análise crítica da jurisdição constitucional do supremo
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: CONSTITUCIONALISMO E PRODUÇÃO DO DIREITO
Análise Crítica da Jurisdição Constitucional do Supremo
Tribunal Federal na Perspectiva da Teoria dos "Neutral
Principles"
LUCIANO ANDRASCHKO
Itajaí-SC abril/2016
2
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: CONSTITUCIONALISMO E PRODUÇÃO DO DIREITO
Análise Crítica da Jurisdição Constitucional do Supremo
Tribunal Federal na Perspectiva da Teoria dos "Neutral
Principles"
LUCIANO ANDRASCHKO
Dissertação submetida ao Curso de Mestrado em
Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Ciência Jurídica.
Orientador: Professor Doutor José Antonio Savaris
Itajaí-SC abril/2016
3
AGRADECIMENTOS
À Pontes de Miranda e Mário Ferreira dos Santos.
Grandes mestres, da Ciência do Direito e da Filosofia, por terem honrado
nossa pátria.
4
DEDICATÓRIA
À
R. M. A. Andraschko,
F. M. A. Andraschko
e
E. M. A. Andraschko
5
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a Coordenação do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca
Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, SC, abril de 2016.
Luciano Andraschko
Mestrando
.
6
PÁGINA DE APROVAÇÃO
(A SER ENTREGUE PELA SECRETARIA DO PPCJ/UNIVALI)
7
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADC Ação direta de constitucionalidade
ADI Ação direta de Inconstitucionalidade
ADO Ação Declaratória originária
ADPF Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
AgR Agravo Regimental
AI Agravo de Instrumento
ARE Agravo no Recurso Extraordinário
CF Constituição Federal
HC Habeas Corpus
MI Mandado de Injunção
MS Mandado de segurança
RMS Recurso em Mandado de segurança
STA Suspensão da tutela antecipada
STF Supremo Tribunal Federal
8
ROL DE CATEGORIAS1
Argumentação: É espécie do gênero Fundamentação, é uma forma estruturada
daquela, na qual se constroem e se explicam as ligações entre os diversos
fundamentos e o caso sub judice2.
Constituição: Lei fundamental de um Estado, que possui força irradiante para todo
o sistema jurídico, na qual estão elencados os valores fundamentais e os fins da
nação3.
Decisão Judicial: é o produto máximo do exercício da jurisdição, a concretização
das normas jurídicas.
Estado de Direito: forma de organização político-estatal na qual a lei (lato sensu) é
quem estabelece parâmetros para vida político-social dos sujeitos e entes que ali
vivem.
Fundamentação: É a exposição das razões que justificam uma tomada de posição,
no seu aspecto formal e material.
Jurisdição Constitucional: é um elemento do sistema de medidas técnicas que tem
por fim garantir o exercício regular das funções estatais4.
Teoria dos Neutral Principles of Constitutional Law: teoria norte-americana que
prega a neutralidade na aplicação da norma fundamental, isto é, havendo a mesma
causa deve advir a mesma aplicação.
1 Optou-se por utilizar alguns conceitos operacionais próprios, com uma significância própria e mais
aberta, a fim de que não houvesse uma redução do âmbito de abrangência e/ou incoerência com os argumentos expostos ao longo do trabalho. 2 MACKORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. São Paulo: Martins Fontes,. 2006. p. XIV e 19. 3 GUASTINI, Riccardo. Estudios de Teoría Constitucional. Mexico: Universidade Autonoma de México, 2001. p.30-33. 4 KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p,123-124.
9
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................. 11
ABSTRACT ............................................................................................................. 12
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 13
1 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ..................................................................... 19
1.1 Resgatando o conceito e a importância da jurisdição constitucional................. 19
1.2 Acepção sobre normas constitucionais: aplicação de regras e princípios ......... 28
1.3 Decisão judicial: justificação materialista e procedimentalista .......................... 37
1.4 Antecedentes e Consequentes da decisão judicial ........................................... 49
1.5 A importância da norma e da justiça constitucional .......................................... 59
2 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA EM SEDE DE JURISDIÇÃO ............................. 69
2.1 Argumentação jurídica como imposição constittucional .................................... 76
2.2 O conteúdo da argumentação como aspecto da técnica judicial ...................... 84
2.3 A lógica como método para uma argumentação jurídica coerente ................... 94
2.4 Argumentação Constitucional como legitimadora da jurisdição ..................... 104
2.5 Discricionariedade argumentativa: entre Hart e Dworkin ................................ 115
3 TEORIA DOS NEUTRAL PRINCIPLES OF CONSTITUTIONAL LAW ........... 123
3.1 Aspectos gerais e históricos ............................................................................ 123
10
3.2 Neutral Principles e a revisão judicial .............................................................. 127
3.3 Neutral Principles e as bases para a revisão judicial ...................................... 132
3.4 Neutral Principles: algumas avaliações da revisão judicial ............................. 138
3.5 Neutral Principles e suas críticas ................................................................... 141
3.6 Análise da ADPF n.186 sob a perspectiva dos Neutral Principles ................. 145
CONCLUSÕES ..................................................................................................... 173
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ............................................................ 176
11
RESUMO
A presente Dissertação está inserida na linha de pesquisa: Constitucionalismo e
Produção do Direito.
A função jurisdicional do STF é de extrema importância para a nação, porque na
condição de guardião da Constituição é ele quem dá a palavra final sobre sua
interpretação. Assim, num cenário de crescente demanda constitucional, vê-se uma
necessidade de que as decisões da corte constitucional possuam robustez
argumentativa, a fim de que sirvam de paradigmas para casos futuros.
Contudo, a doutrina nacional, por diversas ocasiões, não conseguiu encontrar
argumentos técnicos suficientemente sólidos que justificassem as decisões tomadas
pela corte suprema. Tal situação rende inúmeras críticas ao STF, em especial ao
decidido na ADPF 186 (cotas raciais).
Assim, propõe-se a utilização da Teoria norte-americana dos Neutral Principles of
Constitutional Law. Esta apresenta um método lógico-racional para a elaboração da
decisão judicial, chamado de neutralidade. Assim, o raciocínio jurídico passa a ser
regido por uma atuação que veda a incoerência lato sensu.
Ao final, analisam-se, sob a perspectiva da teoria supra, os argumentos expostos
pelo STF em alguns leading cases, em especial na ADPF n.186, a fim de verificar se
estas podem levar a decisões judiciais mais coerentes.
Palavras-chave: Constituição, decisão judicial, argumentação, Teoria dos "Neutral
Principles of Constitutional Law".
12
ABSTRACT
This Dissertation is part of the line of research: Constitutionalism and Production of
Law.
The Jurisdiction of the Supreme Court is of the utmost importance to the nation,
because as the guardian of the Constitution, it has the final say on its interpretation.
Thus, in a scenario of growing constitutional demand, we see a need for the
decisions of the constitutional court to have argumentative strength, in order to serve
as paradigms for future cases.
However, the national doctrine, on several occasions, has been unable to find
technical arguments to justify the decisions of the Supreme Court. This situation has
led to numerous criticisms of the Supreme Court, in particular the decision,
particularly in the ADPF 186 (racial quotas).
Thus, the use of American Theory Neutral Principles of Constitutional Law is
proposed. This presents a logical and rational method for the preparation of the court
decision, called neutrality. Thus, legal reasoning becomes governed by an act that
seals the lato sensu incoherence.
At the end, we analyze, from the perspective of the above theory, the arguments put
forward by the Supreme Court in some leading cases, especially in ADPF n.186, in
order to determine whether these can lead to more consistent judicial decisions.
Keywords: Constitution, judicial decision, argumentation, Theory of Neutral
Principles of Constitutional Law.
13
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como objeto analisar, pela teoria dos Neutral
Principles à luz da Constituição, a necessidade de uma argumentação jurídica da
decisão judicial que contenha critérios que permitam resolver a demanda de maneira
objetiva.
Para delimitar o tema será abordada a dimensão metodológica da
argumentação jurídica em sede de jurisdição constitucional na busca da
racionalidade argumentativa. Dessa forma, aspectos que antecedem e que emergem
da decisão serão analisados.
O objetivo institucional é obter o título de Mestre em Ciência Jurídica pelo
programa de Mestrado em Ciência Jurídica do curso de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Ciência Jurídica (CPCJ/Univali).
O objetivo geral é evidenciar, de acordo com a lei, com a doutrina e
com a jurisprudência, critérios para que o julgador produza uma decisão baseada
nas normas e valores que a Constituição elegeu e protegeu.
Os objetivos específicos são: 1) Identificar e analisar se há limites, e quais
são, à produção da decisão judicial em sede de jurisdição constitucional; 2)
Identificar e analisar as condições e variáveis que precedem a decisão judicial no
seu aspecto argumentativo; 3) Identificar e analisar alguns critérios que poderiam ser
úteis a estruturação da decisão judicial, em especial a "Teoria dos Neutral Principles
of Constitutional Law"5; 4) Analisar se a partir desses critérios a argumentação
utilizada nas decisões do STF, em especial na ADPF 186, poderiam ter algum
acréscimo no que tange a objetividade e previsibilidade das decisões judiciais.
Parte-se da crítica doutrinária6 que enfatiza, há longo tempo, que algumas
decisões judiciais do STF apresentam uma falha7 argumentativa. Tal se apresenta
5 tradução livre: Teoria do princípios neutros da Constituição. 6 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência Política. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002; BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001; SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002 ; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de
14
ora como falta de consistência e ora como falta de coerência com o texto
constitucional. Tal se revela mais comum naqueles casos em que esse tribunal atua
no campo dos direitos fundamentais. Nessa perspectiva a decisão do STF na ADPF
186 foi tomada como objeto de análise8. Primeiro, porque é um leading case muito
importante no que tange a concretização de direitos fundamentais. Segundo, porque
recebeu inúmeras críticas doutrinárias quanto a sua justificação argumentativa.
Se a função do STF é a de ser o guardião da Constituição, ele não pode
produzir nenhuma decisão que importe em aplicação parcial da mesma. De igual
modo deve respeitar as competências que a Constituição delimitou. Bem como
pautar-se em produzir decisões objetivas, com uma carga de neutralidade que
permita transmitir segurança jurídica à população. A crítica doutrinária mantém
atualidade frente a assunção, cada vez maior no país, do sistema de precedentes
judiciais9.
Há uma relação direta entre o sistema argumentativo das decisões e o novo
modelo de adoção de precedentes. A Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, que
instituiu o novo código de processo Civil, trouxe o sistema de julgamento por
precedentes. A adoção de precedente é um modelo da common law10 na qual uma
Souza. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002; MELLO, Cláudio Ari. Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição Constitucional Democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2004; STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002; MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011; SILVA, Álisson da. A Reclamação 4.335-5 AC uma crítica ao realismo jurídico presente na atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a proposta de Ronald Dworkin do Direito como Integridade. http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/2_2008/Discente/Alisson%20-%20artigo.pdf; SILVA, Maria Coeli Nobre da ; PASSOS, Daniela Veloso Souza. ADPF-54: Crítica à Hermenêutica Constitucional adotada e suas repercussões civis. Disponível em http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=9752d873fa71c19d; Alves Jr., Luís Carlos Martins. O ativismo judicial da “República togada” e o princípio da legalidade na “democracia parlamentar”: uma breve análise crítica acerca de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, sob as luzes da separação dos Poderes e da soberania popular, 27 International Law, Revista Colombiana de Derecho Internacional, 167-198 (2015). http:// dx.doi.org/10.11144/Javeriana.il15-27.oajr; SÃO JOSÉ, Fernanda Moraes; AZEVEDO, Jordano Soares. Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) n. 54: análise e crítica. Disponível em http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article/view/1598/1348, acesso em 20 de junho de 2015. 7 Falha é entendida, aqui, como carência de razões jurídicas que justifiquem de maneira convincente que a Constituição teve a melhor interpretação possível, no que tange aos fins e objetivos da República, na máxima efetividade das normas constitucionais e da força normativa da Constituição. 8 Não obstante, outras decisões do STF em matéria constitucional foram analisadas no capítulo 3. 9 Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/15. 10 KELLY, John Maurice. Uma breve História da teoria Geral do direito Ocidental. São Paulo: Martins Fontes, 2010.p.411.
15
lide é julgada com fundamento em decisões judiciais anteriores que versavam sobre
o mesmo assunto. Parte-se da velha parêmia latina stare decisis et non quieta
movere11, segundo a qual casos iguais devem ser decididos da mesma forma.
Assim, o julgamento que precede deve guiar os julgamentos futuros12. Nesse
sistema ainda vige a obrigatoriedade13 de seguir a fundamentação que embasou os
precedentes. O objetivo desse sistema é a segurança jurídica, pois o mesmo fato
terá o mesmo tratamento jurídico no futuro.
Mas para se chegar a formação de um precedente que seja justo14 e
previsível é imperioso que a fundamentação do mesmo seja consistente. É
importante, ainda, fazer mais uma pequena intervenção quanto ao precedente para
dizer que este era essencial para evitar a discricionariedade arbitrária dos juízes15.
Percebe-se como são importantes os fundamentos da decisão jurídica e como eles
serão racionalizados através da argumentação jurídica a fim de que possam revestir-
se de lógica, coerência e prudência. Analisa-se, então, a teoria dos Neutral
Principles a fim de verificar se a mesma traz elementos que possam ser aplicados
na jurisdição constitucional brasileira.
Um outro aspecto que deve ser destacado é que a teoria supra pode ser
vista sob dois aspectos, quais sejam, o da interpretação e o da argumentação. No
primeiro busca-se extrair do texto constitucional o sentido e o limite que lhe é
inerente. Entretanto, é na argumentação que repousam as razões da decisão. Ali se
pode avaliar a justeza do raciocínio e se a decisão pautou-se por uma boa
interpretação.
Tem-se, assim, que a argumentação é etapa posterior a interpretação e
imposição constitucional de justificar as decisões judiciais, a análise concentra-se
nesse aspecto.
11 Tradução livre: mantenha a decisão e não mexa mais no que está quieto. 12 BLACKSTONE, William. Commentaries on the laws of England. Oxford: Clarendon Press 1765 (ebook). p.295. 13 Conhecido como binding precedent. 14 Justo aqui é tido como adequação do fato à norma constitucional de forma que a Constituição possua maior eficácia possível para o maior número de pessoas. Tudo sob o manto do sistema democrático e republicano. 15 LEE, Thomas R. Stare Decisis in historical perspective: from the founding Era to the rehnquist Court. Vanderbilt Law Review, n.52, 1999. p 647-736.
16
Para a pesquisa foram levantadas as seguintes hipóteses:
a) Que as decisões judiciais do STF têm sido alvo de constantes
críticas doutrinárias quanto a carência de argumentos
jurídicos, formal e materialmente, sólidos.
b) Que a Constituição Federal é condicionante do sistema
jurídico. E Como tal impõe-se a todos os Poderes da
República. Que ali estão expostos os diversos valores que
conduzem a nação aos objetivos que a própria Constituição
esclarece.
c) Que uma argumentação é espécie da fundamentação e
dentro da ciência do direito há de ser jurídica, porque assim o
impõe a Constituição, considerada a função técnica do Poder
Judiciário. Que a preocupação apenas com aspectos formais
ou materiais da norma constitucional, de forma isolada, não
conduz a um bom resultado.
d) Que a teoria dos Neutral Principles agrega esses parâmetros
que estão na Constituição e impõe aos juízes um rigoroso
método de produção e análise do resultado dessa decisão
judicial.
O resultado do trabalho de exame das hipóteses está exposto na presente
dissertação, de forma sintetizada, como segue:
Principia–se, no Capítulo 1, com uma análise da crítica doutrinária aos
argumentos que fundamentam as decisões judiciais do STF. Em seguida inicia-se
uma análise da Jurisdição Constitucional, seus limites e seus objetivos. Destaca-se a
necessária análise material das normas constitucionais, a fim de extrair-se um
argumento sólido e neutro. Verifica-se a dicotomia entre aplicação da norma e
realização da justiça. Busca-se verificar se os antecedentes da decisão judicial se
revelam importantes para embasar os argumentos da decisão. Verifica-se se as
consequências da decisão devem ser levadas em consideração como elemento de
correção do uso de certos argumentos. Assim, neste capítulo se procura delinear e
analisar os objetivos específicos de números um e dois.
17
O Capítulo 2 dedica-se a analisar aspectos da argumentação16 jurídica,
como sua obrigatoriedade no sistema jurídico brasileiro. Analisa-se se está possui
algum condicionamento de conteúdo posto pela Constituição. Em seguida verificam-
se alguns aspectos da argumentação lógica formal e material, como método para
que o raciocínio jurídico não se perca pelas veredas do irracionalismo. O objetivo
específico número três é tratado neste capítulo, ou seja, procura-se identificar e
analisar quais são e de que maneira os critérios argumentativos poderiam ser úteis a
estruturação da decisão judicial.
O Capítulo 3 trata de analisar e identificar aspectos da Teoria dos Neutral
Principles úteis à argumentação jurídica da decisão judicial. Em seguida se analisam
os argumentos que o STF aplicou ao julgar a ADPF-186 sob a perspectiva da teoria
supra, a fim de verificar se os argumentos possuíam solidez jurídica, assim
considerada sua racionalidade lógica. Este capítulo encerra o objetivo específico
número quatro, qual seja, analisar se a aplicação da Teoria dos Neutral Principles
poderia contribuir para uma melhor racionalidade argumentativa exposta na ADPF
186. Vista está no aspecto apenas da argumentação utilizada pelo STF, sem
adentra-se quanto ao mérito do decidido.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações
Finais, nas quais são sintetizadas as contribuições da teoria dos Neutral Principles à
argumentação jurídica e à concretização da real vontade constitucional.
O Método utilizado na fase de Investigação foi o indutivo17, na fase de
tratamento dos dados foi o método cartesiano, e o relatório de dados, expresso na
presente dissertação, é composto na base lógico indutiva18. As técnicas de
investigação utilizadas foram as técnicas do referente, da categoria, do conceito
operacional e da pesquisa bibliográfica19.
16 Observe-se no rol de conceitos operacionais o conceito que é adotado para o termo argumentação. 17 Forma de “(...) pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de forma a ter uma percepção ou conclusão geral (...). PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: ideias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8. ed. rev. Florianópolis: OAB/SC; coedição OAB Editora, 2003, p. 69 18 Sobre os Métodos e Técnicas nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: ideias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8. ed. rev. Florianópolis: OAB/SC; coedição OAB Editora, 2003. p. 86-106. 19 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8. ed. rev. Florianópolis: OAB/SC; co-edição OAB Editora, 2003. p. 86-106.
18
Nesta dissertação as categorias principais estão grafadas com a letra
inicial em maiúscula e os seus conceitos operacionais são apresentados na lista de
categorias no início da dissertação após o mapeamento das categorias
primárias, além da indicação das principais abreviaturas utilizadas no presente
trabalho.
19
CAPÍTULO 1
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
Procura-se analisar a importância da jurisdição constitucional, dentro de
um conceito amplo, tendo em vista que a decisão judicial do STF se forma dentro
dessa atividade estatal que tem diversos fins. Decisão esta que tem fins definidos no
próprio conceito de jurisdição constitucional. Destaca-se, desde já a finalidade de
preservar os valores liberdade e igualdade20 que a Constituição assegurou.
Dessa maneira, se a doutrina tece críticas21 a essa atuação jurisdicional,
importa analisar se ela possui algum tipo de limite no seu mister de concretizar
valores que a Constituição elegeu como prevalentes dentro do Estado de Direito.
Para tanto se entende que jurisdição constitucional é a função jurisdicional
do STF de assegurar a força normativa da lei fundamental, ainda que sem efeito
vinculante e inter partes22. Adota-se tal conceito porque a definição e o alcance que o
STF dá aos dispositivos da Constituição Federal, ainda que em caso concreto
individual, na prática gera um efeito de acatamento aos órgãos inferiores do Poder
Judiciário.
1.1 RESGATANDO O CONCEITO E A IMPORTÂNCIA DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL
A problematização deste trabalho repousa na análise da crítica que a
doutrina faz da falta de coerência/consistência argumentativa em algumas decisões
20 MENDES, Gilmar Ferreira. A Jurisdição constitucional no Brasil e seu significado para a liberdade e a igualdade.Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaartigodiscurso/anexo/munster_port.pdf, acesso em 15 de março de 2016. 21 Em especial a decisão proferida pelo STF na ADPF 186 (cotas raciais), que trata como matéria de fundo o direito à igualdade. 22 Expressão latina que indica que a força da decisão judicial fica circunscrita apenas às partes da demanda, não atingindo terceiros, ainda que interessados.
20
do Supremo Tribunal Federal. Para tanto é necessário pesquisar, neste primeiro
capítulo, sobre seus componentes principais: Constituição e decisão judicial. Bem
como de seus corolários: interpretação, justificação, conseqüências jurídicas da
decisão judicial e justiça da decisão. Procura-se neste capítulo identificar e analisar
se há limites, e quais são, à produção da decisão judicial em sede de jurisdição
constitucional. Bem como identificar e analisar as condições e variáveis que
precedem essa decisão. Contudo, não se analisa a matéria de fundo, a interpretação
do direito fundamental23, mas sim sua aplicação. É está, por meio da argumentação,
que permitirá verificar aspectos de coerência, racionalidade e segurança jurídica da
decisão em sede de jurisdição constitucional.
Há em toda a comunidade, em todos os corpos sociais, certa virtude de
organização intrínseca para a qual somente existe uma explicação, um processo: o
direito. Por mais primitivo que seja o grupo social, a sociedade, ou por mais
desorganizado e periclitante, nele há de se encontrar o direito24.
O sistema jurídico dos estados de direito é um conjunto de normas
jurídicas (regras e princípios), com certo grau de ordem e coerência, entendido como
um produto histórico.
Desde o seu surgimento o direito é resultado da evolução social de um
povo. E, é no contexto histórico que uma determinada sociedade o escolhe. Assim, o
direito era, e é, dentro de uma realidade mutável de culturas, valores, metas e
virtudes. Por conseguinte assume vários significados. Some-se a isso o aspecto
subjetivo, isto é, as pessoas que o usam, desde os cidadãos até os juristas, o
interpretam dentro da sua sociedade, educação e cultura25, com uma base histórica
ampla e profunda26.
23 In casu, direito fundamental à igualdade. 24 MIRANDA, Pontes. Sistema de Ciência positiva do Direito. Tomo I. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972. p. 75-76. 25 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da
constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição,
Tradução Gilmar Ferreira Mendes, Reimpressão, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002. 26 FIORAVANTI, Maurizio. Los derechos fundamentales: apuntes de historia de las
Consticuciones. 5. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2007. p.21.
21
Havendo, então, em todas as sociedades certa virtude de organização
intrínseca para a qual o direito passa a ser processo de integração de todos os
corpos sociais ali presentes.
Segundo Bonnecase27 o direito é um corpo de regras e instituições
jurídicas. É por excelência uma disciplina, posto que impõe suas ideias diretrizes em
um domínio social com objetivo de realizar a harmonia social. De igual pensar é o
conceito de Kantorowicz28.
O Direito é uma das adaptações do homem à vida em sociedade. As leis
estabelecem a possibilidade pura, que pode vir a ser, ou não. O direito consuma-se
nas relações jurídicas, nos fenômenos jurídicos, como a virtude das ações, a
verdade nos objetos, etc. Aos que têm certos defeitos de adaptação, a lei lhes
impõem coação como meio de garantir a coesão social de maneira organizada29.
Assim, o direito estruturou-se em normas, costumeiras ou positivadas. E
estas, por sua vez, estabeleceram estruturas hierarquizadas de orientação e força
de comando. Sendo que no ápice dessa estrutura encontramos a Constituição
Federal.
Tem-se que o direito constitucional é um ramo da ciência que propicia o
conhecimento da organização fundamental do Estado. Portanto, refere-se à
estruturação do poder político, seus contornos jurídicos e limites de atuação (direitos
humanos fundamentais e controle de constitucionalidade).
Segundo Canotilho30, o Direito Constitucional é um intertexto aberto, ou
seja, deve muito a experiências constitucionais, nacionais e estrangeiras; no seu
espírito transporta ideias de filósofos, pensadores e políticos. Contudo, não se
dissolve na história, sendo vigente e vivo. No mesmo sentido diz Paulo Bonavides
27 BONNECASE, J. Introduccion al estudio Del Derecho. Vol. I. Puebla: Editorial José M.Cajica Jr,
1944. p.33. 28 KANTOROWICZ, Hermann. La Definición del Derecho. Madrid: Revista de Occidente, 1964. p.44. 29 MIRANDA, Francisco Xavier Pontes de. Sistema de Ciência positiva do Direito. Tomo II. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972. p.129. 30CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.7a.ed.Coimbra:
Almedina, 2003. p.45-52.
22
que o direito constitucional corresponde, sem epíteto nem determinativo,
logicamente a qualquer conjunto de normas que venham a governar uma
coletividade humana31.
Entender o direito constitucional vigente implica compreender seu objeto:
a Constituição32. Para tanto se faz necessário entender não só o que ela é, em
sentido formal e material, mas o papel que ela assume no ordenamento jurídico.
A Constituição é a ordem jurídica fundamental da sociedade. Contém os
procedimentos para resolver os conflitos internos dessa. Regula, também, a
organização e procedimento da formação da unidade política. Cria as bases e
determina os princípios da ordem jurídica em seu conjunto. Porém, não é uma
unidade sistemática e cerrada33. É um tipo lógico-axiomática, baseada numa
hierarquia de valores. Sem embargo, seus elementos interagem numa situação de
mútua interação e dependência. E apenas um jogo global de todos, produz o
conjunto da conformação concreta da sociedade por parte da Constituição34. Esta,
não obstante suas diversas concepções, mantém um núcleo permanente, isto é, a
ideia de um princípio que determina por inteira a ordem estatal e a essência da
sociedade constituída por essa ordem35.
Em última palavra, a Constituição é a consolidação da vontade do povo
na formação de ideais e valores para uma unidade estatal. O direito não pode ser
desligado da sua existência e da atuação humana, não pode ser colocado acima
deles. Se assim o for, será considerado como algo pré-existente, como algo artificial
e desconectado da objetividade dos valores humanos.
Também não devem ficar indeterminados os fundamentos de ordem da
sociedade, pois ali se estabelece com caráter vinculante, tanto os princípios retores
31 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional.15a. ed. São Paulo: Malheiros. p.41. 32HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de estudos constitucionales, 1983. p. 3. 33 Dizia Pontes de Miranda que o que há de imutável no direito é o fenômeno, o processo social de adaptação- uma constante da harmonia social apud Sistema de Ciência Positiva do Direito, Tomo I, p. 78. 34HESSE, Konrard. Escritos de Derecho Constitucional. p.18. 35 KELSEN, Hans. La Garantía Jurisdicional de La Constitución. México: Universidadd Nacional Autónoma de México, 2001. p. 20-21.
23
de formação da unidade política e da fixação das tarefas estatais, bem como as
bases do conjunto do ordenamento jurídico. Ditos fundamentos devem ficar
subtraídos da luta constante dos grupos e tendências mutáveis. Criando-se, assim,
um núcleo estável que já não se discute, que não é discutível, e que não precisa de
novo acordo e nova decisão. Dessa forma, a Constituição pretende criar um núcleo
estável daquilo que deve considerar-se decidido, estabilizado e entendido36.
Não obstante, as Constituições devem ser abertas, porque as sociedades
historicamente vivem em constantes mudanças. Essa amplitude e indeterminação da
Constituição não se opõe à existência de núcleos perenes. Ela não se limita a
deixar aberto senão aquilo que estabelece com caráter vinculante, o que não deve
se deixar aberto37.
Assim sendo, a finalidade da norma jurídica constitucional é manter a
situação social existente. Se varia a circunstância, varia também a leitura que se faz
dessas normas, sem que mude a quaisquer delas o caráter equilibrante e
conservador. Há uma união indissociável com o passado e que se fixa na
continuidade da necessária evolução dos fenômenos sociais e jurídicos. Dessa
forma se mantém aquela mesma solidariedade no tempo, que produz a conexão
orgânica das instituições jurídicas com o caráter do povo e as íntimas necessidades
do corpo social38.
Num aprofundamento da questão, temos que a norma constitucional não
se confunde com o seu texto, abrange também o fragmento da realidade sobre o
qual esta incide. É evidente que nem toda mudança na Constituição supõe alteração
textual. Mudanças significativas na sociedade, seja no quadro fático, seja no
universo dos valores compartilhados pelos cidadãos, podem provocar câmbios
constitucionais, sem que haja qualquer mudança formal do texto39.
36 HESSE, Konrard. Escritos de Derecho Constitucional. p.20. 37 HESSE, Konrard. Escritos de Derecho Constitucional. p.19. 38 MIRANDA,Francisco Xavier Pontes de. Sistema de Ciência positiva do Direito. Tomo I. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1972. p.79-80. 39 SARMENTO, Daniel; NETO, Cláudio Pereira Souza. Direito constitucional-Teoria, História e Métodos de Trabalho. 2a. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p 339.
24
Ademais, o ordenamento jurídico é escalonado, e a norma-mor, a
Constituição, traz um núcleo duro, com diretrizes, princípios e políticas para a
condução da sociedade e do Estado com coesão e segurança. A jurisdição ao fazer
essa ligação entre a Constituição e o povo não pode perder de vista tais diretrizes.
Não se esquecendo que o núcleo duro só é passível de alteração por outra
Constituição.
Dessa maneira, a jurisdição (jurisdictio, jus dicere ou juris dictio) é tida
como uma forma de aplicação da lei constitucional, é o poder de julgar, de dizer o
direito40. Esta passa a prever uma solução a priori, um standard a ser observado.
Passa a ser um “comando estratificado, abstrato e absolutamente coercitivo41”, na
qual não é permitida uma solução estabelecida de maneira inovadora. Os
comandos, postulados e diretrizes da Constituição são conhecidos anteriormente a
sua concreção. E qualquer alteração de sentido (mutação constitucional) deve ser
aplicado com extrema cautela. Postulados de segurança jurídica, estabilidade social
e objetividade assim o impõem.
A jurisdição constitucional é um elemento do sistema de medidas
técnicas, que tem por fim garantir o exercício regular das funções estatais,
ressaltando que a função política da Constituição é estabelecer limites jurídicos ao
exercício do poder42.
Por consequência, quando se fala em jurisdição constitucional deve se ter
a exata noção dos valores consagrados nas regras e princípios da Constituição. No
caso, os valores que ela consagrou como dirigentes da nação, daí o papel de
extrema relevância daqueles que assumem a tarefa de dizer o direito constitucional.
Dessa posição ímpar que a jurisdição constitucional assume, qual seja,
interpretar as normas constitucionais positivadas e confrontá-las com as mudanças
40 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico.7a.ed. vol. 4. Rio de Janeiro:Forense,1982. p.27. 41 AGUIAR, Roger Silva. O positivismo e o pós-positivismo na criação e aplicação do Direito civil brasileiro. In: MELLO, Cleyson M. Novos Direitos: os paradigmas da pós-modernidade. Niterói: Impetus, 2004. p.146. 42 KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.13.
25
sociais já ocorridas, é que advém as preocupações doutrinárias43 de como se deve
dar essa missão.
Considerando-se que a Constituição não é uma estrutura jurídica fechada
e que possui princípios como normas jurídicas constitucionais, traz a compreensão
ou percepção de que o sentido que se lhe atribui, que conduz a concretização
constitucional, não pode resultar em arbitrariedade. Pois deve respeitar os limites
traçados pelas próprias normas constitucionais, o que se dá por meio de uma forte
argumentação jurídica, que legitima o processo concretizador44.
Essa força normativa da Constituição é condicionada, em parte, pela
vontade constante dos implicados no processo constitucional de realizar o conteúdo
dessa. Porque a Constituição, como toda ordem jurídica, precisa de atualização por
meio da atividade humana. Mas a força normativa também depende da disposição
para considerar como vinculantes seus comandos e da resolução de realizar estes
conteúdos inclusive frente às resistências45. Dessa forma esse processo de atualizar
a Constituição por meio da interpretação enfrenta limites postos na própria lei
suprema e na observância histórica da sociedade. E essa é ditada, em última
palavra, em uma só instância constitucional, a instância legislativa, in casu, o poder
constituinte46.
Diz Guastini47 que um ordenamento jurídico constitucionalizado se
caracteriza por uma Constituição extremamente invasora, intrometida (persuasiva),
capaz de condicionar tanto a legislação como a jurisprudência e o estilo da doutrina,
a ação dos atores políticos, assim como as reações sociais. Assim, toda norma
constitucional é genuína, vinculante e suscetível de produzir efeitos jurídicos.
43 ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito. São Paulo: Landy, 2003; GADAMER, Georg. Verdade e Método. Petrópolis: editora Vozes, 1999; VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Brasília: Unb, 1999; ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo.3ª.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. 44 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo I. Coimbra: Coimbra editores, 1997. p. 142-143. 45 HESSE, Konrard. Escritos de Derecho Constitucional. p.28. 46ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil. Tradução de Marina Gascón. 7. ed. Madrid: Trotta,
2007. p.33. 47 GUASTINI, Ricardo. La Constittucionalización del Ordenamento Jurídico In CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo (s). 4a.ed. Madrid: Trotta, 2009. p. 49 e 53.
26
Dessa característica “persuasiva” da constituição se extraem duas
conclusões: uma, que a jurisdição constitucional não está acima da Constituição; e
outra, que a jurisdição constitucional não pode tudo, isto é, não pode criar normas
constitucionais. Logo, não se deve estranhar que ali onde a ciência não cumpre sua
função, a jurisprudência constitucional tampouco oferece uma resposta concludente.
