito
sacerdotal que a vinculava ao nome de Sinai.
Eles declararam como origem do
Deuteronômio a revelação divina no Horeb,
intermediada por Moisés e o declararam
ratificado com a conclusão da aliança na
montanha de Deus. Por meio do “Shemá
Israel”, da pericope de Dt 6, 1-9, os autores
exílico deuteronomistas antepuseram à
abertura do Deuteronomio pré-exílico tardio a
nova localização do deuteronômio na
montanha de Deus, em Deuteronomio 5.96
Diante do breve quadro histórico que relatamos acima podemos perceber que a
centralidade teológica do Deuteronômio se encontra no na fé individa em YHWH.
Conforme mencionamos anteriormente YHWH quer ocupar o centro do ser humano, ou
seja, o centro das atenções, o centro das emoções, o centro de toda existência. Por falae
em centro, há controvérsias entre exegetas acerca do significado do vocábulo lev como
centro. De fato é importante recordarmos que o lev é reivindicado pelo deutronomista
de forma integral, ou seja, de todo o coração. Visto que tal vocábulo possui tamanha
importância para a teologia do Antigo Testamento e também é objeto de nossa pesquisa,
no próximo capítulo iremos nos ater a ele, analisando com mais afinco na perspectiva de
vários autores.
96
OTTO, Eckart. 2011, p. 139-140.
CAPÍTULO III
UMA ANÁLISE DO VOCÁBULO LEV NO ANTIGO
TESTAMENTO
159
1. Delineação do campo significativo do vocábulo lev no Antigo
Testamento.
Neste capítulo iremos analizar o amplo campo de significação do
vocábulo lev. Conforme afirmamos anteriormente este procedimento tem por
objetivo ampliar o conhecimento que temos a respeito do sentido de uma
palavra.
No caso do vocábulo lev, o mesmo se apresenta em contextos diversos.
Consequentemente há muitas variações de sentido deste vocábulo na Bíblia
Hebraica. Muitas vezes o sentido da palavra é identificado a partir de uma
análise do mesmo onde se considera a predominância de um sentimento, ou
reação, para se definir o sentido.
A intensidade dos sentimentos e sua influência em todos os
processos interiores ficam refletidas na grande importância
que o coração lev, chega a ter como expressão do psíquico. O
fato de que as paixões fortes fossem sentidas também
fisicamente no coração, seja porque as palpitações diminuíam
ou aumentavam, seja porque parecia que se parava ou doía,
deve ter influenciado logicamente, para que se fixasse a
atenção nesse órgão e se lhe reconhecesse um papel
importante na descrição dos estados psíquicos.97
ble 98
O término libb pertence ao semítico comum. O significado “coração” é comum a
todas as línguas semíticas. Em acádico libbu tem o significado de “interno”, que se
limita a um emprego preposicional. Em árabe significa o núcleo, a razão.99
Em hebraico e armaico veterotestamentário, junto a lev aparece também levav
(em arameu lebab). Não se pode afirmar que haja uma sucessão cronológica entre estas
97
EICHRODT, Walter. Teologia do Antigo Testamento. Tradução: Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo:
Editora Hagnus, 2004. p.601. 98
O vocábulo lev será delineado no seu campo significativo de forma pormenorizada em relação aos
demais, visto que se trata do objeto da nossa pesquisa e de um termo antropológico de suma importância
para o sentido teológico também da nossa perícope e para toda teologia do Antigo Testamento. Uma
análise do vasto campo de significação dete vocábulo nos auxiliará para uma maior aproximação do
sentido em que a palavra ocorre dentro da nossa perícope. Conforme abordamos anteriormente é
necessário este procedimento de exploração da polissemia de um vocábulo para que possamos analisálo
com afinco e nos aproximar do sentido do mesmo para a nossa perícope, que nesse caso se trata de um
movimento de fechamento ou neutralização da polissemia do vocábulo. Estaremos averiguando as
delineações do campo significativo do vocábulo lev segundo os autores: Claus Westermann, P.
Fronzarolli, F. Stolz, Hans Walter Wolff, Luis Alonso Shokel e outros. 99
WESTERMANN, JENNI. 1978. p. 1176.
160
duas formas. A fonte J parece empregar unicamente a forma lev. A fonte E pelo
contrario, emprega lebab. Isaías emprega fundamentalmente Dt e a obra
deuteronomistica quase exclusivamente levav. O Deutero-Isaías utiliza na maioria das
vezes lev.100
Ez 16, 30 ocorre a forma feminina “libba”. Chama a atenção a forma como
corre no acádico “libbatu” (plural), fúria. Também lababu, enfurecer-se. De todas as
formas deve-se perguntar se os acádicos libbu e lababu estão relacionados. Em qualquer
caso Ez 16,30 o coração é apresentado como a sede da cobiça.101
O substantivo lev é derivado do verbo denominativo lbb na forma nifal “adquirir
inteligência” (Jó 11,12) e piel enlouquecer, perder a razão (Cant 4,9).
Lev e levav aparecem em total 853 vezes (601 + 252 vezes, de ellas, 7 +1 vez em
plural), donde para 1 e 2 Cr deve-se ler 24 vezes em lugar de 2 vezes. Libba 1 vez, lbb
nifal 1 vez, piel 2 vezes. Se devem analisar os casos do aramaico bíblico onde lev
aparece 1 vez e levav 7 vezes, sendo que todas no livro de Dn.
A raiz aparece com frequência em Dt, Jr, Ez, Sal, Prov, Ecl e Cr. Em Sal 147
vezes (lev 102 vezes e levav 35 vezes. Prov 97 vezes lev e 2 vezes levav, em Jer 58
vezes lev e 8 vezes levav. Dt lev ocorre 4 vezes e levav 47 vezes. Is lev aparece 31 vezes
e levav 18 vezes. Em Ex lev ocorre 46 vezes e levav 6 vezes. No livro de Ezequiel lev
aparece 41 vezes e levav 6 vezes. Em 2 Cr ocorre 16 vezes lev e 28 vezes levav. Ecl lev
ocorre 41 vezes e levav 1 vez.102
Lev designa originariamente o órgão corporal.103
Em Israel se conhece pelo
diagnostico de “ataque cardíaco” (1 Sm 25,37), sem que por isso seja o coração objeto
de conhecimento profundo, como também sucedia nas culturas vecinas.
O batimento cardíaco pode significar “excitação” Sal 38,11. Quando se fala em
feridas que afetam o coração não se faz referencia específica ao órgão coração, mas em
geral a toda região cardíaca (2 Sm 18,14; Sal 37,15; em Os 13,8 se menciona,
propriamente “tapa do coração”).
No aramaico bíblico em Dn 2,32; originariamente a parte dianteira pode ser
designada também por leb (Ex 28,29). Designa também a garganta como órgão da fala,
porém não é muito segura tal definição. Também o coração dos animais é designado
100
Idem. p. 1177. 101
Idem. p. 1177. 102
Idem. p. 1177. 103
Idem. p. 1177.
161
como lev (2 Sm 17,10; Job 41,16; usado duas vezes em sentido figurativo se referir a
essência do animal em questão).104
Em outro sentido lev significa coração como centro, especialmente em Ex 15,8;
Prov 23,34; 30,19;), belev yammim (Ex 27,4.25-27; 28,2.8; Sal 46,3; Jon 2,4, “meio do
mar”, e também lev hashamaym, centro do céu (Dt 4,11).
Ao lev humano se assemelha o ser corporal, anímico e espiritual do homem
(genérico). Na expressão sed lev, sustentar o coração, que significa comer, lev designa a
força vital. (Gn 18,5; Jue 19,5,8; Sal 104,15). Lev é também o órgão da potencia e
desejo sexual (Os 4,11; Jó 31,9; Prov 6,25).105
O aspecto anímico de lev se manifesta os mais diversos sentimentos: dor (1 Sm
1,8; Is 1,5; 57,15; Jr 4,18; 8,18; Sal 13,3 34,19. No caso dos salmos pertencem a
topologia da lamentação), alegria (Ex 4,14; Jue 16,25; Is 24,7; Jr 15,16; Sal 4,8; Prov
14,10), medo (Dt 20,3,8; Jos 2,11; Is 7,2; Sal 25,17), duvida (Ecl 2,20; Lam 1,20),
animo (Sl 40,13) e outros sentimentos.
Quando o ser humano é interpelado com carinho e confiança por Deus, ou por
outro ser humano, se emprega com frequência este vocábulo (por exemplo, dbr piel al
lev “tratar de convencer”, Gn 34,3; Is 40,2).
Entre as funções espirituais do vocábulo lev, o conhecimento possui o primeiro
lugar.
A ideia de tomar conhecimento de alguma coisa pode ser indicada por meio de
diversos verbos (sit, Ex 7,23; 1 Sm 4,20 sm, Ex 9,21; 1 Sm 21,13; ntn, Ecl 1,13,17),
seguidos de uma preposição e lev. Também o “recordar” tem lugar no lev (Dt 4,9; Is
33,18; 65,17; Jr 3,16; Sl 31,13).
A habilidade manual pode ser considerada coisa do lev (na expressão hakam lev,
destro, que não se deve entender em sentido sapiencial, Ex 28,3; 31,6 35,10.
Também as capacidades intelectuais são próprias do lev106
: inteligência (Dt 8,5;
Jo 17,4; Prov 2,2 Ecl 7,2), capacidade de julgar criticamente um assunto (Jos 14,7; Jue
5,15s; Ecl 2,1.3.15), prudência jurídica (1 Re 3,9 2 Cr 19,9).
Este aspecto do lev é importante sobretudo na literatura sapiencial. O lev é o
órgão da sabedoria (Prov 2,10; 14,33; 16,23; Ecl 1,16; 1 Re 10,24). O lev do sábio lhe
104
Idem. p. 1178. 105
Idem. p. 1178. 106
Idem. p. 1179.
162
permite falar com retidão (Prov 16,23; 23,15s), e a compreender a essência do tempo e
daquilo em que no tempo sucede (Ecl 1,16; Sal 90,12).
A sabedoria de Israel não é a única que atribui este significado ao coração, pois
tal significado também ocorre na sabedoria grega. Finalmente o lev é também a sede da
vontade e da faculdade decisória (2 Sm 7,2; 1 Re 8,17; Is 10,7; Jr 22,17; Sal 20,5; 21,3).
O lev abarca portanto todas as dimensões da existência humana.
A partir disso podem se formar expressões que se referem ao ser humano em sua
totalidade: lev fraco (Ez 21, 20), se derrete (Dt 20, 8; Jos 2,11; 5,1; 7,5; Is 13,7; 19,1; Ez
21,12), se alarma (Dt 28,65), pode também “infundir tranquilidade” (hifil, Ez 32,9).
O lev pode designar a pessoa mesma, como também pode desempenhar a função
de um pronome pessoal, ou seja, aparece de forma paralela a um pronome, por exemplo
no Sl 22,15; 27,3; 33,21; 45,2. Pode também designar o mais próprio e característico de
uma pessoa (Jue 16,15.17s; 1 Sm 9,19; tampouco esta concepção se limita a Israel.
A expressão belev com sufixo personal acompanhado de um verbo de
pensamento o de habla (por exemplo, Gn 17,17; 27,41; Dt 7,17; Sal 4,5 etc) se refere a
pensamentos que a pessoa guarda para si e não revela para as outras pessoas. Também
as motivações recônditas e escondidas regiões do homem, tem o seu lugar no lev (Ct
5,2). A sabedoria afirma que o lev é insondável (Jr 17,9; Sl 64,7; Prov 20,5).
Considerando que o ser humano toma suas decisões e responde por elas no lev, o
vocábulo pode significar em determinadas ocasiões o sentido de consciência (Gn 20,5; I
Sm 24,6).
1.1. Delineação do vocábulo lev na antropologia de Hans
Walter Wolff
A palavra mais importante para a lingüística da antropologia da Bíblia
Hebraica geralmente se traduz por coração. Mencionada por Wolff,107
Meyenfeldt e
Stolz, estes afirmam que a expressão (hebr. lēḇ) aparece 598 vezes na Bíblia
Hebraica, sendo que na forma 252 vezes e em aramaico, no livro de Daniel,
107
WOLLF, 1983. p. 61.
163
aparece 1 vez lev e 7 vezes .108
No Antigo Testamento, 26 vezes se fala do
coração de Deus, 11 vezes se fala do (hebr. lēḇ) do mar, 1 vez do coração do céu, 1
vez do coração da árvore, e 814 vezes do (hebr. lēḇ) humano. Cinco vezes é
referido a animais, quatro delas em comparação com o (hebr. lēḇ) do homem. (2
Sam. 17, 10; Os. 7, 11;) e só uma vez exclusivamente ( Jó 41, 16;).
`tyTi(x.T; xl;p,äK. qWcªy"w>÷ !b,a'_-AmK. qWcåy" ABliâ Delineação do vocábulo lev na perspectiva de Hans Walter Wolff:
A grande importância do vocábulo lev para a antropologia exige um exame
semasiológico a partir de textos distintos e a partir de conexões de asserções.109
Para obtermos a nossa compreensão analítica do modo de pensar sintético da
Bíblia mais uma vez se recomenda iniciar perguntando que noções sobre o órgão
coporal lev se encontram no Antigo Testamento. Para Hans Walter Wolff110
, autor que
em nossa pesquisa nos auxiliará servindo de fio condutor para o desenvolvimento do
trabalho, o texto mais interessante parece ser o relato da morte de Nabal em 1 Sam
25,37:
Alå-dG<T;w: lb'êN"mi ‘!yIY:’h; taceÛB. rq,Boªb; yhiäy>w: hy"ïh' aWhßw> ABêr>qiB. ‘ABli tm'Y"Üw: hL,ae_h' ~yrIßb'D>h;-ta, ATêv.ai
“Sucedeu pois, que pela manhã, havia já saído de Nabal o vinho; sua mulher lhe deu
a entender aquelas palavras. O seu coração (lev) morreu no seu interior e ele se
tornou pedra. Cerca de dez dias depois Javé feriu a Nabal de modo que ele morreu”.
Estas afirmações desorientam o autor moderno. Lendo a primeira frase pensa-se
que com a imobilização do coração se teria dado a morte com a rigidez cadavérica. Mas,
a seguir vem a saber que Nabal vive mais dez dias ainda. Logo, o lev morre dez dias
antes da morte do homem. O ser humano Nabal sobrevive dez dias à morte do deu
órgão lev. Isto mostra que não se pensa numa imobilização do coração no sentido
medicinal moderno, pois isso significaria a morte imediata do homem. Nem aqui e nem
em outra parte o Antigo Testamento dá a conhecer que sabe de uma conexão entre o
pulso e o lev. No caso do texto une-se a morte do lev uma petrificação do corpo, em
108
STOLZ, MEYENFELDT apud WOLLF. 1983. p. 61. 109
WOLLF, 1983. p. 62. 110
Idem. p. 62.
164
vista do fato de que Nabal ainda viveu mais dez duas neste estado. Por isso só se pode
pensar em paralisia. Mas isto indica ao médico uma apoplexia com derrame cerebral.
Depois dele o ser humano pode viver perfeitamente ainda dez dias. Logo o narrador
antigo aqui concebia o coração como um órgão central, que possibilitava a mobilidade
dos membros. O “bater” do coração é observado tão pouco como a anatomia do Israel
antigo concebia o cérebro, os nervos e o pulmão. Segundo isso, nesta passagem, lev de
acordo com a sua função corresponde a determinadas partes do cérebro. Isto se deve
reter para a nossa pergunta futura pelas funções essenciais que o hebreu com mais
frequência atribui ao coração.
Esta análise é importante para a antropologia da Bíblia Hebraica e Novo
Testamento, como também para a exegese. Do ponto de vista sincrônico quando
consideramos que o texto da Bíblia Hebraica como um todo passou pelo crivo de
interpretação ou de análise de um hagiógrafo-redator deuteronomista como afirmam
muitos exegetas, podemos então levantar a seguinte questão: Por que o deuteronomista
com seus pressupostos teológicos ancorados no livro do Dt onde se encontra nossa
perícope, manteve o texto de Nabal com o vocábulo lev juntamente com o seu sentido
de cérebro ou órgão responsável pela articulação dos membros ou mobilização do ser
humano? Se caso o redator que poliu o texto, isto é, a última camada, não for o
deuteronomista, qual seria a motivação de exprimir o significado do vocábulo lev desta
forma? Quais as implicações para o sentido do vocábulo lev em nossa perícope?
Podemos estabelecer algum ponto de contato entre o sentido exposto pelo texto de
Nabal com o significado do vocábulo lev no deuteronomio 6, 1-9? Levantamos tal
questão, visto que para Hans Walter Wolff o texto mencionado de 1 Sam é considerado
muito importante pelos especialistas que procuram identificar o lugar anatômico e
fisiológico de lev no Antigo Testamento.
Definimos que lev, pode ser cérebro, mas também o próprio órgão coração como
sede da memória, preservadora e mobilizadora de ações concretas de justiça social e
solidariedade. Aqui se encontram vinculados a memória com as dimensões afetivas do
ser humano.
A partir de agora vamos delinear o campo de significação de lev na tentativa de
definirmos o lugar anatômico e fisiológico do vocábulo, em diferentes textos para que
possamos sinalizar um sentido apropriado para nossa perícope. Partiremos do geral para
o particular, isto é, vamos analisar o amplo campo semântico de significações de lev no
Antigo Testamento na tentativa de estabelecermos algum ponto de contato com o
165
vocábulo contido na perícope que estamos analisando exegéticamente. Quem nos
auxiliará na delineação do vocábulo lev será o autor Hans Walter Wolff.
Começaremos apresentando o lugar anatômico do coração. Aquilo em que está
fechado o seu lev (armação das costelas):111
Os 13,8:
~B'_li rAgæs. [r:Þq.a,w> lWKêv; bdoåK. ‘~veG>p.a, `~[e(Q.b;T. hd<ÞF'h; tY:ïx; aybiêl'K. ‘~v' ~leîk.aow>
Como urso que tem perdido seus filhos, os encontrarei, lhes romperei as teias
do seu coração, e alí os devorarei como leão; as feras do campo o despedaçarão.
Lev como lugar do peito112
, visto que Aarão levava a bolsa das decisões do
juízo penduradas no lev (Ex 28,29):
!v,xoôB. laeør"f.yI-ynE)B. tAm’v.-ta, !roh]a;û af'än"w> `dymi(T' hw"ßhy>-ynE)p.li !roðK'zIl. vd<Qo+h;-la, AaåboB. ABßli-l[; jP'²v.Mih;
Assim Arão levará os nomes dos filhos de Israel no peitoral do juízo sobre o seu
coração, quando entrar no santuário, para memória diante do SENHOR
continuamente.
Sobre a anatomia do coração113
:
Minhas entranhas, minhas entranhas! Estou a contorcer-me. Paredes do meu
coração! (lev). Meu coração (lev) se convulsiona. Não posso me conter.( Jr. 4,19).
Coração rompido (perturbações)114
Jr 23,9:
‘Wpx]r"( yBiªr>qib. yBiäli rB:ôv.nI ~yaiúbiN>l; ynEåP.mi !yIy"+ Arb"å[] rb,g<ßk.W rAKªvi vyaiäK. ‘ytiyyI’h' yt;êAmc.[;-lK'
`Av*d>q' yrEîb.DI ynEßP.miW hw"ëhy>
Quanto aos profetas, já o meu coração está quebrantado dentro de mim; todos
os meus ossos estremecem; sou como um homem embriagado, e como um homem
vencido de vinho, por causa do SENHOR, e por causa das suas santas palavras.
Falhar do coração Sl 38,11; no caso disparar, pulsar violento e irregular do
coração que escurece as vistas:115
111
Idem. p. 63. 112
Idem. p. 63. 113
Idem. p. 63. 114
Idem. p. 64.
166
~he©÷-~G: yn:ïy[e-rAaw>) yxi_ko ynIb:åz"[] rx;r>x;s.â yBiäli `yTi(ai !yaeä
O meu coração dá voltas, a minha força me falta; quanto à luz dos meus olhos,
ela me deixou.
Através das doenças Israel definiu o coração como órgão central e decisivo.116
O coração é também o lugar onde se concentram os esforços excessivos117
, dar
um pedaço de pão a um estrangeiro ou viajante esgotado significa dar apoio ao seu
coração, conforme o texto a seguir:
“Come pão para que o teu coração fique melhor”, 1 Rs 21,7;
hf ,î[]T; hT'²[; hT'§a; ATêv.ai lb,z<åyai ‘wyl'ae rm,aToÜw: !TEåa, ‘ynIa] ^B,êli bj;äyIw> ‘~x,l,’-lk'a/ ~WqÜ lae_r"f.yI-l[; hk'ÞWlm.
`yli(a[er>z>YIh; tAbïn" ~r<K,Þ-ta, êl. Então Jezabel, sua mulher lhe disse: Governas tu agora no reino de Israel?
Levanta-te, come pão, e alegre-se o teu coração; eu te darei a vinha de Nabote, o
jizreelita.
