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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito Renan Santos de Azevedo ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS Belo Horizonte 2020

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Page 1: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

Renan Santos de Azevedo

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE ALIENAÇÃO

FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS

Belo Horizonte

2020

Page 2: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

Renan Santos de Azevedo

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE ALIENAÇÃO

FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Privado.

Orientador: Professor Doutor Rodrigo Almeida Magalhães Área de concentração: Democracia, Autonomia Privada e Regulação

Belo Horizonte

2020

Page 3: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Azevedo, Renan Santos de

A994a Análise econômica do direito no contrato de alienação fiduciária em

garantia de bens imóveis / Renan Santos de Azevedo. Belo Horizonte, 2020.

116 f.

Orientador: Rodrigo Almeida Magalhães

Mestre (Dissertação) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito

1. Análise econômica - Aspectos jurídicos. 2. Teoria dos jogos. 3. Alienação

fiduciária - Legislação - Brasil. 4. Contratos - Revisão - Aspectos econômicos -

Brasil. 5. Direito e economia - Brasil. 6. Execução de imóveis. I. Magalhães,

Rodrigo Almeida. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 347.235

Ficha catalográfica elaborada por Fernanda Paim Brito - CRB 6/2999

Page 4: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

Renan Santos de Azevedo

ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE ALIENAÇÃO

FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Privado.

Área de concentração: Democracia, Autonomia Privada e Regulação

Prof. Doutor Rodrigo Almeida Magalhães – PUCMINAS (Orientador)

Prof. Doutor Eduardo Goulart Pimenta – PUCMINAS (Banca Examinadora)

Prof. Doutor Leonardo Macedo Poli – PUCMINAS (Banca Examinadora)

Prof. Doutor Aluer Baptista Freire Júnior – FADILESTE (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 14 de outubro de 2020.

Page 5: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

RESUMO

A presente dissertação tem por conteúdo a disciplina jurídica denominada análise econômica

do direito, que mobiliza os conhecimentos e ferramentas da economia para realizar o estudo

dos institutos jurídicos. Utilizando-se de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, demonstra-se

que o objeto das Ciências Econômicas é o estudo do comportamento humano, mais

precisamente como as pessoas decidem diante de recursos escassos. E diante da inegável

relação entre a Economia e o Direito é que nasce a Análise Econômica do Direito, que se utiliza

dos conhecimentos econômicos para reinterpretar os institutos jurídicos, notadamente como as

regras incentivam ou desincentivam os comportamentos humanos. De acordo com a Análise

Econômica do Direito e, mais especificamente, a Teoria Econômica dos Contratos, analisa-se

a Alienação Fiduciária em Garantia sobre bens imóveis, regulamentada pela Lei 9.514/97, com

o objetivo de verificar se o instituto, conforme normatizado, possibilita a geração de um sistema

eficiente de garantia dos financiamentos imobiliários. Concluiu-se que referida lei viabiliza a

alocação eficiente dos bens imóveis na sociedade, bem como o comportamento cooperativo

entre as partes contratantes e, de forma geral, a redução dos custos de transação ao tornar mais

eficiente a recuperação do crédito pelas instituições financeiras, muito embora ainda seja

desejável realizarem-se ajustes para que haja a possibilidade de as partes realocarem os direitos

de forma eficiente em caso de inadimplemento.

Palavras-chave: Economia. Análise econômica do direito. Teoria dos jogos. Teorema de

Coase. Teoria econômica dos contratos. Alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis.

Page 6: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

ABSTRACT

This dissertation has as its content the legal discipline called economic analysis of law, that

uses the knowledge and tools of microeconomics to conduct the study of legal institutes. Using

doctrinal and jurisprudential research, it is demonstrated that the object of Economic Sciences

is the study of human behavior, more precisely how people decide in the face of scarce

resources. And, in view of the undeniable relationship between Economics and Law, Economic

Analysis of Law emerges, which uses economic knowledge to reinterpret legal institutions,

notably how the rules encourage or discourage human behavior. According to the Economic

Analysis of Law and, more specifically, the Economic Theory of Contracts, analysis the

Fiduciary Sale in Guarantee on real estate which is regulated by Law 9.514 / 97, that aims to

generate an efficient system for guaranteeing real estate financing. It was noticed that this Law

enables the efficient allocation of real estate in society, as well the cooperative behavior

between the contracting parties and, in a general way, the reducing of transactions costs by

making credit recovery by financial institutions more efficient, although it is still desirable to

make adjustments so that there is the possibility for the parties to reallocate rights efficiently in

the event of default.

Key words: Economic Sciences. Economic analysis of law. Game Theory. Coase Theorem.

Economic Theory of contracts. Fiduciary sale in guarantee on real state.

Page 7: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AED Análise Econômica do Direito

Art. Artigo

Page 8: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

2 O QUE É ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO?............................................. 17

2.1 O que são as Ciências Econômicas? .......................................................................... 17

2.2 O que é Microeconomia? ........................................................................................... 24

2.3 Histórico da Análise Econômica do Direito ............................................................. 28

2.4 A análise econômica do direito. ................................................................................. 31

2.5 A racionalidade limitada. .......................................................................................... 33

2.6 Teoria dos Jogos ......................................................................................................... 35

2.7 Teorema de Coase ...................................................................................................... 40

3 ANÁLISE ECONÔMICA DO CONTRATO .......................................................... 45

3.1 A Teoria da Barganha ................................................................................................ 45

3.2 A Teoria Econômica do Contrato ............................................................................. 46

4 O DIREITO CONTRATUAL BRASILEIRO ......................................................... 53

4.1 Conceito ....................................................................................................................... 53

4.2 Elementos e requisitos de validade ........................................................................... 55

4.3 Princípios ..................................................................................................................... 58

4.3.1 Contexto Histórico no Estado Liberal ........................................................................ 58

4.3.2 Contexto Histórico no Estado Social e contemporâneo no Brasil .............................. 61

4.3.3.1 Princípio da Autonomia Privada .............................................................................. 65

4.3.3.2 Princípio da Obrigatoriedade .................................................................................... 67

4.3.3.3 Princípio da Boa-fé Objetiva ..................................................................................... 67

4.3.3.4 Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos ............................................... 69

4.3.3.5 Princípio da Função Social....................................................................................... 71

5 O NEGÓCIO FIDUCIÁRIO E O CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA ......................................................................................................... 75

5.1 Histórico e modalidades de negócio fiduciário. ....................................................... 75

5.2 Histórico da alienação fiduciária em garantia no Brasil ........................................ 81

5.3 Conceito de alienação fiduciária em garantia .......................................................... 84

6 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS REGIDA PELA LEI 9.514/97 .................................................................................................... 87

6.1 Conceito e principais características ........................................................................ 87

6.2 Adimplemento e inadimplemento do contrato de alienação fiduciária em garantia ...................................................................................................................................... 89

6.3 A Lei 9.514/97 no Superior Tribunal de Justiça. ..................................................... 93

7 ANÁLISE ECONÔMICA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DA LEI 9.514/97 ................................................................................................................ 97

7.1 Análise da Lei 9.514/97 segundo as premissas econômicas .................................... 97

7.2 Análise da Lei 9.514/97 segundo a Teoria Econômica dos Contratos. ................ 100

8 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 109

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 111

Page 9: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

13

1 INTRODUÇÃO

A análise econômica do direito é uma disciplina jurídica surgida nos Estados Unidos da

América, na Universidade de Chicago, na década de 1960, e possui como método a utilização

das ferramentas da economia para a realização de análise do direito. Tem como seus precursores

Ronald Coase, Guido Calabresi, Gary Becker e Richard Posner.

Nasceu diante da percepção de que o direito e a economia se influenciam

reciprocamente. A economia tem por objeto o estudo do comportamento humano, mais

precisamente como as pessoas tomam decisões diante de recursos escassos. Para o estudo da

tomada de decisão, pressupõe-se que as pessoas são racionais, isto é, dentre as opções que lhes

são apresentadas, escolhem aquela que maximiza uma satisfação ou um bem-estar.

O direito, por sua vez, cuida do dever ser, estabelecendo quais comportamentos

humanos são permitidos e quais são proibidos. Ocorre, entretanto, que, ao estabelecer sanções

ao comportamento humano, o direito não o controla diretamente, mas apenas indiretamente.

Nesse sentido, as normas jurídicas funcionam como incentivos ou desincentivos aos

comportamentos humanos. No caso do direito contratual, determinadas normas podem facilitar

a realização de determinados negócios jurídicos, deixá-los mais caros ou mais baratos, facilitar

ou dificultar seu adimplemento e, inclusive, podem ser obstáculos intransponíveis para a sua

realização ou levar uma quantidade significativa de pessoas a contratarem no mercado paralelo

(mercado negro).

Valendo-se de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, a presente dissertação se inicia

com a análise econômica do direito, que utiliza o conhecimento proporcionado pela economia

para analisar as regras jurídicas. Isto é, verificar se atingem seu objetivo de forma eficiente e,

eventualmente, propõe alterações para que determinados comportamentos sejam observados.

Tendo em vista que em uma relação contratual há interação interpessoal dos

contratantes, é importante conhecer a Teoria dos Jogos1. Nessa teoria, à interação interpessoal

chama-se “jogos”, eis que os comportamentos dos contratantes são reciprocamente

influenciados. Essas interações podem ser de puro conflito, quando é impossível a observância

de comportamentos coordenados, como o caso de guerra; podem ser de coordenação, em que

1A Teoria dos Jogos originou-se do trabalho do matemático Von Neumann de 1928 (Zur Theorie der Gesellschftsspiele) mas a obra principal é a desse mesmo autor em coautoria do Oskar Morgenstern denominada The theory of Games and Economic Bahavior, de 1944. A teoria desenvolveu-se com os trabalhos de John Nash, John C. Harsanyi e Richard Selten, sendo que a obra mais proeminente no campo do Direito é a de autoria de Baird, Gertner e Picker, denominada Game Theory and the Law. BECUE, Sabrina Maria Fadel. Teoria dos Jogos. In: In: O que é análise econômica do direito: uma introdução. In. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinícius. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 118.

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as pessoas têm maior interesse em adotar um comportamento compatível com o comportamento

dos demais jogadores, no lugar de incorrer em conflito; e podem ser de cooperação, nas quais

as pessoas possuem boa vantagem em cooperar, mas uma vantagem maior ainda se enganarem

os outros jogadores.

O Teorema de Coase2 também é importante para o estudo dos contratos.

Revolucionando o estudo da economia, sendo um dos artigos mais citados pelos economistas,

informa que as pessoas, diante de uma situação de conflito de interesses, sempre chegarão a

uma solução eficiente se os custos de transação forem baixos. Portanto, o conceito de custos de

transação é fundamental para a compreensão da relação contratual, notadamente diante de uma

situação de conflito na qual torna-se necessária a realocação dos direitos inicialmente

distribuídos.

A Teoria Econômica dos Contratos3 se utiliza desse conhecimento proporcionado pela

economia para reinterpretar o direito contratual segundo sua função econômica, que é

possibilitar a realização de trocas eficientes no mercado até que os bens escassos estejam com

aquelas pessoas que mais os valorizam. Para tanto, elenca como objetivos principais do direito

contratual a identificação de quais promessas podem ser exigidas judicialmente, a

transformação de jogos não cooperativos em jogos cooperativos e a redução dos custos de

transação.

Diante da Teoria dos Jogos, apresenta-se o instituto negócio fiduciário, apontando-se

seus aspectos históricos desde os primórdios do direito romano e sua inserção no ordenamento

jurídico brasileiro.

Após, estuda-se a alienação fiduciária em garantia sobre bem imóvel regulamentada

pela Lei 9.514/97, cujo objetivo era substituir o sistema de garantias existentes desde o direito

romano, notadamente a hipoteca, para uma que fosse mais eficiente, assim possibilitando uma

vantagem ao fiduciante, que poderia financiar imóveis a uma taxa de juros mais baixa, e uma

às instituições financeiras, que teriam uma forma mais célere de fazer cumprir o que fora

prometido pelo fiduciante. Apresentam-se o conceito da alienação fiduciária em garantia e seus

aspectos essenciais, especialmente as questões relativas ao adimplemento e inadimplemento,

bem como as principais decisões judiciais no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Justifica-se a interpretação do contrato de alienação fiduciária em garantia de bem

imóvel sob a perspectiva da análise econômica do direito, de onde se extraiu a Teoria

2 COASE, R. H. O problema do custo social. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.07, n.26, p.135-191, abr./jun. 2009. 3 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010

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Econômica do Contrato, a fim de verificar se a Lei 9.514/97 possibilita a alocação eficiente dos

bens imóveis em sociedade, assim cumprindo sua função social, bem como se possibilita o

comportamento cooperativo entre os contratantes e a redução dos custos de transação, tanto no

momento da realização do contrato quanto se for necessária a realocação dos direitos em caso

de eventual inadimplemento.

Ao final, emana-se conclusão acadêmica, realizada de forma construtiva de acordo com

a doutrina e jurisprudência estudadas.

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2 O QUE É ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO?

Para bem entender a análise econômica do direito (AED), é necessário inicialmente

conhecer do que tratam as Ciências Econômicas, seu objeto de estudo e seus aspectos principais,

bem como a Microeconomia, que é o fundamento da Análise Econômica do Direito. Após,

apresenta-se o histórico da AED, seu conceito e seus fundamentos, abordam-se a questão da

racionalidade limitada, a Teoria dos Jogos e, por fim, o Teorema de Coase.

2.1 O que são as Ciências Econômicas?

Garófalo4 ensina que a palavra economia se origina do grego (oïko noméoh), sendo seu

significado a correta gerência ou administração da casa, moradia, ou lar, não apenas das

famílias, mas também das atividades comerciais. Foi traduzida para o latim como oeconomia,

mantendo-se a essência de seu significado.

Mankiw5 diz que, embora essa origem possa parecer “estranha”, “os lares e a economia

têm muito em comum”, pois em ambos os casos é necessário tomar decisões acerca de como

serão utilizados os recursos escassos.

4 “O vocábulo economia etimologicamente deriva da expressão grega oïko noméoh, significando uma boa, correta,

organizada e/ou ordenada administração, gerenciamento (nómous) da casa, moradia, lar, e/ou da família (óikos). Corresponde à junção dos vocábulos oikos (casa) e nomos (regras), indicando que a função de quem se dedica ao estudo e à prática da Ciência Econômica é a ‘gerência da casa’, não apenas o teto de cada um, mas a residência de todas as famílias e empresas. Por outro lado, a palavra economia pode ser entendida como derivada do latim ‘oeconomia’, traduzindo: a arte ou ciência de estar disposto a bem administrar a casa ou um estabelecimento público ou privado.” GARÓFALO, Gilson de Lima (Org.). Fundamentos de teoria microeconômica contemporânea. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. E-book. p. 2.

5 MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 3-4.

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18

Modernamente6, a Economia é o ramo do conhecimento cujo objeto é a escolha humana,

num contexto de recursos escassos7, e como esses recursos são utilizados pela sociedade8. Nas

palavras de Stiglitz e Walsh9, aquele laureado com o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas

em 200110 “a Economia estuda como as pessoas, empresas, governos e outras organizações da

nossa sociedade fazem escolhas e como essas escolhas determinam a forma como a sociedade

utiliza seus recursos”.

No mesmo sentido Besanko e Braeutogam11 e Vasconcelos12, sendo que esse último nos

informa que as sociedades, quaisquer que sejam, são obrigadas a fazer escolhas sobre três

questões básicas: o que e quanto produzir; como produzir; e para quem produzir.13

6 “A publicação de 1776 de The Wealth of Nations, de Adam Smith (1723-1790), é normalmente considerada o

início da economia moderna. Em seu vasto e abrangente trabalho, Smith estabeleceu a fundação para o pensamento sobre as forças do mercado de forma ordenada e sistemática. Ainda assim, Smith e seus sucessores imediatos, como David Ricardo (1772-1823), continuaram lutando para descobrir uma forma de descrever a relação entre valor e preço. Para Smith, por exemplo, o valor de uma mercadoria significava, com frequência, seu ‘valor em uso’, enquanto o preço representava seu ‘valor em troca’. A distinção entre esses dois conceitos foi ilustrada pelo famoso paradoxo água-diamante. Água, que obviamente tem grande valor em uso, possui pouco valor em troca (tem um preço baixo); diamantes têm pouco uso prático, mas possuem alto valor de troca. O paradoxo sobre o qual os primeiros economistas discutiram deriva da observação de que alguns itens úteis possuem preços baixos, enquanto alguns itens não essenciais apresentam preços altos.” NICHOLSON, Walter. Teoria microeconômica: princípios básicos e aplicações. São Paulo: Cengage Learning, 2018. p. 8.

7 “A escassez existe porque as necessidades humanas a serem satisfeitas através do consumo dos mais diversos tipos de bens (alimentos, roupas, casas etc.) e serviços (transporte, assistência médica etc.) são infinitas e ilimitadas, ao passo que os recursos produtivos (máquinas, fábricas, terras agricultáveis, matérias-primas etc.) à disposição da sociedade e que são utilizados na produção dos mais diferentes tipos de produtos são finitos e limitados, ou seja, são insuficientes para se produzir o volume de bens e serviços necessários para satisfazer as necessidades de todas as pessoas.” NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed., São Paulo: Cengage Learning, 2016. p. 4.

8 “A Economia é um ramo das Ciências Sociais cujo foco é a forma pela qual a sociedade realiza suas escolhas de produção de bens e serviços com o objetivo de satisfazer as necessidades humanas, considerando que os recursos disponíveis para tal produção são escassos”. DIAS, Marcos de Carvalho. Economia fundamental: guia prático. São Paulo: Erica, 2015. p. 11.

9 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 8.

10 THE SVERIGES Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel 2001. NobelPrize.org. Nobel Media. AB 2019. 5 Nov 2019. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2001/summary/. Acesso em: 28 set. 2020.

11 “Economia é a ciência que estuda a alocação de recursos limita- dos para satisfazer necessidades humanas ilimitadas.” BESANKO, David; BRAEUTIGAM, Ronald R. Microeconomia: abordagem completa. Rio de Janeiro: LTC - Livros Técnicos e Científicos, 2004. E-book. p. 2.

12 “Etimologicamente, a palavra economia vem do grego oikos (casa) e nomos (norma, lei). No sentido original, seria a “administração da casa’’, que foi generalizada como “administração da coisa pública”. Economia pode ser definida como a ciência social que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem utilizar recursos produtivos escassos, na produção de bens e serviços, de modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, com a finalidade de satisfazer às necessidades humanas.” VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de. Economia: micro e macro: teoria e exercícios, glossário com os 300 principais conceitos econômicos. 6. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2015. Recurso online. p. 3.

13 “Todas as sociedades, qualquer que seja seu tipo de organização econômica ou regime político, são obrigadas a fazer opções, escolhas entre alternativas, uma vez que os recursos não são abundantes. Elas são obrigadas a fazer escolhas sobre O QUE E QUANTO, COMO e PARA QUEM produzir: O QUE E QUANTO produzir: a sociedade deve decidir se produz mais bens de consumo ou bens de capital, ou, como num exemplo clássico: quer produzir mais canhões ou mais manteiga? Em que quantidade? Os recursos devem ser dirigidos para a produção de mais bens de consumo, ou bens de capital?

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19

Stiglitz e Walsh continuam ensinando que a Economia se utiliza de cinco conceitos

básicos para entender como as escolhas das pessoas são feitas. Esses conceitos são denominados

“trade-offs”, incentivos, trocas, informações e distribuição14.

“Trade-offs” é a escolha entre os recursos escassos. Os recursos na sociedade são

escassos porque são limitados, finitos, sendo que em boa parte das vezes sua limitação decorre

da renda das pessoas. Mas não é só a renda a responsável pela limitação dos recursos. Eles

podem ser limitados também pelo tempo, por exemplo, pelo espaço ou qualquer outro

limitador.15

Logo, uma pessoa pode escolher comprar um veículo automotor novo por cinquenta mil

reais, básico, com motorização pouco potente, ou um seminovo, mais completo e com motor

mais potente, mas pelo mesmo preço. Contudo, não poderá comprar os dois, pois essa pessoa

possui apenas cinquenta mil reais.

Isso não aconteceria com uma pessoa rica. No entanto, inclusive essa pessoa rica é

obrigada a fazer escolhas entre recursos escassos diariamente. Isso porque, mesmo suas

escolhas não sendo limitadas pela renda, elas o são pelo tempo. Observe-se que essa pessoa

rica, embora possa ter qualquer dos veículos que deseja, inclusive os dois ou mais, não poderá

dirigi-los ao mesmo tempo.

Embora essa mesma pessoa rica não tenha limites para gastos em restaurantes, ela não

poderá estar em dois lugares ao mesmo tempo. Portanto, terá de escolher, em um sábado à noite,

ir a um restaurante com a família ou ir a um outro restaurante com os amigos, embora possa

tomar os vinhos que quiser.

Nas palavras de Mankiw16, “trade-offs é um termo que define uma situação de escolha

conflitante, isto é, quando uma ação econômica que visa à resolução de determinado problema

acarreta, inevitavelmente, outros”.

Os incentivos são os prós e os contras de uma escolha, ou seja, seus aspectos

positivos e negativos. A economia estuda como as pessoas fazem suas escolhas e como essas

COMO produzir: trata-se de uma questão de eficiência produtiva: serão utilizados métodos de produção capital-intensivos? Ou mão de obra-intensivos? Ou terra-intensivos? Essa decisão depende da disponibilidade de recursos de cada país. PARA QUEM produzir: a sociedade deve decidir quais os setores que serão beneficiados na distribuição do produto: trabalhadores, capitalistas ou proprietários da terra? Agricultura ou indústria? Mercado interno ou mercado externo? Região Sul ou Norte? Ou seja, trata-se de decidir como será distribuída a renda gerada pela atividade econômica. VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de. Economia: micro e macro: teoria e exercícios, glossário com os 300 principais conceitos econômicos. 6. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2015. Recurso online. p. 3.

14 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 15 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 16 MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 4.

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20

mesmas escolhas podem se alterar caso exista modificação nas circunstâncias em que a tomada

de decisão é realizada17.

Mankiw18 acrescenta, aduzindo que os incentivos seriam o ponto mais importante de

todo o conhecimento econômico, bem como que a comparação entre prós e contras, ou seja,

entre custo e benefício, necessita que as pessoas sejam racionais19.

De acordo com Stiglitz e Walsh20:

Os economistas analisam as escolhas pensando nos incentivos. Num contexto econômico, incentivos são benefícios (incluindo redução de custos) que motivam o tomador de decisão a fazer determinada opção. Muitas coisas podem afetar os incentivos, mas dentre as mais importantes está o preço.

Nesse sentido, os autores acima referidos continuam ensinando que o aumento de preço

de um recurso utilizado na produção de uma empresa, seja ele ligado à mão-de-obra ou a

equipamentos, pode fazer com que novos métodos de produção sejam adotados para que os

custos decorrentes do trabalho e do maquinário sejam reduzidos.

Os incentivos também são afetados pelo retorno que as pessoas esperam. Assim, se as

pessoas com ensino superior auferem mais renda dos que as sem ensino superior, isso é um

incentivo para que uma maior quantidade de pessoas procure cursar uma faculdade.

Concluem asseverando que o que os economistas fazem é procurar identificar os

incentivos que levam as pessoas a tomarem uma decisão no lugar da outra para que assim

possam entender os motivos determinantes das escolhas.

Para ilustrar como os incentivos afetam a decisão das pessoas, destacam-se os laureados

com o Prêmio Nobel de Economia de 2019, Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer,

por suas pesquisas em campo para redução da pobreza no mundo21.

17 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 18 “Um incentivo é algo que induz uma pessoa a agir, tal como a perspectiva de uma punição ou recompensa.

Como as pessoas racionais tomam decisões comparando custo e benefício, elas respondem a incentivos. Você verá que os incentivos desempenham um papel importante no estudo da economia. Certo economista sugeriu que todo o conhecimento econômico poderia ser simplesmente resumido com a seguinte frase: “Pessoas reagem a inventivos. O resto são Comentários”.”. MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 7.

19 “Os economistas presumem que as pessoas são racionais. Uma pessoa racional faz o melhor para alcançar seus objetivos, sistemática e objetivamente, conforme as oportunidades disponíveis”. MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 6.

20 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 9.

21 “One important issue is whether medicine and healthcare should be charged for and, if so, what they should

cost. A feld experiment by Kremer and co-author investigated how the demand for deworming pills for parasitic

infections was afected by price. They found that 75 per cent of parents gave their children these pills when the

medicine was free, compared to 18 per cent when they cost less than a US dollar, which is still heavily

Page 17: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

21

Uma das conclusões dos trabalhos realizados pelos laureados diz respeito à saúde das

populações mais pobres. Sobre os tratamentos médicos preventivos, as pesquisas demonstraram

que as pessoas pobres são extremamente sensíveis aos seus custos. Setenta e cinco por cento

dos pais das comunidades estudadas dão vermífugos aos filhos quando a medicação é gratuita.

Mas essa porcentagem cai para apenas dezoito por cento quando é cobrado menos de um dólar

por remédio.

Outra conclusão desses trabalhos é que a baixa qualidade do serviço médico preventivo

faz com que as famílias pobres deixem de utilizá-lo. Realizando pesquisa em campo em uma

comunidade na Índia, percebeu-se que a mera substituição dos centros de saúde físicos por

centros de saúde móveis faz com que a vacinação preventiva das crianças salte de seis para

dezoito por cento. E essa porcentagem salta para trinta e nove por cento quando as famílias

ganham um pacote de lentilha para levar as crianças para a vacinação. Considerando que o custo

para manutenção dos centros de saúde é fixo, mesmo com o acréscimo das despesas com a

lentilha o valor gasto por vacina cai de cinquenta e seis dólares, quando apenas dezoito por

cento das crianças são vacinadas, para vinte e oito dólares, quando trinta e nove por cento das

crianças são vacinadas.

Quanto às trocas, Stiglitz e Walsh informam que em um cenário de trocas voluntárias,

denominado mercado, ambas as partes que realizam determinada troca saem em uma condição

melhor após sua realização, com o bem-estar maior22.

Esclarece Mankiw23 que esse bem-estar é proporcionado pelas livres trocas no mercado

não apenas às pessoas que realizam uma determinada troca voluntária, mas à sociedade como

um todo, ainda que cada pessoa, em si, esteja pensando unicamente eu seu bem individual24.

subsidised. Subsequently, many similar experiments have found the same thing: poor people are extremely

price-sensitive regarding investments in preventive healthcare.

Low service quality is another explanation why poor families invest so little in preventive measures. One

example is that staf at the health centres that are responsible for vaccinations are often absent from work.

Banerjee, Dufo et al. investigated whether mobile vaccination clinics – where the care staf were always on site

– could fx this problem. Vaccination rates tripled in the villages that were randomly selected to have access to

these clinics, at 18 per cent compared to 6 per cent. This increased further, to 39 per cent, if families received

a bag of lentils as a bonus when they vaccinated their children. Because the mobile clinic had a high level of

fxed costs, the total cost per vaccination actually halved, despite the additional expense of the lentils.” BANERJEE, Abhijit; DUFLO, Esther; KREMER, Michael. The Prize in Economic Sciences 2019. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2019. Tue. 5 Nov 2019. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2019/summary/. Acesso em: 5 out. 2020.

22 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 23 MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. 24 “Em 1976, em uma passagem famosa de seu livro A riqueza das nações, o pioneiro economista Adam Smith

escreveu sobre como os indivíduos, buscando seu interesse próprio, muitas vezes acabam servido ao interesse da sociedade em seu conjunto. De um homem de negócios cuja busca de lucro torna a nação mais rica, Smith escreveu: “Ele procura apenas seu próprio ganho e, nisso, como em muitos outros casos, é levado por uma mão invisível a promover um fim que não estava em suas intenções”. Desde então, os economistas usam o termo mão invisível para referir-se à maneira pela qual uma economia de mercado consegue domar o poder do

Page 18: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

22

A análise das trocas realizadas no mercado, que em sua maioria são orientadas pelos

preços dos bens e serviços negociados, informa como os recursos escassos são alocados, quem

e como está produzindo os bens e serviços e quem está ganhando algo. Como afirmam Stiglitz

e Walsh25, “de algum modo, as decisões que são tomadas por pessoas, famílias, empresas e

governos – determinam, com conjunto, como os recursos limitados da economia, incluindo

terra, trabalho, máquinas, petróleo e outros recursos naturais são usados.”

Stiglitz e Walsh26 informam, também, que a livre realização de trocas no mercado pode

gerar resultados não desejados pela população, como poluição, desigualdades sociais,

problemas com a segurança, saúde e educação. Esses resultados não desejados, que incidem

sobre o bem-estar de outros, chamam-se externalidades 27.

Assim ocorrendo, o governo pode intervir, seja realizando a regulamentação de

determinada atividade econômica, seja ampliando a rede de proteção aos mais necessitados,

como programas de seguro-desemprego, previdência e outros programas sociais28.

O mesmo ponto de vista parece ter Mankiw29, segundo o qual os resultados já

satisfatórios do mercado podem ser melhorados pelo Estado, através de instituições como a

polícia e os tribunais, que teriam como função garantir e fazer valer o direito sobre as coisas

produzidas pelas pessoas.

O Estado, outrossim, poderia intervir na economia para promover maior eficiência, haja

vista que nem sempre a alocação de recursos escassos pelo mercado é satisfatória, seja em razão

das externalidades seja em razão do abuso do poder de mercado. Também poderia intervir para

reduzir a desigualdade na distribuição do bem-estar econômico, pois uma economia de

mercado, por si só, não garante a todos condições de vida decentes e adequadas30.

Ocorre, contudo, que essa intervenção se dá apenas de forma indireta, ou seja, a alocação

dos recursos escassos continua sendo determinada pelas trocas voluntárias no mercado. Há,

interesse próprio em favor do bem da sociedade.” KRUGMAN, Paul R.; WELLS, Robin. Introdução à economia. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier: Campus, 2015, p. 2

25 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p.10.

26 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 27 “Como veremos, uma possível falha de mercado é a externalidade, que é o impacto das ações de uma pessoa

sobre o bem-estar dos que estão próximos. Um exemplo clássico de externalidade é a poluição.” MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p.12.

28 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 29 MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. 30 “A mão invisível não garante que todos tenham comida suficiente, roupas decentes e atendimento médico

adequado. Essa desigualdade pode, dependendo da filosofia política, exigir intervenção do governo. Na prática, muitas políticas públicas, como o imposto de renda e o sistema de seguridade social, tem por objetivo atingir uma distribuição mais igualitária do bem-estar econômico.” MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p.13.

Page 19: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

23

entretanto, governos que intervém nos mercados de forma mais direta, ou seja, fixando o que e

qual a quantidade será produzida, quem a produzirá e, também, fixando os salários. Esse

modelo, em que a alocação de recursos é decidida pelo governo31, foi adotado pela União

Soviética entre 1917 e 1991 e gerou resultados insatisfatórios, como o desabastecimento, por

exemplo32.

Fazendo-se a análise desses dois modelos, o intervencionista e o não intervencionista,

Stiglitz e Walsh33 apontam as vantagens do sistema de mercado, pois, além de assegurar o uso

eficiente de recursos, também resulta no desenvolvimento de novas tecnologias e produtos, o

que acaba sendo positivo para as pessoas.

Por óbvio, para a realização da tomada de decisão é necessário que as pessoas tenham

informações acerca de suas opções, para que assim seja possível sopesar os custos e os

benefícios de cada escolha. Portanto, informações falsas ou imprecisas influenciam a decisão34.

Quanto ao último conceito, distribuição, Stiglitz e Walsh ponderam que na economia de

mercado, a determinação sobre os bens e serviços a serem produzidos e como serão produzidos

é feita pelo mercado, onde ocorrem as trocas livres entre as pessoas, mas que também determina

para quais pessoas esses bens e serviços serão produzidos, ou seja, como os bens serão

distribuídos entre elas. Portanto, o modo como a riqueza é distribuída é determinado pelo

mercado. Assim sendo, os governos podem realizar medidas destinadas a reduzir os efeitos

indesejáveis acerca de como a riqueza é distribuída, sendo que o grande desafio das economias

atuais é equilibrar a igualdade de sua distribuição com a eficiência do mercado35.