De igual modo, não é tarefa da jurisprudência dar uma resposta direta. Para a
jurisprudência a compreensão da Constituição nada mais é que um fundo sobre o
qual questões devem ser resolvidas. As considerações que determinam esse fundo
pode ser que não apareçam desenvolvidas expressamente em toda a sua extensão
nos fundamentos jurídicos da sentença48.
Mas, a compreensão da Constituição não é só forma, explica Hesse: Dadas estas limitaciones la comprensión de la constitución por parte del Tribunal Constitucional Federal aparece ante todo caracterizada por ser una comprensión no formal sino de contenido; la constitución es concebida como una unidade material. Estos contenidos suyos son calificados frecuentemente como valores fundamentales, previos al ordenamiento jurídico positivo, los cuales, mediante la recepción de las tradiciones de la democracia parlamentar ia liberado representativa, Estado de Derecho Liberal, estado federal y la incorporación de nuevos princípios como en especial el del Estado Social, han quedado unidos por obra de las decisiones dele constituyente en un ordem de valores. Constituyendo um ente estatal que, si bien es ideologicamente neutral, no es neutral ante ditos valores.49
Por conseguinte, o objetivo a perseguir é uma unidade política do Estado.
Porque este e o poder estatal não podem ser dados por supostos como algo
preexistente, apenas adquirem realidade na medida em que conseguem reduzir a
uma unidade de atuação estável os múltiplos interesses, aspirações e formas de
conduta existentes na realidade da vida humana. Assim, consegue produzir unidade
jurídico-política. Esta redução, que é desempenhada pela jurisdição constitucional,
se trata de um processo contínuo por ele mesmo desenvolvido sempre como um
objetivo, que vem imposto no sentido de que a convivência humana estável e
48 HESSE, Konrard. Escritos de Derecho Constitucional. p.4-5. 49 HESSE, Konrard. Escritos de Derecho Constitucional. p.5.
27
pacífica só é possível em um Estado de Direito e através desse Estado50.
A jurisdição constitucional, portanto, deve observar que a Constituição é
mais que um texto, é um fenômeno construído historicamente como produto de um
pacto constituinte51. Nesse sentir, suas normas devem ser interpretadas com
observância desse balizamento. Sejam regras ou princípios constitucionais, ambos
devem, por certo, objetivar a harmonia social e por consequência a unidade
nacional.
Realçada a importância da jurisdição constitucional, temos que esta detém
o monopólio da última palavra quanto a interpretação constitucional, e possui papel
muito relevante à nação. É esta que concretiza as normas constitucionais, dando-
lhes um sentido unificador. A Suprema Corte Constitucional já expressou sua
preocupação quanto a importância dessa missão52.
Cabe, neste momento, observar e analisar esse processo de interpretação
e concretização das normas constitucionais que passa pela compreensão teórica da
estrutura e função das regras e princípios constitucionais. Pois, sem essa adequada
compreensão, há o risco de que a interpretação da Constituição, exposta na
justificação da decisão judicial, seja apenas a do julgador e não da própria
Constituição53. Afigura-se, também, de muita importância tal análise porque as
decisões do STF em sede de jurisdição constitucional frequentemente utilizam uma
base principiológica como argumento de fundamentação, já que tal vai ao encontro
da Teoria dos Neutral Principles of Constitutional Law. Identificada a importância da
jurisdição constitucional para a nação, percebe-se que resultam limites a essa
atuação, quais sejam, coerência, consecução dos fins constitucionais de maneira
mais ampla e estabilidade do corpo social. Afigura-se imperioso analisar as normas
constitucionais e identificar possíveis limites à decisão judicial em sede de jurisdição
constitucional.
50 HESSE, Konrard. Escritos de Derecho Constitucional. p.8. 51STRECK, Lênio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica- Uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 179. 52 STF, MS 26.603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. 53 STRECK, Lênio, et alli. Garantismo, Hermenêutica e (Neo)constitucionalismo- Um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.75-77.
28
1.2 ACEPÇÃO SOBRE NORMAS CONSTITUCIONAIS: APLICAÇÃO DE REGRAS
E PRINCÍPIOS
Como assentado anteriormente, a jurisdição constitucional se apoia na
Constituição Federal. E esta, por sua vez, possui normas jurídicas54 que são
compostas de regras e princípios, cuja observância se faz vinculante para o
intérprete. Uma boa jurisdição constitucional passa por bem compreender essas
estruturas jurídicas e aplicá-las de maneira sistemática, a fim de se evitar
incoerências, contradições, ilogicidades e desarmonia social.
Todo enunciado, formalmente normativo, desempenha uma função
prescritiva55. Porém, deve-se observar a advertência que a doutrina faz de que texto
normativo não é o mesmo que norma56. Regras e princípios estão no plano da
norma (significado), sendo que esta se situa entre o plano do texto normativo
(significante) e o do fato jurídico (referente). Assim as próprias normas jurídicas só
são produzidas no decurso da solução do caso5758. Tal distinção metodológica tem
especial relevância para a interpretação que a corte constitucional faz e para os
argumentos que usa.
Assim, há uma vinculação clara do jurista, no mínimo, ao texto normativo,
sendo que em sede de jurisdição constitucional não há como declarar uma norma
constitucional originária de inconstitucional.
54 MENDES, Gilmar et alli. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília:
Brasília Jurídica, 2000. p 37. 55 VERNENGO, Roberto José. Curso de Teoria General del Derecho. 2a. ed. Buenos Aires:
Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales,1976 p. 127. 56 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 3-6. 57 GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a Interpretação e Aplicação do Direito.4a. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006. p. 32. 58 No mesmo sentido ver MÜLLER, Friederich que diz que a norma é construída, pelo intérprete no decorrer do processo de concretização do direito in Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. 3ª. ed. 2005. p 62.
29
Na percepção de Hobbes59 o legislador não é aquele por cuja autoridade
as leis pela primeira vez foram feitas, mas aquele por cuja autoridade elas continuam
a ser leis.
Riccardo Guastini60, destaca o conteúdo de uma Constituição:
En el lenguaje común, como también para la teoría de las fuentes, el término “Constitución” es comúnmente utilizado para designar un específico documento normativo —es decir, un texto formulado en una lengua natural y expresivo de normas (jurídicas)— que formula y recoge, si no todas, al menos la mayor parte de las normas materialmente constitucionales de un ordenamiento determinado.
A doutrina, há muito, sedimentou o entendimento de que por normas
jurídicas se tem o gênero de uma categoria, do qual são espécies as regras e os
princípios jurídicos. Cabe colocar, então, como essa doutrina estabelece a diferença
entre essas duas espécies. Destacando-se, desde já, que tal diferenciação é de
extrema importância para a decisão judicial, que as utilizará tanto na interpretação
da Constituição, como nos argumentos da decisão judicial.
Não obstante não se tenha mais dúvidas de que os princípios sejam
normas jurídicas, a doutrina não chegou a consenso sobre a que coisas se pode
atribuir o nome de princípios61. A questão é como caracterizá-los. Apontam-se como
critérios que estes se permeiam por todo o ordenamento e exigem para sua
aplicação adequação e conformidade. Seu significado só pode ser extraído da sua
aplicação ao caso concreto. Pois, no plano abstrato os princípios vivem em
constante conflito. Nesse sentido argumentar que, por exemplo, o princípio de
igualdade é apto a resolver qualquer caso de discriminação é falacioso. Princípios
não se prestam a isso, são comandos de otimização ou diretivas que podem ou não
ser aplicados ao caso concreto.
59 HOBBES, Thomas. Leviathan. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. p. 219. 60 GUASTINI, Riccardo. Estudios de Teoría Constitucional. Mexico: Universidade Autonoma de México, 2001.p.34. 61 OTTO, Écio; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e Positivismo Jurídico: As faces da teoria do direito de interpretação moral da Constituição.3a.ed.Florianópolis: conceito, 2012. p.90.
30
Ao abordar estudos sobre regras e princípios Robert Alexy62 se posiciona:
Las reglas son normas que ordenan algo definitivamente. Son mandatos definitivos. En su mayoría, ordenan algo para el caso de que se satisfagan determinadas condiciones. Por ello, son normas condicionadas. Sin embargo, las reglas pueden revestir también una forma categórica. Un ejemplo de ello sería una prohibición absoluta de tortura. Lo decisivo es, entonces, que si una regla tiene validez y es aplicable, es un mandato definitivo y debe hacerse exactamente lo que ella exige. Si esto se hace, entonces la regla se cumple; si no se hace, la regla se incumple. Como consecuencia, las reglas son normas que siempre pueden cumplirse o incumplirse. Por el contrario, los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, de acuerdo con las posibilidades fácticas y jurídicas. Por ello, los principios son mandatos de optimización. Como tales, se caracterizan porque pueden ser cumplidos en diferentes grados y porque la medida de cumplimiento ordenada depende no sólo de las posibilidades fácticas, sino también de las posibilidades jurídicas. Las posibilidades jurídicas se determinan mediante reglas y, sobre todo, mediante principios que juegan en sentido contrario. Los principios exigen la máxima realización posible, relativa tanto a las posibilidades fácticas como a las posibilidades jurídicas.
Já Humberto Ávila aponta que:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre construção conceitual da descrição e a construção conceitual dos fatos. Princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta como necessária à sua promoção63.
Numa acepção clara, princípios são mandamentos de otimização, ou seja,
normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das
condições fáticas e jurídicas existentes, razão pela qual a sua concretização
62 ALEXY, Robert. La formula del Peso in CARBONELL,Miguel. El Principio de proporcionalidade y la interpretación constitucional. Quito: Miguel Carbonell editor. 2008 . p. 14 e 15. 63 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição á aplicação dos princípios jurídicos. 4a.
ed. São Paulo: Malheiros editores, 2005. p. 70.
31
demanda sempre um juízo de ponderação de interesses opostos, à luz de uma
situação concreta64. Este ponto é sensível ao presente trabalho, qual seja, de que
um princípio constitucional deva ser realizado na maior medida possível. Tal relevo
guarda uma relação direta com a Teoria dos Neutral Principles, na medida esta
prega a aplicação uniforme dos princípios, quando as condições forem as mesmas.
Alguns doutrinadores65 entendem que os princípios são definidos como
normas mais gerais do que as regras. Outros que somente os princípios tem um
papel propriamente constitucional, isto é, constitutivo da ordem jurídica66. Há ainda
os67 que entendem que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma
de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, injúria grave a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura
mestra.
Para, Zagrebeslky68 os princípios determinam atitudes favoráveis ou
contrárias de adesão ou de repulsa, mas somente as regras poderiam ser
observadas e aplicadas mecanicamente e passivamente. Tal colocação é objetada
por parte da doutrina69 que alega que nem mesmo as regras podem ser aplicadas
pelo modo de subsunção clássico, porque a aplicação de regras nunca é somente
uma aplicação das regras: há necessariamente hierarquização concomitante e
decisiva de princípios.
64 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios
Constitucionales, 1993. p. 91‑92. 65 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito.São Paulo: Martins Fontes. 2006. p.8 e 48 e GUASTINI, Riccardo. Estudios de Teoria Constitucional. México: Universidad Nacional Autònoma de México, 2005. p. 190. 66 ZAGREBESKY, Gustavo. El Derecho Dúctil. Ley, Derechos, Justicia. sexta edición. 2005.
p.110. 67 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo, 1980. p. 104. 68 ZAGREBESKY, Gustavo. El Derecho Dúctil. Ley, Derechos, Justicia. sexta edición, 2005. p.116-119. 69 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 5a. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.
59.
32
Nesse contexto o que importa colocar é que princípios jurídicos se formam
através dessa experiência histórica e são e estão confirmados ou adequados pelas
mesmas. É a conformação do passado ao presente para geração do futuro70.
Quanto mais as modernas Constituições proclamam o princípio do
pluralismo político e social, mais as contraposições de normas-princípio se tornam
frequentes. E aqui pode ocorrer que a própria Constituição venha a desequiparar um
dos princípios em confronto, como se dá, no Brasil, com a prevalência dos “valores
sociais do trabalho” perante “a livre iniciativa”. E com a função social da propriedade
ante a propriedade mesma. Com essa ideia vestibular, destaca-se a importância dos
princípios para essa nova concepção de jurisdição em razão da pluralidade de
interesses preconizados em nossa Carta Magna e no mais das vezes,
antagônicos71.
É importante ressaltar que essa preocupação, realçada pela doutrina, tem
em perspectiva um dado de insuperável relevo político-jurídico. Tal consiste na
necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força normativa da
Constituição, que resulta da indiscutível supremacia, formal e material. As quais
revestem as normas constitucionais, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por
isso mesmo, hão de ser valorizadas em face de sua precedência, autoridade e grau
hierárquico72.
Conhecer as normas constitucionais, em especial os princípios,
constitucionais, que estão em voga, significa cumprir parte do papel que a própria
constituição exige do seu intérprete máximo. Qual seja, que o poder de inovar o
sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição
parlamentar. A propósito, o STF já decidiu em sucessivas e reiteradas decisões que
não é o legislador positivo73. De igual modo ao Supremo Tribunal Federal, em sede
de controle normativo abstrato, somente assiste o poder de atuar como legislador
70 HESSE, Konrard. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de estudos
constitucionales, 1983. p.15. 71 BRITO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro:Editora Forense. 2003. p.167. 72 Ver: MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2a. ed. São Paulo: Atlas, 2003.p. 109; PALU, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. São Paulo: RT, 1999. p. 50/57. 73 STF: RTJ 178/22-24, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno.
33
negativo74. Não obstante, como destacado, a doutrina critica posições atuais dessa
mesma corte que atua com acentuado ativismo e dessa maneira não mostra
coerência com posicionamento pretérito da própria corte.
A reserva de lei constitucional é um postulado revestido de função
excludente, de caráter negativo (que veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer
intervenções, a título primário, de órgãos estatais não legislativos). E cuja incidência
também reforça, positivamente, o princípio que impõe, à administração e à
jurisdição, a necessária submissão aos comandos fundados em norma legal. De tal
modo que, quaisquer intervenções – tenham conteúdo normativo ou não normativo –
de órgãos administrativos ou jurisdicionais só pode se dar a título secundário,
derivado ou executivo, nunca com critérios próprios ou autônomos de decisão75.
E para que o Supremo Tribunal Federal não incorra na sua função
constitucional em um autêntico legislador positivo é importante que cumpra as
normas constitucionais. Em lapidar voto, a Min. Carmen Lúcia disse que a corte
suprema há de atender aos princípios constitucionais, fundamentalmente, a) ao da
República, que garante a igualdade de todos76 e a moralidade das instituições
estatais; b) ao da democracia, que garante que as liberdades públicas, individuais e
políticas (aí incluída a do cidadão que escolhe o seu representante) não podem
jamais deixar de ser respeitadas, especialmente pelos que criam o direito e o
aplicam, sob pena de se esfacelarem as instituições e a confiança da sociedade no
direito e a descrença na justiça que por ele se pretende realizar. Daí à barbárie é um
pulo. Perigoso pulo, porque se o direito é ineficiente, a desconfiança da sociedade
costuma lembrar a justiça pelas próprias mãos, que é a não justiça, mas a força a
garantir apenas os mais fortes. Se as instituições já não são públicas, se os agentes
já não representam o povo, pouco sobra que o direito possa fazer77.
74 STF: RTJ 153/765, Rel. Min. CELSO DE MELLO. 75 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo V. 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora,
2000. P.217-220. 76 Não obstante, o cap. 3 reforça que a crítica doutrinária é pertinente no que tange a falta de coerência do STF com sua jurisprudência, em específico com a máxima eficácia que se deva dar ao princípio constitucional da igualdade. 77 STF, voto da Min. Carmen Lúcia no HC 102.732/DF, DJ 04.03.2010.
34
Assim, a concretização das normas constitucionais passa,
inexoravelmente, pela interpretação destas. Cabe, então, ter em mente que normas
possuem eficácias e graus de clareza diferentes. Ainda que a análise em curso se
refira a aplicação da norma constitucional na decisão judicial, não se pode esperar
coerência se a anterioridade necessária, a hermenêutica, não o for.
Por tal razão, a doutrina constitucional sempre sustentou, no que tange a
eficácia, ainda que com variações terminológicas diversas e expressões conceituais
distintas, a existência de um irrecusável gradualismo eficacial das normas
constitucionais78.
Há, portanto, um gradualismo na eficácia das normas constitucionais, por
não serem idênticas quanto à produção de seus efeitos e à sua intangibilidade ou
emendabilidade. Certos mandamentos constitucionais são completos e plenos por
não exigirem normatização subconstitucional posterior, independendo de leis
complementares ou de leis ordinárias que permitam a sua aplicação imediata; outros
não têm essa execução imediata, devendo ser completados por leis ulteriores.
Nestes últimos, os efeitos pretendidos pelo poder constituinte só ocorrerão se houver
a requerida emissão de norma jurídica ordinária ou complementar. Há um
escalonamento na intangibilidade e nos efeitos dos preceitos constitucionais, pois a
Constituição contém normas com eficácia absoluta, plena e relativa.Todas têm
juridicidade, mas seria uma utopia considerar que têm a mesma eficácia, pois o seu
grau eficacial é variável. Logo, não há norma constitucional destituída de eficácia.
Todas as disposições constitucionais têm a possibilidade de produzir, à sua maneira,
concretamente, os efeitos jurídicos por elas visados79.
78BARBOSA, Ruy. Comentários a Constituição Federal Brasileira, coligidos por Homero Pires, vol. 2/474-476, 1933; SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 253/255, 1968, RT; BASTOS, Celso Ribeiro. Interpretacao e Aplicabilidade das Normas Constitucionais, São Paulo:Saraiva, 1982; COOLEY, Thomas M. A treatise on the Constitutional limitations which rest upon the legislative power of the States of the American UnionBoston: Little, Brown & Co. 1903, p. 119/120; AZZARITI, Caetano. Problemi attuali de diritto costituzionale, Milano: Giuffré, 1951. p. 98; CRISAFULLI, Vezio. La Costituzione e le sue disposizione di principio, Milano: Giuffré,1952. p.34-37. 79 DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus Efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 104.
35
José Afonso da Silva80 entende que o que se pode admitir é que a eficácia
de certas normas constitucionais não se manifesta na plenitude dos efeitos jurídicos
pretendidos pelo constituinte, enquanto não se emitir uma normatização jurídica
ordinária ou complementar executória, prevista ou requerida.
Há, porém, quem entenda que normas constitucionais de eficácia limitada
-as normas de integração- são inexequíveis em toda a sua potencialidade-
insuficiência mesma dos elementos normativos. Condicionando-se, por isso mesmo,
a sua real aplicação, a existência de outra norma integradora (interpositio
legislatoris) de sentido, de modo a surgir uma unidade de conteúdo entre as duas
espécies normativas81.
Quanto ao grau de clareza, temos que como prescrições escritas, estão
sujeitas a compreensão, que varia segundo as capacidades intelectuais e ideologias
do intérprete. O que parece claro e induvidoso para um, não o será para outro. Mas
esse não é o ponto a discutir, o que importa é que a interpretação deve cumprir
certos predicados, que se verá no decorrer deste capítulo. Cabe dizer, aqui, que ela
não se destina a dar o sentido que o intérprete quer, mas sim o que está no
ordenamento jurídico. Mais, sua consequência sempre é propiciar segurança
jurídica.
Assim, não cabe ao Poder Judiciário atuar na anômala condição de
legislador positivo82, para, em assim agindo, proceder a imposição de seus próprios
critérios, vontades, ideais e concepções. Afastando, desse modo, os fatores que no
âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo
Parlamento.
Para tanto, deve-se ter em mente o que a doutrina enfatiza, que dos
poderes de uma República o Poder Judiciário é o menos democrático, visto que não
é eleito pelos cidadãos. Em uma democracia, se o poder legislativo é exercido pelos
80 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1999. p.75. 81 BASTOS, Celso Ribeiro. Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 48/49. 82 STF: RTJ 126/48.
36
representantes do povo soberano, é difícil conceber que possa existir um contrapeso
na pessoa de juízes não eleitos83.
As observações de Lênio Streck, no mesmo raciocínio, e reafirmando o
que já foi mencionado acima, diz que não cabe ao Poder Judiciário “colmatar
lacunas” (sic) do constituinte (nem originário e nem derivado). Ao permitir decisões
desse jaez, estar-se-á incentivando a que o Judiciário “crie” uma Constituição
“paralela” (uma verdadeira “Constituição do B”), estabelecendo, a partir da
subjetividade dos juízes, aquilo que “indevidamente” – a critério do intérprete – não
constou no pacto constituinte. O constituinte não resolveu? “Chame-se o Judiciário
(...)” ou “criemos um princípio”, que “valerá” mais do que a Constituição. Ora, é
necessário ter coragem para dizer algumas coisas, mesmo que possam parecer
“antipáticas” aos olhos da comunidade jurídica. A resolução das querelas relativas às
uniões homoafetivas deve ser feita – enquanto não for emendada a Constituição ou
elaborada lei ordinária (a exemplo do que ocorreu na Espanha) – no âmbito do
direito das obrigações, e não a partir do direito sucessório ou do direito de família.
Há limites hermenêuticos para que o Judiciário se transforme em legislador 84.
Por fim, ao STF cabe, então, encontrar a norma constitucional aplicável à
espécie, isto é, interpretar, argumentar e concretizar o comando constitucional, sem
contudo, inovar a Constituição, ou seja, dizer o que ela não estabeleceu.
Importantíssimo, pois, é o poder que detém a corte suprema. E para bem
desempenhar seu mister deve ter certos critérios85. Tais tem por objetivo fazer com
que a segurança jurídica seja uma constante, porque ela é um dos elementos que
forma o estado de direito86.
83 HAMON, Francis; TROPER, Michel; BURDEAU, Georges. Direito Constitucional. 27a.ed.tradução de Carlos Souza. São Paulo: Manole, 2005. p.148-149. 84 STRECK, Lenio Luiz; BARRETTO, Vicente de Paulo et al. Ulisses e o canto das sereias. Sobre ativismos judiciais e os perigos da instauração de um terceiro turno da constituinte. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2218, 28-7-2009. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13229. Acesso em: 07.05.2015. 85 Ou, como dizia Kelsen: técnicas jurídicas a fim de garantir uma “regularidade” do exercício da função jurisdicional constitucional. Ver: KELSEN, Hans. La Garantia Jurisidicional de La Constitución. México: Universidade Autonoma de México, 2001. p.39-40. 86 CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.ed.Coimbra: Almedina. 1998. p.250. No mesmo sentido: HECK, Luís Afonso Heck. O Tribunal Constitucional Federal e o desenvolvimento dos princípios constitucionais: contributo para uma compreensão da
jurisdição constitucional federal alemã. Porto Alegre: Fabris editor, 1995, p. 186.
37
1.3 DECISÃO JUDICIAL: JUSTIFICAÇÃO MATERIALISTA E
PROCEDIMENTALISTA
Já se estabeleceu que a jurisdição constitucional possui alguns
balizamentos postos pela própria Constituição, resta analisar como a decisão judicial
se dá. Esta releva importância para que se possa avaliar a crítica que é posta às
decisões do STF. Ou seja, o que pode parecer incorreto sob uma perspectiva pode
não sê-lo para outra. Assim, analisa-se a teoria materialista e a procedimentalista.
Para a proposta deste trabalho não se procura distinguir qual é a melhor teoria, a
materialista, capitaneada por Dworkin87, ou a procedimentalista, capitaneada por
Hart. O objetivo dessa abordagem, entretanto, é demonstrar que a decisão judicial
deve possuir fundamentos de tal ordem, grandeza e coerência que resultem numa
argumentação jurídica convincente ao corpo social.
Para tanto, importa a análise de duas facetas da decisão judicial. Uma
denominada justificação que segundo a doutrina se divide em justificação interna e
justificação externa. E outra, denominada interpretação, que é a base da justificação,
pois no processo de elaboração de uma decisão o antecedente necessário é o
conhecimento e apreensão do sentido e aplicação das normas constitucionais. Após,
utilizam-se estes conhecimentos para justificar a decisão a ser tomada.
Partindo dessa assertiva de que toda decisão judicial pressupõe
interpretação de normas. Deve o intérprete (jurisconsulto, juiz) procurar na aplicação
da norma, não o conteúdo dos sinais ópticos ou sonoros (ordens verbais), mas com
auxílio deles, o que neles contêm, mais ou menos o que se perdeu ou o que
argumentou no trabalho de expressão88. Sendo o juiz constitucional o intérprete
legitimado democraticamente para fazer esse trabalho, de extrair da simbiose
constitucional os princípios, regras e valores regentes do Estado de Direito89.
87 DWORKIN, Ronald. Law's Empire. Massachussets: Harvard University Press, 1986. 88 MIRANDA, Pontes. Sistema de Ciência Positiva do Direito. Tomo I, 2a. ed. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1972. p.9. 89 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um direito
constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. 2a. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.37.
38
Por outro giro, essa interpretação judicial das normas constitucionais
possui alguns balizamentos, como máxima efetividade, paz social, coerência
histórica e sistêmica. Black, em sua obra sobre interpretação das leis, enfatiza que
uma lei deve ser interpretada em consonância com seu espírito e razão; as Cortes
têm poder para declarar que um caso conformado à letra da lei não é por ela
alcançado quando não esteja conformado ao espírito e à razão da lei e da plena
intenção legislativa90.
Segundo Canotilho, interpretar uma norma constitucional consiste em
atribuir um significado a um ou vários símbolos linguísticos escritos na Constituição
com o fim de se obter uma decisão de problemas prático-normativos
constitucionalmente fundada91.
Nessa ordem de ideias, a interpretação do texto constitucional sempre
exige, de quem a realiza, uma pré-compreensão do conteúdo normativo da
Constituição. Há, também, de efetivar-se na perspectiva de um dado problema
concreto, de tal modo que a resolução judicial da controvérsia propicie máxima
efetividade à norma constitucional em exame92.
Impende registrar, neste ponto, a precisa lição do eminente Ministro Teori
Zavascki, que revela o papel institucional que se atribuiu ao Supremo Tribunal
Federal em sua condição político-jurídica de guardião maior da supremacia e da
intangibilidade da Constituição da República:
Ocorre que a lei constitucional não é uma lei qualquer. Ela é a lei fundamental do sistema, na qual todas as demais assentam suas bases de validade e de legitimidade, seja formal, seja material. Na Constituição está moldada a estrutura do Estado, seus organismos mais importantes, a distribuição e a limitação dos poderes dos seus agentes, estão estabelecidos os direitos e
90BLACK, Henry Campbell. Handbook on the Construction and Interpretation of the Laws. West
Publishing Co., St. Paul, Min., 1896. p. 48. No mesmo sentido ver: Aharon Barak. The Role of a
Supreme Court Judge. Yale Law School: Faculty Scholarship Series, 2002. Paper 3691. 91 CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Lisboa: Almedina,
1998. p. 1126. 92 PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da Constituição. 2. ed.Rio de Janeiro:Lúmen, 2000.p. 83/84; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 481/482 ; HESSE, Konrard. A Força Normativa da Constituição. trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.p. 20/23.
39
as garantias fundamentais dos cidadãos. Enfim, a Constituição é a lei suprema, a mais importante, a que está colocada no ápice do sistema normativo. Guardar a Constituição, observá-la fielmente, constitui, destarte, condição essencial de preservação do Estado de Direito no que ele tem de mais significativo, de mais vital, de mais fundamental. Em contrapartida, violar a Constituição, mais que violar uma lei, é atentar contra a base de todo o sistema. Não é por outra razão que, além dos mecanismos ordinários para tutelar a observância dos preceitos normativos comuns, as normas constitucionais têm seu cumprimento fiscalizado e garantido também por instrumentos especiais e próprios93.
De igual modo entende Dinamarco quando diz que a jurisdição, como
expressão de poder, tem objetivos que se relacionam com fins do próprio Estado. É
impossível definir os escopos da jurisdição, sendo inexorável a relatividade social e
política também nessa matéria. Assim como o fim último do Estado social
contemporâneo é o bem comum, é a justiça o escopo síntese da jurisdição. Mas a
jurisdição não tem um escopo, mas escopos. Ela tem, na realidade, escopos sociais
(pacificação com justiça, educação), políticos (liberdade, participação, afirmação
da autoridade do Estado e do seu ordenamento) e jurídico (atuação da
vontade concreto do direito)94.
Não se compreende, em parte, como Francisco Campos, segundo o qual
no poder de interpretar se inclui a prerrogativa de formular e de revelar o próprio
sentido do texto constitucional. Dizia que o poder de interpretar a Constituição
envolve, em muitos casos, o poder de formulá-la. A Constituição está em elaboração
permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la. Nos Tribunais incumbidos da
guarda da Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte95.
Karl Larenz também se manifestava por uma certa liberdade do jurista,
ainda que limitada por aquilo que ele chama de interpretação correta:
93 ZAVASCKI, Teori A. Ação Rescisória em matéria Constitucional, in Revista de Direito Renovar,
vol. 27/153 -174, 159‑165, 2003. 94 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 6ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.p. 317. 95 CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional, vol. II. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1956. p. 403.
40
O juiz está na nossa ordem jurídica vinculado às leis e ao direito constitucional, mas é livre na interpretação a lei e no desenvolvimento do Direito conforme ao seu sentido. Nessa tarefa só tem de seguir a sua própria convicção, formada conscienciosamente. Daí resulta que o que pode vinculá-lo não é o precedente judicial enquanto tal, mas sim e só a interpretação ou concretização correta da norma, que nele porventura se exprimam. Se a interpretação ou concretização da lei contida no precedente é correta, porém, é ponto que cada juiz há de, em princípio, decidir por si próprio e em cada novo caso, visto que o precedente não lhe pode tirar a responsabilidade pela correção da sua decisão. O juiz não tem pois apenas o direito, está até obrigado a divergir de um precedente, sempre que chegue à convicção de que ele traduz uma incorreta interpretação ou desenvolvimento da lei, ou de que a questão, então corretamente resolvida, deve hoje - mercê de uma mudança de significado da norma ou de uma alteração fundamental das circunstâncias relevantes para a sua interpretação - ser resolvida de outro modo96.
Já Hart diz que o ordenamento jurídico, conjunto formado por regras
primárias de conduta e regras secundárias de organização, deixa ao juiz um campo
de discricionariedade, dentro do qual a escolha por uma das alternativas oferecidas
não é suscetível de um enquadramento em regras, o que implicaria a textura aberta
do direito97.
A partir dessas colocações, constata-se que há um núcleo estável na
Constituição que não pode ser rompido. Konrard Hesse, enfatiza que um ótimo
desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu
conteúdo, mas também de sua práxis:
(...)”, pois não se pode ignorar que todos os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se incômoda98.
96 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª ed. José Lamego , tradutor. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 150. 97 HART. H.L.A. The Concept of Law. Oxford: Oxford University Press, 1994. p. 91, 124 e 145. 98 HESSE, Konrard. A Força Normativa da Constituição. trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.p. 21/22.
41
Faz-se necessário ressaltar que essa preocupação, realçada pela
doutrina, tem em perspectiva um dado de insuperável relevo político-jurídico,
consistente na necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força
normativa da Constituição. Resulta da indiscutível supremacia, formal e material, de
que se revestem as normas constitucionais. Cuja integridade, eficácia e
aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas em face de sua precedência,
autoridade e grau hierárquico99.
Nessa perspectiva política que o direito constitucional assume, cabe
destacar que o intérprete não deve instrospectar nesse campo, pois as escolhas
políticas são feitas pelo Poder legitimado para tanto, in casu, o legislativo.
O próprio Dworkin, que é tido como um marco dentro da corrente
substancialista, diz que o Direito não é um empreendimento artístico (como a
literatura), mas político. E por isso precisa coordenar o esforço social e individual,
de modo a assegurar a justiça entre os cidadãos e o governo. Caso em que, por
derradeiro, o dever de um juiz é interpretar a história jurídica que encontra, não
inventar uma história melhor. O que incluirá ou implicará alguma concepção da
integridade e coerência do Direito como instituição, e essa concepção é que irá
tutelar e limitar suas convicções pessoais100.
Além disso, continua dizendo que o direito como integridade, num caso de
direito consuetudinário como o McLoughlin, pede que o juiz que se considere como
um autor na cadeia do direito consuetudinário. Com efeito, ele sabe que outros
juízes decidiram casos, que apesar de não exatamente iguais ao seu, tratam de
problemas afins; deve considerar as decisões deles como parte de uma longa
história que ele tem de interpretar e continuar, de acordo com suas opiniões sobre o
melhor andamento a ser dado à história em questão. O veredito do juiz, isto é, suas
conclusões pós-interpretativas, deve ser extraído de uma interpretação que ao
99 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2. ed. São Paulo:Atlas, 2003. p. 109; PALU, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. São Paulo: RT, 1999. p. 50-57. 100 DWORKIN, Ronald. Uma questão de Princípio.Trad. Luís Carlos Borges. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.p.239-241.
42
mesmo tempo se adapte aos fatos anteriores e os justifique, até onde isso seja
possível101.
Este parece ser o ponto nodal na interpretação jurídica: até onde isso é
possível? Para a corrente substancialista a interpretação comporta claros limites, há
um grau mínimo de significado na norma constitucional, e a decisão constitucional
não faz do branco preto, como pensam alguns realistas americanos. Por isso é que
‘criatividade’, em última análise, no contexto da decisão judicial, não pode ser fruto
de escolhas pessoais dos juízes, uma vez que rompe com a ideia de um direito
produzido democraticamente, conspirando, inclusive, contra a desconfiança – e se
for assim, própria -, no Poder Judiciário. Não existe, ao menos democraticamente, a
liberdade de decidir conforme suas convicções ou ideologias. Julgar é suspender
seus pré-juízos, é reconstruir a história identitária do Direito – é um compromisso
com a realidade do concreto – e não um produto do livre convencimento, no mais
das vezes abstratos e pragmáticos102.