Abaixo segue um exemplo onde lev significa centro, lugar oculto, profundo,
inacessível as seres humanos:118
Pv 30,18-19:
[B'r>a;w> yNIM<+mi Waål.p.nI hM'heâ hv'äl{v. `~yTi([.d:y> al{å h['ªB'r>a;w>÷
hY"ïnIa\-%r<D<( rWcï yleñ[] vx'ªn" %r<D<î é~yIm;V'B; Ÿrv,N<“h; %r<D<Û `hm'(l.[;B. rb,G<å %r<d<Þw> ~y"+-bl,b.
Estas três coisas me maravilham; e quatro há que não conheço: O caminho da
águia no ar; o caminho da cobra na penha; o caminho do navio no meio do mar; e o
caminho do homem com uma virgem.
Nesse caso o coração do mar, o “meio’, significa o alto mar inexplorável, o
fundo do mar com seus mistérios.
115
Idem. p. 64. 116
Idem. p. 64. 117
Idem. p. 64. 118
Idem. p. 64.
167
Coração do mar no sentido de profundidade Jn 2,4 profundidade inexplorável
do mar:119
ynIbE+b.soy> rh"ßn"w> ~yMiêy: bb;äl.Bi ‘hl'Wcm. ynIkEÜyliv.T;w: `Wrb")[' yl;î[' ^yL,Þg:w> ^yr<îB'v.mi-lK'
Porque tu me lançaste no profundo, no coração dos mares, e a corrente das
águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas têm passado por cima de mim.
O coração do céu também é inacessível aos seres humanos (Dt 4,11):120
rh'úh'w> rh"+h' tx;T;ä !Wdßm.[;T;(w: !Wbïr>q.Tiw: `lp,(r"[]w: !n"ï[' %v,xoß ~yIm;êV'h; bleä-d[; ‘vaeB' r[EÜBo
E vós vos chegastes, e vos pusestes ao pé do monte; e o monte ardia em fogo
até ao meio dos céus, e havia trevas, e nuvens e escuridão.
Coração do carvalho, galhos mais internos da copa da árvore 2 Sm 18,14:121
•xQ;YIw: ^yn<+p'l. hl'yxiäao !kEß-al{ ba'êAy rm,aYOæw: yx;Þ WNd<îA[ ~Alêv'b.a; bleäB. ‘~[eq't.YIw: APªk;B. ~yjiøb'v. hv'’l{v.
`hl'(aeh' bleîB. Então disse Joabe: Não me demorarei assim contigo aqui. E tomou três
dardos, e traspassou com eles o coração de Absalão, estando ele ainda vivo no meio
do carvalho.
O coração aparece também em oposição a aparência externa (1 Sm 16,7) Nele
se encontram as decisões vitais sendo que estas são ocultas aos homens:122
jBeóT;-la; laeªWmv.-la, hw"÷hy> rm,aYO“w: rv<Üa] al{ª ŸyKiä WhyTi_s.a;m. yKiä Atßm'Aq H:boïG>-la,w> Whae²r>m;-la,
`bb'(Lel; ha,îr>yI hw"ßhyw: ~yIn:ëy[el; ha,är>y I ‘~d"a'h'( yKiÛ ~d"êa'h' ‘ha,r>yI Porém o SENHOR disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem
para a grandeza da sua estatura, porque o tenho rejeitado; porque o SENHOR não vê
como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o SENHOR
olha para o coração.
119
Idem. p. 65. 120
Idem. p. 65. 121
Idem. p. 65. 122
Idem. p. 65.
168
Lev é também é o lugar da disposição inatingível. Dimensão da vida humana
escondida aos olhos humanos, mas, conhecida diante de Deus (Prov 15,11; Sl 44,22;
Sl 139,23; Jr 17,9).
Quais os atos que são atribuídos ao lev no AT? Aqueles que se relacionam com
a sensibilidade e emocionalidade, sentimento e afeto, às camadas irracionais do ser
humano. Um exemplo disso podemos encontrar no caso do estado de excitação do
coração de um enfermo Sl 25,17:123
`ynIaE)yciAh yt;ªAqWc)M.mi÷ Wbyxi_r>hi ybiäb'l. tAråc' As ânsias do meu coração se têm multiplicado; tira-me dos meus apertos.
Pode ser também utilizado com a expressão rechav lev, no sentido de
orgulho.124
O lev tranquilo serve para a saúde de toda a vida, ou seja, para uma boa
disposição do ser humano como um todo conforme Prov 14,30:125
`ha'(n>qi tAmåc'[] bq:ßr>W aPe_r>m; bleä ~yrIf'b.â yYEåx; O coração sadio é vida para o corpo, mas a inveja é podridão para os ossos.
Temperamento do ser humano:126
Prov 23,17: o teu coração não se indigne
com os malfeitores, pecadores, permanece porem no temor de Javé todos os seus dias:
yKiî ~yai_J'x;B;( ^B.liâ aNEåq;y>-la; `~AY*h;-lK' hw"©hy>÷-ta;r>yIB.-~ai
O teu coração não inveje os pecadores; antes permanece no temor do SENHOR
todo dia.
O coração é a sede de determinadas disposições de animo como a alegria e a
aflição. Neste sentido Faz-se às vezes juízo de valor moral, no sentido do ser humano
ser bondoso ou ruim, e também refere-se à disposição do coração, ou seja, o coração
disposto e o coração aborrecido, aflito.127
O meu coração exulta sobre Javé Sl 13,5:
^t<ï['ñWvyBi( yBiªli lgEïy"Ü éyTix.j;b' ^åD>s.x;B. ynIÜa]w: `yl'([' lm;äg" yKiÞ hw"+hyl; hr"yviîa'
123
Idem. p. 66. 124
Idem. p. 69. 125
Idem. p. 67. 126
Idem. p. 67. 127
Idem. p. 67.
169
Mas eu confio na tua benignidade; na tua salvação se alegrará o meu coração.
Coração como lugar da alegria que o vinho provoca Sl 104,15:
!m,V'_mi ~ynIåP' lyhiäc.h;l. vAn©a/-bb;l.( xM;ìf;y> Ÿ!yIy:Üw> `d['(s.yI vAnða/-bb;l.( ~x,l,ªw>÷
E o vinho que alegra o coração do homem, e o azeite que faz reluzir o seu rosto,
e o pão que fortalece o coração do homem.
O dia do casamento é o dia da alegria do coração Cant 3,11:128
%l,M,äB; !AYàci tAnðB. hn"ya,²r>W* Ÿhn"ya,óc. tx;îm.fi ~Ayàb.W AtêN"tux] ~AyæB. ‘AMai ALÜ-hr"J.[iv, hr"ªj'[]B' hmo+l{v.
`AB)li
Saí, ó filhas de Sião, e contemplai ao rei Salomão com a coroa com que o
coroou sua mãe no dia do seu desposório e no dia do júbilo do seu coração.
A disposição do coração domina todas as manifestações da vida129
(Prov 15,13):
`ha'(ken> x:Wrå ble÷-tb;C.[;b.W ~ynI+P' bjiäyyE x:mef'â bleä O coração alegre aformoseia o rosto, mas pela dor do coração o espírito se
abate.
O coração alegre favorece a vida Prov 17,22:
ha'ªken>÷ x:Wrïw> hh'_GE bjiäyyE x:mef'â bleä `~r,G")-vB,y:T.
O coração alegre é como o bom remédio, mas o espírito abatido seca até os
ossos.
Coragem e temor se processam através de movimentos do coração. Perdendo-se
a coragem, o coração treme como a folhagem no vento Is 7,2:130
~yIr"+p.a,-l[; ~r"Þa] hx'(n"ï rmoêale ‘dwID" tybeÛl. dG:©YUw: `x:Wr)-ynEP.mi r[;y:ß-yce[] [;AnðK. AMê[; bb;äl.W ‘Abb'l. [n:Y"Üw:
128
Idem. p. 67. 129
Idem. p. 67-68. 130
Idem. p. 68.
170
E deram aviso à casa de Davi, dizendo: A Síria fez aliança com Efraim. Então
se moveu o seu coração, e o coração do seu povo, como se movem as árvores do
bosque com o vento.
O lev pode tornar-se mole Dt 20,8:131
Wrªm.a'w> è~['h'-la, rBEåd:l. é~yrIj.Voh; Wpås.y"w> sM;²yI al{ïw> At=ybel. bvoåy"w> %lEßyE bb'êLeh; %r:åw> ‘arEY"h; vyaiÛh'-ymi
`Ab*b'l.Ki wyx'Þa, bb;îl.-ta, E continuarão os oficiais a falar ao povo, dizendo: Qual é o homem medroso e
de coração tímido? Vá, e torne-se à sua casa, para que o coração de seus irmãos não
se derreta como o seu coração.
Em alguns casos lev derrete-se como cera Sl 22,15:
hy"åh' yt'îAmñc.[;-lK'( Wdªr>P")t.hiw> éyTik.P;v.nI ~yIM:ïK; `y['(me %AtåB. smeªn"÷ gn"+ADK; yBiliâ
Como água me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu
coração é como cera, derreteu-se no meio das minhas entranhas.
Também se dissolve como água Jos 7,5:132
vyaiê ‘hV'viw> ~yviÛl{v.Ki y[;ªh' yveän>a; ~h,øme WK’Y:w: sM;îYIw: dr"_AMB; ~WKßY:w: ~yrIêb'V.h;-d[; ‘r[;V;’h; ynEÜp.li ~WpúD>r>YIw:)
`~yIm")l. yhiîy>w: ~['Þh'-bb;l. E os homens de Ai feriram deles uns trinta e seis, e os perseguiram desde a
porta até Sebarim, e os feriram na descida; e o coração do povo se derreteu e se
tornou como água.
Quando o temor se apodera do ser humano o hebreu afirma que o seu lev
coraçao sai (Gen 42,28):133
hNEåhi ~g:ßw> yPiês.K; bv;äWh ‘wyx'a,-la, rm,aYOÝw: rmoêale ‘wyxia'-la, vyaiÛ Wdúr>x,Y<)w: ~B'ªli aceäYEw: yTi_x.T;m.a;b.
`Wnl'( ~yhiÞl{a/ hf'î[' taZO°-hm;
131
Idem. p. 68. 132
Idem. p. 68. 133
Idem. p. 68.
171
28 E disse a seus irmãos: Devolveram o meu dinheiro, e ei-lo também aqui no
saco. Então lhes desfaleceu o coração, e pasmavam, dizendo um ao outro: Que é isto
que Deus nos tem feito?
abandona-o Sl 40,13;
ynIWgæyFihi rP'ªs.mi !yaeì-d[; tA[‡r" Ÿyl;’['-Wpïp.a' yKiÛ yBiîliw> yviªaro÷ tArï[]F;(mi Wmïc.[' tAa+r>li yTil.koåy"-al{w> yt;nOwO[]â
`ynIb")z"[] 12 Porque males sem número me têm rodeado; as minhas iniqüidades me
prenderam de modo que não posso olhar para cima. São mais numerosas do que os
cabelos da minha cabeça; assim desfalece o meu coração.
O lev pode desfalecer e cair conforme exposto em 1 Sm 17,32:
~d"Þa'-ble lPoïyI-la; lWaêv'-la, ‘dwID" rm,aYOÝw: `hZ<)h; yTiîv.liP.h;-~[i ~x;Þl.nIw> %leêyE åD>b.[; wyl'_['
E Davi disse a Saul: Não desfaleça o coração de ninguém por causa dele; teu
servo irá, e pelejará contra este filisteu.
Para Hans Walter Wolff, neste sentido, as significações se afastam do sentido
de órgão corporal. O sentido aqui é entendido como coragem. O coração frouxo, sem
força é descrito também no AT, no caso de Jacó quando recebe a notícia do
falecimento de José. Vemos também alguns casos acerca do lev de uma pessoa
deprimida conforme Sl 38,9:134
`yBi(li tm;îh]N:mI) yTig>a;ªv'÷ dao+m.-d[; ytiyKeäd>nIw> ytiAgæWpn> Estou fraco e mui quebrantado; tenho rugido pela inquietação do meu
coração.
Lev pode também significar desejo e aspiração Sl 21,3:
T'[.n:ïm'-lB; wyt'ªp'f.÷ tv,r<îa]w: AL= hT't;än" ABliâ tw:åa]T; `hl'S,(
Cumpriste-lhe o desejo do seu coração, e não negaste as súplicas dos seus
lábios.
Acima vemos um exemplo do lev ao lado dos lábios. O lev pode ocorrer como
sede dos desejos internos e ocultos Prov 6,25:
134
Idem. p. 68.
172
^ªx]Q")Ti÷-la;w> ^b<+b'l.Bi Hy"p.y"â dmoåx.T;-la; `h'yP,([;p.[;B.
Não cobices no teu coração a sua formosura, nem te prendas aos seus olhos.
Em Prov 13,12 não se deve sobrecarregar a resistência de um coração
desejoso:
~yYI©x;÷ #[eîw> ble_-hl'x]m; hk'V'mum.â tl,x,äAT
`ha'(b' hw"ïa]T; A esperança demorada enfraquece o coração, mas o desejo chegado é árvore
de vida
No caso de Jó jamais o seu lev correu atrás dos seus olhos, isto é, jamais o seu
desejo secreto se deixou determinar por aquilo que lhe cativava a vista. Neste caso os
olhos estão por aquilo que se vê, e assim, o coração, lev, pelo desejo secreto. Jó
31,9:135
`yTib.r"(a' y[iärE xt;P,Þ-l[;w> hV'_ai-l[; yBiliâ hT'äp.nI-~ai Se o meu lev coração se deixou seduzir por uma mulher, ou se eu armei
traições à porta do meu próximo.
Num 15,39; fala de borlas nas pontas da roupa que para os israelitas deveriam
ter a seguinte significação: Quando olhardes para elas, deveis lembrar-vos de todos os
mandamentos de Javé, para proceder de acordo com eles, não correndo atrás dos
vossos corações e dos vossos olhos, quando os seguis em infidelidade. Aqui se
colocam os desejos das manifestações ocultas ao lado das seduções visíveis dos olhos.
O coração pode tanto cair em desanimo conforme 1 Sam 17,32:
~d"Þa'-ble lPoïyI-la; lWaêv'-la, ‘dwID" rm,aYOÝw: `hZ<)h; yTiîv.liP.h;-~[i ~x;Þl.nIw> %leêyE åD>b.[; wyl'_['
E Davi disse a Saul: Não desfaleça o coração de ninguém por causa dele; teu
servo irá, e pelejará contra este filisteu.
O lev também pode levantar-se em orgulho Dt 8,14:136
^yh,êl{a/ hw"åhy>-ta, ‘T'x.k;v'(w> ^b<+b'l. ~r"Þw> `~ydI(b'[] tyBeîmi ~yIr:ßc.mi #r<a,îme ^±a]yciAMh;
135
Idem. p. 69. 136
Idem. p. 69.
173
Se eleve o teu coração e te esqueças do SENHOR teu Deus, que te tirou da
terra do Egito, da casa da servidão;
Os 13,6;
!KEß-l[; ~B'_li ~r'Y"åw: W[ßb.f' W[B'êf.YIw: ‘~t'y[ir>m;K. `ynIWx)kev.
Depois eles se fartaram em proporção do seu pasto; estando fartos,
ensoberbeceu-se o seu coração, por isso se esqueceram de mim.
Dan 5,20-22;
‘tx;n>h' hd"_z"h]l; tp;äq.Ti( HxeÞWrw> Hbeêb.li ~rIå ‘ydIk.W 20
`HNE)mi WyDIî[.h, hr"Þq'ywI) HteêWkl.m; aseär>K'-!mi ywIv. at'äw>yxe-~[i ŸHbeäb.liw> dyrIøj. av'’n"a] •ynEB.-!miW
21
lJ;îmiW HNEëWm[]j;äy> ‘!yrIAtk. aB'Ûf.[i HrEêAdm. ‘aY"d:r"([]-~[iw> wy>WI©v; ay"L'[i ah'Ûl'a/ jyLiúv;-yDI( [d:ªy>-yDI( d[;ä [B;_j;c.yI Hmeäv.GI aY"ßm;v.
HyEl;[] ~yqEïh'y> hBeÞc.yI yDIî-!m;l.W av'ên"a] tWkål.m;B. ha'L'[i `Hl;([]
T.l.PeÞv.h; al'î rC;êav;l.Be ‘HrEB. T.n>a:Üw> hT'n>a;w> 22
`T'[.d:(y> hn"ßD>-lk' yDIî lbe§q\-lK' %b"+b.li Mas quando o seu coração se exaltou, e o seu espírito se endureceu em
soberba, foi derrubado do seu trono real, e passou dele a sua glória. E foi tirado
dentre os filhos dos homens, e o seu coração foi feito semelhante ao dos animais, e a
sua morada foi com os jumentos monteses; fizeram-no comer a erva como os bois, e
do orvalho do céu foi molhado o seu corpo, até que conheceu que Deus, o Altíssimo,
tem domínio sobre o reino dos homens, e a quem quer constitui sobre ele. E tu,
Belsazar, que és seu filho, não humilhaste o teu coração, ainda que soubeste tudo
isto.
A presunção se chama jactância do coração bb'Þle ld<gOðb.W uvgodél levav Is 9,8.
A petulância é designada como prevalecimento do coração ^B,êli !Adåz> ‘zedon libechá
Jer 49,16. Em oposição encontramos no N.T. uma passagem que fala do coração de
Jesus (Mt 11,29): sou manso e humilde de coração.
Para Hans Walter Wolff, na grande maioria dos casos o sentido de lev designa
as funções intelectuais, racionais, logo exatamente àquilo que atribuímos à cabeça ou
mais exatamente o cérebro. Para Wolff deve evitar a falsa impressão de que o sentido
174
de lev seja determinado mais pelo sentimento do que pela razão. Esta orientação
antropológica errônea se origina devido uma tradução indiferenciada de lev. A Bíblia
expõe o ser humano perante claras alternativas e distinções que devem ser conhecidas.
Um fator muito importante que devemos ressaltar é que lev, de longe, encontra-se com
muito mais frequência na literatura sapiencial. Só em Provérbios a expressão lev
ocorre 99 vezes e no Eclesiaste 42 vezes, no Deuteronomio, acentuadamente doutrinal
51 vezes.137
Dt 29,3 supõe a definição de lev como órgão do entendimento. Assim como o
ouvido está para ouvir e os olhos para enxergar, assim o coração é para o
entendimento:
~yIn:ïy[ew> t[;d:êl' ‘ble ~k,îl' hw"“hy> •!t;n"-al{)w> `hZ<)h; ~AYðh; d[;Þ [:mo+v.li ~yIn:åz>a'w> tAaßr>li
Porém não vos tem dado o SENHOR um coração para entender, nem olhos
para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje.
137
Aqui encontramos um ponto de contato com a definição que temos em mente acerca do sentido do
vocábulo lev para a perícope de Dt 6.1-9. Entendemos que lev é o órgão coração como sede da memória,
do conhecimento, da prudência, da sabedoria e da meditação. O lev, órgão coração, como sede da
memória, não é visto por nós como sede de uma memória desvinculada de sentimentos. Entendemos que
a memória, a racionalidade, o conhecimento, possuem um vínculo com o sentimento, principalmente de
solidariedade, exposto no livro do Deuteronômio através do seu projeto social. Neste caso o lev como
órgão da memória possui um compromisso com o sentimento de solidariedade em favor do próximo.
Trata-se de uma memória que estrá estreitamente vinculada com atos concretos de justiça . A partir desta
definição encontramos um ponto de contato importante com o pressuposto teológico fundamental da
Teologia Latino Americana da Libertação que defende a necessidade de nos dias atuais não se fazer
teologia apenas com a cabeça, mas também com o coração. A partir desta perpectiva, ou seja, “fazer
teologia com o coração”, implica numa postura em favor dos mais fracos. Tal postura é composta de
medidas e ações concretas na luta por um mundo melhor, no engajamento das práticas que buscam ao
menos amenizar as desigualdades. Não queremos dizer que a Teologia da Libertação se resume a uma
reflexão crítica sobre a práxis histórica. Isso não garante a identidade da TL. Temos a consciência de que
as ciências sociais já tomam tais medidas, já fazem isso com competência. Mas o que faz então uma
relexão sobre a práxis ser teologia? Apesar dessa resposta não ser tão clara, temos algumas propostas
elaboradas por alguns teóricos. De um lado a teologia pretende falar a partir da Bíblia, do evangelho, da
revelação, da substancia do cristianismo, por outro lado a teologia pretende falar a partir das ciências
humanas, privilegiando de forma notória a importância de seus dados, ao extremo de referir-se a eles
como a um ponto de partida indispensável. Esta espécie de “fusão” ainda não se resolveu por completo,
pois por trás dela está a tensão entre certa noção de revelação que daria à Igreja critérios à priori e
verdades eternas e a questão da historicidade humana. Esta questão se complica na medida em que temos
a consciência de que a fé cristã e a revelação não existem como realidades claramente verificáveis. Pois
só existem historicamente mediatizados. Portanto entendemos que uma reflexão crítica sobre a práxis
histórica dos seres humanos será teológica e bíblica na medida em que impute nesta práxis a fé cristã.
Nesse sentido a teologia deve ser entendida não somente como ato segundo em relação ao ato primeiro da
práxis, mas também como palavra segunda em relação à palavra primeira das ciências humanas. Dessa
forma a reflexão teológica assume a forma tripartide: análise da realidade, reflexão teológica e
considerações pastorais. Isso significa que a Teologia e a TL só poderão dar passos significativos quando
levarem a sério as exigências da interdisciplinariedade científica. Para um melhor aprofundamento ver:
JUNG, Mo, Sung. Paradigma da Teologia da Libertação. Teologia e Economia: repensando a teologia
da libertação e utopias. Petrópolis-RJ, Vozes, 1994. p. 67-97.