Portanto, economia é o ramo do conhecimento humano que tem por objeto a escolha

humana entre os recursos escassos e como eles serão utilizados pela sociedade, possuindo cinco

pilares elementares.

O primeiro, trade-off, significa que toda escolha humana resulta na perda de algo. Os

incentivos, por sua vez, são os benefícios e malefícios de cada alternativa, cuja alteração

31 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 32 “A alternativa a uma economia de mercado é uma economia de comando, em que existe uma autoridade central

tomando decisões sobre produção e consumo. Experimentaram-se economias de comando em diversos países, notadamente na União Soviética de 1.917 a 1.991. Mas não funcionaram muito bem. Na União Soviética, os produtores rotineiramente não podiam produzir porque lhes faltavam matérias-primas essenciais, ou conseguiam produzir, mas não encontravam ninguém que quisesse seus produtos. Os consumidores frequentemente não conseguiam encontrar itens necessários – as economias de comando são famosas pelas longas filas.” KRUGMAN, Paul R.; WELLS, Robin. Introdução à economia. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier: Campus, 2015. p. 2

33 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 34 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 35 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

Page 20: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

24

influencia diretamente a escolha realizada. Nesse sentido, para a realização de qualquer escolha

as pessoas têm de ter informações sobre suas opções, sendo esse outro pilar da economia.

As trocas voluntárias realizadas no ambiente denominado mercado são, em sua maioria,

orientadas pelos preços. Geram bem-estar para as pessoas que estejam diretamente participando

da troca e para a sociedade como um todo, porque ocasionam o uso eficiente dos recursos e

desenvolvimento tecnológico, ainda que os indivíduos persigam interesses particulares.

Também é no mercado que ocorre a distribuição dos bens e serviços produzidos pela sociedade.

Falhas surgem naturalmente nos mercados e são denominadas externalidades, sendo

conceituadas como os resultados não desejados ao bem-estar alheio. Nesse momento surge a

oportunidade, mas não obrigatoriedade, de o Estado intervir para corrigi-la, seja através de

regulação de certa atividade econômica seja através do aumento da rede de proteção àqueles

que tiveram seu bem-estar prejudicado. A intervenção objetiva não apenas uma maior eficiência

do mercado, mas também pode propiciar a distribuição de bens e serviços de forma mais

igualitária.

2.2 O que é Microeconomia?

A Microeconomia estuda como os indivíduos e pequenos grupos de pessoas, como as

famílias, os clubes, as empresas, entre outras, tomam decisões sobre como alocar os recursos

escassos entre as possibilidades que lhes são apresentadas36. Compartilham desse conceito

diversos economistas, tais como Besanko e Braeutigam37, Vasconcelos38 e Moreira39.

36 “Como dissemos anteriormente, a Teoria Microeconômica (ou Microeconomia, como também é conhecida)

preocupa-se em estudar o comportamento econômico das unidades econômicas individuais, tais como consumidores, empresas e proprietários de recursos. Ela trata, basicamente, dos fluxos de bens e serviços das empresas para os consumidores, dos fluxos dos recursos produtivos (ou de seus serviços) dos seus pro- prietários para as empresas, da composição desses fluxos e da formação dos preços dos componentes desses fluxos.” NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016. p. 75.

37 “Desse modo, a microeconomia estuda o comportamento de unidades econômicas específicas, como um consumidor, um trabalhador, uma empresa ou um administrador. Ela também estuda o comportamento individual de famílias, indústrias, mercados, sindicatos ou associações comerciais.” BESANKO, David; BRAEUTIGAM, Ronald R. Microeconomia: abordagem completa. Rio de Janeiro, RJ: LTC - Livros Técnicos e Científicos, 2004. E-book. p. 2.

38 “A Microeconomia, ou Teoria de Preços, é a parte da teoria econômica que estuda o comportamento das famílias e das empresas e os mercados nos quais operam.” VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de. Economia: micro e macro: teoria e exercícios, glossário com os 300 principais conceitos econômicos. 6. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2015. Recurso online. p. 29.

39 “A área de abordagem da Microeconomia diz respeito às formas pelas quais as unidades individuais que compõem uma economia – os consumidores, os empresários e os proprietários dos fatores de produção – interagem, visando à satisfação das necessidades econômicas da sociedade.” MOREIRA, José Octávio de Campos. Economia: notas introdutórias. 2. ed. São Paulo Atlas 2009. p. 23.

Page 21: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

25

Para a compreensão da Microeconomia, Cooter e Ulen40 sustentam a existência de três

conceitos fundamentais: a maximização, o equilíbrio e a eficiência. A maximização pressupõe

que as pessoas são em sua maioria racionais e, por isso, sempre maximizam algo: os

consumidores maximizam a utilidade dos bens que adquirem (seja em forma de felicidade ou

de satisfação), as empresas maximizam o lucro, os políticos maximizam os votos.

Da interseção entre os agentes maximizadores surge o equilíbrio, que tenderá a se

manter inalterado a menos que alguma força externa influencie o comportamento dos agentes

maximizadores.

Embora haja diversos conceitos sobre eficiência, a ideia básica é de que um processo

produtivo é eficiente quando ocorrer uma das seguintes condições: ou não é possível produzir

a mesma quantidade a um custo menor, ou não é possível produzir mais com a mesma

quantidade de insumos. Outra espécie de eficiência é a eficiência de Pareto, também conhecida

como eficiência alocativa. Essa eficiência tem por foco as preferências pessoais. Assim,

considera-se que uma situação é eficiente se for impossível alterar certas circunstâncias ou

condições para que uma pessoa fique em uma situação melhor (na opinião dela) sem que outra

pessoa fique em situação pior (também segundo a opinião dela mesma).

Analisando esses três conceitos fundamentais, Cooter e Ulen41 informam que o objeto

de estudo da Microeconomia se divide em cinco grupos, quais sejam: a microeconomia do

consumo (demanda); a microeconomia da empresa (oferta); a interação entre os consumidores

e as empresas (equilíbrio); a oferta e procura de insumos (mão-de-obra, capital, terra, por

exemplo); e a economia do bem-estar.

Vasconcelos42, por sua vez, faz seis subdivisões no objeto da Microeconomia: Teoria

da Demanda; Teoria da Oferta; Análise das Estruturas de Mercado; Teoria do Equilíbrio Geral

e do Bem-Estar; e Imperfeições do Mercado.

40 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 41 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 42 “A Teoria da Demanda ou Teoria da Procura estuda as diferentes formas que a demanda pode assumir e os

fatores que a influenciam. A Teoria da Oferta abrange a Teoria da Produção, que estuda o processo de produção numa perspectiva econômica, e a Teoria dos Custos de Produção, que classifica e analisa os custos. A Teoria da Produção envolve apenas relações físicas entre o produto e os fatores de produção, enquanto a Teoria dos Custos já envolve preços dos insumos de produção. A análise das estruturas de mercado aborda a maneira como estão organizados os mercados e como é determinado o preço e a quantidade de equilíbrio nesses mercados. É dividida na análise da estrutura dos mercados de bens e serviços e dos mercados de fatores de produção (cuja procura é chamada demanda derivada, dado que os mercados de insumos derivam, em última análise, de como se comporta o mercado de bens e serviços). A Teoria do Equilíbrio Geral e do Bem-estar estuda a interação de todos os mercados simultaneamente e seu impacto no bem-estar social. Estes tópicos não serão desenvolvidos neste texto, que são desenvolvidos em livros específicos de microeconomia.

Page 22: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

26

Embora cada economista ou escola econômica faça suas próprias divisões no objeto da

Microeconomia, Moreira43 informa que o cerne da análise microeconômica é a Teoria dos

Preços, pois o preço é fator preponderante de incentivos e desincentivos no processo de escolha

entre recursos escassos que é realizado pelos agentes econômicos na sociedade. O preço, então,

é formado pela interação entre demanda e oferta em um cenário de concorrência perfeita, isto

é, situação na qual nenhum agente econômico possui força suficiente para alterar o preço por

sua própria vontade.

O presente estudo, então, exercerá seu foco na demanda e na oferta, bem como em sua

interação.

De acordo com a Lei Geral da Demanda44, Nogami explica que a demanda do

consumidor por um bem ou serviço é inversamente proporcional ao seu preço45, entendendo-se

a demanda como uma aspiração, desejo, para determinada aquisição, não se podendo confundi-

la com a compra efetiva. Para que a demanda exista é necessário que o indivíduo tenha efetiva

capacidade financeira para realizar a aquisição do bem ou serviço, sob pena de sua aspiração

ser incapaz de influenciar os preços. Explica, ainda, que ela se mede em razão de um dado

período de tempo, por exemplo: “João deseja adquirir 20 litros de leite por mês (ou outra

unidade de tempo qualquer) sendo esta, então, a sua procura de leite” 46.

Há cinco elementos que podem influenciar a demanda: a primeira é o preço, de forma

inversa, isto é, consome-se mais caso o preço diminua; a renda, de forma direta, ou seja,

consome-se mais em razão do aumento da renda; o gosto do consumidor, que é influenciado

por uma série de circunstâncias como a cultura, a idade, religião, educação; o preço dos bens

O estudo das Imperfeições de Mercado destaca as situações nas quais o mercado não promove perfeita alocação de recursos.” VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de. Economia: micro e macro: teoria e exercícios, glossário com os 300 principais conceitos econômicos. 6. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2015. Recurso online. p. 29

43 MOREIRA, José Octávio de Campos. Economia: notas introdutórias. 2. ed. São Paulo Atlas 2009. 44 “A quantidade demandada de um bem ou serviço, em qualquer período de tempo, varia inversamente ao seu

preço, pressupondo-se que tudo o mais que possa afetar a demanda – especialmente a renda, o gosto e preferência do consumidor, o preço dos bens relacionados e as expectativas quanto à renda, preços e disponi- bilidades – permaneça o mesmo.” NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016. p. 81.

45 Nogami aponta duas exceções. São os chamados bens inferiores e os bens de consumo saciado. Os bens inferiores são aqueles de qualidade inferior que o consumidor deixa de adquirir quando sua renda aumenta, trocando-os por bens de qualidade superior, e os consome mais quando sua renda diminui, trocando os bens de qualidade superior para os de qualidade inferiror. Dá o exemplo da carne de segunda. Já os bens de consumo saciado são aqueles que, ultrapassado determinada renda, o consumidor não irá demandar maior quantidade, pois já se saciou com a quantidade consumida. NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016. p.77.

46 NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016. p. 76.

Page 23: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

27

relacionados (complementares ou substitutos47)48; e, por fim, as expectativas futuras do

consumidor sobre sua própria renda, sobre os preços dos produtos e serviços e sobre a

disponibilidade desses produtos e serviços. Isto é, a tendência é gastar mais hoje se o

consumidor vislumbra um aumento de renda no futuro, comprar mais de determinado produto

hoje se a expectativa é de aumento do preço desse produto no futuro e a estocar determinado

produto caso entenda-se que no futuro haverá escassez49.

A oferta é a quantidade de um certo produto ou serviço que um produtor singular deseja

vender em um certo período de tempo50, sendo que ela aumento quanto maior for o preço51.

Cinco elementos influenciam a oferta: o preço do bem, em uma relação direta, ou seja,

quanto maior o preço maior a oferta; o preço dos fatores de produção (matéria-prima, salários,

capital), em uma relação indireta, pois influencia a lucratividade; a tecnologia (os métodos de

produção), também de forma inversa, pois também acarreta influência na lucratividade; o preço

dos bens substitutos e/ou complementares na produção; as expectativas futuras, pois podem

levar os produtores a reter determinado bem ou produto para vendê-los a um preço maior; e as

condições climáticas, que podem alterar a quantidade de produção de determinados produtos,

notadamente os agrícolas52.

Da interseção entre a demanda e a oferta surge a determinação do preço de um certo

produto ou serviço53. Quando a quantidade de demanda é a mesma quantidade ofertada

encontra-se o equilíbrio: o preço, nessa situação, não se alterará enquanto as condições que

47 Complementares são os produtos cuja satisfação é aumentada se consumidos em conjunto. Nogami dá o exemplo

do pão com manteiga. Se o preço do pão aumenta, a tendência é reduzir o consumo de manteiga. Substitutos são aqueles produtos em que o consumo pode ser substituído por outro similar. Exemplifica com o aumento do preço da manteiga pode ocasionar um maior consumo de margarina. Otto; Passos, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed., rev. – São Paulo, SP : Cengage Learning, 2016. P.77-78

48 NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016.

49 NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016.

50 NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016. p.

51 “A oferta de um produto ou serviço qualquer, em determinado período de tempo, varia na razão direta da variação de preços desse produto ou serviço, a partir de um nível de preços tal que seja suficiente para fazer face ao custo de produção do mesmo até o limite superior de pleno emprego dos fatores (de produção), quando se tornará constante, ainda que os preços em referência possam conti- nuar oscilando, mantidas as demais condições constantes.” NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016. p. 92.

52 NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016.

53 “A declaração mais clara sobre esses princípios marginais foi apresentada pelo economista inglês Alfred Marshall (1842-1924) em seu Princípios de Economia, publicado em 1890. Marshall mostrou que a demanda e a oferta trabalham simultaneamente para determinar o preço. Como notou Marshall, da mesma forma que não é possível dizer qual lâmina da tesoura faz o corte, também é impossível dizer que a oferta ou a procura é capaz de determinar o preço de forma isolada.” NICHOLSON, Walter. Teoria microeconômica: princípios básicos e aplicações. São Paulo: Cengage Learning. 2018. p. 8.

Page 24: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

28

influenciam a demanda e a oferta também permanecerem inalteradas. Essa situação ocorrerá

somente em mercados competitivos, isto é, naqueles em que nenhuma pessoa, individualmente,

possui força para alterar o preço por sua própria vontade54.

Esse equilíbrio, entretanto, leva em consideração apenas um mercado de cada vez,

sendo, por isso, chamado de equilíbrio parcial. Há, contudo, modelos econômicos que analisam

as interações entre vários mercados distintos e como eles se influenciam simultaneamente até

formar um equilíbrio nos preços, o chamado equilíbrio geral55.

Microeconomia, portanto, é o segmento de conhecimento das Ciências Econômicas que

estuda como os indivíduos e pequenos grupos tomam decisões acerca da alocação de recursos

escassos, tendo por campo de estudo a demanda dos consumidores, a oferta das empresas, a

interação entre essa demanda e essa oferta, a oferta e demanda de insumos e a economia de

bem-estar. Sobre os conceitos fundamentais, tem-se que as pessoas procuram maximizar suas

satisfações; que da interação entre a oferta e a demanda surge um equilíbrio; e, também, o

conceito de eficiência, que embora não reste pacífico entre os economistas, traduz a ideia do

alcance de uma maior produção com a mesma quantidade de recursos e insumos; por fim,

necessário conhecer a ideia de Pareto Eficiente56, que se traduz em uma situação na qual uma

pessoa se encontra em uma situação melhor sem que outra piore, segundo a avaliação subjetiva

delas mesmas.

2.3 Histórico da Análise Econômica do Direito

54 NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage

Learning, 2016. 55 “Embora o modelo marshalliano seja uma ferramenta extremamente útil e versátil, é um modelo de equilíbrio

parcial, que avalia apenas um mercado de cada vez. Para algumas questões, essa limitação da perspectiva oferece insight valioso e simplicidade analítica. Para outras questões, essa visão limitada pode impedir a descoberta de importantes relacionamentos entre mercados. Para responder a questões mais gerais, devemos ter um modelo da economia como um todo, que reflete adequadamente as conexões entre vários mercados e agentes econômicos. O economista francês Leon Walras (1831-1910), fundamentado por uma longa tradição continental em tal análise, criou a base para as investigações modernas sobre essas questões mais amplas. Seu método de representar a economia por meio de grande número de equações simultâneas forma a base para o entendimento das inter-relações implícitas na análise do equilíbrio geral.” NICHOLSON, Walter. Teoria microeconômica: princípios básicos e aplicações. São Paulo: Cengage Learning, 2018. p. 12.

56 “(...) dada uma alocação inicial de bens entre um grupo de indivíduos, somente ocorrerão mudanças de alocação que satisfaçam dois requisitos: (i) deixem pelo menos um indivíduo em melhor situação; e (ii) não deixe nenhum indivíduo em pior situação. O ótimo de Pareto caracteriza-se quando se chega a uma situação em que nenhuma outra melhoria de Pareto é possível”. TIMM, Luciano Benetti. Direito Contratual Brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª Ed. São Paulo, Atlas, 2015, p. 185.

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29

Já no Século XVIII, filósofos clássicos, como Maquiavel, Hobbes e Locke, utilizaram

conceitos econômicos para a compreensão do Direito57, mas os primórdios da interação entre o

Direito e a Economia foram traçados por Adam Smith, o pai da economia, com os trabalhos

Lectures on Jurisprudence, de 1762, e Wealth of Nations, de 177658.

Os estudos sobre a interação entre direito e economia continuaram com a Escola

Histórica Alemã na segunda metade do século XIX e o Movimento Institucionalista norte-

americano, na primeira metade do século XX59.

Mas apenas a partir da década de sessenta do século vinte é que a disciplina evoluiu e

criou contornos mais claros. As obras desenvolvidas na Universidade de Chicago foram

fundamentais para seu desenvolvimento, dentre as quais destacam-se The problem of social

cost, de Ronald Coase, laureado com o prêmio Nobel em 1991, Some thoughts on risk

distribution and the Law of torts, de 1961 de Guido Calabresi60, Gary Becker com Crime and

punishment: an economic approach, de 1968, e Richard Posner, com o artigo Economic

Analysis of law, de 197361.

Mackay e Rousseau62 destacam quatro fases de desenvolvimento da análise econômica

do direito nos Estados Unidos: lançamento (1957 a 1972); aceitação do paradigma pelo direito

(1972 a 1980); debate sobre os fundamentos (1980 a 1982); e movimento ampliado (a partir de

1982).

Na fase lançamento, economistas aplicam seus conhecimentos em áreas fora de sua

disciplina, realizando-se trabalhos sobre a democracia, a discriminação, a tomada de decisão no

parlamento, a greve, a propriedade, as sociedades comerciais, os contratos, os acidentes, a

responsabilidade civil. Destacam que a revista Journal of law and Economics, da Universidade

de Chicago, foi o veículo em que esses economistas difundiram suas ideias. Também nesse

57 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 58 BATTESINI, Eugênio; BALTBINOTTO NETO, Giácomo; TIMM, Luciano Benetti; In. COOTER, Robert;

ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 17. 59 BATTESINI, Eugênio; BALTBINOTTO NETO, Giácomo; TIMM, Luciano Benetti; In. COOTER, Robert;

ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 17. 60 Calabresi foi o precursor dos estudos de direito e economia na Europa, notadamente na Itália, em seus trabalhos

sobre os impactos econômicos da alocação de recursos na responsabilidade civil. ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico, direito da economia, economia do direito, law and economics, análise econômica do direito, direito econômico internacional. 4. São Paulo Saraiva 2011 1 recurso online , p. 120.

61 BATTESINI, Eugênio; BALTBINOTTO NETO, Giácomo; TIMM, Luciano Benetti; In. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 17. Para Posner, a eficiência torna-se um valor máximo, sendo comparada à própria justiça. ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico: direito da economia, economia do direito, law and economics, análise econômica do direito, direito econômico internacional. 4. São Paulo Saraiva, 2011. Recurso online. p. 120.

62 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

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30

período foi publicado o The problem of social cost, de Ronald Coase, cuja ideia de custos de

transação tornou-se um dos pilares da análise econômica do direito63.

A segunda fase, aceitação do paradigma pelo direito, se inicia com seminários

promovidos para professores de direito entenderem os fundamentos da microeconomia, de onde

surgem os primeiros trabalhos de síntese de Direito e Economia. Em 1972, foi publicado o livro

Economic Analysis of Law, de Richard A. Posner, que se tornou expoente do movimento ao

longo da década. Nesse período, proliferam publicações sobre o tema nas principais faculdades

de direito norte-americanas, bem como criou-se o Journal of legal studies, que era instrumento

dessas publicações e servia, também, como uma espécie de revisão da teoria do direito64.

O debate sobre os fundamentos consiste em analisar qual efetivamente é a contribuição

da AED para o direito, isto é, se ela constitui efetiva teoria do direito. O cerne da questão é

saber se a distribuição de direitos pode ser realizada segundo pressupostos de eficácia (o que se

aproxima do utilitarismo) ou se é necessário fixar certos direitos fundamentais previamente à

distribuição. Críticas de diversas correntes filosóficas, liberais e econômicas se impuseram à

análise econômica do direito, mas a questão ainda se impõe atualmente65.

A quarta fase originou-se desses debates, pois deles surgiram diversas linhas de

pensamento dentro da própria Análise Econômica do Direito. Além da corrente principal,

denominada Escola de Chicago, que abrangia os institucionalistas e os neoinstitucionalistas,

havia a Escola Austríaca, a Escola ligada às normas comportamentais e a Escola ligada às

normas sociais. Fato é que, apesar das críticas ocorridas na terceira fase, houve um grande

aumento de trabalhos e estudos pertinentes na área, tendo ela, atualmente, alcançado uma

importância muito grande para o estudo do Direito66.

A disciplina foi trazida ao Brasil na década de oitenta do século passado, inaugurando-

se com Clovis do Couto e Silva com o trabalho A Ordem Jurídica e a Economia, de 1982.

Segue-se com Guiomar Estrella Faria com Interpretação Econômica do Direito, de 1994,

Rachel Sztajn com Notas de Análise Econômica: Contratos e Responsabilidade Civil, de 1998,

Décio Zylbersztajn e Rachel Sztajn com Direito e Economia: Análise Econômica do Direito e

63 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 64 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 65 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 66 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015.

Page 27: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

31

Organizações, de 200567. Acompanhou o movimento Jairo Saddi, com Crédito e Judiciário no

Brasil, de 200768.

O estudo da matéria se espalhou pelo Brasil e hoje existem diversos trabalhos

acadêmicos e livros publicados sobre o tema, ligados às mais diversas áreas do direito, desde

propriedade, contratos e direito de empresa, passando por direito penal e até no direito público,

como a análise econômica do direito tributário.

2.4 A análise econômica do direito.

A análise econômica do direito é uma disciplina do direito que utiliza as ferramentas

teóricas e empíricas da economia para analisar as normas jurídicas que regulamentam o

comportamento humano. Nas palavras de Gico Jr.69:

O direito é, de uma perspectiva mais objetiva, a arte de regular o comportamento humano. A economia, por sua vez, é a ciência que estuda como o ser humano toma decisões e se comporta em um mundo de recursos escassos e suas consequências. A Análise Econômica do Direito (AED), portanto, é o campo do conhecimento humano que tem por objetivo empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas consequências.

Considerando que o direito apenas estabelece consequências para os comportamentos

humanos, mas não os controla diretamente70, a Análise Econômica do Direito tem por objeto

identificar quais as consequências ou prováveis consequências de uma determinada norma

jurídica e quais normas deveriam ser adotadas para que determinado comportamento humano

seja observado71.

67 ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia: análise econômica do direito e das

organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. 68 BATTESINI, Eugênio; BALTBINOTTO NETO, Giácomo; TIMM, Luciano Benetti; In. COOTER, Robert;

ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.p. 20. 69 GICO JR., Ivo T. Introdução à análise econômica do direito. In: Ribeiro, Márcia Carla Pereira; Klein, Vinícius

(Coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 17. Esse conceito possui ressonância na doutrina, não tendo sido encontrado grandes variações. No mesmo sentido ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico: direito da economia, economia do direito, law and economics, análise econômica do direito, direito econômico internacional. 4. São Paulo Saraiva, 2011. Recurso online.

70 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p 5.

71 GICO JR., Ivo T. Introdução à análise econômica do direito. In: Ribeiro, Márcia Carla Pereira; Klein, Vinícius (Coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 17 – 26. Nesse mesmo sentido, Cooter e Ulen esclarecem que as leis tem por objetivo atingir certos comportamentos das pessoas em sociedade, proibindo-os ou permitindo-os. Por isso, necessário entender como as leis

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32

Cooter e Ulen72, definindo a lei como “obrigação apoiada por uma sanção estatal”

informam que a “economia proporcionou uma teoria científica para prever os efeitos das

sanções legais sobre o comportamento [humano]”.

Ensinam que as pessoas reagem às sanções, de uma maneira geral, da mesma forma que

reagem a preços, isto é, se quanto maior é o preço menor é o consumo, quanto maior for a

sanção menor a probabilidade que as pessoas pratiquem a conduta sancionada73. Para tanto,

utiliza-se o método econômico para avaliar a eficiência das leis, muito importante quando se

trata de políticas públicas, ou seja, conseguir o resultado almejado sem desperdício de

dinheiro74. Nesse sentido, a Análise Econômica do Direito contribuiria para um melhor

rendimento das normas jurídicas, no sentido de alcançar seus objetivos de uma forma mais

eficiente, com o mínimo de erros e perdas75.

Embora seja, de certa forma, arriscado se recorrer às ciências sociais76, é necessário que

o direito se utilize do conhecimento sobre o comportamento humano para que assim seja

aprimorado. A Análise Econômica do Direito, então, faz uma releitura do direito “inspirada em

conceitos econômicos [...] a partir da concepção do ser humano e de suas relações com os

outros” 77.

Jacobi78 informa que a Análise Econômica do Direito é uma corrente acadêmica

formada por juristas e economistas que utiliza o ferramental da economia para explicar os

fenômenos jurídicos, como se formam, como é sua estrutura e como influenciam o

comportamento humano, sendo, também, capaz de predizer os efeitos das sanções sobre

referidos comportamentos.

influenciam esses comportamentos sociais. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 25.

72 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 25. 73 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 74 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 75 ALMEIDA, Luiz Carlos Barnabé de. Introdução ao direito econômico: direito da economia, economia do

direito, law and economics, análise econômica do direito, direito econômico internacional. 4. São Paulo Saraiva, 2011. Recurso online. p. 121.

76 A releitura do direito através do ponto de vista de “ciências auxiliares” pode ser um risco. Como exemplo, tem-se a política norte-americana que realizou uma mescla social, notadamente social (busing), com o intuito de promover uma melhoria no ensino das crianças oriundas das classes menos favorecidas. Além de uma imensa rejeição da população (77%), proporcionou um aumento do antagonismo racial e, ainda por cima, não atingiu o resultado almejado, que era a melhoria no ensino das crianças negras. MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 6 - 7.

77 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

78 JAKOBI, Karin Bergit. A análise econômica do direito e a regulação do mercado de capitais. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 52. p. 30.

Page 29: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

33

Para além do instrumental microeconômico, que pressupõe que as escolhas humanas

são racionais e tendem a maximizar uma utilidade ou um bem-estar, também se incluiu,

sobretudo nos últimos vinte e cinco anos, conhecimentos da psicologia social e cognitiva79.

Em suma, a Análise Econômica do Direito é um ramo do conhecimento que inicialmente

se utiliza dos pressupostos da microeconomia, mas também da psicologia, para, diante do saber

que se tem acerca do comportamento humano, analisar as normas jurídicas, tanto em seu

aspecto estrutural, de modo a identificar a lógica econômica subjacente a ela, quanto em relação

à eficiência dos efeitos por ela pretendidos, identificando eventuais incentivos e desincentivos

que podem gerar no comportamento humano.

2.5 A racionalidade limitada.

Para que seja possível realizar escolhas entre recursos escassos80 no intuito de

maximizar uma utilidade ou um bem estar, é necessário pressupor que as pessoas são

racionais81.

A racionalidade, segundo o modelo elaborado pelos economistas, pressupõe que as

pessoas realizam suas escolhas entre os recursos escassos segundo certo grau de ordenação de

preferência, sendo sensíveis a incentivos e provocações. As pessoas identificam os possíveis

resultados de suas escolhas, analisam quais ações podem ser tomadas para a consecução daquele

resultado pretendido e em qual medida cada uma dessas ações pode contribuir (mais ou menos)

para a realização daquele resultado. Esse modelo de escolha racional permite uma forma de

generalizar o comportamento humano, ou seja, permite estabelecer uma previsibilidade do

comportamento das pessoas. Pressupõe-se a racionalidade das escolhas pessoais ainda que aos

79 POMPEU, Ivan Guimarães. Estudos sobre negócios e contratos uma perspectiva internacional a partir da

análise econômica do direito. São Paulo: Grupo Almedina, 2017. Recurso online. 80 A escassez é o oposto de abundância e não é historicamente determinada, mas depende do uso que se dá a

determinado bem em dada época e lugar. Como exemplo, a história do petróleo. Antes de sua descoberta, a sociedade não possuía qualquer necessidade de sua utilização, por óbvio. Mas após sua descoberta e com o desenvolvimento do refino, na década de 1860, verificou-se que a querosene poderia ser utilizada para iluminação das casas e das ruas, o que fora implantado, pouco a pouco, em larga escala. Mas no primeiro momento a gasolina era descartada, mesmo porque sequer se havia inventado o motor à combustão. Ela também é subjetiva, ou seja, varia de pessoa para pessoa. É por esse motivo, aliás, que as trocas existem, pois cada uma das partes em uma dada transação valoriza os objetos da troca segundo um valor diferente, isto é, o vendedor valoriza mais o dinheiro e o consumidor valoriza mais o bem adquirido. MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 26-28.

81 MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 6. No mesmo sentido: POMPEU, Ivan Guimarães. Estudos sobre negócios e contratos uma perspectiva internacional a partir da análise econômica do direito. São Paulo: Grupo Almedina, 2017. Recurso online, e COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

Page 30: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

34

olhos de outras pessoas assim não pareça, pois qualquer escolha é realizada diante das

informações de que se dispõe em dado momento82.

Entretanto, o primeiro a demonstrar que as pessoas não se comportam como os modelos

tradicionais de escolha racional elaborado pelos economistas foi Herbert Simon, laureado com

o prêmio Nobel de Economia e pioneiro na área de inteligência artificial83. Demonstrou-se que

no lugar de raciocinar de forma organizada e linear para chegar a uma solução de um problema,

os seres humanos se baseiam apenas nos fatos relevantes e, de uma forma geral, as conclusões

são inconsistentes ou simplesmente incorretas. Mesmo assim, essas conclusões são úteis, são

satisfatórias84, e não maximizadoras, como pressupõe [pressupunham] os economistas.

Dado que a capacidade humana para processar informações é limitada, é impossível

assimilar e compreender todas as informações necessárias à resolução de um problema

complexo. Assim, realiza-se uma simplificação do problema, focando-se apenas nas

informações essenciais e, a partir das potenciais alternativas que se apresentam para resolver o

problema, escolhe-se a com que se possui maior familiaridade ou a que já foi previamente

testada (experiência prévia)85. Como a racionalidade é limitada, a própria ordem em que as

alternativas são apresentadas altera a resolução do problema, pois o tomador de decisão

escolherá a primeira alternativa aceitável86 .

Embora possa parecer paradoxal, mesmo com a impossibilidade de se compreender e

processar todas as informações, a tomada de decisões realizada a partir de informações

incompletas é racional, posto que, racionalmente, identificam-se as informações essenciais para

a resolução do problema. Portanto, a pressuposição de escolha a partir de um modelo racional,

ainda que limitado, no lugar de ser abandonada, acabou sendo reforçada87.

82 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 83 “Administrative Behavior”, publicada em 1957. RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Racionalidade Limitada. In:

In: O que é análise econômica do direito: uma introdução. In. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinícius. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 62.

84 FRANK, Robert H. Microeconomia e comportamento. 1. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. Recurso online. p. 238.

85 ROBBINS, Stephen P. Comportamento organizacional. 11. ed. Trad. Reynaldo Marcondes. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. p. 114.

86 “Um dos aspectos mais interessantes da limitação da racionalidade é que a ordem em que as alternativas são consideradas é crítica para a determinação daquela que será escolhida. Lembre-se: no modelo racional, todas as alternativas são listadas em ordem hierárquica de preferência. Como todas serão avaliadas, a ordem inicial em que elas aparecem é irrelevante. Todas as soluções potenciais serão avaliadas completamente. Mas isto não acontece com a limitação da racionalidade. Pressupondo que o problema possui mais de uma solução potencial, a escolha satiafatória será a primeira alternativa aceitável que o tomador de decisões encontrar.” ROBBINS, Stephen P. Comportamento organizacional. 11. ed. Trad. Reynaldo Marcondes. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. p. 114.