Observe-se que esse compromisso com a realidade passa por uma
interpretação histórica. Thomas Cooley quando, a propósito da força obrigatória dos
precedentes da Corte Suprema dos Estados Unidos da América, dizia que os
diversos departamentos governamentais são iguais em dignidade e autoridade, que
é coordenada, não podendo nenhum deles submeter à outra a sua jurisdição, nem
privar de qualquer porção de seu poder constitucional. Mas o Poder Judiciário é a
autoridade suprema na interpretação da Constituição e na interpretação das leis, e
as suas interpretações devem ser aceitas e observadas pelos outros departamentos.
Suas sentenças tornam-se leis do país nos pontos decididos por eles, e a
desobediência ou desatenção que sofram, tanto de um simples particular como de
um funcionário público, produzirá nova controvérsia que em última análise virá a ser
decidida da mesma maneira pelo Poder Judiciário.103
101 DWORKIN,Ronald. Uma questão de princípio. p. 284-287. 102 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2010.p.47. 103 MORAES, Alexandre de. Constituição Interpretada. São Paulo: Atlas, 2002. p. 2370.
43
É importante não esquecer que a norma constitucional pode ser vaga,
ambígua104, ou pode ser fruto de um intenso conflito político. A Constituição Federal
de 1988 pode ser classificada como uma Constituição social, mas fruto de um
conflito105. Ela abarca temas conflitantes como liberalismo econômico e intervenção
do Estado na Economia, liberdade individual e voto obrigatório, educação pública e
privada, saúde pública e privada, etc. Dessa constatação se extrai que a
interpretação do direito constitucional não pode ser tão hermética. Há de se
preservar a diretriz constitucional, sem deturpá-la com uma rigidez abstrata e
desconectada da sociedade. A propósito o pensamento célebre de Eugenio Raúl
Zaffaroni que disse: um Judiciário verticalmente militarizado é tão aberrante e
perigoso quanto um exército horizontalizado106. Aqui percebe-se a teleologia da
corrente procedimentalista, que enfatiza uma fundamentação moral de princípios.
Nesta a teoria da moral e da justiça ganham destaque no procedimento democrático
de fundamentação das decisões judiciais.
A problemática entre as duas correntes ganha força quando em face de
áreas cinzentas de diretrizes constitucionais. É nesse ponto que, por vezes, o juiz
constitucional não justifica sua interpretação constitucional de maneira convincente,
o que gera a crítica da doutrina. O que não significa que aquela esteja incorreta. Em
realidade, como visto, nem todas as normas constitucionais têm eficácia imediata.
Mais, nem toda norma Constitucional é materializável quando o jurista quer, e sim
quando a sociedade e o Estado estão prontos. Porque o direito é consequência de
um grupo social e constrói-se quando e como este quer. É evidente, e não se nega
que a Constituição não é simplesmente o ápice do sistema normativo, mas
“detentora de uma forca normativa, dirigente, programática e compromissória” e, por
isso, condicionadora da interpretação do Direito e da Democracia107.
104 MÜLLER, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. Tradução Peter Naumann. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.p.45. 105 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p.380-381. 106 ZAFFARONI. Eugênio Raul. Poder Judiciário – crises, acertos e desacertos. Tradução de Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 120. 107 STRECK, Lênio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do direito 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2004.p. 209.
44
Daí a conclusão de que a interpretação constitucional liga-se à
legitimidade da atuação jurisdicional. E esta, deve estar vinculada a sua
racionalidade e a sua capacidade de justificação. O Poder Judiciário é um defensor
objetivo e independente da ordem constitucional, servindo como uma contra
estrutura instituída ou um contra poder que deve ser capaz de contrariar qualquer
ato ou manobras violadoras da Constituição. Alicerce fundamental sobre o qual se
ergue toda a estrutura política, jurídica e institucional do Estado108. É a justificação
argumentativa109 que a corte suprema emprega nas suas decisões que permite o
controle democrático das decisões judiciais. O que gera em última análise um aporte
de legitimidade àquela decisões.
Com efeito, a decisão judicial não depende só de uma boa interpretação
da Constituição e dos fatos jurídicos. É a justificação que dá o qualificativo de
racional à decisão. Justamente por conter um tipo de raciocínio jurídico, que apesar
de fugir às exigências cartesianas apoiadas na ideia de evidência, também não recai
na arbitrariedade. Com esta se apresenta o desenvolvimento de seu raciocínio, um
iter formal que demonstra a maneira como o pensamento foi desenvolvido. Ela se
exterioriza na argumentação jurídica utilizada na decisão judicial.
A justificação é tida como a demonstração de correção de uma opção
racional. Kant110 a idealizou quanto a utilização de conceitos, dizendo que a
utilização deste não significa justificação. Vê-se que é algo a mais. Inicialmente
deduziu-se que a demonstração poderia ser formal (lógica), isto é, que a
demonstração não fosse contraditória em si. A outra é a demonstração empírica,
provável pelos fatos reais e demonstráveis111. Há, porém, diversas novas formas de
justificação, como a metafísica, moral, psicológica, social, etc112. O que importa dizer
é que a teoria da justificação não é o equivalente de uma teoria da verdade. Mas,
108CAMBI, Eduardo. Neo constitucionalismo e neoprocessualismo. Direitos fundamentais,
políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: RT, 2009. p. 199. 109 No capítulo 2 abordam-se os conceitos, tipos e objetivos da argumentação jurídica. 110 Kant é tido como um dos precursores da teoria procedimentalista, fornecendo fundamentos filosóficos para a mesma. 111 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 596-597. 112 DUTRA, Luiz Henrique A. Introdução à Epistemologia. São Paulo: Editora UNESP, 2010.p.43-
46.
45
um instrumento teórico que permite a verificação da base lógico-racional da decisão
judicial.
Ademais, não se pode falar em justificação da decisão judicial sem se
lembrar de que jurisdição constitucional é um elemento do sistema de medidas
técnicas que tem por fim garantir o funcionamento regular das funções estatais113. E
como medida técnica a decisão judicial deve ter uma justificação racional. O
qualificativo racional já denota o afastamento da arbitrariedade. Com a justificação, o
agente da decisão apresenta o desenvolvimento de seu raciocínio, da apreciação
dos aspectos de fato e de direito até a formação da deliberação final.
Importa esclarecer que a justificação também se divide em: interna, que
reporta à correção da inferência da decisão a partir das premissas; e externa, que
concerne à adoção das premissas corretas. Uma decisão judicial pode ser justificada
identificando os argumentos que a sustentam. A justificação interna, sustentando
estes argumentos como boas razões e a justificação externa como raciocínios
apropriados114. Já no enfoque procedimentalista a justificação se dá pela adoção do
procedimento correto estabelecido pela Constituição para a solução do conflito.
Então, como a jurisdição constitucional é uma técnica, transparece que as
justificações de suas decisões devem pautar-se, no mínimo, por padrões de
racionalidade115. Por esta se observam e respeitam as proposições normativas e, se
demonstram que as premissas dedutivas são verdadeiras e não fruto de
arbitrariedade. A perspectiva da teoria procedimentalista é importante nesse
aspecto, porque evita excessos e vicissitudes de uma abordagem puramente
substancialista da Constituição.
Observe-se que, tanto a justificação interna quanto a externa são
importantes. A primeira dá validade formal ao pensamento deduzido na
113 KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 124-125. 114 WRÓBLEWSKI, Jerzy. Legal Decision and its Justification in Meaning and Truth in Judicial
Decision, Helsinki: ed. por Aulius Aarnio, 1979. p.57- 63. 115 Ver: PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação – A Nova Retórica. São Paulo: Editora Martins Fontes. 1996. AARNIO, Aulis. Lo racional como razonable - un tratado sobre la justificación jurídica. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991.
46
argumentação. Tem estreita vinculação com a lógica formal, por consequência
adotam-se seus postulados, isto é, uma conclusão é necessariamente verdadeira se
deriva de uma inferência válida de premissas verdadeiras116. Esse modelo lógico
permite verificar a racionalidade da decisão. Assim, é necessário ter um domínio
completo dos dados em jogo. Logo, as premissas normativas escolhidas pelo
julgador devem ser adequadas ao caso. Então, se há regra constitucional específica
não se pode escolher um princípio genérico para servir de parâmetro. Também, a
norma deve ser escolhida em sua integralidade, sem omissões. Deve ser observada
sua interdependência sistêmica, substância e procedimentos são importantes dentro
da jurisdição constitucional.
Advirta-se, porém, que em alguns casos, mesmo a escolha de premissas
incorretas pode gerar um conclusão verdadeira117. A conclusão é correta, mas as
premissas não. Se a teoria da justificação não é, como dissemos, uma teoria da
verdade, de outro lado, não se contenta com meras possibilidades, como a lógica
das aparências118.
MacCormick dizia que toda atividade de justificação judicial em casos
complexos girava em torno do dever do juiz de não tomar uma decisão qualquer,
mas sim uma decisão fundamentada em alguma sentença implícita ou explícita a
respeito dos pontos em disputa, e que esse dever depende da observância de um
princípio central, o da justiça formal119.
Seguindo-se a divisão criada por Wróblewski120, a justificação externa é
aquela que busca a racionalidade externa, isto é, fora da decisão judicial. Fixa sua
116 ATIENZA, Manuel; Las Razones del Derecho- Teorias de la Argumentación Juridica. Segunda Reimpresión. Mexico: Universidad Nacional Autononoma de Mexico., 2005.p. 12-16. 117 SCHOPENHAUR, Arthur. Dialética Erística. Rio de janeiro: Topbooks, 2003.p.122. "O exemplo é
antigo, vem de Aristóteles que dizia: todo homem é uma pedra; Sócrates é uma pedra; logo Sócrates é um homem". 118 No capítulo 3 há uma demonstração prática do uso das possibilidades na argumentação adotada pelo STF na ADPF 186. 119 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. São Paulo: Martins Fontes. 2006. p. 171-172. 120 WRÓBLEWSKI, Jerzy. Legal Decision and its Justification in Meaning and Truth in Judicial Decision, Helsinki: ed. por Aulius Aarnio, 1979. p.57- 63.
47
atenção na correção das premissas adotadas. Schauer121 atribui-lhes o nome de
justificação material, que busca a racionalidade e os fins da regra a ser criada pela
decisão judicial. Esta é uma maneira de fazer com que a decisão tenha sentido
jurídico e também no mundo dos fatos. Se a justificação interna, ou de primeiro grau,
é tida por formal, afastada, em certo aspecto do mundo real, a justificação externa,
ou de segundo grau, faz justamente o oposto. Com isso fecha-se a cadeia
justificatória. Sobre essas premissas Alexy122, coloca um requisito de saturação.
Segundo o qual um argumento só está justificado quando contém todas as
premissas que o compõe. Crê-se que em sede de jurisdição constitucional tais
maneiras de proceder argumentativo ganham exponencial relevância, dada a
importância de tal função na consecução dos fins123 constitucionais.
É inegável que há críticas à justificação, no sentido de que o silogismo
pode ser até válido, mas nada nos auxilia na escolha das premissas124. Colocam-se
como exemplo a vaguezas das normas, in casu há de aplicar-se uma regra ou um
princípio constitucional? Mais, a interpretação dessa norma eleita está correta? Por
fim Alf Ross125 conclui que é incorreto entender-se que a decisão judicial baseia-se
num silogismo, pois este impõe que a premissa menor seja verdadeira. E não há
como se chegar a essa verdade absoluta, pois no processo temos fatos e linguagem
em conexão com uma série de considerações práticas teleológicas.
121 SCHAUER, Frederick. Playing by the Rules- A Philosopical examinatios on the rule- based decision-making in law and in life. Oxford University Press, 2002. p.93-96. 122 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação. 3a.ed.Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.236. 123 Ver: preâmbulo, art.1º, e art.3º da Constituição Federal de 1988. 124 AARNIO, A. Lo Racional como Razonable - un tratado sobre la justificación jurídica. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 58-60.; GUASTINI, Riccardo. Tema di ragionamento giudiziario, en Materiali per una Storia Della Cultura Giuridica, n° 11,1981 p. 199-203; GOTTLIEB, Gidon. The Logic of Choice. An Investigation of the Concept of Rule and Rationality. London: George & Allen Unwin Ltd, 1968. p. 166-167. 125 ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. 2a ed. , Buenos Aires: Eudeba. 1970. p. 95-96. Sobre este tipo de críticas, vejam-se: HART, H. L. A. El positivismo jurídico y la separación entre derecho y moral", in Derecho y Moral. Contribuciones a su análisis. Buenos Aires:Depalma. 1962. p. 27 ; ARNIO, Aulis. On Legal Reasoning. Annales Universitatis Turkensis: Loima. 1977. p. 60-62 ; J . A. García Amado. Teorías de la tópica jurídica, Madrid:Civitas. 1988. p. 199-200; WASSERSTROM, Richard A. The Judicial Decision. Toward a Theory of Legal Justification, Stanford: Stanford University Press, 1978 .p. 18-19; MACCORNIICK, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford: Clarendon Press, 1978. p. 67-70.
48
Não se discorda, totalmente, das críticas, já que de fato a verdade não é
algo de fácil obtenção, quiçá de obtenção. Porém, sem esse iter126 do silogismo,
perde-se a base para a racionalidade, para o pensamento sistematizado. Por
consequência, a argumentação jurídica não dará respostas científicas ao problema,
como veremos, no decorrer, com mais vagar. No entanto, observe-se que essa falta
de racionalidade argumentativa é um dos destaques críticos que a Teoria dos
Neutral Principles fez ao caso Brown Vs Board Education127. As justificações da
decisão constitucional permitem o desenvolvimento de argumentos jurídicos e não
de meras opiniões.
Vê-se, portanto, que o objetivo de toda justificação é a obtenção de
certeza e segurança jurídica128 nas decisões judiciais, desse modo, não há como
estabelecer a incorreção da teoria materialista ou da procedimentalista. Na atual
quadra do constitucionalismo brasileiro, em que decisões do Supremo Tribunal
Federal tem efeitos erga omnes, súmulas vinculantes e transcendência dos efeitos
determinantes da sentença129, é pertinente e sensato que estas decisões possuam
126 Aqui se mostra, novamente, a importância do procedimentalismo na leitura do artigo 93, inciso IX
da Constituição Federal de 1988, que trata do dever de fundamentar as decisões judiciais. 127 U.S. Brown v. Board of Education of Topeka, 347 U.S. 483 (1954). A crítica dessa teoria está
exposta no cap.3, mas é importante antecipar que a mesma não se liga ao mérito em si da decisão, mas sim a maneira não uniforme de aplicação de um princípio constitucional e também da não superação do confronto entre princípios. Neste aspecto é o que se observa com a crítica da doutrina nacional à algumas decisões do STF: ADI 3510 (células-tronco), ADPF 132 e ADI 4277 (casamento homoafetivo), STA 175, 211 e 278 (direito à saúde), Extradição 1085 (Caso Cesare Battisti), ADCs 29 e 30 (Ficha Limpa), ADPF 153 (revisão da Lei de Anistia), Súmula vinculante 11 (uso de algemas), ADPF 186 (cotas raciais). 128 É importante referir, neste ponto, em face de sua extrema pertinência, a aguda observação de J. J. GOMES CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Lisboa: Almedina., 1998. p. 250: “Estes dois princípios - segurança jurídica e protecção da confiança - andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; ( 2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante ‘qualquer acto ’ de ‘qualquer poder’ - legislativo, executivo e judicial.” 129 Fenômeno da transcendência, que o STF admitiu na decisão proferida na Rcl 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, consistente no reconhecimento de que a eficácia vinculante não só concerne à parte dispositiva, mas se refere, também, aos próprios fundamentos determinantes (“ratio decidendi”) do julgado declaratório de inconstitucionalidade emanado do Supremo Tribunal Federal, como resulta claro do magistério da doutrina de GILMAR FERREIRA MENDES. O Papel do Senado
49
uma justificação e argumentação jurídicas racionais. Logo todos os mecanismos
técnicos que forem aptos a tal mister devem ser utilizados pelo julgador. Mas como
decidir não é apenas forma, os fatos da vida que deram causa à jurisdição devem
ser bem mensurados. Bem como os fatos da vida que surgirão em virtude dessa
decisão.
1.4 ANTECEDENTES E CONSEQÜENTES DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
Um corolário necessário das abordagens prévias conduz a percepção de
que não se faz interpretação, nem justificação judicial no plano abstrato. É
necessário que tais se efetivem no plano real e na perspectiva de um dado problema
concreto. Só assim evita-se que a Corte Constitucional seja mero órgão de consulta.
De igual modo, é no plano concreto que se pode falar em máxima efetividade da
Constituição130.
Assim, a norma legislativa se formula em termos gerais, porém quem a
formula tem em mente um determinado tipo de casos, bem reais, dos quais teve
experiência, ou tem mentalmente antecipados por sua imaginação, em relação aos
quais pretende que se produza um determinado resultado, precisamente porque
considera este resultado o mais justo. Em suma, resulta evidente que o juiz, ante
qualquer caso que se lhe apresente, tem, antes de tudo, que verificar mentalmente
se a aplicação da norma, que em aparência cobre dito caso, produzirá o tipo de
resultado em que se inspirou a valoração que é a base daquela norma131. Tem-se,
Federal no Controle de Constitucionalidade: um Caso Clássico de mutação Constitucional, in Revista de Informação Legislativa, vol. 162/149 -168, 2004, Senado Federal. 130 PEIXINHO, Manoel Messias, A Interpretação da Constituição. 2. ed., Rio de Janeiro:Lumen Juris. 2000 p.83/84; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constituciona. 13. ed. São Paulo:Malheiros, 2003.p. 481/482; HESSE, Konrard. A Força Normativa da Constituição. trad. de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1991. p. 20/23. 131 SICHES, Recaséns. Nueva filosofia de la Interpretación del Derecho. 2a.ed. México: Editora Porruá, 1973. p. 659
50
junto com Atienza132, que a atividade judicial é essencialmente descoberta e
justificação.
Por tais razões, infere-se que se tenha não apenas um argumento válido,
mas que também parta de premissas válidas. Ainda que se tenha que a decisão
judicial não seja apenas silogismo, mas também dedução, esta deve visar a verdade
e correção133. Com esse proceder evita-se, ou ao menos se minora, a justificação da
decisão judicial com base no mero subjetivismo do julgador. Em síntese, é
necessário que a análise judicial se paute não apenas em elementos de lógica
formal, mas também de lógica material. Os antecedentes da atividade judicial podem
ser vários, abordaremos apenas os que temos por essenciais: fatos, historicidade e
verdade.
No mundo dos fatos, a jurisdição constitucional se desenvolve de maneira
concreta, como se viu, a par disso a análise dos fatos que envolvem a querela
jurídica é de capital importância. Estes podem ser de diversas naturezas: sociais,
políticos, religiosos, etc. Porém, entende-se que não deve haver sobreapreço de um
ou outro pelo STF. Tal análise deve se dar de maneira neutra, sem preferências por
parte do julgador. Porque tais fatos devem ser analisados em sua pureza em relação
à Constituição. Qualquer tipo de preferência134 nessa observação vicia o processo
de concretização constitucional.
Não se há, portanto, de falar nesse momento em valoração, pois
entendemos que esta se dá apenas ao fim deste tríduo analítico: fatos verdadeiros
interpretados no tempo recebem uma carga valorativa. Necessário, por óbvio, que tal
análise se dê sob uma perspectiva específica, que in casu, é a do positivismo
jurídico. Do contrário, teríamos análises diferentes conforme os paradigmas
escolhido135.
132 ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito. Teorias da Argumentação Jurídica. 3a.ed.São Paulo: Landy. 2003.p. 21. 133 BARBA. Gregorio Peces. Curso del Teoria Del Derecho. 2ª.ed.Madrid: Marçal Pons, 2000;.p. 245-246. 134 GRAU, Eros. Porque tenho medo dos Juízes.6ª.ed.São Paulo:Malheiros, 2013. p. 54-55. 135 RADBRUCH, Gustav.Introdución a la ciência del Derecho. Madrid: Libreria General de Victoriano Suáres, 1930. p. 252.
51
O direito não trata de outra coisa senão de regulação de fatos (lato sensu)
humanos136, que conforme a ordem jurídica, recebem a categoria de jurídicos ou não
jurídicos. Desde o século XIX tem se observado uma crescente preocupação com a
interpretação dos fatos jurídicos137. Pontes, por sua vez, diz que os fatos que
ocorrem na realidade (no mundo da realidade) ingressam no mundo jurídico - que é
uma área menor no quadro do mundo da realidade- apenas e se for incididos numa
norma jurídica. De igual maneira se manifesta Rosentstock-Hussey:
Os veredictos judiciais criam verdades intemporais, porque o tempo e o espaço foram afirmados de antemão na declaração das partes. A lógica de qualquer sentença abstrata demanda que ela seja precedida de dados concretos e específicos. Nenhuma sentença abstrata é verdadeira sem tais antecedentes, sem tais dados concretos138.
Nessa linha de pensamento, o fato de uma Universidade pública criar um
programa de acesso diferenciado para certa categoria de pessoas obriga a uma
perquirição acerca desse fato. Parece que a análise dessa situação sob a ótica do
realismo139 ou do normativismo não se demonstra completa, pois num e noutro há a
exarcebação de um ponto de vista e o consequente enfraquecimento de outra
perspectiva.
Miguel Reale centraliza de maneira objetiva a importância dos fatos na
análise jurídica:
A norma jurídica não será, contudo, integralmente compreendida se reduzida ao seu aspecto formal de proposição lógica (embora possa e deva ser estudada, como vimos no ensaio III, pela
136 Jhering dizia que o direito existe em função da sociedade e não a sociedade em função do direito. O direito é um nível da realidade social. p.424 137 Ver: LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª ed. José Lamego (trad.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997; WROBLEWSKI, J. Sentido y echo en él Derecho. San Sebastián: Universidad del pais Vasco; VIGO, Rodolfo, Luis. Interpretação Jurídica. Do modelo juspositivista-legalista do século XIX à novas perspectivas. São Paulo: RT. 2005. SICHES, Recaséns. Nueva filosofia de la interpretación del Derecho. p.135 138 ROSENTOCK-HUESSY, Eugen. A origem da linguagem. Tradução de Pedro Sette Câmara,
Marcelo de Polli Bezerra, Márcia Xavier de Britto e Maria Inês Panzolo de Carvalho. Rio de Janeiro:
Record, 2002. p.112. 139 Ver REALE, Miguel. O Direito como Experiência. 2a.ed. São Paulo: Saraiva. 1992. p.106-107.
52
Lógica Jurídica Formal), pois envolve, necessária e concomitantemente uma referência tensional aos dados de fato e exigências axiológicas que lhe deram vida, assim como às intercorrentes ou sucessivas implicações fático-axiológicas capazes de alterar-lhe o significado140.
Ressalta-se, ainda, que a análise da “histórica inferioridade econômica-
social” disposta como razão de decidir na ADPF 186 deve se dar na sua
integralidade e não parcialmente. É preciso estabelecer um padrão comparativo,
bem como se o Brasil é um país que possui uma classificação de superioridade
econômica e/ou social. Há, também, a necessidade de se verificar quais pessoas se
inserem nessa posição de inferioridade nos dias atuais. Só assim a relação jurídica
pode surgir, ou seja, do fato realizado materialmente em conjugação com a
realização ideal representada na norma141.
No que tange ao antecedente da historicidade, tem-se que o mesmo é
importante a medida que os fatos tratados na decisão judicial, em regra, são
passados. De igual modo, a lei também o é quando da sua aplicação. Mas esta
ainda traz um segundo aspecto a ser destacado, foi criada observando fatos
anteriores142. Possui, portanto, dupla anterioridade.
A ciência estuda os fenômenos observáveis que se sucedem no tempo,
para ela, os princípios lógicos são auxiliares e na utilização deles poder-se-ia chegar
a conclusões inaceitáveis. (...) O direito deve viver de realidades e não de
abstrações. (...) somos maus julgadores da significação das coisas passadas e mais
ainda das presentes. Não damos valor a certos fatos, que os têm. E não raro
exageramos o de outros, que pouco atuam na ordem histórica143.
O professor Bueno esclarece que referir-se ao passado histórico do sujeito
impõe a observância de três aspectos: primeiro, deve-se analisar não o passado
140 REALE, Miguel. O Direito Como experiência. p. 201. 141 MACHADO NETO, A. L. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 4a.ed. São Paulo: Saraiva. 1977, p. 164. 142 BONNECASE, Julien. Introduccion al Estudio del Derecho. Mexico: Editorial José M. Cajica, 1944. p.195-196. 143 MIRANDA, Francisco Xavier Pontes de. Sistema de ciência positiva do direito, Tomo I, Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972. p. 67/68.
53
histórico inteiro, senão aquele que tem referência ao sujeito e a sua escala de
acontecimentos; segundo, deve-se partir das hipóteses dos outros sujeitos
históricos; terceiro, o sujeito deve ser re-atualizado historicamente144.
Portanto, os fatos145 devem ser analisados á luz da época em que
ocorreram, e não da época do julgamento. Fazer uma leitura, particularizada, atual
de um ato ou fato jurídico passado leva ao desvio do caminho da verdade. Assim,
analisar o acesso à educação universitária hoje com os olhos de dez anos atrás é
falacioso, e vice-versa. Isto porque se sabe do expressivo aumento do número de
universidades, vagas, bolsas de estudos, financiamentos estudantis, etc, que
ocorreram nos últimos dez anos. Assim, deve-se observar que há coisas imutáveis e
coisas mutáveis no tempo. De igual modo a função e o valor dessa coisa para o
grupo social.
A observação dos fatos e fenômenos sociais numa perspectiva histórica
permite que se tenha uma visão do todo, o que resulta numa melhor compreensão.
As normas jurídicas advêm de processos históricos146, in casu, entendeu-se que as
crianças já têm, hoje em dia, condições de ingressar na educação básica aos quatro
anos de idade147. A análise histórica dá critérios ao intérprete e explica
racionalmente certas opções legislativas.
Sem dúvida, o direito tem como uma de suas finalidades fazer o controle
social, logo não se pode esquecer de analisar esta no tempo148. Acrescente-se que
os princípios jurídicos seguem a mesma lógica de observação, pois historicamente
os países com mais educação são econômica e socialmente mais desenvolvidos.
144 MARTINEZ, Gustavo Bueno. El individuo en la história. Universidad de Oviedo. 1980. p. 66-68. 145 REALE, Miguel. O Direito como experiência. p.201 dizia que aos olhos do jurista o direito se põe prevalentemente como norma, mas esta não pode deixar de ser considerada numa realidade essencialmente histórica, consoante é próprio de todas as estruturas sociais. 146 Veja-se a nova redação do inciso IV do art. 208 da CF/88 (EC 53/2006), que alterou a idade para atendimento em creches e pré-escolas, reduzindo o limite que era até os seis anos de idade para até 05 anos. 147 CF, Art. 208, Inciso I. 148 SAVIGNY. F. Karl von. Metodologia Jurídica. Campinas: Edicamp, 2001. p. 7
54
Logo, como um dos objetivos do Brasil é garantir o desenvolvimento nacional149, o
princípio do direito à educação150 deve ser lido sob tal prisma.
Dessa forma, só se consegue compreender tal fenômeno e seus fins
olhando para o passado. Observando e comparando como tem sido o
desenvolvimento nacional em cotejo com o desenvolvimento da educação. Sem isso
não se têm com clareza uma conclusão, e o máximo que se extrai é uma abstração
tomada de subjetividade por parte do julgador. Pontes dizia que a convicção
depende da convergência de elementos revelados no mundo das leis com o mundo
real151. E esses mundos só são compreendidos se analisados temporalmente. As
formas de construção de um conhecimento não podem ser únicas, senão diversas, a
fim de demonstrar a correção da conclusão. Assim, somente o racionalismo não
basta, deve ser conjugado com o tradicionalismo, técnica, etc. Nesse ponto parece
que a historicidade é um dos elementos essenciais, pois dá suporte real às ações
atuais e futuras. Todas essas formas de conhecimento152 condicionam o julgador a
chegar a conclusão mais verdadeira possível. A justificação judicial passa, então, a
ser baseada em norma e fato e não em norma e vontade.
Por fim, no que tange a análise da verdade, esta será esboçada e pautada
na norma jurídica individual153, in casu, decisão jurisdicional constitucional. Cuja
base de conhecimento há de remontar a verdade (ôntica). Difere, portanto, da norma
jurídica geral, que pelo seu caráter universal tem a verdade como algo no mundo do
dever-ser (deôntica). Esta última se liga a lógica formal, enquanto a primeira exige a
material154. Tal diferenciação e delimitação se mostram necessárias porque a
decisão jurídica destina-se a regular um fato social. Portanto, não pode se conformar
149 CF, Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: II - garantir o desenvolvimento nacional; 150 CF, Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 151 MIRANDA, Francisco Xavier Pontes de. Sistema de Ciência de Direito Positivo. Tomo III. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972., p. 295. 152 MIRANDA, Francisco Xavier Pontes de. Sistema de Ciência de Direito Positivo. Tomo III. p.297. 153 Não se analisa aqui o caráter da verdade-falsidade do sistema positivo, nisso estamos com KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito; GRAU, Eros. Porque tenho medo dos Juízes. SICHES, Recaséns. Nueva filosofia del Derecho. 154 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e O Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad. 1997. p.105.
55
com um esquema de raciocínio formal. Observe-se que o grande mestre do
positivismo Hans Kelsen, em sua obra Teoria do Direito e do Estado entendeu que o
formalismo da norma pura não consegue, no mundo do ser, completar a ponte de
bem regular a vida em sociedade.
A verdade se descobre entre os homens, e, ainda que não se consiga
chegar à verdade absoluta, há uma verdade relativa a ser descoberta. Fichte155
afirma que não há uma diferença entre os homens quanto a racionalidade: a razão é
comum a todos, e é em todos os entes racionais eternamente a mesma. Aquilo que
se encontra como disposição em um ente racional se encontra em outro. Daí se
dizer que um dos critérios da verdade é a não contradição156, juntamente com a
coerência e plenitude.
De fato, a verdade (relativa) advém desse devir do homem no tempo e na
natureza. É certo que não se possuí ainda um domínio sobre o que é verdadeiro em
sentido absoluto. Porém, já se tem uma certeza de coisas que não são verdadeiras.
Isto é, há conhecimentos humanos que não podem ser desprezados, pois já foram
conhecidos, apropriados e provados, técnica e empiricamente. Tais não podem ser
desprezados pelo julgador. Substituindo a verdade de muitos pela sua verdade.
Contudo, não falamos da mesma apenas como produto de maiorias. Pois,
o argumento de autoridade ou quantidade somente prova o consenso e não a
verdade das conclusões. Logo a verdade é una, e independe das variabilidades157
das sensações e percepções158. Há, então, uma certa regularidade dessa e a sua
observância conduz a decisão judicial a uma aceitabilidade racional por parte da
população.
Entende-se que não há como isolar o sujeito da relação objeto-verdade.
Porém, não se tem, como Kant159, que tal construção se baseia apenas no sujeito
que deu origem a sua concepção de racionalidade subjetiva. Tem-se, sim, que há
155 FITCHE, Johann Gottlieb. Introdución a la Teoria das Ciências. Madrid: Altamira, 1984. p.140. 156 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa: fundação Calouste Gubelkian.2001, p. 565. 157 BERKELEY, George. Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009. p. 101. 158 SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. São Paulo: Unesp,2005. p.47-49. 159 KANT, Immanuel. Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009. p.398-400.
56
racionalidades objetivas, que independem do sujeito. Pode-se mudar o conceito de
algo, mas não sua substância pelo mero uso da razão. A pobreza (material) não se
transmuda em riqueza (material) pelo uso da palavra.
Não obstante, é a razão160 quem nos dá limites mínimos para estabelecer
a verdade a um caso. Quando se diz que todas pessoas que pertencem a raça “A”
são pobres, pode-se, através da razão, verificar a veracidade disso. Seja por uma
constatação empírica, seja pelo uso da lógica. Há, na frase supra, duas proposições,
uma de quantidade (todos) e outra de conteúdo (pobres). Indagações racionais
auxiliam a verificar se tal proposição está correta. Pode-se objetar construção
perguntando se todos da raça A são pobres ou apenas alguns. Mais, pobres em que
sentido? Econômico, social, cultural, etc. Essa premissa (todas as pessoas da raça
A são pobres) é pertinente a construção à decisão jurídica161?
A par do que se disse é possível observar que o interesse, pré-
compreensão ou ideologia do julgador não pode ser o guia na sua condução da
solução do caso. Porque há o risco de que não se construa um pensamento
baseado e conduzido à verdade. E essa conduz a correção do pensamento que,
como diz Fichte, leva ao sentimento de adesão à tese. Já a incorreção conduz ao
sentimento de aversão. Considerando-se que o direito expressado na decisão
judicial deve levar à segurança social, é fácil observar que nos casos em quem o
povo não aderir racionalmente ao decido, a decisão judicial não será cumprida. Ou
quando muito com resistência. Kant162 dizia que direito vem de rectum, reto. Isto é
não há via oblíqua para se chegar a verdade. Mais, o direito é um conjunto de
condições que permite ao indivíduo gozar de sua liberdade respeitando a dos
demais. A constatação racional é que a aceitação social é importante163 para o
cumprimento da decisão judicial. Daí percebe-se que a busca da verdade é
indeclinável.