175
Quando se nega à compreensão o lev é obstinado como em Is 6,10:
[v;_h' wyn"åy[ew> dBeÞk.h; wyn"ïz>a'w> hZ<ëh; ~['äh'-ble ‘!mev.h; `Al* ap'r"îw> bv'Þw" !ybi²y" Abðb'l.W [m'ªv.yI wyn"åz>a'b.W wyn"÷y[eb. ha,’r>yI-!P,
Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os
olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem
entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado.
Prov 15,14 descreve a função essencial do coração no sentido bíblico:
~yliªysik.÷ ypiîW ynEp.W t[;D"_-vQ,b;y> !Abn"â bleä `tl,W<)ai h[,îr>yI
O coração entendido buscará o conhecimento, mas a boca dos tolos se
apascentará de estultícia.
O coração do sensato procura o saber:
Prov 16,23 diz:
@ysiîyO wyt'ªp'f.÷-l[;w> WhyPi_ lyKiäf.y: ~k'x'â bleä `xq;l,(
O coração do sábio instrui a sua boca, e aumenta o ensino dos seus lábios.
No Sl 90,12 o coração tem o significado de finalidade da vida:
`hm'(k.x' bb;äl. abiªn"w>÷ [d:_Ah !KEå Wnymey"â tAnæm.li Ensina-nos a contar os nossos dias, para adquirirmos um coração sábio
Em Jó 8,10 Baldad introduz a sabedoria dos pais com as palavras:
`~yLi(mi WaciîAy ~B'ªLimiW÷ %l"+ Wrm.ayOæ ^WrAyâ ~heä-al{h] Eles te ensinam e te exortam, dos seus corações fazem sair axiomas.
Podemos perceber que nos sapienciais lev designa faculdade de conhecimento,
e sabedoria, e tais coisas não provém do sentimento nem tão pouco de estados
emocionais. Esta plenitude de conhecimento tem a sua origem no ouvir e receber. Por
isto a sabedoria de Salomão consiste no seu pedido de que Deus lhe conceda um
coração que escute, 1 Rs 3,9-12:
!ybiÞh'l. êM.[;-ta,( jPoåv.li ‘[:me’vo bleÛ øD>b.[;l. T'’t;n"w> 9
`hZ<)h; dbeÞK'h; ^ïM.[;-ta, jPoêv.li ‘lk;Wy ymiÛ yKiä [r"_l. bAjå-!yBe( hmoêl{v. la;äv' yKi… yn"+doa] ynEåy[eB. rb"ßD"h; bj;îyYIw: 10
176
`hZ<)h; rb"ßD"h;-ta, T'l.a;øv' rv,’a] •![;y: wyl'ªae ~yhiøl{a/ rm,aYO“w: 11
T'l.a;Ûv'-al{)w> ~yBiªr: ~ymiäy" ^øL. T'l.a;’v'-al{)w> hZ<©h; rb"åD"h;-ta, [:moïv.li !ybiÞh' ±L. T'l.a;óv'w> ^yb,_y>ao vp,n<å T'l.a;Þv' al{ïw> rv,[oê ‘^L.
`jP'(v.mi ~k'äx' ble… ªl. yTit;än" ŸhNEåhi ^yr<_b'd>Ki ytiyfiÞ[' hNEïhi 12
`^Am)K' ~Wqïy"-al{ ^yr<Þx]a;w> ^yn<ëp'l. hy"åh'-al{ ‘^Am’K' rv<Üa] !Abên"w> A teu servo, pois, dá um coração entendido para julgar a teu povo, para que
prudentemente discirna entre o bem e o mal; porque quem poderia julgar a este teu tão
grande povo?
E esta palavra pareceu boa aos olhos do Senhor, de que Salomão pedisse isso.
E disse-lhe Deus: Porquanto pediste isso, e não pediste para ti muitos dias, nem pediste
para ti riquezas, nem pediste a vida de teus inimigos; mas pediste para ti entendimento,
para discernires o que é justo;
Eis que fiz segundo as tuas palavras; eis que te dei um coração tão sábio e entendido,
que antes de ti igual não houve, e depois de ti igual não se levantará
Escutando, se dispondo a ouvir, se inclinando, o coração se torna sábio e
inteligente. O exercício da escuta faz com que o ser humano tenha condições de
administrar um povo grande e difícil de dirigir e da tarefa de distinguir entre o bem e o
mal. Assim o seu coração cobra também a largura com a qual se compreende os
fenômenos do mundo. 1 Rs 4,29-34:
hBeär>h; hn"ßWbt.W hmo±l{v.li hm'ók.x' ~yhi’l{a/ •!TeYIw: `~Y")h; tp;îf.-l[; rv<ßa] lAx§K; bleê bx;roåw> dao+m. ~d<q<+-ynEB.-lK' tm;Þk.x'me( hmoêl{v. tm;äk.x' ‘br<Te’w:
`~yIr")c.mi tm;îk.x' lKoßmiW !m"ôyhew> yxiªr"z>a,h' !t"åyaeme è~d"a'h'(-lK'mi é~K;x.Y<w:
`bybi(s' ~yIßAGh;-lk'(b. Amïv.-yhi(y>w: lAx+m' ynEåB. [D:Þr>d:w> lKo±l.k;w> hV'îmix] Arßyvi yhiîy>w: lv'_m' ~ypiÞl'a] tv,l{ïv. rBe§d:y>w:
`@l,a'(w" !Anëb'L.B; rv<åa] ‘zr<a,’h'-!mi è~yci[eh'¥-l[; érBed:y>w:
@A[êh'-l[;w> hm'äheB.h;-l[; ‘rBed:y>w: ryQI+B; aceÞyO rv<ïa] bAzëaeh' ‘d[;w> `~ygI)D"h;-l[;w> fm,r<Þh'-l[;w>
hmo+l{v. tm;äk.x' taeÞ [:mo§v.li ~yMiê[;h'ä-lK'mi ‘Wabo’Y"w: `At)m'k.x'-ta, W[ßm.v' rv<ïa] #r<a'êh' ykeäl.m;-lK' ‘taem
E deu Deus a Salomão sabedoria, e muitíssimo entendimento, e largueza de coração,
como a areia que está na praia do mar.
E era a sabedoria de Salomão maior do que a sabedoria de todos os do Oriente e do
que toda a sabedoria dos egípcios.
E era ele ainda mais sábio do que todos os homens, e do que Etã, ezraíta, e do que
Hemã, e Calcol, e Darda, filhos de Maol; e correu o seu nome por todas as nações em
redor.
177
E disse três mil provérbios, e foram os seus cânticos mil e cinco.
Também falou das árvores, desde o cedro que está no Líbano até ao hissopo que nasce
na parede; também falou dos animais, e das aves, e dos répteis, e dos peixes.
E vinham de todos os povos a ouvir a sabedoria de Salomão e de todos os reis da terra
que tinham ouvido da sua sabedoria.
Conforme acima Deus concedeu para Salomão vasta cultura internacional e
erudição (botânica, zoologia, direito, política, pedagogia), capacidade penetrante de
julgar e a arte elevada da linguagem poética.
O coração e o ouvido muitas vezes se encontram em justaposição: Dt 29,3:
~yIn:ïy[ew> t[;d:êl' ‘ble ~k,îl' hw"“hy> •!t;n"-al{)w> `hZ<)h; ~AYðh; d[;Þ [:mo+v.li ~yIn:åz>a'w> tAaßr>li
Porém não vos tem dado o SENHOR um coração para entender, nem olhos
para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje.
Is 6,10:
[v;_h' wyn"åy[ew> dBeÞk.h; wyn"ïz>a'w> hZ<ëh; ~['äh'-ble ‘!mev.h; `Al* ap'r"îw> bv'Þw" !ybi²y" Abðb'l.W [m'ªv.yI wyn"åz>a'b.W wyn"÷y[eb. ha,’r>yI-!P,
Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os
olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem
entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado.
Ez 3,10:
rv<åa] ‘yr:b'D>-lK'-ta, ~d"§a'-!B, yl'_ae rm,aYOàw: `[m'(v. ^yn<ïz>a'b.W ^ßb.b'l.Bi( xq:ï ^yl,êae rBEåd:a]
Disse-me mais: Filho do homem, recebe no teu coração todas as minhas
palavras que te hei de dizer, e ouve-as com os teus ouvidos.
40,4:
•^yn<y[eb. haeär> ~d"‡a'-!B, vyaiªh' yl;øae rBe’d:y>w: yKi² %t'êAa ha,är>m; ‘ynIa]-rv,a] lkoÜl. ªB.li ~yfiäw> [m'øV. ^yn<“z>a'b.W
hT'îa;-rv,a]-lK'-ta, dGE±h; hN"hE+ ht'ab'ähu hk'Þt.Aar>h; ![;m;îl. `lae(r"f.yI tybeîl. ha,Þro
E disse-me o homem: Filho do homem, vê com os teus olhos, e ouve com os
teus ouvidos, e põe no teu coração tudo quanto eu te fizer ver; porque para to mostrar
foste tu aqui trazido; anuncia, pois, à casa de Israel tudo quanto vires.
Prov 2,2:
178
`hn")WbT.l; ^ªB.li÷ hJ,îT; ^n<+z>a' hm'äk.x'l;( byviäq.h;l. Para fazeres o teu ouvido atento à sabedoria; e inclinares o teu coração ao
entendimento.
22,17:
tyviîT' ªB.liw>÷ ~ymi_k'x] yrEäb.DI [m;v.Wâ ªn>z>a' jh;î `yTi([.d:l.
Inclina o teu ouvido e ouve as palavras dos sábios, e aplica o teu coração ao
meu conhecimento.
23,12; no coração se processa a compreensão:
`t[;d"(-yrEm.ail. ^n<©z>a'w>÷ ^B<+li rs"åWMl; ha'ybiäh' Aplica o teu coração à instrução e os teus ouvidos às palavras do
conhecimento.
A sabedoria egípcia também conhece a significação importante do escutar. O
órgão com o qual o ser humano recebe a sabedoria e chamado pelo egípcio de
coração. O que o sábio desejava não era a razão legisladora que dispõe soberanamente
sobre a matéria morta da natureza, como concebe a mentalidade da consciência
moderna, mas uma razão a “escutar”, uma sensibilidade para a verdade, que vindo do
mundo fala ao ser humano. Salomão de também teria talvez pedido à Javé que o
mundo não permanecesse mundo para ele, mas se lhe tornasse perceptível.
Com a mesma significação o AT fala sobre a ausência, a falta de coração,
porém, nesse caso não significa indiferença de sentimentos, ou frieza, mas a ausência
dos pensamentos: Assim se deve compreender Prov 10,13:
wgEål. jb,veªw>÷ hm'_k.x' aceäM'Ti !Abn"â yteäp.fiB. `ble(-rs;x]
Nos lábios do sensato se encontra a sabedoria, mas merece a vara quem tem
coração de menos.
Do mesmo modo lev deveria ser traduzido por “saber”. A mesma expressão se
encontra em Prov 24,30:
~d"îa' ~r<K,©÷-l[;w> yTir>b:+[' lceä['-vyai hdEäf.-l[; `ble(-rs;x]
Passei pelo campo do preguiçoso e pala vinha de um que tem falta de coração
179
Neste caso pensasse o órgão lev não apenas no sentido de falta ou ausência de
entendimento, mas em paralelismo com o preguiçoso, diretamente num tolo. Em Prov
6,32 achamos um exemplo onde a designação do vocábulo é a “perturbação do juízo”,
ou falta de entendimento:
aWhå Avªp.n:÷ tyxiîv.m;( ble_-rs;x] hV'äai @aEånO `hN"f<)[]y:
O que adultera com uma mulher é falto de entendimento; aquele que faz isso
destrói a sua alma.
No entanto, esse “saber” quer ser conduzido, levado, a uma consciência
permanente, que nesse caso o exemplo mencionado é um dos versículos de nossa
perícope, Dt 6,6:
^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> `^b<)b'l.-l[; ~AYàh;
E estarão estas palavras que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.
Isso significa que tais palavras devem permanecer na consciência dos ouvintes,
conforme também Prov 7,3:
`^B<)li x:Wlï-l[; ~beªt.K'÷ ^yt,_[oB.c.a,-l[; ~rEîv.q' Amarra-as nos teus dedos, escreve-as na tábua do teu coração!
Deste modo podemos compreender que as palavras devem ficar sempre
presentes na memória, assim como também no caso de Judá os seus pecados estão
sempre patentes aos olhos de Javé e gravados nos próprios corações dos habitantes de
Judá, conforme Jr 17,1:
!r<PoåciB. lz<ßr>B; j[eîB. hb'²WtK. hd"ªWhy> taJ;äx; `~k,(yteAxB.z>mi tAnàr>q;l.W ~B'êli x:Wlå-l[; ‘hv'Wrx] rymi_v'
O pecado de Judá inscrito com estilete de ferro, e até gravado com ponta de
diamante na tábua do seu coração.
Nesse caso o coração se tornou um lembrete perene que não permite
esquecimento. Outra expressão que ocorre algumas vezes no AT é “subir ao coração”,
que significa “vir à consciência”. Assim em Is 65,17 acentua a impressão no novo céu
e nova terra dizendo que em relação ao anterior não haverá mias lembrança dele e não
“subirá mais ao coração”, a saber, não se tornará mais cônscio. O coração deste modo
180
significa o repositório do saber e da memória, ou seja, o órgão sede das recordações
conforme Sl 27,8:
hw"åhy> ^yn<ßP'-ta, yn"+p' WvåQ.B; yBiliâ rm:åa' Ÿ^Ül. `vQE)b;a]
Quando tu disseste: Buscai o meu rosto; o meu coração disse a ti: O teu rosto,
SENHOR, buscarei.
Na história de Sansão a moça Dalila demonstra interesse em conhecer o
segredo das forças gigantescas daquele israelita. Ela faz a solução desse enigma a
pedra de prova do amor descrito em Jz 16,15:
^ßB.liw> %yTiêb.h;a] rm:åaTo %yae… wyl 'ªae rm,aToåw: hM,ÞB; yLiê T'd>G:åhi-al{w> yBiê T'l.t;ähe ‘~ymi['P. vl{Üv' hz<å yTi_ai !yaeä
`lAd)g" ^ïx]Ko Como podes dizer que me amas se o teu coração não está comigo? Vê, três
vezes me iludiste, não me dizendo donde tua força é tão grande.
Nesse caso é evidente que a afirmação de Dalila dizendo que o coração de
Sansão não estava com ela significa: “não me fazes saber os seus segredos”.
Posteriormente após muitas vezes ter sido pressionado por Dalila, Sansão no verso 17
manifestou-lhe o coração:
Manifestou-lhe o coração dizendo: “Nunca passou navalha sobre a minha
cabeça”. Então Dalila compreendeu que ele tinha revelado todo o seu coração. Logo
manifestar todo o coração significa desvendar todos os segredos, todo o seu
conhecimento, seu saber. Além disso é no coração que se efetuam os processos de
deliberação, e reflexão, ou seja, a direção da atenção dada a algo ou alguém, (1 Sm
9,20; 25,25; Ag 1,15). Se em Êxodo o coração de Faraó é dirigido ao povo isto
significa a sua atenção, seu interesse.
Outro caso interessante que nos chama a atenção é a possibilidade de “falar ao
coração”, conforme Abraão fala consigo mesmo no relato de Gn 17,17:
ABªliB. rm,aYOæw: qx'_c.YIw: wyn"ßP'-l[; ~h'²r"b.a; lPoôYIw: `dle(Te hn"ßv' ~y[iîv.Ti-tb;h] hr"êf'-~ai’w> dleêW"yI ‘hn"v'-ha'(me !b<ÜL.h;
Caiu com a face por terra e se riu, pois dizia no seu coração: Um homem de
cem anos terá um filho?
181
Do mesmo modo o tolo imagina tomar conclusões inteligentes Sl 14,1:
~yhi_l{a/ !yaeä ABliB.â lb'än" rm:Üa'« dwIïd"ñl. x:Ceªn:m.l; `bAj)-hfe[o) !yaeä hl'ªyli[] Wby[iît.hi( Wtyxiªv.hi(
Salmo para Davi: Disse o néscio no seu coração: Não há Deus. Têm-se
corrompido, fazem-se abomináveis em suas obras, não há ninguém que faça o bem.
Em Prov 28,16 o coração como órgão das considerações próprias é
confrontado pela sabedoria acumulada pela experiência:
yaen>fo tAQ+v;[]m; br:îw> tAnWbT.â rs:åx] dygI©n" `~ymi(y" %yrIïa]y: [c;b,÷ª anEfoð
Quem confia no seu próprio coração é um tolo. Mas quem confia na sabedoria
está salvo.
Os 7,11 vai um pouco mais adiante pelo caminho das funções intelectuais do
coração:
~yIr:ïc.mi ble_ !yaeä ht'ÞAp hn"ïAyK. ~yIr:êp.a, yhiäy>w: `Wkl'(h' rWVïa; War"Þq'
Efraim se tornou semelhante a uma pomba que se deixa seduzir sem coração.
Sem coração? O que significa isto? A continuação explica: “Chamam o Egito,
correm para Assíria”.
O Estado de Israel segue uma política sem entendimento e justiça. Segundo
isso, “sem coração”, sem capacidade clara de orientação. Em Os 4,11 o profeta se
queixa:
`ble(-xQ:)yI) vArßytiw> !yIy:ïw> tWn°z>
A incontinência e o vinho tira o coração ao meu povo.
Às vezes coração pode ser traduzido por razão (Ecl 10,2; Prov 19,8). Jó se
defende contra seus amigos sabichões em 12,3:
~K,_mi ykiänOa' lpeänO-al{ ~k,ªAmK.( Ÿbb'’le yliÛ-~G: `hL,ae(-AmK. !yaeî-ymi-ta,w>
Também eu tenho lev como vós. Não vos fico atrás.
Por homens de juízo conforme Jó 34,10 entende-se não como homens
corajosos, fortes, ou bons de coração, mas sim como homens prudentes:
182
[v;r<ªme laeîl' hl'liÞx' yliî W[ñm.vi bb'ªle yveîn]a:ï Ÿ!kEÜl' `lw<[")me yD:îv;w>
Pelo que vós homens de entendimento, escutai-me: longe de Deus a impiedade,
e do Todo Poderoso a perversidade.
Em Jó 34,34 o homem sábio se encontra em paralelismo sinonímico com
“homem com coração”.
`yli( [;(meîvo ~k'ªx'÷ rb,g<ïw> yli_ Wrm.ayOæ bb'leâ yveän>a; Os homens de lev entendimento dirão comigo, e o varão sábio, que me ouvir.
A seleção de textos expostos acima teve por objetivo delinear o amplo campo
de significações no que tange aquilo que atribuímos às funções da razão. Ele abrange
tudo o que atribuímos a cabeça e ao cérebro: a faculdade cognoscitiva, a razão, a
compreensão, o entendimento, a consciência, a memória, o saber, a reflexão, o
julgamento, a orientação, o juízo.
Já alguns dos últimos textos que falavam do lev que julga e orienta, dão a
entender que no uso de lev é fluída a passagem das funções da razão para as atividades
da vontade. O israelita só com dificuldade consegue distinguir linguisticamente entre
“conhecer” e “escolher”, entre “ouvir”, e “obedecer’. A dificuldade linguística que
resulta disto para o nosso pensamento diferenciador segue da impossibilidade do
israelita distinguir objetivamente a teoria da prática. Assim o coração, ao mesmo
tempo, é órgão da intelecção e da volição.
No planejar considera-se a passagem do pensamento para a ação. Em Prov 16,9
instrui acerca da atuação e dos limites dessa transposição:
`Ad*[]c; !ykiîy" hw"©hyw:÷) AK=r>D: bVeäx;y> ~d"a'â bleä O coração do homem planeja o seu caminho, mas Javé lhe dirige o passo.
Já no Sl 20,5 o lev está em paralelo com o plano, o projeto:
`aLe(m;y> ^ït.c'[]-lk'w>) ^b<+b'l.ki ïl.-!T,yI) Ele te conceda de acordo com o teu coração e realize todos os teus planos.
Em Gn 6,5 o javista menciona a formação da origem dos planos do coração do
ser humano como sendo sempre maus:
#r<a'_B' ~d"Þa'h' t[;îr" hB'²r: yKiî hw"ëhy> ar.Y:åw:
183
`~AY*h;-lK' [r:Þ qr:î ABêli tboåv.x.m; ‘rc,yE’-lk'w> E viu Javé que que a maldade do ser humano se multiplicara sobre a terra e
que toda a imaginação dos pensamentos do coração era má continuamente.
Pelo fato dos critérios dos planos e das ações concretas serem ponderados no
coração, desta forma lev pode significar consciência como em 1Sm 24,6:
rv<åa] l[;… At+ao dwIßD"-ble %Y:ïw: !keê-yrEx]a;( ‘yhiy>w:) s `lWa)v'l. rv<ïa] @n"ßK'-ta, tr:êK'
Depois pulsou o coração de Davi por ter cortado a ponta do vestido de Saul.