87 FRANK, Robert H. Microeconomia e comportamento. 1. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. Recurso online. p. 239.

Page 31: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

35

Como desdobramento da obra de Simon, Tversky, Kahneman (vencedor do Nobel de

Economia de 1992) e Slovic demonstraram que a escolha das pessoas não é racional mesmo

diante dos problemas simples. Segundo o modelo de escolha racional, se determinada pessoa

prefere A a B e B a C, consequentemente vai preferir A a C. Ocorre, contudo, que

frequentemente as pessoas escolhem C no lugar de A88.

Mackaay e Rousseau89, mesmo diante da contribuição da psicologia que demonstra as

imperfeições e falhas do modelo de escolha racional, sustentam ainda ser prematuro o abandono

do modelo. Isso porque, mesmo considerando que a racionalidade é limitada, ainda assim o

modelo de escolha racional permite descrever o comportamento das pessoas em situações

parecidas, numa aproximação válida.

2.6 Teoria dos Jogos

A Teoria dos Jogos é uma análise do comportamento humano relacionada à tomada de

decisão das pessoas (agentes) em um ambiente de influência recíproca, isto é, quando a decisão

de uma pessoa é influenciada pela decisão da outra90.

Originou-se do trabalho do matemático Von Neumann de 1928 (Zur Theorie der

Gesellschftsspiele) mas a obra principal é a desse mesmo autor em coautoria do Oskar

Morgenstern denominada The theory of Games and Economic Bahavior, de 1944. A teoria

desenvolveu-se com os trabalhos de John Nash, John C. Harsanyi e Richard Selten, sendo que

a obra mais proeminente no campo do Direito é a de autoria de Baird, Gertner e Picker,

denominada Game Theory and the Law 91.

Becue92 assim conceitua a Teoria dos Jogos e ainda acrescenta dois objetivos principais,

que são 1) entender como as pessoas tomam decisões em situações de interação recíproca e 2)

o desenvolvimento da capacidade de raciocínio estratégico:

A Teoria dos jogos é uma ferramenta muito utilizada, sobretudo na economia, para a interpretação do comportamento das pessoas quanto estas interagem entre si. Podemos

88 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 89 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 90 HILBRECHT, Ronald. Uma introdução à teoria dos jogos. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e

economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 115. 91 BECUE, Sabrina Maria Fadel. Teoria dos Jogos. In: In: O que é análise econômica do direito: uma introdução.

In. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinícius. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 118. 92 BECUE, Sabrina Maria Fadel. Teoria dos Jogos. In: In: O que é análise econômica do direito: uma introdução.

In. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinícius. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 118.

Page 32: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

36

conceituá-la como um método para compreender a tomada de decisões, sendo dois os seus principais objetivos: auxiliar no entendimento teórico do processo de decisão dos agentes que interagem, a partir de abstrações e pressupondo a racionalidade dos jogadores, e desenvolver nos agentes a capacidade de raciocinar estrategicamente.

Especificamente em relação ao Direito, o estudo da Teoria dos Jogos traz dois pontos

relevantes. O primeiro é a possibilidade de antever o impacto das leis sobre o comportamento

das pessoas. Consequentemente, o segundo é identificar como o comportamento almejado pela

lei pode ser mais facilmente alcançado (lei mais eficiente)93.

Cooter e Ulen94 ensinam que um jogo possui três elementos, quais sejam, 1) os

jogadores, 2) a estratégia e 3) os ganhos e retornos de cada um dos jogadores em cada uma das

estratégias adotadas (payoffs).

Mackaay e Rousseau95 elencam três tipos de jogos: os jogos de puro conflito,

caracterizando-o como aquele em que os jogadores possuem completa oposição de interesse,

como se fosse uma espécie de guerra96; os jogos simples de coordenação, que são aqueles em

que os jogadores adotam uma estratégia compatível com o comportamento dos demais pois

possuem maior interesse em evitar o conflito; e, por fim, os jogos mistos, que os autores

chamam de jogos de cooperação, nos quais os jogadores possuem vantagem se cooperar, mas

uma vantagem ainda maior se enganar o outro. Nesse tipo, entretanto, se ambos jogadores

atuarem no sentido de enganar o outro a cooperação se encerra.

Quanto aos jogos simples de coordenação, referidos autores o subdividem em três

subtipos.

O primeiro subtipo é nomeado “jogos de coordenação simples”. Nesses jogos, os

jogadores são indiferentes quanto às opções de escolha que eles podem realizar, mas seu

interesse é de que referida escolha esteja de acordo com o comportamento dos outros jogadores.

Exemplificam com a questão da organização do trânsito, ou seja, se os carros devem transitar

pela direita ou pela esquerda. Para os jogadores pouco importa se for adotada a mão direita ou

93 HILBRECHT, Ronald. Uma introdução à teoria dos jogos. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e

economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. 94 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 95 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 96 Hilbrecht dá o exemplo de um jogo chamado “Chicken”. Nesse jogo, dois adolescentes são desafiados a provar

quem é o mais corajoso em uma disputa de veículos automotores, dirigidos em direções opostas. Se ambos mantiverem a direção reta, os veículos irão colidir, o que poderá causar a morte deles. No entanto, se um desviar e o outro não, quem desviou será chamado de covarde (chicken) e o outro de corajoso. Assim, os interesses dos dois motoristas são antagônicos, opostos, pois cada um quer que o outro desvie. HILBRECHT, Ronald. Uma introdução à teoria dos jogos. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 123.

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37

a mão esquerda, mas sim se o comportamento dos motoristas estará coordenado, pois qualquer

coordenação (tanto faz direita ou esquerda) é melhor que nenhuma coordenação (o caos) 97.

Hilbrecht98 exemplifica com o jogo chamado Batalha dos Sexos. Consiste em um casal

assistindo televisão na sala de estar, sendo que um prefere assistir esporte e o outro filme.

Entretanto, ambos preferem estar juntos na sala (coordenação) do que cada um assistir o

programa de sua preferência mas em ambientes distintos.

O segundo subtipo dos jogos de coordenação é a assimétrica99. Nesse jogo, permanece

sendo preferível o comportamento coordenado, mas uma determinada opção será mais

vantajosa para um jogador que para outro. Exemplificam com uma situação hipotética em que

duas pessoas precisam conversar. Por óbvio, é mais vantajoso para os dois jogadores adotarem

uma língua única, pois assim a conversa se realiza. Contudo, a escolha da língua, isto é, se vão

falar a língua francesa ou a inglesa, por exemplo, causará uma assimetria na medida em que

aquele jogador que estiver conversando em sua língua nativa terá vantagem em relação ao outro,

que conversará em sua segunda língua.

A coordenação por diferenciação de papeis é o terceiro tipo de jogos de coordenação

simples100. Nesse jogo o comportamento, isto é, a estratégia dos jogadores, deve ser diferente

para que ele se realize. Ou seja, se adotarem a mesma estratégia não haverá realização do jogo.

Utilizam como analogia uma ligação telefônica interrompida. Se os dois jogadores adotarem a

mesma estratégia (após a queda da ligação, ou os dois ligam ou os dois não ligam) a ligação

não se completará. Para que a ligação se complete, é necessário que ambos jogadores adotem

estratégias diferentes, isto é, um liga e o outro não. Assim a ligação será recebida e ambos

poderão conversar.

Nos jogos de cooperação, Mackaay e Rousseau101 explicam que a adoção da estratégia

de cooperação é vantajosa em relação à estratégia não cooperativa. A cooperação de ambos

jogadores é mais vantajosa que a não cooperação. Contudo, se um dos jogadores adotar a

estratégia cooperativa e o outro, sabendo disso, enganá-lo e adotar uma estratégia não

97 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 98 HILBRECHT, Ronald. Uma introdução à teoria dos jogos. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e

economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 125. 99 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 100 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 101 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015.

Page 34: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

38

cooperativa, sua vantagem será maior ainda. Ocorre, entretanto, que se ambos jogadores

adotarem a estratégia não cooperativa não haverá jogo.

Dentro dos jogos de cooperação, subdividem sua análise em três. Primeiramente tratam

do que chamam de regras de atribuição, nas qual trabalham os jogos pertinentes à atribuição de

propriedade102. No segundo trabalham as regras de reciprocidade, que são os jogos que

caracterizam um contrato103. Por fim, trabalham a ação coletiva, que são os jogos realizados por

grupos de pessoas em sociedade104.

Acerca das regras de reciprocidade, Mackaay e Rousseau105 informam que elas foram

estudadas por meio de um jogo denominado Dilema do Prisioneiro:

Duas pessoas são presas pela polícia no curso de uma investigação sobre um delito. São interrogadas separadamente e a cada uma se promete clemência na hipótese de decidir colaborar com a polícia. Se denunciar o outro recuperará a liberdade pela cooperação, vez que seu testemunho permitirá obter a condenação do seu cúmplice a três anos de prisão por um delito mais grave. Se, porém, os dois, atraídos pela promessa, se acusarem mutuamente, perderão credibilidade frente ao tribunal e ambos serão condenados a dois anos. O que acontece se recusarem a oferta da polícia? Dado que a polícia não dispõe, fora eventuais confissões, de qualquer prova contra eles, apenas uma acusação por delito de menor gravidade (vadiagem) poderá ser argüida, o que resultará em pena de um ano de prisão.

Nesse tipo de jogo, a melhor estratégia de cada jogador, ou seja, a estratégia dominante,

é denunciar o companheiro106. Ora, se o segundo jogador não denunciar, para o primeiro

jogador é melhor denunciar, pois ele sairá livre. Se o segundo jogador denunciar, a melhor

estratégia para o primeiro ainda é denunciar, pois pegar dois anos de cadeia é melhor que pegar

três, caso ele não denuncie. Logo, a melhor estratégia para o primeiro jogador será sempre

denunciar, independente se o segundo jogador denunciar ou não. Consequentemente, essa

também será a melhor estratégia para o segundo jogador. Portanto, trata-se de um jogo não

cooperativo107.

Apesar da estratégia dominante ser a denúncia, a melhor situação coletiva é permanecer

em silêncio, ou seja, não denunciar, pois nesse cenário a soma das penas será menor. Assim,

102 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 103 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 104 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 105 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. p. 57 106 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 58. 107 BECUE, Sabrina Maria Fadel. Teoria dos Jogos. In: In: O que é análise econômica do direito: uma introdução.

In. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinícius. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 121.

Page 35: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

39

permanecer em silencio é eficiente e denunciar é ineficiente108. O conflito entre o interesses

particulares e os coletivos é a característica essencial desse tipo de jogo109.

Mackaay e Rousseau110 apresentam duas soluções para que o comportamento

cooperativo seja realizado e, assim, cada um dos prisioneiros seja condenado a apenas um ano

de prisão. A primeira delas é permitir que ambos tenham contato, se comuniquem. Citando

trabalho realizado por Ulmann-Magalit111, referidos autores informam que em jogos realizados

em laboratório a comunicação entre os jogadores aumenta a probabilidade de ocorrência de

comportamentos cooperativos.

A segunda solução para se obter o comportamento cooperativo é por meio de um

contrato através do qual os jogadores poderão imputar penalidades ao comportamento não

cooperativo. Existindo sanções para o comportamento não cooperativo, a melhor estratégia do

jogo passa a ser a cooperativa, portanto, não denunciar o companheiro, no caso do Dilema dos

Prisioneiros. Contudo, a possibilidade de sanções requer, pelo menos inicialmente, instituições

jurídicas que deem azo a elas, ou seja, requer a presença de um poder público capaz de executá-

las.

Citando Gambetta112, Mackaay e Rousseau113 noticiam que a cooperação é

efetivamente observada em interações de reciprocidade, mesmo inexistindo comunicação entre

os jogadores ou instituições jurídicas para executar os acordos. Essa cooperação decorre da

confiança recíproca entre os jogadores que nasce em razão de vínculos de amizade, parentesco,

solidariedade ou mesmo de um código de honra.

Para além de um jogo de uma única jogada, Mackaay e Rousseau, assim como Cooter e

Ulen114, fazem referência ao trabalho realizado pelo cientista político Robert Axelrod115 acerca

dos jogos repetidos. Nesse tipo de jogo, as jogadas são repetidas inúmeras vezes e a cooperação

é atingida116, mesmo os jogadores possuindo interesses pessoais. A primeira jogada de cada

108 VARIAN, Hal R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. E-book. 109 HILBRECHT, Ronald. Uma introdução à teoria dos jogos. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e

economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 119. 110 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 111 ULLMANN-MARGALIT, Edna. The emergence of norms. Oxford: Claredon Press, 1977. 112 GAMBETTA, Diego (Dir.). Trust: making and brasking of cooperative relations. Oxford: Basil Brackwell,

1988. 113 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 114 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 115 AXELROD, Robert. The evolution of cooperation. New York: Basic Books, 1984. 116 A cooperação somente é atingida se o jogo for repetido em um número indefinido de vezes. Pois se houver um

número definido, a última jogada poderá haver uma não cooperação, pois não existirá jogada seguinte. Se os jogadores sabem que na última jogada não vai haver cooperação, também deixam de cooperar na penúltima, e assim por diante. VARIAN, Hal R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,

Page 36: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

40

jogador é colaborativa e assim permanecerá enquanto o outro jogador também estiver

cooperando. Ocorre, entretanto, que se um jogador deixar de cooperar, o outro, na próxima

jogada, pagará na mesma moeda, ou seja, realizará uma retaliação. Mas o curioso é que se o

jogador que primeiro enganou voltar a cooperar, o outro jogador tende a voltar a cooperar

também. Essa é a estratégia denominada reciprocidade.

A probabilidade de ocorrência de cooperação nos jogos repetidos se eleva em virtude

i) de os ganhos futuros auferidos com a cooperação serem maiores que o ganho momentâneo

com a não cooperação; ii) da frequência de jogadas realizadas, isto é, quanto maior a frequência

menor é a possibilidade de não cooperação; e iii) da maior facilidade de detecção de trapaças,

pois assim as estratégias de punição são exercidas mais rapidamente, reduzindo os ganhos com

a não cooperação117.

Diante do conhecimento do comportamento humano fornecido pela Teoria dos Jogos,

Mackaay e Rousseau118 concluem, então, que o papel do direito é o de aplicar uma sanção à

estratégia não cooperativa, isto é, oportunista, e facilitar sua aplicação.

2.7 Teorema de Coase

Ronald Coase foi um economista inglês vencedor do Prêmio Nobel de 1991,

oportunidade em que escreveu sua autobiografia119. Nasceu no subúrbio de Londres, em um

lugar chamado Willesden, e era filho de pessoas simples, tendo seus pais deixado de estudar

aos doze anos, embora já fossem completamente alfabetizados120.

Apesar de não gostar muito de matemática, foi aprovado na London School of

Economics em 1929 para o curso de Bacharelado em Comércio.121 Entre 1931 e 1932, após

2015. E-book. p. 533.

117 HILBRECHT, Ronald. Uma introdução à teoria dos jogos. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 128.

118 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

119 RONALD H. Coase – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB, 2020. Thu. 6 Feb 2020. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1991/coase/biographical/. Acesso em: 10 set. 2020.

120 “My father, a methodical man, recorded in his diary that I was born at 3:25 p.m. on December 29th, 1910. The

place was a house, containing two flats of which my parents occupied the lower, in a suburb of London,

Willesden. My father was a telegraphist in the Post Office. My mother had been employed in the Post Office

but ceased to work on being married. Both my parents had left school at the age of 12 but were completely

literate. However, they had no interest in academic scholarship. Their interest was in sport. My mother played

tennis until an advanced age. My father, who played football, cricket and tennis while young, played (lawn)

bowls until his death. He was a good player, played for his county and won a number of competitions. He wrote

articles on bowls for the local newspaper and for Bowls News.” RONALD H. Coase – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB, 2020. Thu. 6 Feb 2020. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1991/coase/biographical/. Acesso em: 10 set. 2020.

121 “However, I soon found that mathematics, a requirement for a science degree, was not to my taste and I

Page 37: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

41

ganhar uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, pesquisou a estrutura das indústrias norte-

americanas com o propósito de descobrir porque elas se estruturavam de diversas maneiras. O

resultado de sua pesquisa, disse Coase, não resultou em uma completa teoria, mas serviu como

introdução de um novo conceito para a análise econômica, que são os custos de transação, e de

uma explicação sobre a causa da existência das firmas, que serviram de base para seu artigo

denominado The Nature of The Firm, de 1937.122

Imigrou para os Estados Unidos em 1951 e, em 1958, quando estava no Centro de

Estudos Avançados em Ciências Comportamentais, fez um estudo para a Comissão de

Comunicações Federal, que regulamentava a indústria de radiodifusão nos Estados Unidos.

Nesse estudo, sugeriu que a concessão de uso de espectros de radiodifusão fosse determinada

pelo sistema de preços, o que levou à questão sobre quais direitos poderiam ser adquiridos pelo

licitante vencedor da concessão e qual a lógica do sistema de direitos de propriedade123.

Economistas da Universidade de Chicago consideraram que seus argumentos estavam

errados e convidaram Ronald Coase para uma discussão, oportunidade na qual aqueles foram

convencidos de que, na verdade, os argumentos estavam certos. Dessa forma, os economistas

da Universidade de Chicago pediram que Ronald Coase escrevesse um artigo e ele o escreveu,

vindo a publicá-lo, em 1961, no Journal of Law and Economics com o nome The Problem of

switched to the only other degree for which it was possible to study at the Kilburn Grammar School, one in

commerce. Although my knowledge of the subjects on which I was examined was rudimentary, I managed to

pass the intermediate examinations and went to the London School of Economics in October, 1929 to continue

my studies for a Bachelor of Commerce degree.” RONALD H. Coase – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB, 2020. Thu. 6 Feb 2020. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1991/coase/biographical/. Acesso em: 10 set. 2020.

122 “I spent the academic year 1931-32 on my Cassel Travelling Scholarship in the United States studying the

structure of American industries, with the aim of discovering why industries were organized in different ways.

I carried out this project mainly by visiting factories and businesses. What came out of my enquiries was not a

complete theory answering the questions with which I started but the introduction of a new concept into

economic analysis, transaction costs, and an explanation of why there are firms. All this was achieved by the

Summer of 1932, as the contents of a lecture delivered in Dundee in October 1932, make clear. These ideas

became the basis for my article “The Nature of the Firm”, published in 1937, cited by the Royal Swedish

Academy of Sciences in awarding me the 1991 Alfred Nobel Memorial Prize in Economic

Sciences.” RONALD H. Coase – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB, 2020. Thu. 6 Feb 2020. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1991/coase/biographical/. Acesso em: 10 set. 2020.

123 “In 1951, I migrated to the United States. I went first to the University of Buffalo and in 1959, after a year at

the Center for Advanced Study in the Behavioral Sciences, I joined the economics department of the University

of Virginia. I maintained my interest in public utilities and particularly in broadcasting and during my year at

the Center for Advanced Study in the Behavioral Sciences, I made a study of the Federal Communications

Commission which regulated the broadcasting industry in the United States, including the allocation of the

radio frequency spectrum. I wrote an article, published in 1959, which discussed the procedures followed by

the Commission and suggested that it would be better if use of the spectrum was determined by the pricing

system and was awarded to the highest bidder. This raised the question of what rights would be acquired by

the successful bidder and I went on to discuss the rationale of a property rights system.” RONALD H. Coase – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB, 2020. Thu. 6 Feb 2020. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1991/coase/biographical/. Acesso em: 10 set. 2020.

Page 38: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

42

Social Cost. Esse artigo, um dos mais citados na história da literatura econômica, junto com o

The Nature of the Firm, foram os fundamentos para que Coase fosse laureado em 1991 com o

Prêmio Nobel de Economia.124

Conforme ensinam Pimenta e Boglione, para compreender o Teorema de Coase,

necessário em um primeiro momento conhecer o que sejam custos de transação, apesar de

inexistir consenso acerca de sua conceituação125. Jakobi126 informa que os custos de transação

se encontram nas dificuldades de se encontrar uma pessoa com quem negociar, as dificuldades

para a realização do acordo, como as de redigir a avença, e, por fim, as dificuldades decorrentes

da própria execução do contrato, como, a título de exemplo, verificar se ele está sendo cumprido

regularmente.

Portanto, custos de transação são os embaraços, empecilhos, dificuldades para se

realizar um acordo, sejam eles decorrentes de condições financeiras, de tempo, de espaço, de

informação, ou qualquer outra condição que dificulte sua realização. Parece-nos ser esse o

entendimento de Silva127 e de Castro128.

124 “Part of my argument was considered to be erroneous by a number of economists at the University of Chicago

and it was arranged that I should meet with them one evening at Aaron Director’s home. What ensued has

been described by Stigler and others. I persuaded these economists that I was right and I was asked to write

up my argument for publication in the Journal of Law and Economics. Although the main points were already

to be found in The Federal Communications Commission, I wrote another article, The Problem of Social Cost,

in which I expounded my views at greater length, more precisely and without reference to my previous article.

This article, which appeared early in 1961, unlike my earlier article on “The Nature of the Firm”, was an

instant success. It was, and continues to be, much discussed. Indeed it is probably the most widely cited article

in the whole of the modern economic literature. It, and The Nature of the Firm were the two articles cited by

the Royal Swedish Academy of Sciences as justification for awarding me the Alfred Nobel Memorial Prize.

Had it not been for the fact that these economists at the University of Chicago thought that I had made an error

in my article on The Federal Communications Commission, it is probable that The Problem of Social

Cost would never have been written.” RONALD H. Coase – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB, 2020. Thu. 6 Feb 2020. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1991/coase/biographical/. Acesso em: 10 set. 2020.

125 “Para analisarmos o trabalho de Coase, primeiro devemos ter uma noção do que são os custos de transação. Não há, entretanto, uma definição exata e precisa sobre o que seriam”. PIMENTA, Eduardo Goulart; BOGLIONE, Stefano. Análise econômica do direito contratual. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.6, n.24 , p.59-83, out./dez. 2008. p. 64.

126 “Os custos de transação são os custos da negociação, a qual se divide em três passos: (1) localização de um sócio para a negociação, o que implica encontrar alguém que deseje comprar o que se quer vender, ou vender o que se quer comprar; (2) deve-se chegar a um acordo entre as partes que realizam as negociações, o que pode incluir a redação de um convênio; (3) celebrado o acordo, deve-se executá-lo, o que implica monitorar o cumprimento das partes e punir as violações do acordo. Em correspondência a essas três formas de negociação, obtém-se a denominação das três formas de custos de transação: (1) custos da busca; (2) custos do ajuste; (3) custos da execução.” COOTER, R.; ULEN, T. Derecho y economía. México D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1998 apud JAKOBI, Karin Bergit. A análise econômica do direito e a regulação do mercado de capitais. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 52.

127 “Os custos de transação são todos os valores e recursos empregados para concretização do negócio.” SILVA, Lucas Campos de Andrade. A dimensão econômica da função social extrinseca dos contratos. 2019. 114 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_SilvaLC_1.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2019. p. 39.

128 “Os custos de transação são todos os gastos necessários para a negociação, celebração e execução de contratos”

Page 39: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

43

A partir dessa noção de custos de transação, Ronald Coase imagina dois cenários. No

primeiro, hipotético e idealista, no qual não há custos de transação, diante de uma situação de

conflito entre duas ou mais pessoas, independentemente de como os direitos foram inicialmente

alocados, isto é, se em benefício da pessoa A ou se em benefício da pessoa B, eles serão

realocados se o resultado dessa modificação for mais eficiente129.

Mackaau e Rousseau130 explicam que, nesse cenário de custos de transação

negligenciáveis, a regra jurídica vai determinar quem toma a iniciativa da realização do acordo

e quem assume o custo do acordo, mas de qualquer forma o resultado, ou seja, a realocação dos

direitos, será sempre mais eficiente.

No segundo cenário, ou seja, o realista, no qual os custos de transação são consideráveis,

às vezes até impeditivos de realização de qualquer acordo, a lei tem por função reduzir os custos

de transação131, para assim permitir a realocação dos direitos de forma mais fácil. Pinheiro e

Saddi132 assim como Pimenta e Boglione133 informam que a redução dos custos de transação é

obtida através da alocação de direitos à quem mais os valoriza.

Portanto, no cenário realista e concreto, no qual os custos de transação são positivos,

são dois os papeis da lei: alocar os direitos a quem mais os valoriza e reduzir os custos de

transação. Assim, as pessoas poderão realocar os direitos de forma a atingir a eficiência

econômica.

CASTRO, Rosane Vieira de. Análise econômica do direito e fiança locatícia. 2011. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito. 2011. p. 33

129 “É sempre possível modificar, através de transações no mercado, a delimitação inicial dos direitos. E, é claro, se tais transações no mercado são sem custo, tal realocação de direitos sempre irá ocorrer se levar a um aumento no valor da produção”. COASE, R. H. O problema do custo social. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.07, n.26 , p.135-191, abr./jun. 2009. p. 163.

130 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

131 “Por óbvio, se as transações ocorrem sem custos, tudo o que importa (questões de justiça à parte) é que os direitos das partes devam estar bem definidos e os resultados das ações judiciais devam poder ser previstos com facilidade. Contudo, como vimos, a situação é muito diferente quando as transações no mercado são tão custosas a ponto de tornar difícil mudar a alocação de direitos estabelecida pelo sistema jurídico. Nesses casos, as cortes influenciam diretamente a atividade econômica. Desse modo, seria aparentemente desejável que as cortes tivessem os deveres de compreender as conseqüências econômicas de suas decisões e, na medida em que isso fosse possível sem que se criasse muita incerteza acerca do próprio comando da ordem jurídica, de levar em conta tais conseqüências ao exercerem sua competência decisória. Ainda quando se faz possível alterar a delimitação legal de direitos através das transações no mercado, é obviamente desejável reduzir a necessidade de tais transações e, assim, reduzir o emprego de recursos em sua realização.” COASE, R. H. O problema do custo social. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.07, n.26, p.135-191, abr./jun. 2009. p. 169.

132 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 106.

133“Cumpre à legislação e a seus aplicadores distribuir os direitos de propriedade de forma que fiquem alocados com quem mais os valoriza. Desta forma, diminuirão as transações necessárias à alocação eficiente, diminuindo, por conseguinte, os custos de transação incorrentes ao exercício da empresa.” PIMENTA, Eduardo Goulart; BOGLIONE, Stefano. Análise econômica do direito contratual. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.6, n.24, p.59-83, out./dez. 2008. p. 8.

Page 40: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

44

No presente trabalho, portanto, adota-se o Teorema de Coase como substrato para

designar quais são as funções da lei, ou seja, alocar os direitos a quem mais os valoriza e reduzir

os custos de transação.

Page 41: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

45

3 ANÁLISE ECONÔMICA DO CONTRATO

Contratos são fatos sociais através dos quais as pessoas realizam trocas em um ambiente

de mercado. Considerando isso, a Análise Econômica do Contrato interpreta o direito contratual

segundo a realidade econômica na qual ele é realizado, utilizando, para tanto, conhecimentos

econômicos como fundamento. A Teoria da Barganha surgiu no direito norte-americano tendo

como cerne identificar quais contratos são judicialmente exigíveis e qual a remédio jurídico

para o inadimplemento. Identificado que suas respostas não atendiam satisfatoriamente o real

desejo dos contratantes, foi substituída pela Teoria Econômica do Contrato, que embora

também tenha por objetivo responder as duas questões apontadas, ela o faz segundo a

perspectiva da Eficiência em Pareto.

3.1 A Teoria da Barganha

Do fim do século XIX ao início do Século XX, desenvolveu-se no direito norte-

americano uma teoria contratual, denominada Teoria da Barganha, que tinha como preocupação

principal responder duas perguntas: i) quais promessas deveriam ser executadas e ii) qual o

remédio jurídico para o descumprimento de promessas executáveis134.

Em relação à primeira pergunta, estabeleceu-se que somente seriam executáveis as

promessas feitas diante de uma barganha, cujos requisitos de existência são a oferta, a aceitação

e a contraprestação. Nesse sentido, somente o contrato completo, com a devida contraprestação,

é executável, o que excluiria as doações, já que o donatário não possui, em regra, qualquer

obrigação. Tampouco se perquiria acerca da equivalência entre proposta e contraprestação,

motivo pelo qual os tribunais não possuíam a possibilidade de interferir em uma relação

contratual135.

Sobre a segunda pergunta, o remédio jurídico para o descumprimento de promessas

executáveis seria a exigência do benefício que se teria obtido em caso de adimplemento, além

de expetation damages (lucros cessantes), reliance damages (danos emergentes); e restitution

damages (direito restituitório) 136.

Tendo em vista, entretanto, ser desejável que algumas promessas sem contraprestação

sejam executáveis, como, por exemplo, a oferta de preço para a aquisição de um bem ou até

134 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 135 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 136 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

Page 42: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

46

mesmo a doação, bem como a existência de barganhas que não deveriam ser executadas, como

aquelas em que uma parte se utiliza de algum artifício vil para enganar a outra, que foi levada

a engano137, propôs-se a adoção de uma nova teoria, a Teoria Econômica do Contrato, que tem

por ponto central a Eficiência em Pareto138, em substituição à Teoria da Barganha139.

3.2 A Teoria Econômica do Contrato

Antes de ser jurídico, o contrato é um fato social que ocorre sempre que duas ou mais

pessoas realizam uma transação no mercado140. Por sua própria ocorrência, gera riqueza à

sociedade, pois as pessoas transacionam até que determinado bem ou serviço fique com a

pessoa que lhe dá mais valor (aumento da satisfação geral), e possibilita, ainda, a divisão do

trabalho, o que acarreta um aumento qualitativo da produtividade141.

O direito contratual, por sua vez, é a regulação jurídica desse fato social, cujos objetivos

principais, de acordo com a análise econômica do direito, são identificar as transações que

podem ser executadas judicialmente142, criar incentivos para que as partes contratantes se

137 Cooter e Ulen exemplificam com uma oferta de “forma eficiente de matar gafanhotos” constante em uma revista

especializada em agropecuária. Interessado pela oferta, um agricultor adquire o produto e recebe dois pedaços de madeira e a instrução de colocar o gafanhoto no meio e esmaga-lo. Trata-se de oferta enganosa pois, embora seja eficiente para matar um gafanhoto, a oferta induzia a erro. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

138 “(...) dada uma alocação inicial de bens entre um grupo de indivíduos, somente ocorrerão mudanças de alocação que satisfaçam dois requisitos: (i) deixem pelo menos um indivíduo em melhor situação; e (ii) não deixe nenhum indivíduo em pior situação. O ótimo de Pareto caracteriza-se quando se chega a uma situação em que nenhuma outra melhoria de Pareto é possível”. TIMM, Luciano Benetti. Direito Contratual Brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª Ed. São Paulo, Atlas, 2015, p. 185.

139 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 140 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed.

São Paulo: Atlas, 2015. p. 181. 141 TIMM, Luciano Benetti; GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise Econômica dos Contratos. In: TIMM,

Luciano Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 160-164.

142 Cooter e Ulen consideram que as promessas são trocas de uma coisa presente no lugar de outra depois de passado certo tempo. Essa diferença no tempo acarreta riscos e incertezas, que são obstáculos à realização dessas trocas e da cooperação entre os contratantes. Assim, a executabilidade de uma promessa é, nesse sentido, um incentivo para que as partes realizem trocas e cooperem entre si, na medida em que poderão, caso inexista o cumprimento voluntário, exigi-lo judicialmente. Logo, a executabilidade é um incentivo e um remédio jurídico para o descumprimento de uma promessa. “Respondemos à primeira pergunta do direito contratual – Quais promessas deveriam ser validas? – afirmando que uma promessa deveria ser válida quando ambas as partes querem que ela seja válida e eficaz quando foi feita, de modo que o promitente possa se comprometer com o cumprimento de maneira digna de crédito.” COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 211.

Page 43: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

47

comportem de forma cooperativa143, ou seja, conter os comportamentos oportunistas144, e

reduzir os custos de transação.

De acordo com a Teoria Econômica do Contrato, a regulamentação dos contratos deve

ser orientada no sentido de gerar ganhos em escala para a sociedade, reduzindo os custos de

cada contrato individual de forma mais eficiente do que os contratantes poderiam fazer: é o que

se chama de minimização (ou redução) de custos de transação145. A redução dos custos de

transação ocorre em razão da diminuição dos custos de redação dos contratos (possibilitada pela

existência de normas imperativas e supletivas, pois assim as partes não precisam barganhar

sobre todo e qualquer ponto), e, dado que todo contrato é incompleto146 (ou simplesmente mal

redigido), também em razão da redução dos custos necessários à sua suplementação, seja por

um terceiro ou pelos tribunais147, caso haja lacuna a ser preenchida, como, a título de exemplo,

a ocorrência de um risco não alocado.