160 FICHTE, in FARIA, Anacleto de Oliveira. Textos Clássicos de Filosofia do Direito. São Paulo: RT, 1981. p.129. 161 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª ed. José Lamego (trad.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997 p.333 162 KANT, Immanuel. Apud FARIA, Anacleto de Oliveira. Textos Clássicos de Filosofia do Direito. São Paulo: RT, 1981. p. 123. 163 Importante aqui não tem o sentido de obrigatório ou condicionante. O sentido que se adota é que a
função da jurisdição tem como objetivo a pacificação social e não o contrário.
57
Não se nega, por óbvio, que a busca da verdade passa inexoravelmente
pela atribuição de um valor aos fatos. Porém, essa não deve ser radicada
unicamente no intérprete164. Este deve abstrair suas convicções em busca da
verdade real. Pois essa se oculta no véu das coisas165, isto é, a coisa em si já nos dá
mostras do que é verdade e do que não é. Assim, os juízos só são verdadeiros
quando se referem a essa coisa e no grau em que o fazem.
Passada a análise dos antecedentes da decisão judicial é preciso abordar
os consequentes da mesma e destacar a crucial importância que os mesmos têm,
em especial que se revestem de força argumentativa racional.
Entende-se que os consequentes da decisão judicial possuem duas
vertentes, uma direta que diz respeito as consequências da decisão em si. E uma
indireta, que diz respeito às premissas adotadas.
Com relação aos consequentes diretos da decisão judicial é importante
mencionar que os antecedentes supracitados são diretamente proporcionais aos
consequentes. Assim, a escolha de premissas ou proposições inverídicas, incorretas
ou parciais terá efeito nas consequências advinda da decisão.
Por certo, haverá uma racionalidade formal na decisão judicial, mas isso
não prova que a mesma esteja correta ou que seja verdadeira.
Além disso, se a escolha das premissas for feita com método e
objetividade a consequente decisão judicial trará caracteres de estabilidade e, por
consequência, de segurança jurídica. Não se afirma, porém, uma hermeticidade de
pensamento, mas numa compreensão dos fatos e valores dentro de uma
racionalidade lógica. Num exemplo: sabe-se hoje que o uso dos combustíveis
fósseis gera poluição. Para que amanhã se diga o contrário é necessário provar tal
situação objetivamente, que in casu exigiria prova empírica.
164 MIAILLE, Michael. Introdução Crítica ao Direito. 3a. ed. Lisboa: Editora Estampa. 2005. p. 50. 165 SANTOS, Mário Ferreira dos. Teoria do Conhecimento- Gnoseologia e Criteriologia. São Paulo: Editora Logos, 1968. p 235
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Advirta-se que os consequentes da decisão judicial não podem ser
confundidos com as teorias consequencialistas. Estas podem, segundo alguns166,
estar impregnadas de um relativismo moral e não se deter diante de regras do
sistema positivo. Aqui as consequências são vistas de maneira neutra e decorrem
naturalmente do processo de pensamento do julgador. Essas não podem ser
desejadas antes do processo de raciocínio concreto, pois se assim o for, impregna-
se esse de subjetividade.
O que se procura analisar e enaltecer é contrário a modernidade negativa
que fala Neves167, isto é excesso de adequação social e pouca consistência
jurídica168.
Um exemplo bastante claro da consequência das premissas vem da
própria jurisprudência do STF169. Quando se adota, por exemplo, o princípio
republicano como justificativa de uma decisão judicial, não se pode utilizar
parcialmente tudo o que se deduz do mesmo. Assim, a forma republicana de
governo impõe um regime de responsabilidade a todos os agentes públicos. A
responsabilidade é a mesma para todos, inclusive para o Presidente da nação. Não
há justificativa lógica para estabelecer graus de responsabilidade entre as
autoridades dentro de uma forma republicana. A consequência da premissa adotada
não é opção do julgador, esta se impõe-lhe.
Outro caso ímpar, e que serve de exemplo, foi também utilizado pelo
STF170. No sentido de que o princípio da federação impõe que a instauração de
persecução penal, perante o Superior Tribunal de Justiça, contra Governador de
Estado, por supostas práticas delituosas, seja necessariamente precedida de
autorização legislativa. A adoção do princípio federativo como justificação tem como
consequência que se imponha um controle político prévio de qualquer acusação
166 WESTON, Antony. Relativism- a 21st century Ethical Toolbox. London: Oxford University Press, 2001. p.17. 167 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e o Leviatã- uma relação difícil. O Estado democrático de direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo:Martins Fontes, 2006 p. 245. 168 Aqui reforça-se o que dito alhures, adequação e aceitação são importantes, mas não são o móvel da decisão judicial se em confronto com a norma constitucional. 169 STF, RTJ 170/40-41, Rel. p/ o ac. Min. CELSO DE MELLO. 170 STF, RTJ 33/590.
59
exercida contra chefe do poder executivo de Estado-membro. Num Estado-
federativo a paridade de armas é seu elemento estruturante171.
Percebe-se do exposto que os fatos antecedentes e as consequências
são importantes à decisão judicial. Dentro dessa perspectiva, some-se que a
doutrina tece críticas, às vezes, a falta de justiça em algumas decisões do STF e às
vezes a falta de observância da norma constitucional. Importa estudá-las, porque
guardam estreita relação com argumentação jurídica contida na decisão judicial.
1.5 A IMPORTÂNCIA DA NORMA E DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL
Trata-se, agora, da análise do binômio norma x justiça. Assim, em sede de
jurisdição constitucional o Supremo Tribunal Federal deve assumir um papel de
guardião da Constituição. Deve interpretá-la e concretizá-la. Mas, nessa atividade,
pode pautar-se por um viés normativista, de justiça ou ambos.
Primeiramente, é importante reafirmar a posição da doutrina que ressalta a
qualificada competência constitucional do Supremo Tribunal Federal:
Reponta aqui o papel do Supremo Tribunal Federal como órgão
de equilíbrio do sistema federativo. Pertencente embora à
estrutura da União, o Supremo tem um caráter nacional que o
habilita a decidir, com independência e imparcialidade, as
causas e conflitos de que sejam partes, em campos opostos, a
União e qualquer dos Estados Federados172.
A Constituição Federal do Brasil é norma escrita, e como tal traz
comandos e disposições acerca da estruturação estatal e dos direitos e garantias
171 KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.54-56. 172 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Vol. 2.
São Paulo: Saraiva, 1992. p.219‐220.
60
individuais. É, no sistema Kelseniano, o ápice do sistema jurídico, pois irradia
validade as normas inferiores. Posto isso, tem-se que a mesma impõe cumprimento,
tanto aos cidadãos ou aos agentes públicos, tudo visando o equilíbrio federativo. A
questão que remonta é se poderia a Corte Constitucional dar comando parcial a uma
disposição constitucional? Pode esse mesmo poder estatal fazer escolha entre regra
e princípio constitucional, se disso resultar no descumprimento teleológico da
Constituição?
Acredita-se que uma breve análise sobre o positivismo jurídico e sobre
teoria da justiça pode estabelecer alguns critérios e reflexões importantes a este
trabalho. Em especial no que tange a argumentação jurídica que irá justificar173 essa
decisão da Corte Suprema.
A teoria da norma jurídica enfatiza que o direito é um conjunto de normas
ou de regras de conduta174. Assim, as civilizações são caracterizadas pelos
ordenamentos de regras nas quais as ações dos homens que as criam estão
contidas175.
Na Civil Law a noção de lei é ligada a um produto estatal. Suas principais
características são o formalismo e o imperatividade. Assim, lei é aquilo que tem
forma de lei e que comanda os cidadãos176.
O jurista espanhol Gregório Peces-Barba177 assinala que a separação
entre Direito e moral constitui uma das grandes conquistas do Iluminismo,
173 Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) 174 TORRÉ, Abelardo. Introducción al Derecho. 14ª. Ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2003. p. 26-27. 175 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Bauru: Edipro. 2001. p.23-25. 176 BOBBIO. Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p.36. 177 BARBA. Gregório Peces. Curso de Derechos Fundamentales: teoría general. Madrid: Marçal Pons, , 1991, p. 32.
61
restaurando-se a racionalidade sobre o discurso jurídico, antes tomado pelo
obscurantismo e imiscuído com a moral religiosa.
Note-se que o direito positivado é a estipulação de regras de conduta,
pertencente ao ramo das ciências denominadas normativas, e que sempre se refere
a uma regra de conduta, ao menos subjetivamente. Assim a lei trabalha em dois
campos: hipótese e solução178.
O sistema normativo positivado do direito teve grande destaque quando
Kelsen editou sua famosa obra a Teoria Pura do Direito, dizia ele:
De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se
confundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a
teoria política. Esta confusão pode porventura explicar-se pelo
fato de estas ciências se referirem a objetos que
indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito.
Quanto a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do
Direito em face destas disciplinas, fá-lo não por ignorar ou, muito
menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar um
sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência
jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza do
seu objeto179.
Tércio Sampaio bem coloca que o grande mérito de Kelsen foi restringir a
busca científica apenas à norma, dispensando, assim, outros elementos, como
sociológicos, psicológicos, etc.:
A redução do objeto jurídico à norma causou inúmeras
polêmicas. Kelsen foi continuamente acusado de reducionista,
de esquecer as dimensões sociais e valorativas, de fazer do
fenômeno jurídico uma mera forma normativa, despida de seus
caracteres humanos. Sua intenção, no entanto, não foi jamais a
de negar os aspectos multifaciais de um fenômeno complexo
178 DABIN, J. Teoria General Del Derecho. Madrid: Editorial de Derecho Privado. 1955 p.66. 179 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1999, p. 1-2.
62
como é o direito, mas de escolher, dentre eles, um que
coubesse autonomamente ao jurista. Sua ideia era a de que
uma ciência que se ocupasse de tudo corria o risco de se perder
em debates estéreis e, pior, de não se impor conforme os
critérios de rigor inerentes a qualquer pensamento que se
pretendesse científico180.
Entende-se que no Brasil se adota essa noção de lei como ordenadora da
vida social181182. E também183 adota a noção de que a lei é criada pelos
representantes do povo, assim, a lei é comando do povo para o povo184.
Caberia indagar então se o juiz, em especial o juiz constitucional, poderia
se afastar da solução prevista na norma. Mais, se a própria Constituição manda
aplicar a lei, conclui-se que a Constituição impõe que ela própria seja cumprida. Já
foi visto anteriormente que toda disposição constitucional tem eficácia, ainda que
mínima. O que importa destacar é que a Constituição é a ordem fundante do sistema
jurídico. Logo, impõe que seus fins sejam cumpridos. A esse respeito é oportuno
citar a critica que Bobbio fez a Santi Romano no que tange a sua teoria do sistema
normativo:
A nosso ver, a teoria da instituição teve o grande mérito de pôr em relevo o fato de que se pode falar de Direito somente onde haja um complexo de normas formando um ordenamento, e que, portanto, o Direito não é norma, mas um conjunto coordenado de normas, sendo evidente que uma norma jurídica não se encontra jamais só, mas está ligada a outras normas com as quais forma um sistema normativo185.
180 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Por que ler Kelsen, hoje. Apud COELHO, Fábio Ulhôa. Para entender Kelsen. 3. ed. 3. Tiragem. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. XIV e XV.
181 Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 5º, Inciso II: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. 182 SAVARIS, José Antônio. Um teoria da Decisão Judicial da Previdência Social. (Tese de Doutorado). p.37 Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-25082011-161508/pt-br.php. Acesso em 25 de abril de 2016. 183 Constituição da República Federativa do Brasil, Art 1º, Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 184 Observe-se que a noção de lei como comando já se encontrava presente no pensamento romano (Cícero), continuou assim no pensamento medieval (São Tomás), permaneceu assim em Hobbes, fortaleceu-se em Austin e purificou-se em Kelsen, apud. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1999. p.181-189. 185 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª.ed. Brasília: Editora UnB, 1999. p. 21.
63
Destaca-se, porém, que observar o fenômeno jurídico sob o prisma da
teoria das normas jurídicas não importa dizer que o mesmo é desvalorado. Assim, o
direito é um conjunto de modelos de valores, ideologias e preferências que
expressam modos de comportamentos, através de uma norma escrita186. Austin
esclarece que é falacioso dizer que um sistema normativo não possui um mínimo de
justiça, pois se trata de um sistema no qual o comportamento humano é regrado por
normas gerais, de amplo conhecimento e aplicadas por via judicial187.
Dessa forma o respeito à norma e a sua teleologia é imperativo ao jurista,
pois ali já estão consagrados os valores e fins da sociedade. Daí a advertência da
doutrina de que a dissolução da lei constitucional em casuística teria como
contrapartida a transformação do Estado de Direito em Estado do Judiciário188. De
igual modo é a crítica nacional.
Entende-se como Kelsen189 que a justiça estaria na própria lei, cabendo ao
aplicador do direito aferir tão somente a validade formal da norma e não a justiça ou
correção de sua aplicação. Porém, uma correta interpretação da norma fundamental,
que valida todo sistema, é condição lógico-transcendente imprescindível, eis que seu
conteúdo valorativo deve ser ajustado ao fato histórico. A norma constitui a
decorrência de um juízo de valor190.
A partir dessas colocações, o direito pode ser identificado como expressão
normativa, que é um conceito nuclear para a dogmática analítica e um fenômeno
complexo. As normas que interessam peculiarmente ao jurista, no universo múltiplo
de normas, são as jurídicas191.
186 PECES-BARBA, Gregório; et alli. Curso del Teoria del Derecho. segunda edición. Madrid: Marcial pons edicións jurídicas. 2000. p. 23-25. 187 HART. H.L.A. The Concept of Law. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2005. p. 222. 188 MÜLLER, Friederich. Métodos de Trabalho de Direito Constitucional. 3a. ed. São Paulo: REnovar. 2005. p. 27 189 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes,2000. p. 225-228 190 PASINI, apud. DINIZ, Maria Helena. O Conceito de Norma Jurídica como Problema de Essência. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 43. 191 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo : Atlas, 1994. p. 107.
64
Carl Schmitt192 também advogou contra a admissão da moral na
concreção do Direito. Na obra "A Tirania dos Valores" o autor defende a ideia de que
não é possível ordenar o direito e a política pelo valores, uma vez que estes têm
uma forte expressão subjetiva. Critica o crescimento da importância de valores
excludentes e de flutuação livre nos contextos jurídico, político e ideológico. Da
Escola de Frankfurt advém a mesma constatação, de que a teoria do direito não é
uma teoria da justiça193.
Posta essas noções de como o sistema jurídico da Civil Law, e in casu, o
nosso, foi estruturado cabe analisar alguns aspectos da chamada teoria da justiça.
Tal é importante para verificar se uma decisão judicial pode pautar-se por esse
critério como fundamentação, justificação. E, a partir dessa escolha, afastar a norma
constitucional e aplicar somente o critério justiça.
Sob um aspecto estrito, Justiça é a constante e perpétua vontade de
conceder o direito a si próprio e aos outros, segundo sua igualdade. Portanto, é uma
virtude subjetiva194.
Já sob um conceito amplo, justiça é a felicidade social. Ou seja, o anseio
do homem por justiça é o eterno anseio do homem por felicidade. É a felicidade que
o homem não consegue encontrar no indivíduo e encontra na sociedade.
Ainda, sob a visão desse autor, a justiça implica a observância de vários
caracteres, destacando a veracidade e o respeito á igualdade.
Há vários tipos de justiça: legal (segundo as leis), social (que tende ao
bem de todos, coletivo), distributiva (a cada um segundo seus méritos,
proporcionalmente), inter-individual (consiste em não prejudicar a ninguém),
atributiva (que consiste em dar a título gratuito) e retributiva (que dá a título
oneroso).
192 SCHMITT, Carl. La Tirania de lós Valores. Buenos Aires: Hydra, 2010. p. 45-48. 193 HABERMAS, Jürgen. Facticitad y Validez. Madrid: Trotta, 2005. p. 240-243. 194 SANTOS, Mário Ferreira dos Santos. Métodos Lógicos e Dialéticos. 3ª.ed.Vol.2. São Paulo: Editora Logos, 1962. p. 65.
65
Hart destaca que fazer justiça é justamente aplicar a regra geral para
todos, sem desvios de condutas, preferências ou preconceitos. Essa imparcialidade
é justiça, justiça na aplicação da norma195. A objeção a tal pensamento poderia ser
dada pela alegação de que aqui o autor trata da justiça formal e não da material, que
deve sopesar as situações individuais.
Por outro giro, Hart196 ainda critica a noção de justiça ou injustiça por ser
deveras vaga, pois varia conforme o objeto em causa, pois se trata de um padrão
individual. Assim não basta comparar casos para se achar um padrão de justiça. Há
uma complexidade maior do que dizer que é distribuir bens às pessoas na medida
da sua igualdade. O padrão de semelhança relevante varia entre os indivíduos no
tempo.
No ponto, é importante destacar que a noção de justiça passa pela noção
de injustiça, ou seja, são conceitos ligados. Sem um é difícil perceber o outro. E está
sempre vinculada ao interesse de cada um e a sua percepção197. Retorna-se,
portanto, ao aspecto subjetivo, que por sua característica não é uma opção segura.
Já numa visão mais liberal, Rawls198 diz que as instituições básicas da
sociedade não devem apenas ser ordenadas e eficientes, devem ser também,
justas. Para ele a justiça é a primeira das instituições sociais. O justo é um conjunto
de princípios, gerais em sua forma e universais em sua aplicação, que deve ser
publicamente reconhecido como uma última instância de apelação, para a
ordenação das reivindicações conflitantes de pessoas éticas. Mas tal não é vista
como sinônimo de igualdade absoluta entre as pessoas. É pautada em qualificativos
éticos do agir. De igual modo Ross199 diz que nunca na história se pretendeu dar um
sentido absoluto à igualdade que equivalesse ao de justiça.
Não se pode esquecer que o conceito de justiça varia conforme a
preponderância que o intérprete dá a algum valor ou consequência de uma ação.
195 HART. H.L.A. The Concept of Law. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2005. p.222 196 HART. H.L.A. The Concept of Law. p. 174-175 197 MATHEUS, Carlos Eduardo. A noção de Injustiça. Politéia. São Paulo. vol. 1, n.1. 2013.p 29-30. 198 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M.R.Esteves. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. p.145 199 ROSS, Alf. Direito e Justiça. São Paulo: Edipro, 2000. p. 314.
66
Nesse passo, a justiça pode ter vários postulados, quais sejam: a cada um segundo
seu mérito, a cada um segundo sua contribuição, a cada um segundo suas
necessidades, a cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua posição
e condição200. Mas como dizer qual é o postulado correto e verdadeiro? Assim,
conforme a subjetividade do julgador, os antecedentes da decisão poderiam
demonstrar uma situação injusta e a finalidade da decisão judicial seria corrigir tal
situação.
Invocar a justiça é como dar uma pancada na mesa: uma expressão
emocional que faz da própria exigência um postulado absoluto. Não é o modo
adequado de obter um entendimento mútuo. É impossível ter uma discussão
racional quando se apela para a “justiça”, porque nada diz que possa ser receber
argumentação a favor ou contra201.
A noção de injustiça surge quando a sociedade, insatisfeita com a
legalidade e o procedimento legal, passa a nutrir anseios de justiça, ignora que ela
não existe em si e que é incabível, como observara Epicuro, discutirmos a “justiça”
ou “injustiça” da norma produzida ou da decisão tomada pelo juiz, visto que nem
uma, nem outra justiça ou injustiça, existem em si; os sentidos, de uma e outra, são
assumidos exclusivamente quando se as relacione à segurança [segurança social],
tal como concebida, em determinado momento histórico vivido por determinada
sociedade202.
Retorna-se ao ponto de que em uma Democracia é o povo por meio de
representantes quem faz a Constituição e às leis, ali está posta a justiça da e para a
sociedade. A esse respeito Ernst Tugendhat, da Universidade de Tübingen,
escreveu ensaio sob o título “Sobre o que significa justificar juízos morais”,
ensinando que o justo é um conceito contrário ao poder e, assim, uma ordem
normativa justa é aquela em que os indivíduos se impuseram eles mesmos essa
ordem. Portanto, uma ordem justa é uma ordem autônoma, em um sentido diferente
da autonomia preconizada por Kant. Nessa autonomia dita coletiva, cada um é ao
mesmo tempo origem da norma e objeto da norma. Assim, “se um indivíduo fere um
200 ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 317-319. 201 ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 320. 202NIZAN, Paul. Démocrite Épicure Lucrèce: les matérialistes de l’antiquité (textes choisis). Paris:Arléa, 1991, p. 151.
67
tal sistema normativo ao qual pertence, ele fere suas próprias regras, que são
igualmente regra de todos. Ele fere todos os outros em sua capacidade de
portadores dessa regra. E podemos dizer que a reação dos outros ao serem feridos
dessa maneira é o que é terrível para aquele que feriu a norma. Mas somente é, se
ele se entende como membro dessa sociedade moral203.
Baseado nessa ideia de que o conceito de justiça deve ter um referencial,
MacCormick204 entende que a ideia que deve reger a conduta dos juízes é a de fazer
justiça de acordo com o direito. De igual posição é Eros Grau205, quando diz que
decisão justa, para ser justa, há de ser conforme uma lei preexistente.
Tal posição recebeu críticas de Atienza, que questiona:
Como poderia utilizar a teoria de MacCormick um juiz que estivesse enfrentando um caso com relação ao qual tivesse a opinião de que o direito positivo, como tal, não fornece uma solução justa?
Para esse autor, não há uma resposta correta no direito, assim o juiz
poderia formular a resposta que julgue correta, ainda que está esteja em desacordo
com à posição que o direito positivo objetiva206. Crê-se, porém que esse
pragmatismo pode levar à arbitrariedade e à falta de segurança207. Pois, para cada
caso o julgador cria uma norma, e o critério de justiça no caso concreto não é
estático e sim aleatório. Esta é exatamente a crítica que a Teoria dos Neutral
Principles of Constittutional Law, é necessário racionalidade e neutralidade na
aplicação da norma constitucional. Visto que mudando o julgador o resultado poderia
ser diferente. Eros Grau bem sintetiza essa situação:
Isso é necessário afirmar bem alto: os juízes aplicam o direito, os juízes não fazem justiça! Vamos à Faculdade de direito
203 BRITO, Adriano Naves (Org.). Ética: questões de fundamentação. Brasília: UnB, 2007. p. 26 204 MacCormick, apud, ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito. Teorias da Argumentação Jurídica. 3a.ed.São Paulo: Landy. 2003. p. 152. 205 GRAU, Eros. Porque tenho medo dos Juízes.6ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p.118 206 ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito. Teorias da Argumentação Jurídica. 3a.ed.São Paulo: Landy. 2003. p. 226. 207 Sobre o neopragmatismo ver a crítica de POSNER, Richard. Para além do Direito. São Paulo: Martins Fontes. 2009. p. 11
68
aprender direito e não justiça. Justiça é com a religião, a filosofia, a história208.
Invocar a justiça como forma de decidir uma querela impõe que se tenha
uma certa ordem pressuposta, do contrário nada restará a não ser injustiça,
Recaséns Siches209 pontua: "Sin un mínimum de certeza y seguridad jurídicas no
podria reinar la justicia en la vida social. No puede haber justicia donde no haya un
orden."
Postas essas observações, parece que não há mais espaço para se
discutir um critério autônomo de justiça. Tal há de estar assentado em algo objetivo,
in casu, a normatividade positivada. Aliás, o Supremo tribunal Federal210 já destacou
que:
O exercício da judicatura está fundado no direito positivo (a eticidade de Hegel). Cada litígio há de ser solucionado de acordo com os critérios do direito positivo, que se não podem substituir por quaisquer outros. A solução de cada problema judicial estará necessariamente fundada na eticidade (ética da legalidade), não na moralidade. Como a ética do sistema jurídico é a ética da legalidade, a admissão de que o Poder Judiciário possa decidir com fundamento na moralidade entroniza o arbítrio, nega o direito positivo, sacrifica a legitimidade de que se devem nutrir os magistrados. Instalaria a desordem.
É possível concluir deste capítulo que o STF na sua função de guardião da
Constituição não pode se afastar de uma ampla análise dos elementos materiais e
formais que precedem a decisão judicial. Tal proceder é de curial importância para a
máxima concretização das normas constitucionais. Percebe-se também que por
força constitucional todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas. Importa,
então, analisar como se processa essa fundamentação, em específico na
argumentação jurídica utilizada.
208 GRAU, Eros. Porque tenho medo dos Juízes. 6ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p.19. 209 SICHES, Recaséns. Nueva filosofia de la Interpretación del Derecho. 2a.ed. México: Editora Porruá. 1973. p.307. 210 STF, voto do Min. Eros Grau, na ADPF 144 em 06 de agosto de 2008, publicada no DJE em 16/03/2010.
69
CAPÍTULO 2
ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA EM SEDE DE JURISDIÇÃO
Neste capítulo procura-se estabelecer algumas noções sobre
argumentação. Não obstante as muitas espécies de argumentos, dar-se-á enfoque
apenas à argumentação jurídica. Assim, ficam excluídos de análise as
argumentações de base sociológica, econômica, moral, etc. Daquela analisam-se os
elementos destacados, que se acredita serem os mais importantes para a ciência do
direito, quais sejam: os caracteres de uma argumentação e seus fins. Para tanto far-
se-á uma incursão junto a lógica jurídica e filosófica jurídica, pois ambas permitem
um aprofundamento das análises e um rigor das conclusões.
A argumentação existe como decorrência lógica de uma possibilidade de
escolha211. Sempre que esta existir deve-se dar as razões da escolha por uma das
opções. A contrario sensu onde não há opção de escolha os argumentos de
escolhas são logicamente despiciendos. Assim, a argumentação é de extrema
importância para a ciência do direito. Porque é através dela que se pode dar o
caráter de não arbitrariedade, de não parcialidade do jurista. Porque na adequação
do fato-jurídico à norma não há apenas uma opção ao jurista. Há um plexo de
normas escritas e não escritas, consequentemente deve-se dar as razões pela
qualificação jurídica do fato.
O objetivo é apresentar uma argumentação com bases sólidas de
raciocínio e lógica que possuam valor científico. Segundo Atienza212 a justificação
argumentativa, também, permite o controle das decisões judiciais pelos cidadãos e é
um meio de legitimar democraticamente essa atividade do juiz. Assim, uma
argumentação baseada em escolhas pessoais do julgador, em geral, carece de uma
coerência sistêmico-jurídica.
211 MACKORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. IX. 212 ATIENZA, Manuel. Interpretación Constitucional. Colômbia,Bogotá: Universidad Libre. 2010. p 11.
70
Com base nisso, pode-se dizer que a argumentação, em especial a
jurídica, não é apenas um ato formal. Deve ter um conteúdo material. Isto é, não
pode ser apenas retórica. Em argumentação jurídica se trabalha no mundo do ser.
Toda a teorização intelectual da hermenêutica deve ser transplantada ao mundo do
ser, seja pela palavra ou pela voz. É a conhecida aplicação da hermenêutica, e
concretiza-se através da argumentação. Então, deve haver coerência lógica
argumentativa entre a estrutura normativa do dever-ser com plano fático. Com isso
se quer dizer que o jurista não pode mudar a realidade anterior com seus
argumentos. Não pode interpretar situações da vida por um único filtro, numa única
territorialidade ou numa única base normativa. Argumentação é raciocínio lógico,
que é sistemático e coerente213.
Assim manifesta-se Atienza214 sobre o caráter sistemático da
argumentação:
Ahora bien, este último planteamiento, lo que viene a mostrar en realidad es que la argumentación no presupone la interpretación en sentido estricto, pero sí em sentido lato; esto es, argumentar implica necessariamente un entendimiento, la atribuición de algún significado a las premissas y a las conclusiones, lo cual vale incluso para la concepción formal da la argumentación de la que luego se hablará.
Dessa forma, Atienza clarifica que a função da argumentação não é
meramente formal, mas sim possui um núcleo material. Este consiste numa
conclusão racional, com base objetiva, que se preocupa com a unidade do sistema e
com os fins da decisão. Neste aspecto, Alexy215 citando Perelman diz que este,
seguindo os imperativos categóricos de Kant, dizia que se deve comportar como se
fosse um juiz cuja ratio decidendi deva proporcionar um princípio válido para todos
os homens.
213 Ver que o grande processualista Eduardo J. Couture entendia que em todo ato de interpretação não havia uma simples conduta lógica, mas um ato de vontade. Dizia que embora o intérprete pretenda ser absolutamente neutro, não podia sê-lo. In Interpretação das Lei processuais, São Paulo: Max Limonad. 1956. 214 ATIENZA, Manuel. Interpretación Constitucional. Colômbia,Bogotá: Universidad Libre. 2010. p.20. 215 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. A Teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 3a.edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p163
71
O objetivo é sempre permitir que a decisão possua uma carga de
neutralidade. Que, não obstante, a análise do caso particular e a formulação de uma
norma individual para tanto, possa ser reproduzida a todas as situações
semelhantes vindouras. A objetividade é o fundamento da argumentação, logo válida
para qualquer caso na mesma situação.
A fim de se perseguir um rigor lógico deve-se, na justificação interna,
verifica se a decisão se segue logicamente das premissas que se expõem como
fundamentação, o objeto da justificação externa é a correção destas premissas. É o
conhecido silogismo jurídico216. A justificação externa se preocupa com a correção
das premissas utilizadas na fundamentação
Daí aplicarem-se regras universais na sua justificação, ou seja, aquelas
que são requeridas pelo princípio de universalidade, de justiça formal, tratar da
mesma maneira todos aqueles que estão na mesma categoria217.
Com esse procedimento a argumentação passa a ser fonte de
legitimidade e controlabilidade da decisão. Se um enunciado normativo é
estruturalmente aberto, a problemática passa a envolver as possibilidades de
interpretação desse enunciado e de concretização do direito fundamental. Pergunta-
se: se há diversas possibilidades interpretativas para uma mesma hipótese, qual
delas é a correta? Ainda que nenhuma delas possa ser considerada a solução
correta, como identificar qual delas apresenta os argumentos mais razoáveis?218
A partir dessas questões, as teorias da argumentação jurídica219
desenvolveram três critérios que devem ser seguidos pelo aplicador do direito para
obter maior objetividade e neutralidade em sua decisão: (I) a argumentação deve ser
capaz de apresentar os fundamentos normativos que lhe dão sustentação, isto é,
distinguir quais os conceitos jurídicos utilizados e as normas positivas que podem
216 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação. p.219. 217 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação. p.220. 218 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p.164-167. 219 Ao levar em consideração fatores de ordem institucional como determinantes para a argumentação jurídico-constitucional, as teorias da argumetação jurídica pretendem dar conta da tensão entre faticidade e normatividade que se apresenta como um dos principais pontos da teoria constitucional contemporânea. Na teoria institucional norte-americana, conferir SUNSTEIN, Cass; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. Chicago Public Law and Legal Theory Working Paper Series, n. 28.
72
incidir sobre o universo fático; (II) a argumentação deve preservar a integridade do
sistema. Para tanto, deve lançar mão de princípios e regras amparadas no próprio
ordenamento jurídico, com base em valores que podem ser remetidos ao desenho
estrutural da Constituição. Em síntese, a solução apresentada precisa ser
universalizável, ou seja, tem de poder ser aplicada a todos os casos que apresentem
as mesmas circunstâncias; e (III) o intérprete constitucional não pode perder-se no
mundo jurídico, desconectado da realidade social. A despeito de estar vinculado a
uma argumentação essencialmente jurídica, o intérprete tem de levar em
consideração a repercussão de sua decisão no mundo dos fatos, na vida das
instituições e dos sujeitos individuais.
Ainda que a argumentação se baseie numa normatividade mais aberta
como a dos princípios jurídicos, ainda assim, há de observar certo método. De
acordo com Virgílio Afonso da Silva220, a racionalidade e a objetividade das decisões
judiciais que são fundamentadas em princípios devem ser observadas a partir de
três aspectos: um metodológico, um teórico e um institucional. O aspecto
metodológico requer que seja aplicado o sopesamento para os casos de colisão
entre princípios, tornando-se possível comparar o grau de restrição a um direito
fundamental com o grau de realização do que com ele colide221. O aspecto teórico
consiste na explicitação dos pontos de partida teóricos para a argumentação
jurídica. O aspecto institucional é subdividido em respeito a precedentes e controle
social. A argumentação se torna mais sólida e, consequentemente, a decisão
adquire maior efetividade, quando está amparada em precedentes consolidados na
jurisprudência. Por outro lado, o controle social das decisões judiciais realizado pela
sociedade por meio dos veículos de comunicação também eleva a controlabilidade
das razões apresentadas pelo tribunal.
A argumentação qualifica nossas conclusões e asserções do modo como
o fazemos, nós autorizamos nossos ouvintes a ter mais ou menos fé nas asserções
ou conclusões, a confiar nelas, a contar com elas, a tratá-las como sendo
220 SILVA, Virgílio Afonso da. Direito e interpretação: racionalidades e instituições. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 363-380. 221 No cap.3 se verá como se dá o choque do mesmo princípio constitucional (igualdade) entre os diversos membros da sociedades.
73
correspondentemente mais ou menos dignas de confiança222. Como visto, a
observação de um rigor metodológico conduz a uma objetividade do argumentar.
Já no que tange ao aspecto material da argumentação importa dizer que
a reflexão racional sobre a realidade, em qualquer medida que seja tomada, pode
chegar a proporcionar indicações vinculantes para a vontade. À práxis jurídica se
chega a partir da verdade jurídica conhecida pela razão223. E está é orientada pela
busca da verdade material.