Outro exemplo de lev como órgão da consciência encontramos em 2 Sm 24,10.
O motivo do bater o coração nesse caso mostra que não se trata de atividade
fisiológica e nem no sentido de movimentação emocional, mas na reação do juízo
ético da consciência. A profetiza Hulda diz ao rei Josias em 2 Crôn 34,27:
~yhiªl{a/ ynEåp.Limi Ÿ[n:åK'Tiw: øb.b'’l.-%r: ![;y:û [n:åK'Tiw: wyb'êv.yOæ-l[;w> ‘hZ<h; ~AqÜM'h;-l[; ‘wyr"b'D>-ta, Ü[]m.v'B. yTi[.m;Þv' ynIïa]-~g:w> yn"+p'l. &.b.Teäw: ^yd<Þg"B.-ta, [r:îq.Tiw: yn:ëp'l.
`hw")hy>-~aun> Porquanto o teu coração se enterneceu, e te humilhaste perante Deus, ouvindo
as suas palavras contra este lugar, e contra os seus habitantes, e te humilhaste
perante mim, e rasgaste as tuas vestes, e choraste perante mim, também eu te ouvi, diz
o SENHOR.
Podemos notar que nesse caso fala-se do amolecimento do lev pelo fato de não
ter permanecido endurecido, mas se moveu. Interpreta-se o amolecimento como
obediência e humilhação de si mesmo devido a audição da palavra de Deus. O lev
muitas vezes é concebido como consciência pelo fato de ser um órgão que percebe.
Outro caso em que o lev significa consciência é o Sl 51,12 que traz consigo o pedido
de um coração puro, onde o culpado pede a Deus um coração puro, uma consciência
pura. Às vezes o orador pede um espírito constante para que possa agir de forma
perseverante em relação Àquilo que ele próprio reconheceu através da consciência. O
coração é o lugar das decisões e resoluções. Em 2 Sm 7,27, Davi que achou o seu
coração de dirigir a sua oração à Deus. Neste caso podemos então compreender a
tradução verbal? Achar o seu lev quer dizer que encontrou coragem e também
resuloção, que no caso diríamos discernimento em como agir. Prov 6,18 mostra o
184
coração como órgão que por resoluções pode também executar planos excogitados, e
este entre outras coisas é abominação à Javé:
tArªh]m;m.÷ ~yIl:ïg>r: !w<a"+ tAbåv.x.m; vrExoâ bleª `h['r"l'( #Wrïl'
Um coração que elabora planos de perdição, pés que correm velozes para o
mal.
Entre a tentação e a admoestação prudente o coração toma a decisão e a
advertência é que o lev seja guardado com grande cautela conforme Prov 4,23:
tAaïc.AT WNM,ªmi÷-yKi( ^B<+li rcoæn> rm'v.miâ-lK'mi( `~yYI)x;
Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele
procedem as saídas da vida.
No lugar das decisões da vontade também se processa a obstinação no mal. O
coração pode se endurecer, até tornar-se insensível e imóvel ( Êx 4,21; 7,3; 9,7; Dt
2,30; Is 6,10). Nesse contexto ocorre com frequência a expressão diber al lev, “falar
ao coração”, dirigir-se ao coração. Ela pertence principalmente à linguagem do amor,
mas não significa palavras bonitas apenas, mas um apelo pelo qual se procura
mudança da vontade (Os 2,16; Gn 34,3). Também pode significar “falar à
consciência” (Jz 19,3; Gn 50,21). Em todos os casos, quer-se levar à consciência (Jz
19,3; Gn 50,21). Ou seja, levar a uma decisão (Is 40,2; 2 Cron 30,22; 32,6), sendo que
falar ao coração no AT significa: induzir à decisão. O intencionar também ocorre no
coração. Natqan diz à Davi quando fala a respeito da construção do templo em 2 Sm
7,3:
%lEå ßb.b'l.Bi( rv<ïa] lKo± %l,M,êh;-la, ‘!t'n" rm,aYOÝw: s `%M")[i hw"ßhy> yKiî hfe_[]
E disse Natan ao rei: Tudo que está no seu coração vai e faze-o! Pois o Senhor
é contigo.
Isso significa que Davi deveria executar aquilo que se encontrava intencionado
no seu interior. Tal intenção precedia a ação, já estava no lev de Davi antes que ele
começasse a construção. Outro exemplo é quando Jonatas expõe ao armígero o seu
plano militar, este lhe diz em 1 Sm 14,7:
185
rv<åa]-lK' hfeÞ[] wyl'êke afeänO ‘Al rm,aYOÝw: `^b<)b'l.Ki ßM.[i ynIïn>hi %l'ê hjeän> ^b<+b'l.Bi
E disse o pajem de armas: faze tudo o que está em teu coração. Eu te
acompanho. Como o teu coração é o meu coração.
Assim ele declara: Faze, o que intencionas, eu estou de acordo, concordo e
correspondo ao teu plano. Is 10,7 julga sobre a Assíria:
yKi… bvo+x.y: !kEå-al{ Abßb'l.W hM,êd:y> !kEå-al{ ‘aWhw> `j['(m. al{ï ~yIßAG tyrIïk.h;l.W Abêb'l.Bi dymiäv.h;l.
Ainda que ele não cuide assim, nem o seu coração assim o imagine; antes no
seu coração intenta destruir e desarraigar não poucas nações.
Apenas quem não fez mal e não intenciona é que pode subir ao monte santo do
Senhor no Sl 24,4: Aquele que tem mãos puras e um coração sem manchas. Isso
poderia significar: Quem não fez mal e nem o intenciona (Sl 17,3; 139,23; Prov 21,2).
O escrito sacerdotal, em Êx 35,21; 36,2; fala do coração como impulso da
vontade: os colaboradores na construção do tabernáculo são designados como pessoas,
“o qual o seu coração impeliu para isso”. Desta forma se descreve a ação voluntária.
Segundo a descrição do javista, Moisés introduz em Nm 16,23 a sua ameaça de
castigo contra Datan e Abiron com as palavras: Nisto conhecereis que Javé me enviou
para realizar todos estes feitos e que não vem do meu coração.
Os pregadores deuteronômicos dão ênfase a que o amor a Deus venha do
próprio impulso (Dt 6,5):
^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,_l{a/ hw"åhy> taeÞ T'êb.h;a'äw> `^d<)aom.-lk'b.W ^ßv.p.n:-lk'b.W
E amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração de toda a tua alma e de
todas as tuas posses.
Como néfesh significa aqui o desejo e a aspiração genuínos, assim lev significa
entrega da vontade (Dt 4,29; 10,12; 11,13). Os momentos do cônscio e do voluntário
devem ser considerados conjuntamente, pois a entrega pode ser objeto de prova. Dt
8,2 lembra o caminho pelo qual Javé durante quarenta anos conduziu a Israel pelo
deserto:
186
hw"ôhy> øk]yli(ho rv,’a] %r<D<ªh;-lK'-ta, T'är>k;z"w> ^ªt.So)n:l. ^øt.NO*[; ![;m;’l. rB"+d>MiB; hn"ßv' ~y[iîB'r>a; hz<± ^yh,²l{a/
`al{)-~ai Îwyt'ÞwOc.miÐ ¿AtwOc.miÀ rmoðv.tih] ^±b.b'l.Bi( rv<ôa]-ta, t[;d:øl' Para te provar e reconhecer o que estava no teu coração, se cumpririas os
seus mandamentos ou não.
Neste caso a obediência é provada no coração conforme o conhecimento dos
mandamentos.
O Sl 119 é um salmo de devoção à lei e possui várias ocorrências acerca da
importância do lev considerado em relação aos mandamentos, seja no aspecto
emocional de desejar a lei, ou de guardar, memorizar, praticar e andar. Abaixo fizemos
uma análise dos diferentes versos deste salmo onde ocorre a palavra lev com o intuito
de delinearmos um pouco mais o campo de significação do vocábulo. Consideramos
importante esta análise pelo fato do Sl 119 possui uma ênfase teológica no tocante à
importância da guarda dos mandamentos que é muito próxima com a relevância dada
também por nossa perícope do deuteronômio analisada.
`WhWv)r>d>yI bleî-lk'B. wyt'ªdo[e yrEîc.nO yrEv.a;â :2
Bem-aventurados os que guardam os seus testemunhos e o buscam de todo o
coração.
`^q<)d>ci yjeîP.v.mi ydIªm.l'B.÷ bb'_le rv,yOæB. ^d>Aaâ :7
Louvar-te-ei com retidão de coração, quando tiver aprendido os teus justos
juízos.
`^yt,(wOc.Mimi ynIGE©v.T;÷-la; ^yTi_v.r:d> yBiîli-lk'B. 10
De todo o meu coração te busquei; não me deixes desviar dos teus
mandamentos.
`%l")-aj'x/a,( al{å ![;m;ªl.÷ ^t<+r"m.ai yTin>p:åc' yBiliB.â11
Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti.
`yBi(li byxiär>t; yKiÞ #Wr+a' ^yt,îwOc.mi-%r<D<( 32
Correrei pelo caminho dos teus mandamentos, quando dilatares o meu coração.
`ble(-lk'b. hN"r<ïm.v.a,w> ^t,ªr"At) hr"îC.a,w> ynInEybih]â 34
Dá-me entendimento, e guardarei a tua lei e observá-la-ei de todo o coração.
`[c;B'(-la, la;äw> ^yt,ªwOd>[e-la, yBiliâ-jh; 36
Inclina o meu coração a teus testemunhos e não à cobiça.
`^t<)r"m.aiK. ynINE©x'÷ ble_-lk'b. ^yn<åp' ytiyLiäxi 58
Implorei deveras o teu favor de todo o meu coração; tem piedade de mim,
segundo a tua palavra.
187
rCoìa/ ŸbleÛ-lk'B. ynI©a]÷ ~ydI_zE rq,v,ä yl;ä[' Wlìp.j' 69
`^yd<(WQPi Os soberbos forjaram mentiras contra mim; mas eu de todo o coração
guardarei os teus preceitos.
`yTi[.v'([]vi( ^ït.r"AT ynI©a]÷ ~B'_li bl,xeäK; vp;äj' 70
Engrossa-se-lhes o coração como gordura, mas eu me alegro na
tua lei.
`vAb)ae al{å ![;m;ªl.÷ ^yQ<+xuB. ~ymiät' yBiäli-yhi(y> 80
Seja reto o meu coração para com os teus estatutos, para que eu não seja
confundido.
`hM'he( yBiäli !Afßf.-yKi( ~l'_A[l. ^yt,äwOd>[e yTil.x;än" 111
Os teus testemunhos tenho eu tomado por herança para sempre, pois são o gozo
do meu coração.
`bq,[e( ~l'îA[l. ^yQ,ªxu tAfï[]l; yBiliâ ytiyjiän" 112
Inclinei o meu coração a guardar os teus estatutos, para sempre, até ao fim.
`hr"Co)a, ^yQ<ïxu hw"©hy> ynInEï[] bleâ-lk'b. ytiar"äq' 145
Clamei de todo o meu coração; escuta-me, SENHOR, e guardarei os teus
estatutos.
^ªr>b'D>miW÷ ^yr<b'D>miW ~N"+xi ynIWpåd"r> ~yrIf'â 161
`yBi(li dx;îP' Príncipes me perseguiram sem causa, mas o meu coração temeu a tua
palavra.
Predominantemente o vocábulo lev no Sl 119 é o órgão da meditação e da
guarda da lei. Podemos entender como órgão da memória, do conhecimento, da
prudência, da ssabedoria, da meditação, e órgão da reflexão. Pelo que precebemos as
capacidades intelectuais voltadas para à guarda da lei devem ser preservadas no lev,
coração. Mas a guarda das palavras no lev possui vínculos com os sentimentos. O
salmista regozija no lev por guardar a lei. Ele também se entristece pelo fato dos ímpios
não buscarem a lei. Mas podemos concluir que nesse salmo o coração é visto como
órgão de relação com a palavra e a lei. O lev é motivação e movimento, é memória
articulada, exteriorizada. A ênfase do Sl 119 está na importância da preservação, da
guarda e da transmissão da lei. O lev como memória está intrinsicamente relacionado
com motivação, motivação porque envolve sentimento, decisão, e movimento como
articulação de dentro para fora, do interior do ser humano para o exterior.
188
Isso significa “andar na lei”, correr pelo caminho dos mandamentos, trilhar
caminhos retos e andar na lei. Portanto concluímos o campo de significação do
vocábulo lev no Sl 119 predominantemente como órgão da memória, do conhecimento,
e da sabedoria. Isso não quer dizer que o lev não possa ser a sede de outros sentimentos.
Acerca disso já temos tratado anteriormente e nos aprofundaremos e exploraremos um
pouco mais o campo de significação do vocábulo lev na perspectiva de vários autores.
1.2. O vocábulo ble definido por vários autores:
Wolff 138
Eichrodt139
Brown
Driver
Briggs
Gesenius140
Botterwek
Ringrren
Fabry141
Koehle142
.
David
Clines143
O Homem
Racional
Coração
Sentimento
Desejo
Razão
Decisão
da vontade
Coração de
Deus
Direção
interior
da vontade
Intensidade
dos
sentimentos
Expressão
do psíquico
Sede das
paixões
lev de YHWH
Coração
Centro
Mente
Espírito
Órgão da
memória
Órgão do
conhecimento
Órgão da
sabedoria
Coração
Peito
(Tórax)
Centro vital
Domínio
ético
Domínio
religioso
Identidade
pessoal
Coração
dos ídolos
Órgão da
atenção
Órgão da
razão
Órgão da
inclinação
Órgão da
disposição
Intenção
Coragem
Coração
Mente
Intenções
Processos
intelectuais
Atenção
Memória
Consciência
Disposição
138
WOLFF, 1983. p. 51. 139
EICHRODT, Walter. 2004. p. 591-592. 140
BROWN, Francis; DRIVER, Samuel R.; BRIGGS, Charles A. (eds.). The Brown-Driver-Briggs
Hebrew and English Lexicon. Peabody: Hendrickson, 1996. p. 524-525. 141
G. Johannes Botterseck, Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabri (editors), Theological Dic-tionary of the
Old Testament Grand Rapids: William B. Eerdmans Publish-ing Company,1998. p. 399-437. 142
KOEHLER, Ludwig; BAUMGARTNER, Walter (eds.). The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old
Testament – Study Edition. Leiden-Boston-Köln: Brill, 1996. 143
CLINES, David J. A. The Concise of Dictionary of Classical Hebrew. Sheffield Phoenix Press, 2009.
p. 189.
189
1.3. Outras abordagens acerca do significado de lev:144
Coração, mente, consciência, íntimo, intimidade, ânimo; memória; atenção;
inteligência, entendimento, juízo, razão, compreensão, imaginação, vontade. Sentido
físico (coração, órgão, víscera).
1.3.1. Sentido físico: (coração, órgão ou víscera)
Em geral: cravar no coração 2 Sm 18,14; sair do coração (atravessando) 2 Rs
9,24; Penetrar, atravessar Sl 37,15; Paredes do coração Jr 4,19; Cavidade, fechadura Os
13,8.
1.3.2. Sujeito de sintomas (impressão física, medicina
popular; o predicado costuma ser metafórico):
desfalecido (Lm 1, 22; 5, 17); agitar-se (Lm 1, 20), retorcer-se
(Sl 55, 5); transpassado ( Sl 109, 22); arder, queimar-se, estar em brasas (Dt 19, 6
Sl 39, 4); secar-se (Sl 102, 5); sair, sobressaltar-se (Gn 42, 28); bater
aceleradamente, taquicardia, (Ez 21, 20); parar, infarto (1 Sm 25, 37);
fortalecer o coração (Gn 18, 5; Jz 19, 5; Sl 104, 15). Ficar frio, hirto (Gn 45,26; coração
encolhido, num punho Sl 25,17; dilatar-se Is 60,5; abrandar-se Dt 20,3; 2 Rs 22,19;
romper-se Jr 23,9.
1.3.3. Por metonímia:
A parte exterior, peito: sobre o peito (Ex 28, 29).
144
SCHOKEL, Luis, Alonso. 1997, p. 333-337.
190
1.3.4. Sentido figurado:
alto mar, mar adentro. Ex 15, 8; mar adentro; Ez 27,4; Jn 2, 4; Pv 23,34 o alto
do céu; Dt 4,11 o zênite; Sl 46, 3) o alto do céu; lev de uma árvore, ramagem, fronde,
copa, 2 Sm 18,24.
1.3.5. Sede da vida consciente:
Memória, imaginação, atenção, mente. escrever sobre o (hebr. lēḇ)
(Jr 31, 33).
Coração e mente Sl 64,7; Jr 4,14; Prov 14,33; Ex 6,30; Dt 2,30; Is 65,14; Sl 77,7; 78,8;
Ez 14,4; Prov 21,2.
1.3.6. Memória
- escrever na tabuinha do coração. Prov 3,3; 7,3; Ez 3,10; JÓ 22,22;
Dt 6,6; Prov 3,1; 6,21; 2 Sm 19,20; Prov 4,4; Esquecer Dt 4,9; Recordar, trazer à
memória, rememorar, lembrar-se Jó 8m10; vir à mente Jr 3,16; 7, 31; 19,5; 32,35; Ez
14,3; 38,10; Lm 3,21.
1.3.7. Imaginação, fantasia:
imaginar (Jr 23, 16). Prov 23,33; Sl 73,7; ilusão Jr 23,16; Jr 14,14.23.26.
1.3.8. Órgão da Atenção:
191
^ªB.li÷ hJ,îT; Prestar atenção (Pv 2, 2); ^B<+li rs"åWMl; Prov 23,12;atender 1 Rs 9,3;
~v'Þ yBi²liw> yn:ôy[e
Abêb'l. !ykiähe dedicar-se (Esd 7,10);
^B<+li !TEßTi-la; Ecl 7,21 dedicar-se;
yBili hn"ÜT.a,w" Ecl 1,17; 1 e apliquei o meu coração...
~k,_yhel{a/ hw"åhyl; vArßd>li ~k,êv.p.n:w> ‘~k,b.b;l. WnÝT. hT'ª[; 1 Cron 22,19;atentar,
dispor,
^±B.li-ta,( T't;ón" aplicaste o teu coração... Dn 10,12;
~b'êb'l.-ta, ‘~ynIt.NO*h; 2 Cr 11,16; atender,
‘WnBe’li hm'yfiÛn"w> atentar Is 41,22;
^yn<÷y[eb. hae’r>W •^B.li ~yfiä ~d"‡a'-!B, hA"ªhy> yl;øae rm,aYO“w: Ez 44,5;
~k,êb.b;l. an"å-Wmyfi( ‘hT'[;w> Ag 2,15;
ABßli ~f'²-al{ rv<ïa]w: prestar atenção Ex 9,21;
bAYai yDIäb.[;-la, é^B.li T'm.f;äh] !j'ªF'h;-la, hw"÷hy> rm,aYO“w: E disse o Senhor à
Satanás: Observaste teu coração o meu servo Jó? (Jó 2,3);
bleª Wnyleäae Wmyfióy"-al{ não porão o coração em nós... 2 Sm 18,3;
AB=li wyl'äae ~yfiäy"-~ai se decidisse por sua conta Jó 34,14;
~yrIêb'D>h;-lk'l. ~k,êb.b;l. Wmyfiä ‘~h,lea] rm,aYOÝ Disse-lhes: Aplicai o vosso
coração a todas as palavras... Dt 32,46;
•vyai-la, AB‡li-ta, ŸynIådoa] ~yfiäy" an"å-la; levar a sério, Não faça meu senhor
impressão no seu coração sobre este homem... 1 Sm 25,25;
~h,Þl' ^±B.li-ta,( ~f,T'ó-la; preocupar-se com, não te preocupes com o teu
coração sobre elas...1 Sm 9,20;
^b<)b'l.Bi wyr"ªm'a]÷ ~yfiîw> hr"_AT wyPiämi an"å-xq; guardar as palavras na memória: Aceita,
peço-te, a lei da sua boca e põe as suas palavras no teu coração... Jó 22,22;
~k,Þb.b;l.-l[; hL,aeê yr:äb'D>-ta, ‘~T,m.f;w> colocar no coração: e colocarás estas
palavras no teu coração... Dt 11,18;
192
Is 42,25; ble(-l[; ~yfiîy"-al{w> e não puseram nisso o coração...;
Is 57,1; ble_-l[; ~f'ä vyaiÞ !yaeîw> db'êa' qyDIäC;h; o justo perece e não há quem
considere isso no seu coração...
Dar-se conta 1 Sm 4,20;
`HB'(li ht'v'î-al{w> e não fez caso disso...
Dar importância Jó 7,17; `^B<)li wyl'äae tyviÞt'-ykiw> WNl,_D>g:t. yKiä vAna/â-hm'( Quem é o homem para que tanto o estimes, e ponha sobre ele o teu coração...
Atentar a, atender Ex 7,23; `tazO¥l'-~G: ABàli tv'î-al{w> At=yBe-la, aboßY"w: h[oêr>P; !p,YIåw: e virou-se Faraó e foi para a sua casa, nem ainda nisto pôs seu coração...