Os custos de transação podem ser pequenos, altos ou até impeditivos de realização da

negociação. Destacam-se três tipos de obstáculos que fazem os custos de transação serem altos

de tal forma a macular a eficiência e a possibilidade de realização do contrato, são elas:

externalidades, informações assimétricas e monopólio148.

Externalidades são efeitos do contrato que atingem terceiros que dele não participaram.

Em regra, o direito desses terceiros não é disciplinado pelo direito contratual, mas sim pela

responsabilidade extracontratual. Mas eventualmente o direito contratual disciplina esses

efeitos, como no caso de contrato que viole a ordem pública, bons costumes, contratos que se

submetem às leis anti-trustes e concorrenciais, além de contratos considerados leoninos149.

143 TIMM, Luciano Benetti; GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise Econômica dos Contratos. In: TIMM,

Luciano Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 159. Acerca das finalidades essenciais do direito contratual, Fernando Araújo aponta duas: quais contratos devem ser executados e quais as respostas ao descumprimento do contrato. ARAÚJO, Fernando. Uma análise económica dos contratos parte I: a abordagem económica, a responsabilidade e a tutela dos interesses contratuais. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.5, n.18, p.69-160, abr./jun. 2007.

144 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 416.

145 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 416-418.

146 Contratos nos quais todo o risco fora previsto e alocado de forma eficiente, que todas as informações foram comunicadas por uma parte à outra e que não existem lacunas, dá-se o nome de contratos perfeitos. Os contratos perfeitos existiriam apenas na situação em que os custos de transação fossem iguais a zero, ou seja, as partes poderiam negociar todas as condições e alocar todo o risco sem qualquer custo. Mas é fato que os contratos são imperfeitos, seja porque os custos de transação são sempre positivos ou porque a racionalidade das partes é limitada. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

147 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

148 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 149 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

Page 44: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

48

As externalidades podem ser positivas ou negativas. As primeiras geram um benefício

para a sociedade, ao passo que a outra gera um prejuízo. Assim, o papel do direito seria fazer

com que a pessoa que ocasionou a externalidade arque com o custo gerado (em caso de

externalidade negativa) ou se beneficie do efeito positivo gerado150.

Informações assimétricas caracterizam-se pela situação na qual uma das partes não

possui informações essenciais sobre o contrato. Dividem-se em racional e irracional. A racional

ocorre quando o custo para a aquisição da informação é maior que o benefício adquirido, e a

irracional, quando o benefício é maior que o custo da obtenção da informação, mas a parte

simplesmente o desconhece151.

Diante disso, surgem doutrinas [no direito anglo-americano] que justificam a quebra da

promessa quando ela se baseia em más informações, que é o caso da fraude152, da não

revelação153, da frustração do objeto do contrato154 e do erro mútuo155.

A assimetria de informação gera dois problemas ao bom funcionamento do mercado:

i) seleção adversa; e ii) risco moral. A seleção adversa ocorre quando uma das partes

contratantes está mal-informada sobre a qualidade do bem ou serviço a contratar, embora saiba

da qualidade geral oferecida naquele mercado. Para participar de uma negociação, exigirá uma

redução no preço (pois não tem certeza da qualidade). Consequência disso é que os

fornecedores de boa qualidade não conseguirão competir no preço e, inclusive, alguns podem

até sair do mercado, fazendo a qualidade média reduzir. Já o risco moral ocorre quando uma

parte tem incentivos para alterar seu comportamento de forma a prejudicar a outra, que não

pode fazer nada em relação a isso. É o que acontece com seguro de carro (já que o carro está

seguro, perde-se incentivos em relação ao devido cuidado contra perda ou perecimento). Assim,

a parte que eventualmente pode sofrer com o risco moral eleva seu preço, o que acarreta,

150 TIMM, Luciano Benetti; GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise Econômica dos Contratos. In: TIMM,

Luciano Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. 151 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 152 A possibilidade de quebra de promessa em virtude de fraude ocorre quando a promessa tem por base uma

informação inverídica fornecida pelo promissário. Ou seja, decorre do dever de não informar erroneamente. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

153 A não revelação é motivo para a quebra de promessa específica no sistema Common Law, que exige das partes o dever geral de prestar informações acerca de defeitos mascarados que diminuem o valor de um bem, sem, contudo, torná-lo impróprio ou perigoso para o consumo. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

154 A quebra da promessa é possível quando ambas as partes se baseiam em uma mesma informação equivocada. Nesse caso há frustração do objeto do contrato. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

155 O erro mútuo ocorre quando ambas as partes se baseiam em informações equivocadas, mas cada parte se baseiam em uma informação diversa da que a outra parte se baseou. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 234.

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consequentemente, uma redução da quantidade dos contratos realizados, pois o aumento do

preço reduz a procura156.

O monopólio é a situação na qual a possibilidade de parceiros é bastante limitada.

Assim, a barganha é unilateral, pois somente uma parte de fato tem poder para tanto, e acaba se

aproveitando da outra parte. No sistema Common Law, a premissa é que apenas as promessas

negociadas, ou seja, barganhadas, são executáveis, não se perquirindo, entretanto, se são justas

ou não, exceto, por óbvio e conforme já explicado, em caso de fraude, não revelação, frustração

do objeto do contrato ou erro mútuo.

Em suma, portanto, os objetivos gerais do direito contratual são identificar quais

contratos podem ser judicialmente executados, obter comportamento cooperativo e reduzir os

custos de transação.

Dos objetivos principais extraem-se as finalidades específicas do direito contratual que,

de acordo com Mackaay e Rousseau, deve ser orientado pelo Princípio Cheapest Cost Avoider,

segundo o qual o ônus de arcar com os riscos não alocados no contrato deve ser da parte que

melhor possibilidade tem de preveni-los157. Elegem como finalidades específicas: i) estimular

as pessoas a agirem de forma cooperativa; ii) desencorajar o comportamento oportunista;

iii) prevenir erros evitáveis das partes contratantes; iv) suplementar as condições normais dos

contratos (de modo a evitar custos com redação dos contratos); v) uniformizar as condições

contratuais para que sua conclusão seja menos complexa; vi) atribuir riscos, seja supletiva ou

imperativamente; e vii) reduzir custos de eventuais litígios em razão da obrigação de pré-

constituir provas.

Cooter e Ulen158, assim como Fernando Araújo159, elencam seis finalidades do direito

contratual: i) transformar jogos não cooperativos em jogos cooperativos160; ii) incentivar a

156 TIMM, Luciano Benetti; GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise Econômica dos Contratos. In: TIMM,

Luciano Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 167. 157 “Ao formular normas para alcançar as finalidades apresentadas, o legislador poderá, com frequência, deixar-se

guiar pelo que está no seu conteúdo, por princípio geral que mereça aqui ser realçado. A norma legislativa – e também a judicial – serão justificadas se reduzirem o custo do contrato abaixo do que as partes poderiam fazer. Tal redução ocorrerrá, com mais frequência, na atribuição do ônus de acidente de percurso àquela das partes que melhor puder influir sobre sua superveniência, ou às duas igualmente, ser for impossível escolher. (...) Esse princípio é identificado pela expressão, empregada desde os anos 1970 por Calabresi, ‘cheapest cost avoider’.” MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 419.

158 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 159 ARAÚJO, Fernando. Uma análise económica dos contratos parte I: a abordagem económica, a responsabilidade

e a tutela dos interesses contratuais. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.5, n.18, p.69-160, abr./jun. 2007, p. 72.

160 “A primeira finalidade do direito contratual é possibilitar que as pessoas convertam jogos com soluções ineficientes em jogos com soluções eficientes”. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 211. A cooperação e o compromisso fazem com que a possibilidade de uma parte agir de forma oportunista seja excluída diante do alto custo de seu comportamento não cooperativo.

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50

revelação eficiente de informações161; iii) assegurar o cumprimento ótimo do contrato162; iv)

assegurar o nível ótimo de confiança; v) através de normas supletivas, reduzir os custos de

transação163; e vi) promover relações duradouras164.

A exequibilidade do contrato induz o comportamento cooperativo porque dá às partes contratantes aquilo que elas queriam quando da realização do contrato. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

161 Antes de realizarem a contratação, as partes devem ter conhecimento sobre o que esperam conseguir de referido relacionamento contratual, além do preço, de sua duração e das demais condições pertinentes. Ocorre, contudo, que as informações podem ser assimétricas, ou seja, uma parte possui mais e melhores informações sobre o objeto a ser contratado que a outra parte. Essa assimetria pode impedir a realização das trocas que seriam benéficas. Disso decorre a segunda finalidade do direito contratual: incentivar a revelação eficiente de informações dentro da relação contratual. Muito embora a quebra contratual somente induz que a parte inadimplente seja compelida a pagar os prejuízos previstos, a ausência de prestação de uma informação significativa pode, também, levar à configuração de responsabilidade civil daquele que não a prestou, pois, ao se comportar dessa forma, trouxe prejuízos à outra parte. Assim, o direito contratual pode cuidar das informações assimétricas criando regras que digam às partes quais informações elas tem obrigação de divulgar e quais elas não precisam divulgar. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 213

162 Nos Estados Unidos da América a quebra contratual é resolvida em perdas e danos e a execução específica da promessa é exceção. Portanto, trata-se aqui da responsabilidade por quebra contratual, ou seja, perdas e danos. Nesse caso, quando a indenização for perfeita, isto é, restituir ao promissário tudo aquilo que ele investiu, além do pagamentos de lucros cessantes e de danos emergentes, a promessa será cumprida pelo promitente sempre que a indenização custar mais, e não será cumprida quando ela custar menos. Noutro giro, analisando-se o cumprimento com foco nos benefícios eventualmente auferidos pelo promissário, há de se entender que o promitente irá comparar os custos do cumprimento do contrato com os benefíciosa adquiridos pelo promissário. Assim, sempre que os custos do cumprimento forem maiores que os benefícios do promissário haverá a quebra do contrato e quando os custos forem menores haverá o cumprimento. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

163 Normas supletivas são necessárias sempre que houver uma lacuna no contrato, ou seja, sempre que se observar a inexistência de alocação de um determinado risco. Essas lacunas podem ser involuntárias, quando as partes realmente não a conheciam os riscos, ou deliberadas, quando as partes sabem da probabilidade da ocorrência desse risco, mas diante de sua pouca probabilidade de ocorrência preferem não negociar sua alocação no contrato. “Ambas as partes preferem que o contrato tenha condições eficientes, e não ineficientes. De modo semelhante, ambas as partes preferem condições supletivas eficientes, e não ineficientes. Quando a lei fornece condições supletivas preferidas por ambas as partes, elas podem omitir essas condições do contrato. Omitindo essas condições do contrato, as partes podem se concentrar na negociação de outras condições. Quanto menor for o número de condições que exigem uma negociação, tanto mais barato será o processo contratual. Portanto, a lei pode poupar dinheiro para as partes contratantes fornecendo condições supletivas eficientes para preencher lacunas existentes nos contratos” COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 225.

164 A sexta a última finalidade dos contratos é promover relações que permaneçam ao longo do tempo diante da cooperação das partes sem que seja necessário se recorrer à jurisdição para requerer seu devido cumprimento. Quando o relacionamento contratual ocorre em situações que se repetem diversas vezes ao longo do tempo, ou seja, relações duradouras, percebeu-se que as normas informais, aquelas que não constam do contrato, funcionam de forma bastante eficiente. No comércio, chama-se “costume do ramo”. A essas relações duradouras aplica-se a estratégia dos jogos repetidos. Nessa situação, é mais vantajoso ao contratante cooperar no longo prazo do que se apropriar em uma jogada específica, pois o outro contratante, em caso de apropriação, utilizará a estratégia da retaliação (vai pagar na mesma moeda, ou seja, vai se apropriar na próxima jogada pois não tem incentivo para cooperar). A solução jurídica para isso é aumentar o custo da apropriação, pois a cooperação fica mais vantajosa. Mas, para isso, é necessário um Estado eficaz, que faça cumprir o que fora prometido. Ocorre, entretanto, que na última jogada não há como o agente principal retaliar. É o problema do fim do jogo. Nessa situação é como se o jogo fosse de um lance só, no qual o segundo agente possui mais vantagem em se apropriar do que em cooperar. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 237-247.

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51

Portanto, os contratos são fatos sociais que ocorrem em um ambiente de mercado e são

responsáveis por levar os bens escassos às pessoas que mais os valorizam, criando, dessa forma,

riqueza para a sociedade em razão do aumento da satisfação geral.

O direito contratual regulamenta essas transações e, segundo a Teoria Econômica do

Contrato, regida pelo Princípio Chepest Cost Avoider, possui três objetivos principais, quais

sejam, identificar as transações que podem ser executadas judicialmente, incentivar o

comportamento cooperativo e reduzir os custos de transação. Os custos de transação podem ser

aumentados em razão da ocorrência de externalidades, informações assimétricas e monopólio.

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4 O DIREITO CONTRATUAL BRASILEIRO

O objetivo da presente dissertação é apontar as bases do direito contratual brasileiro.

Para tanto, apresenta-se o conceito de direito contratual, seus elementos e requisitos de validade

e, ao fim, os princípios, com uma abordagem histórica do estado liberal ao estado social

democrático.

4.1 Conceito

Segundo Fiúza165, para a compreensão do que seja contrato é importante entender a ideia

de negócio jurídico. Para tanto, necessário conhecer alguns conceitos. Inicia-se explicando a

diferença entre fato, que é um acontecimento, e fato jurídico, que é um acontecimento que

interessa ao direito por criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídicas166. Os fatos

jurídicos dividem-se em naturais ou humanos, diferenciando-se na medida em que esse último

ocorre em virtude de uma atuação humana. Aos fatos jurídicos humanos dá-se o nome de ato

jurídico.167

O ato jurídico, por sua vez, divide-se em três: atos ilícitos, ato jurídico em sentido estrito

e negócio jurídico. Atos ilícitos são aqueles contrários ao ordenamento jurídico. Ato jurídico

em sentido estrito é uma ação humana da qual decorrem efeitos jurídicos, sendo que esses

efeitos ocorrem em virtude de lei e não da vontade humana. Portanto, pouco importa se a pessoa

que realizou o ato jurídico queria ou não seus efeitos jurídicos, pois eles acontecerão em razão

da lei. É o caso, por exemplo, da paternidade168.

Já “negócio jurídico é toda ação humana combinada com o ordenamento jurídico,

voltada a criar, modificar ou extinguir relações jurídicas ou situações jurídicas, cujos efeitos

vêm mais da atuação individual do que da lei”169. Portanto, a diferença entre ato jurídico estrito

senso e negócio jurídico circunscreve-se em que esse último tem na vontade humana, limitada

pela lei, sua principal fonte de efeitos, ao passo que aquele o tem na lei. A essa área de atuação

humana que é limitada pela lei chama-se autonomia privada.170

165 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 166 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 167 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 168 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 169 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 6. 170 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

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Fiúza aduz, entretanto, conforme também pensam Orlando Gomes171 e Francisco

Amaral172, que essa distinção do ato jurídico em subcategorias não faz mais sentido, sendo

melhor destacar apenas suas espécies finais, como os contratos, os testamentos, a adoção, entre

outros173.

Contrato, então, é uma espécie de negócio jurídico, cuja existência depende da

participação de duas ou mais pessoas, que podem ter atitudes antagônicas, a que se denomina

bilateral, como no contrato de compra e venda, ou não antagônicas, a que se denomina

plurilateral, como o contrato de sociedade174, através do qual essas pessoas tem a finalidade de

“adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”175.

Álvaro Villaça Azevedo conceitua contrato como “a manifestação de duas ou mais

vontades, objetivando criar, regulamentar, alterar e extinguir uma relação jurídica (direitos e

obrigações) de caráter patrimonial.”176. Esse conceito, aliás, é o mais adotado pela doutrina,

como se vê nas obras de Tartuce177, Pereira178, Nader179, Gomes180 e Rizzardo181.

171 GOMES, Orlando. Autonomia privada e negócio jurídico. In: Novos temas de direito civil, p. 88/89. 172 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. Rio De Janeiro: Renovar, 2003. p. 379/381. 173 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 174 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 175 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 176 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil, v. 3. Teoria geral dos contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva

2018. Recurso online. p. 24. 177 “Em suma, e em uma visão clássica ou moderna, o contrato pode ser conceituado como sendo um negócio

jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial.”. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011. p. 472.

178 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v III. Contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 7.

179 “Na acepção atual, contrato é acordo de vontades que visa a produção de efeitos jurídicos de conteúdo patrimonial. Por ele, cria-se, modifica-se ou extingue-se a relação de fundo econômico” NADER, Paulo. Curso de direito civil, v. 3 contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. Recurso online. p. 7.

180 “A escala na genealogia do conceito de contrato sobe ao negócio jurídico, [conceito adotado pelo Código Civil, muito embora sem definição legislativa expressa, daí para o ato jurídico e, por fim, para o fato jurídico. Nessa perspectiva, o contrato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral. [...] O contrato e seus tipos esquematizados na lei serão estudados como instrumentos jurídicos para a constituição, transmissão e extinção de direitos na área econômica.”. GOMES, Orlando. Contratos. 27. ed. Rio de Janeiro Forense, 2019. Recurso online. p. 2

181 “Os romanos empregavam o termo “convenção” (pacto conventio), com o significado amplo de contrato, considerando-a o gênero, eis que abarcava toda a espécie de acordos de vontades, quer resultassem ou não obrigações; e o termo “contrato” (contractus), que aparecia como espécie e era a relação jurídica constituída por obrigações exigíveis mediante ações cíveis. [...] A própria origem etimológica do termo conduz ao vínculo jurídico das vontades, com vistas a um objetivo específico: contractus, do verbo contrahere, no sentido de ajuste, convenção, pacto ou transação. Ou seja, a ideia de um acordo entre duas ou mais pessoas para um fim qualquer. Constitui um ato injurídico, cuja finalidade visa criar, modificar ou extinguir um direito.” RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2019. Recurso online. p. 5.

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55

Esse conceito, contudo, é demasiado amplo, abrangendo, inclusive, os contratos de

direito público e de direito internacional. Dentro da esfera privada, abrangeria, também, atos

jurídicos de caráter pessoal, como o matrimônio182.

Fiúza, ao observar que esse conceito inequivocamente abrange institutos que não

pertencem ao Direito Privado, nos quais imperam princípios diferentes183, constrói um conceito

mais adequado ao Direito Privado:

Contrato é o ato jurídico lícito, de repercussão pessoal e socioeconômica, que cria, modifica ou extingue relações jurídicas dinâmicas, de caráter patrimonial, entre duas ou mais pessoas, que, em regime de cooperação, visam atender desejos ou necessidades individuais ou coletivas, em busca de satisfação pessoal, assim promovendo a dignidade da pessoa humana.

De toda sorte, adotando-se um conceito mais amplo ou mais restrito, percebe-se sempre

a presença de elementos do contrato, quais sejam: bilateralidade; consentimento válido;

conformidade com a ordem jurídica; e produção de efeitos jurídicos184.

Contrato no Direito Privado é, portanto, o negócio jurídico realizado por duas ou mais

pessoas, cuja manifestação de vontade necessita ser válida e tem a finalidade de criar, modificar,

regulamentar ou extinguir relações jurídicas de caráter patrimonial.

4.2 Elementos e requisitos de validade

Os elementos do contrato são os mesmos dos atos jurídicos. São, portanto, os prescritos

no artigo (art.) 104 do Código Civil185: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou

182 “I – Em primeiro lugar, a ideia de um superconceito, aplicável em todos os campos jurídicos, e, por conseguinte,

tanto ao direito privado como ao direito público, e inclusive ao direito internacional. Neste ponto de vista, citam-se os tratados internacionais, os acordos entre as nações, o contrato celebrado pelo Estado com os concessionários de obras ou serviços públicos e os contratos administrativos. II – Num sentido mais limitado, adstrito à órbita do direito privado, serve para designar todos os negócios jurídicos bilaterais de direito privado. Compreende tanto os negócios jurídicos de direito patrimonial, como a compra e venda, o arrendamento etc., quanto aqueles cujo objeto seja uma questão de direito pessoal, como o matrimônio, a adoção e os contratos sucessórios. III – No sentido mais restrito, abrange só aqueles fenômenos que podem ser submetidos a um regime jurídico de caráter unitário. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2019. Recurso online. p. 5.

183 FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 184 “Desdobrando-se o conceito, transparece a bilateralidade do ato jurídico; exige-se o consentimento válido,

emanado de vontades livres; pressupõe a conformidade com a ordem legal; e tem por escopo objetivos específicos, ou seja, a produção de direitos.” RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2019. Recurso online. p. 6.

185 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil, v. 3. Teoria geral dos contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva 2018. Recurso online. p. 47.

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56

determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei186. Dividem-se, então, em três grupos,

quais sejam, o subjetivo, o objetivo e o formal187.

O elemento subjetivo, a capacidade das partes, é comum aos negócios jurídicos em

geral. Sua ausência se divide em absoluta e relativa: a incapacidade absoluta188 gera a nulidade

do contrato e a relativa189 a anulabilidade. Para os contratos, no entanto, ainda que haja

capacidade das partes, a lei impõe algumas restrições190 para a realização de certas espécies,

tais como os prescritos nos arts. 496191, 497192, 544193 e 548194, do Código Civil de 2002.

Decorrente do próprio conceito de contrato195, imprescindível o consentimento de duas

ou mais pessoas, que abrangerá três aspectos: acordo sobre existência ou não do contrato;

acordo sobre o conteúdo do contrato; e acordo sobre as cláusulas do contrato196. Assim como

186 “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. Código Civil.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

187 Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Volume III – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 12 ed., p. 30.

188 Art. 3º: São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. Código Civil.

189 “Art. 4º: São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV - os pródigos.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. Código Civil 2002.

190 “Com efeito, a lei estabelece, muitas vezes, restrições à faculdade de contratar, ou de celebrar um dado contrato. Uns o denominam de incapacidade contratual, outros o chamam de impedimento, mas nós preferimos ficar com os que dizem restrições, a fim de que não se faça confusão com as incapacidades gerais ou com os impedimentos matrimoniais. Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Volume III – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 12 ed., p. 30.

191 “Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

192 “Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública: I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

193 “Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança. Código Civil 2002.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

194 “Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

195 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil. Teoria geral dos contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v.3, 2018. Recurso online. p. 24.

196 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2006.

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57

em qualquer negócio jurídico, o vício no consentimento é um defeito que pode gerar a anulação

do contrato, conforme prescrito nos artigos 138 a 157 do Código Civil197.

Conforme explica Nader198, o segundo elemento refere-se ao conteúdo dos contratos.

Lícito é o objeto não proibido por lei, ou seja, é lícito o que não for proibido. Mas para além da

lei, referido autor acrescenta que também seriam ilícitos os contratos que contrariem a moral

social. Do mesmo entendimento compartilha Lisboa199.

A impossibilidade200 do contrato pode ser absoluta, relativa, física ou jurídica. A

absoluta é aquela que é humanamente impossível, haja vista atingir todas as pessoas. A relativa

é aquela que atinge uma pessoa determinada. A física é a referente às leis da natureza. E, por

fim, a jurídica, que é a impossibilidade prescrita em lei201.

O objeto deve, ainda, ser determinado ou determinável, ao menos em gênero e

quantidade, sob pena de ser inviabilizado202, e ser apreciável economicamente203.

Quanto ao elemento formal, Pereira204 informa que os contratos existem e valem pela

simples declaração de vontade205, gerando efeitos a partir de então. Apenas excepcionalmente

197 “A declaração de vontade deve ser espontânea e sem defeitos que possam macular a sua pureza. Quando

exercitada sob a influência de algum vício previsto em lei, tem-se negócio jurídico anulável. À luz do Código Civil de 2002, são vícios de vontade: a) erro ou ignorância (arts. 138 a 144); b) dolo (arts. 145 a 150); c) coação (arts. 151 a 155); d) estado de perigo (art. 156); e) lesão (art. 157). Na fraude contra credores (arts. 158 a 165) não se tem vício de vontade, mas vício social. Igualmente na simulação (art. 167). Enquanto os vícios em geral fazem anuláveis os negócios jurídicos, esta última provoca a nulidade.”. NADER, Paulo. Curso de direito civil, contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2018. Recurso online. p. 17.

198 NADER, Paulo. Curso de direito civil, contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2018. Recurso online. 199 “O objeto da avença não pode ser contrário à moral ou aos bons costumes, vedando-se, por exemplo, a alienação

livre de substâncias entorpecentes ou a constituição de sociedade que venha a fomentar o proveito pecuniário da prostituição” LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil : volume 3 : contratos. 7. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 201, p. 115.

200 “Diz-se impossível o objetivo do contrato quando é insuscetível de realização”. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2006. p. 32.

201 “Em relação à impossibilidade do objeto, a doutrina aponta as seguintes espécies: absoluta, relativa, física e jurídica. A primeira é a que atinge às pessoas em geral; o objeto é inacessível para o gênero humano, como a impossibilidade de se apresentar, pessoalmente e ao mesmo tempo, em dois lugares. A relativa é a que diz respeito a determinada pessoa e não às demais. A obrigação de traduzir uma obra escrita em inglês, por exemplo, por quem não conhece o idioma. Física é a impossibilidade ditada por lei da natureza, como a de se obter a fervura da água em uma temperatura de trinta graus. Quando a impossibilidade é ditada por lei, tem-se o objeto juridicamente impossível. A hipótese se configura, v. g., quando se pretende vender uma peça anatômica do próprio corpo. Relativamente à nulidade por impossibilidade do objeto, o Código Civil de 2002 inovou, ao não considerar nulo o negócio jurídico, quando a impossibilidade for relativa e apenas no início. Ou seja, à época da celebração do contrato, havia impossibilidade relativa. Se esta desaparece quando do cumprimento, a nulidade não se caracterizará. Igualmente, em se tratando de condição suspensiva e a impossibilidade for relativa e inicial.” NADER, Paulo. Curso de direito civil, contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2018. Recurso online. p. 20.

202 NADER, Paulo. Curso de direito civil, contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2018. Recurso online. 203 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos. 7. ed. São Paulo, SP: Saraiva, v. 3, 2013. p. 115. 204 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3,

2006. 205 “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei

expressamente a exigir.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

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58

a lei exige formalidade para sua validade. Referido autor dá o exemplo da doação, que exige

forma escrita, salvo para aquelas cujo objeto envolve bem de pequeno valor, e a forma pública,

para contratos constitutivos ou translativos de direitos reais.

Portanto, os elementos dos contratos, subjetivo, objetivo e formal, são os mesmos dos

atos jurídicos. Contudo, algumas vicissitudes se destacam. Exige-se o consentimento de duas

ou mais pessoas e, ainda que elas tenham capacidade, a lei restringe algumas pessoas de realizar

alguns contratos, tais como o contrato de compra e venda de ascendente a descendente sem que

haja a concordância do cônjuge e dos demais descendentes206. Quanto ao objeto, exige-se,

também, a apreciação econômica.

4.3 Princípios

O entendimento dos princípios contratuais perpassa por sua contextualização histórica.

Apresenta-se, então, o contexto histórico no Estado Liberal e após no Estado Social para,

depois, apresentar os princípios da Autonomia Privada, Obrigatoriedade, Boa-fé Objetiva,

Relatividade dos Efeitos dos Contratos e, por fim, o da Função Social.

4.3.1 Contexto Histórico no Estado Liberal

A compreensão dos princípios dos contratos perpassa por sua contextualização histórica

e sua evolução.

Luciano Benetti Timm207 analisa a evolução dos modelos contratuais desde o

Liberalismo, passando pelos modelos Solidarista e Sistêmico para, ao fim, discorrer sobre o

Modelo Contratual Econômico.

O modelo liberal, base ideológica do Código Civil de 1916, que rompe com a era

medieval e possui forte inspiração individualista, utiliza a ideia de que o ser humano existe

antes do Estado e tem uma liberdade plena, que era deixada de lado apenas para permitir a

206 “Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do

alienante expressamente houverem consentido.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

207 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

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59

existência da sociedade.208 O contrato, por esse modelo, é, então, uma obra da vontade dos

homens209, sendo, por isso, designado como um dogma da vontade210.

Timm conceitua o modelo liberal de contrato da seguinte forma211:

a concepção liberal de contrato era a de um acordo livremente manifestado de vontade das partes (consenso) – tomadas igualmente pelo sistema jurídico – independentemente de qualquer formalidade para sua perfectibilização (em regra). Após o encontro de vontades, isto é, o consenso (proposta e aceitação), as partes estarão obrigadas a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, não sendo lícito a nenhuma delas, isoladamente, desistir do negócio (pacta sunt servanda); também não será lícito ao juiz interferir no que fora livremente pactuado entre as partes.

Esse modelo liberal tem por pressuposto o individualismo212, que transbordou para

todos os outros sistemas sociais213, como a política e a economia, e como paradigma o dogma

da vontade214, única fonte de direitos e obrigações. Isso ocasionava a não intervenção pública,

notadamente judicial, nos contratos, nos quais a igualdade formal entre os contratantes era

pressuposta215:

[...] a preocupação dos civilistas do século XIX era com a gênese do contrato (garantia da emissão da vontade hígida), com a força vinculante dos pactos (pacta sunt

208 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 209 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 210 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 211 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed.

São Paulo: Atlas, 2015. p. 35 212 “Com efeito, o paradigma moderno, que resultou tanto em um modelo liberal de constituição, quanto em um

modelo liberal de código civil, foi construído sob uma percepção ‘antropocêntrica’ ou ‘individualista’ do homem, que se opôs à percepção ‘holista’ ou ‘cosmológica’ do paradigma antigo. É que, na modernidade, surgiu um mundo novo, uma nova maneira de perceber a realidade humana, as relações entre homem e sua alteridade – seja nas relações entre o homem e a natureza, seja naquelas relações entre o homem e os demais homens. Nas precisas palavras de Manfredo Araújo, houve uma significativa mudança no horizonte do pensamento, assim descrita: ‘a passagem do pensamento clássico, grego, e medieval para o pensamento moderno significa a passagem de um horizonte cosmocêntrico-objetal para um antropocêntrico-subjetal’.” TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 37-38. “A concentração urbana e a significativa diferenciação social, que rompeu com os vínculos hierárquicos estamentais – estimulando uma ideologia individualista e uma dissolução de valores comuns -, e o desenvolvimento do capitalismo comercial e industrial (economia de mercado) – e suas consequências da divisão social do trabalho.”

213 UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito na Sociedade Moderna: contribuição à crítica da teoria social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. In: TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 43.

214 “Já o ‘dogma da vontade’ é o auge do voluntarismo, ou seja, é a dogmática jurídica que leva o consensualismo do modelo liberal jusnaturalista de contrato às últimas conseqüências no âmbito da teoria jurídica (inserida no contexto já do “positivismo jurídico”e do liberalismo econômico)”. TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 76-77.

215 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 79.

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60

servanda) para a garantia da paz social – o paradigma jurídico do “dogma da vontade” defendia ser a vontade a única geradora de direitos e obrigações às partes contratantes, deduzindo daí a estrutura do Direito contratual. Adicionava a isso a impossibilidade de intervenção pública, especialmente judicial, naquilo que fora livremente ajustado pelas partes contratantes, “sacralizando”, com isso, o acordo de vontades. Por fim, renunciava a uma apreciação ética, econômica e política do contrato em nome de uma neutralidade do sistema jurídico.

Theodoro Júnior216 informa que o contrato, então, era instrumento de intercâmbio

econômico das pessoas, razão pela qual a vontade tinha uma grande amplitude, limitada rara e

excepcionalmente por norma de ordem pública. Seus princípios eram a liberdade contratual, a

obrigatoriedade dos contratos e relatividade de seus efeitos, haja vista vincular apenas as partes

contratantes.