Não se pode concordar com os que entendem224 e pregam a separação
entre racionalidade formal (verdadeiro-falso) da racionalidade material (o que é
apropriado). Explica-se. Nenhuma delas é apta, sozinha, a produzir bons resultados
conclusivos. A racionalidade formal segue seus postulados (coerência, silogismo,
terceiro excluído, etc.) mas nem sempre chega a um resultado justificável no mundo
dos fatos. De outro modo o racionalismo material, com a sua práxis, de igual modo,
pode não ser justa, globalmente, no mundo fatos. Enquanto a primeira tem sua
lógica assegurada para todos, não tem necessariamente validade material, pois
pode ser injusta, imoral, etc. Já a segunda tem relação em assegurar o justo, mas
pode não fazê-lo para todos.
Tem-se que o elo de ligação entre essa racionalidade formal e a material
como meta de garantir que a argumentação jurídica tenha coerência lógica e gere
segurança jurídica passa pela aplicação dos princípios neutros. Estes são vistos
como limitadores de preferências subjetivas (políticas), de competências e
impositores de obediência às regras225, sempre aplicados com prudência. Dessa
feita o objetivo é fazer cumprir a norma constitucional, mas com coerência com os
objetivos maiores226, que devem ser observados.
222 TOULMIN, Stephen. O Uso dos argumentos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.130. 223 ZAGREBESLKY, Gustav. El Derecho Dúctil.Madrid:Trotta.2005. p. 121. 224 ZAGREBESLKY, Gustav. El Derecho Dúctil. p. 123. 225 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard Law School, vol. 73, 1959. 226 Com por exemplo os fundamentos e objetivos da República expressos nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal de 1988.
74
Ao contrário do que se pode pensar, a argumentação baseada em
princípios (neutros) não traz insegurança. Quanto a segurança da argumentação
baseada em princípios a professora Falcón y Tella entende que não há
discricionariedade absoluta na aplicação destes. Cita o exemplo dos princípios da
legalidade e da irretroatividade que impedem em qualquer caso o Juiz de aplicar a
alguém uma regra que no momento de realizar o ato que se julga não se
considerasse como regra jurídica227.
Observe-se que a aplicação de princípios conhecidos e consagrados nos
ordenamentos jurídicos enfatiza a base sobre o qual o sistema jurídico nacional está
alicerçado. Porém, o uso indevido ou o elastecimento exagerado de uma ideia posta
em determinado princípio é que pode ser perniciosa. Veja-se, por exemplo, o
princípio do devido processo legal. Segundo o mesmo todos que são partes em
processos tem direito de serem ouvidos, de produzir provas, etc. Porém, se o
julgador utilize esse princípio sem sua elasticidade natural tal se converte em fator
de insegurança. Assim, aplicar tal princípio como se regra fosse, e a partir de então
anular atos processuais que não pudessem mais ser repetidos, apenas para
assegurar o “devido processo legal” é formalismo. E como tal é ilógico. Os princípios
se aplicam, justamente, in concreto para que o direito se fique apenas nos planos
formal e estático.
Assim a aplicação de princípios na argumentação jurídica deve vir
cercada de mais cautelas do que a aplicação de regras. Tal sentir é de explicação
lógica, na medida que as regras tem sua validade abstrata ligada diretamente à
norma fundamental. Já os princípios só têm sua validade e eficácia avaliados in
concreto, e, ainda, podem ter por base não apenas uma Constituição escrita. Mais,
as regras têm aplicação binária, aplica-se ou não. Os princípios não são assim, e
muitos podem conviver numa mesma argumentação e com diferentes valores e
pesos.
227 TELLA, Maria José Falcón y. Conceito e Fundamento da Validade do Direito. Porto Alegre: Ricardo Lenz editor. 2000. p.214
75
Assim, estamos com MacCormick228 quando afirma que quem
quer que deseje apresentar um argumento deve estar preparado para defender e
justificar suas premissas, usando para tanto uma variedade de argumentos práticos
e retóricos. Em última instância, o que se está a falar é que a argumentação jurídica
deve ser entendida como uma espécie de raciocínio prático, ou seja, “por tratar da
razão como algo que estabelece o que é correto fazer em situações em que haja
escolha, ela trata da justificação".
E na argumentação jurídica devemos observar que uma das principais
funções da jurisprudência é garantir que se conserve o que é essencial no processo
legal: os procedimentos pelos quais as alegações devem ser apresentadas em juízo,
discutidas e estabelecidas, e as categorias segundo as quais se deve apresentar,
discutir e estabelecer as alegações229.
Desse modo, a argumentação jurídica se dá sob uma série de
condicionantes, que devem ser observadas, nas palavras de Larenz230:
(...) pois que a argumentação jurídica tem lugar sob uma série de condições limitativas’. Estas condições seriam: ‘a vinculação à lei, a consideração que se exige pelos precedentes, a chancela da dogmática resultante da ciência jurídica institucionalmente cultivada’, bem como, excetuando o discurso jus científico, ‘as restrições decorrentes das regras dos códigos de processo’. E sendo assim, também é mais restrita a pretensão de justeza que suscitam as asserções jurídicas face às do ‘discurso prático geral’. ‘Não se pretende dizer, de modo puro e simples, que o enunciado normativo que se afirma, que se propõe ou que se expressa num ato de julgar é racional, mas que só pode ser racionalmente fundamentado nos quadros da ordem jurídica vigente.
Na sequência do trabalho ver-se-á a primeira matriz da fundamentação
jurídica no Brasil, qual seja, o caráter impositivo da mesma por comando
constitucional. Assim, nas decisões judiciais a argumentação jurídica mostra-se
228 MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 101. 229 TOULMIN, Stephen. Os Usos dos Argumentos. São Paulo: Martins Fontes. 2001. p .10. 230 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução de José Lamego, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p.231.
76
necessária, pois há a obrigação de o julgador dar as razões que justificam sua
decisão. E quando essa argumentação não esclarece com perfeição a adoção de
uma posição jurídica, sobrevém a crítica.
2.1 ARGUMENTAÇÃO COMO IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL
O sistema jurídico do Brasil impõe que as decisões judiciais sejam
fundamentadas, tal como dispõe o artigo 93 da Constituição Federal de 1988, verbis:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(...)
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (destaque meu)
Não se abordará aqui as outras normas que impõe idêntica obrigação.
Primeiro, porque o objetivo deste trabalho é baseado numa análise Constitucional.
Segundo, porque seria despiciendo fazê-lo no presente caso, visto a força vinculante
que a Constituição exerce sobre todo o sistema jurídico.
Fundamentar é dar as razões que justifiquem a decisão. Estas são
estruturadas em forma de argumentos. Porém, como se viu em Larenz tal atribuição
judicial não é absolutamente livre. Dessa forma os argumentos devem ser
suficientes a fim de justificar a opção tomada pelo julgador. Ou seja, não basta uma
argumentação meramente formal, com citação de norma legal. De igual modo, não
basta qualquer argumento, muito menos argumentos que não possuam coerência
77
entre si. A argumentação há de ser essencialmente jurídica porque fundada no
sistema jurídico.
O dever de justificar a decisão coloca no julgador a lembrança de que
todos obedecem a lei num Estado Democrático de Direito. Não obstante, ao Poder
Judiciário é dado o poder de invalidar as leis vigentes. Mas, ainda assim sempre
explicitado os argumentos pelos quais entende que a norma democraticamente
produzida carece de validade.
Portanova destacou a importância que a fundamentação representa. Disse
que a vinculação do juiz e da sentença à lei é o objetivo final do processo,
concretizando a atuação da vontade da lei, a segurança jurídica e a manutenção da
ordem pública quando ofendidas pelo conflito. O fim da sentença e sua
fundamentação é restaurar o império da lei e do direito objetivo231.
Já Didier e Barbosa Moreira232 concordam que o juiz na fundamentação,
mais do que analisar, deve resolver questões de fato e de direito. Portanto,
fundamentar significa dar as razões, de fato e de direito, que conduziram o
magistrado até aquela decisão, devendo existir uma exteriorização da base
fundamental da decisão do juiz, como meio de comprovar o distanciamento judicial
de arbitrariedades e subjetivismos.
Leonardo Greco233 ensina:
A fundamentação não deve ser observada apenas para justificar racionalmente a decisão do juiz, mas também para demonstrar, não apenas que ele tomou ciência de todo o conteúdo do processo e de todas as questões nele suscitadas, mas também que todas elas foram devidamente apreciadas
231 PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 2ª Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994, p. 35 e36. 232 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O que deve e o que não deve figurar na sentença, In: Temas de Direito Processual - 8ª série. São Paulo: Saraiva, 2004. 233 GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2010, página
271.
78
Pela pertinência, vale ressaltar a lição de J.J. Calmon de Passos234: "A
fundamentação só é atendível como clara e precisa quando ela é explícita e
completa quanto ao suporte que o juiz oferece para as suas decisões sobre
questões de fato e de direito postas para seu julgamento". Se o fato não é
controvertido, inexiste questão de fato, dispensada a fundamentação, bastando a
referência ao fato certo. Se houver controvérsia, a decisão só é fundamentada
quando o juiz aprecia a prova de ambas as partes a respeito e deixa claras as
razões porque aceita uma e repele a outra. Já nas questões de direito, suas
decisões são fundamentadas quando o juiz expõe o embasamento doutrinário,
jurisprudencial ou dogmático sério que o leva a decidir como decide, tendo em vista
os fatos já admitidos para formação de seu convencimento, nos termos
precedentemente expostos.
Como exposto alhures, a fundamentação deve basear-se em argumentos
formais e materiais, do contrário pode-se ter o que se chama de pseudo-
argumentações. Isto é, aquelas que não permitem uma conclusão racional ou
completa da decisão. A capacidade de argumentar é derivada da capacidade de
perceber e intuir a verdade, estabelecendo uma corelação entre os fundamentos.
Esta evita que se caia nas tentações do erro e da fantasia235.
Dessa maneira, a argumentação procura dentro da área de conhecimento
que está em discussão, provar que o raciocínio está correto e que é verdadeiro. Na
argumentação os aspectos acidentais da coisa não devem ter consideração superior
ao dos aspectos principais. Porque a essência não é pautada pela acidentalidade.
Do contrário se perde a essencialidade da discussão, a não ser que o objetivo seja
meramente retórico.
Assim, usando a expressão dialética num sentido negativo, pode-se dizer
que é uma pseudo-argumentação. Porque o valor de um argumento não reside na
fonte psicológica que o inspira, e sim na norma de perfeição por que se molda. De
234 CALMOS DE PASSOS, JJ. Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 205/206. 235 SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística. São Paulo: Topbooks, 1998. p.18.
79
igual modo, argumentar não é apenas um uso da dialética. Porque não é das
discussões que nasce à luz236.
Num sentido positivo a dialética procura uma resposta racional. Mas
mesmo assim, é conhecida como lógica do provável. Seu domínio é a opinião, modo
de conhecimento suscetível de verdade ou falsidade. Seu ponto de partida são as
opiniões e não as definições necessárias237. Ou seja, a materialidade da
argumentação não pode se dar na esfera das opiniões. Deve ser baseada em
premissas ou proposições passíveis de comprovação e com o qualificativo universal
da verdade. Isso, porque todo conhecimento sensível é incerto, na medida que
procede do campo dos sentidos238. Proposições verdadeiras procedem tão somente
de premissas verdadeiras239.
Tarefa do arguidor não é apenas a de munus arguentis240, e sim, também,
a tarefa de defender aquela através do munus defendendi241. Assim, evita que seu
processo de análise padeça de alguma incorreção que possa viciar a conclusão.
Refutação das proposições errôneas é uma preliminar indispensável de toda
investigação filosófica ou científica242.
A argumentação não é só forma243, mas busca a verdade. Logo deve partir
de premissas verdadeiramente razoáveis ou verdadeiramente admitidas pelo
consenso. Os argumentos servem para provar o rigor lógico dessa conclusão244.
Dessa feita, uma decisão judicial que se baseia em meras presunções (que não são
confirmáveis), cujas justificativas argumentativas não possuam conexão entre si, que
apresentem contradições internas ou externas ou mesmo que demonstrem uma
236 SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística p.17 e 30. 237 SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística. p.54. 238 SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística. p.110. 239 SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística. p122. 240 Do latim: dever de argumentar. 241 Do latim: dever de contra-argumentar. 242SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística. p.90. 243SCHAUER, Frederik. Playing by the Rules. A Philosophical examination of rule-base decision-making in law and in life. New York: Oxford University Press, 2002. p.94. 244 SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística. p.114.
80
visão parcial do sistema jurídico, nada são que meras pseudo argumentações. É
mera forma desprovida de conteúdo sindicável.
A argumentação afastada da preocupação com a verdade é mero artifício
formal de raciocínio. Tal não se presta a trazer benesses ao ser humano. Imagine-se
tal tipo de pensamento numa argumentação jurídica que dá fundamento a uma
decisão judicial que decide a vida das pessoas e entraremos na desvalorização da
vida humana.
Porém, há limites a essa atividade jurisdicional, Néri da Silveira245 diz que:
Se é certo que o juiz, na fase republicana brasileira, não há de ser autômato, na aplicação da lei, senão que lhe cumpre, desde logo, verificar de sua conformidade com a Constituição, não é menos exato, de outra parte, que o Juiz, enquanto órgão do Poder Judiciário, não está autorizado, pela ordem constitucional, a desprezar a lei válida e decidir o caso concreto, por critérios pessoais, subjetivos, qual estivesse a criar a norma que lhe pareça mais justa ou mais conveniente, a solver a hipótese em exame. A autoridade do juiz decorre da Constituição e das leis em conformidade com a Carta Magna. A só investidura como autoridade judiciária não lhe presta aptidão a decidir, discricionariamente, apenas por invocação de princípios ideológicos ou de convicções pessoais, deixando a margem a lei válida, aplicável a espécie. De contrário, seria admitir, desde logo, a substituição do legislador pelo Juiz com evidente desconsideração ao preceito básico do sistema democrático, relativo a separação e harmonia dos Poderes, cujo exercício há de dar-se nos limites defendidos na Constituição. Cumpre entender, entretanto, que com isso não se diminui a independência do magistrado na sua legitimação para, em solvendo litígios, interpretar a lei, atento a seus fins sociais e aos imperativos do bem comum, que também lhe cumpre promover, no ato de julgar.
Várias questões se colocam no campo da argumentação jurídica quanto
ao cumprimento desse comando constitucional. Dessa forma o STF246 já pacificou
que há possibilidade da decisão fazer remissão aos argumentos do julgador de
primeiro grau. Assim, pelo efeito substitutivo do acórdão, os fundamentos do juízo a
245 SILVEIRA, José Néri da. A função do juiz. Porto Alegre: AJURIS Revista da Ajuris n.54/40-52. p.p. 44. 246 STF RE 635729 RG / SP - SÃO PAULO ,Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento: 30/06/2011.
81
quo passam a ser os do juízo ad quem. Porém, imprescindível que este diga
expressamente que adotará tal procedimento, verbis:
EMENTA Juizado especial. Parágrafo 5º do art. 82 da Lei nº 9.099/95. Ausência de fundamentação. Artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. Não ocorrência. Possibilidade de o colégio recursal fazer remissão aos fundamentos adotados na sentença. Jurisprudência pacificada na Corte. Matéria com repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Não se pense, porém que essa posição do Supremo Tribunal Federal é
restrita ao sistema dos Juizados Especiais, dada a sua característica especial de
simplicidade e celeridade247. De igual posição modo tem decidido nos processos
sujeitos ao rito ordinário: “Não viola o art. 93, IX, da CF o acórdão que adota os
fundamentos da sentença de primeiro grau como razão de decidir248.”
Outro aspecto interessante a ser destacado é que apesar de o princípio
jurídico, que determina a fundamentação da sentença, ser de ordem pública, o juiz,
ao fundamentá-la, não é obrigado a responder à totalidade da argumentação, desde
que conclua com firmeza e assente o decisório em fundamentos idôneos a
sustentarem a conclusão. O critério é o de se exigir uma fundamentação suficiente,
mas não absolutamente exaustiva, pois muitas vezes há argumentos impertinentes
(inclusive, pouco sérios) e até indignos de maior consideração249.
Pertinente, a respeito, o magistério do notável processualista português,
Alberto dos Reis250, que diz que o tribunal não está obrigado a analisar e apreciar
todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas produzidas
pelas partes.
247 BRASIL. Lei n. 9.099/95. 248 STF (HC 98.814, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 23-6-2009, Segunda Turma, DJE de 4-9-2009.) No mesmo sentido: HC 94.384, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 2-3-2010, Primeira Turma, DJE de 26-3-2010. Vide: AI 789.441-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 25-11-2010. AI 664.641-ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 16-9-2008, Primeira Turma, DJE de 20-2-2009; MS 25.936-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-2007, Plenário, DJE de 18-9-2009; HC 86.533, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 8-11-2005, Primeira Turma, DJ de 2-12-2005.
249 ALVIM, ARRUDA. Manual de Direito Processual Civil. Processo de Conhecimento. Vol. II. RT: 7ª ed, 2000, p. 651/653. 250 REIS, Alberto dos. Código de Processo Civil Anotado. Coimbra Editora, 1984, v.5, p.141
82
Idêntica posição é adotada pelo Supremo Tribunal Federal251:
O art. 93, IX, da CF exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão.
Ou seja, o STF deixou claro que há limites dialéticos no processo. Esse
limite é a necessidade, deixando claro, assim, que o processo de argumentação não
é mera forma, mas também é material. Encerra-se, ou mostra-se suficiente, quando
não carece de dúvidas quanto aos elementos essenciais que justificaram a decisão.
Em voto memorável o Exmo. Min. Marco Aurélio252 assim se manifestou:
A decisão, como ato de inteligência, há de ser a mais completa e convincente possível. Incumbe ao Estado -juiz observar a estrutura imposta por lei, formalizando o relatório, a fundamentação e o dispositivo. Transgride comezinha noção do devido processo legal, desafiando os recursos de revista, especial e extraordinário pronunciamento que, inexistente incompatibilidade com o já assentado, implique recusa em apreciar causa de pedir veiculada por autor ou réu. O juiz é um perito na arte de proceder e julgar, devendo enfrentar as matérias suscitadas pelas partes, sob pena de, em vez de examinar no todo o conflito de interesses, simplesmente decidi-lo, em verdadeiro ato de força, olvidando o ditame constitucional da fundamentação, o princípio básico do aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.
Por esse motivo, também é pacífico o entendimento do Supremo Tribunal
Federal253 que não permite a discussão sobre pontos acidentais do processo, que
não influíram na decisão, verbis:
251 AI 791.292-QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23-6-2010, Plenário, DJE de 13-8-2010, com repercussão geral. No mesmo sentido: AI 737.693-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 26-11-2010; AI 749.496-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 18-8-2009, Segunda Turma, DJE de 11-9-2009; AI 697.623-AgR-ED-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-6-2009, Primeira Turma, DJE de 1º-7-2009; AI 402.819-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-8-2003, Primeira Turma, DJ de 5-9-2003.. 252 STF RE 435.256, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26-5-2009, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009.
83
1. Embargos de Declaração. A função do Tribunal, nos embargos de declaração, não é responder a questionário sobre meros pontos de fato, mas sim de dirimir dúvidas, obscuridades, contradições ou omissões. 2. Não havendo no acórdão dúvidas ou contradições, nega-se provimento aos embargos de declaração.
Por fim, cabe dizer que a decisão judicial carente de fundamentação é
nula. Mas para que tal ocorra impõem-se a alegação pela parte prejudicada. Porque
o processo é um procedimento no qual a atuação ativa das partes, reforça-se, assim,
que a fundamentação não é mero aspecto formal da decisão, tem uma variante
material. Por isso o Supremo Tribunal Federal254 já assentou que:
Não há falar em negativa de prestação jurisdicional quando, como ocorre na espécie vertente, ‘a parte teve acesso aos recursos cabíveis na espécie e a jurisdição foi prestada (...) mediante decisão suficientemente motivada, não obstante contrária à pretensão do recorrente.
Visto que a Constituição impõe o dever dos magistrados de justificar suas
decisões judiciais, impõem também a vinculação daquelas as suas normas jurídicas.
Vê-se, a partir de então, qual é o conteúdo jurídico que deve embasar essa
argumentação judicial.
253 STF ERE nº93.325 (Edcl) - RJ, rel. Min. Alfredo Buzaid, in RTJ 103/269. 254 STF AI 650.375-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 10-8-2007.
84
2.2 O CONTEÚDO JURÍDICO DA ARGUMENTAÇÃO COMO ASPECTO DA
TÉCNICA JUDICIAL
Por argumentação jurídica deve-se esclarecer, por um conceito negativo,
que tal não significa uma argumentação baseada apenas na lei. Porque a norma
jurídica expressa no texto de lei não é a única do sistema jurídico. Como viu-se, há
também os princípios jurídicos. Mas não é só, a argumentação jurídica, salvo nas
ações objetivas de controle de constitucionalidade, não se vincula apenas a
apresentar uma justificativa à tese jurídica in abstracto255.
Aliás, o Supremo Tribunal Federal256 já reiterou diversas vezes que
questionar lei em tese, sem que tenha ocorrido o substrato real que a introduza no
mundo dos fatos é inviável. Dado que a lei e, de resto, qualquer ato normativo, em
sentido material, ostenta características de generalidade, impessoalidade e
abstração, não tendo, portanto, operatividade imediata, necessitando, para a sua
individualização, da expedição de ato administrativo ou de sua aplicação real a um
fato ou pessoa.
Também Meirelles257 assentava que “[a] lei em tese, como norma abstrata
de conduta, não é atacável por mandado de segurança (STF, súmula n. 266), pela
óbvia razão de que não lesa, por si só, qualquer direito individual”.
O processo objetivo não é a regra no nosso sistema jurídico. A regra é o
exame de situação fática. Aliás, como se verá no capítulo três, mesmo naquele
sistema objetivo, in casu na ADPF 186, o Supremo Tribunal Federal fez análise geral
de uma situação social. Ou seja, não se baseou apenas nos textos legais.
Importante, então, mencionar que Pontes de Miranda258 faz uma análise
muito perspicaz da ciência do direito dentro daquilo que chama de "processos
sociais de adaptação". Diz que o direito é um deles, isto é, através do qual o homem
adapta-se ao viver em sociedade. Segundo esse autor o direito se apropria de
255 Do Latim: em abstrato, em tese. 256 STF, RMS 33072/DF, Min. Carmen Lúcia, 07/08/2014. 257 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 41. 258 PONTES DE MIRANDA, Francisco. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 2a.edição. Tomo I,Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. p.303.
85
conceitos, valores e princípios de outras áreas do conhecimento, como da economia,
da religião, política, moral, etc. Mas, a partir do momento que o faz, estes passam a
ser considerados jurídicos. Assim, se o direito de uma nação incorpora o princípio
religioso da não dissolução do vínculo matrimonial este princípio passa a ser jurídico.
Não se trata apenas de afirmar que o direito é norma, decisão,
ordenamento e estrutura, mas, sobretudo que o direito é instância da realidade. E
que o direito é apreendido do exterior: é uma criação do homem259.
A partir dessas colocações pode-se perceber os conceitos morais ou
axiológicos que encontram-se dispersos nas normas jurídicas não são
necessariamente pertencentes ao direito. O que importa é que se lá se encontram
isso foi uma opção da sociedade, pela via legislativa. Assim, passa a ser incorreto
dizer que o julgador que argumenta apenas com base na norma jurídica escrita (lei)
é uma mero exegeta, formalista reprodutor das palavras do legislador. Ao contrário,
o julgador que apoia seus argumentos no texto legal está utilizando os valores que a
maioria elegeu como regedores da ordem social. Querer que o magistrado
argumente com os seus valores morais, econômicos, etc, significa que se quer a
opinião do mesmo e não seus argumentos jurídicos.
Eros Grau conceitua a norma jurídica como o preceito, abstrato, genérico
e inovador -tendente a regular o comportamento social dos sujeitos associados - que
se integra no ordenamento jurídico. Diz, a propósito que a norma jurídica não tem
existência isolada, mas sim em um complexo de outras normas relacionadas entre
si. Citando Bobbio, acentua que a construção de uma teoria do direito supõe o
desenvolvimento de uma teoria da norma jurídica e de uma teoria do ordenamento
jurídico260.
Mas uma lei sempre é feita apenas para um período ou um regime
determinado. Adapta-se às circunstâncias que a motivaram e não pode ir além. Ela
só se concebe em função de sua necessidade ou de sua utilidade; assim, uma boa
lei não deve ser intangível, pois vale apenas para o tempo que quis reger. A teoria
259 GRAU, Eros. O direito Posto e o Direito Pressuposto. 8a.edição, São Paulo: Malheiros, 2011 p.37 260 GRAU, Eros O direito Posto e o Direito Pressuposto. p.235.
86
pode ocupar-se com abstrações. A lei, obra essencialmente prática, aplica-se
apenas a situações essencialmente concretas. Explica-se assim que, embora a
jurisprudência possa estender a aplicação de um texto, há limites a esta extensão,
que são atingidos toda vez que a situação prevista pelo autor da lei venha a ser
substituída por outras fora de suas previsões.
Uma lei (Constituição ou lei ordinária) nunca estatui senão para períodos
normais, para aqueles que ela pode prever. Obra do homem, ela está sujeita, como
todas as coisas humanas, à força dos acontecimentos, à força maior, à necessidade.
Ora, há fatos que a sabedoria humana não pode prever, situações que não pôde
levar em consideração e nas quais, tornando-se inaplicável a norma, é necessário,
de um modo ou de outro, afastando-se o menos possível das prescrições legais,
fazer frente às brutais necessidades do momento e opor meios provisórios à força
invencível dos acontecimentos261.
Dessa feita uma lei deve ser interpretada e aplicada em consonância com
seu espírito e razão; as Cortes têm poder para declarar que um caso conformado à
letra da lei não é por ela alcançado quando não esteja conformado ao espírito e à
razão da lei e da plena intenção legislativa262.
A norma legislativa se formula em termos gerais, porém quem a formula tem
em mente um determinado tipo de casos, bem reais, dos quais teve experiência, ou
tem mentalmente antecipados por sua imaginação, em relação aos quais pretende
que se produza um determinado resultado, precisamente porque considera este
resultado o mais justo. Então resulta evidente que o juiz, ante qualquer caso que se
lhe apresente, tem, antes de tudo, que verificar mentalmente se a aplicação da
norma, que em aparência cobre dito caso, produzirá o tipo de resultado justo em que
se inspirou a valoração que é a base daquela norma (...) Se o caso que se coloca
perante o juiz é de um tipo diferente daqueles que serviram como motivação para
estabelecer a norma e se a aplicação dela a tal caso produziria resultados opostos
àqueles a que ela se propôs, ou opostos às consequências das valorações em que a
261 PERELMAN, Chäin. Lógica Jurídica- Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2002, cit., p.106 262 BLACK, Henry Campbell. Handbook on the construction and interpretation of the laws. West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1896, p. 48.
87
norma se inspirou, entendo que se deve considerar que a norma não é aplicável
àquele caso263.
Por tal motivo já proclamou, em unânime decisão, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal264 que uma decisão judicial – que restaure a integridade da ordem
jurídica e que torne efetivos os direitos assegurados pelas leis e pela própria
Constituição da República – não pode ser considerada um ato de interferência na
esfera do Poder Legislativo.
Já numa esfera de aplicação da norma, que se dá pelo juiz ao fazer a
subsunção do fato jurídico àquela, importa dizer que esta ao atuar sobre os fatos
que compõem o mundo, atribui-lhes consequências específicas. Denominadas
efeitos jurídicos, em relação aos homens pela causalidade normativa265.
Porém, a argumentação jurídica não se estabelece pela análise isolada
da norma jurídica. Sempre há uma relação fática estabelecida no mundo a exigir
enquadramento jurídico ou não.
Nesse passo, evidencia-se a importância e precisão da lição de Pontes de
Miranda266, no sentido de que:
Quando se fala de fatos alude-se a algo que ocorreu, ou ocorre,
ou vai ocorrer. O mundo mesmo, em que vemos acontecerem
os fatos, é a soma de todos os fatos que ocorreram e o campo
em que os fatos futuros se vão dar. Por isso mesmo, só se vê o
fato como novum no mundo. Temos, porém, no trato do direito,
de discernir o mundo jurídico e o que, no mundo, não é mundo
jurídico. Por falta de atenção aos dois mundos muitos erros se
cometem e, o que é mais grave, se priva a inteligência humana
de entender, intuir e dominar o direito.
263 SICHES, Luis Recaséns. Filosofia del derecho. 2. ed., Mexico: Porrua, 1961, p. 659. 264 RTJ 175/253, rel. min. OCTAVIO GALLOTTI . 265 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 90. 266 PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller, 1999, tomo I, p. 52.
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O ato, para ser jurídico, necessita produzir efeitos. Esses efeitos, porém, não
significam simples alteração da realidade fática. Eles vão além, modificando a
realidade fática e a realidade jurídica. Para alterar a primeira, basta a mera vontade
humana. Mas, para alterar a ordem jurídica, faz-se necessário que o ordenamento
admita o fato, valore-o, confira a ele efeitos, repute-o, em suma, eficaz.
A ordem jurídica, portanto, é o elemento que confere dinamicidade ao fato
que ocorre no mundo. É ela que diz o que é o fato jurídico e o ato jurídico. É ela,
igualmente, que confere eficácia à vontade do homem, que a reconhece capaz de
produzir efeitos no mundo jurídico.
Os efeitos jurídicos ligam-se aos fatos como uma consequência deles, por
determinação do ordenamento jurídico.
É a ordem jurídica que diz quais os efeitos a serem conferidos aos fatos. E,
neste sentido, pode-se falar de eficácia dos fatos. Em outras palavras, constata-se,
na realidade fática, que, se um certo e determinado fato ocorrido no mundo real é
capaz de produzir dados efeitos que interessam à esfera jurídica, tal fato é dotado
de eficácia.
A incidência é o efeito da norma jurídica de transformar em fato jurídico a
parte do seu suporte fático que o direito considerou relevante para ingressar no
mundo jurídico. Só após o surgimento do fato jurídico, em decorrência da incidência,
é que se poderá falar de situações jurídicas e de todas as demais espécies de
efeitos jurídicos.
Todo esse caminho lógico a ser percorrido para a harmonização de
comandos normativos indicando soluções opostas demanda do aplicador da
Constituição a reconstrução do sistema de princípios e de regras exposto no seu
texto, guiado por um inarredável dever de coerência. E é somente quando essa
tentativa de definição dos limites próprios a cada norma fundamental se mostrar
infrutífera, já que sobrepostos os respectivos âmbitos de proteção, que cabe ao
intérprete fazer o uso da técnica da ponderação de valores. Instrumentalizada a
partir do manuseio do postulado da proporcionalidade, a fim de operar concessões
89
recíprocas, tanto quanto se faça necessário, entre os enunciados normativos em
jogo, resguardado, sempre, o núcleo essencial de cada direto fundamental. E por
não ser lícito, mesmo nessas hipóteses, a ablação da eficácia, em abstrato, das
normas constitucionais, o resultado do método ponderativo há de ser o
estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios
em jogo, identificando-se o peso prevalecente de uma das normas com o devido
balizamento por parâmetros (standards) interpretativos que reduzam a arbitrariedade
e estimulem a controlabilidade intersubjetiva do processo decisório267. O que deve
ser, sem que delegue ao judiciário a maleabilidade na definição da conduta válida à
luz do Direito268.
A argumentação sedimentada em bases jurídicas traz estabilidade ao
sistema, na medida que fica menos suscetível aos outros campos do conhecimento,
como o social, emocional, econômico, etc. Segundo Maynez269, a segurança jurídica
exige que os juízes chamados a resolver uma controvérsia cumpram sua missão,
aplicando com a maior fidelidade, possível os preceitos da lei escrita, Mas, quando,
em determinado caso, não há lei a ser aplicada, e se esgotaram em vão os recursos
de interpretação, a justiça exige, e o direito positivo permite que o julgador se inspire
em critérios de equidade, já que não está autorizado a abster-se de resolver as
contendas.
Observe-se, porém, que sem autorização legal explícita, porém, não pode o
julgador, motu proprio270, servir-se da inspiração social da equidade. Porque a norma
de equidade está na lei, determinada mediante critério a que o juiz tem de ater-se: o
267 NETO, Cláudio Pereira de Souza. Ponderação de princípios e racionalidade das decisões judiciais: coerência, razão pública, decomposição analítica e standards de ponderação. In:
Constitucionalismo democrático e governo das razões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 144‐7.
18 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 163 et seq.19 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação
constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 297‐382. 20 ALEXY,
Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p. 92. 268 SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning.
Cambridge: Harvard University Press, 2009. p. 35 e 195‐6. 269 MAYNEZ, Eduardo Garcia. Introducción al Estudio del Derecho, Ed. Porrua Argentina, 1977 p. 379. 270 Do latim: por vontade própria
90
juiz revela essa norma preexistente no sistema jurídico, embora não codificada, mas
de notável aplicação na vida jurídica271.
O Direito tem por ideal a aplicação do sistema normativo de maneira justa. O
sistema jurídico é “tanto mais perfeito quanto mais se aproxima desse ideal, pela
adequada individualização da norma, na sua incidência sobre os casos concretos272.
Valiosa contribuição neste sentido, acha-se, no verbete “equidade”, do jurista
Guillermo Cabanellas273:
La equidad puede servir de criterio al juez cuando el derecho positivo se lo permite, pero no cuando expresamente se excluye la equidad en su aplicación por preceptos legales.