Pr 22,17, `yTi([.d:l. tyviîT' ªB.liw>÷ ~ymi_k'x] yrEäb.DI [m;v.Wâ ªn>z>a' jh;î Inclina o teu ouvido e ouve as palavras dos sábios, e aplica o teu coração à mina
ciência...
27,33; `~yrI)d"[]l; ªB.li÷ tyviî ^n<+aco ynEåP. [d:Teâ [:doå Procure conhecer o estado das tuas ovelhas, põe o teu coração sobre o gado...
Jr 31,21 %Beêli ytiviä, aplica ao teu coração...
1.3.9. Inteligência, entendimento, juízo, razão,
compreensão:
homens sensatos (Jó 34, 10.34).
1.3.10. Atividade, exercício de pensar:
Discorrer, refletir, meditar (Dt 8, 17; Sl 4, 5; 10, 6; 14,1; Is 14,13; 49,21; Jr 13,22;
Ecl 2,1;). Ocorrem em alguns textos a ideia de “dizer no coração”, como em Gn 8,21; 1
Sm 27,1; Os 7,2. Meditar no coração, pensar, refletir também ocorre em algumas
passagens como em Gn 24,45; 1 Sm 1,13;Ecl 1,16. A expressão “pensar”, “ruminar”
ocorre em Is 33,18 e Pr 15,28. Pode ocorrer no sentido de maquinar, excogitar, cavilar,
Pr 6,18; ou fazer cálculos fazer planos Is 10,7; 32,6. Como complemento modal aparece
193
novamente como “maquinar”, Pr 6,14. 12,20. Como “planejar ocorre em Zc 7,10; 8,17;
Sl 140,3. Conferir e inferir Dt 8,5. Meditar, discorrer, dar voltas Ecl 7,25; Sl 77,7;
Estudar, repensar, refletir Ecl 2,3. Como meditação e regido por substantivo ocorre no
Sl 49,4; Como palanos e desígnios em Jr 23,20. 30,24. Como plano e projeto aparece
em Sl 33,11; Pr 19,21. Preocupação Ecl 2,22.
1.3.11. Capacidade:
Também possuo inteligência como vós... ~k,ªAmK.( Ÿbb'’le yliÛ-~G: Jó 12,3; sem
inteligência Pr 17,16; Jr 5,21; 7,11 incauto; homens sensatos Jó 34,10; sensato Jó 9,4;
Prov 10,8; 11,29; 16,21; hábil Ex 35,10; falto de juízo, insensato Pr 6,32; 7,7; 9,4;
10,13; prudente Prov 11,12; mente sensata, ou homem sensato Pr 16,23; Ecl 7,4; 8,5;
10,2; mente prudente Pr 14,33; 18,15; mente néscia Prov 12,23; Ecl 7,4; 10,2;
habilidade Ex 35,35; demência Dt 28,28; obsecação Lm 3,65; mente iludida Is 44,20;
mente irreflexiva Ecl 5,1; Is 32,4; perturbação na mente Ecl 7,7; tirar o juízo Os 4,11; Jó
12,24; embotar a inteligência Is 6,10.
1.3.12. Vontade, desejo, decisão:
Conforme o teu desejo (Sl 20, 5).
Ao seu gosto, conforme a tua vontade: 1 Sm 2,35; 14,7; 2 Rs 10,30; 1 Sm 13,14;
Sl 20,5; Por minha conta ou iniciativa própria Num 16,28; 24,13; Ez 13,2; Lm 3,33.
Vontade, desejo e cobiça ocorre em Ne 3,38; Pr 6,25; Sentir o impulso Ex 25,2; 35,29;
Jó 17,11; Sl 37,4; Ex 35,5; 2 Cr 29,31; Sl 21,3.
1.3.13. Sentimentos, emoções, paixões:
exultar (1 Sm 2, 1). Alegria, contentamento, satisfação: Zc 10,7; Sl 13,6; 1
Sm 2,1; Is 60,5; Exultar Sl 84,3. Alegrar Sl 19,9; 104,15; Pr 15,30. Alegria Sl 4,8; Is
194
30,29; Jr 15,16; Ct 3,11; Ecl 5,19; Is 66,14; Lm 5,15; Sl 119,111. No sentido de
contentamento e satisfação Jz 16,25; 1 Sm 25,36; 2 Sm 13,28; 1 Rs 8,66; Pr 15,15; Ecl
9,7; Dt 28,47; Is 65,14 (aflição). Significado de tristeza, sofrimento, aflição, dissabor,
desconsolo, desgosto, pesar, abatido, aflito desfalecido encontramos nas seguintes
passagens: Is 1,5; Jr 8,18; Lm 1,22; 5,17; Jr 48,36; desolado Sl 102,5; atormentado Pr
14,13; sentir pesar Gn 6,6; aflito Pr 25,20; Dt 15,10; 1 Sm 1,8; destroçar o coração/alma
Sl 69,21; romper-se Jr 23,9; Sl 51,19; atribulado Is 61,1; Sl 34,19; consternados Sl
147,3; aflição, angústia Pr 12,25; Sl 13,3; Pr 13,12; 15,13; Com verbos: ter ânimo Sl
27,14; reviver, recobrar ânimo Sl 22,27; atrever-se 2 Sm 7,27; animar-se Dn 11,25;
arriscar-se Jr 30,21; 2 Sm 17,10; Sl 76,6; Am 2,16; Confiança Pr 28,26; Sl 28,7; Pr
31,11. Desanimo, medo, covardia, desencorajar-se Jr 4,9; desanimados Is 46,12;
desanimar Sl 107,12; 1 Sm 25,31; fraquejar Jó 2,11; 5,1; Is 13,7; 19,1; Ez 21,12; Na
2,11; Sl 22,15; acovardar Dt 1,18; Js 14,8. Desmoralizar Nm 32,7; desalentar-se 1 Sm
17,32; desencorajar-se, faltar força Sl 40,13; abater-se Sl 61,3; medo, covardia:
acovardar Lv 26,36; tremer 1 Sm 4,13, Jó 37,1; amedontrar-se Sl 27,3; pôr-se a tremer
de medo 1 Sm 28,5; tremer Ez 21,20; infundir medo/respeito Jr 32,40; temer Sl 119,61;
ser covarde; 2 Cr 13,7; Dt 20,8; Is 7,4; Jr 51,46; Intimidar, amedrontar Jó 23,16;
alarmar-se 2 Rs 6,11; assustadiço Dt 28,65; covardes Is 35,4; pavor Dt 28,67; amor,
acordo, concórdia: amar de todo o coração Dt 6,5; 13,4; 30,6; cortejar, animar Gn 34,3;
50,21; Jz 19,3; 2 Sm 19,8; Is 40,2; Os 2,26; Rt 2,13; 2 Cr 32,6; “teu coração não é
meu”, não me queres Jz 16,15; coração em vigíla Ct 5,2; 1 Cr 12,18; Sl 83,6; Ódio:
irritar-se Pr 19,3; desprezar internamente 2 Sm 6,16; 2 Cr 15,29; estar furioso Dt 19,6;
arrebatar a paixão Jó 15,12; sentimento de vingança, pensar em vingar-se Is 63,4;
invejar Pr 23,17; 1 Sm 17,28; guardar rancor Lv 19,17; orgulho, ser orgulhoso, altivo Ez
28,2; Sl 131,1;Pr 18,12; orgulho 2 Cr 32,26; orgulhoso Pr 16,5; envaidecer-se Dn 8,25;
arrogância, altivez Is 9,8; 10,12; insolência Jr 49,16; encher-se de orgulho Dt 8,14;
17,20; Ez 31,10; Os 13,6; envaidecimento Jr 48,29.
1.3.14. Atitudes, sentimentos:
integridade, - de boa fé Gn 20,6; entrega total, adesão plena 1 Rs 11,4;
15,3,14; decididos 1 Cr 12,39; leais 2 Cr 16,9; integridade, sinceridade, autenticidade Sl
195
78,72; sincero, perfeito Sl 119,80; de todo o coração, com toda a alma, com plena
consciência Dt 6,5; 1 Sm 12,20; 1 Rs 2,4; 2 Rs 10 31; Jr 29,13; Sf 3,14; Sl 119,58; Pr
3,5; 2 Cr 15,12; coração inteiro, não dividido Jr 32,29; Ez 11,19; coração dividido,
ambiguidade, insinceridade Sl 12,3; Os 10,2; retidão Dt 9,5; Sl 119,7; Jó 33,3; 1 Cr
29,17; 1 Rs 3,6; retos, honrados Sl 7,11; 11,2; 32,11; 36,11; reto Sl 125,4. Firmeza,
prontidão, disponibilidade: animar-se Sl 27,14, 31,25; dar força, animar Sl 10,17; pôr à
disposição o coração Jó 11,13; animo pronto Sl 57,8; 78,37; 108,2; 112,7; a tempera se
derrete 22,15; animo firme, decidido Sl 112,8; estar firme Ez 22,14; dureza, teimosia
contumácia, obstinação da mente: tornar-se endurecido Dt 2,30; 2 Cr 36,13; Ex 7,14;
9,7; 9,34; 1 Sm 6,6; Ex 4,21; 8,11, 9,12; 10,1; 10,20. Empedernidos Ez 2,4; coração
rebelde Jr 5,23; obstinar-se Sl 95,8; Pr 28,14; de cabeça dura Ez 3,7; mostrar-se duro
como diamante empedernido Zc 7,12; obstinação Jr 11,8; Sl 81,13; embotar-se Sl
119,70.
1.3.15. Atitudes nas relações com Deus e como os seres
humanos:
Lealdade estar por, a favor de Jz 5,9; estar ao lado de, ir-se com 2 Sm 15,13;
lealdade recíproca 2 Rs 10,15; sem voltar atrás Sl 44,19; ir o coração atrás de Ez 20,16;
seguir, ceder 11,21; inclinar a favor de Jz 9,3; pôr-se do lado de s 24,23; 2 Sm 19,15;
desviar o coração, perverter 1 Rs 11,2; infidelidade, deslealdade, apartar-se, distanciar-
se 1 Rs 11,9; extraviar-se Dt 17,17; afastar-se, voltar as costas Dt 29,17; 30,17; deixar-
se seduzir Dt 11,16; Jó 31,9; estar longe de Is 29,13.
1.3.16. Consciência e Mentalidade:
Remorso, pesar, arrependimento: de consciência pura Sl 24,4; limpar a
consciência Sl 73,13; Pr 20,9; consciência reprovada Jó 27,6; consciência limpa Sl
51,12; endireitar a consciência Pr 23,19; remorso 1 Rs 8,38; a consciência guia Ecl 2,3;
a consciência remorde 1 Sm 24,6; consciência torcida Sl 101,4; a consciência descansa
Ecl 2,23; segredos da consciência Sl 44,22; mentalidade, condição obstinada da mente
196
Ez 11,19; condição nova Ez 18,31; 36,26; condição, mentalidade, atitude Gn 8,21;
mente, consciência cheia de maldade Ecl 9,3; mente incorrigível Jr 9,25; Ez 44,7,9;
mente, caráter incorrigível Lv 26,41; obstinação Dt 10,16; Jr 4,4; mente aberta 1 Rs 5,9.
1.3.17. Em paralelo com outros órgãos e membros:
Com função de sinonímia, antonímia ou correlação: Ez 44,7,9; Sl 16,9; 73,26;
84,3; Ecl 11,10; + rins, sede mental e das paixões, consciente/subconsciente Jr 11,20;
17,10; 20,12; Sl 7,10; 26,2; 73,21; Pr 23,15; + vísceras, entranhas Sl 40,9,11; Lm 1,20;
+ boca, língua, lábios, o pensamento, a sua expressão Sl 12,3; 19,15; 37,30; 55,22;
78,36; 141,3; Pr 17,3; 22,11; 26,23; olhos, consciência/sensação Nm 15,39; Dt 29,3; 1
Sm 16,7; 2 Sm 6,16; 1 Rs 9,3; Jr 22,17; Sl 38,11; 101,5; 131,1; 119,36; Jó 31,7; Pr 21,4;
23,23; Ecl 11,9; + ouvidos Dt 29,3; Jr 5,21; Ez 3,10; 44,5; Pr 2,2; 18,15; + rosto, face
Ez 2,4; Sl 104,15; Pr 15,13; Ecl 7,3; Dn 8,23,25; Ne 2,2; + mãos, interioridade, ação Is
35,3; Ez 21,12; SL 28,3; 140,3; Pr 6,16; Ecl 7,26; + braço Ct 8,6; + dedo Pr 7,3; +
palma da mão Gn 20,5; 24,4; 73,13; 78,72; Jó 11,13; 31,7; + pé Pr 4,23-27; 6,18; +
cerviz, mente, afeição Dt 10,16; 2 Cr 36,13; + fronte Ez 3,7.
2. Uma análise (aproximação) do vocábulo lev no Deuteronômio.
Um dos objetivos centrais da nossa pesquisa, conforme já abordamos de início,
inclusive no título desse trabalho de dissertação, é uma aproximação do vocábulo
antropológico lev, palavra comumente traduzida por “coração”.
Fizemos anteriormente uma análise do vocábulo em diversos textos da Bíblia
hebraica no intuito de explorar o seu amplo campo significativo. Posteriomente
analisamos o mesmo na perspectiva de alguns autores que nos acompanham nesta
pesquisa durante vários anos, dentre eles, Hans Walter Wolff, Walter Eichrodt, Wilhelm
Gesenius, Botterweck, Luiz Alonso Shokel, D. Lys, F. Stolz, entre outros. Dentre estes,
na análise anterior, deixamos ser conduzidos pelo autor Hans Walter Wolff. Este nos
serviu como fio condutor do texto. Analisamos também o campo de significação do
vocábulo através da perspectiva dos vários autores mencionados acima. Entre eles o
197
autor Luiz Alonso Shokel foi utilizado por nós como fonte para a exposição dos vários
sentidos da palavra lev na Bíblia Hebraica.
De agora em diante pretendemos nos aventurar, nos “soltar” um pouco para uma
análise do vocábulo lev no livro do Deuteronômio.
Não que tenhamos autonomia o suficiente para caminharmos sós nesse campo
minado, que é o campo de significação dessa palavra tão importante para a teologia do
Antigo Testamento e para a antropologia semítica, mas queremos fazer uma tentativa de
colocar em prática àquilo que entendemos por lev através das análises anteriores.
Mesmo porque, a partir de então, queremos analisar as ocorrências do vocábulo dentro
do livro onde se encontra a nossa perícope. Este trabalho de exposição de textos bíblicos
parece ser monótono, mas entendemos que o deuteronomista também é monótono, e às
vezes parece ser redundante pelo fato de utilizar de repetições, de fórmulas recorrentes,
fixas, conforme expomos anteriormente no capítulo 1. Mas queremos evidenciar aqui
que, não tomamos o termo monótono no sentido pejorativo, ou melhor, “ao pé da letra”,
mas o reconhecemos como um recurso didático, uma qualidade, e até uma “sapiência”
do deuteronomista. Compreendemos como uma técnica de oratória, um recurso da
retórica deuteronomista. Mas não uma técnica abstraída, desvinculada de “sentimento”,
não!! Pelo contrário, entendemos que a sua insistência em se dirigir ao lev de seus
ouvintes é porque ele mesmo se encontra com o lev comprometido, envolvido com o
conteúdo do Deuteronômio.
O deuteronomista apela continuamente para o lev de seus ouvintes. Ele quer
atingir não somente o ouvido no sentido racional, mas quer sensibilizar, atingir o
sentimento dos seus destinatários. Por isso não se cansa em repetir as fórmulas
expressas no Deuteronômio em relação à lei. Nessa parte queremos “caminhar juntos”
com o redator deuteronomista no livro do Deuteronômio, seremos seu companheiro de
viagem, afim de compreendermos agora a relação das palavras-chave e expressões fixas
mencionadas anteriormente com o vocábulo lev. Iremos analisar como as expressões
aparecem articuladas com o vocábulo lev. O que nos importa saber é o sentido teológico
do vocábulo lev no livro do Deuteronômio, ou seja, como o autor deuteronomista o
emprega. O que é o lev para o deuteronomista? Iremos nessa caminhada dar ênfase à
estrutura de Dt 1-11. Isso porque precisamos delimitar a pesquisa, e tomamos tal
medida por conta da nossa perícope estar inserida no referido bloco. Vale ressatar que
trazemos nessa empreitada a motivação de identificarmos um sentido do vocábulo para
a nossa perícope, ainda que às vezes pareça não ser notório ao leitor, tudo que fazemos
198
nesse trabalho nunca deixamos de lado o centro do Deuteronômio, que é a nossa
perícope de Dt 6,1-9, assim como o próprio deuteronomista que nunca se esquece deste
fio condutor, que nunca sai da direção do tema central, do Shema Israel, da bússola.
Ainda que caminhar lado a lado com o deuteronomista seja cansativo e fatigante,
prosseguiremos, pois em muitas coisas temos sido lembrados por ele, advertidos por ele,
aprendido com ele, e se deixados ser conduzidos por ele.
Encontramos no DT alguns textos onde o coração pode ser descrito como a sede
das emoções conforme o texto abaixo:
Dt 1, 28:
Para onde subiremos? Nossos irmãos fizeram com que se derretesse o nosso
coração, dizendo: Maior e mais alto é este povo do que nós, as cidades são grandes e
fortificadas até aos céus; e também vimos ali filhos dos gigantes.146
O deuteronomista inicia sua exposição relacionando o vocábulo lev com os
fatores de ordem emocional ligados à sede decisória da vida humana. O redator faz a
menção retrospectiva de um acontecimento no lev dos israelitas que acarretou em
impeçilhos para a tomada de posse da terra. O narrador relata o acontecimento com a
intenção de acautelar seus destinatários. Ele se dirige aos ouvidos, à memória, mas
fazendo uma ressalva ao lev que pode ser amedrontado por circunstâncias. O redator
deuteronomista que chamar a atenção dos seus ouvintes para a possibilidade do lev se
enfraquecer por “palavras”. Mais adiante analisaremos o lev relacionado com as
palavras de YHWH, mas aqui é importante notarmos a preocupação do deuteronomista.
Pode até ser que esse texto tenha sido costurado posteriormente utilizando essa
argumentação em forma de contraposição retórica às outras passagens onde o lev
aparece relacionado com as palavras de YHWH. Podemos perceber também que o lev
se encontra relacionado com aquilo que se pode ouvir e vê, ou seja, o coração é
integrado à outros membros do corpo, e reage diante do que se escuta e do que se vê.
Notamos isso na expressão utilizada pelo deuteronomista acerca dos desanimadores de
Israel, am gedolah “povo grande”, arim gedolot, “cidades
145
Sil Ezra 146
Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Corrigida. Edição 16, 2012.
As referências em português que serão expostas abaixo serão da referida tradução de João Ferreira de
Almeida, Edição Revista e Corrigida.
199
grandes”. O lev nesse caso pode ser afetado por aquilo que se ouve falar, e pelo que se
vê. Esse aspecto fora mencionado por nós no capítulo dois desse trabalho onde
mencionamos os aspectos espaciais do lev, ou seja, lev é corpo mas também é corpo
situado no espaço e se relaciona com ele, e pode ser influenciado por ele, e por isso o
deuteronomista sempre acautela os seus destinatários acerca dessa relação entre a
guarda dos mandamentos no lev, no interior, no corpo, mas também andando pelo
caminho, assentado, deitado, ou seja, na terra que IHWH haveria de entregar a eles.
Queremos enfatizar também que o deuteronomista pode ter utilizado essa
passagem como exemplo de contraposição entre o lev que escuta e acata as palavras de
YHWH e o lev que escuta e acata as palavras que desestimulam, e não fazem parte do
acervo de expressões que são utilizadas pelo redator deuteronomista para exprimirem a
vontade de YHWH. Essa passagem não deixa de ser uma espécie de ameaça com
caráter de argumentação retórica, ou seja, construída pelo deuteronomista para atingir os
seus ouvintes e os seus objetivos.
Em diferentes casos o coração pode ser designado como a sede ou lugar em que
se determina a vontade, que no exemplo abaixo implicou no endurecimento do lev de
Faraó em relação aos filhos de Israel:
2,30:
Mas Siom, rei de Hesbom, não nos quis deixar passar por sua terra, porquanto
o Senhor teu Deus endurecera o seu espírito, e fizera obstinado o seu coração para te
dar na tua mão, como hoje se vê.
Nesse caso temos o exemplo de um lev endurecido, e o deuteronomista atribui
esse endurecimento por parte de YHWH. A expressão we-imetz ét-
levavô, “obstinado, endurecido o seu coração” talvez seja utilizada pelo deuteronomista
para dar ênfase ao poder de YHWH em relação a outros deuses, no caso do
”rei de Heshbon”. Anteriormente no capítulo primeiro quando nos
deparamos com essa passagem enfatizamos um outro aspecto talvez intencionado pelo
deuteronomista, que provavelmente quis dar ênfase à tomada de posse da terra como
graça, favor imerecido de YHWH, para que Israel soubesse que não haveria de entrar na
terra por méritos próprios ou por suas habilidades, mas por dádiva de YHWH.
Conforme podemos já perceber o lev se apresenta sempre relacionado com expressões
200
que orbitam no decorrer do livro. No verso a seguir podemos ver um exemplo do lev
relacionado a outros órgãos do ser humano e até mesmo com um pronome pessoal que
se refere à pessoa como um todo:
4,9:
Tão-somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem a tua alma, que não te
esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e não se apartem do teu coração
todos os dias da tua vida; e as farás saber a teus filhos, e aos filhos de teus filhos.