Schreiber217, na mesma linha, acrescenta que o Estado jamais intervinha no conteúdo

dos contratos, sendo seu papel apenas assegurar-lhe o cumprimento. A obrigatoriedade dos

contratos positivou-se nos códigos civis francês e alemão, sendo que o nome deste último

(Bürgerliches Gesetzbuch) é, literalmente, Livro do Direito Burguês.

No mesmo sentido Lobo218, segundo o qual os contratos naquela época foram

estruturados de acordo com a lei da oferta e procura e vinculavam o contratante ética e

216 “Na visão do Estado Liberal, o contrato é instrumento de intercâmbio econômico entre os indivíduos, onde a

vontade reina ampla e livremente. Salvo apenas pouquíssimas limitações de lei de ordem pública, é a autonomia da vontade que preside o destino e determina a força da convenção criada pelos contratantes. O contrato tem força de lei, mas esta força se manifesta apenas entre os contratantes. Todo o sistema contratual se inspira no indivíduo e se limita, subjetiva e objetivamente à esfera pessoal e patrimonial dos contratantes. Três são, portanto, os princípios clássicos da teoria liberal do contrato: a) o da liberdade contratual, de sorte que as partes, dentro dos limites da ordem pública, podem convencionar o que quiserem e como quiserem; b) o da obrigatoriedade do contrato, que se traduz na força de lei atribuída às suas cláusulas (pacta sunt servanda); e c) o da relatividade dos efeitos contratuais segundo o qual o contrato só vincula as partes da convenção, não beneficiando nem prejudicando terceiros (res inter alios acta neque

nocet neque prodest).” THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 4. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2014. p. 17.

217 “No Estado liberal, o juiz não adentra o conteúdo do contrato. O contrato é considerado justo pelo simples fato de ser produto da livre manifestação de vontade dos contratantes” SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. Recurso online. p. 414. “O papel do Estado limita-se, nesse contexto, a assegurar o cumprimento do pactuado. O contrato é elevado a autêntica “lei entre as partes”. A força vinculante dos contratos deixa de ser simples efeito do instrumento contratual para passar a ostentar a condição de princípio fundamental do direito dos contratos: a obrigatoriedade dos pactos (pacta sunt servanda) combina-se, assim, com o princípio da liberdade de contratar para formar a base do direito contratual fundado pelas revoluções burguesas. Essa concepção seria cristalizada nas grandes codificações europeias do século XIX, em especial nas codificações da França e da Alemanha. De fato, o Code Napoléon e o Bürgerliches Gesetzbuch, literalmente “livro de direito burguês”, foram instrumentos fortíssimos de difusão do liberalismo jurídico ao redor do mundo. É notável a sua influência sobre o Código Civil brasileiro de 1916, que disciplinou os contratos à imagem e semelhança daquelas codificações.”. SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. Recurso online. p. 415.

218 “O contrato foi estruturado segundo o esquema bifronte da oferta e da aceitação, do consentimento livre e da igualdade formal das partes. O contrato assim gerado passou a ser lei entre as partes, na conhecida dicção dos Códigos Civis francês e italiano, sintetizado na fórmula pacta sunt servanda. O contrato encobriu-se de inviolabilidade, inclusive em face do Estado ou da coletividade. Vinculou-se o contratante ética e juridicamente; vínculo que tanto era mais legítimo quanto fruto de sua liberdade e autonomia. Essa exaltação do contrato como modelo individualista por excelência da sociedade chega ao clímax no final do século XIX,

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61

juridicamente. Essa compreensão chegou ao seu clímax no final do século XIX, quando

“contratual” passou a ser entendido como sinônimo de “justiça”.

O contrato no estado liberal caracteriza-se, então, pela liberdade plena da vontade, que

encontrava limites apenas muito raramente em normas de direito público, pela obrigatoriedade,

razão pela qual o Estado somente intervinha para garantir o cumprimento, e pelo

individualismo, sendo seus efeitos refletidos apenas entre as partes.

São seus princípios a autonomia da vontade e a obrigatoriedade (pacta sunt servanda),

e seus efeitos atingiam apenas as partes contratantes.

4.3.2 Contexto Histórico no Estado Social e contemporâneo no Brasil

Opôs-se a esse modelo liberal o modelo solidarista, segundo o qual o dogma da vontade

acarretou a inadequação daquele à complexidade da sociedade industrializada e massificada,

caracterizada por relações contratuais desiguais, abuso de posição jurídica, monopólios e

oligopólios219.

Isso ocasionou os fatos ocorridos na primeira metade do século XX, como o

movimento socialista, que acarretou a Revolução Russa de 1917, a quebra da Bolsa de Nova

York em 1929 e a Primeira Guerra Mundial, que obrigou a reconstrução dos Estados derrotados.

Tudo isso provocou a alteração do próprio papel do Estado, passando a ser, então, mais

interventor220.

O modelo solidarista, contrapondo-se ao individualismo do modelo anterior,

entende que o papel do Direito é encorajar o bom funcionamento da sociedade através do

estímulo à solidariedade das pessoas, sendo, por isso, mais cooperativo do que repressivo221.

com o filósofo Fouillé, que exerceu forte influência no espírito dos juristas. Ele defendia a concepção de serem contrato e justiça termos equivalentes: ‘quem diz contratual diz justo’ e ‘toda justiça deve ser contratual’.” LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 3. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2017. Recurso online. p. 19-20.

219 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

220 “Como reação a tudo isso, o movimento socialista, amadurecido durante todo o século XIX, passa a cooptar massas cada vez mais numerosas de trabalhadores insatisfeitos, culminando com a Revolução Russa de 1917, marco inaugural de um sistema político considerado, à época, capaz de apresentar alternativa real ao capitalismo liberal. Ao mesmo tempo, a grande depressão da economia mundial, que resulta na quebra da Bolsa de Nova York em 29 de outubro de 1929, vem mostrar que o liberalismo econômico era falho em sua equação central. A Primeira Guerra Mundial e a posterior necessidade de reconstrução dos países derrotados — pressuposto indispensável à manutenção da própria economia capitalista, como sustentou o então jovem membro da delegação britânica, John Maynard Keynes, em sua famosa crítica à Conferência de Versalhes, The economic consequences of the peace — impunham a intervenção estatal em setores econômicos, mesmo em nível internacional. A primeira metade do século XX assiste a uma alteração sensível no papel do Estado, chamado a atender contingências com as quais o liberalismo não conseguira lidar.” SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. Recurso online. p. 416.

221 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed.

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62

Essa nova concepção exige que o Direito seja aberto aos sistemas externos a ele, como os usos

e costumes, a boa-fé, a justiça distributiva e o equilíbrio, permitindo sua permanente

oxigenação, o que impede seu envelhecimento e possibilita uma maior intervenção estatal.222

Segundo leciona Timm223, o papel do direito no modelo solidarista, ou seja, sua

função social, é o de combater as injustiças sociais:

Dessa forma, no modelo solidarista, os institutos jurídicos sofreram uma “institucionalização social”. Tudo isso a fim de promover uma diminuição dos conflitos sociais através da distribuição dos riscos de atividades empresariais capitalistas e das vantagens econômicas por elas geradas no seio da sociedade, restabelecendo a necessária cooperação entre os indivíduos integrantes do mesmo grupo social. Dito em outras palavras, seria um modelo jurídico cujo ideal contemplaria a recuperação do equilíbrio e da justiça nas relações e trocas interindividuais.

O afastamento do individualismo exacerbado do Estado Liberal, no parecer de Lobo224,

ocorreu logo desde o início do Estado Social, que passou a intervir constantemente na esfera

privada. No Brasil, essa intervenção consta de previsão constitucional225, no art. 170 da

Constituição Federal de 1988226. Para esse autor, qualquer contrato deve observar a justiça

social, razão pela qual, também por força de legislação infraconstitucional (art. 421 do Código

Civil), a função social dos contratos é o que limita a liberdade de contratar227.

São Paulo: Atlas, 2015.

222 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

223 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 110.

224 “O Estado social, desde seus primórdios, afetou exatamente os pressupostos sociais e econômicos que fundamentaram a teoria clássica do contrato. A intervenção pública nas relações econômicas privadas, que era excepcional, converteu--se em regra, alcançando seu clímax na atribuição de função social ao contrato, cuja liberdade apenas pode ser exercida “em razão e nos limites” daquela, como enuncia o art. 421 do Código Civil brasileiro. A tradicional função individual do contrato permanece, mas é conformada à função social. LÔBO, Paulo. Direito civil / contratos. 3. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2017 1 recurso online, p. 22.

225 “A função exclusivamente individual do contrato, no sentido de contemplar apenas os interesses das partes, é incompatível com a tutela explícita da ordem econômica e social, na Constituição. O art. 170 da Constituição brasileira estabelece que toda a atividade econômica – e o contrato é o instrumento dela – está submetida à primazia da justiça social.” LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 3. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2017. Recurso online. p. 64.

226 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

227 “O Estado social, desde seus primórdios, afetou exatamente os pressupostos sociais e econômicos que fundamentaram a teoria clássica do contrato. A intervenção pública nas relações econômicas privadas, que era excepcional, converteu--se em regra, alcançando seu clímax na atribuição de função social ao contrato, cuja liberdade apenas pode ser exercida “em razão e nos limites” daquela, como enuncia o art. 421 do Código Civil brasileiro. A tradicional função individual do contrato permanece, mas é conformada à função social.” LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 3. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2017. Recurso online. p. 22.

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63

Fato inegável é a adoção, pelo Código Civil, dessa perspectiva solidarista, conforme

observa-se nos artigos 111228, 113229, 128230, 187231 e, a respeito dos contratos, nos artigos

421232 e 422233, notadamente em se tratando da adoção dos Princípios da Boa-Fé e da Função

Social, mas também em relação à paridade material, haja vista a possibilidade de revisão

judicial dos contratos e a necessária interpretação favorável ao aderente nos contratos de

adesão234.

Para Theodoro Júnior235, o Estado Social, contudo, não fulminou os princípios

contratuais do modelo liberal, mas ocasionou a redução de sua rigidez, através do acréscimo de

228 “Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária

a declaração de vontade expressa.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

229 “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

230 “Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

231 “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

232 “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

233 “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

234 “O Código Civil brasileiro, de 2002, apesar de ter utilizado o texto básico do Código individualista de 1916, o que em grande medida condicionou suas diretrizes, corresponde à mudança de paradigmas da contemporaneidade, nos artigos introdutórios ao Livro destinado aos contratos, especialmente os arts. 421 a 424. Os três princípios sociais do contrato estão contemplados, sendo explícitos os da boa-fé e da função social e implícito o da equivalência material nas disposições relativas à revisão judicial dos contratos e no tratamento atribuí-do ao contrato de adesão, nomeadamente quanto à interpretação favorável ao aderente e à nulidade de cláusulas abusivas, para além da igualdade formal das partes contratantes.” LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 3. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2017. Recurso online. p. 25-26.

235 “Por isso, não se abandonam os princípios clássicos que vinham informando a teoria do contrato sob o domínio das ideias liberais, mas se lhe acrescentam outros, que vieram a diminuir a rigidez dos antigos e a enriquecer o direito contratual com apelos e fundamentos éticos e funcionais. Afastada a ameaça do Estado-agente econômico, com intervenção plena na produção e circulação de riquezas, em que o intervencionismo extremo conduziria ao cancelamento ou à minimização dos princípios clássicos da teoria dos contratos, remanesce o Estado Social de Direito com sua tônica voltada para o aumento crescente das normas de ordem pública para harmonizar a esfera do individual com o social. Nessa altura é inegável que o direito contratual não se limita aos três princípios clássicos da liberdade de contratar, da força obrigatória das convenções e da relatividade de seus efeitos. A estes vieram somar-se outros três, como registra ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO: a) o da boa-fé objetiva; b) o do equilíbrio econômico, e c) o da função social do contrato.3” THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 4. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2014. p. 17.

Page 60: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

64

fundamentos éticos, e promoveu o diálogo da esfera privada com a esfera pública. Assim,

acrescentaram-se três princípios: a boa-fé objetiva; o equilíbrio econômico; e a função social

dos contratos.

Embora inexista alteração constitucional acerca do modelo do Estado brasileiro, a Lei

de Liberdade Econômica, nº 13.874/19 de 20 de setembro de 2019236, promoveu alterações

pertinentes a questões preliminares do direito contratual brasileiro, notadamente em relação à

Função Social do Contrato e ao Equilíbrio Econômico.

O art. 421 do Código Civil mantém a Função Social do Contrato, mas insere, em seu

parágrafo único, o Princípio da Intervenção Mínima e Excepcionalidade da Revisão Contratual

nas relações contratuais privadas:

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Percebe-se nessa redação do artigo 421 uma clara intenção em reduzir o Princípio do

Equilíbrio Contratual nas relações privadas, aplicando-o apenas de forma excepcional. O artigo

421-A, também do Código Civil, confirma esse raciocínio ao presumir equilíbrio econômico

nos contratos civis e empresariais, salvo a presença de elementos concretos, além de prescrever

que a alocação de riscos definida pelos contratantes deverá ser respeitada:

Art. 421-A.Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Percebe-se que a partir da novidade implementada pela Lei de Liberdade Econômica,

os contratos regidos pelo Código Civil passam a adotar a teoria econômica acerca de como as

pessoas fazem escolhas diante de recursos escassos, isto é, diante da necessidade de escolha

236 BRASIL. Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica. Lei n.º 13.874/19. Brasília, DF: Presidência da

República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 06 dez. 2019.

Page 61: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

65

entre recursos escassos, a escolha por uma opção (realizar ou não o contrato) envolve uma

perda, que a pessoa considera ao avaliar os incentivos para a realização desse mesmo contrato.

Logo, ao optar pela realização do contrato, de acordo com a teoria econômica, os contratantes

entendem, ainda que sua racionalidade seja limitada, que estariam em uma situação melhor do

que se não realizassem a avença. Nesse sentido, não pode o Estado intervir nessa situação, salvo

excepcionalmente.

4.3.3.1 Princípio da Autonomia Privada

A autonomia da vontade e a autonomia privada são nomenclaturas sinônimas, embora

haja discussão doutrinária acerca de qual dessas seria a mais correta. Autonomia da vontade é

mais usada pelos sistemas que sofreram influência do direito francês, que dá maior ênfase ao

caráter psicológico na vontade individual formadora dos contratos (Teoria da Vontade ou

Teoria Subjetivista) e tem como momento histórico o Estado Liberal, sendo, por isso, uma

expressão do individualismo exacerbado. A autonomia privada é mais usada pelos sistemas

influenciados pelo direito alemão e direito italiano e se preocupa com a vontade declarada,

assim negando a vontade psicológica (Teoria da Declaração). Seu momento histórico é o Estado

Social, motivo porque a liberdade de contratar possui limites definidos pelo ordenamento

jurídico237.

Em razão do momento histórico em que se vive, no qual não se pode defender a

liberdade de contratar de forma exacerbada, sem ou quase sem limites, tal qual acontecia no

Estado Liberal, adota-se nessa dissertação a nomenclatura autonomia privada.

A autonomia privada caminha junto dos contratos desde o surgimento desses, embora

tenha sido influenciada ao longo dos tempos por diversas concepções filosóficas, mas sempre

trouxe a ideia do acordo de “vontades livres e soberanas”238. Segundo Nader239, é a faculdade

237 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 3. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2017. Recurso online.

238 “Desde o surgimento, passando pelo direito romano e pelas várias correntes filosóficas e jurídicas da história, o princípio da autonomia da vontade sempre foi consagrado. Por isso, é o contrato considerado como o acordo de vontades livres e soberanas, insuscetível de modificações trazidas por qualquer outra força que não derive das partes envolvidas. [...] O individualismo firmou-se soberano, acompanhando o evoluir do contrato. Acentuou-se com o Código de Napoleão e se expandiu com a filosofia dos fisiocratas, tornando-se instrumento eficaz da economia capitalista, tanto deu ênfase à liberdade e à propriedade, consideradas um binômio indissolúvel, expondo Enzo Roppo: “A propriedade (privada) é o fundamento real da liberdade, o seu símbolo e a sua garantia relativamente ao poder público, enquanto que, por sua vez, a liberdade constitui a própria substância da propriedade, as condições para poder usá-la conformemente com a sua natureza e com as suas funções”. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2019. Recurso online. p. 18.

239 NADER, Paulo. Curso de direito civil, contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2018. Recurso online. p. 23-24.

Page 62: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

66

de contratar “como, quando e com quem quiser”, desde que respeitados os limites legais e dos

bons costumes, bem como a função social e o equilíbrio econômico.

Tartuce240 aponta que a “liberdade de contratar” se relaciona à escolha da pessoa com

quem se realizará o contrato e pode ter limites, como o prescrito no artigo 497 do Código

Civil241. E a “liberdade contratual” liga-se ao conteúdo do contrato, que é limitado por normas

de ordem pública e princípios sociais, como o da função social dos contratos. Esse último,

aponta referido doutrinador, não elimina a autonomia privada, apenas atenua sua força, assim

como o faz com o Princípio da Obrigatoriedade.

Timm242, sob uma perspectiva de um modelo econômico de contrato, elege a liberdade

contratual como o “primeiro princípio e principal pilar do direito contratual”. Da liberdade de

contratar decorre, entre outras coisas, a “autonomia da vontade”243, que permite a cada pessoa

“escolher como e quando irá se obrigar”. Assim, ao realizaram um contrato, as partes buscam

o que é melhor para si, pois são elas quem tem condições de julgar quando um contrato

melhorará suas situações, assim atingindo o ótimo de Pareto244.

Autonomia privada, portanto, é a faculdade de contratar livremente com quem e o que

quiser. Essa faculdade não é absoluta, podendo haver limitações subjetivas e quanto ao

conteúdo do contrato.

240 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011. p. 489-491. 241 “Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração; II - pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta; III - pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade; IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados. Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

242 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 192.

243 Timm, Luciano Benetti. Direito Contratual Brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo. São Paulo: Atlas, 2015, p. 194.

244 Ótimo de Pareto é a situação na qual um dos contratantes melhora sua situação sem que outro fique em uma situação pior, segundo a avaliação subjetiva dos contratantes.

Page 63: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

67

4.3.3.2 Princípio da Obrigatoriedade

O Princípio da Obrigatoriedade decorre da liberdade de contratar e impõe aos

contratantes o necessário cumprimento das obrigações assumidas, exceto se houver em contrato

cláusula de arrependimento ou arras penitenciais245.

A obrigatoriedade consolidou-se no direito canônico com o provérbio “pacta sunt

servanda” e essencialmente existe por razões de natureza prática, para conferir segurança,

ordem, paz e harmonia social246.

É o princípio mais importante, segundo Timm247, e o que permite a execução judicial

em caso de descumprimento do contrato. Sem ele, apenas contratos “poucos sofisticados” e de

execução imediata seriam realizados, já que os agentes econômicos não teriam garantias de que

as obrigações assumidas seriam cumpridas. Lançando mão da Teoria dos Jogos, Timm

demonstra que a inexistência da obrigatoriedade seria um incentivo ao oportunismo

(descumprimento do contrato) por ambas as partes e, consequentemente, haveria ineficiência.

Além da obrigatoriedade, o incentivo à cooperação, ou seja, ao cumprimento, é realizado pela

aplicação de sanções ao contratante que não cooperar.

4.3.3.3 Princípio da Boa-fé Objetiva

O conteúdo do Princípio da Boa-fé Objetiva possui divergências doutrinárias248 mas a

ideia central é a da exigência de comportamento leal das partes contratantes249.

245 “Os contratos são feitos para serem cumpridos – pacta sunt servanda. Se o acordo de vontades se faz dentro da

esfera de liberdade reservada à iniciativa particular, em se tratando de contratos de Direito Privado, as regras estabelecidas impõem-se coercitivamente às partes, ressalvada a hipótese de inserção de cláusula de arrependimento ou arras penitenciais.” NADER, Paulo. Curso de direito civil, contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2018. Recurso online. p. 26.

246 “É irredutível o acordo de vontades, conforme regra consolidada no direito canônico, através do brocardo pacta sunt servanda. [...] Da observância dos contratos decorrem a segurança, a ordem, a paz e a harmonia sociais. [...] O fundamento da obrigatoriedade está, segundo alguns, no dever da veracidade. Ao homem compete manter-se fiel à sua promessa por determinação da própria lei natural, que o força a dizer a verdade. [...] Em verdade, o contrato obriga em função de várias razões, todas de essência prática, sem necessidade de teorizar os fundamentos. É necessário o cumprimento em virtude da palavra dada, e mais porque a lei ordena a obediência às cláusulas, cominando sanções aos infratores. A estabilidade da ordem social e a necessidade de dar segurança às relações desenvolvidas são outros fatores que ensejam a irretratabilidade.” RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2019. Recurso online. p. 23-24.

247 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 192-194.

248 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 195.

249 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011. p. 502.

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68

Lisboa250 informa que as partes devem comportar-se na relação contratual segundo a

legítima expectativa que geram umas nas outras. Nader251, por sua vez, informa que a Boa-fé

contratual exige das partes “honestidade e justiça nas condições gerais estabelecidas”. Para

além da lealdade e da confiança recíproca, Rizzardo252, na mesma linha de Nader, aponta a

necessária existência de equivalência nas prestações das partes contratuais.

A exigência de conduta leal, para Tartuce253, resulta no denominado “deveres anexos ou

laterais da conduta”, tais como a colaboração e cooperação, o respeito, a honestidade, a

equidade e a boa razão.

Embora o Código Civil aponte que o Princípio da Boa-fé há de ser observado na

conclusão e na execução do contrato254, considerando que é uma exigência de conduta ética e

utilizando-se de interpretação constitucional255, Gontijo256 reputa sua necessária observância

também nas fases pré-contratual e pós-contratual, assim como pensa Tartuce257.

250 “A boa-fé objetiva permite uma análise mais adequada da conduta das partes, fixada em virtude da expectativa

que uma parte gera para a outra, por força de seu comportamento e da normalidade que se poderia aguardar. Utiliza-se de forma eficiente, nessas situações, o princípio da razoabilidade, como meio satisfatório de proteção, especialmente dos aderentes de um negócio predisposto”. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos. 7. ed. São Paulo, SP: Saraiva, v. 3, 2013. p. 79.

251 “Relevante, em face das novas regras, é que as condições do negócio jurídico, por suas cláusulas, revelem equilíbrio e justiça. Tem-se, em primeiro lugar, a disposição do art. 113, de conteúdo ético, que orienta o operador para interpretar os negócios jurídicos “conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Já o art. 422 exige dos contratantes a observância dos princípios da boa-fé e probidade, tanto na celebração do ato quanto em sua execução. A boa-fé nos contratos significa, portanto, a honestidade e justiça nas condições gerais estabelecidas.” NADER, Paulo. Curso de direito civil, contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2018. Recurso online. p. 29.

252 “As partes são obrigadas a dirigir a manifestação da vontade dentro dos interesses que as levaram a se aproximarem, de forma clara e autêntica, sem o uso de subterfúgios ou intenções outras que as não expressas no instrumento formalizado. A segurança das relações jurídicas depende, em grande parte, da probidade e da boa fé, isto é, da lealdade, da confiança recíproca, da justiça, da equivalência das prestações e contraprestações, da coerência e clarividência dos direitos e deveres. (...) A probidade envolve a justiça, o equilíbrio, a comutatividade das prestações, enquanto a boa-fé exige a transparência e clareza das cláusulas.” RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2019. Recurso online. p. 31.

253 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011. p. 501. 254 “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os

princípios de probidade e boa-fé.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

255 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 256 “A positivação do princípio da boa-fé objetiva na parte geral dos contratos reafirma sua aplicação sobre o

sistema contratual do novo Código Civil. Apesar de não haver menção expressa no artigo 422 acerca da boa-fé objetiva em todas as etapas da contratação, ela se faz presente por ser uma regra de conduta ética, havendo de se irradiar por todo o período que envolve o contrato: fase pré-negocial, conclusão e execução e, por fim a fase pós-contratua. Além desse fundamento, não estando expresso no CC/2002 que a boa-fé se aplica às fases pré e pós-contratuais, qual é o fundamento jurídico para essa interpretação ampliativa do artigo 422? Como já exposto, a partir do advento da Constituição Federal de 1988, o Código Civil deve ser interpretado consoante a nova ordem constitucional, que tem por princípio fundamental a dignidade da pessoa humana.” GONTIJO, Maísa Conceição Gomes. Análise do princípio da boa-fé objetiva estatuído no artigo 422 do código civil brasileiro. 2009. 123 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito. Disponível em: http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_GontijoMC_1.pdf, p. 89. Acesso em: 17 dez. 2019.

257 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011. p. 504-506.

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69

Timm258 mantém o mesmo entendimento de que a Boa-fé resulta na exigência dos

deveres de “lealdade, transparência, cooperação” mas acrescenta que também é uma “restrição

ao exercício de direitos subjetivos (artigo 187 do Código Civil)”. Citando Richard Posner,

informa ser ela uma proteção às legítimas expectativas por impedir o comportamento

oportunista. A confiança no comportamento dos contratantes justifica-se, segundo um

raciocínio econômico, na possibilidade de se fazer investimentos de acordo com a confiança

existente, sem a necessidade de perda de tempo com formalidades. Tem como função preencher

as lacunas existentes nos contratos (já que todos os contratos são inexoravelmente incompletos);

decorrente do dever de transparência, corrigir eventuais falhas de mercado oriundas das

assimetrias informacionais; e proibir a conduta contraditória, pois a parte contratual deve agir

conforme a legítima expectativa que desperta na outra.

Embora a doutrina não tenha uma posição uníssona acerca do conteúdo da Boa-fé nas

relações contratuais, tendo alguns autores apontado a equidade, equivalência, ou justiça nas

prestações como sua necessária resultante, todos mantêm a ideia central do dever de conduta

leal, transparente e cooperativo segundo as finalidades do contrato, assim evitando-se abuso de

direito caso alguma parte atue de forma contrária àquilo que legitimamente esperou a outra.

4.3.3.4 Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos

Por ser um instituto de direito pessoal, Tartuce259 aponta que em regra os contratos

geram efeitos perante os contratantes, sendo exceções a estipulação em favor de terceiros260, a

promessa de fato de terceiro261, o contrato com pessoa a declarar262 e a função social do

contrato263, positivada no artigo 421 do Código Civil264.

258 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed.

São Paulo: Atlas, 2015. p. 195-196. 259 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011. p. 517-518. Parte da

doutrina segue esse entendimento: “Logo, o que foi contratado pelas partes não prejudica nem beneficia terceiros. Todavia, as exceções residem na estipulação em favor de terceiro, quando A contrata B para executar algo em benefício de C, como nos casos de seguro de vida, e no contrato com pessoa a declarar.”. FRAGA, Patrícia Fernandes et al. Direito civil: teoria geral dos contratos. Porto Alegre: SAGAH, v. 3. 2018. Recurso online. p. 24.

260 Artigo 436 a 438 do Código Civil. 261 Artigos 439 e 440 do Código Civil. 262 Artigos 467 a 471 do Código Civil. 263 Tartuce adota a perspectiva de que a função social tem uma finalidade coletiva que resulta na relativização do

princípio da obrigatoriedade. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011. p. 494.

264 “Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da

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70

Lobo265 informa que a mitigação do Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos

ocorreu jurisprudencialmente na França, em julgamento da Corte de Cassação de 1864,

oportunidade na qual decidiu-se que as obrigações contratuais somente interessam as partes

mas o contrato é oponível contra terceiros na medida em que esses devem respeitá-lo. Mas a

função social dos contratos foi além, pois exige não apenas o respeito, mas também que

terceiros não sejam prejudicados pelo contrato, o que acabaria reduzindo a importância da

dicotomia entre direitos reais, oponíveis contra todos, e direitos creditórios, oponíveis apenas

entre as partes.

Sob o ponto de vista orientado pelos pressupostos econômicos, Mackaay e Rousseau266

informam que o efeito relativo dos contratos decorre da autonomia da vontade e, por isso,

somente as partes que se vincularam ao pacto são atingidas. Para que um terceiro seja atingido

por seus efeitos é necessária sua anuência.

A limitação dos efeitos às partes contratantes tem a função de impedir que elas

estabeleçam externalidades, o que poderia prejudicar terceiros caso fossem-lhes impostas

obrigações não consentidas267. É na exigência do consentimento das pessoas envolvidas e na

proibição de externalidade que os interesses da sociedade, sob o ponto de vista econômico,

seriam atendidos.

A doutrina tradicional entende que os efeitos obrigacionais dos contratos vinculam

apenas as partes, mas terceiros tem o dever de respeitar os contratos e o direito de não serem

prejudicados por eles. Sob o ponto de vista da análise econômica do direito, os efeitos dos

contratos somente vinculam as partes, porque eles dependem do consenso. Nesse sentido, a

estipulação em favor de terceiros, a promessa de fato de terceiro e o contrato com pessoa a

declarar não seriam exceções, porque o terceiro eventualmente beneficiado há, também, de

manifestar sua anuência, assim compondo a relação. A circunscrição dos efeitos às partes, aliás,

impede que haja terceiros prejudicados (externalidades).

República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

265 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 3. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2017. Recurso online. p. 61-62. 266 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. p. 407 267 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. p. 194-195.

Page 67: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

71

4.3.3.5 Princípio da Função Social

A doutrina majoritária interpreta a função social dos contratos sob a perspectiva do

modelo solidarista, cuja finalidade seria atender aos interesses da coletividade268. Ressalte-se

que a adoção dessa perspectiva solidarista, no presente contexto, não leva em consideração as

alterações do artigo 421 do Código Civil promovidas pela Lei 13,874/2019269, intitulada

Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, haja vista terem sido escritas antes de referida

inovação legislativa.

Nesse contexto solidarista, a função social dos contratos é um limite à liberdade de

contratar270 e originou-se com a preocupação de impedir que os efeitos de um determinado

negócio jurídico prejudicassem terceiros e a sociedade, assim também realizando uma

ponderação do Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos271.

Atualmente, a doutrina aponta como seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e

a solidariedade social272, defendendo a predominância dos interesses públicos e coletivos sobre

268 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011. p. 494. 269 “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as

Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências.” BRASIL. Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica. Lei n.º 13.874/19. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 06 dez. 2019.

270 “Por isso, é inderrogável a liberdade contratual. Assegura-se, em tese, ampla liberdade às pessoas para estipular as cláusulas que lhe interessam. Torna-se o contrato verdadeira norma jurídica, fazendo lei entre as partes. No entanto, desde metade do século passado, o princípio vem sofrendo atenuações, o que se acentuou, no direito brasileiro, com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990), e passou, com o Código Civil de 2002, a se subordinar à função social do contrato, rezando seu art. 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2019. Recurso online. p. 19.

271 “Foi bem mais recente o movimento doutrinário em torno do tratamento social do contrato, que se originou na França e cuja preocupação era precisamente a análise do negócio jurídico em face de terceiros. Nessa altura, o enfoque era mais voltado para a ilicitude do que propriamente para a força contratual. Chegava-se à conclusão de que o abuso de direito, em terreno algum, deveria ser tolerado, e tampouco no domínio do contrato. A liberdade de contratar, nessa ótica, não poderia redundar em prejuízos injustos para terceiros e para a sociedade em geral. O que surgiu desses estudos da interferência do contrato no meio social foi a sistematização dos denominados ‘efeitos externos das obrigações’. A consequência imediata se fez sentir na flexibilização que se teve de admitir para o clássico princípio da relatividade dos efeitos do contrato. Quando o art. 421 do novo Código brasileiro fala em função social para o contrato está justamente cogitando dos seus efeitos externos, isto é, daqueles que podem repercutir na esfera de terceiros.” THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 4. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2014. p. 42.

272 “A consagração da dignidade da pessoa como princípio fundamental inerente a todas as relações jurídicas públicas e privadas, assim como da solidariedade social como objetivo a ser alcançado, nos termos do que preceitua a constituição vigente, viabilizam o preenchimento do conteúdo da expressão função social, permitindo-se sua aplicabilidade em consonância com o direito pós-moderno. Buscando-se um significado para a expressão função social, pode-se chegar à conclusão de que a coisa que possui função social é aquela que serve de instrumento para a satisfação dos interesses da sociedade.” LISBOA,

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72

os individuais273 e confessando uma característica distributiva274, pois os contratos teriam como

finalidade a justiça social275. Azevedo276, indo além, defende a existência do Princípio da

Prevalência da Ordem Pública, cuja finalidade é orientar as partes contratuais para os princípios

equitativos.