Observe-se, ainda que o Poder Judiciário não é legislador positivo como
tantas vezes o Supremo Tribunal Federal274 destacou em seus julgados.
Admitir que o Juiz atue como legislador positivo significa uma afronta ao
princípio da separação de poderes. Cujo objetivo é proteger o cidadão contra o
próprio Estado. Daí decorre a sempre citada falta de legitimidade do Poder judiciário
para tal tipo de conduta. Isso impacta o conteúdo da argumentação, vez que quem
arguiu é aquele que também cria a norma.
Algumas indagações sobre esta legitimidade já foram arguidas por
Clèmerson Merlin Clève275:
271SEGNI, Antônio, I Tribunali del Lavoro in Itália, Studio di Diritto Processuale in onere di Giuseppe Chiovenda, Pádua, 1924, p.780. 272 SILVA, Clenício Duarte da. O Conceito de Eqüidade., Rev. do Serv. Público, DASP, vol 107, Set./Dez., n. 03, p. 46, 1972. 273 CABANELLAS, Guillermo, Dicionário de Derecho Usual, 1ª ed., Buenos Aires Ed Atalaya, 1946. p. 207. 274 STF : A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou, com fundamento na interpretação dos princípios da harmonia e independência entre os poderes, a impossibilidade de, em sede jurisdicional, criar-se norma geral e abstrata em substituição ao legislador. ADO/DF, Plenário, rel. Min. Carmen Lúcia, 22/04/2015, disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9016175, acesso em 28/12/2015. Precedentes: ADI 267-MC/DF, Relator o Ministro Celso, de Mello, Plenário, DJ 19.5.1995,; ADI 1.063-MC/DF, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 27.4.2001; (Rcl 14.075-AgR/SC, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 16.9.2014.
91
No que concerne à atividade do Judiciário, é importante verificar os limites impostos, também, pelo princípio da separação dos poderes. É preciso, ademais, superar o problema da legitimidade democrática do Poder Judiciário, ou seja, num Estado Democrático de Direito, com poderes divididos, até onde pode ir o Poder Judiciário enquanto instância garantidora dos direitos fundamentais?
Tem-se que a resposta está na Constituição e no sistema jurídico pátrio.
Não se pode, com um fim utilitarista e por mais nobre que seja a intenção, permitir
que os juízes criem a norma jurídica geral. Admitir-se tal posição significa violar o
princípio da separação dos poderes e o princípio segundo o qual nosso sistema
jurídico é disciplinado, que é o de que as leis são anteriores aos fatos e não o
contrário. As leis devem por imperativo de lógica e coerência ser pro futuro.
É importante relembrar o conceito de jurisdição, que na lição de
Chiovenda276 é:
Pode definir-se a jurisdição como a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.
Assim, decisão jurisdicional diz o direito, não o cria. E deve justificá-lo,
para que possa ser sindicado via recursos. Portanto, é na argumentação que se
poderá aquilatar se a decisão foi baseada na lei ou não, se está era correta, se está
teve a interpretação acertada, etc.
275 CLÈVE, Clemerson Mèrlin. Desafio da efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais.
Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 12 dez. 2014.
276 CHIOVENDA, Giussepe. Instituições de Direito Processual Civil, vol. 2, n. 137, tradução de J. Guimarães Menegale, São Paulo: Ed. Saraiva, 1943. pág. 11.
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A respeito diz Piero Calamandrei277:
A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exactamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão, pois, se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em que altura do caminho o magistrado desorientou.
Como assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no
julgamento do Mandado de Segurança n. 22.690/CE, Relator o Ministro Celso de
Mello:
O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI FORMAL TRADUZ LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL DO ESTADO. - A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. - Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 - RTJ 143/57 - RTJ 146/461-462 - RTJ 153/765, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário - que não dispõe de função legislativa - passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes” (DJ 7.12.2006)
277 CALAMANDREI, Piero. Eles os juízes, vistos por nós os advogados. São Paulo: Ed. Pillares, 2013. pág. 143.
93
A par disso, parece que aqueles278 que pretendem trabalhar os
argumentos jurídicos apenas a partir do campo de uma teoria discursiva do direito
também não obtiveram grande êxito. Cujo intento é o de superar o antigo debate
entre os normativistas que correm o risco do distanciamento da realidade dos fatos e
os jusnaturalistas que ofuscam a vinculatividade do direito positivo. Pretendem
reconstruir com a filosofia da linguagem, uma teoria consensual (democrática) da
verdade. Para os mesmos os resultados obtidos de acordo com um procedimento
participativo são mais ou menos racionais.
Acredita-se que este sistema de argumentação democrática não consegue,
sozinho, resolver a carência argumentativa das decisões judiciais. O fato de
adotarem argumentos ditos "democráticos", “humanos” ou "justos" como critério de
validade não se mostra correto, na medida que tais conceitos são indeterminados e
podem, a pretexto de fazer o bem, substituírem critérios normativos para decidir por
critérios subjetivos.
Observe-se que esse três conceitos já estão expressos na norma
constitucional. Porém, não permitem, sozinhos, uma argumentação jurídica, pois são
princípios. São, portanto, uma argumentação a posteriori, porque são normas no
plano reflexivo, normas de balizamento das regras279. Estas sim é que são a razão
imediata das normas.
Vê-se, portanto, que não basta na argumentação jurídica se observar as
normas vigentes, há um método para fazê-lo de forma correta e para que se alcance
a verdade. Neste aspecto a argumentação lógica que será tratada a seguir serve
como complemento àquela, porque permite organizar o raciocínio de modo a evitar
que seja inconsistente, incoerente e arbitrário.
278 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e Agir Comunicativo. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 115. 279 NEVES, Marcelo. Entre Hydra e Hércules. p.84
94
2.3 A LÓGICA COMO MÉTODO PARA UMA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
COERENTE
Os problemas jurídicos280 que se apresentam ao jurista são, em regra, de
complexa solução. Sem um procedimento lógico para estruturação das premissas
argumentativas abre-se um largo campo para a intuição. Nesse momento o uso de
um procedimento logicamente correto é condição necessária e suficiente, e por isso
imprescindível do conhecimento jurídico281.
O sistema jurídico é um sistema aberto, de sentido incompleto, que evolui
e se modifica. A abertura do sistema científico decorre da incompletude e do caráter
provisório do conhecimento científico282.
Disso resulta que a adoção de justificação jurídica pautando-se em
hábitos costumeiros, como pode ser a aplicação de certa jurisprudência, não pode
ser estática. Toulmin283 explica que hábitos de inferência, em outras palavras,
começam como meros atos costumeiros, mas, a seu devido tempo, tornam-se
mandatórios ou obrigatórios. É concebível que métodos falhos de argumento
conservem sua influência numa sociedade, e sejam transmitidos através de
gerações. Assim, não basta o costume (argumentativo) para dar validade e
autoridade a uma forma de argumento.
Dessa maneira, temos que, a mera reprodução de precedentes judiciais
sem uma análise lógica da pertinência dos mesmos ao caso a ser decidido não
significa uma argumentação lógica, ao menos do ponto de vista material. Eros
Grau284 concorda que a aplicação do direito não é, pois, o conteúdo abstrato das
leis, nem a justiça escrita no papel, nem a moralidade das palavras, que decidem o
valor dum direito; a sua realização objetiva na vida, por meio da qual o que é
conhecida, proclamado como necessário, se atinge e se executa, eis o que consagra
o direito o seu verdadeiro valor. Assim, a fim de bem mensurar a norma e avaliar os
280 No dizer de Pontes de Miranda o problema jurídico é gerado pelo defeito de adaptação do homem à vida social, in Sistema de Ciência Positiva do Direito. 2a. edição. Rio de Janeiro: Borsoi editora, 1972. Tomo I, p.92. 281 KLUG, Ulrich. Lógica Jurídica. Colômbia: Temis Editora, 1990. prólogo e p.3. 282 GRAU, Eros. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 8a. edição. São Paulo: Malheiros, 2011. p.24. 283 TOULMIN, Stephen. O Uso dos argumentos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 5. 284 GRAU, Eros. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. p.34.
95
fatos jurídicos a lógica serve como balizamento para a execução do raciocínio
jurídico.
A lógica é uma ciência objetiva, suas leis não são sugestões nem
generalizações experimentais, mas verdades estabelecidas. O lógico tem razão de
ser seletivo em seus estudos; ele não é simplesmente um sociólogo do
pensamento; é mais um estudante de hábitos adequados de inferir e de cânones
racionais de inferência285. Na lógica o conhecimento é animado pela razão, isso o
diferencia do mero ato de vontade que é animado pela paixão286. A prova racional
também chamada intelectual é um processo da razão que decorre da experiência
imediata, quer interna, quer externa, através da análise dos termos, dos princípios
do raciocínio, por meio dos quais adquirimos a certeza de algo. A prova irracional
não se funda propriamente em conceitos ou juízos, mas no sentimento, na ação, na
simpatia, etc287.
Toulmin288 esclarece mais uma vantagem do uso da lógica no raciocínio
jurídico, diz ele:
O paralelo entre a lógica e as práticas do Direito tem mais uma vantagem: ajuda a manter no centro do quadro a função crítica da razão. As regras da lógica podem não ser “dicas”, sugestões ou generalizações; não obstante, elas se aplicam aos homens e a seus argumentos -. não do modo como se aplicam as leis da Psicologia ou as máximas do método, mas como padrões de realização’ que um homem, ao argumentar, pode alcançar mais plenamente ou menos plenamente, e pelos quais seus argumentos podem ser julgados. Uma “boa causa”, solidamente construída, uma alegação bem fundada ou firmemente apoiada, resistirá à critica, será “causa” que corresponde ao padrão exigido, pan a qual se pode esperar veredicto favorável. Quantos termos do Direito aparecem aqui, numa extensão natural! Quase somos tentados a dizer que o que alegamos fora dos tribunais — nossas alegações extra-judiciais — tem de ser justificado, não ante os juízes de Sua Majestade, mas, sim, ante o Tribunal da Razão.
285 TOULMIN, Stephen. O Uso dos argumentos. p.5 e 7. 286 ZAGRABESLKY, Gustavo. El Derecho Ductil- Ley, Derecho y Justicia.sexta edición. Madrid: Trotta, 2005. p.121. 287 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. São Paulo: É Realizações, 2009. p.105. 288 TOULMIN, Stephen. O Uso dos argumentos. p.11.
96
Quando Aristóteles iniciou os estudos e empregos da lógica às ciências,
esse logos (lugar) significava discurso ou razão, isto é, tudo o que se refere ao saber
humano em ordem à conquista da verdade material.
Segundo o prof. Wilson Madeira Filho289, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, o silogismo aristotélico clássico é a comprovação da vinculação de dois
termos criando uma proposição; se um desses termos vier a se vincular a um
terceiro termo, em determinadas proporções comuns a ambos, seria possível
estabelecer uma nova conexão, até então inédita, ou, pelo menos, que ainda não
havia sido comprovada.
Essa noção preliminar nos permite dizer que a busca da verdade no
processo é mediada pelos elementos que lá se colocam. Em argumentação deve-se
demonstrar o porquê. O que se demonstra faz-se mediatamente com termo médio.
O que se mostra faz-se imediatamente sem termo médio290. Assim, a verdade
surge, em certo aspecto, do termo médio entre as provas produzidas. A
demonstração exige o termo médio, pois é uma operação que consiste em comparar
o que se pretende provar a algo já devidamente provado291. Assim, um argumento é
composto de proposições e os objetos de estudo do lógico são as relações formais
entre as proposições292.
Neste aspecto é importante mencionar que a lógica não é, porém,
meramente formal pelo estudo dessas proposições. Ao contrário, procura ser útil aos
homens, facilitando-lhes a vida e guiando-lhes na formulação de pensamentos
verdadeiros. Assim, a lógica divide-se em formal e material.
A lógica formal se interessa pelas formas mais gerais do pensamento,
como a ideia, juízo e raciocínio. Objetiva-se que o pensamento seja coerente
consigo mesmo. Num exemplo, as pessoas de raça branca são ricas, Sócrates não
é branco, logo Sócrates é pobre. Tal raciocínio, está correto do ponto de vista formal,
289 MADEIRA FILHO, Wilson. Teoria da Motivação da Decisão Jurídica, XIV Congresso Nacional do Conpedi/UNICAP, Recife, 2005. 290 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. p.61. 291 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. p.71. 292 SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p.8.
97
mas não prova a veracidade da conclusão. Ou seja, a veracidade das premissas
nem sempre leva a veracidade da conclusão. O contrário também pode ocorrer, ou
seja, premissas incorretas, mas conclusão correta. Assim, toda pedra é um homem,
Sócrates é uma pedra, logo Sócrates é um homem. As premissas são absurdas,
mas a conclusão correta, porque cientificamente conhecemos as características de
um homem e Sócrates se enquadra nelas. Isso mostra que a razão, tais quais as
impressões humanas, são falíveis293, sendo necessário compô-la com outros
métodos a fim de chegar a verdade.
Já a lógica material trata das relações do pensamento com a realidade,
isto é, estuda os métodos gerais das ciências em busca da verdade. Num exemplo,
os países situados na zona do equador recebem grande incidência de radiação
solar, o Equador situa-se nessa área, logo o Equador recebe grande quantidade de
radiação solar. O raciocínio aqui além de formal é materialmente verdadeiro, porque
há provas científicas de que o Equador é um país de temperatura elevada em
decorrência da sua ampla exposição à radiação solar.
Assim, a lógica é meio de prova. E está apta a provar a veracidade
necessária de uma tese, ela é, portanto, o meio indispensável de toda demonstração
científica. Mas a prova lógica depende sempre de premissas. A questão decisiva na
investigação científica está em descobrir as premissas verdadeiras que possam
servir de estrutura ao raciocínio294.
Entretanto não há consenso na doutrina quanto a descoberta da verdade
no meio jurídico. Eros Grau295 diz que a alternativa verdadeiro/falso é estranha ao
direito; no direito apenas o aceitável (justificável) é possível. O sentido do justo
comporta sempre mais de uma solução. Em construção doutrinária de ampla
aceitação, Recaséns Siches296 propôs como método interpretativo a "lógica do
razoável" (logos del razonable), segundo a qual na interpretação da lei o aplicador
há de proceder "razoavelmente", mas sempre obedecendo as normas. Deve verificar
293 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 2a. edição. Rio de Janeiro: Borsoi editora, 1972. Tomo I. Tomo I, p.97. 294 SCHOPENHAUER , Arthur. Dialética erística. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p. 56 e 58. 295 GRAU, Eros. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 8a. edição. São Paulo: Malheiros, 2011. p.41. 296 SICHES, Luis Recaséns. Experiencia Jurídica, Naturaleza de la Cosa y Lógica razonable. Mexico: Universidad Nacional Autonoma de Mexico, 1971.
98
a realidade e sentido dos fatos, deve apurar os juízos de valor adotados pela ordem
jurídica vigente para encontrar a solução conveniente, em função daquilo que a
ordem jurídica admite como sentido de justiça. Á lógica do razoável, portanto, é
razão, tão razão como a lógica tradicional, mas uma razão impregnada de pontos de
vista estimativos, de critério de valorização, de pautas axiológicas que não
desprezam a história e o legado da experiência.
Em que pese o teor das posições supra, entende-se, data venia, que
proceder em busca da verdade é imperioso á ciência do direito. Esta não se destina
a situações ficcionais, de abstrações, mas à realidade297. Com base nisso
Schopenhauer298 entende que pensar contra as leis da lógica não é fácil, ao
contrário, o ser humano é dotado de uma lógica natural. Logo, falsos juízos são
frequentes, mas falsos silogismos são extremamente raros.
Não se aplica uma norma jurídica senão à ordem de coisas para a qual foi
estabelecida299. Esse é um primado de lógica, tal como em Schopenhauer300 quando
diz que aquilo a que não corresponde a nenhuma species301, não corresponde
tampouco a nenhum genus302. A verdade objetiva não pode ser deixada de lado
nesse processo. O operador não pode se perder nos argumentos unidirecionais, a
investigação não pode levar a conclusões esdrúxulas ou odiosas. Do contrário tem-
se um sofisma, porque o procedimento de confrontação de casos ou partiu de
elementos falsos ou chegou a um resultado falso. A verdade de uma proposição
conduz a uma validade na aprovação dos contentores e ouvintes. Portanto, a
preocupação dever ser com o formular juízos verdadeiros303.
Pontes de Miranda diz que:
A ciência estuda os fenômenos observáveis que se sucedem no tempo, para ela, os princípios lógicos são auxiliares e na utilização deles poder-se-ia chegar a conclusões inaceitáveis. (...) O direito deve viver de realidades e não de abstrações. (...)
297 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 2a. edição. Rio de Janeiro: Borsoi editora, 1972. Tomo I. p.68. 298 SCHOPENHAUER , Arthur. Dialética erística. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p.100. 299MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito.19a. edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 173. 300 SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p. 109. 301 Do latim: espécie. 302 Do Latim: gênero. 303 SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética erística. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p. 96-97.
99
somos maus julgadores da significação das coisas passadas e mais ainda das presentes. Não damos valor a certos fatos, que os tem. E não raro exageramos o de outros, que pouco atuam na ordem histórica304.
Assim, optar pela lógica305 não significa filiar-se necessariamente à
corrente tradicionalista (lógica formal), mas usá-la em um âmbito contingente como o
argumentativo implica, para a corrente emancipatória, mergulhar na linguagem
natural, mediante a qual o direito se expressa, e ter, desta forma, consciência de
suas limitações.
A referência aos raciocínios lógicos no mundo jurídico, por sua vez, advém
de uma postura de respeito aos textos normativos que compõem seu ordenamento
referente (princípio da legalidade), como se este fosse completo (sem lacunas) e
coerente (sem antinomias), possuindo normas de conduta que, antecipando o
conflito, propõem previamente uma solução propositiva (dever-ser) ao mesmo.
Mas, na advertência de Perelman306 vê-se que na concepção atual de
direito, menos formalista, porque se preocupa com a maneira pela qual é aceito pelo
seu meio, o direito positivo não pode ser entendido apenas como conjunto de leis e
regulamentos, que seguem uma regularidade formal que lhes atribui validade formal.
Pode haver divergências consideráveis entre a letra dos textos, sua interpretação e
sua aplicação. Nesse sentido, explica o autor:
O direito, tal como esta determinado nos textos legais, promulgados e formalmente válidos, não reflete necessariamente a realidade jurídica. Quando uma sociedade esta profundamente dividida sobre uma questão particular, e não se quer colidir de frente com uma parte considerável da população, nas sociedades democráticas em que se desejar que as medidas de coerção se beneficiem de um amplo
304 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 2a. edição. Rio de Janeiro: Borsoi editora, 1972. Tomo I. p. 67/68. 305FALCÃO, Pablo R. de L. Do Direito que é, Aquele que vem a ser; implicações epistêmicas da relação entre decidibilidade jurídica e raciocínio lógico-dedutivo. COMPENDI XVI Congresso Nacional/ PUC Minas - Belo Horizonte: DATA: 15,16,17 de novembro de 2007, p 3757. 306 PERELMAN, Chäim. Lógica jurídica: Nova Retórica. trad. de Verginia K. Pupi. Sao Paulo:
Martins Fontes, 1998, p. 186-187.
100
consensus esse obrigado a recorrer a compromissos fundamentados numa aplicação seletiva da lei. Espera-se que, após uma fase transitória em que a situação de fato não coincide com a situação prevista pela lei, seja possível, graças ao costume estabelecido, fazer os textos coincidirem com a realidade.
Ainda, Perelman cita a explicação de Mathew Hale307 sobre o raciocínio
judicial para justificar as decisões tomadas, dizendo que é preciso:
Comparar as alternativas resultantes de uma ou de outra norma considerada, sopesar suas consequências previsíveis para a vida prática, humana, econômica e social, e escolher a que, numa apreciação imparcial das consequências favoráveis ou desfavoráveis, acarretar, mediante comparação, os menores inconvenientes e as maiores vantagens.
Importa que a análise do problema jurídico posto ao julgador seja
realizada de maneira material, segundo um rigor lógico. Tal permitirá extrair
premissas corretas, correlacionar e embasar os argumentos. Para tanto, importa
verificar o sentido que algo possui, o prof. Lênio Streck308 bem coloca essa questão:
No fundo a adequabilidade nada mais faz do que pretender acoplar universalizações a “coisas particulares”. É como se um ente (o fato concreto) pudesse existir sem o ser (sentido). Ora os sentidos não estão à disposição do intérprete. Não pode haver cisão entre compreensão e aplicação.
Mais adiante o mesmo nos recorda que não há grau zero na compreensão
e para tanto cita Luiz Rhoden, para quem a linguagem, como a história, possui um
‘peso’, uma força que nos conduz ou arrasta. Em outras palavras Klug309 chama a
307 Chief justice Matthew Hale. Consideration touching the Amendment or Alteration of Laws ed. por Francis Hargrave (Collectanea juridica, 1791, pp. 51) apud PERELMAN, op. cit., pp. 201-202.
308 STRECK, Lênio. Verdade e Consenso. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 134/135.
309 KLUG, Ulrich. Lógica Jurídica. Colômbia: Temis Editora, 1990. p.63.
101
atenção de que a evidência, que fomenta as premissas, deve sempre ser
demonstrada, do contrário não passa de um fenômeno psicológico.
Dessa maneira, como se verá no capítulo três, estabelecer que um grupo
de cidadãos merece proteção do Estado em detrimento de outro grupo exige uma
prova de distinção entre ambos. Pois a premissa geral é que o Estado trata seus
cidadãos de maneira igual. Mais, essa distinção deve ter uma pauta, ou seja, não se
distingue por distinguir-se. Importa dizer em quê. Importa dizer para quê. Esses
fundamentos da distinção destinam-se a verificar a validade da premissa geral que
se estabelecerá.
Tal é assaz importante ao operador jurídico na medida em que escolhe
premissas ditas evidentes, deve demonstrá-las. Dessa feita, fundamentar uma
decisão judicial é demonstrar, através de provas, que o raciocínio pautou-se em
premissas corretas. Que as premissas e a conclusão possuem coerência com o
comando constitucional.
Passada essa fase preliminar das premissas, importa que o jurista atente-
se para os princípios básicos da lógica. Tais permitirão dar conformação de validade
ou não a cadeia de raciocínio. Por dever de concisão abordaremos apenas alguns
desses.
Entende-se por princípio, em linhas gerais, o ponto de partida de onde
alguma coisa é (de onde principia) ou é conhecida. Os abaixo elencados são
considerados classicamente como princípios demonstrativos, proposições
comuníssimas, imediatas, que se adquiri por impulso nativo de nossa inteligência, na
simples cognição dos termos. Bastou a nossa experiência, a força da nossa
intelectualidade para os alcançar. São eles fundamentos de toda argumentação.
Sem eles teria sido impossível fundar um saber culto, e foram sempre considerados
como válidos por uma “mostração”310, e não por demonstração, pois a sua evidência
era de per se suficiente311.
310 A palavra é adotada por Mario Ferreira dos Santos in Filosofia Concreta. 311 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. São Paulo: É Realizações, 2009. p.322.
102
Os princípios fundamentais para a validez da demonstração são os
princípios: da identidade, da contradição, do terceiro excluído, da razão suficiente e
da finalidade.
O princípio da identidade deve ser entendido pela fórmula A é A
necessariamente, mas só quando é A. Isto é, toda proposição é equivalente a si
mesma312.
O princípio da contradição pode ser considerado ontológica ou
logicamente. Ontologicamente o enunciado é: é impossível que algo
simultaneamente seja ou que não seja sob o mesmo aspecto. Logicamente,
impossível é afirmar ou negar o mesmo de algo sobre o mesmo aspecto, e
simultaneamente. Este princípio é estático. A ausência de contradição não é
somente propriedade consequente da razão do ser, mas é constitutivo dele313.
O princípio do terceiro excluído enuncia-se assim: ou algo é, ou algo não-
é. Também se chama princípio de disjunção, pois indica que para certa coisa é
necessário que valha a afirmação ou negação314.
O princípio da razão suficiente expressa-se dizendo que nada se afirma,
nada é afirmado, sem uma suficiente razão de conhecimento ou sem o suficiente
prova. Afirmar-se alguma coisa sem suficiente conhecimento é afirmar-se
irracionalmente em sentido ontológico315.
O princípio da finalidade diz que todo o agente atua segundo um fim. Sem
o fim não poderia haver uma operação, porque a operação tende para algo316.
312 LARA, Jose Miguel Viera. Curso Elemental de Filosofía y Logica. Santiago: Universidad Central de Chile, 2001. p.154. 313 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. São Paulo: É Realizações, 2009. p.326. 314 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta.p. 321.Ver ainda PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 2a. edição. Rio de Janeiro: Borsoi editora, 1972. Tomo I. p.67. 315 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. p.328. 316 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. p.329.
103
A aplicação desses princípios permite que os argumentos jurídicos
consigam demonstrar que são a razão suficiente para a decisão judicial, porque se
fundam em juízos apodíticos, isto é, necessários. Estes são por sua vez
suficientemente demonstrados para justificar e comprovar os postulados propostos.
Assim, como a verdade lógica se estabelece pela adequação entre o intelecto e a
coisa, fica afastado o erro de que resulta do não uso da verdade e da razão
conjuntamente317. O seu oposto é o termo "juízo assertório", que são meras
asserções de postulados aceitos, os quais podem receber uma adesão dos que nele
viam algo adequado às suas vivências intelectuais e afetivas. Nestes o que mais
importa é a fé e que menos importa demonstração318.
A lógica serve para combater os perigos da estética e das meras
asserções porque o perigo destes últimos é tender a bastar-se em si mesmos.
Opinião ou doxa é quando se dá um ato mental de adesão, porém não firme e com
receio de errar. Quando se exerce esse pendor opinativo se demonstra que o direito
não está servido de bons métodos319. É o contrário da certeza que também é um ato
de adesão, mas um ato de firmeza sem um mínimo temor de erro320.
Assim, a lógica do raciocínio parte de que as escolhas das premissas
tenham seguido critérios racionais (por processo analítico) de acordo com o que se
pretende. Utilizar os conceitos e fatos que não guardam relação de semelhança
pode ser desastroso, e não raro sói acontecer. De igual modo utilizar (interpretar e
aplicar) normas jurídicas de maneira parcial também pode macular o raciocínio. O
conceito, a amplitude e a necessidade de uma norma pode divergir se os indivíduos
estão na mesma situação? A decisão judicial pode fazer esse tipo de discriminem?
Os argumentos jurídicos servem apenas para convencer o auditório universal321?
Nem tudo se compara por semelhança relativa. Como visto alhures, noções de
espaço, tempo e jurídico-sistêmica são necessariamente complementares à
317 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. p.125. 318 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. p.49. 319 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 2a. edição. Rio de Janeiro: Borsoi editora, 1972. Tomo I. p.95-97. 320 SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia Concreta. São Paulo: É Realizações, 2009. p.53 e 59. 321 Sobre auditório universal ver PERELMAN, Chäim. Lógica jurídica: Nova Retórica. trad. de Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
104
semelhança fática. Nem tudo é justificável como diz Eros Grau322. Tem-se que o
compromisso do jurista é estabelecer a verdade, pois é esta que dá lógica à vida dos
homens.
Perelman enfoca o risco à sociedade quando o Tribunal opta por fazer
justificações fictícias323. Daí ver-se que a lógica dá métodos claros ao pensamento e
permite evitar erros de raciocínio. Portanto, dá um critério qualificativo de validade
aos argumentos.
2.4 ARGUMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO LEGITIMADORA DA
JURISIDIÇÃO
A Constituição brasileira de 1988 possui uma grande expansão de
conteúdos materiais, isso pode conduzir a dois problemas. O primeiro, levantado e
discutido por Kelsen no Círculo de Viena em 1928, diz respeito a força de validez
formal de uma Constituição quando esta possuir um conteúdo material muito amplo
ou indeterminável.
A argumentação constitucional pode ser vista como um método
argumentativo material que apoia suas justificações na Constituição da República.
Segundo Alexy324 na jurisdição constitucional o tribunal decide a constitucionalidade
ou inconstitucionalidade das leis perante a Constituição de maneira explícita,
proposicional. Ou a lei é constitucional e logo não será inconstitucional ou o
322 GRAU, Eros. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 8a. edição. São Paulo: Malheiros, 2011. p.27-29. 323 PERELMAN, Chäim. Lógica jurídica: Nova Retórica. trad. de Verginia K. Pupi. Sao Paulo: Martins Fontes, 1998 p.191. 324 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Organizador/tradutor Luís Afonso Heck, 3ª. Ed. Porto Alegre: livraria do Advogado, 2011. p. 162.
105
contrário, daí diz que esse tipo de sentença constitucional é argumentativa ou
discursiva.
O segundo problema ocorre quando se utiliza mal ou de maneira parcial
um dispositivo da Constituição para justificar a opção do juiz na sua decisão. Ou
ainda, em situação agravada, quando a argumentação não se apoia em base
constitucional, dando uma justificação estreita e incoerente com o sistema jurídico.
Dessa feita a validez de uma disposição constitucional pode deixar outras normas
constitucionais esvaziadas de efetividade325.
Sarmento326 bem coloca a dimensão do problema:
De fato, se, por um lado, a jurisprudência pátria vem caminhando para o reconhecimento de uma ampla eficácia dos direitos fundamentais na esfera privada, por outro, ela o tem feito praticamente sem qualquer fundamentação jurídica. As decisões parecem basear-se mais numa intuição de justiça dos juízes do que numa argumentação dogmática sólida. É preciso avançar neste ponto, para construir alicerces mais firmes na nossa matéria, tornando a aplicação dos direitos fundamentais no âmbito privado intersubjetivamente controlável, e, na medida do possível, relativamente independente dos humores e das inclinações espirituais e ideológicas dos magistrados. Afinal, se há muitos juízes bons, justos e equilibrados, há outros tantos que não o são, e os direitos fundamentais não podem ficar à mercê do psiquismo e da formação moral de quem quer que seja
Na tarefa argumentativa não se pode esquecer o papel da Constituição
Federal junto ao grupo social. Assim, aquela não pode ser incompreensível para
parte da sociedade, a justificação da decisão deve permitir uma sindicabilidade
racional. A Constituição, fruto máximo das aspirações da sociedade, deve ser o
instrumento competente para manter a coesão social dentro de um Estado de
Direito.
325 Nesse sentido é um dos aspectos da crítica doutrinária às decisões do STF, como visto no cap.1. 326 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.261.
106
Duguit327 assim se manifestava sobre Estado de Direito:
Sendo o fim do Estado um fim essencialmente de direito, não podendo sua atividade manifestar-se senão conforme ao direito e no domínio do direito, os atos que ele pratica devem ser classificados logicamente de acordo com o efeito que eles produzem no mundo do direito.
De igual modo Burdeaux328 quando diz que tem a Constituição não só a
função de definir o estatuto orgânico do Estado, mas, ainda, de exprimir a ideia de
direito diretriz da atividade estatal. Aqui cabe uma colocação de Kant329 que dizia
que é preciso distinguir absolutamente entre o conhecimento objetivo do que é, e a
crença ou certeza subjetiva no que deve ser. A argumentação demonstra se o
julgador apoiou-se no que a Constituição expressa e se destina, ou naquilo que o
julgador acredita ser.
Dessa forma a argumentação constitucional parte sempre de uma base
objetiva (Constituição), com os axiomas ali expresso, com os interesses políticos,
com os fins, fundamentos e objetivos do Estado. São estes que servem
objetivamente de elementos à argumentação jurídica. Estão, pois, na Constituição e
não no julgador. Daí dizer-se330 que a verdade é qualificada como objetiva ou
desinteressada, porque subjetivamente se perde o interesse pela verdade. Ou seja,
não há verdade subjetiva.
Assim, o direito é posto à sociedade pelo corpo legislativo eleito para
tanto, é o ápice do regime democrático. No caso brasileiro, com maior razão, visto
que a Constituição de 1988 traz em seu bojo um ampla discussão e harmonização
dos mais diversos interesses, do ambientalista ao capitalista, do socialista ao liberal,
327 DUGUIT, Léon. Manuel de Droit Constitutionnel, 4ême éd., Paris, E. de Boccard Éditeur, 1923, p. 26. 328 BURDEAUX, Georges d. Manuel de Droit Constitudonnel, 6ême ed., Paris, Librairie Générale de Droit et de Turisprudence, 1952 p.46. 329 KANT, Immanuel. Crítica da Razão prática. 3ª. edição. São Paulo: Martin Claret, 2012. p.184. 330 WEIL, Eric. Lógica da Filosofia. Tradução de Lara Cristina de Malimpensa. São Paulo: É Realizações editora, 2012. p.132.
107
do individual ao coletivo, etc. Daí já se vê a difícil tarefa do julgador que deve fazer
uma leitura única da Constituição. Do contrário, fará uma leitura fragmentada, com
possível caráter desagregador do texto normativo. Essa leitura mostrar-se-á correta
ou incorreta quando forem apresentadas as suas argumentações justificadoras.
Ainda que existam os chamados espaços livres do direito331 e a
ambiguidade, a argumentação constitucional deve ser harmonizadora, de maneira
que uma disposição normativa não elimine as demais. Além, disso a mera
existência de ambiguidade no texto constitucional não autoriza o julgador a sentir-se
inteiramente livre desse texto e da estrutura constitucional. A opção que fica aberta
ao jurista é apenas aquela que forma mais plausível considerando-se a constituição
em todos seus aspectos332.
Black333 bem expos esse pensamento quando disse: “If the text is
ambiguous, the endeavor must first be made to arrive its meaning other parts of the
same instrument334”.