Percebemos o paralelismo dos membros através dessa passagem, onde o lev se
encontra relacionado com a pessoa na sua totalidade, expressa pelo pronome pessoal
precedido pelo verbo guardar, e pelo vocábulo néfesh hishamér
lechá ushemór nafeshehá. Um outro aspecto muito interessante que é utilizado pelo
deuteronomista é a ideia de totalidade expressa não somente no que tange aos aspectos
corporais, e as ques~toes devocionais, mas também aos aspectos temporais através da
expressão recorrente kol hayamim, “todos os dias”, que no caso aparece como através
da expressão: kól iemê haieichá, todos os dias da tua vida. O lev é
“cobrado” pelo deuteronomista não somente no tocante à sua entrega à YHWH sem
reservas, mas relacionado com o tempo inteiro, integral, com o dia-dia, no cotidiano. No
verso a seguir mais uma vez o deuteronomista se utiliza da ideia de totalidade agora
empregada ao lev:
4,29:
Então dali buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando o buscares de
todo o teu coração e de toda a tua alma.
4,39:
Por isso hoje saberás, e refletirás no teu coração, que só o Senhor é Deus, em
cima no céu e em baixo na terra; nenhum outro há.
201
Nesse caso vemos a ideia de totalidade do deuteronomista sempre reivindicada
através de expressões como; "de todo coração", de toda néfesh, todos os dias, e disse
Moisés a todo Israel, etc. Porém aqui se aplica à YHWH como Deus único e abrangente
de todo espaço, céu, embaixo na terra, e exclusivo, único. Para o deuteronomista
YHWH é proprietário de tudo, “do todo”. YHWH é proprietário do céu, da terra, e por
isso quer ser reconhecido por Israel como aquele que lhe concedeu “tudo” como
benefício. Tudo que Israel possui, e tudo que Israel é dever ser considerado como
dádiva de YHWH.
Outro exemplo segue abaixo onde o deuteronomista enfatiza a noção de
totalidade:
5,29:
Quem dera que eles tivessem tal coração que me temessem, e guardassem todos
os meus mandamentos todos os dias, para que bem lhes fosse a eles e a seus filhos para
sempre.
Para o deuteronomista o lev que teme à YHWH é o lev que guarda “tudo”. Ele se
utiliza da expressão kól mitsvotay kól haiamym, “todos os
mandamentos todos os dias”. Tal obediência se desdobra em bênçãos para os filhos.
A seguir temos uma das ocorrências mais importantes do livro do
Deuteronômio. Esta é muito rica no tocante aos spectos antropológicos. Aqui o
deuteronomista reivindica o amor à YHWH do ser humano visto de forma integrada:
6,5:
Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas
as tuas forças.Esta expressão é de totalidade através de vocábulos antropológicos precedidos
pela expressão é aplicada ao rei Josias, conforme mencionamos já anteriormente.
O deuteronomista avalia a sua conduta de acordo com essa passagem,
considerando-o o melhor rei de Israel. Aqui o ser humano é visto de forma holística e
convocado também de forma holística para adorar somente o único YHWH. Se néfesh
abarca significados, conforme vimos anteriormente que se estendem desde boca,
pescoço, garganta, faringe, laringe, esôfago, traquéia, órgão da respiração, órgão da
202
ingestão sede do gosto e do paladar, sede dos anseios e desejos até a pessoa na sua
totalidade, isso significa que em todas essas dimensões da vida humana as motivações
devem estar voltadas para YHWH como único, por isso a expressão: de
toda a tua néfesh. Se lev abarca os sentidos de coração, sentimento, desejo, razão,
decisão da vontade, órgão da memória, do conhecimento, da prudência, da sabedoria, e
da meditação, em todos estes setores da vida YHWH quer estar presente e ser YHWH
único, assim como o deuteronomista se utiliza da expressão: de todo o teu
coração. No tocante à expressão que se refere aos bens é utilizada a forma:
e de todo o teu muito, as tuas posses. Mas esse versículo é trabalhado
com mais afinco no capítulo 2, por ser parte de nossa perícope. O próximo também faz
parte de nossa perícope e merece uma atenção especial, mas vale ressaltar que o
vocábulo lev aparece aqui como sede da memória onde o israelita deveria guardar as
palavras. Memória aqui não é desvinculada de sentimentos, antes é vista como
comprometida com YHWH. As palavras devem estar no lev. Lev aqui traz consigo a
ideia de uma relação espacial, ou seja, é lev em movimento, as palavras no lev tem o seu
lugar no corpo, mas o corpo está em movimento, em relação com o espaço, andando
pelo camimho, ao assentar, ao se levantar, na relação com o próximo, no compromisso
com a ação social, nos atos de solidariedade e justiça na terra que o israelita irá herdar,
vejamos abaixo:
6,6:
E estarão estas palavras, que hoje te ordeno, sobre o teu coração;
Outro fator que é importante é o fato de ser uma ordenança, ou seja, o
deuteronomista requer, valoriza esse aspecto da guarda das palavras no lev ao extremo.
O lev para o deuteronomista é memória, mas também motivação e movimento.
7,17:
Se disseres no teu coração: Estas nações são mais numerosas do que eu; como
as poderei lançar fora?
8,2:
203
E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no
deserto estes quarenta anos, para te humilhar, e te provar, para saber o que estava no
teu coração, se guardarias os seus mandamentos, ou não.
O deuteronomista através da expressão e te lembrarás de
todo o caminho, traz a ideia novamente de totalidade.
Através da memória retrospectiva o israelita poderia avaliar se o seu lev guardou
ou não os mandamentos. O lev aparece muitas vezes vinculado a tais expressões que o
deuteronomista utiliza para transmitir a ideia de totalidade, no caso vinculado à
expressão de “todo o caminho”. Aqui se faz presente também a ideia de movimento do
lev. O lev que guarda todos os mandamentos é o lev que se reconhece quando visto pelo
caminho, no andar, no caminhar, no pisar, no calcar os pés, na conduta, conforme vimos
anteriormente na seleção de vocábulos. Nessa caminhada de Israel o seu coração não
poderia se elevar conforme vemos adiante:
8,14:
Se eleve o teu coração e te esqueças do Senhor teu Deus, que te tirou da terra
do Egito, da casa da servidão;
O deuteronomista encontrou numerosas razões para combater a tendência à auto-
glorificação. Israel não pode de forma alguma atribuir à sua própria virtude o que é
devido exclusivamente e de forma totalitária à maneira como YHWH o conduz. Mas
acima de tudo o texto deixa entender que os ouvintes parecem esquecer completamente
YHWH e os seus benefícios. O lugar da memória e do esquecimento é o lev nesse caso.
O lev altivo esquece-se dos feitos de YHWH, a saber, da libertação da casa dos
escravos. Quem se esquece dos feitos e dos ditos de YHWH se iclina a ouvir a própria
voz no lev, coração. Por isso o deuteronomista requer tanto a guarda do lev por parte de
Israel:
8,17:
E digas no teu coração: A minha força, e a fortaleza da minha mão, me adquiriu
este poder.
204
O lev inúmeras vezes é visto pelo deuteronomista como o local onde se fala,
mais propriamente dito o local do corpo onde se manifestam pensamentos, às vezes
relacionados a altivez e a auto-glorificação como no exemplo acima.
O redator insiste nas exortações direcionadas para o lev de seus ouvintes, sempre
alertando-os acerca do risco e do perigo de “falarem no coração” que pelos seus
próprios méritos alcançaram as promessas. O lev é sempre re-direcionado, advertido,
pelo deuteronomista, é o local onde se dirige os pensamentos e se tomam as decisões. O
número de ocorrências em que o vocábulo lev é citado pelo deuteronomista nos deixa
entender tamanha preocupação o narrador tinha com esta “sede da memória”, vinculada
às ações concretas e as decisões centrais dos seus ouvintes. O israelita é sempre
interpelado a tomar cuidado com aquilo que fala, medita, pensa em seu coração. No
decorrer da leitura dos textos que temos analisado no Deuteronômio já podemos ter uma
noção do que o deuteronomista entende por lev, pelo menos quando nos deparamos com
o número de ocorrências em que o vocábulo se apresenta como sede de uma memória
vinculada aos sentimentos, como também um órgão onde se origina os pensamentos e
consequentemente as decisões do ser humano:
9,4:
Quando, pois, o Senhor teu Deus os lançar fora de diante de ti, não fales no teu
coração, dizendo: Por causa da minha justiça é que o Senhor me trouxe a esta terra
para a possuir; porque pela impiedade destas nações é que o Senhor as lança fora de
diante de ti.
O coração algumas vezes é avaliado pelo deuteronomista pela conduta de seus
destinatários. A conduta nesse sentido é consequência do que se encontra no lev
coração:
9,5:
Não é por causa da tua justiça, nem pela retidão do teu coração que entras a
possuir a sua terra, mas pela impiedade destas nações o Senhor teu Deus as lança fora,
205
de diante de ti, e para confirmar a palavra que o Senhor jurou a teus pais, Abraão,
Isaque e Jacó.
Nesse caso podemos entender que a avaliação negativa do lev por parte do
deuteronomista está concatenada à posse da terra não pelo merecimento ou pela justiça
própria de Israel, mas pela justiça de YHWH. Pelo fato de Israel ter recebido a boa terra
como dádiva, no próximo versículo o deuteronomista reivindica da parte dos seus
destinatários a fé obediente e inidivísivel, novamente através da expressão kol que
remonta a noção de totalidade:
10,12:
Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas o
Senhor teu Deus, que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao Senhor
teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma;
10,16:
Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa
cerviz.
As parêneses exortativas aparecem continuamente no livro do Deuteronômio. A
guarda dos mandamentos e estatutos estão concatenadas principalmente com a
separação de Israel. Existe uma preocupação do deuteronomista em relação à isso.
O lev ao nosso entender, nesse caso, é a sede das decisões, o órgão da decisão da
vontade. Israel deveria tirar do coração algo que lhe prendia a atenção e lhe impedia de
servir à Javé sem reservas.
O alvo do deutereonomista é o lev dos seus ouvintes, o lugar onde Israel poderia
tomar a decisão de retornar à YHWH. Outro significado que pode ser atribuído é a
razão, ou seja, o lev como sede da razão decisória, a razão que olha para as ordenanças
dentro de uma estrutura lógica de causa e efeito, de obediência e consequência, e a
partir daí decide acatar, obedecer ou não.
No texto abaixo temos mais uma ocorrência onde o lev é reivindicado em sua
totalidade pela fórmula deuteronomista kol, tudo, todo:
11,13:
206
E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje vos
ordeno, de amar ao Senhor vosso Deus, e de o servir de todo o vosso coração e de toda
a vossa alma;
Mas o que seria servir à YHWH de todo o lev? Lembrando que o campo
semântico de lev abarca a mente, sede das paixões, órgão da memória, órgão do
conhecimento, da sabedoria e da meditação, podemos entender da seguinte forma. O
deuteronomista requer que os seus destinatários vivam reconheçam que YHWH é o
doador de todas as coisas. Pelo fato de YHWH ter os tirado da casa dos escravos, agora
Israel deve se sentir devedor à YHWH em tudo. Tudo que o israelita é, tudo que o
israelita possui é dádiva de YHWH. A saída do Egito é dadiva de YHWH, os cuidados
de Deus no deserto são dádivas de YHWH, os mandamentos e estatutos são dádivas de
YHWH.
Em tudo Israel deveria reconhecer a graça, a bondade e a dádiva de YHWH. Por
isso o lev é posto como órgão que envolve o ser humano com um todo.
De todo o coração pode ser “com toda a sua razão”, mas também, “com todo o
sentimento”. Em versos onde o deuteronomista utiliza o vocábulo antropológico néfesh
para contrapor lev nós podemos fazer uma separação um pouco mais rígida entre
sentimento e racionalidade no lev, visto que néfesh é o vocábulo que se refere aos
setores da vida humana mais voltados para o impulso e o desejo, à cobiça e os apetites.
No caso abaixo o lev é mencionado como um lugar onde existe nele a possibilidade de
se enganar. O lev como órgão da faculdade decisória é muito reivindicado pelo
deuteronomista. É no lev que o ser humano pode se enganar. Em outros casos o coração
pode se obstinar, endurecer, se desviar, etc. Nesse caso podemos compreender que no
lev se tomam as decisões corretas também, por isso o deuteronomista não se fatiga de
convocar o lev de seus ouvintes:
11,16:
Guardai-vos, que o vosso coração não se engane, e vos desvieis, e sirvais a
outros deuses, e vos inclineis perante eles;
Em várias ocorrências o lev é visto pelo narrador do Deuteronômio como sede
da memória, como um órgão que arquiva informações e palavras:
207
11,18:
Ponde, pois, estas minhas palavras no vosso coração e na vossa alma, e atai-as
por sinal na vossa mão, para que estejam por frontais entre os vossos olhos.
Se temos uma noção do campo semântico do vocábulo lev podemos então
identificar qual o lugar que o lev ocupa aqui nessa passagem.
Anteriormente afirmamos que o lev é o órgão do conhecimento, da prudência, da
sabedoria e da meditação, pode ser tambpem órgão das paixões e memória.
“Colocar as palavras” no coração pode ser compreendido como guardar na
memória, depositar na memória, arquivar na mente, memorizar. O lev não é uma
memória desvinculada de sentimentos, mas precisamos analisar o vocábulo à luz do
contexto a fim de identificarmos qual é o sentido que exerce predomínio nos diferentes
casos. Quando dissemos que lev é órgão da memória não afirmamos que deixa de ser a
sede das paixões e o lugar dos sentimento, da vontade, e até do impulso sexual, mas
diante da circunstância, do contexto, identificamos um tal sentido. Nesse caso o lev
pode ser a memória vinculada ao sentimento obviamente, mas o deuteronomista
menciona o vocábulo néfesh que dá conta de descrever de forma sintética outros setores
da vida humana mais focalizados na esfera das paixões e dos impulsos. Então o que nos
importa aqui é em termos de predominância desvendar qual o papel, qual a função do
coração nessa circusntância.
Diante destas constatações embasadas em toda a nossa pesquisa anterior de
distintos significados do vocábulo lev, podemos identificar o predomínio de certos
significados do coração na teologia deuteronomista. O lev é muito mencionado como
lugar da decisão, órgão da memória, e da reflexão.
Dentro do bloco que abange os capítulos de 1-11 o deuteronomista nos traz uma
noção do campo significativo do vocábulo lev.
Através da análise que fizemos das ocorrências acima, entendemos que lev para
o narrador deuteronomista significa: órgão da memória, órgão do conhecimento, órgão
da prudência, órgão da sabedoria e órgão da meditação.
Esta memória não é apenas um depositário de informações que ficam
armazenadas em um arquivo. Pelo contrário, estes arquivos devem servir de modelos
para a ação concreta, para a conduta no dia a dia.
208
O lev como órgão corpóreo que armazena informações palavras, estatutos, juízos
é vinculado às ações concretas que externam esses arquivos. O lev deve ser o modular, o
exemplar para as ações concretas. A vida deve se organizar pelas palavras que estão
guardadas no lev. Para o deuteronomista as leis de YHWH devem ser guardadas na
mente e no coração. As palavras devem estar no coração de tal forma que elas ocupem
as decisões centrais do ser humano israelita. Por isso o lev é advertido pelo
deuteronomista no tocante ao risco de ser endurecido, ou seja, ser sujeito de sintomas
que são resultados de uma decisão interior contrária à vontade de YHWH e ao
sentimento de solidariedade para com o próximo. Iremos prosseguir um pouco mais nos
passos do deuteronomista no decorrer do livro, porém as definições acerca do sentido
do vocábulo lev serão mais concentradas na estrutura de 1-11 cocnforme afirmamos
anteriormente.
Vejamos abaixo um exemplo onde o redator deuteronomista incorre acerca do
risco do endurecimento do lev:
15,7:
Quando entre ti houver algum pobre, de teus irmãos, em alguma das tuas
portas, na terra que o Senhor teu Deus te dá, não endurecerás o teu coração, nem
fecharás a tua mão a teu irmão que for pobre;
Nesse caso o lev endurecido pode ser compreendido como órgão da decisão
puramente humana desvinculada do amor à YHWH e ao próximo.
Muitas vezes no Deuteronômio o lev é a sede da memória e do conhecimento.
Por isso o lev também pode ser depósito de palavras negativas ou perversas
como na citação abaixo:
15,9:
Guarda-te, que não haja palavra perversa no teu coração, dizendo: Vai-se
aproximando o sétimo ano, o ano da remissão; e que o teu olho seja maligno para com
teu irmão pobre, e não lhe dês nada; e que ele clame contra ti ao Senhor, e que haja em
ti pecado.
209
É importante notarmos acima o aspecto concreto e espacial do lev. O lev
movimenta-se para fora do corpo. É o que chamamos de lev como motor, motivação e
movimento.
A palavra perversa que se encontra no coração pode se desdobrar em atitudes
concretas prejudiciais ao próximo e contrárias à vontade de YHWH.
Nesse caso podemos identificar a relação do lev nos aspectos corpóreos se
exteriorizando através da conduta, do comportamento e das decisões concretas.
15,10:
Livremente lhe darás, e que o teu coração não seja maligno, quando lhe deres;
pois por esta causa te abençoará o Senhor teu Deus em toda a tua obra, e em tudo o
que puseres a tua mão.
No verso a seguir o deuteronomista se refere ao lev do rei. O leitor poderá notar
que o deuteronomista que adverte o rei no deuteronômio é o mesmo que avalia a
conduta dos reis na historiografia do livro dos reis. O lev é um órgão, um setor da vida
dos reis muito observado pelo deuteronomista. Este avalia o lev dos reis segundo os
critérios do Deuteronômio e daquilo que consta no verso 4-5 do capítulo 6. A expressão
kol é muito utilizada na avaliação do deuteronomista. O rei deveria fazer tudo conforme
estava na lei, deveria servir À YHWH de todo o lev, sem reservas, indivisível.
O rei deveria reinar segundo YHWH. Mulheres, cavalos, riquezas e tudo aquilo
que pudesse corromper o coração de um rei ocupando a centralidade do pensamento e
das decisões do mesmo, era considerado uma ameaça ao reinado:
17,17:
Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração não se desvie;
nem prata nem ouro multiplicará muito para si.
O lev também pode erguer-se em altivez pautado em decisões e conclusões
próprias, fora do conselho de YHWH, e nesse sentido o deuteronomista adverte o rei:
17,20:
210
Para que o seu coração não se levante sobre os seus irmãos, e não se aparte do
mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; para que prolongue os seus dias
no seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel.
O lev como órgão dos sentimentos e emoções pode se abater, pode enfraquecer,
ou pode se referir ao ser humano desolado e abatido, medroso e inseguro, conforme o
caso específico abaixo:
20,3:
20:3 - E dir-lhe-á: Ouvi, ó Israel, hoje vos achegais à peleja contra os vossos
inimigos; não se amoleça o vosso coração: não temais nem tremais, nem vos
aterrorizeis diante deles.
26,16:
Neste dia, o Senhor teu Deus te manda cumprir estes estatutos e juízos; guarda-
os pois, e cumpre-os com todo o teu coração e com toda a tua alma.
30,6:
bb;äl.-ta,w> ßb.b'l.-ta, ^yh,²l{a/ hw"ôhy> lm'’W
^ßv.p.n:-lk'b.W ^ïb.b'l.-lk'B. ^yh,²l{a/ hw"ôhy>-ta, hb'úh]a;l. ^[<+r>z: `^yY<)x; ![;m;îl.
E o Senhor teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua
descendência, para amares ao Senhor teu Deus com todo o coração, e com toda a tua
alma, para que vivas.
O deuteronomista de refere algunas vezes ao lev juntamente com a expressão kol
para exprimir a noção de totalidade. Se o coração é o órgão dos sentimentos e das
emoções, sede da vontade decisória, sede dos pensamentos, órgão da memória, e da
reflexão, todos esses campos da vida humana devem estar comprometidos numa relação
de amor único à YHWH:
30,10:
rmoÝv.li ^yh,êl{a/ hw"åhy> ‘lAqB. [m;ªv.ti yKiä ‘bWvt' yKiÛ hZ<+h; hr"ÞATh; rp,seîB. hb'§WtK.h; wyt'êQoxuw> ‘wyt'wOc.mi
p `^v<)p.n:-lk'b.W ^ßb.b'l.-lk'B. ^yh,êl{a/ hw"åhy>-la,
211
Quando deres ouvidos à voz do Senhor teu Deus, guardando os seus
mandamentos e os seus estatutos, escritos neste livro da lei, quando te converteres ao
Senhor teu Deus com todo o teu coração, e com toda a tua alma.
Concluímos essa parte definindo em linhas gerais e de forma resumida o campo
de significação do vocábulo lev no Deuteronômio.
Podemos perceber que o deuteronomista compreende de forma predominante o
órgão lev “coração” como órgão da memória, órgão do conhecimento, da prudência, da
sabedoria, e da meditação. Nós definimos seguir esta delineação tendo como ponto de
partida o texto do capítulo 6 do livro do Deuteronômio, onde se encontra a nossa
perícope (Dt 6,1-9).