Tartuce277 aponta que a Função Social teria dois efeitos: o primeiro entre as partes

contratuais, possuindo como aspectos a proteção dos vulneráveis, como é o caso do consumidor,

a vedação da onerosidade excessiva e do desequilíbrio contratual, a proteção da dignidade da

pessoa humana e dos direitos da personalidade, a nulidade das cláusulas antissociais (como

aquelas cujo exercício configuram abuso de direito ou que possuem conteúdo ilícito), e a

preservação do contrato, sendo sua extinção aplicável apenas em casos excepcionais; o segundo

refere-se aos efeitos externos, quais sejam, a proteção dos interesses difusos e coletivos (como

a função socioambiental), e a tutela externa do crédito, que é a possibilidade do contrato gerar

efeitos perante o comportamento de terceiros, que teriam a obrigação, ao menos, de respeitar o

que fora contratado.

Noutra seara, Timm278 critica a abordagem do modelo solidarista na medida em que a

realização da justiça redistributiva em um contrato particular, realizado por meio de decisão

Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos. 7. ed. São Paulo, SP: Saraiva, v. 3, 2013. p. 73.

273 “A função social do contrato exige que os acordos de vontade guardem sintonia com os interesses da sociedade, impedindo o abuso de direito. A validade dos contratos não requer apenas o cumprimento dos requisitos constantes no art. 104, da Lei Civil. Além do atendimento a estes requisitos gerais é indispensável a observância dos princípios de socialidade, que se afinam com os valores de justiça e de progresso da sociedade.” NADER, Paulo. Curso de direito civil, contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2018. Recurso online. p. 25.

274 “Veio introduzida a função social do contrato, que leva a prevalecer o interesse público sobre o privado, a impor o proveito coletivo em detrimento do meramente individual, e a ter em conta mais uma justiça distributiva que meramente retributiva. Rompe-se com o princípio arrimado no velho brocardo latino suum cuique tribuere – dar a cada um o seu. Rompe-se, ainda, o individualismo que estava muito em voga nos Século XIX e até metade do Século XX, enfatizado por Anatole France, cuja síntese do pensamento definia o justo: “O dever do justo é garantir a cada um o que lhe cabe, ao rico a sua riqueza e ao pobre a sua pobreza.” RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. Rio de Janeiro Forense 2019 1 recurso online, p. 19.

275 “Toda atividade econômica grande ou pequena, que se vale dos contratos para a consecução de suas finalidades, somente pode ser exercida “conforme os ditames da justiça social” (CF, art. 170). Conformidade não significa apenas limitação externa, mas orientação dos contratos a tais fins. Em outras palavras, a atividade econômica é livre, no Brasil, mas deve ser orientada para realização da justiça social. É neste quadro amplo que se insere o princípio da função social dos contratos.” LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 3. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2017. Recurso online. p. 65.

276 “Princípio da Prevalência da Ordem Pública. Por outro lado, outro princípio existe, pelo qual não pode a vontade individual ferir a vontade coletiva (a vontade do Estado), o da predominância da ordem pública, que resta suprema. [...]

Existe, hoje, com essa intervenção do Estado, que edita normas de ordem pública, uma verdadeira orientação no campo dos contratos, no sentido de encaminhar as partes para princípios equitativos, com preocupação estreita de proteger a parte economicamente fraca na relação jurídica contratual. É o dirigismo contratual, que se impõe à vontade egoísta, individual, na salvaguarda do interesse coletivo.” AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil. Teoria geral dos contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2018. Recurso online. p. 27-28.

277 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Método, 2011. p. 495-497. 278 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 197-214.

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73

judicial em favor da parte mais fraca, pode ocasionar externalidade negativa e prejuízo ao bem-

estar coletivo, pois beneficia poucos e prejudica muitos279. Assim, ocorre prejuízo ao mercado

no qual esse contrato revisto está inserido, tornando-o menos eficiente, elevando os custos de

transação e as probabilidades de ocorrência de comportamento oportunista. Dá como exemplo

o caso da soja verde no Estado de Goiás280, a limitação da taxa de juros nos contratos bancários

realizada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul281 e as decisões dos Tribunais estaduais

que proibiam as fornecedoras de energia elétrica e água de cortar o fornecimento do serviço em

razão da inadimplência282.

Além de as interpretações da função social dos contratos que desconsideram a realidade

econômica prejudicarem o próprio funcionamento do mercado e desestimularem a atividade

econômica, ela são, na prática, aplicadas de forma não criteriosa para justificar toda sorte de

decisão judicial283.

279 A criação de bônus a poucos particulares (aqueles que ajuizaram ações judiciais) cria um incentivo para que os

prejuízos advindos das ações judiciais sejam repassados a terceiros não participantes dessas ações. Foi o caso das decisões proferidas pela Superior Tribunal de Justiça que dividiram entre as partes litigantes os prejuízos advindos da alta do dólar em 1999 nos contratos de leasing, utilizados para financiamento de veículos automotores. A consequência disso foi que esse tipo de contrato deixou de ser realizado pelas instituições financeiras. TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 206-207.

280 “A cultura de soja no Estado de Goiás era financiada por negociantes privados que compravam a produção de forma antecipada a um preço já fixado. Assim os produtores financiavam sua produção a uma taxa de juros menor que conseguiriam no sistema financeiro e entregavam a soja futuramente, quando estivesse pronta para colheita. Entretanto, uma valorização da soja fez com que alguns produtores ajuizassem ações judiciais pedindo revisão dos contratos com base na teoria da imprevisão e na função social dos contratos. O Tribunal de Goiás decidiu a favor dos produtores de soja, o que acarretou prejuízo aos produtores que não ajuizaram ação, pois os compradores deixaram de fazer a compra antecipada da soja. Consequentemente, o financiamento da produção de soja teve de ser buscado no mercado financeiro, com taxas de juros maiores. Muito embora o Superior Tribunal de Justiça (Resp 803.382/Go, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 26/08/2007/ Resp. 783.404/GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Julgado em 28/06/2007) tenha revertido a decisão, com argumentos econômicos, o prejuízo ao mercado, e a todos os produtores, já havia sido causado.” TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 210-211.

281 O Superior Tribunal de Justiça (Resp. 271.214/RS, Rel. Ari Pargendler, Julgamento em 12/03/2003) reverteu decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que havia considerado juros superiores a 1% ao mês como abusivos. TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 211.

282 O Superior Tribunal de Justiça (Suspensão de Liminar e de Sentença nº 804 – SP (2007/0295780-7), Ministro Barros Monteiro, 06/12/2007) suspendeu as liminares concedidas pelos tribunais de justiça estaduais que proibiam o corte de energia elétrica e fornecimento de água em razão da inadimplência considerando o fato de que o índice de inadimplência havia aumentado em razão das decisões dos tribunais. Também levou em consideração a possibilidade de ocorrência de colapso na prestação do serviço em virtude do aumento da inadimplência. TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 212.

283 SILVA, Lucas Campos de Andrade. A dimensão econômica da função social extrinseca dos contratos. 2019 114 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_SilvaLC_1.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2019.

Page 70: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

74

Após a crítica, Timm sustenta que os interesses coletivos protegidos pela função social

do contrato são aqueles do mercado284 no qual determinado contrato está inserido, e não aqueles

da parte dita mais fraca em uma específica relação contratual (característica do modelo

solidarista).

Acerca da função social dos contratos, referido autor285 defende que:

Dessa forma, a principal função social do direito contratual é possibilitar a ocorrência dos contratos, o fluxo de trocas no mercado, a alocação de risco pelos agentes econômicos e seu comprometimento em ações futuras até que seja alcançada a situação mais eficiente, isto é, quando ambas as partes recebem benefícios econômicos da barganha e distribuem o saldo positivo resultante da transação.

Além dessa função principal, aplicável aos contratos de execução imediata e não

repetitivos (jogo de uma jogada só), a secundária seria aquela aplicada aos contratos de longa

duração, nos quais o comportamento cooperativo é espontâneo. Nesse cenário, a função social

dos contratos é não prejudicar a fluidez dessa relação através do “reconhecimento das práticas

das partes, dos usos e costumes do comércio e de ter na boa-fé um razoável padrão de

comportamento”286.

A interpretação da função social dos contratos sob a perspectiva da análise econômica

do direito, que afasta a visão paternalista promovida pelo solidarismo, parece ser aquela que

melhor se adequa à atual sociedade de mercado, bem como à nova redação do art. 421 do

Código Civil que, talvez numa interpretação autêntica, inseriu o Princípio da Intervenção

Mínima e Excepcionalidade da Revisão Contratual nas relações contratuais privadas para evitar

externalidades e prejuízos à coletividade, no caso, o mercado.

284 “O mercado é um espaço público de interação social e coletiva tendente a situações de equilíbrio. Com efeito,

o mercado existe como uma instituição social e espontânea, vale dizer, como fato.” Timm, Luciano Benetti. Direito Contratual Brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo. São Paulo: Atlas, 2015, p. 198.

285 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 203.

286 TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 204.

Page 71: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

75

5 O NEGÓCIO FIDUCIÁRIO E O CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM

GARANTIA

Negócio Fiduciário é um contrato cuja doutrina majoritária aponta origem no direito

romano, mas que ao longo do tempo teve aspectos e características específicas de cada contexto

histórico e regional e basicamente se divide em dois tipos, quais sejam, os de garantia e os de

administração. A alienação fiduciária em garantia é uma das espécies do gênero negócio

fiduciário, sendo inserida no ordenamento jurídico brasileiro na década de 1960. Nessa

dissertação, estuda-se a alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis, regida pela Lei

9.514/97.

5.1 Histórico e modalidades de negócio fiduciário.

Chalhub conceitua a Fidúcia como o negócio pelo qual o Fiduciante transfere a

propriedade de um bem ao Fiduciário para que esse lhe dê determinada destinação com a

obrigação de restituí-la na oportunidade em que o objetivo constante do negócio for

alcançado287, conceito bastante aproximado ao de Fiúza288.

A doutrina aponta que a Fidúcia possui origem no direito romano289, muito embora seja

necessário destacar que sua “evolução” desde então até a atualidade não se caracteriza por uma

série de atos logicamente concatenados, como se aquele instituto estivesse, ao longo dos

tempos, sendo aprimorado. Na verdade, a Fidúcia é um instituto que possui aspectos e

características específicas e distintas para cada período de tempo em que existiu. Entretanto,

287 “A fidúcia encerra a ideia de uma convenção pela qual uma das partes, o fiduciário, recebendo da outra

(fiduciante) a propriedade de um bem, assume a obrigação de dar-lhe determinada destinação e, em regra, de restituí-lo uma vez alcançado o objetivo enunciado na convenção. A fidúcia, como garantia, exerce função correspondente às garantias reais em geral, sendo, porém, dotada de mais eficácia, pois, enquanto nos contratos de garantia em geral (por exemplo, a hipoteca) o devedor grava um bem ou direito para garantia, mas o mantém em seu patrimônio, na fidúcia, diferentemente, o devedor transmite ao credor a propriedade ou titularidade do bem ou direito, que, então, permanecerá no patrimônio do credor como propriedade-fiduciária, até que seja satisfeito o crédito.” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

288 FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p.13-14.

289 É pacífico na doutrina que a Fidúcia tem suas origens em Roma. Nesse sentido: FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à lei 9.514/97. São Paulo: LTR Editora, 1999. p. 13. César Fiúza informa que: “A história da alienação fiduciária em garantia encontra seus primórdios no Direito Romano. Os poucos dados que nos chegaram da Antiguidade são trechos das Instituições de Gaio, das Sentenças de Paulo, ambos dos séculos II e III d.C., respectivamente. Os escritos de Cícero, do século I a.C., também fazem referências ao instituto. No entanto, nada se pode afirmar em relação a outras civilizações antigas, como gregas e egípcias, sobre se teriam elas conhecido a alienação fiduciária ou mesmo qualquer outra modalidade de negócio fiduciário.” FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p. 31.

Page 72: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

76

algumas dessas especificidades se assemelham, motivo pelo qual é possível falar-se em história

da Fidúcia, apesar de a atual fidúcia ser significamente distinta daquela romana290.

Citando Moreira Alves, Feliciano291 informa que no direito romano, o fiduciante

transferia ao fiduciário a propriedade de uma coisa infungível e este obrigava-se, através de

uma espécie de contrato acessório, a restituí-la ou a dar-lhe determinada destinação. Fiúza292

observa que esse conceito é bastante genérico, no qual se inserem várias espécies de negócio

fiduciário.

Chalhub293 informa que haviam dois tipos: a denominada cum creditore, na qual o

objetivo era a garantia de um crédito, e a cum amico, em que a intenção não era garantir um

crédito, mas proteger o patrimônio do fiduciante contra alguma ameaça. Além desses dois

primeiros tipos, Feliciano294 aponta a existência de mais um, que era ligado ao direito de

família: Fiducia remancipacionis causa. Nesse contrato, o paterfamílias vendia seu próprio

filho a um outro paterfamílias, que assumia a obrigação de libertá-lo, assim emancipando-o.

290 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à

lei 9.514/97. São Paulo: LTR Editora, 1999. p. 72-73. 291 “Nas palavras de J. C. Moreira Alves, a fidúcia romana era o contrato pelo qual alguém (o fiduciário) recebia

de outrem (o fiduciante) a propriedade sobre uma coisa infungível, mediante mancipation ou a in iure cessio,

obrigando-se de acordo com o estabelecido num pactum oposto ao ato da entrega, a restituí-la ao fiduciante, ou a dar-lhe determinada destinação.” Feliciano, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à lei 9.514/97. São Paulo: LTR Editora, 1999, p. 17. No mesmo sentido Chalhub: “A fidúcia tem origem mais remota no direito romano, com a concepção de venda fictícia, ou provisória: era a convenção pela qual uma das partes (o fiduciário), tendo recebido de outra (o fiduciante) a propriedade sobre uma coisa, obrigava-se a restituí-la uma vez alcançado determinado fim, estipulado em pacto adjeto (pactum

fiduciae).” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

292 FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p.13.

293 “ a fidúcia cum creditore e a fidúcia cum amico.4 A primeira – fiducia cum creditore – tinha conteúdo assecuratório, destinando-se a garantir o credor; nessa modalidade, o devedor vendia o bem ao credor sob a condição de recuperá-lo se, dentro do prazo convencionado, resgatasse a dívida. A segunda modalidade de fidúcia – fiducia cum amico – não tinha a finalidade de garantir um crédito, mas a de preservar certos bens de uma pessoa, que eventualmente pudessem estar ameaçados por alguma circunstância; nessa modalidade, o proprietário de determinado bem alienava-o com a condição de o adquirente lhe restituir quando cessassem as circunstâncias que tiverem justificado o receio do proprietário (fiduciante), como, por exemplo, o risco de perder o bem em razão de algum fato político, o risco de perecer na guerra, uma viagem etc.” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

294 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à lei 9.514/97. São Paulo: LTR Editora, 1999. p. 38.

Page 73: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

77

No direito romano, as garantias pessoais eram mais comuns do que as garantias reais295

e considerando que a Fidúcia não representava um direito real sobre coisa alheia aos poucos foi

substituída pela hipoteca296 até entrar em completo desuso no século V d.C.297

A Fidúcia ressurgiu no Século XVI na Alemanha, que tinha no costume sua principal

fonte do direito. Os alemães consideravam-se sucessores do Império Romano e, considerando

o crescimento do comércio e o aumento das relações negociais, houve a recepção do direito

romano, suficientemente sofisticado para regular as relações jurídicas naquele tipo de

sociedade298.

No direito alemão, a fidúcia tem a mesma função econômica que possuía no direito

romano299, mas se diferencia pelo seu caráter resolutivo, isto é, enquanto no direito romano a

restituição do bem era uma obrigação pessoal do fiduciário, cujo inadimplemento resolvia-se

em perdas e danos300, no direito alemão a restituição do bem era realizada tão logo fosse

cumprida a condição resolutiva e independente da vontade do fiduciário.301

A fidúcia no direito inglês é caracterizada por dois momentos distintos. No direito

medieval havia o chamado mortgage, que “consistia na transmissão da propriedade com

escopo de garantia”302.

Nesse instituto, havia um procedimento que autorizava o fiduciante, mesmo após o

vencimento da dívida, reaver o bem se realizasse o pagamento dentro de um prazo razoável,

acrescido de juros e uma quantia para reparar a mora. Esse procedimento servia para impedir

295 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à

lei 9.514/97. São Paulo: LTR Editora, 1999. p. 19. 296 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à

lei 9.514/97. São Paulo: LTR Editora, 1999. p. 20. 297 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à

lei 9.514/97. São Paulo: LTR Editora, 1999. p. 23. 298 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à

lei 9.514/97. São Paulo: LTR Editora, 1999. p. 64-65. 299 “Quanto à fidúcia, observa aquele autor que, não obstante os traços que a distinguem do direito romano, o

instituto do direito germânico tem a mesma função econômica do pacto fiduciário romano.” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

300 “Com efeito, na fidúcia romana, o fiduciário recebia um ilimitado poder jurídico sobre a coisa, sendo certo que, se dispusesse da coisa arbitrariamente, sem observância do pactum fiduciae, não se dava ao fiduciante senão o direito de haver a reparação das perdas e danos.” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

301 “Já no direito germânico o poder jurídico do fiduciário é limitado pelo caráter resolutório da propriedade que recebe, que tem eficácia erga omnes, de modo que eventual alienação arbitrária, por parte do fiduciário, era considerada ineficaz, daí por que o fiduciante retomava a propriedade da coisa por efeito da condição resolutiva.” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

302 “O antigo direito inglês contemplava a figura do mortgage, que consistia na transmissão da propriedade com escopo de garantia.” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

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78

que o fiduciante perdesse um bem cujo valor era maior que a dívida. O fiduciário, por sua vez,

poderia exigir que o fiduciante exercesse esse direito dentro de um prazo razoável sob pena de

perder o bem definitivamente. Para evitar esse procedimento, as partes passaram a incluir uma

cláusula que autorizava o fiduciário a vender o bem se a dívida não fosse paga no tempo

correto303.

Ainda na idade média, outro instituto se instaura, chamado trust. Nesse instituto, uma

pessoa, o instituidor (settlor), transfere poder jurídico a uma outra pessoa (trustee), que torna-

se titular desse direito, como , por exemplo, direito de propriedade, para que essa exerça esses

poderes em benefício do próprio beneficiário ou de uma terceira beneficiária (cestui que

trust).304 A confiança, nesse instituto, emana exclusivamente da consciência do trustee, ou seja,

não há lei ou contrato que o obrigue a devolver os bens.

É um instituto bastante semelhante à atual alienação fiduciária em garantia, pois

consistia da transferência do domínio da coisa, não sendo, por isso, um mero direito real, tinha

a finalidade de garantia e não havia a necessidade de realização da tradição, podendo a coisa

ficar em posse do fiduciante, que teria as responsabilidades de depositário305.

Mas já no fim da idade média, a Corte da Chancelaria na Inglaterra passou a exigir dos

trustees o cumprimento de sua obrigação de consciência, sob pena de prisão até que os bens

fossem restituídos. Nesse sentido, após o Trustee Act de 1893, o trust passou a ser conceituado

da seguinte forma: 306

o negócio em que uma pessoa (fiduciante) transfere seus direitos a outra (fiduciário) para que esta os administre segundo condições definidas no contrato, em proveito do próprio fiduciante ou de um terceiro beneficiário, obrigando-se a restituí-los ao fiduciante, ou ao beneficiário, uma vez implementada a condição convencionada.

Chalhub ensina que a configuração do negócio fiduciário moderno data do final do

século XIX, caracterizando-o pela transmissão de um direito de propriedade com a finalidade

303 “É nesse contexto que se constrói a equity of redemption, pela qual a Corte confere ao devedor, mesmo depois

de vencido o prazo do contrato, o direito de obter a restituição da coisa dentro de um prazo razoável, desde que pagasse a dívida, mais os juros e uma reparação pela mora. De outra parte, assiste ao credor o direito de propor que a Corte imponha ao devedor a obrigação de exercitar a equity of redemption dentro do prazo, sob pena de perder definitivamente a propriedade. Para evitar esse processo, as partes passaram a incluir, no mortgage, uma cláusula autorizando o credor a vender o bem em caso de falta de pagamento.” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

304 CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

305 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de Alienação Fiduciária em Garantia: das bases romanas à lei 9.514/97. São Paulo: LTR Editora, 1999. p. 73-74.

306 CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

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de garantia307, sendo sua característica principal o fato de o negócio jurídico utilizado, que é o

contrato de compra e venda, ter uma finalidade econômica diversa do que normalmente tem

(trocar coisa por dinheiro). No negócio fiduciário, ao contrário, o contrato de compra e venda

tem a finalidade econômica de garantir um outro negócio jurídico.308

Chalhub309, então, conceitua negócio fiduciário da seguinte forma:

Entende-se por negócio fiduciário o negócio jurídico inominado pelo qual uma pessoa (fiduciante) transmite a propriedade de uma coisa ou a titularidade de um direito a outra (fiduciário), que se obriga a dar-lhe determinada destinação e, cumprido esse encargo, retransmitir a coisa ou direito ao fiduciante ou a um beneficiário indicado no pacto fiduciário.

Encerra arguindo a existência de dois tipos de negócios fiduciários, que são os de

garantia e os de administração310:

Conforme a finalidade, distinguem-se, na prática, duas modalidades de negócio fiduciário, isto é, a de garantia e a de administração, nesta última compreendidas a de gestão, propriamente, e a de investimento. A classificação dos negócios fiduciários segundo as finalidades de administração ou de garantia coincide com as modalidades de fidúcia do direito romano, ou seja, a fiducia cum amico e a fiducia cum creditore, destacadas por Gaio.

307 “A configuração moderna do negócio fiduciário, paralelamente à do negócio jurídico indireto, surgiu no final

do século XIX, a partir da construção doutrinária de juristas alemães e italianos, pela qual se utiliza a transmissão do direito de propriedade com escopo de garantia, a exemplo do que já ocorrera com a fidúcia romana e com o penhor da propriedade do direito germânico. O marco inicial da doutrina moderna do negócio fiduciário está na obra de Regelsberger, que o define em 1880 como “um negócio seriamente desejado, cuja característica consiste na incongruência ou heterogeneidade entre o escopo visado pelas partes e o meio jurídico empregado para atingi-lo” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

308 “O negócio fiduciário, assim, implica a utilização de um negócio jurídico típico, como a compra e venda, por exemplo, para uma finalidade econômica diversa da causa da compra e venda, que é a troca de coisa por dinheiro, daí a desproporção entre o meio empregado e o fim que se deseja alcançar, no sentido de que o negócio típico utilizado extravasa a intenção das partes, produzindo mais consequências jurídicas do que o necessário para se atingir o fim desejado.”(...) “Característica essencial do negócio fiduciário, portanto, é que o meio jurídico utilizado sempre extravasa o resultado econômico objetivado, registrando-se, aí, a presença da fidúcia, vale dizer, a confiança em que o fiduciário, tendo recebido um poder jurídico formalmente ilimitado sobre a coisa que lhe foi transmitida – isso é, o poder de titular do domínio –, dele não fará uso senão para atender à finalidade definida no contrato celebrado entre ele e o fiduciante.” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

309 CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

310 CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

Page 76: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

80

Negócio fiduciário, portanto, é gênero311. Os negócios fiduciários de garantia possuem

como espécies: a Venda com finalidade de garantia312; a Alienação Fiduciária em Garantia313;

Cessão Fiduciária de Crédito314; Endosso Fiduciário315; e Cessão Fiduciária de Direitos de

Crédito Decorrentes da alienação de imóveis316; Já os negócios fiduciários de administração

possui como espécies: Propriedade Fiduciária de Imóveis para fins de constituição de fundos

de investimento imobiliário317; negócio fiduciário para recomposição de patrimônio318; cessão

fiduciária para fins societários319; Trust320; Fidúcia321; e Fideicomisso322.

311 FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE

Editora, 2000. p.14 312 “Fiduciante transfere um bem ao fiduciário que servirá de garantia a uma obrigação assumida por aquele. O

Fiduciário utilizará o bem de forma que suas rendas liquidarão a obrigação assumida pelo Fiduciante. Liquidada a dívida, o bem retorna ao Fiduciante.” FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p.18.

313 “Fiduciante transfere o bem ao Fiduciário com a finalidade de garantir o pagamento de uma obrigação por ele assumida. Paga a dívida, a propriedade retorna ao Fiduciante.” FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p.18.

314 “O Fiduciante transfere ao Fiduciário um crédito que servirá de garantia a uma obrigação assumida por aquele, que, uma vez adimplida, retorna ao titular originário. O Fiduciário possui todos os direitos de credor e poderá executar a dívida.” FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p. 18-19.

315 “Fiduciante endossa um título de crédito ao Fiduciário com a finalidade de garantir o pagamento da dívida existente entre os dois, e não o de transferir a titularidade da cártula (que seria cessão). O Fiduciário, assim, possui poderes para providenciar a cobrança dos direitos constantes da cártula. Uma vez paga a dívida do Fiduciante, o Fiduciário devolve o título àquele.” FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p.19.

316 “O fiduciante transfere ao Fiduciário a titularidade de títulos denominados certificados de recebíveis imobiliários – CRI, prescritos no art. 6° da Lei 9.514/97. Paga a dívida, Fiduciário torna-se novamente titular dos títulos.” FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p. 20.

317 “Essa modalidade foi introduzida no Brasil pela Lei 8.668/93. Trata-se de transferência de imóveis a um Fundo de Investimento Imobiliário, que não possui personalidade jurídica, administrado por instituições autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários, e são formados por recursos captados através do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários. O Fiduciário administrará os bens fiduciários (que não integram o patrimônio da administradora e não respondem por suas dívidas) na forma de seu regulamento ou de acordo com decisão dos cotistas em assembleia.” FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p. 21-22.

318 “Fiduciante transfere patrimônio ao Fiduciário para que ele o administre e o recomponha, assim afastando eventual insolvência. Semelhante ao fidúcia cum amico do Direito Romano.” FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000. p. 22.

319 Fiduciante transfere ao Fiduciário ações de uma companhia para que esse exerça o direito de voto no lugar daquele. Exercido o voto, as ações voltam ao domínio do Fiduciante. FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000.

320 O fiduciante transfere ao Fiduciário a propriedade de um ou mais bens para que esse último os administre em benefício de um terceiro ou do próprio fiduciante. Os direitos do Fiduciário serão regulados no ato de constituição do trust, e podem envolver, inclusive, a disposição de bens. FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000.

321 Contrato atípico pelo qual o Fiduciante transfere ao Fiduciário bens móveis ou imóveis para que sejam administrados livremente em benefício de um terceiro ou do próprio instituidor. O patrimônio transferido é inalienável e impenhorável. FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000.

322 É um ato jurídico causa mortis através do qual o fideicomitente, testador, institui um herdeiro ou legatário, fiduciário, que será substituído por um outro, fideicomissário, após o decurso de um certo prazo ou a ocorrência de uma condição. FIÚZA, César. Alienação fiduciária em garantia: de acordo com a Lei 9.513/97. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2000.

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81

Nesta pesquisa, analisa-se a alienação fiduciária em garantia, especificamente de bens

imóveis, conforme tratado pela Lei 9.514/97323.

5.2 Histórico da alienação fiduciária em garantia no Brasil

José Carlos Moreira Alves ensina que a alienação fiduciária em garantia “foi criada, no

direito brasileiro, pelo art. 66 da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, que disciplina o mercado

de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento”.324

O artigo 66 da Lei 4.728/65325, entretanto, estabelecia a possibilidade de

constituição de alienação fiduciária em garantia somente para bens móveis:

Art. 66. Nas obrigações garantidas por alienação fiduciária de bem móvel, o credor tem o domínio da coisa alienada, até a liquidação da dívida garantida.

Moreira Alves326 suscita que referida lei foi alterada pelo Decreto-Lei nº 911/69,

realizando modificações em seus aspectos materiais e processuais, notadamente no caput do

artigo 66.

Essa alteração, conforme leciona Bulgarelli327, ocorreu em virtude da expressão

“continuando o devedor a possuí-la em nome do adquirente” contida no parágrafo segundo de

seu artigo 66328, pois ela gerava dúvidas quanto à ação judicial cabível para reaver o bem em

caso de inadimplência, pois alguns autores entendiam ser cabível a ação de reintegração de

posse, outros a ação de imissão na posse e outros pela ação de venda com reserva de domínio.

323 Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras

providências. BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

324 ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 7.

325 BRASIL. Lei de mercado de capitais. Lei n 4.728 de 1965. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2004]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4728.htm. Acesso em 10 fevereiro 2020.

326 ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 14.

327 BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 309. 328 “§ 2º O instrumento de alienação fiduciária transfere o domínio da coisa alienada, independentemente da sua

tradição, continuando o devedor a possuí-la em nome do adquirente, segundo as condições do contrato, e com as responsabilidades de depositário.” BRASIL. Lei de mercado de capitais. Lei n 4.728 de 1965. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2004]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4728.htm. Acesso em: 10 fev. 2020.

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Andrade329 também critica a redação original do artigo 66 da Lei 4.728/65 arguindo que

essas dúvidas quanto à ação cabível ocorriam em virtude da lei não dizer qual a ação competente

para o credor fiduciário buscar o bem em posse do devedor fiduciante.

Com a alteração da Lei 4.728/65 seu artigo 66 passou a ter a seguinte redação330:

Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com tôdas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.

Bulgarelli331 revela que essa redação acaba determinando o desdobramento da posse,

sendo que o credor fica com a posse indireta e o devedor com a posse direta.

Trata-se, portanto, de contrato que visa a transferência da propriedade de uma coisa com

a finalidade de garantia, conforme Moreira Alves defendia desde a década de 1960332, muito

embora, nessa época, somente poderia ser utilizada para bens móveis.

Após a alteração pelo Decreto-Lei 911/69, a alienação fiduciária em garantia foi

disciplinada pelo Código Civil de 2002333, sendo conceituada no artigo 1.361334. Essa espécie

de alienação fiduciária é de aplicação geral e pode ser utilizada por qualquer credor.335 Contudo,

permaneceu regramento específico para sua utilização no mercado financeiro e de capitais,

regido pela Lei 4.728/65, cujo artigo 66 fora revogado pela Lei 10.931 de 2004336, que

acrescentou o artigo 66-B337.

329 ANDRADE, José Alfredo Ferreira de. Da alienacao fiduciaria em garantia. São Paulo: Livraria e Editora de

Direito Ltda, 1970. p. 29. 330 BRASIL. Decreto-Lei 911, de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965,

estabelece normas de processo sôbre alienação fiduciária. Brasília, DF: Presidência da República, [2014]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0911.htm. Acesso em: 10, fev. 2020.

331 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 310. 332 ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p.

37. 333 BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 fev. 2020. 334 “Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com

escopo de garantia, transfere ao credor.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 fev. 2020.

335 CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

336 “Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, as Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, nº 4.728, de 14 de julho de 1965, e nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências.” BRASIL. Lei 10.931, de 2004. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.931.htm. Acesso em: 17 fev. 2020.

337 “Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei

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Percebe-se, então, que desde a década de 1960, quando a alienação fiduciária em

garantia foi positivada no direito brasileiro, somente era possível constituí-la sobre bens

móveis, o que era um verdadeiro espaço em branco na legislação.

Na década de 1990, a Lei 9.514/97338 disciplinou a alienação fiduciária em garantia

sobre bens imóveis, sanando esse espaço. Essa lei veio como uma resposta à sociedade moderna

que precisava de uma solução para as soluções jurídicas de garantia do sistema romano, como

a hipoteca, que representa um alto custo e uma morosidade em sua execução339.

Essa resposta à sociedade moderna, aliás, é de onde decorre a própria alienação

fiduciária em garantia. Oliveira340, aponta que a alienação fiduciária em garantia decorre da

evolução das relações de consumo na sociedade. Nessa sociedade contemporânea, o acesso a

certos bens de consumo pelas classes menos favorecidas, como a aquisição de veículos

automotores, necessita ser facilitado através de um instrumento mais célere de satisfação do

crédito do credor do que as garantias do sistema romano.