Continua o mesmo:
If an ambiguity exists which cannot be cleared up by a
consideration of the constitution itself, then, in order to
determine its meaning and purpose, resort may be had to
extraneous facts, such as the prior state of the law, the evil to
be remedied, the circunstances of contemporary history, or the
discussions of the constitutional convention335.
331 NEVES, A. Castanheira. A metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra: Coimbra editora, 1993. p.206 332 TRIBE, Laurence. Taking Text and structure seriously: reflections on free-form method in Constitutional Interpretation. Harvard law Review, vol.108 .n.6 april 1995. 333 BLACK, Henry Campbell. Handbook on the Construction and Interpretationof the laws, 2.ª ed., St. Paul, West Publishing Co., 1911, p. 37. 334 Tradução livre: “Se o texto é ambíguo, o esforço deve primeiro ser feito para chegar-se ao seu significado de harmonia com outras partes do mesmo instrumento”. 335 Tradução livre: “Se ocorre uma ambigüidade que não possa ser eliminada no sopeso da própria regra constitucional, então, para determinar-se o seu significado e o seu objetivo, recorre-se a fatos outros, tais como a anterior situação da lei, o dano a ser remediado as circunstâncias da história contemporânea ou as discussões da convenção constitucional".
108
No mesmo sentido, é possível pensar o sistema jurídico como um sistema
fechado, isto é, no qual não há ambiguidade, nem lacunas injustificadas, verbis336:
Por outro lado, enquanto sistema lógico, é o sistema jurídico concluso, pois a si mesmo se define os limites, que são aqueles traçados pela possibilidade de desenvolvimento lógico dos seus axiomas, dos seus postulados ou “princípios”; por outro lado, aquém desses limites ele é unitariamente pleno, e terá de excluir quaisquer hiatos ou fracturas que, a existirem, o negariam como “sistema” (como sistema lógico).
Observe-se que entender o sistema jurídico como fechado não implica
dizer que o mesmo é imutável. Assim, o sistema jurídico vai se amoldando
historicamente às necessidades sociais. A própria Constituição é lida de acordo com
os novos tempos, naquilo que passou a ser conhecido como mutação constitucional.
Alguns doutrinadores dizem que o Direito Constitucional estaria
carregado de princípios morais positivados, que haviam reconduzido ao interior do
discurso jurídico as problemáticas morais337. Escolher outra gama de valores, in
casu, do julgador importaria numa das mais fortes agressões ao sistema jurídico
que é viver em perpétua incerteza338. A argumentação constitucional é aquela que
restabelece a força de validez formal da Constituição. Porque a escolha de valores
argumentativos de maneira parcial pode conduzir a uma justificação que limita a
Constituição, que desrespeita sua força jurídica, que irradia efeitos negativos aos
cidadãos a todos os cidadãos. Assim, a aplicação da Constituição de maneira
parcial, incorreta ou tendenciosa pode ser considerada anticonstitucional nas
palavras de Alexy339.
336 NEVES, castanheira A. Metodologia Jurídica- problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p.209. 337 STRECK, Lenio Luiz. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In: ROCHA, Leonel Severo; STRECK, Lenio Luiz (orgs.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica. Programa em Direito de mestrado e doutorado da Unisinos. Porto Alegre: Livraria do Advogado; São Leopoldo: Unisinos, 2005. p. 153. 338 KAY, Richard S. American Constitutionalism. In: Constitutionalism: Philosophical Foundations. Ed. Larry Alexander. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 22.
339 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. P.74
109
Ainda nessa linha de pensamento, Schauer340 diz que o juiz deve se
pautar por três predicados quando da aplicação das normas jurídicas. O primeiro, de
que essa ação promove a previsibilidade pela certeza de que a configuração de
seus pressupostos de fato desencadeará a consequência estabelecida em seu
enunciado normativo; o segundo, desencadeia a igualdade, pois cada agente social
que se deparar com a hipótese de incidência de uma regra poderá se pautar, diante
dos demais membros da comunidade, de acordo com o que ela prescreve, sem que
seu regime jurídico fique a depender de padrões comportamentais vagos ou
imprecisos, definidos casuisticamente; o terceiro, reforça a democracia, na medida
em que o legislador, constitucional ou ordinário, ao fixar um comando normativo
através de uma regra jurídica, já realiza desde logo uma decisão com conteúdo
sobre o que deve ser, sem que delegue ao judiciário a maleabilidade na definição da
conduta válida à luz do direito.
Percebe-se, assim, que a tarefa do juiz constitucional na concretização da
Constituição deve pautar-se a certo balizamento. Essa baliza seria, na ótica de
Esteves341, uma teoria da argumentação jurídico-constitucional que o impeça - o juiz
constitucional - de se tornar um "legislador paralelo ou supercontrolador no domínio
dos direitos fundamentais" e que articule a ordem de valores da Constituição como
ordem "aberta e fragmentária".
Parece concordar com tal argumento Guastini342, quando diz que é
evidente que, para decidir se um argumento é bom e se para tanto uma certa
distinção legislativa está justificada, deve haver um juízo de valor que é extraído da
Constituição pelo Tribunal Constitucional.
340 SCHAUER, Frederick. Playing by the rules - a philosophical examination of rule-based decision-making in law and in life. Oxford: Clarendon Press, 2002, p. 135-66.
341 ESTEVES, Maria da Assunção A. Estudos de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Ed., 2001. p.166. 342 GUASTINI, Riccardo. Estudios de Teoría Constitucional. México: Universidad Nacional Autônoma de México, 2001. p. 54.
110
Desse modo percebe-se que uma valoração da norma constitucional não
pode se dar pela simpatia subjetiva ou preferência social dos juízes343. O processo
de elaboração de uma decisão judicial é subjetivo, o que não pode haver é um
subjetivismo do julgador. Isto é, pautar uma justificação apenas na sua visão da
Constituição, deixando de considerar os estudos teoréticos, os precedentes judiciais,
as consequências da decisão, em especial a pacificação social. Ao julgador não é
dada a liberdade de para solucionar uma lide criar um novo conflito social.
Häberle344 diz que o resultado da interpretação constitucional está
submetida à reserva da consistência, devendo ela, no caso singular, mostrar-se
adequada e apta a fornecer justificativas diversas e variadas, ou ainda, submeter-se
a mudanças mediante alternativas racionais.
Diz345, ainda, que nos casos de leis que provocam profunda controvérsia
no seio da comunidade o tribunal constitucional, diante dessa profunda divisão
política, tem a tarefa de zelar para que se não perca o mínimo indispensável da
função integrativa da Constituição.
A argumentação constitucional minimamente razoável será aquela que
demonstrar que não há incoerência com o quadro constitucional. Assim, na palavra
de Alexy346:
Uma constituição vista como ordenação-quadro fixa ao dador
das leis, rigorosamente, então, um quadro, quando ela lhe
proíbe alguma coisa- por exemplo, por direitos de defesa-
ordena alguma coisa- por exemplo, por direitos de proteção- e
alguma coisa nem proíbe nem ordena, portanto libera. O
liberado ou possível reside no quadro, o proibido ou
impossível, forma juntamente com o ordenado ou necessário,
o quadro.
343 TRIBE, Laurence H. DORF, Michael C. On Reading the Constitution. Massachusetts: Harvard University Press, 1991. p. 67. 344 HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 42. 345 HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. p. 46. 346 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. p.77
111
De outro modo, a Constituição pode ser vista como ordenação
fundamental, isto é no sentido quantitativo. Nesse contexto ela decide questões
fundamentais da comunidade que são suscetíveis e carecidas de uma decisão por
uma Constituição. Contudo, isso não significa que nesse aspecto ela deva resolver
todas as questões, pode deixar muitas em aberto e nesse aspecto ser uma
ordenação-quadro347.
Dessa forma, ainda que existam espaços ou zonas de incertezas na
Constituição, a mesma deve ser a base da decisão judicial, e os argumentos dela
extraídos devem dar-lhe validez formal e material. É possível ver como isso se deu
no STF. Refere-se aos julgamentos das denominadas ações de saúde, cujo
fundamento é o artigo 196 da Constituição Federal348, trata-se, em específico349, do
RE 607.381 AgR-ED/SC350 assim ementado:
1.(...)
3. O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito
fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um
dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade
e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios.
Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo
deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir
efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar
entraves jurídicos para postergar a devida prestação
jurisdicional.
4.(...) (Destaques meus)
347 ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. P.78 348 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art.196. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 349 O STF tem julgado de forma reiterada, há muito tempo, que o direito á saúde dentro do sistema
judicial impõe que a parte seja economicamente hipossuficiente, vg: ARE 824.414/ MG AgR, Min.
Roberto Barroso, DJ 18/11/2014.
350 STF, RE 607.381 AgR-ED/SC, 1a. Turma, Rel. Min. Luiz Fux, decisão unânime, DJ 17/06/2011, disponível em : http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=624235, acesso em 22/12/2015.
112
Os argumentos usados pelo Exmo. Min. Luiz Fux foram:
A ultima ratio do art. 196 da CF é garantir a efetividade do direito
fundamental á saúde, de forma a orientar os gestores públicos
na implementação de medidas que facilitem o acesso a quem
necessite da tutela estatal à prestação aos serviços médico-
hospitalares e fornecimento de medicamentos, além de políticas
públicas para a prevenção de doenças, principalmente quando
se verificar ser, o tutelado, pessoa hipossuficiente, que não
possui meios financeiros para custear o próprio tratamento.
(destaque meu)
Pode-se pensar que há alguma incongruência na argumentação, na
medida que a mesma restringe o comando constitucional do art.196, que diz que a
saúde é direito de todos. Na decisão supra há, de fato, uma aparente restrição, pois
concede-se o direito apenas àqueles que carecem de condições econômicas. Poder-
se-ia dizer, também, que há uma afronta ao princípio da igualdade estampado no
artigo 5º da mesma Carta da República.
Porém, na decisão há a aplicação do instituto da igualdade material, que
diferencia pessoas em posições diferentes e lhes outorga direitos segundo suas
necessidades. Assim, pelo critério da necessidade não há base racional para se
conceder gratuitamente algo que o cidadão pode pagar pelo mesmo. Um segundo
argumento é que não há monopólio estatal da saúde no Brasil. É permitido o
desenvolvimento de atividade econômica privada dessa seara. Logo, permite-se que
o cidadão escolha aonde quer ser tratado. Aqui aparece o relevante discriminem,
quem busca tratamento de saúde diretamente junto ao Estado (administração) não
recebe qualquer tipo de sopesamento quanto a sua hipossuficiência econômica.
Aplica-se a igualdade formal para todos, porque a política pública de saúde é
coletiva.
Na seara do Estado (Judicial) a situação é diferente e deve sê-lo. Aqui
ocorre uma intervenção judicial no Poder Executivo. Ou seja, é uma política pública
de saúde individual imposta por um Poder que não possui competência
113
Constitucional para tanto. Como o Poder Judiciário não pode mensurar todas as
variáveis técnicas da área de saúde é absolutamente racional que faça um corte
quantitativo. Essa atuação interventiva há de ser módica (iuris prudencia), sob pena
de usurpar a competência alheia.
Vê-se que a justificação da leitura que o STF fez do artigo 196 foi no
sentido de preservação das competências constitucionais, em respeito ao princípio
da força normativa material da constituição. Do respeito ao legislador constitucional,
reafirmando a força normativa formal da Constituição. Da coerência, pois se o
Estado não instituiu certa política de saúde pública, a implantação da mesma por
outro Poder deve ser a menos invasiva possível. Da lógica, pois se certa política
pública de saúde não foi estabelecida, aqueles que podem pagá-la não podem
usufruir individualmente de algo que não está disponível coletivamente. Aplicando-
se a o princípio da identidade verifica-se que está não ocorre, pois são diferentes as
situações saúde pública coletiva da saúde pública individual. Logo, a razão não
permite generalizar as situações a fim de classificá-las como iguais. Aqui se viu que
uma argumentação sólida, com observância de postulados lógicos e com
observância das normas constitucionais não recebeu críticas doutrinárias.
Como já visto a alinhamento do sistema jurídico nacional com o sistema
da Common Law através da introdução da técnica do precedente351 reforça, ainda
mais, a importância da argumentação constitucional. E para que está tenha
aceitabilidade por meio da razão e não por meio da autoridade, importa que os
argumentos justificadores das mesmas sejam os mais completos, profundos,
coerentes e lógicos possíveis.
Imperioso se faz citar o constitucionalista alemão OTTO KIMMINICH352,
pela clareza e síntese apurada quanto a jurisdição constitucional:
A jurisdição constitucional é expressão da idéia de Estado de
Direito, que requer controle independente da compatibilidade do
351 BRASIL. Lei n.13.105/15, art. 489, par.1º, inciso V e VI. 352 KIMMINICH, Otto. A Jurisdição Constitucional e o Princípio da divisão de Poderes. Tradução de Gilmar Mendes. Revista de Direito Público. nº1, 1992. p.17-33.
114
direito ordinário com a norma superior. Algumas vezes, as
exigências do Estado de Direito acarretam dificuldades para a
execução das decisões políticas, que, por isso, tornam-se caras
e demoradas. Evidentemente, essa não é a finalidade do Estado
de Direito, mas o preço que se há de pagar por sua existência.
O princípio do Estado de Direito não pode ser concebido apenas
de maneira puramente formal, sob pena de transformar-se em
"um simples invólucro vazio de legalidade". Assenta-se também
numa concepção material de direito. O Estado de Direito não se
caracteriza apenas pela observância, por parte do legislador,
dos pressupostos formais pertinentes ao processo legislativo, ou
pelo Executivo e Judiciário, na sua aplicação, mas também pelo
esforço na realização da justiça. Entretanto, não se deve
caracterizar o estado de direito, tão-somente, como aquele no
qual se realiza a justiça. Todos os detentores de alguma forma
de poder, num Estado cuja constituição definisse em favor do
estado de direito, estão obrigados a buscar, de forma continua e
ininterrupta, seja no executivo, no legislativo ou no judiciário, a
realização da justiça material. Divisão de poderes não significa
divisão do poder do estado. Não se trata de uma divisão do
poder estatal, mas de uma distribuição do seu exercício entre
diferentes órgãos, independentes entre si. O Tribunal
Constitucional Alemão exerce sua função fiscalizadora utilizando
os parâmetros consagrados na lei fundamental. Não procura o
direito nas estrelas, mas na lei fundamental. Os parâmetros
utilizados, se não estão fixados no próprio texto constitucional,
são desenvolvidos com base nas decisões fundamentais de
cunho axiológico constantes da lei fundamental. A base desse
método é a aplicação do princípio da unidade da constituição:
não pode existir um sistema normativo que apresente
contradições internas. A função do Tribunal Constitucional
Alemão está a indicar que ele é mais do que um simples
tribunal, devendo proceder a aferição de legitimidade das
decisões políticas do legislador com base no parâmetro
constitucional. Em síntese, OTTO KIMMINICH repudia a
afirmação de que o Tribunal Constitucional Alemão avocou a si
o papel de legislador nas inumeráveis decisões em que alterou,
limitou ou suprimiu direitos fundamentais, usurpando funções
legislativas. Muito ao contrário, apenas exercendo sua função
fiscalizadora, utilizando-se dos parâmetros consagrados na lei
fundamental, procedeu a aferição de legitimidade das decisões
políticas do legislador, como guardião da constituição.
115
Pelas análises retro vê-se que o STF, na jurisdição constitucional, deve
observar certos balizamentos a fim de que possa bem exercer sua função e
concretizar no mundo dos fatos o comando que a Constituição impôs.
Também ficou demonstrado que a doutrina está correta quando critica os
fundamentos de decisões do STF, no que se refere a sua desvinculação de
parâmetros racionais, lógicos, e constitucionais. E que é da análise dos argumentos
expendidos na decisão judicial que se pode analisar se há materialmente uma
fundamentação. Mas ainda importa analisar se é possível certa discricionariedade
judicial nesse proceder.
2.5 DISCRICIONARIEDADE ARGUMENTATIVA: ENTRE HART E DWORKIN
Dentro da necessidade imposta pela Constituição da República de que as
decisões judiciais sejam fundamentadas, impõem-se verificar se é possível uma
discricionariedade nesse proceder argumentativo.
Inicialmente destaca-se que discricionariedade353 não é arbitrariedade. A
primeira é uma faculdade dada pela norma354, a segunda não.
353 Adotam-se aqui as noções de discricionariedade cunhadas por Karl Engisch Introdução ao pensamento jurídico. 10. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008, para quem seu ponto essencial é a “possibilidade de escolha”, ou seja, “a convicção pessoal (particularmente a valoração) de quem quer que seja chamado a decidir, é elemento decisivo para determinar qual das várias alternativas que se oferecem como possíveis dentre o de certo ‘espaço de jogo’ será havida como sendo a melhor e a ‘justa’” (p. 227-228). O mesmo autor, aliás, divide-a em “discricionariedade vinculada” e “livre discricionariedade”. Na chamada “discricionariedade vinculada”: “o exercício do poder de escolha deve ir endereçado a um escopo e resultado da decisão que é o ‘único ajustado’, em rigorosa conformidade com todas as diretrizes jurídicas, e particularmente legais, que são de tomar em conta, ao mesmo tempo que se procede a uma cuidadosa consideração de todas as ‘circunstâncias do caso concreto’” (p. 220). Já na “livre discricionariedade”: “o autêntico ‘poder discricionário’ é atribuído pelo direito e pela lei quando a decisão última sobre o justo (correto, conveniente, apropriado) no caso concreto é confiada à responsabilidade de alguém, é deferida à concepção (em particular, à valoração) individual da personalidade chamada (eventualmente ‘articulando’ o seu ponto de vista com a deliberação tomada no seio de uma agremiação o colégio) a decidir em concreto, e isto não apenas porque não é possível excluir um ‘resto’ de insegurança, mesmo através de regras, por mais minuciosas que sejam, mas porque se considera ser melhor solução aquela em que, dentro de determinados limites, alguém olhado como pessoa consciente da sua responsabilidade, faça valer o seu próprio ‘ponto de vista’”. ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 10. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008. p. 221-222.
116
A doutrina vê com preocupação o uso de tal expediente por parte dos
julgadores. A discricionariedade do julgador, motivada por ideias de reparação, pode
levar à elaboração de decisões não conformadas aos true principles of law355, como
nos adverte Henry Campbell Black356.
Não por outra razão que Wolfe357 fala no advento de um poder “quase
legislativo” pelos magistrados que, transitando pelas “vaguezas” do texto, passam a
escolher a interpretação que melhor reflita as suas próprias convicções e
preferências e as suas percepções quanto as expectativas e preferências da
sociedade. Diante das incertezas semânticas do texto, o intérprete distancia-se
daquilo que é jurídico para, valendo-se de sua discricionariedade, ‘criar’
interpretações que melhor reflitam a sua própria visão de mundo e de justiça.
Tal crítica se dá porque a partir da afirmação do positivismo jurídico no
século XIX para alguns juristas a argumentação jurídica nada mais seria que
apresentar os textos legais que apoiavam as afirmações. A aplicação seria colocar a
norma como premissa maior dentro do silogismo judicial. O fato jurídico (premissa
menor) poderia ou não se enquadrar na premissa maior, o que geraria a conclusão
sobre o cabimento ou não do direito.
Esse modelo foi conhecido como extremamente racionalista, chamado de
matemático por alguns, ou de retorno a escola da exegese francesa. Como se vê, a
crítica reside no fato de que o juiz cria o direito ao caso individual, ao invés de fazer
as adaptações necessárias do fato-jurídico ao sistema jurídico.
354 Veja-se por exemplo, a alusão a discricionariedade técnica no AgRg em suspensão de liminar e de sentença 163-PE, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 27.03.2006.p. 133. 355 Tradução livre: princípios verdadeiros da lei. 356 BLACK, Henry Campbell. Black’s Law Dictionary. Second edition. Minessota: West Publishin, 1910. p.940. 357 WOLFE, Christopher. Judicial Activism: bulwark of freedom or precarious security? New
York: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 1997. p.2-26.
117
Modernamente ainda se discute os limites da discricionariedade judicial. E
tal se dá com fundadas razões, visto que na atualidade não são poucas as decisões
judiciais baseadas em argumentos discricionários do julgador.
Diante dessa situação, analisam-se dois autores atuais que bem trataram
da discricionariedade judicial e que possuem pontos de vista opostos sobre tal
conceito, trata-se de Herbert Hart e Ronald Dworkin.
Hart, como expoente da corrente moderna do positivismo, entende que
nas regras jurídicas há zonas de certa indefinição, cuja textura aberta permite que o
jurista as colmate. E nesse processo ele usará da sua discricionariedade.
Manifestou-se assim358:
Não restam dúvidas de que os tribunais proferem os seus
julgamentos de forma a dar a impressão de que as suas
decisões são a consequência necessária de regras
predeterminadas cujo sentido é fixo e claro. Em casos muitos
simples, tal pode ser assim; mas na larga maioria dos casos que
preocupam os tribunais, nem as leis, nem os precedentes em
que as regras estão alegadamente contidas admitem apenas um
resultado. Nos casos mais importantes, há sempre uma escolha.
O juiz tem de escolher entre sentidos alternativos a dar às
palavras de uma lei ou entre interpretações conflitantes do que
um precedente ‘significa’. É só a tradição de que os juízes
‘descobrem’ o direito e não o ‘fazem’ que esconde isto e
apresenta as suas decisões como se fossem deduções feitas
com toda a facilidade de regras claras preexistentes, sem
intromissão da escolha do juiz. As regras jurídicas podem ter um
núcleo central de sentido indiscutível, e em alguns casos pode
parecer difícil imaginar que surja uma discussão acerca do
sentido de uma regra. A previsão do art. 9o
da Lei dos
Testamentos de 1837, que estabelece que deve haver duas
testemunhas em cada testamento, pode razoavelmente parecer
que não dará origem a problemas de interpretação. Contudo,
todas as regras têm uma penumbra de incerteza em que o juiz
tem de escolher entre alternativas. Mesmo o sentido da previsão
aparentemente inocente da Lei dos Testamentos de que o
testador deve assinar o testamento pode revelar-se duvidosa em
certas circunstâncias. E se o testador usou um pseudônimo? Ou
358 HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito, p. 16-17.
118
se alguém pegou na mão dele para fazer a assinatura? Ou se
ele escreveu apenas as suas iniciais? Ou se ele pôs o seu nome
completo, correto e sem auxílio, mas no princípio da primeira
página, em vez de no fim da última? Poderiam ser todos estes
casos considerados como ‘assinar’, no sentido da regra
jurídica?”
Hart almeja evitar que a argumentação jurídica cai num formalismo lógico,
do tipo enquadra-se ou não na norma. Incluindo-se aí, hipótese na qual o direito
seria indeferido por ausência de previsão legal. Ao contrário, ele afirma que nas
hipóteses em que não exista uma norma exata para o caso o juiz deve decidi-lo com
base na sua discricionariedade.
Segundo o mesmo359 é exatamente no que tange à discricionariedade ou
não do intérprete que reside o maior conflito entre ele e Dworkin:
O conflito direto mais agudo entre a teoria jurídica deste livro e a teoria de Dworkin é suscitado pela minha afirmação de que, em qualquer sistema jurídico, haverá sempre certos casos juridicamente não regulados em que, relativamente a determinado ponto, nenhuma decisão em qualquer dos sentidos é ditada pelo direito e, nessa conformidade, o direito apresenta-se como parcialmente indeterminado ou incompleto. Se, em tais casos, o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez de, como Bentham chegou a advogar em tempos, se declarar privado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo direito existente para a decisão do órgão legislativo, então deve exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de aplicar meramente o direito estabelecido pré-existente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria direito novo e aplica o direito estabelecido que não só confere, mas também restringe, os seus poderes de criação do direito.
Segue dizendo360 que:
359 HART, H. L. A. O Conceito de Direito, p. 335. 360 HART, H. L. A. O Conceito de Direito, p.336.
119
É importante que os poderes de criação que eu atribuo aos juízes, para resolverem os casos parcialmente deixados por regular pelo direito, sejam diferentes dos de um órgão legislativo: não só os poderes do juiz são objeto de muitos constrangimentos que estreitam a sua escolha, de que um órgão legislativo pode estar consideravelmente liberto, mas, uma vez que os poderes do juiz são exercidos apenas para ele se libertar de casos concretos que urge resolver, ele não pode usá-los para introduzir reformas de larga escala ou novos códigos. Por isso, os seus poderes são intersticiais, e também estão sujeitos a muitos constrangimentos substantivos. Apesar disso, haverá pontos em que o direito existente não consegue ditar qualquer decisão que seja correta e, para decidir os casos em que tal ocorra, o juiz deve exercer os seus poderes de criação do direito. Mas não deve fazer isso de forma arbitrária: isto é, ele deve sempre ter certas razões gerais para justificar a sua decisão e deve agir como um legislador consciencioso agiria, decidindo de acordo com as suas próprias crenças e valores. Mas se ele satisfizer estas condições, tem o direito de observar padrões e razões para a decisão, que não são ditadas pelo direito e podem diferir dos seguidos por outros juízes confrontados com casos difíceis semelhantes.
Assim, os juízes não tem autorização no sistema hartiano para serem
arbitrários na justificação das suas decisões. Estas deverão sempre ser justificadas
com postulados da dogmática, da racionalidade, da coerência, dos princípios gerais
e das consequências daquela tomada de decisão. Em suma, o juiz não cria um
novo sistema de direito apenas para justificar sua decisão. Usa o sistema que já
existe. Um exemplo bastante claro disso é o uso da analogia pelos juízes, que
possui previsão legal para seu uso e não causa nenhuma celeuma no seu uso.
Mas isso não quer dizer que os juízes não criam, através das suas
escolhas, o direito no decorrer da sua atividade:
Mas embora este último processo, seguramente, o retarde, a verdade é que não elimina o momento de criação judicial de direito, uma vez que, em qualquer caso difícil, podem apresentar-se diferentes princípios que apoiam analogias concorrentes, e um juiz terá frequentemente de escolher entre eles, confiando, como um legislador consciencioso, no seu sentido sobre aquilo que é melhor, e não em qualquer ordem de prioridades já estabelecida e prescrita pelo direito relativamente a ele, juiz. Só se, para tais casos, houvesse sempre de se
120
encontrar no direito existente um determinado conjunto de princípios de ordem superior atribuindo ponderações ou prioridades relativas a tais princípios concorrentes de ordem inferior, é que o momento de criação judicial de direito não seria meramente diferido, mas eliminado361.
Sobre essa parcela de criatividade judicial expressa-se ALEXY362:
“(...) um dos poucos pontos em que existe acordo na
discussão metodológica-jurídica contemporânea é o de que a
decisão jurídica (...) exprimível em um enunciado normativo
singular não se segue logicamente, em muitos casos, das
formulações das normas que deve pressupor como vigentes.”
Já em Dworkin existe um modelo que prima por uma discricionariedade
diferente. Para este a tarefa do juiz Hércules esta na continua busca de critérios
decisórios racionais e morais363. Entende que a discricionariedade proposta por Hart
é odiosa, por trazer consequências inaceitáveis.
Segundo ele o positivismo jurídico hartiano parte do pressuposto de que
pode haver uma zona de imprecisão no direito, relativamente à vagueza que uma
determinada regra positiva apresenta. E por isso deve o juiz lançar mão da sua
discricionariedade, resolvendo acerca dos direitos das partes como bem lhe
aprouver. Nas ocasiões em que surgem essas zonas de imprecisão, de penumbra,
enfim, os chamados casos limítrofes em que geralmente estão contidos os casos
difíceis que justificariam o uso da discricionariedade pelos juízes, Dworkin entende
que essa é uma postura irracionalista364. Porque nessa situação o juiz agiria como
quase-legislador.
Assim, para Dworkin, o juiz não pode se converter em um legislador, sua
argumentação há de ser pautada pela norma jurídica. O juiz funciona como um
361 HART, H. L. A. O Conceito de Direito. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbelkian, 1994.p. 338. 362 ALEXY, Robert. Teoría de la argumentación jurídica: la teoría del discurso racional como teoría de la fundamentación jurídica. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1989, p. 23. 363 363 SAVARIS, José Antônio. Um teoria da Decisão Judicial da Previdência Social. (Tese de Doutorado). p.36 Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-25082011-161508/pt-br.php. Acesso em 25 de abril de 2016. 364 DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Massachussets: Harvard University Press, 1986.p. 50-54
121
elemento de garantia que de os direitos já previstos nas normas jurídicas serão
cumpridos. Em decorrência disso, o juiz não invade competência que é do legislador.
Assim, não pode argumentar com base criativa de norma jurídica. Também em
decorrência da primeira postura o Juiz não atua no campo político, pois este é
reservado aos outros poderes. E por fim, naquilo que chama de casos difíceis, o juiz
julga segundo os princípios que encontra no sistema jurídico, e não com base em
preferência políticas ou sociais.
Atienza365 bem explica esse raciocínio:
( ...) a primeira, que Dworkin denomina pré-interpretativa, consiste na identificação dessa prática e tem basicamente, mas não exclusivamente, caráter descritivo. A segunda — a fase interpretativa — centra-se no estabelecimento de um valor a esta prática: consiste, pois, em apresentar uma justificação geral dos princípios que se ajustem à prática em questão de maneira que seja uma interpretação e não uma invenção. E a terceira é a fase pós-interpretativa ou reformadora, na qual se trata de modificar ou reformular a prática para que satisfaça melhor seu sentido, isto é, para que se ajuste melhor à justificação geral estabelecida na etapa anterior.
Não obstante essas duas posições, a dogmática entende que não é
possível estabelecer uma atuação objetiva do julgador. Diz Marina Gascón
Abellán366:
Todos os sistemas jurídicos contemporâneos, sem exceção, são o resultado de uma produção normativa muito dilatada no tempo, são fruto não de uma, mas de muitas políticas jurídicas contrastantes entre si; tendo incorporado, por isso, uma grande quantidade de princípios e regras incompatíveis. É sustentável que uma, e só uma, doutrina política (que se supõe internamente coerente), seja idônea para justificar todo princípio e toda regra do sistema?
365 RODRIGUEZ, Manuel Atienza. Derecho y argumentación, p. 121. 366 ABELLÁN, Marina Gascón. La técnica del precedente y la argumentación racional. Madrid: Tecnos, 1993, p. 25.
122
Tem-se, então, que a argumentação jurídica permite, como decorrência
da sua atuação, um controle sobre a discricionariedade. Não como meio de evitá-la,
mas como meio de externá-la. Porque está é a materialização da interpretação, e
como tal exige justificação racional. Como diz Atienza367, a argumentação inclui tanto
uma dimensão formal (lógica), como também uma dimensão material e pragmática
(retórica e dialética). Logo, essa opção discricionária, se não tornar seu enunciado
ininteligível, mostrar-se-á incoerente com o restante do sistema jurídico. Ou seja,
demonstra ictu oculi368, a opção do jurista por uma solução, e não a solução que o
sistema previa para tal.
É possível concluir desse capítulo que a argumentação é o meio pelo qual se
constroem os raciocínios que dão suporte à decisão judicial. Ou seja, é a
fundamentação racionalmente estruturada por argumentos. A doutrina quando tece
críticas a uma decisão do STF o faz com os olhos voltados para os argumentos que
deram suporte ao decidido. Assim, como se observou, é através dessa
argumentação que se pode verificar a racionalidade dos motivos da decisão judicial,
na sua função de iuris dictio369.
367 ATIENZA, Manuel. Teorias da argumentação jurídica e hermenêutica não são incompatíveis. Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2015. 368 Expressão latina que significa o que é percebido pelos olhos. 369 Iuris dictio é expressão romana que em português recebe a tradução para jurisdição que significa dizer o direito, como função estatal.
123
CAPÍTULO 3
TEORIA DOS NEUTRAL PRINCIPLES OF CONSTITUTIONAL LAW
3.1 ASPECTOS GERAIS E HISTÓRICOS
Ao iniciar-se este ponto é importante esclarecer a noção exata do contexto
histórico em que a teoria "Toward to the Neutral principles of Constitutional Law" do
professor Herbert Wechsler foi estabelecida.
A origem dessa teoria está no julgamento emblemático feito pela corte
suprema norte-americana no caso Brown v. Board of Education370. Linda Brown era
uma menina negra que queria estudar numa escola próxima da sua residência e
teve seu acesso negado. A justificação fora que normas estaduais estipulavam que
aquela escola era somente para pessoas de cor branca. O pai de Linda impetrou
uma ação judicial contra o indeferimento de acesso ao estudo naquela instituição.
Em 1955 o processo chega à Corte Suprema, que era presidia pelo Justice Earl
Warren. Esta entendeu, à unanimidade, que a segregação racial imposta pelo
Estado era inconstitucional. Disseram que não bastava este oferecer educação
(como de fato o fazia), mas que não poderia discriminar pela cor.
A decisão de Brown foi tida na época como muito polêmica e não foi bem
aceita. Parte da população americana, senadores371 e poderes legislativos372
manifestaram-se contrariamente, tendo inclusive o Justice Warren sido representado
no congresso americano por crime de responsabilidade. Tão polêmica que em 1957
o governador do Arkansas Orval Faubus utilizou a guarda nacional para cercar uma
escola em Little Rock para impedir a matrícula de nove alunos negros. A situação só
foi contornada quando o presidente dos Estados Unidos determinou a retirada da
370 347 US at 495-96; 349 US 294. 371 Senators Strom Thurmond, Sam Ervin, Harry Byrd e Richard Russell. 372 Alabama, Georgia, Mississippi, South Carolina e Virginia.