Na grande maioria dos casos o lev é o órgão onde se concentram as funções
intelectuais, racionais, exatamente àquilo que muitas vezes é atribuído ao cérebro. No
coração se processa a compreensão e muitas vezes à audição e a fala. As pessoas
também pensam e meditam no coração. Conforme mencionamos anteriormente quando
se priva alguém do conhecimento de algo está “roubando” o seu lev coração. Muitas
vezes também a falta de entendimento é associada à falta de coração. O lev para o
deuteronomista é posto de forma paralela com outros órgãos. Assim como os olhos
foram feitos para ver e oe ouvidos para ouvir, o lev foi feito para “entender”, guardar.
Nesse sentido o lev é visto pelo deuteronomista como órgão da memória que possui a
capacidade de arquivar informações, estatutos, juízos e itens da lei. Um aspecto que
consideramos anteriormente é o órgão lev como motivação e movimento. Estes dois
aspectos devem ser articulados, motivação e movimentação.
A vida deve ser motivada por aquilo que está arquivado, guardado no lev, no
coração, na memória, a saber “estas palavras”, estatutos, juízos, oredenanças. Mas a
atividade do lev se estende para fora do corpo se alcançando ao próximo, nas praticas de
justiça e solidariedade. O amor à YHWH reivindicado pelo deuteronomista de todo o
lev possui tais desdobramentos concretos.
Conforme abordamos anteriormente o lev como motivação e movimento é
intrinsecamente relacionado com os aspectos espaciais conforme os vs. 6-7:
^±W>c;m. ykiónOa' rv,’a] hL,aeªh' ~yrIåb'D>h; Wyùh'w> `^b<)b'l.-l[; ~AYàh;
^ÜT.b.viB. ~B'_ T'Þr>B;dIw> ^yn<ëb'l. ~T'än>N:viw> `^m<)Wqb.W ^ßB.k.v'b.W* %r<D<êb; åT.k.l,b.W ‘^t,’ybeB.
E estarão estas palavras que eu te ordeno hoje sobre o teu coração.
212
E as inculcarás a teus filhos e falarás delas em teu assentar, em tua casa, em teu
andar e pelo caminho, ao deitar e ao levantar.
Todos os movimentos da vida humana devem ser motivados por aquilo que está
guardado, arquivado no lev. Por isso no v. 5 o deuteronomista reivindica através da
noção de totalidade da expressão o ^ïb.b'l.-lk'B coração por inteiro, de todo o coração.
Um lev indiviso se desdobra e articula-se entre motivação e movimento. E como
mencionamos acima, concluímos que lev no deuteronômio predominantemente pode ser
definido como órgão da memória, do conhecimento, da compreensão, da prudência,
órgão da sabedoria e da meditação. Lembrando que tais sentidos se desdobram, se
estendem, alcançam dimensões espaciais da vida.
Deste modo fechamos esta parte tendo uma noção do campo significativo do
vocábulo lev para o deuteronomista, procurando sempre articular este procedimento na
tentativa de aproximação do melhor sentido do vocábulo naa perícope analisada.
3. Hermenêutica
3.1. O contexto sócio-econômico e político da América
Latina marcado pela ausência do lev (coração).
A partir de uma análise da condição humana vivenciada no contexto da América
Latina, surge a necessidade de elaboração de um pensar teológico que responda às
necessidades da igreja em sua relação com a sociedade.
O objetivo desse tema é mostrar como o contexto sócio-econômico, político e
cultural da América Latina, na segunda metade do século XX marcou o surgimento e o
desenvolvimento de um novo método teológico.147
Para entendermos a relação entre o
vocábulo lev que é objeto de nossa pesquisa com o método teológico latino americano, é
necessário considerar o pressuposto do método que tem como eixo de sua construção
teórica o pressuposto de que não se pode usar apenas a cabeça para fazer teologia, mas
147
RIBEIRO, Oliveira, Cláudio. “A Teologia da Libertação Morreu? Um panorama da Teologia Latino
Americana da Libertação e questões para aprofundar o debate teológico na entrada do milênio”. Revista
Eclesiástica Brasileira, 63 (250), abril 2003. p. 320-353.
213
fundamentalmente o coração. Esta é a expressão teórica de algo bem prático e concreto:
O amor que devemos ter para com as pessoas pobres. As pessoas pobres sempre foram
muito discriminadas em nossa sociedade. Talves essa seja uma explicação do por que
muitos grupos na igreja falem mal da teologia da libertação. Como já mencionamos
cada contexto exige uma a formulação de uma nova teologia.148
Neste caso o lev como órgão da memória possui um compromisso com o
sentimento de solidariedade em favor do próximo. Trata-se de uma memória que estrá
estreitamente vinculada com atos concretos de justiça . A partir desta definição
encontramos um ponto de contato importante com o pressuposto teológico fundamental
da Teologia Latino Americana da Libertação que defende a necessidade de nos dias
atuais não se fazer teologia apenas com a cabeça, mas também com o coração. A partir
desta perpectiva, ou seja, “fazer teologia com o coração”, implica numa postura em
favor dos mais fracos. Tal postura é composta de medidas e ações concretas na luta por
um mundo melhor, no engajamento das práticas que buscam ao menos amenizar as
desigualdades. Não queremos dizer que a Teologia da Libertação se resume a uma
148 Para compreendermos melhor a “pauta” da Teologia da Libertação é necessário termos uma noção de
alguns acontecimentos históricos que fundamentam o método. Podemos dizer que são estas as principais
realidades concretas subjacentes a produção deste novo modo de fazer teologia. Os pontos que se
destacam no seu processo de elaboração são: O conflito ideológico do pós-guerra: a guerra fria; A disputa
entre capitalismo e socialismo; O impacto da revolução socialista cubana (1959); Os processos de
industrialização e de urbanização na América latina como crescimento da pobreza e da desigualdade
social no continente; A crítica ao modelo desenvolvimentista e a construção da teoria da dependência; As
lutas politicas de libertação social e de contestação ao regime (1960-1970) e a força dos movimentos
estudantis e sindicais; A contestação aos golpes militares: Brasil (1964) Uruguai (1973) Chile (1973
Argentina (1976); A influencia dos movimentos negros, feministas e contra-culturais; Relacionados com
o contexto social há no ambiente das igrejas vários acontecimentos que marcam o início da formulação do
método, o início da teologia latino americana.; No mundo evangélico os mais destacados são: O
fortalecimento do movimento ecumênico internacional, desde a fundação do Conselho Mundial de
Igrejas; A discussão sobre a temática da responsabilidade social da igreja; O desenvolvimento do
ecumenismo na América Latina, e em especial com o trabalho de ISAL (Igreja e Sociedade na América
Latina); Os esforços da Confederação Evangélica Brasileira (CEB); A realização da conferencia do
nordeste (Recife-PE, 1962) com o tema: “Cristo e o processo Revolucionário Brasileiro”; A dinâmica dos
movimentos de juventude (1950-1960) e a busca de uma fé inculturada; A contribuição do teólogo
Richard Shaull (1919-2002); Aspectos do contexto eclesial (1950-1970); No mundo católico romano,
entre vários aspectos destacamos: Os movimentos bíblicos e de renovação litúrgica em vários continentes
desde 1950; A realização do Concílio Vaticano II que entre outros aspectos possibilitou maior abertura da
Igreja para a sociedade e para o ecomenismo; As propostas pastorais politizadas das ações católicas: as
articulações da juventude estudantil e operária (JUC, JEC, JOC); A formação das comunidades eclesiais
de base (CEBS); A conferencia episcopal latino-americana de Medellin (Colombia 1968) que procurou
efetivar as mudanças da igreja católica no concílio vaticano II e destacou a opção preferencial pelos
pobres como ênfase pastoral; O desenvolvimento das pastorais especializadas (da terra, operária e outras).
214
reflexão crítica sobre a práxis histórica. Isso não garante a identidade da TL. Temos a
consciência de que as ciências sociais já tomam tais medidas, já fazem isso com
competência. Mas o que faz então uma relexão sobre a práxis ser teologia? Apesar dessa
resposta não ser tão clara, temos algumas propostas elaboradas por alguns teóricos.
De um lado a teologia pretende falar a partir da Bíblia, do evangelho, da
revelação, da substancia do cristianismo, de outro lado a teologia pretende falar a partir
das ciências humanas, privilegiando de forma notória a importância de seus dados, ao
extremo de referir-se a eles como a um ponto de partida indispensável. Esta espécie de
“fusão” ainda não se resolveu por completo, pois por trás dela está a tensão entre certa
noção de revelação que daria à Igreja critérios à priori e verdades eternas e a questão da
historicidade humana. Esta questão se complica na medida em que temos a consciência
de que a fé cristã e a revelação não existem como realidades claramente verificáveis.
Pois só existem historicamente mediatizados. Portanto entendemos que uma reflexão
crítica sobre a práxis histórica dos seres humanos será teológica e bíblica na medida em
que impute nesta práxis a fé cristã. Nesse sentido a teologia deve ser entendida não
somente como ato segundo em relação ao ato primeiro da práxis, mas também como
palavra segunda em relação à palavra primeira das ciências humanas. Dessa forma a
reflexão teológica assume a forma tripartide: análise da realidade, reflexão teológica e
considerações pastorais. Isso significa que a Teologia e a TL só poderão dar passos
significativos quando levarem a sério as exigências da interdisciplinariedade
científica.149
3.2. Medicina e Pastoral da Saúde
O objetivo da medicina é a cura do ser humano integrado, como um todo, ou
pelo menos do que é possível conhecer e transformar no homem, deixando à Deus a
salvação global da pessoa (salvação, saúde: abordagem teológica, Igreja sacramento de
salvação). Por isso seria desejável que a intervenção médica não se reduzisse apenas a
ações reparadoras setoriais e parciais. É necessário que houvesse uma integração de
todas as formas terapêuticas e curativas do doente. (Formação de agentes de saúde).
Assim teríamos, uma medicina interdisciplinar (medicina e pastoral) mais adequada:
149
JUNG, Mo, Sung. Paradigma da Teologia da Libertação. Teologia e Economia: repensando a
teologia da libertação e utopias. Petrópolis-RJ, Vozes, 1994. p. 67-97.
215
1. Para promover e recuperar a saúde que, sempre mais (até em
âmbito biológico-molecular) seja vista como sistema complexo e não
mecanicista e causalista apenas (Antropologia médica, Corporeidade:
abordagem filosófica, Doença):
2. Para alcançar, ajudar, servir, curar, o “ser humano global” e não
somente o homem biológico (Antropologia do mundo da saúde, Corporeidade:
abordagem teológica, Corporeidade: abordagem ético-sanitária).
Para que o ser humano alcance a saúde plena e a medicina chegue ao homem
todo, a teologia pastoral da saúde começa pela observação das várias dimensões da
realidade sanitária.150
150
Alguns critérios oferecem uma interpretação teológico-cristã (ou diagnóstico) do mundo da saúde.
Conclui-se com acenos à fase terapêutica que o dicionário apresenta com termos interdisciplinares, assim
como as duas fases precedentes. 1. Observação: Dados objetivos: (Genética, morte cerebral, patologias
sociais novas, experiência clínica, experiência médica). Temas pesicológicos: (Burn Out, e trabalho
sanitário, Dor: aspecto médico psicológico, Estresse e doenças psicossomáticas, Ansiedade, Depressão,
dependência tóxica, personalidade e seus distúrbios). Dimensões sociais-civis: Legislação sanitária,
Justiça, direitos humanos, direitos do doente, sociologia sanitária, OMS, Serviço Nacional da Saúde,
Instituições da Saúde). Dimensões sociais cristãs: Associações sócio-sanitárias, Conselho pastoral, comitê
ético, capelania, Hospital cristão, Comunidades Terapeuticas, Igreja Magistério e mundo da saúde, Vida
consagrada: abordagem histórica e teológica. Voluntariado sóciossanitário, Conselho Pontifício da
Pastoral para os agentes da saúde). Sujeitos do Mundo da Saúde: (Administrados hospitalar, Médico,
Enfermeiro, Religiosa, Religioso, Assistente religioso-capelão, Assistente social, leigo e pastoral da
saúde), sem esquecer “o principal sujeito”, o doente. Dimensão histórica: (Institutos, vida consagrada, e
história da assistência, pastoral da saúde: história, conceitos, campos, saúde: abordagem histórico-
cultural, Santos/as da caridade). 2. Interpretação cristã: Critério Bíblico que mostra o centro do projeto
salvífico divino para o ser humano, também no campo da saúde. (Bíblia e mundo da saúde, Sofrimento:
abordagem bíblica, Cura, Deus, Jesus Cristo, Espírito Santo). Critério Antropo-teológico: Assegura uma
visão global do ser humano. (Saúde: abordagem teológica, Graça, Pessoa,: abordagem histórico-teológica,
Mal, Pecado, Sofrimento: Abordagem teológica, Morte-morrer). Critério ético-moral: (Bioética, Ética
sanitária, Consciência e pastoral da saúde,, Pessoa: abordagem ético jurídica, Saúde: abordagem ético-
pastoral, Justiça: investimentos e saúde, Justiça: Países pobre e saúde) com os relativos temas (vida,
obstinação terapêutica, Consentimento informado, Procriação responsável e Contracepção). Critério
espiritual cristão: Como uma experiência milenar no campo da saúde. (oração, Espiritualidade, do doente,
Espiritualidade do serviço pastoral sanitário, Virtude, Compaixão, Esperança) e modelos humanos a quem
se referir ( modelos bíblicos,: o salmista, Modelos hagiográficos, Modelos leigos, São Camilo, S. João de
Deus, S. Vicente de Paulo). Critério psicológico: (psicologia da saúde e da doença, psicólogo e mundo da
saúde); Critério teológico-pastoral: (Teologia pastoral da saúde, Diagnóstico-pastoral).
3. Terapia: Intervenções médico-convencionais valorizando o aspecto humano (remédios: uso e abuso,
cuidados intensivos, cuidados paliativos). Intervenções não convencionais: (Exorcismos, Magia,
Medicina alternativa, Milagre, Musicoterapia). Intervenções psicológicas:(aliança terapêutica,
Moribundo: acompanhamento, Psicoterapia: fundadores, Psicoterapia: Rogers, relação pastoral de ajuda,
CPE-educação pastoral clínica). Ação Pastoral educativa: Camillianum, Catequese e mundo da saúde,
Cultura da Saúde: educação, evangelização e mundo da saúde, Humanização da saúde, Obras de
misericórdia, Projeto pastoral, Dia do enfermo). Ação litúrgico-sacramental (Liturgia e pastoral da saúde,
sacramentos, sacramentais, unção dos enfermos. Nesse nível saúde e salvação tocam-se ao máximo e
oferecem ao são e ao doente a oportunidade de se tornarem o dinamismo que Deus projetou para o amor.
Ver: CINA, Giusepe; LOCCI, Efício; ROCCHETTA, Carlos; SANDRIN, Luciano. Dicionário
Interdsiciplinar da Pastoral da Saúde. Editora Paulus, São Paulo. 1999.
216
Para o esclarecimento acerca dos campos que interessam à pastoral da saúde e
seu objeto formal, é necessário a utilização dos seguintes verbetes: Teologia pastoral da
saúde, Pastoral da Saúde, Bíblia, Saúde, Morte, Cultura da Saúde, Evangelização.
Para iniciarmos a exposição dos conteúdos referentes à nossa crítica em relação
aos moldes e configurações da atual intervenção médica no Brasil, queremos definir o
conceito de antropologia médica a fim de termos uma breve síntese acerca dos objetivos
mais gerais que serviriam de pilares e pressupostos para o exercício de uma medicina
que considera o ser humano de forma holístico-global, mais integrada pautada em
pressupostos éticos que possuem como fundamento proicipal o sujeito, isto é, o doente,
e a preservação da vida. Neste ensejo a disciplina especializada da antropologia,
aplicada ao estudo do ser humano e ao desenvolvimento da sua cultura médica, deve ser
vista, considerasa dentro de um contexto funcional, em que se harmonizam
manifestações físicas e psíquicas. No entanto a visão especulativa no curso dos anos, foi
submetida a reduções ideológicas e biológicas, deformando a perspectiva global do ser
humano doente.
Históricamente, antropologia médica pode definir-se como a contínua e jamais
concluída tentativa de elaborar uma reflexão sistemática, juntamente científica,
filosófica e teológica, a respeito do ser humano, enquanto são, amável, doente, curável e
mortal”.
O reconhecimento antropológico parte de duas perspectivas:
1. Histórica: considera a relação médico-paciente, em que interagem
três sujeitos: médico, doente e sociedade.
2. Cultural: considera a imagem em que se apresenta o estado de
saúde e a doença.
Tal conhecimento antropológico necessita ser elaborado à luz do profundo
estudo da medicina moderna. A acentuada ênfase ao recurso às ciências naturais
transformaram-na em ciência do corpo, empobrecendo-a no plano humano. Isso
significa que nos encontramos diante de uma medicina científica, não mais expressão de
um método clínico-relacional, mas operante somente através de meios técnicos.
Podemos perceber conforme exposto anteriormente que muitas vezes não se
respeita por exemplo, o princípio de unidade do ser humano – corpo, psique e espírito –
de sua relação com o meio ambiente. Tem lugar uma visão impessoal de ser humano.
217
Há mudança radical de perspectiva, condicionada por uma cultura social. Os conceitos,
símbolos e valores a respeito do sentido da vida são entendidos de maneira deformada.
Peculiaridade fundamental, aliás do método científico. Nos últimos 50 anos a medicina
desenvolveu-se muito, acentuadamente no âmbito científico, assumindo sempre mais as
modalidades operativas. O paradigma porém, da medicina é desenvolver-se em
profundidade, mais do que em amplitude.
No campo da ciência o segundo modelo atua com a proliferação de
especializações, antes do que no contexto de cada uma.
De fato, na medicina, a apropriação da abordagem científica levou à proliferação
de especialistas e sub-especialistas. Sua atividade formativa guiou-se por uma
concepção bio-engenheirística do corpo humano. É a decomposição do organismo em
setores, portanto, de cada um conheço a realidade fisiológica, identifico
“cientificamente”a doença, o estrago e a consequente intervenção curativa. Dá-se uma
ênfase demasiada à parte sem considerar a importância do todo, do ser humano
holísitico e articulado de forma integrada.
No âmbito porém, de uma visão antropológica da medicina, que não é ciência,
mas práxis, tão somente aquisição diagnóstico-terapêutica não é suficiente, porquanto
válida.
Diagnóstico é estado médico que atribui a cada indivíduo um estado morboso,
que não é seu momento central. Enquanto assim concebida, é organicista e não
totalizante de todos os aspectos antropológicos compreensivos de uma visão integral de
ser humano doente como pessoa.
A medicina tem e deve ter estreitas relações com as ciências humanas, sociais,
ecológicas, e com tudo o que diz respeito ao ser humano em suas relações
constitutivas.151
151
Vale ressaltar que o nosso objetivo através desta abordagem da medicina atual configurada de forma
fragmentada visa uma tentativa de nossa parte de estabelecer alguns pontos de ruptura entre tal
configuração da medicina com alguns pressupostos fundamentais da antropologia e antropologia médica.
Nesta perspectiva também fazemos uma leitura desse cenário com lentes da antropologia teológica. Não
pretendemos aplicar um olhar muito aprofundado, mas apenas ressaltar alguns pontos de ruptura entre a
configuração da medicina ocidental atual e a medicina tradicional da escola hopocrática de Cós, a
antropologia médica, a antropologia teológica e mais especificamente com o sentido do vocábulo lev
expresso no deuteronômio. O nosso objetivo é dar ênfase aos princiáis pontos de ruptura que ameaçam a
vida humana nos dias atuais. Entedemos que a antropologia teológica e bíblica possui em alguns aspectos
muita contribuição no tocante à forma de se pensar em “ser humano”. Ainda que não tomamos por
descrição da realidade a interpretação dos textos bíblicos, entendemos como um recorte da realidade que
nos fornece em forma sintética a formação do ser humano como um todo integrado consigo mesmo, com
o próximo, com o cosmos e com Deus. Estes são em linhas gerais os pré-requisitos de uma antropologia
bíblico-teológica.
218
Denominador comum será o discernimento ético da variedade dos fatores
constitutivos da doença humana. Esta engloba responsabilidades específicas que
realizam no quadro mais amplo de uma relação empática. O objeto do ato médico deve
ser a preservação da vida e o bem estar do paciente. Consequentemente será praticado
sempre em relação ao um contexto antropológico de referência bem preciso. O “bem”
não comporta somente restabelecer a saúde física, enquanto expressão de um alterado
equilíbrio corpóreo. Importa muito a dimensão subjetiva da doença, da pessoa doente,
em referencia ao seu ambiente sociocultural, a si mesmo e ao seu próprio destino. O
significado verdadeiro da doença é que ela não subsiste em si mesma, estranha ao seu
referente. Ela só existe como projeção objetiva da personalidade inteira do paciente. É a
elaboração das categorias do próprio corpo.