Gonçalves341 também aponta que a propriedade fiduciária veio como forma de

possibilitar crédito ao consumidor inserido em uma nova realidade social, com novas demandas,

além de se adequar de melhor forma às exigências do comércio.

no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.” BRASIL. Lei de mercado de capitais. Lei n 4.728 de 1965. Brasília, DF: Presidência da República, [2004]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4728.htm. Acesso em: 10 fev. 2020.

338 “BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

339 “A Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, ao disciplinar a alienação fiduciária de bens imóveis, veio suprir importante lacuna do sistema de garantias do direito brasileiro, dotando o ordenamento de instrumento que permite sejam as situações de mora, nos financiamentos imobiliários e nas operações de crédito com garantia imobiliária, recompostas em prazos compatíveis com as necessidades da economia moderna, a exemplo do que há muito se verifica no âmbito dos financiamentos de bens móveis. De fato, as garantias “existentes nos sistemas jurídicos de origem romana, e são elas a hipoteca, o penhor e a anticrese, não mais satisfazem a uma sociedade industrializada, nem mesmo nas relações creditícias entre pessoas físicas, pois apresentam graves desvantagens pelo custo e morosidade em executá-las....” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

340 “Diante da latente evolução nas relações de consumo, em que todas as classes buscam a possibilidade de ter acesso a determinados bens, com o aumento das necessidades sociais, poder-se-ia dizer que ocorre crise nas garantias tradicionais do direito civil, uma vez que as mesmas não constituem instrumentos céleres para o credor executar seu crédito em face a eventual inadimplemento. Ao mesmo tempo, não são essas garantias meios hábeis a facilitar o acesso a determinados bens, como automóveis, por exemplo, para as classes menos abastadas. Tem-se, todavia, que tal entendimento, o de haver uma crise, como equivocado, já que resta tão-somente a necessidade de adaptação a tais fenômenos sociais, uma vez que este agigantamento das relações de consumo, como se infere da eventual crise das garantias reais, demanda meios mais eficazes para que não haja contratempos para o credor satisfazer seu crédito e para permitir de imediato ao devedor o uso da coisa, possibilitando a ele honrar com o compromisso de pagar o débito.” OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro de. Prisão civil na alienação fiduciária em garantia: uma visão constitucional. Curitiba: Jurua Ed., 2000. p. 19.

341 GONÇALVES, Aderbal da Cunha. Da propriedade resolúvel: sua projeção na alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1979. p. 256.

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Atualmente, contudo, a alienação fiduciária em garantia possui diversos regramentos,

conforme noticia Chalhub342, sendo matéria bastante vasta. Diante da vastidão do regramento

legislativo sobre a matéria alienação fiduciária em garantia, necessário restringir-se a presente

dissertação a uma lei específica, sendo ela a Lei 9.514/97, que instituiu no Brasil a “alienação

fiduciária de coisa imóvel”343.

5.3 Conceito de alienação fiduciária em garantia

Alienação fiduciária em garantia, portanto, é uma espécie de negócio fiduciário. Luiz

Augusto Beck da Silva344 conceitua a alienação fiduciária em garantia da seguinte forma:

Negócio jurídico bilateral, oneroso, acessório (o principal é o contrato de mútuo ou de financiamento, seguindo-lhe o de alienação fiduciária) e formal (escrito público ou particular), através do qual uma das partes da relação, o credor, adquire o domínio resolúvel e a posse indireta do bem móvel durável, infungível, inconsumível e inalienável, recebido em garantia de financiamento efetuado pelo alienante ou devedor, possuidor direto e depositário da coisa com todas as responsabilidades e encargos que lhe são inerentes.

342 “Ademais, vez por outra, é introduzida no direito positivo uma nova espécie de garantia fiduciária, estando a

matéria atualmente regulada por inúmeras leis, entre as quais destacamos: a) propriedade fiduciária de bens móveis para garantia de créditos constituídos no âmbito dos mercados financeiro e de capitais, bem como para garantia de créditos fiscais e previdenciários (Lei 4.728/1965, art. 66-B, com a redação dada pela Lei 10.931/2004); b) titularidade fiduciária de ações de sociedades por ações (Lei 6.404/1976); c) propriedade fiduciária de aeronaves, para fins de garantia (Lei 7.565/1986, arts. 148 e seguintes); d) propriedade fiduciária dos imóveis integrantes das carteiras dos fundos de investimento imobiliário (Lei 8.668/1993); e) propriedade fiduciária de bens móveis para fins de garantia cedular – promessa de entrega de produtos rurais – Cédula de Produto Rural – CPR (Lei 8.929/1994); f) titularidade fiduciária de direitos creditórios oriundos da comercialização de imóveis (Lei 4.864/1965 e Lei 9.514/1997); g) propriedade fiduciária de bens imóveis em geral, para fins de garantia (Lei 9.514/1997); h) titularidade fiduciária de créditos que constituam lastro de títulos, em processo de securitização de créditos imobiliários (Lei 9.514/1997); i) propriedade fiduciária dos imóveis destinados ao Programa de Arrendamento Residencial (Lei 10.188/2001); j) Propriedade fiduciária de bens móveis, de aplicação generalizada por qualquer pessoa física ou jurídica, regulamentada pelos arts. 1.361 e seguintes do Código Civil; k) titularidade fiduciária de direitos sobre bens móveis e títulos de crédito (§ 3º do art. 66-B da Lei 4.728/1965, com a redação dada pelo art. 55 da Lei 10.931/2004); l) propriedade fiduciária de coisa fungível (§ 3º do art. 66-B da Lei 4.728/1965, com a redação dada pelo art. 55 da Lei 10.931/2004); m)titularidade fiduciária de créditos para fins de securitização de créditos vinculados à atividade agropecuária (arts. 38 a 41 da Lei 11.076/2004); e n) titularidade fiduciária de quotas de fundo de investimento para garantia de locação de imóveis (art. 88 da Lei 11.196/2005). CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online.

343 BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

344 SILVA, Luiz Augusto Beck da. Alienação fiduciária em garantia: história, generalidades, aspectos processuais, ações, questões controvertidas, legislação e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 49.

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Waldirio Bulgarelli, adotando o conceito de Orlando Gomes, conceitua a alienação

fiduciária em garantia como “o negócio jurídico pelo qual o devedor, para garantir o pagamento

da dívida, transmite ao credor a propriedade de um bem, retendo-lhe a posse direta, sob a

condição resolutiva de saldá-la”.345

Dantzger, por sua vez, adota o mesmo conceito, porém de forma mais detalhada: 346

Portanto, alienação fiduciária é o instituto contratual pelo qual o devedor de uma obrigação principal, que na maioria esmagadora das vezes é um contrato de mútuo, como garantia de que efetivamente irá honrar sua obrigação e quitar sua dívida, transfere ao credor a propriedade de um determinado bem, sob condição resolúvel expressa, ou seja, uma vez quitada a dívida perante o credor, fiduciário, resolvida estará também a propriedade que lhe foi transferida em garantia do cumprimento da obrigação e, então, o devedor, fiduciante, terá novamente agregado ao seu patrimônio a propriedade plena da coisa outrora alienada fiduciariamente e, consequentemente, recobrará de igual modo a posse indireta do bem, que até o efetivo cumprimento da obrigação permanecia em poder do fiduciário.

Gonçalves347, em obra dedicada aos contratos mercantis, traz um conceito com feições

mercadológicas, com traços claros de negócios utilizados no mercado bancário de

financiamento imobiliário:

Contrato em que o fiduciário empresta dinheiro para o fiduciante adquirir um bem móvel infungível ou imóvel, sendo esse dinheiro entregue diretamente ao vendedor. O fiduciante recebe o bem (posse direta) e paga o fiduciário em parcelas. Como garantia da dívida, transfere a propriedade resolúvel e posse indireta do bem ao credor fiduciário. Assim, se paga a dívida, o fiduciante recebe o domínio pleno do bem; mas se não paga, o bem é vendido pelo credor para seu ressarcimento. O credor não pode ficar com a coisa, devendo aliená-la.

Moreira Alves348 suscita que o conceito de alienação fiduciária em garantia, seja na Lei

4.728/65 ou após sua alteração pelo Decreto-Lei 911/69, é o de “negócio jurídico bilateral, que

visa transferir a propriedade de coisa móvel com fins de garantia (propriedade fiduciária)”.

Percebe-se, então, que quanto ao conceito da alienação fiduciária em garantia não há

grandes divergências doutrinárias, pois todos os conceitos elaborados pelos doutrinadores

encerram a ideia de transferência da propriedade resolúvel de um bem com a finalidade de

345 BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 307. 346 DANTZGER, Afranio Carlos Camargo. Alienação fiduciária de bens imóveis. 3. ed. Rio de Janeiro: Método,

2010, recurso online. 347 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Títulos de crédito e contratos mercantis. 11. ed. São Paulo: Saraiva,

2015. E-book (168p.) (Sinopses jurídicas, 22). 348 ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p.

37.

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garantir o cumprimento de uma obrigação, assumida pelo fiduciante junto ao fiduciário, que lhe

devolverá a propriedade tão logo haja a adimplemento da dívida.

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6 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS IMÓVEIS REGIDA PELA

LEI 9.514/97

Alienação Fiduciária em garantia sobre bem imóvel é um contrato regulamentado pela

Lei 9.514/97 através do qual o Fiduciante transfere ao Fiduciário a propriedade de um bem

imóvel para garantir obrigação de pagar assumida em outro contrato. Estuda-se seu conceito e

principais características, com destaque para a questão do inadimplemento e as decisões do

Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.

6.1 Conceito e principais características

A alienação fiduciária em garantia de bens imóveis surgiu no Brasil com a Lei

9.514/97349, que “Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação

fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências”350. Ela é disciplinada do artigo 22 ao artigo

33, sendo que aquele primeiro trata de seu conceito:

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Chalhub351 explica esse conceito legal de alienação fiduciária em garantia sobre coisa

imóvel:

Na dinâmica delineada pela lei, o devedor (fiduciante), sendo proprietário de um imóvel, aliena-o ao credor (fiduciário) a título de garantia; a propriedade assim adquirida tem caráter resolúvel, vinculada ao pagamento da dívida, pelo que, uma vez verificado o pagamento, opera-se a automática extinção da propriedade do credor, com a consequente reversão da propriedade plena ao devedor-fiduciante, enquanto, ao contrário, se verificado o inadimplemento contratual do devedor-fiduciante, opera-se a consolidação da propriedade plena no patrimônio do credor-fiduciário.

Frederico Henrique Viegas de Lima352 assim explica a alienação fiduciária em garantia

da Lei 9.514/97, acrescentando que ela possui inspiração no Decreto-Lei 911/67:

349 CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

Recurso online. 350 BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017].

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020. 351 CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

Recurso online. 352 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. Da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel. 3. ed. Curitiba:

Jurua Ed., 2006. p. 51.

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A conceituação da alienação fiduciária de coisa imóvel tem como espelho a definição efetuada para a garantia real mobiliária, de acordo com a redação dada pelo Dec.-lei 911/67. Sendo assim, o art. 22 da Lei 9.514/97 explica ser a alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel aquele negócio jurídico pelo qual o devedor, assim chamado fiduciante, com a finalidade de prestar garantia de uma obrigação principal, contrata a transferência, para o credor, que assim se constitui fiduciário, de um bem imóvel, em propriedade resolúvel.

Portanto, a alienação fiduciária em garantia sobre coisa imóvel é um contrato353

acessório354, conforme defende Viegas de Lima355, através do qual o fiduciante, devedor,

transfere uma propriedade imobiliária ao fiduciário, credor, de forma a garantir uma dívida

daquele.

Por ser resolúvel356357, paga a dívida a propriedade retorna à esfera patrimonial do

fiduciante ou, em caso de inadimplemento, a propriedade é consolidada no patrimônio do

fiduciário358, isto é, esse passa a ter a propriedade plena359 da coisa.

Esse contrato pode ser titularizado por pessoa física ou jurídica e, além da propriedade

plena, também pode ter como objeto bens enfitêuticos, o direito de uso especial para fins de

moradia, direito real de uso, desde que suscetível de alienação, e a propriedade superficiária360.

353 “Contrato é o ato jurídico lícito, de repercussão pessoal e socioeconômica, que cria, modifica ou extingue

relações jurídicas dinâmicas, de caráter patrimonial, entre duas ou mais pessoas, que, em regime de cooperação, visam atender desejos ou necessidade individuais ou coletivas, em busca de satisfação pessoal, assim promovendo a dignidade da pessoa humana.” FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 15.

354 “Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

355 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. Da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel. 3. ed. Curitiba: Jurua Ed., 2006. p. 51.

356 “Propriedade resolúvel ou revogável é a que, “no próprio título da sua consti- tuição, encerra o princípio, que a tem de extinguir, realizada a condição resolutó- ria, ou advindo o termo extintivo, seja por força de declaração da vontade, seja por determinação da lei” BEVILÁQUA, Clovis apud AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil. Teoria geral dos contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva v. 3, 2018. Recurso online. p. 119

357 “Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

358 “Sendo propriedade resolúvel, a propriedade fiduciária tem como traço característico o fato de estar prevista sua extinção no próprio título em que é convencionada sua constituição. Subordina-se a propriedade fiduciária em garantia, assim, à condição decorrente dessa finalidade, daí por que, realizada a condição (pelo pagamento da dívida), reverte em definitivo a propriedade ao devedor-fiduciante, ou, frustrada a condição (pelo inadimplemento do fiduciante), consolida-se a propriedade em nome do credor-fiduciário.” CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online. p. 261.

359 “A propriedade plena é aquela que confere ao seu titular direito real de uso, gozo e disposição, com poderes de recuperação do bem de qual-quer sujeito que, injustamente, o detenha ou possua.” FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Ação de busca e apreensão em propriedade fiduciária. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. Recurso online. p. 51.

360 “Art. 22: (...).§ 1o A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa

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A propriedade fiduciária sobre bem imóvel somente se constitui mediante registro no

competente cartório de registro de imóveis361 e, uma vez registrado, ocorre o desdobramento

da posse362, isto é, o fiduciante torna-se possuidor direto e o fiduciário o possuidor indireto.

A Lei 9.514/97 estabelece, em seu artigo 24, os requisitos essenciais do contrato. Para

Chalhub363, esses requisitos servem para dar padrão a esses contratos e permitir que eles atinjam

a finalidade da lei, que é promover a circulação do crédito imobiliário e impulsionar o próprio

sistema de financiamento imobiliário.

6.2 Adimplemento e inadimplemento do contrato de alienação fiduciária em garantia

Os artigos 25 e 26 da Lei 9.514/97 tratam do adimplemento e do inadimplemento do

contrato de alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis.

das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena: I - bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário; II - o direito de uso especial para fins de moradia; III - o direito real de uso, desde que suscetível de alienação; IV - a propriedade superficiária. BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

361 “Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

362 Art. 23 (...) “Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

363 “O art. 24 da Lei 9.514/1997, que dispõe sobre os requisitos essenciais do contrato, remete-nos ao art. 5º, que, por sua vez, estabelece determinadas condições essenciais para a consecução da finalidade última da lei; essa finalidade é a circulação do crédito imobiliário, sem obstáculos. Para esse fim, a lei conferiu tratamento homogêneo às operações do mercado imobiliário, estabelecendo as condições operacionais básicas do SFI, nos incisos I a IV do art. 5º, e estendendo esse padrão operacional a quem quer que comercialize imóveis a prazo, no § 2º do mesmo art. 5º. Com essa equiparação, essas condições passaram a ser comuns a todos os participantes do mercado. Além disso, os arts. 17, 22 e seus parágrafos estendem igualmente a qualquer pessoa, física ou jurídica, a concessão de mútuo com garantia de alienação fiduciária de bens imóveis. A lógica é elementar: considerando que, além de introduzir novas garantias no sistema, o propósito imediato da lei é criar as condições para funcionamento de um mercado secundário, no qual quem quer que seja titular de um crédito imobiliário possa descontá-lo, mediante cessão a uma companhia securitizadora, para que esta o faça circular no mercado financeiro ou no mercado de capitais, em forma de títulos, então o crédito deve estar constituído conforme padrão assimilável por essas companhias e pelas instituições do mercado, donde, obviamente, as condições creditícias devem ser comuns a todas as partes envolvidas, isto é, o vendedor, a companhia securitizadora e eventualmente uma entidade financeira. Desta forma, visando impulsionar o novo sistema de financiamento, o legislador indicou como paradigma da padronização operacional do mercado imobiliário condições de operacionalização já existentes e vinculadas ao mercado financeiro. São elas as dos incisos I a IV, a saber: (1º) o reajuste monetário, (2º) a livre pactuação dos juros, (3º) a capitalização dos juros e (4º) a contratação de seguros obrigatórios. CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: negócio fiduciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online. p. 276.

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O artigo 25364 prescreve que a condição suspensiva do contrato de alienação fiduciária

de bem imóvel ocorre com o pagamento da dívida e seus encargos. Realizado o pagamento da

dívida, o fiduciário, no prazo de 30 dias, deve fornecer o termo de quitação, sob pena de multa

de meio por cento ao mês, ou fração de mês, sobre o valor do contrato.365 Esse termo de quitação

é o documento pelo qual o registro da propriedade fiduciária será cancelado junto à matrícula

do imóvel366.

Em caso de inadimplemento do contrato e após a constituição em mora do fiduciante, a

propriedade será consolidada em nome do fiduciário, conforme prescreve o artigo 26 da lei367.

Assim, o fiduciário tornar-se-á pleno proprietário368 da coisa imóvel.

Para tanto, o próprio artigo 26 disciplina o procedimento dessa consolidação, que será

extrajudicial, através do cartório de registro de imóveis. Em caso de inadimplemento da dívida

garantida pela alienação fiduciária e após transcorrido o prazo de carência que deve estar

previsto no próprio contrato369, o fiduciante será intimado pelo oficial do cartório de registro de

imóveis para pagar o valor atrasado, acrescido dos acessórios e mais as despesas referentes ao

procedimento extrajudicial370.

364 “Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade

fiduciária do imóvel.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

365 “§ 1º No prazo de trinta dias, a contar da data de liquidação da dívida, o fiduciário fornecerá o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

366 “§ 2º À vista do termo de quitação de que trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o cancelamento do registro da propriedade fiduciária.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

367 Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

368 “A propriedade plena é aquela que confere ao seu titular direito real de uso, gozo e disposição, com poderes de recuperação do bem de qual-quer sujeito que, injustamente, o detenha ou possua.” FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Ação de busca e apreensão em propriedade fiduciária. 2. São Paulo Saraiva 2018 1 recurso online, p. 51.

369 Art. 26 (...) § 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

370 “Art. 26 (...) § 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

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Os parágrafos 3º, 3º-A, 3º-B e 4º371 do artigo 26 estabelecem regras pertinentes à

intimação do fiduciante que, se intimado, pagar a dívida, o contrato voltará à normalidade e a

alienação fiduciária permanecerá372. Entretanto, caso não haja o pagamento após a intimação,

a propriedade será consolidada em nome do fiduciário373.

Registrada a propriedade plena em nome do fiduciário, esse promoverá o primeiro leilão

público da coisa imóvel374, oportunidade que não poderá ser arrematada por preço inferior ao

de sua avaliação constante no contrato e, se não for arrematada, será designado novo leilão, no

prazo de quinze dias375, prazo no qual o fiduciante terá o direito de arrematar o bem pelo preço

da dívida acrescida de encargos e despesas prescritas na própria Lei 9.514/97376.

371 “Art. 26 (...)§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador

regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento. § 3o-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). § 3o-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3o-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência. § 4o Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

372 “Art. 26 (...) § 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

373 “Art. 26 (...) § 7o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020, grifo nosso.

374 “Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

375 “Art. 27 (...) § 1o Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

376 “Art. 27 (…)§ 2o-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a

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Esse direito de purgar a mora até o segundo leilão do imóvel, ou até sua arrematação,

surgiu no ordenamento jurídico com a Lei 13.465 de 6 de setembro de 2017, que acrescentou o

parágrafo 2º-B ao artigo 27 da Lei 9.514/97, mas a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça já o admitia. Ao fundamento de que a dívida não se extingue com a consolidação da

propriedade fiduciária e que a principal finalidade do leilão é promover a extinção da dívida, o

fiduciante teria, então, o direito de purgar a mora até a data da assinatura do auto de arrematação

do bem377.

Não exercendo esse direito, no segundo leilão a propriedade imóvel será arrematada

pelo maior lance, podendo ocorrer duas situações. Se o lance for maior que o valor da dívida

acrescida de encargos, despesas, seguro, tributos e contribuições condominiais378, o fiduciário

entregará o saldo remanescente ao fiduciante, no prazo de cinco dias, sendo que para esse valor

será considerado como indenização por benfeitorias realizadas no bem379. Caso, entretanto, o

maior lance oferecido seja menor que o valor da dívida, a dívida será considerada extinta e

haverá quitação recíproca entre fiduciante e fiduciário380.

Consolidada a propriedade fiduciária em nome do fiduciário, esse, seus cessionários ou

seus sucessores, bem como os arrematantes do imóvel, poderão ajuizar reintegração de posse

do imóvel cuja antecipação de tutela será concedida liminarmente para que o imóvel seja

desocupado no prazo de 60 (sessenta dias)381.

nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

377 “Mesmo que já consolidada a propriedade do imóvel dado em garantia em nome do credor fiduciário, é possível, até a assinatura do auto de arrematação, a purgação da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei 9.514/1997).” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.462.210-RS. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/11/2014. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 25 nov. 2014. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=201401495110.REG. Acesso em 18 dezembro 2019.

378 “Art. 27 (…)§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

379 “Art. 27 (…)§ 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

380 “Art. 27 (…)§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

381 “Art. 30. É assegurada ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os §§ 1° e 2° do art. 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminarmente, para desocupação em sessenta dias, desde que comprovada, na forma do disposto no art. 26, a

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6.3 A Lei 9.514/97 no Superior Tribunal de Justiça.

O Superior Tribunal de Justiça frequentemente é chamado a decidir litígios envolvendo

a Lei 9.514/97, tendo o verbete “alienação fiduciária – imóvel” encontrado vinte informativos

de jurisprudência382, três mil e oitocentas decisões monocráticas383 e cento e vinte acórdãos384

por meio de argumento de pesquisa do tribunal. Isso demonstra que a regulamentação da

matéria não impede a existência de litígios sobre o tema. No presente trabalho, realizar-se-á

breve explanação acerca dos informativos de jurisprudência que interessam ao presente assunto

desenvolvido, sobretudo porque comentar todas as decisões, ainda que a maioria seja

semelhante, seria impossível.

Comenta-se, então, o julgamento proferido nos autos do Recurso Especial nº

1.542.275/MS385, publicado em 02/12/2015 . Nesse julgamento, o STJ decidiu que a alienação

fiduciária pode ser contratada para garantia de qualquer operação de crédito, mesmo que essa

operação não esteja vinculada ao Sistema de Financiamento Imobiliário regulamentado pela

Lei 9.514/97. Para o Superior Tribunal de Justiça, a Lei 9.514/97 tem por objetivo “fomentar o

sistema de garantias do direito brasileiro” e não apenas melhorar a garantia dos financiamentos

imobiliários. Portanto, a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, regida pela Lei

9.514/97, pode ser utilizada em qualquer operação de crédito, seja titularizada por pessoa física

ou por pessoa jurídica.

consolidação da propriedade em seu nome.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

382 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de jurisprudência. Pesquisar: “alienação fiduciária – imóvel”. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=%22ALIENA%C7%C3O+FIDUCI%C1RIA%22+IM%D3VEL&operador=mesmo&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em 08 de janeiro de 2020.

383 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de jurisprudência. Pesquisar: “alienação fiduciária – imóvel”. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=%22ALIENA%C7%C3O+FIDUCI%C1RIA%22+IM%D3VEL&operador=mesmo&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em 08 de janeiro de 2020.

384 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de jurisprudência. Pesquisar: “alienação fiduciária – imóvel”. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=%22ALIENA%C7%C3O+FIDUCI%C1RIA%22+IM%D3VEL&operador=mesmo&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 08 de janeiro de 2020.

385 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial nº 1.542.275. Rel.: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em: 24 nov. 2015. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF: 02 dez. 2015. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=201501642884.REG.. Acesso em 08 de janeiro de 2020.

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Em outro julgado, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão relativa à

imprescindibilidade de intimação pessoal do fiduciante para purgação da mora, condição para

consolidação da propriedade imobiliária em nome do fiduciante. Entendeu-se que muito

embora o parágrafo terceiro do artigo vinte e seis da Lei 9.514/97386 permita constituir o

devedor fiduciante em mora através de carta com aviso de recebimento, no julgamento do

Recurso Especial nº 1.531.144387 o tribunal decidiu que essa possibilidade somente constitui o

fiduciante em mora caso ele mesmo a receba, ou seu procurador ou representante legal, sob

pena de ser considerada nula. Portanto, caso uma pessoa estranha à relação jurídica receba a

intimação, não haverá a constituição em mora do devedor. Essa regulamentação permite, ao

menos que temporariamente, uma atitude oportunista por parte do fiduciante.

Por fim, destaca-se o julgamento proferido nos autos do Recurso Especial nº

1.576.164/DF388, publicado em 23.05.2019, que tem por objeto a eficácia do contrato de

alienação fiduciária realizado em virtude de incorporações imobiliárias389 perante os

adquirentes das unidades autônomas.

386 “Art. 26 (...) § 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao

procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.” BRASIL. Lei 9514/97.

387 “Em alienação fiduciária de bem imóvel (Lei n. 9.514/1997), é nula a intimação do devedor para oportunizar a purgação de mora realizada por meio de carta com aviso de recebimento quando esta for recebida por pessoa desconhecida e alheia à relação jurídica” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial nº 1.531144/PB. Rel. Ministro Moura Ribeiro, julgado em: 15 mar. 2016. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF: 28 mar. 2016. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=201501025292.REG. Acesso em: 21 dez. 2019.

388 “A alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente financeiro não tem eficácia perante o adquirente do imóvel.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial nº 1.576.164/DF. Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 14 maio 2019. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF: 23 maio 2019. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=201503248360.REG.. Acesso em 21 dez 2019.

389 “Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se-ão pela presente Lei. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.” BRASIL. Lei 4.591, de 1964. Brasília, DF: Presidência da República [2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm. Acesso em 19 dez. 2019.

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Nas incorporações imobiliárias390, o incorporador391 pode precisar de um mútuo392 junto

a uma instituição financeira com a finalidade de levantar recursos para a realização da obra,

seja a construção de um edifício residencial ou de um complexo empresarial, como um

shopping center. Como se tratam de valores elevados, as instituições financeiras exigem a

concessão de alguma garantia para efetivarem o mútuo, sendo a garantia comum a alienação

fiduciária do próprio imóvel sobre o qual se realizará a obra.

Forma-se, portanto, a seguinte situação: o incorporador adquire um imóvel para a

construção de uma obra e o aliena fiduciariamente para uma instituição financeira com a

finalidade de auferir recursos para a realização da construção. Concomitantemente ou não,

vende as unidades autônomas dessa obra, mesmo na planta, sejam apartamentos para moradia

ou salas comerciais, para seus clientes, que futuramente, ou seja, terminada a obra e pago o

valor da unidade autônoma, serão os seus proprietários393. Dessa forma, aquele imóvel

adquirido pela incorporadora se transformará em diversas propriedades autônomas e

390 “Trata-se da atividade que procura unir pessoas e fundos para a construção de edificações, divididas em

unidades imobiliárias individualizadas e discriminadas, que se destinam à venda, a qual se processa durante a própria construção. Mais conceitualmente, é a atividade de coordenação e execução de edificações imobiliárias (e não somente de prédios), que vai desde a alienação de frações ideais, que se transformam em unidades imobiliárias em construção, com a sua destinação aos adquirentes quanto prontas, e a efetivação do registro imobiliário. Vendem-se antecipadamente as unidades de um edifício com a construção planejada, ou unidades pendentes de construção, podendo inclusive ser vendida na “planta”. Daí se firmar a ideia de que se trata de promessa de compra e venda futura.” RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online. p. 261.

391 “Não se confunde a ideia de construtor com a de incorporador, já que a última abrange aspectos bem mais amplos, de organização e administração, de venda de frações ideais, com a elaboração de projetos e encaminhamento ao registro imobiliário. Viável que o incorporador contrate um construtor, o qual não se vincula ao plano de venda, nem se articula com os adquirentes. Assim, assiste-lhe o direito de exigir o pagamento em dia das prestações e parcelas do custo das obras, não respondendo pelas consequências ocasionadas pelos adquirentes de unidades. No entanto, se o pagamento fica condicionado ao regular cumprimento das obrigações pelos adquirentes, fica complicada a situação. Como existem adquirentes que seguem pagamento, não lhe cabe retardar ou abandonar a obra. No caso, fica obrigado a exigir do incorporador a satisfação do valor. A este resta agir contra os inadimplentes, inclusive com a possibilidade de leiloar as suas frações ideais.” RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online. p. 272.

392 “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

393 “Através da incorporação, os contratantes entabulam a construção de uma edificação dividida em certa quantidade de porções que serão utilizadas para a moradia ou para a exploração de atividades econômicas, como escritórios, lojas, salas de serviços, centros comerciais, depósitos e garagens. O incorporador tem a iniciativa de comprar o imóvel e de organizar o grupo que adquirirá as unidades, recebendo um pagamento pela sua venda, ou contratando a construção por conta do titular do terreno, cobrando uma remuneração pelos serviços que presta. Forma-se uma relação entre o incorporador e o adquirente, que se concretiza em um contrato pelo qual o primeiro assume o encargo de construir, ou fazer construir, um conjunto de unidades componentes de uma edificação, enquanto o segundo se compromete a pagar o preço combinado pelo recebimento da unidade.” RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Recurso online. p. 275.

Page 92: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

96

individuais. É o caso, por exemplo, de um terreno sobre o qual se constrói um edifício de

apartamentos para moradia.

Há, portanto, duas espécies de relações jurídicas distintas: a existente entre a

incorporadora e a instituição financeira, que é contrato de mútuo garantido pela alienação

fiduciária do imóvel sobre o qual se realizará a construção; e a existente entre a incorporadora

e os adquirentes das unidades autônomas, sendo que aquela tem a obrigação de construir a obra

e esses últimos a obrigação de pagar o preço da unidade autônoma que pretendem adquirir.

Pago o preço, o adquirente tem o direito de se tornar proprietário da coisa.

Nesse julgamento que ora se comenta, a incorporadora não adimpliu sua obrigação

perante a instituição financeira que, valendo-se da Lei 9.514/97, exerceu seu direito de se

constituir como proprietária plena do imóvel sobre o qual realizou-se a construção. Instalou-se,

portanto, um conflito: de um lado a instituição financeira querendo fazer valer seu direito de se

tornar proprietária plena do imóvel e de outro lado os adquirentes das unidades autônomas

também querendo tomar para si a propriedade de suas respectivas unidades.

Utilizando-se como analogia a Súmula 308 STJ394, que prescreve ser ineficaz a hipoteca

realizada entre a incorporadora e a instituição financeira perante os adquirentes das unidades

autônomas, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, muito embora a hipoteca seja um

instituto jurídico diverso da alienação fiduciária em garantia, essa é ineficaz em relação aos

adquirentes das unidades autônomas. Portanto, independentemente de a incorporadora honrar

ou não seus compromissos perante a instituição financeira, os adquirentes as unidades

autônomas serão seus proprietários caso realizem o adimplemento de suas respectivas

obrigações. Nesse cenário, vislumbra-se uma possibilidade de as incorporadoras agirem de

forma oportunista perante as instituições financeiras.

394 “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa

de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 308. Diário de Justiça: Brasília, DF, 25 abr. 2005, p. 384. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_24_capSumula308.pdf. Acesso em: 19 dez. 2019.

Page 93: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

97

7 ANÁLISE ECONÔMICA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DA

LEI 9.514/97

Realizar a análise econômica da alienação fiduciária em garantia da Lei 9.514/97 é

interpretar seus dispositivos de acordo com as Ciências Econômicas395 e conforme a Teoria

Econômica do Contrato.

7.1 Análise da Lei 9.514/97 segundo as premissas econômicas

O contrato é um fato social caracterizado pela realização de transações voluntárias em

um ambiente de mercado396. É a forma pela qual bens e serviços são trocados até que fiquem

com as pessoas que mais os valorizam, o que gera bem estar não apenas aos contratantes, mas

à sociedade como um todo397.

Ao realizarem um contrato de alienação fiduciária em garantia regido pela Lei 9.514/97

os contratantes, fiduciante e fiduciário, realizam suas decisões conforme os cinco conceitos

básicos da escolha humana prescritos pela microeconomia, quais sejam, trade-offs, incentivos,

trocas, informação e distribuição398.

No que tange ao trade-off399, ao firmar o contrato de alienação fiduciária em garantia o

fiduciante também se obriga, através do contrato de mutuo principal, a pagar determinada

quantia ao fiduciário. Isso faz com que ele tenha de decidir entre realizar a compra do bem

imóvel ou utilizar seu dinheiro com outros bens, ou apenas poupá-lo. Tanto o bem imóvel

quanto o bem dinheiro são recursos escassos400.

O fiduciário, por sua vez, escolhe entre realizar aquele mútuo junto ao fiduciante de

acordo com determinadas condições, como a taxa de juros, extensão do financiamento,

395 TIMM, Luciano Benetti; GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise Econômica dos Contratos. In: TIMM,

Luciano Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 174. 396 TIMM, Luciano Benetti; GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise Econômica dos Contratos. In: TIMM,

Luciano Benetti (Org.). Direito e economia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Recurso online. p. 160-164.

397 MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. 398 STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 399 “Para conseguirmos algo que queremos, precisamos abrir mão de outra coisa de que gostamos. A tomada de

decisões exige escolher um objetivo em detrimento de outro.” MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 4. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2020. E-book. p. 3.

400 Escassez é o oposto da abundância e é historicamente determinada. MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p 26-28. Existe escassez porque as pessoas possuem necessidades a serem satisfeitas, e essas necessidades são ilimitadas. NOGAMI, Otto; PASSOS, Carlos Roberto Martins. Princípios de Economia. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016. p. 4.

Page 94: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

98

capacidade financeira do tomador do empréstimo, empregar seu dinheiro em outro negócio ou,

simplesmente, não emprestar, também sob a perspectiva de que seu dinheiro também é escasso,

ainda que eventualmente possa ter uma boa quantia dele.

Ao decidirem por firmar o contrato de alienação fiduciária em garantia, fiduciante e

fiduciário analisam quais são os incentivos401 para sua realização.

Como incentivo para o fiduciante pode-se eleger que esse tipo de contrato faz com que

a taxa de juros seja bem abaixo da taxa comum, haja vista a existência de garantia402, e para o

fiduciário que a possibilidade de inadimplência seja muito baixa, posto que o crédito

emprestado está garantido pelo imóvel objeto da alienação, o que praticamente impossibilita o

comportamento não cooperativo.

Assim, sob a premissa das trocas, fiduciante e fiduciário, ao menos no momento da

celebração do contrato, entendem que passaram a estar em uma situação melhor, um maior

bem-estar403. O fiduciante por conta da imediata tomada da posse e da aquisição de um bem

imóvel, embora sujeito a evento futuro e incerto404. O fiduciário, por sua vez, terá seu dinheiro

remunerado com uma baixa possibilidade de perda, posto que o próprio imóvel garantirá o

cumprimento da obrigação do fiduciante.

É nesse cenário de mercado que os bens escassos, dinheiro e imóvel, serão alocados, ou

seja, distribuídos405, a quem mais o valoriza. O fiduciante valoriza o bem imóvel mais que a

instituição financeira, que, nesse caso, valoriza mais o rendimento obtido com o mútuo.

Vislumbra-se, então, uma situação denominada Pareto Eficiente. Ou seja, é impossível mudar

401 Os incentivos são os prós e os contras de uma escolha, ou seja, seus aspectos positivos e negativos. A economia

estuda como as pessoas fazem suas escolhas e como essas mesmas escolhas podem se alterar caso exista modificação nas circunstâncias em que a tomada de decisão é realizada. STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. O estudo dos incentivos é um dos focos mais importantes do estudo da microeconomia. MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013.

402 A garantia imobiliária permite a redução das taxas de juros. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Estudo Especial nº 43/2019. Garantias e diferenças nas taxas de juros de crédito. 2019. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE043_Garantias_e_diferencas_nas_taxas_de_juros_de_credito.pdf. Acesso em 17 janeiro 2020.

403 Stiglitz e Walsh informam que em um cenário de trocas voluntárias, denominado mercado, ambas as partes que realizam determinada troca saem em uma condição melhor após sua realização, com o bem-estar maior. STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

404 “Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

405 “Na economia de mercado, onde ocorrem as trocas livres entre as pessoas, é o mercado quem determina os bens e serviços a serem produzidos, como serão produzidos e para quem serão distribuídos.” STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 13.

Page 95: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

99

essa alocação de bens para que um contratante fique mais satisfeito sem que o outro fique numa

situação pior406.

As informações, que são fundamentais para a avaliação dos incentivos407, também são

razoavelmente trocadas entre as partes, posto que a própria lei 9.514/97, em seu artigo 24408,

estabelece as informações mínimas que devem constar do contrato. Destaca-se, nesse ponto,

que além de ser necessário constar o valor da dívida, o prazo de pagamento e demais condições

negociais, a taxa de juros e demais encargos, a lei exige cláusula constando o valor do imóvel

para fins de venda em leilão, bem como os critérios para sua revisão e cláusula dispondo sobre

o procedimento da consolidação da propriedade em caso de inadimplemento. Isso é importante

para que o fiduciante sopese de maneira bem sensata os custos de eventual inadimplemento.

Para a devida avaliação dos incentivos, a economia pressupôs um modelo de

pensamento racional segundo o qual as pessoas realizam escolhas que maximizem uma

utilidade ou bem estar409. Muito embora a psicologia tenha demonstrado que as pessoas não

realizam escolhas segundo esse modelo racional410, sendo que suas escolhas não são orientadas

406 “Diz-se que uma determinada situação é Pareto Eficiente ou alocativamente eficiente se é impossível muda-la

de modo a deixar pelo menos uma pessoa em situação melhor (na opinião dela própria) sem deixar outra pessoa em situação pior (mais uma vez, em sua própria opinião).” COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 38.

407 Para a realização da tomada de decisão é necessário que as pessoas tenham informações acerca de suas opções, para que assim seja possível sopesar os custos e os benefícios de cada escolha. STIGLITZ, Joseph E.; WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

408 Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá: I - o valor do principal da dívida; II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário; III - a taxa de juros e os encargos incidentes; IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição; V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária; VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão; VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27. BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em 06 de janeiro de 2020.

409 “Para que seja possível realizar-se escolhas entre recursos escassos no intuito de maximizar uma utilidade ou um bem estar, necessário pressupor que as pessoas são racionais.” MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p. 6. No mesmo sentido POMPEU, Ivan Guimarães. Estudos sobre negócios e contratos uma perspectiva internacional a partir da análise econômica do direito. São Paulo: Grupo Almedina, 2017. Recurso online e COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

410 “Administrative Behavior”, publicada em 1957. RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Racionalidade Limitada. In:

In: O que é análise econômica do direito: uma introdução. In. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinícius. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 62.

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100

no sentido de maximização, mas sim no sentido da utilidade ou satisfação411, o modelo

econômico ainda não pode ser abandonado, pois gerou resultados satisfatórios412.

Analisado, portanto, o comportamento do fiduciante e do fiduciário, notadamente suas

escolhas, conforme os conceitos básicos da microeconomia.

7.2 Análise da Lei 9.514/97 segundo a Teoria Econômica dos Contratos.

A Teoria Econômica dos Contratos se preocupa com três questões principais:

i) identificar quais promessas podem ser exigidas judicialmente; ii) promover o comportamento

cooperativo entre as partes contratantes; e iii) reduzir os custos de transação.

Quanto à primeira questão, as promessas que podem ser exigidas judicialmente são

aquelas feitas diante de uma barganha, cujos requisitos de existência são a oferta, a aceitação e

a contraprestação. Nesse sentido, somente o contrato completo, com a devida contraprestação,

é executável 413.

Essa questão não é pertinente em relação ao direito brasileiro, posto que a simples

proposta já obriga o proponente414, desde que haja aceitação por parte do promissário, ou seja,

o contrato é obrigatório independente de contraprestação. Inclusive, no Brasil o contrato de

doação, é obrigatório, possuindo, inclusive, regulamentação no Código Civil415.

A obrigatoriedade do contrato, que o permite ser exigido judicialmente ou, no caso da

alienação fiduciária em garantia sobre bem imóvel regulada pela Lei 9.514/97, por

procedimento extrajudicial, já que em caso de inadimplemento a propriedade fiduciária é

411 FRANK, Robert H. Microeconomia e comportamento. 1. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. Recurso online.

p. 238. 412 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. 413 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 203. “De

acordo com a Teoria da Barganha, o contrato fica incompleto até que o promissário dê algo ao promitente para induzir a promessa. Quando estiver completo, o contrato se torna “executável”. Em outras palavras, a contraprestação contratual torna executável a promessa. A teoria da barganha sustenta que as promessas garantidas pela contraprestação são executáveis e que as promessas sem contraprestação são inexecutáveis.”

414 “Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

415 “Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.” BRASIL. Código Civil. Lei 10.406/02. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 17 dez. 2019.

Page 97: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

101

consolidada em nome do fiduciário por procedimento realizado em cartório416, faz com que o

comportamento das partes contratantes seja cooperativo417.

De acordo com a teoria dos jogos, os contratos são jogos cooperativos, isto é, os

jogadores possuem mais vantagens na adoção da estratégia cooperativa do que a não

cooperativa. Entretanto, se um jogador adotar uma estratégia cooperativa e o outro, sabendo

disso, quiser enganá-lo, sua vantagem será ainda maior418. A adoção da estratégia cooperativa

é obtida através da comunicação entre as partes, através de um contrato, no qual podem ser

estabelecidas penalidades para comportamentos não cooperativos, o que vai exigir uma

estrutura estatal para sancionar a penalidade, e também através de relações familiares ou de

amizade e, por fim, em caso de jogos repetidos419.

Nesse sentido, é inegável que o jogo praticado no contrato de alienação fiduciária em

garantia de bem imóvel é cooperativo, já que é um contrato e, por isso, possui exigibilidade, e

com penalidades previstas para seu descumprimento. Nesse contrato, afasta-se, ou atenua-se

consideravelmente, o risco exacerbado do fiduciante comportar-se de forma oportunista,

apropriando-se do dinheiro emprestado pelo fiduciário, pois para que aquele venha a se tornar

proprietário do bem dado em garantia, a condição, que é o pagamento do mutuo, há de ocorrer.

Caso haja o inadimplemento, situação na qual haveria uma espécie de não cooperação por parte

do fiduciante, o fiduciário não terá prejuízo, posto que ele poderá se consolidar na propriedade

plena do imóvel420, independente do comportamento ou vontade do fiduciante.

Ocorre, entretanto, que ainda assim existe possibilidade de o fiduciante se apropriar do

dinheiro do fiduciário, fazendo com que o jogo existente entre ambos seja não cooperativo. É

o caso da alienação fiduciária em garantia firmada entre a incorporadora e a instituição

416 “Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-

á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

417 Cooter e Ulen consideram que as promessas são trocas de uma coisa presente no lugar de outra depois de passado certo tempo. Essa diferença no tempo acarreta riscos e incertezas, que são obstáculos à realização dessas trocas e da cooperação entre os contratantes. Assim, a executabilidade de uma promessa é, nesse sentido, um incentivo para que as partes realizem trocas e cooperem entre si, na medida em que poderão, caso inexista o cumprimento voluntário, exigi-lo judicialmente. Logo, a executabilidade é um incentivo e um remédio jurídico para o descumprimento de uma promessa. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

418 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

419 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

420 “Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

Page 98: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

102

financeira. Esse contrato existe para garantir o contrato de mutuo realizado entre as mesmas

partes, cuja finalidade é auferir recursos para empreender uma incorporação imobiliária que,

por sua vez, objetiva a transformação do imóvel dado em garantia em diversas unidades

autônomas para a venda a terceiros, os adquirentes. No julgamento do Recurso Especial

1.576.164/DF 421, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que essa alienação fiduciária não tem

efeitos perante os adquirentes. Assim, há o esvaziamento da garantia ofertada à instituição

financeira. Nesse cenário, portanto, a incorporadora pode agir de forma oportunista.

Ainda no que tange à transformação de jogos não cooperativos em jogos cooperativos,

Pontes e Caminha422 informam que a Lei 9.514/97 trouxe maior segurança jurídica aos contratos

de financiamento imobiliário na medida em que, desde quando essa Lei existe no ordenamento

jurídico brasileiro, a redução da inadimplência vem ocorrendo sistematicamente (aumento do

comportamento cooperativo), bem como vem ocorrendo o aumento dos financiamentos

imobiliários, tanto em quantidade de imóveis financiados quanto em valores financiados. Dessa

forma, observou-se o aumento da segurança jurídica nos financiamentos imobiliários, a redução

da taxa de juros e do inadimplemento e, por fim, o desenvolvimento do mercado imobiliário

como um todo.

Ressalte-se, entretanto, que não há relação de causa e efeito entre a Lei 9.514/97 e a

redução do inadimplemento e da taxa de juros e do desenvolvimento do setor imobiliário. Dados

da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança de fato demonstram

que a quantidade de unidades imobiliárias financiadas e os valores financiados aumentaram de

forma constante desde o ano de 2002 até o ano de 2013423, o que, à princípio, poderia ser

reputado à Lei.

Em 2002, o valor financiado foi de R$ 1.770.170.000,00. Já em 2013, o valor total

financiado foi de R$ 170.177.810.000,00, uma alta bem expressiva. Ocorre, entretanto, que com

a crise econômica ocorrida a partir de 2014, esse valor se reduziu consideravelmente, tendo em

2017 chegado a R$ 43.149.110.000,00. No ano de 2019, o valor financiado nas operações

421 “A alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente financeiro não tem eficácia perante o adquirente

do imóvel.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial nº 1.576.164/DF. Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 14 maio 2019. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF: 23 maio 2019. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=201503248360.REG. Acesso em 21 dez 2019.

422 PONTES, Ted Luiz Rocha; CAMINHA, Uinie. Uma análise econômica da alienação fiduciária em garantia de bens imóveis. Scientia Iuris, Londrina, v.20, n.1, p.221-248, abr. 2016.

423 ABECIP - Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança. Crédito imobiliário: indicadores. São Paulo: ABECIP, 2019. Disponível em: https://www.abecip.org.br/credito-imobiliario/indicadores/financiamento. Acesso em: 20 jan. 2020.

Page 99: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO CONTRATO DE …

103

imobiliárias foi de R$ 78.701.560.000,00, o que demonstra que o vigor econômico desse setor

ainda está abaixo dos níveis anteriores a 2013.

Nesse sentido, percebe-se que há outros fatores econômicos que influenciam as taxas de

juros, a taxa de inadimplemento e o desenvolvimento do setor imobiliário, não podendo a Lei

9.514/97 ser reputada como a única responsável por essas consequências.

Há, também, uma questão a ser levantada: o que faz o jogo ser cooperativo é a Lei

9.514/97 ou a garantia? De acordo com Rodrigues, Takeda e Araújo424, a presença da garantia,

em si, reduz o risco da operação bancária na medida em que reduz as chances de perda da

instituição financeira. Além disso, quanto menores as chances de perda menores são as taxas

de juros. Percebeu-se, então, a existência da queda do risco de perda nas operações realizadas

com garantia fidejussória, aval ou fiança, em relação às operações sem garantia. E uma queda

significativa nas operações realizadas com garantias não fidejussórias (no artigo foram

consideradas garantias nas modalidades cessão de direitos creditórios, caução, penhor,

alienação fiduciária de bens móveis e de bens imóveis e hipoteca).

O Banco Central do Brasil425, no mesmo sentido, aponta que a taxa de juros é tanto

menor quanto melhor for a qualidade da garantia ofertada pelo tomador de crédito.

Ou seja, a presença da garantia reduz o risco de perda da instituição financeira, isto é, o

risco de inadimplemento e o risco de comportamento oportunista, sendo que quanto melhor for

a qualidade da garantia mais provável que o jogo seja cooperativo. Assim, pode-se concluir que

mesmo antes da Lei 9.514/97, oportunidade em que os financiamentos imobiliários no Brasil

eram garantidos por hipoteca, a relação entre o tomador de crédito e a instituição financeira já

era cooperativa.

O que a Lei 9.514/97 provocou, contudo, foi uma melhora na qualidade da garantia e,

consequentemente, aumentou a probabilidade de cooperação na relação entre fiduciante e

fiduciário. Notadamente porque, além de praticamente afastar a ocorrência de comportamento

oportunista do fiduciante, tornou mais célere a “execução”426 da garantia dada em alienação

fiduciária quando comparado com a garantia hipotecária.

424 RODRIGUES, E. A. S.; TAKEDA, T.; ARAUJO, A. P. Qual o Impacto das Garantias Reais nas Taxas de

Empréstimo Bancário? Uma Avaliação com Base nos Dados do SCR. 2004. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pec/semecobancred2004/port/paperVI.pdf. Acesso em: 17 jan. 2020.

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426 Não se trata de execução, mas sim de consolidação de propriedade fiduciária.

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104

Quanto à redução dos custos de transação, necessário analisar-se em dois momentos: na

realização do contrato e em caso de inadimplemento.

No primeiro momento, o fiduciante valoriza o bem imóvel objeto da alienação fiduciária

em garantia mais que a instituição financeira, que, nesse caso, valoriza mais o rendimento

obtido com o mutuo do que o imóvel. Tem-se, então, uma situação Pareto Eficiente427 e o

cumprimento da função social do contrato428, pois os bens foram alocados às partes que mais

os valorizam.

Ocorre que no segundo momento, isto é, em caso de inadimplemento, no qual a

propriedade fiduciária é consolidada no nome do fiduciante, a Lei 9.514/97 não cumpre sua

função, ou seja, reduzir os custos de transação para que as partes promovam a realocação dos

direitos de forma eficiente429.

Pela Lei de Alienação Fiduciária em Garantia, os direitos são alocados da seguinte

forma: o fiduciante é possuidor do bem imóvel dado em garantia e poderá se tornar proprietário

tão logo realize o pagamento do mútuo celebrado. O fiduciário, por sua vez, tem a propriedade

resolúvel do imóvel e poderá se tornar o proprietário pleno, caso o fiduciante se torne

inadimplente. Em caso de inadimplência e consolidada a propriedade plena em nome do

fiduciário, a única possibilidade que o fiduciante tem para se tornar proprietário do bem é

realizar o pagamento da dívida até a data do segundo leilão430.

427 “Dada uma alocação inicial de bens entre um grupo de indivíduos, somente ocorrerão mudanças de alocação

que satisfaçam dois requisitos: (i) deixem pelo menos um indivíduo em melhor situação; e (ii) não deixe nenhum indivíduo em pior situação. O ótimo de Pareto caracteriza-se quando se chega a uma situação em que nenhuma outra melhoria de Pareto é possível”. TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 185. “Diz-se que uma determinada situação é Pareto Eficiente ou alocativamente eficiente se é impossível muda-la de modo a deixar pelo menos uma pessoa em situação melhor (na opinião dela própria) sem deixar outra pessoa em situação pior (mais uma vez, em sua própria opinião).” COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 38

428 “Dessa forma, a principal função social do direito contratual é possibilitar a ocorrência dos contratos, o fluxo de trocas no mercado, a alocação de risco pelos agentes econômicos e seu comprometimento em ações futuras até que seja alcançada a situação mais eficiente, isto é, quando ambas as partes recebem benefícios econômicos da barganha e distribuem o saldo positivo resultante da transação” TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 203.

429 “Por óbvio, se as transações ocorrem sem custos, tudo o que importa (questões de justiça à parte) é que os direitos das partes devam estar bem definidos e os resultados das ações judiciais devam poder ser previstos com facilidade. Contudo, como vimos, a situação é muito diferente quando as transações no mercado são tão custosas a ponto de tornar difícil mudar a alocação de direitos estabelecida pelo sistema jurídico. Nesses casos, as cortes influenciam diretamente a atividade econômica. Desse modo, seria aparentemente desejável que as cortes tivessem os deveres de compreender as conseqüências econômicas de suas decisões e, na medida em que isso fosse possível sem que se criasse muita incerteza acerca do próprio comando da ordem jurídica, de levar em conta tais conseqüências ao exercerem sua competência decisória. Ainda quando se faz possível alterar a delimitação legal de direitos através das transações no mercado, é obviamente desejável reduzir a necessidade de tais transações e, assim, reduzir o emprego de recursos em sua realização.” COASE, R. H. O problema do custo social. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.07, n.26, p.135-191, abr./jun. 2009. p. 169.

430 “Art. 27. § 2o-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor

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Deveria a Lei 9.514/97 reduzir os custos de transação para que essa alocação inicial

de direitos pudesse ser realocada em benefício de quem mais os valoriza. Considera-se, nesse

ponto, que por se tratar a alienação fiduciária em garantia de um contrato acessório, sendo o

principal o contrato de mútuo para financiamento imobiliário, a propriedade do imóvel é mais

valorizada pelo fiduciante ao passo que o fiduciário valoriza mais seu crédito, isto é, o

pagamento da dívida.

Assim, percebe-se que inexiste na Lei 9.514/97 prescrição normativa que dê margem ao

fiduciante e ao fiduciário para negociar uma realocação mais eficiente desses direitos, caso

ocorra o inadimplemento do contrato de mútuo. Isso acarreta, em parte, a não observância do

quinto objetivo específico do direito contratual, qual seja, reduzir os custos de transação através

da implementação de normas supletivas431,

Verifica-se, ao contrário, que em caso de inadimplemento do contrato principal somente

resta a consolidação da propriedade plena em nome do fiduciário, cabendo ao fiduciante apenas

pagar a integralidade da dívida até a data do segundo leilão. Não realizando esse pagamento, o

bem imóvel poderá, em segundo leilão, ser arrematado por qualquer preço, ainda que inferior

ao da dívida, muito embora, nesses casos, ela seja extinta.

E, ainda, caso inexistam interessados nos leilões do bem imóvel, a instituição financeira

irá incorporá-lo como ativo imobilizado de não uso próprio, tendo prazo normatizado pelo

Banco Central do Brasil para a realização de sua venda, posto que é vedado às instituições

financeiras serem proprietárias de ativos imobiliários não destinados a uso próprio.

Nessa situação, percebe-se que o fiduciante ficará sem o bem e a instituição financeira

ficará sem o dinheiro correspondente à dívida, o que, inegavelmente, não é alocação eficiente

e nem a pretendida pelos contratantes, já que referidos direitos não estarão com quem mais os

valoriza.

fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.” BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

431 ARAÚJO, Fernando. Uma análise económica dos contratos parte I: a abordagem económica, a responsabilidade e a tutela dos interesses contratuais. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.5, n.18, p.69-160, abr./jun. 2007. p. 72.

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Portanto, percebe-se que na Lei 9.514/97 não há redução de custos de transação para

que fiduciante e fiduciário negociem a realocação dos direitos inicialmente alocados, de forma

que cada um fique com o direito que mais valoriza.

Essa é, portanto, a análise da Lei 9.514/97 segundo os objetivos gerais da Teoria

Econômica do Contrato, quais sejam, identificar quais promessas podem ser exigidas

judicialmente, promover comportamento cooperativo das partes e reduzir os custos de

transação.

Dos objetivos gerais extrai-se os específicos, que são orientados pelo Princípio Chepeast

Cost Avoider432. Cooter e Ulen433, assim como Fernando Araújo434, elencam seis finalidades

do direito contratual: i) transformar jogos não cooperativos em jogos cooperativos;

ii) incentivar a revelação eficiente de informações; iii) assegurar o cumprimento ótimo do

contrato; iv) assegurar o nível ótimo de confiança; v) através de normas supletivas reduzir os

custos de transação; vi) promover relações duradouras.

A questão sobre a transformação de jogos não cooperativos em jogos cooperativos já

foi analisada. Quanto ao segundo objetivo do direito contratual para a Teoria Econômica do

Contrato, qual seja, o incentivo à revelação eficiente de informações acerca do objeto do

contrato, tem-se que também foi alcançada pela Lei 9.514/97.

O artigo 24435 da Lei de Alienação Fiduciária em Garantia Sobre Bens Imóveis

prescreve as informações mínimas que devem constar do contrato. Assim, fiduciante e

fudiciário possuem o conhecimento daquilo de que precisam se informar para a realização do

contrato e para que seus próprios objetivos sejam atingidos. Nesse cenário, sabe-se o preço do

financiamento, sua duração, o valor da taxa de juros e demais informações pertinentes, como,

432 MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015. p. 419. 433 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 434 ARAÚJO, Fernando. Uma análise económica dos contratos parte I: a abordagem económica, a responsabilidade

e a tutela dos interesses contratuais. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.5, n.18, p.69-160, abr./jun. 2007. 72.

435 Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá: I - o valor do principal da dívida; II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário; III - a taxa de juros e os encargos incidentes; IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição; V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária; VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão; VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27. BRASIL. Lei de Alienação Fiduciária. Lei nº 9.514/97. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 jan. 2020.

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por exemplo, o valor pela qual o imóvel em garantia será colocado em leilão em caso de

inadimplência.

Quanto ao terceiro e ao quarto objetivos do direito contratual, quais sejam, a

cumprimento ótimo e a confiança ótima nos contratos de alienação fiduciária realizados

conforme a Lei 9.514/97, também foram alcançados. No que tange ao cumprimento ótimo, tem-

se que o fiduciante tende a cumprir o contrato, ou seja, adimpli-lo na medida em que, caso não

o faça, perderá o imóvel dado em garantia. E não apenas, pois em segundo leilão esse imóvel

poderá ser vendido pelo preço da dívida, ainda que ele valha mais no mercado. Ou seja, os

custos do inadimplemento são maiores do que o do adimplemento. Além da probabilidade de o

custo de inadimplemento ser mais elevado que o custo do adimplemento, a própria existência

da garantia é um incentivo para que o tomador de crédito, ou seja, o fiduciante, não se arrisque

de forma inadequada. Portanto, o risco assumido será ótimo, assim como o cumprimento do

contrato.

Se o custo do descumprimento do contrato é maior que o do cumprimento, o fiduciário

acaba confiando que o fiduciante irá cumprir o contrato. Essa confiança, contudo, não é

excessiva, mas ótima. Isso porque embora o crédito do fiduciário esteja garantido, em caso de

inadimplemento ele pode incorrer em custos não apenas para a consolidação extrajudicial da

propriedade fiduciária junto ao cartório de registro de imóveis, como também em caso de ser

necessário o ajuizamento de ação possessória. Portanto, ainda que remota, há chance de perda

por parte do fiduciário, o que elimina a existência de confiança excessiva.

Sobre o quinto objetivo específico do direito contratual (redução dos custos de transação

através de implementação de normas supletivas), tem-se que é parcialmente alcançado. Isso

porque, embora exista regulamentação satisfatória da operação de alienação fiduciária em

garantia sobre bens imóveis, resta ausente norma que possibilite aos contratantes a realocação

dos direitos em caso de inadimplência, situação na qual ocorre a consolidação da propriedade

fiduciária em nome do fiduciário e, consequentemente, a inexistência de alocação eficiente dos

recursos, conforme já apontado.

Acerca do último objetivo específico do direito contratual prescrito pela Teoria

Econômica do Contrato, qual seja, promover relações duradouras entre as partes contratantes,

ele é inaplicável nos contratos de alienação fiduciária em garantia. As ações duradouras são

aquelas nas quais os contratantes realizam diversas ações ao longo do tempo, ou seja, realizam

jogos repetidos.

Nos contratos de alienação fiduciária em garantia há apenas uma ação, qual seja, a

constituição de propriedade resolúvel sobre bem imóvel que, uma vez realizada a condição (o

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pagamento da dívida oriunda do contrato principal), restará resolvida. A alienação fiduciária

em garantia constitui, portanto, é um jogo de uma única jogada, razão pela qual não existe

perquirir-se acerca de eventual promoção de relações duradouras.

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109

8 CONCLUSÃO

A análise econômica do direito se revelou uma disciplina bastante importante para a

análise dos institutos jurídicos, sobretudo pela utilização dos conhecimentos fornecidos pela

economia para uma nova interpretação do direito, notadamente para se entender como as

escolhas humanas individuais e de pequenos grupos acerca de recursos escassos são feitas, isto

é, como eles são alocados.

Antes de serem jurídicos, os contratos são um fato social e, assim, exercem uma função

na sociedade, qual seja, possibilitar a realização de trocas livres para que cada bem fique com

quem mais o valoriza. Nesse sentido, verifica-se que a regulamentação e a interpretação dos

contratos devem ocorrer conforme sua função econômica, notadamente na sociedade atual,

inserida em um ambiente de mercado. Portanto, a função social dos contratos é garantir

alocação eficiente dos recursos, para que eles fiquem com quem mais os valoriza.

De acordo com a Teoria Econômica dos Contratos, o direito contratual possui como

funções principais identificar quais promessas são exigíveis, transformar jogos não

cooperativos em jogos cooperativos e reduzir os custos de transação. Extraindo-se dessas

principais, têm-se seis funções específicas, quais sejam: fazer as pessoas contratantes

cooperarem transformando jogos não cooperativos em jogos cooperativos; incentivar que os

contratantes forneçam entre si informações eficientes; fazer com que o cumprimento dos

contratos seja ótimo através do estabelecimento de sanções para o inadimplemento; fazer com

que os contratantes dispensem uma confiança ótima à relação contratual no lugar de uma

confiança excessiva; reduzir os custos de transação para possibilitar a realocação de direitos em

prol dos contratantes que mais os valorizam; e, por fim, promover relações que permaneçam ao

longo do tempo diante da cooperação das partes sem que seja necessário se recorrer à jurisdição

para requerer seu devido cumprimento.

Conclui-se que a primeira função do direito contratual, qual seja, identificar quais

promessas podem ser exigidas, não se aplica ao direito pátrio. Isso porque, no nosso caso, a

proposta obriga o proponente desde que aceita pelo promissário.

Quanto às demais funções, transformar jogos não cooperativos em jogos cooperativos e

reduzir os custos de transação, percebe-se que a Lei 9.514/97 os cumpre de forma satisfatória,

sendo necessário realizar um destaque e uma exceção.

O destaque se refere ao objetivo de transformar jogos não cooperativos em jogos

cooperativos. Contribui com o cumprimento dessa função a exigibilidade do contrato.

Conforme apontou-se, o simples fato de o contrato poder ser exigido já favorece o

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110

comportamento cooperativo, muito embora sejam necessárias instituições jurídicas eficientes

para fazer valer o direito pleiteado.

Além disso, a própria garantia dada em qualquer contrato também promove uma

aproximação à cooperação, sendo que quanto melhor a garantia maior a probabilidade de se ter

um jogo cooperativo. Nesse sentido, no que se refere ao financiamento imobiliário, a Lei

9.514/97 fez um jogo que já era cooperativo, quando as garantias eram hipotecárias, se

transformar em um jogo ainda mais cooperativo, dado que praticamente impossibilita ao

fiduciante agir de forma oportunista, o que acarreta na redução da taxa de inadimplemento, da

taxa de juros e incrementando o mercado imobiliário como um todo.

Nesse ponto, o comportamento oportunista pode ser eventualmente observado em caso

de alienação fiduciária em garantia celebrada por um incorporador junto a uma instituição

financeira, posto que seus efeitos não atingem os adquirentes das unidades autônomas oriundas

do originário imóvel dado em garantia, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça.

A exceção se refere à função de reduzir os custos de transação para que fiduciante e

fiduciário cheguem a um acordo de forma mais fácil e eficaz acerca da realocação dos direitos

inicialmente distribuídos caso ocorra o inadimplemento.

A única consequência em caso de inadimplemento é a consolidação da propriedade

fiduciária em nome do fiduciário, que a levará a leilão, por até duas vezes, e, inexistindo

interessados, incorporará o bem em seu ativo não circulante de não uso. Assim o fazendo,

deverá vendê-lo novamente no prazo determinado pelo Banco Central do Brasil, sob pena de

serem-lhe aplicadas sanções administrativas.

Nesse contexto, o fiduciante ficará sem o bem imóvel e a instituição financeira ficará

sem o dinheiro correspondente à dívida, o que, inegavelmente, não é a alocação eficiente,

conforme inicialmente pretendida pelos contratantes, já que referidos direitos não estarão com

quem mais os valoriza.

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