Eu sou o meu corpo, enquanto consigo reconhecer que este meu corpo não pode
ser rebaixado ao nível de ser este objeto, um objeto, “um alguma coisa”, o outro do
gênero. Esta modalidade de percepção do corpo, é a do corpo vivído. Permite, então,
afirmar que o doente é a sua doença. É que o vivído constrói-se na comunidade e é
elaborado pelos seus valores, pela própria história e pela concepção que ela tem do
sentido da vida.
Este são os problemas que no contexto atual encontramos. Sentimos falta de uma
medicina que considere o ser humano de forma mais holística, integrada, que considere
o ser humano como um todo. Um todo articulado consigo mesmo, com o próximo, com
o meio ambiente e com Deus. Lembrando que a análise da atual condição da medicina
atual é feita por nós através dos pressupostos da antropologia bíblico-teológica, e da
pastoral da saúde. Não temos formação em medicina, mas somos cidadãos, que falamos
muitas vezes como testemunhas, reconhecendo também a contribuição de vários
profissionais da área da saúde que não se moldam nos pressuposto mecanicistas e
materialistas. Finalizamos esta parte dando ênfase a este aspecto. Dentro de uma
perspectiva deuteronômica-antropológica e também teológica o nosso contexto atual na
América Latina é muito marcado pela ausência do lev, marcado por pressupostos que
ficam aquém de uma proposta que busca consideram o ser humano de forma mais
holísitica, e integrada. Também não temos a pretensão de afirmar que o projeto
deuteronômico é uma descrição da realidade, mas traz uma proposta que não deixa de
ser modular e desafiadora para o bem estar do ser humano em suas relações
constitutivas, principalmente no que tange ao contexto latino-americano do qual nos
referimos.
219
3.2.1. Contexto sociocultural
No contexto sociocultural em que se desenvolveu a medicina moderna, doença,
dor e sofrimento assumiram uma valência simbólica extremamente pobre. Sua
perspectiva de referencia baseia-se no modelo utilitário-hedonístico.
O ser humano hoje não é o que pensa, o que é, mas só o que ganha e produz. É
útil. Nesta visão, a doença é um “não sentido”, é o negativo do bem estar, logo deve-se
evitar de modo absoluto e a qualquer preço. A ideologia predominante é imposta de
forma que o único sentido da vida é a jovialidade, o eficientismo. Como se eles fossem
o único fim a que se dirige a vida do ser humano. É o modelo que desenvolverá uma
cultura fortemente conotativa dos direitos, porém acentuadamente deficiente e
desmotivada, na dos deveres. Há uma reivindicação da saúde e da doença, numa
perspectiva antropológica, em que “a pessoa” é o elemento ético primário, constitutivo
da sua realidade. Surge a exigência de tematizar o dever que compete aao indivíduo, em
dar dimensão ética à própria doença. Mais do que tudo, urge promover a capacidade de
prevenir a moléstia, ou de preservar a saúde. Estas necessidades não podem ser
prerrogativa de uma cultura só de direitos. A realização de semelhante perspectiva, no
contexto de uma antropologia personalista, requer a consciência, seja para o médico,
seja para o paciente, que a doença é a pessoa. Logo, ela tem finalidade, função e sentido
como toda e qualquer experiência do ser humano. Sarar é, também e sobretudo, isto:
como passar do não sentido para o sentido de viver humano, ao reapropriar-se mais
espiritual da própria vida. A nossa preocupação encontra-se nestes pontos que
caracterizam a configuração da medicina atual de forma geral. Queremos deixar
evidente que temos excelentes profissionais atuando no campo das ciências médicas,
profissionais competentes, que possuem uma visão mais holística e integrada de ser
humano em suas relações constitutivas, porém a nossa exposição refere-se à alguns
problemas que se encontram no nosso contexto dentro de um quadro geral na área
médica. Não temos competência suficiente para discutir metodologias de forma mais
específica, mas afirmamos algumas coisas constatando-as pelo testemunho, pela própria
experiência. Falamos como “cidadão” que já “experimentou” alguns dos limites da
configuração médica atual, como também já usufruiu da competência de profissionais
da área. No tocante à alguns pontos eu destacaria pelo menos dois: O primeiro, os
limites da setorialização ultra especialista que reduz o corpo humano à máquina com
220
perda da dimensão clínica-unitária. E o segundo, a metodologia de abordagem ao
paciente do tipo objetivo e muito burocratizado, portanto despersonalizado.
Contra estes o modelo científico naturalista revela bem os limites. Limites, aliás,
que evidenciam a profunda crise do modelo metodológico da medicina moderna.
Os efeitos desse antagonismo foram negativos, também na elaboração do nosso
sistema de saúde e na modalidade da gestão da saúde pública. Sobre esta unidade de
crise dos dois modelos – científico formativo e sóciopolítico – pesa a responsabilidade
de uma crescente insatisfação dos usuários cientes dos limites do sistema, acerca do
qual não lhes transmite uma resposta humanamente integrada às suas necessidades e
psicofísicas.
É preciso também avaliar o mérito das intervenções que as novas biotecnologias
permitem no campo humano. O ponto de referencia para reflexão produtiva será
somente uma antropologia médica à luz de verdade integral a respeito do ser humano e
o lugar central que este ocupa na realidade da saúde. Por isso pensamos que a medicina
deve ter vínculos mais próximos com a antropologia, ou seja, uma medicina mais
antropológica mais aberta aos valores sociais e à responsabilidade para as futuras
gerações. É imperioso, porém, que tenha fundamento ontológico, e claro, isto é, que
atue sobre um valor infinito, base da dignidade do ser humano, do momento inicial de
sua vida até ao da morte natural. É este um empenho que compete aos profissionais da
medicina, enquanto homens, antes ainda que como crentes. Só esta dimensão da
antropologia pode exprimir um juízo objetivo do estado de normalidade e do estado da
doença.
A responsabilidade de uma formação humanista carente do pessoal da saúde,
permitiu o descuido progressivo no relacionamento com o ser humano doente, é das
faculdades de Medicina, cujo ensino está centrado no parcelamento setorial do corpo
humano.
A medicina científica, quando se preocupa apenas com a constituição químico-
física do ser humano, deve considerar-se uma contradição em termos. Nesta crítica
evidencia-se a urgência de realizar uma recomposição da unidade antropológica, entre o
saber médico e o exercício da medicina, globalidade e utilidade do ser humano, que
supere os próprios objetivos naturalistas. É necessário a indicação de três aspectos a
base do saber e do agir médico conforme explicita o grande patologista clínico F.
Buchner: a essência do ser vivo, a essência da doença e a essência do ser humano. A
primeira o une a todas as criaturas, a segunda desperta nele a consciência de preservar a
221
vida em perigo, e a terceira apresenta-lhe o enigma do misterioso ser que vive sob o sol,
o ser humano.
A patologia humana não pode fechar-se dentro dos limites da biologia.
Definimos a bios humana, fundamentalmente, como unidade do corpo e espírito.
Estamos conscientes de que na realidade concreta do corpo humano a psique está
continua e imediatamente em jogo também quando doente e quando saudável. Na
patologia humana a medicina naturalista precisa de moderação em seus princípios e
guiar-se pela medicina antropológica. Com isso encontramo-nos diante da questão da
essência do ser humano.
À guisa de conclusão desta parte afirmamos que a análise da configuração da
medicina atual que fizemos possui como ponto de partida, ou predominância, um olhar
sob os pressupostos da antropologia teológica. Tais pressupostos fazem uma síntese de
ser humano, considerando-o de forma holística e integral.
Esta perspectiva apresentada pela antropologia teológica não pretende ser uma
descrição da realidade à respeito do ser humano.
O ponto central da análise da antropologia teológica é considerar o ser humano
integrado, como parte do mundo, como vinculado ao próximo e ao meio ambiente.
O ser humano é cosmos e depende dele. Nesta perspectiva é que entra a nossa
crítica. Outros setores da sociedade também possuem uma visão muito fragmentada de
“ser humano”. A religião também possui muitas limitações e deficiências.
A antropologia teológica busca reconstituir uma visão de ser humano que por
muitas vezes foi deixada na penumbra pela própria teologia com o seu excesso de
valorização à alma em detrimento do corpo, da vida concreta. Ou seja, a própria
teologia e religião pode ser marcada pela ausência do lev (objeto da nossa pesquisa)
quando atua sem considerar o lev supervalorizando as questões espirituais e não dando
devida importância à vida, ao bem estar do ser humano.
No Deuteronômio o redator deuteronomista reivindica de seus destinatários, de
seus ouvintes, a importância do lev para a vida como um todo.
Conforme já expomos anteriormente a palavra lev aparece de forma recorrente
no trabalho redacional do deuteronomista. Ele está procupado em “inculcar” os seus
destinatários a respeito da importância deste pressuposto. O seu contexto certamente
estava marcado pela ausência do lev, e por isso o reivindicava tanto de seus ouvintes.
Concluimos afirmando que, o que se espera da medicina e de todos os campos de
atuação profissional em nossos dias é que o ser humano seja mais valorizado em suas
222
relações constitutivas, que os profissionais da área da saúde principalmente atuem por
vocação, com coração, com lev, com solidariedade e não apenas visando o status que
esta ciência oferece, e o lucro.
CONCLUSÃO
No desfecho deste trabalho podemos chegar a uma melhor compreensão do
sentido, do significado, do objeto de nossa pesquisa, o vocábulo lev na perícope de Dt
6,1-9.
Para alcançarmos tal objetivo tivemos que tomar alguns procedimentos
metodológicos de análise.
Iniciamos no capítulo primeiro do trabalho com uma exposição do cânon do
livro do Deuteronômio. Visto que há uma grande diversidade de hipóteses de
estruturação do livro, fizemos a apresentação de alguns autores.
Através desta análise podemos compreender como o livro do Deuteronomio é
formado e como se organiza em blocos. Assim pudemos analizar a nossa perícope pelo
viés do seu entorno, através dos blocos maiores que a abrangem. Ainda nessa pespectiva
podemos compreender algumas das realidades concretas subjacentes à formação destes
blocos que fazem a moldura do livro. Tais estruturas foram compostas tendo como base
alguns modelos dos contratos e tratados do antigo Oriente. Tais formulações eram
organizadas e estruturadas com o objetivo de facilitar a consulta dos respectivos itens, e
também como recurso metodológico-didático para servir à memorização.
Desde já começamos a enxergar alguns indícios do sentido do vocábulo lev no
Deuteronômio, mas não queríamos no início, já pressupor os resultados da exegese, e
assim continuamos dando os respectivos passos metodológicos.
Ainda no capítulo primeiro nos empenhamos em fazer uma coleta dos textos
bíblicos onde se encontram palavras-chave e expressões recorrentes do livro do
224
Deuteronômio. Tais expressões possuem um grande número de ocorrências, por isso
demos importância para tal análise compreendendo a relevância teológica de tais
expressões. Estas palavras-chave aparecem orbitando em torno de um centro que é o
shemá Israel (Dt 6,4).
No capítulo segundo fizemos o movimento contrário, ou seja, de dentro da
perícope para fora.
Através de alguns procedimentos exegéticos analisamos o texto considerando o
contexto sócio-econômico, político, ideológico, religioso e também os vários aspectos
da linguagem, como coesão, coerência, e sintaxe. Fizemos uma análise das possíveis
relações entre os elementos do texto que formam o “tecido”, identificando o fio
condutor que rege o “emaranhado” do tecido, do texto do Dt 6,1-9.
Iniciamos apresentando uma tradução da perícope e posteriormente
decodificamos o aparato crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia.
Através deste método denominado por crítica textual, podemos identificar o
árduo trabalho dos grupos que se empenharam no projeto de preservação e transmissão
do texto, como também as supostas variantes que poderiam alterar ou não, o sentido do
texto que usamos como base para a nossa tradução.
Após estes passos introdutórios concluímos que, apesar das alterações que o
texto sofreu no decorrer da história de sua transmissão, nenhuma variante alteraria o
sentido teológico daquilo que consideramos central no texto, a saber, a confissão de fé
israelita descrita pela fórmula “shemá Israel”.
Visto que todos os procedimentos exegéticos tomados nesta pesquisa tinham
como objeto o vocábulo lev, entendemos que as variantes que fizeram parte da história
da transmissão do texto também não alterariam o sentido teológico e antropológico do
vocábulo.
Percebemos que as alterações que o texto sofreu foram em parte por causa de
minúcias, de variações dialetais que podem ocorrer no processo de desenvolvimento,
transmissão e propagação de qualquer língua. Um dos exemplos desse tipo de caso é a
frequência de inserções do chamado wav no meio de palavras. O grupo que geralmente
possuía esse hábito era o de Hibert Qunran, dos manuscritos do Mar Morto.
Porém chegamos à conclusão que, dentro do processo de preservação e
transmissão do texto poderiam ter acontecido conflitos de grupos, sendo que alguns
destes prevaleceram e se impuseram sobre os outros, talvez por questões políticas. Mas
o que nos importa no tocante a essa parte é o reconhecimento da diversidade de grupos
225
que se empenharam no processo de transmissão do texto, além de supostas variantes
que pudessem alterar o sentido teológico central que se encontra na perícope de Dt 6,1-
9.
Posteriormente no mesmo capítulo analisamos a perícope de Dt 6,1-9 sob o viés
dos vários aspectos da linguagem.
Iniciamos fazendo a delimitação, e o levantamento dos fatores que identificam a
nossa perícope como uma unidade bem coesa, com início, meio e fim claramente
demarcados.
Posteriormente analisamos o estilo literário.
Chegamos à conclusão que a perícope possui alguns indícios e aspectos da
poética hebraica, como métrica com rima, e frequentes associações de palavras no que
tange ao sentido teológico e à expressividade das mesmas, através da sonoridade das
expressões. Mas estes aspectos também possuem vínculos de ligação com documentos,
contratos e tratados jurídicos do antigo Oriente.
Entendemos que tais fatores não eram meramente recursos retóricos, mas formas
de pensamento e de aprendizado, a saber, um recurso didático utilizado na época para a
facilitação da memorização. Tais aspectos eram comuns no antigo Oriente, e sem
dúvidas Israel foi influenciado por tais formulações.
Os itens, na forma com que se apresentam organizados, são pressupostos de uma
cultura onde a memória é vista como guardadora de arquivos.
Outro fator relevante que identificamos como ponte de relação entre estes
pressupostos e a nossa perícope é o conteúdo da mesma, que traz um relato acerca da
importância de “guardar”, “preservar” as “palavras” no lev.
O deuteronomista diriji-se aos seus destinatários convocando os mesmos a serem
transmissores destas palavras da tradição.
O local do corpo onde se localizam tais arquivos é chamado de lev, o órgão da
memória, do conhecimento, da prudência, e da meditação para o deuteronomista,
predominantemente falando.
O órgão lev, que foi objeto de nossa pesquisa, é o lugar do corpo onde se
arquivam as palavras, o depositário de todas as ordenanças que deverão ser
exteriorizadas, estendidas para fora do corpo, transmitidas e repassadas, inculcadas e
recitadas para os filhos e netos.
Os destinatários do deuteronomista eram convocados a tal responsabilidade, de
transmissão dos itens que iriam ser recitados por Moisés.
226
O lev é também dotado de sentimentos. Por isso, os itens, as formulações
jurídicas, os mandamentos e estatutos que haveriam de ser transmitidos, eram fruto de
um projeto social que visava à amenização das desigualdes da época.
O lev é memória articulada no cotidiano por uma práxis concreta, onde o amor a
Deus, é expresso através da guarda dos mandamentos.
Amor este que, se estende, que se exterioriza, fazendo com que o lev seja órgão
de motivação e movimento também para fora do corpo, no espaço, “andando pelo
caminho”.
A conduta do ser humano deveria ser motivada por estes arquivos da mente que
preservavam as palavras. Tais palavras deveriam ser exteriorizadas conforme relata o
texto, a fim de que, os destinatários, e as gerações posteriores também transmitissem
tais ítens, que compõe todo o projeto do deuteronomista.
Portanto, guardar no lev implica em motivação para interiorização “destas
palavras”, e exteriorização para transmissão “destas palavras” e consequentenmente a
práxis “destas palavras”.
Estes fatores foram identificados na nossa pesquisa através da análise semântica
que denominamos também como análise de conteúdo.
Outro procedimento que nos serviu de auxílio para uma melhor compreensão do
sentido teológico da perícope de Dt 6,1-9 foi a seleção de vocábulos, onde fizemos um
levantamento das ocorrências onde se encontram os vocábulos que compõem a nossa
perícope.
Desta forma conseguimos ter uma visão global dos diversos sentidos de cada
vocábulo que ocorrem no texto.
A perícope de Dt 6,1-9, como todo texto da Bíblia Hebraica, não surgiu apenas
de gabinites, antes são declarações de fé, e às vezes possuem aspecto reacionário, isso
pelo fato de responderem a situações concretas.
Uma perícope pode ser um clamor de um orante, ou de um grupo, que vive em
determinada localidade uma situação, um problema específico. Isso é o que chamamos
de contexto, seja contexto político, social, ou econômico. Todos estes setores da vida
humana são considerados pela análise chamada de diacronia.
Podemos perceber também que o projeto do deuteronomista visava à
integralização, à unificação, à centralização de todos os elementos da vida.
A fé deveria ser única, indivisa no Deus único YHWH, que só poderia ser
cultuado num único local, aquele que Ele mesmo, YHWH escolheria.
227
Não poderia haver na vida do ser humano israelita um setor sequer que não
reconhecesse a total dependência de YHWH, isso por conta dos benefícios recebidos, a
saber, “fostes escravos no Egito, e Eu vos tirei de lá com mão forte e braço estendido”...
No capítulo terceiro fizemos uma aproximação do vocábulo lev através de uma
análise mais rigorosa, com mais afinco.
Visto que tratamos de um vocábulo polissêmico, ou seja, que possui um vasto
campo de significações, tivemos que explorar essas variações no intuito de neutralizar a
polissemia. Tal procedimento é solicitado pelos especialistas em análise semântica.
Neste ensejo analisamos o vocábulo lev em várias ocorrências do Antigo
Testamento e posteriormente no livro do Deuteronômio.
O objetivo de tal abordagem foi o incentivo da leitura dos textos bíblicos,
principalmente quando se trata de averiguar, analisar o sentido do vocábulo lev em cada
texto.
Entendemos que a exposição destes textos são de grande valia para a pesquisa,
mesmo porque estamos valorizando existencialmente, concretamente as reivindicações
deuteronomistas acerca da importância da reflexão, do “inculcar”, da observância dos
mandamentos, estatutos e juízos, kol hayamim, “todos os dias”.
Portanto entendemos que o órgão lev, “coração”, é descrito como sede da
memória, órgão do domínio ético, órgão da prudência, da sabedoria, e da meditação.
O lev é visto também no pensamento deuteronômico, como órgão vinculado à
esfera dos sentimentos, ou seja, o deuteronomista não o reduz apenas à esfera da
racionalidade.
O lev possui desdobramentos concretos, de solidariedade e justiça, de
responsabilidade e vínculos com o amor ao próximo.
O lev refere-se ao todo, ao ser humano integrado e holístico que é razão, mas
também é emoção. Lev é memória partilhada, vivenciada, convivida.
Lev conforme abordamos anteriormente é motivação e movimento, é
internalização das leis que promovem a vida e a exteriorização delas pela práxis,
daquilo que se encontra armazenado na mente, no coração.
Por isso no contexto latino-americano é necessário, em todos os setores da vida
humana a presença destes pressupostos, que remontam a vida integrada, considerada
como um todo.
O problema da saúde e da educação no Brasil pôde ser analisado na parte que
denominamos de Hermenêutica, nesta pesquisa.
228
Vivemos num contexto marcado pela ausência do lev, coração.
Nesta parte a nossa exposição se limitou apenas a uma análise da condição
humana atual no que tange à configuração da medicina moderna, estabelecendo alguns
limites da mesma.
Neste ensejo concordamos com a máxima, com a pauta da teologia latino
americana da libertação, a saber, a amenização das injustiças e desigualdades. Tais
medidas possuem seus pressupostos na literatura bíblica, tanto na perspectiva dos
profetas, como também no contexto do livro do Deuteronômio.
Ainda nesta persectiva podemos dizer que a teologia é uma ciência, uma
interpretação, que precisa ser feita também com o lev, coração.
Neste enfoque é que se encontra a dimensão crítica da teologia latino-americana.
Esta dimensão também deveria ser repensada por todo sistema teológico que interpreta a
condição humana com ênfase na racionalidade.
As nossas leis, nos dias atuais, devem ser articuladas com o sentimento de
solidariedade, pois é notório que vivemos num mundo fortemente marcado pela
ausência do lev, coração. Ausência do lev como “motivação e movimento”.
Muitas vezes o lev tem motivações, mas falta movimento e engajamento. Por
outro lado, muitas vezes nos dias atuais o lev quando se movimenta traz consigo
motivações incorretas que apenas visam o lucro e o consumismo exacerbado.
Talvez uma leitura crítica desse quadro pode ser feita nos dias atuais pelo viés da
reivindicação do lev pelo deuteronomista, o lev como um todo indiviso, sem tais lacunas
que acabam por decompor a unidade do ser humano descentralizando-o de suas relações
constitutivas, a saber, na relação consigo mesmo, com o próximo, com o meio ambiente
e com Deus.
BIBLIOGRAFIA
Artigos
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Ta-Shema. Journal of Library History (1974-1987), Vol. 13, No. 2 (Spring, 1978), pp.
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