124
referida guarda nacional. A decisão de Brown vs Board of Education levou quase
vinte anos para ser implantada completamente nos cinquenta estados daquela
federação373.
Observe-se que muito antes desse julgamento emblemático o prof. Wechsler
participava de grupos de defesa dos direitos civis e tinha uma posição liberal na
defesa dos mesmos. Em especial do direito das minorias. E mesmo antes de
escrever seu famoso artigo no jornal de direito da Yale University, já havia se
manifestado374 dizendo que as leis editadas pelo Senado eram ineficazes em
equalizar a posição dos negros na sociedade, em especial no sul do país. Dizia que
era necessário em compromisso mais realista do governo, em especial do mesmo
poder executivo, como o governador, por exemplo. O professor tinha alguns juristas
que considerava seus heróis, como Felix Frankfurther e Oliver Holmes, que como
ele, entendiam que a corte judicial não é apta sozinha a proceder a reformas na
sociedade. Não poderia, portanto, aplicar o ativismo judicial.
Wechsler disse375 que segregar duas pessoas não fere a cláusula de igual
proteção porque ambas sofrem os efeitos dessa medida. Como dizer que a medida é
mais discriminatória para uns do que para outros? Por acaso a limitação a direitos
não foi recíproca? Não é pior colocar uma criança de cor num ambiente que lhe será
hostil?
Então, em abril de 1959 numa série de palestras jurídicas o professor da
Universidade de Columbia Herbert Wechsler surpreendeu a todos quando citou o
caso Brown v. Board of Education, e disse que a Suprema Corte americana havia
errado no julgamento. Alegou que a segregação imposta pelo Estado não era
discriminação de todo.
373 FELDMAN, Stephen M.. American Legal Thought from Premodernism to Postmodernism : An
Intellectual Voyage. Cary: Oxford University Press, Incorporated, 2000. p. 100. 374 WECHSLER, Herbert. The Political Safeguards of Federalism: The Role of the States in the
Composition of the National Government. Columbia Law Review, n. 54. 1954, p.543. 375 Tal manifestação teria se dado em período de pré-julgamento do caso Brown v Board of
Education, ou seja, já se antevinha a posição da Corte Suprema, relato feito por KLUGER, Richard.
Simple Justice: The history of Brown v. Board of Education and Black. 1975. p.529.
125
Destaca-se que Herbert Wechsler era professor de direito na Universidade
de Columbia e advogado. Gozava de renome acadêmico e profissional. Em 1959
ele escreveu seu famoso artigo "Toward Neutral Principles of Constitutional Law".
Nesse criticou a decisão do caso Brown v Board of Education. A crítica não se
direcionava, contudo, ao mérito do decidido, ou seja, Wechsler também entendia
que a segregação era inconstitucional por ferir o direito á liberdade. A crítica residia
na não apresentação de adequadas razões a justificar tal decisão. Aliás, nesse
artigo o citado professor critica inúmeras outras decisões da suprema corte
americana que, a seu ver, careciam de fundamentação.
Ele era visto, por seus opositores, como um legalista e como tal muito mais
preocupado com a forma do sistema do que com o conteúdo. Porém, uma análise
histórica mostra que a objeção não é verdadeira. Wechsler participou dos
julgamentos do Tribunal internacional de Nuremberg na condição de juiz auxiliar dos
Juízes Francis Biddle e John J. Parker a partir de 1946. Tal Tribunal foi responsável
por condenar os militares nazistas por crimes de guerra. Observe-se que o se fosse
legalista, no sentido pejorativo, haveria de ter acatado a tese de defesa nazista, que
era o estrito cumprimento das leis da Alemanha. A história mostra que essa tese não
foi aceita pelos juízes americanos retro mencionados. Ou seja, ele não via as
normas jurídicas como meras formalidades, mas sim que sua aplicabilidade carecia
de substrato material justificável.
Esse artigo do Professor Wechsler é o segundo mais citado na história
jurídica americana376. Com o decorrer dos anos a relação que se iniciou através da
decisão Brown v. Board of Education e o artigo Toward neutral Principle of
constitutional Law mudou. O que no iniciou era visto como uma mera crítica a uma
decisão judicial não fundada de princípios constitucionais, passou a ser visto como
um método para evitar a tomadas posições pessoais (valores) como argumento
justificador das decisões judiciais. Tal perspectiva se deu pela análise da palavra
"toward" (em direção).
376 SHAPIRO, R. The Most-Cited Law Review Articles Revisited. CHicago Kent Law Review, 751, 1996. p.759–60.
126
O próprio prof. Wechsler esclareceu377, posteriormente ao seu famoso
artigo, o porque de adotar a expressão “neutro”. Disse que essa não era a melhor
palavra do mundo para traduzir o que ele tentava dizer, mas que ainda não
encontrara expressão melhor. Pensou em palavras como imparcial, impessoal,
desinteressada, mas as achou muito objetivas, então optou por algo mais genérico e
enigmático.
Segundo Anthony J. Sebok378, Wechsler foi considerado um opositor da
teoria de Hart and Sacks’s (teorial legal), mas um grande opositor com uma teoria
sólida contra o que a Suprema Corte de Warren estava decidindo. Alguns o
chamaram de retrógrado e de pessimista. Foi considerado um idealizador da teoria
da hostilidade aos direitos civis.
Segundo Balkin379 o professor Wechsler antecipou a teoria do processo
político de Hart em pelo menos duas décadas. Pois ele observou que as cortes não
podiam ter um papel proativo e sim reativo. Proação cabe aos movimentos sociais e
objetivam a mudança da lei ou da execução da mesma. Então reafirmava sua
posição de as cortes judiciais são "subordinadas" dentro de um processo
democrático.
Feita essa análise histórica é possível verificar em que contexto o artigo do
professor Wechsler foi escrito, bem como verificar a postura intelectual do mesmo.
O artigo foi estruturado em três partes e é assim que se fará a análise do mesmo.
Eventualmente haverá interpolação entre eles, pois o autor assim o fez, com intuito
de demonstrar clareza de raciocínio.
377 WECHSLER, Herbert. Principles, Politics and Fundamental Laws. 1961. p. XIII. 378 SEBOK, Antony. Legal Positivism in American Jurisprudence. p.179-181. 379 BALKIN; SIEGEL, Jack M. & Reva B. Principles, Practices, and Social Movements, 154 Penssilvanya Law Review 927,2006. p. 946-48.
127
3.2 NEUTRAL PRINCIPLES E A REVISÃO JUDICIAL
O professor inicia dizendo que não tem a menor dúvida quanto a
legitimidade da revisão judicial. E que não vê nela uma adjudicação de um poder
que é do poder Executivo ou Legislativo. Mas também não vê que a jurisdição deva
ser ilimitada. Entende que ela deve ser exercida sempre que solicitada e serve em
última análise para garantir e reforçar os demais poderes da república.
Assim, conceder poder judicial às cortes não significa denegar os deveres
constitucionais dos outros poderes. Diz que esse poder se exerce em "todos os
casos, de direito e equidade, que surge da Constituição"380. Diz que o princípio
implícito de uma Constituição escrita repousa em vê-la com a lei fundamental e a
consequente e aceitável conclusão de as cortes judiciais são suas intérpretes.
Na leitura da Constituição deve-se atentar para o fato de a mesma não
conter palavras vazias. Estas devem ser tomadas sempre em consideração. porém,
isso não significa que ali se expresse toda a Constituição. Diz que o texto traz
apenas o essencial, mas que a Constituição deve ser lida quanto aos seus
propósitos. Cita que o justice Marshall estava correto ao dizer que quando a
Constituição impõe os deveres, implicitamente dá os poderes para tanto. Tal traduz-
se como uma leitura razoável da Constituição. Ou seja, é dever das cortes não
realizar uma leitura formal, vazia, da mesma.
Dessa forma a atuação das cortes judiciais não é desvinculada da
Constituição. Aquelas só possuem poderes na medida que suas decisões estão
ancoradas nessa. Dessa forma as cortes não têm o poder para decidir se é oportuno
ou não a demanda.
380 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol
73. number I, 1959.
128
Esse poder judicial não serve, contudo, para policiar, advertir ou mesmo
instruir os outros poderes. É, na verdade, um dever de decidir o caso litigioso e fazê-
lo de acordo com a lei, com tudo que isso implica, com a satisfação de um rigoroso
procedimento judicial.
Neste aspecto as cortes não podem ignorar e devem considerar que certas
questões trazem problemas "políticos"381, o que significa que ele não são resolvíveis
judicialmente, não obstante envolvam uma interpretação constitucional.
Para tanto, cita o Justice Frankfurther quando diz que "é com inquietação
que frequentemente vemos a tênue linha que separa a atuação política da judicial
ser transpassada quando se aplicam conceitos como liberdade e equidade"382. Para
tanto cita o emblemático caso Kennedy383 e relembra que a Constituição estabelece
que é da casas do Congresso dar assento aos seus respectivos membros. Essa
atuação deriva não só do texto expresso, mas também da forma republicana de
governo.
Entende que nos casos incertos, em que a resposta constitucional não é
certa, e portanto, exige uma interpretação da constituição, o julgamento deve ser
feito sabiamente, com base em mandamentos interpretativos gerais. Esses
standards devem ser baseados em princípios neutros, como a importância da
questão ou um conflito de decisões judiciais.
381 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol
73. number I, 1959. 382 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol
73. number I, 1959. 383 O senador Kennedy corria o risco de perder o mandato político em virtude de uma ação judicial de impeachment. Disponível em https://books.google.com.br/books?id=t1LoYXVW8DoC&pg=PA109&lpg=PA109&dq=impeachent+senator+kennedy&source=bl&ots=vsz6Lmbum8&sig=w71oNbwRVRXQj6R9gugZmyXP1eU&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwj65J6LmtTKAhWFGqYKHULyDagQ6AEIQzAG#v=onepage&q=impeachment%20senator%20kennedy&f=false. acesso em 22.12.2015.
129
Apenas a aplicação de termos neutros, isto é aplicados sempre,
indistintamente para todas as situações que se puserem de maneira semelhante, é
que protegerá a Corte contra o perigo da imputação de favorecimento ou
preconceito de certos pleitos384.
Não obstante esse respeito às competências constitucionais, o caso posto à
corte deve ser decidido. Dessa feita, dificuldades ou dúvidas não devem servir de
impedimento à decisão. Não há direito a declinação de jurisdição nos casos em que
ela foi justamente provocada. Isso seria, nas palavras de Marshall, uma "traição à
Constituição". De outra maneira, é legítimo à corte não se pronunciar, quanto ao
mérito, nos casos em que não deva.
Wechsler entendia que trazer a ciência social para dentro da lei era muito
bom e deveria ser feito pelos legisladores, mas seria um risco se essas medidas
fossem tomadas pelo Poder Judiciário. Assim uma decisão baseada em princípios
seria aquela que repousa suas razões, que em sua generalidade e neutralidade,
transcendem o resultado imediato do caso sob julgamento.
Embora Wechsler visse que o poder das cortes estava previsto na
Constituição isso não significava que esse poder fosse ilimitado. Mesmo que
houvessem espaços nela para que a corte fizesse a norma, aquela poderia não
estar equipada a fazê-lo. Ele preferia ver uma questão nova enfrentada pela primeira
vez pela norma editada pelo legislador.
Essa preferência pela legislação decorria da sua visão de que as cortes
judiciárias exerciam um papel subordinado no processo democrático. E, assim,
384 Nesse aspecto há uma aproximação com a teoria do direito como integridade de Ronald Dworkin. Tal estabelece que as afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que por esse motivo combinam elementos que se voltam tanto para o passado quanto ao futuro. Para essa corrente os juízes não descobrem, nem inventam o direito, apenas o interpretam, identificand, assim, direitos e deveres legais. DWORKIN, Ronald. Law's Empire. Massachussets: Harvard university Press, 1986. p.213-215.
130
deveria evitar algumas declarações sobre minorias para evitar que houvesse ruptura
social e política. Introduzir direitos civis por decisão judicial em vez da frutífera via
legislativa teria consequências terríveis, dizia ele385.
O ativismo da corte de Warren no caso "Brown v Board of Education" foi,
segundo alguns estudiosos386, nada mais do que uma esperança vazia para os
negros. A verdadeira mudança veio apenas em 1963 no julgamento do caso
Sullivan387, que levou a votação do "Rights act" de 1965. Wechsler não foi o único
crítico de tal decisão, vários388 o seguiram.
Assim, a preocupação era com o ativismo judicial da corte, sem que
trouxesse fundamentos racionalmente articulados de decisão. A preocupação de
todos era não só com o caso em si, mas com as consequências que poderiam advir.
Por exemplo a falta de segurança jurídica. Pois, quebrada a tradição da common law
não se tinha mais o porto seguro do precedente judicial.
Argumentou389 que, devido às diferenças institucionais, apenas os tribunais
(não legislativos e executivos) deve dar explicações fundamentadas as suas
decisões. Estas explicações não devem ser ad hoc, instrumental, ou sem princípios.
Ao contrário, o tribunal deve justificar cada decisão com um "princípio neutro": um
fundamento ou razão que atinge a "neutralidade e generalidade adequada",
transcendendo o resultado imediato do caso particular.
O argumento de Wechsler foca o método jurídico. O Judiciário, consistente
com Marbury v. Madison, não exerce efetivamente discricionariedade na formulação
385 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol 73. number I, 1959. 386 ROSENBERG, Gerald . The Hollow Hope: Can Courts Bring About social Change, Second Edition. Chicago: The University of Chicago Press, 2008. 387 N.Y. Times Co. v. Sullivan, 376 U.S. 254,264-65 .1964. 388 BERGER, Raoul. Government by Judiciary (the transformation of the fourteenth amendment) second Edition . Liberty Fund: Indianapólis, 2013; BICKEL, Alexander M. The Supreme Court and the Idea of Progress. New Haven: Yale University Press, 1978; WHITE, G. Edward. Earn Warren: A public Life. Oxford University Press, 1982. 389 WECHSLER, Herbert. Toward neutral principles of constitucional Law. Harvard law review. Vol
73. 1959 number I.
131
de políticas para decidir quando, se, ou como se pronunciar sobre casos. Não há
como se admitir que a corte ofereça razões para a tomada de algumas decisões,
mas não o faça em outros casos. Ou se admite de uma vez por todas o caminho
que supõe que todas as decisões judiciais possam ser baseadas em políticas. Não
dar as razões adequadas que embasam o julgamento é subtrair das partes
prejudicadas o acesso aos tribunais e ao devido processo legal.
Se é necessário fazer justiça entre as partes, o tribunal deve considerar se
a legislação pertinente aos direitos e deveres na disputa é consistente com a
Constituição. Neste papel constitucionalmente necessário, o Judiciário deve decidir
em termos de princípios gerais aplicáveis390 ao caso em questão e consistentes com
casos semelhantes que surgiram no passado. Esta metodologia judicial
característica é distinta dos processos familiares ao raciocínio legislativo.
Legisladores não são obrigados a justificar suas ações. Esta não é análoga ao
método judicial de seguir a autoridade de precedentes aceitos.
Devido às diferenças entre a tomada de decisão legislativa e judicial, os
tribunais não funcionam como uma terceira câmara legislativa. Wechsler391 assume
que não é necessário abordar as afirmações de manuais sobre a vacuidade moral
dos valores implícitos em garantias constitucionais. De fato, o argumento de
Wechsler quase faz glórias no puramente legal, ao contrário de ética, como aspecto
de busca de princípios neutros. Não é por acaso que ele escolhe para demonstrar as
demandas de exigências por princípios neutros como um teste da legitimidade de
Brown v. Board of Education.
Para tanto a revisão judicial deveria ser exercida apenas dentro estreitos
limites. Mas, como já se viu, a corte não pode escapar do seu dever decidir se as
ações dos outros poderes estão ou não de acordo com a Constituição. A questão
era se o juiz poderia escolher o resultado da demanda posta, baseado apenas nas
390 WECHSLER, Herbert. Toward neutral principles of constitucional Law. Harvard law review. Vol
73. 1959 number I. 391 WECHSLER, Herbert. Toward neutral principles of constitucional Law. Harvard law review. Vol
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consequências do caso (ou preferências políticas), se assim o fizesse não seria mais
uma corte legal, mas um órgão nu de poder.
Para Wechsler o Poder Judiciário não é livre para escolher ou para
determinar seu dever constitucional. Dizia que a intervenção judicial é essencial para
evitar que em certos casos o governo “afunde”392. Esse dever não é para advertir ou
policiar o executivo ou o legislativo, mas também não é um fórum sempre aberto
para que se ventilem todas as queixas constitucionais possíveis. É o dever de decidir
o caso litigioso e decidir de acordo com as leis393, com tudo que se exige de uma
aplicação rigorosa de procedimentos jurisdicionais.
Outro objetivo dessa teoria é religar a função jurisdicional com o sistema
democrático. Esta impõe publicidade, isto é, que se conheçam as razões das
decisões judiciais. Permite-se, assim, um possível controle da própria função
jurisdicional. De igual forma, um controle quanto ao respeito a liberdade dos outros
Poderes da República.
3.3. NEUTRAL PRINCIPLES E AS BASES PARA A REVISÃO JUDICIAL
Em decorrência do fato de que as cortes não podem declinar do seu dever
de decidir, revela-se a importância que a demanda exerce na escolha de standards
a seguidos.
A queixa principal de Wechsler girava em torno de opiniões supostamente
inadequadas do Tribunal, que repetidamente não satisfazia os requisitos de
elaboração fundamentada. Do ponto de vista ao processo legal, o Tribunal de
Justiça de Warren394 parecia, muitas vezes, a ser pouco mais do que um realista
392 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol 73. number I, 1959. 393 Parece que aqui o termo é tomado no sentido amplo, como normas e não no sentido estrito de lei, como seria o uso do termo “statutes”. 394 Chief Justice Earl Warren- US Supreme Court, 1959-1963.
133
rebelde, recusando-se a reconhecer a importância do Estado de Direito, expressas
em pareceres judiciais bem fundamentados395.
A questão que se colocava era se havia de fato algum critério que devia
suportar a decisão da Suprema Corte? Um ataque a um julgamento envolve uma
afirmação de que a corte deveria ter decidido de outra maneira. Mas não é certo qual
deveria ter sido a razão prevalente que o tribunal deveria ter assumido. Nem porque
as outras razões (não adotadas como razão de decidir) seriam irrelevantes. Essa
questão não se aplica apenas aos tribunais, mas a qualquer outro tipo de decisão.
Tem um substrato essencialmente lógico, qual seja, de que a demonstração não
serve apenas para convencer de modo irrefletido, por paixões ou por força, mas pela
razão.
O professor entende396 que o problema são os critérios, seja para as cortes,
seja para os críticos. Critérios não são apenas atos, mas um exercício da razão.
Mas a razão não é o que os positivistas pensam, ou seja, que a razão esteja apenas
no texto da lei. Assim, uma decisão judicial tomada com critérios da razão pode ser
aceita por qualquer homem com igual informação, ainda que sua simpatia seja
diferente. Esse é um grande problema do constitucionalismo.
Já os princípios são largamente instrumentais quando são implantados
politicamente. Instrumental em relação ao resultado, que controla o sentido que é
dado a algo. Esses reduzem a margem de manipulação dos conceitos e fins da lei.
O fato de os tribunais decidirem apenas o caso que tem em frente a si, não
significa que devem fazê-lo sem a necessária neutralidade e generalidade. Não
produzir decisões políticas significa não envolver escolhas entre valores e desejos
do julgador. Somente o judiciário é quem deve dar as razões do seu julgamento.
Portanto, "não importa a natureza da questão posta, mas a qualidade da resposta
dada"397. Dessa forma, não obstante a falibilidade humana "o juiz deve esforçar-se
para, dentro da indefinição das palavras e de uma visão limitada, encontrar o 395 Richards, David. Toleration and the Constitution. Cary, NC, USA: Oxford University Press, USA,
1989. ProQuest ebrary. Web. 2 February 2015. p. 8. 396 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol
73. number I, 1959. 397 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol
73. number I, 1959.
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caminho através do precedente, da política398, da história para fazer o melhor
julgamento e fazer justiça entre os homens, entre estes e o Estado, através da
lei"399.
Assim, deve-se imitar o passado até que se tenha a clara razão para mudar
e que isso se faça não só por ato do nosso desejo400. Logo, os precedentes devem
ser seguidos como prova de que sua validade já foi testada e aprovada socialmente,
logo as mudanças se farão quando a situação paradigma mudar. Deve-se atentar
para o fato de quando um precedente não puder ser utilizado, isso pode significar
que houve um excesso de especificidade no julgamento paradigmático, para além
do que era necessário.
De igual modo, a visão de que se deve sempre passar sobre o texto
constitucional não é correta, mas não se pode esquecer que "por trás das palavras
das provisões constitucionais existem postulados que limitam e controlam"401.
Dessas duas bases podem ser extraídos princípios neutros que
transcendam o caso em análise. Mas isso não significa uma visão “congelada”
desses preceitos. Tanto os precedentes, quanto a Constituição devem ser
adaptados aos tempos a que se aplicam. Os juízes não possuem liberdade para
escolherem os valores que decidirão a lide. O Judiciário é um “órgão desnudado de
poderes402”, isto é um órgão que possui limites, e estes se encontram na
Constituição. Assim, a melhor maneira de decidir um caso é baseando-se em
princípios neutros. Dessa forma a Constituição não é vista apenas como regras
fundamentais de direito, mas também como um particular conjunto de preceitos
éticos e econômicos.
398 Pelo contexto do artigo ora em comento, parece que a expressão política deve ser vista em sentido estrito, como política judiciária, por exemplo. 399 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol 73. number I, 1959. 400 Neste aspecto a teoria do professor Wechsler não encontra consonância com a teoria do direito como integralidade de Dworkin, visto que este critica o convencionalismo por ter um olhar voltado para o passado. ver DWORKIN, Ronald. Law's Empire. Massachussets: Harvard University Press, 1986. p.213-215 401 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol
73. number I, 1959. 402 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol
73. number I, 1959.
135
Há quatro elementos na ideia dos neutral principles403:
1- Juízes não deveriam decidir de uma certa maneira porque lhes
aprova o resultado.
2- Juízes devem testar sua neutralidade, assegurando se os
argumentos que serviram à decisão de um caso, também
poderiam ser aplicados a todos os demais casos similares.
3- Embora um princípio da lei pode ser o resultado de um processo
político e refletir interesses políticos, juízes não devem decidir
se aplicam aquele princípio político com base nas razões não
reveladas do fim político daquele princípio.
4- As razões que o juiz usa para aplicar os princípios encontrados
na lei devem ser apresentados na forma de uma explanação
racional diversa do tipo de justificação requerida dos políticos.
O princípio neutro que Wechsler defendeu, ao criticar a decisão da
Suprema Corte americana no caso Brown, foi o princípio da igual proteção. A
questão não era apenas definir se os negros estavam sendo segregados (o que
seria inadmissível), mas observar se também o direito de outras pessoas se
associarem em grupo fechado não estaria sendo violado. Assim, entender que um
grupo (negros) pudessem romper, com seu direito, o direito de outros, não era uma
decisão neutra. Havia uma clara tendência por apenas uma opção, por uma linha
ideológica404.
O professor entendia que a cláusula da igual proteção não fora aplicada
para a outra parte, no caso a Board of Education. Dizia que essa cláusula
constitucional devia ser aplicada para todos, brancos, hispânicos, negos, asiáticos,
etc. Tal leitura devia ser extraída da Constituição dos Estados Unidos. Enfatizava
403 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol 73. number I, 1959. 404 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. vol 73. number I, 1959.
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que a lei suprema era para todos e que não podia a Corte Suprema fazer uma leitura
particularizada da mesma405.
Observe-se que a cláusula da igual proteção além de sua expressa previsão
constitucional é da tradição dos precedentes da Suprema Corte. O famoso Juiz da
Suprema Corte John Oliver Holmes disse406 que invocar a igual proteção é recorrer
ao princípio que é a base de sustentação, o alicerce da Constituição. É um
princípio de simetria no trato dos indivíduos, todos são iguais em direitos e
obrigações. Ou seja, todos os cidadãos merecem igual proteção contra tratamento
adverso. Essa tradição foi ratificada quando a Suprema Corte aplicou novamente tal
cláusula na eleições americanas407. No direito brasileiro tal cláusula pode ser lida
como o princípio da igualdade, inserto expressamente no artigo 5° da Constituição
Federal.
Dessa forma a visão de proteger as minorias não pode obstruir ou debilitar a
regra majoritária estabelecida na norma constitucional. Assim a revisão judicial não
poder desafiar a regra majoritária, sob pena de causar repercussão política. O que
importava em Brown era o tipo de argumentação que os advogados deveriam utilizar
para convencer os juízes da Suprema Corte de que proteger as minorias não
poderia resultar numa ruptura com a Constituição.
Wechsler reconheceu que a decisão judicial violou o direito à liberdade de
associação. Ele concluiu que a integração forçada também viola a liberdade de
associação. Particularmente, a liberdade de associação daqueles que desejam
permanecer segregados. Consequentemente, concluiu que o princípio ou regra de
Brown não era neutro, e, portanto, a decisão foi objetivamente errada408.
405 KARLAN, Pamela S. What Brown can do for you? Neutral principles and the struggle over de equal protetion clause. Duke Law Journal, vol.58. 2009, p.1049-1069. 406 Buck v. Bell, 274 U.S. 200, 208 .1927. 407 KARLAN, Pamela S. Equal Protection: Bush v. Gore and the Making of a Precedent, in The Unfinished Election of 2000.New York: Basic Book, 2001, 194–95. 408 FELDMAN, Stephen M.. American Legal Thought from Premodernism to Postmodernism : An
Intellectual Voyage. Cary: Oxford University Press, Incorporated, 2000. p. 124-128.
137
De acordo com a teoria do processo legal, o processo que define a tomada
de decisão judicial, em particular, é chamado de "elaboração fundamentada."
Elaboração fundamentada requer que um juiz sempre dê as razões para uma
decisão, de forma detalhada e coerente, e assume que essas razões sejam
aplicáveis nos futuros casos, que devem ser tratados da mesma forma. O juiz deve
relacionar a decisão da regra de direito e deve aplicá-la de forma logicamente
coerente com casos antecedentes409. Este deve se esforçar para manter a
consistência das suas decisões, isso é uma questão de necessidade.
Os arranjos legais são feitos para ser viáveis a todos. Além disso, no
contexto de processos judiciais e interpretação legal, a elaboração fundamentada
requer um juiz para aplicar a lei da maneira que melhor sirva aos princípios e
políticas constitucionais. Em certo sentido, então, o processo de elaboração
fundamentado reconhece uma quantidade limitada de ativismo judicial em certos
contextos específicos. No entanto, a mensagem central da teoria do processo
judicial legal se opõe ao realismo legal. Há uma verdadeira dicotomia entre normas
legais e opiniões judiciais. De acordo com o processo legal, os requisitos de
elaboração fundamentada significam impor aos juízes que forneçam as razões
jurídicas de suas decisões, e que estas possam ser aplicadas em casos futuros.
Essa elaboração fundamentada especifica as condições ou processos que geram o
Estado de Direito em uma democracia, e esses fornecem um fundamento objetivo
para a tomada de decisão judicial neutra e apolítica.
Dessa forma a teoria de Wechsler foi rotulada de teoria da elaboração
razoabilizada. Ou seja, ela exige que os juízes não decidam porque eles aprovam os
efeitos das suas decisões, mas que decidam por dever de ofício e que o façam com
observância racional da Constituição. Mas, isso não significa dizer que o papel do
Poder Judiciário seja meramente formalista. Os neutral principles pregam que as
cortes superiores podem avançar, mesmo contra desejos da maioria, desde que os
409 Objetando tal entendimento ver: PERETTI, Terri J. In Defense of a Political Court. Princeton:
Princeton University Press, 1999.
138
valores elencados como razão de decidir estejam expressamente declarados ou
claramente dedutíveis na Constituição Federal410.
O que importa, portanto, são as razões que suportam a decisão. Estas
devem transcender o caso imediato. Este aspecto, transcendência, demonstra que
os argumentos são jurídicos. São princípios neutros porque apoiam qualquer caso
similar. Neutros porque não são e não podem ser opção de vontade (política)
daquele que julga. Essa teoria entende que não há um grau de liberdade absoluta
ao Poder Judiciário, sob pena de se perderem valores que são muito caros à razão,
como: segurança, previsibilidade e proteção contra riscos futuros.
3.4 NEUTRAL PRINCIPLES E ALGUMAS AVALIAÇÕES DA REVISÃO JUDICIAL
Não se pode falar de uma decisão baseada em princípios quando a corte de
justiça não especifica razoavelmente os fundamentos de uma escolha de valores411.
A explanação das razões que levaram a corte a adotar certa decisão servem
para se tenha um percepção clara dos standards que foram escolhidos. Assim, é
essencial que todas as variações possíveis que advenham dessa decisão sejam
divulgadas. Dessa forma, quando a corte americana412 manifestou-se dizendo que
certos filmes eram “indecentes” não o fez fundamentadamente. Não esclareceu o
que considerava indecente frente a cláusula de liberdade de expressão.
410 Neste aspecto há uma forte aproximação de Teoria dos Neutral Principles of Constitutional Law com a teoria da Constituição Dirigente do professor J.J. Canotilho. Atribuir o cunho de dirigente à constituição significa condicioná-la a estabelecer programas, diretrizes e finalidades sociais, compelindo o Estado a concretizá-los através da implementação de políticas públicas, de modo que , em caso de conduta omissiva indevida, poderá haver uma devida proteção judicial. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas programáticas. Coimbra: Coimbra ed., 1994 p. 12. 411 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. Vol 73. number I, 1959. 412 US 960 Gelling v. Texas, 343.
139
Por questão de prudência não se questiona a substância da decisão e sim o
método da mesma. Dessa forma, ainda que uma decisão seja baseada em
princípios é preciso ver se a aplicação dos mesmos se dará da mesma maneira nos
demais casos semelhantes. Se isso não ocorrer tais princípios não eram neutros,
mas sim algo a que a corte tinha “simpatia de ouvir”413.
Esse método passa pela análise da medida de contenção que a corte deve
ter na sua atividade. Assim, o seu dever de dizer aos outros poderes qual é o valor
que a Constituição protege passa pela cautela de verificar, através de uma análise
adequada e principializada, se essa escolha é claramente extraível da Constituição.
Porém, o que é muito mais importante do que a autocontenção é a força da análise
argumentativa da decisão. É essa que fará com que a decisão seja aceita e
honrada.
Para que essa tomada de decisão seja neutra é necessário que sua
justificação esteja baseada em princípios neutros. Isto é, aqueles que transcendem o
caso, que são aplicáveis a qualquer outra situação similar e até mesmo a situações
contrárias. Em suma, no julgamento a corte suprema deve bem analisar os fatos e
não passar sobre eles e escolher a decisão que julga mais adequada. É o que o
professor Wechsler chamava de o teste da neutralidade414, isto é, se a justificação
usada como argumento de uma decisão não puder repetir-se em outros casos é
porque ela é partidária, não neutra e trará um resultado de desagregação social e de
desrespeito social para com as decisões da corte suprema.
É necessário encontrar qual o princípio constitucional que é aplicável ao
caso e não escolher livremente o princípio constitucional que mais se adeque com
os valores do juiz que julgará o caso. Este pode, inclusive, estar em absoluta
dissonância com o pensamento jurídico exposto na comunidade acerca da regra
legal. Ou seja, os valores do grupo social são colocados na norma legal e é de lá
413 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. Vol
73. number I, 1959. 414 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. Vol
73. number I, 1959.
140
que o julgador deve extraí-los, não da sua consciência415. Assim, o conhecimento de
valores culturais, políticos, sociais, etc, por parte do juiz não pode se misturar como
os valores postos na norma jurídica.
Essa argumentação neutra permite que se retire da decisão judicial o
qualificativo de política e lhe agregue o qualificativo de jurídica. Tal qual o Estado
deve tratar todos os cidadãos de maneira igual, assim deve proceder a Corte
Suprema. Ela garante a necessária abstrativação da decisão judicial, que sem
desconsiderar a causa posta, sirva de modelo para decisões futuras onde se
colocarem fatos similares.
Se uma tomada de posição constitucional for feita em prol de apenas um
aspecto, que sirva apenas a parcela da população, aqueles que se situam do outro
lado se sentirão desprotegidos. É por isso que a argumentação é tão importante,
necessitando ser coerente, racional e bem deduzida de forma a mostrar que o
discriminem não é uma opção, mas uma concretização da norma. Aqueles que não
se sentem representados pelas decisões da Corte Suprema tendem a não cumprir
suas decisões, e só o farão por meios coativos. Esse não é o melhor meio de se
fazer cumprir as decisões judiciais porque estas são fruto de conhecimento técnico e
não político416. Este é partidário, aquele não. Aquilo que é partidário não dá noção
de certeza, mas dúvida, mera opção. Já aquilo que é técnico repousa sua força no
conhecimento teórico e empírico.
Mas, mesmo que se decline uma preferência, um juiz jamais pode se furtar
de apresentar as razões para tal posicionamento. Razões que devem repousar no
sistema jurídico e não fora dele. Assim, é através de uma argumentação racional e
consistente se pode verificar se está funda-se em mera predileção do julgador ou no
sistema jurídico. E, como se viu, a lógica impõe à racionalidade que observe que
onde se apresente a mesma causa deve ser aplicada a mesma razão de decidir.
415 Observe-se que a doutrina nacional citada na nota 1 faz exatamente essa crítica a algumas decisões do STF. 416 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. Vol
73. number I, 1959.
141
Por princípios neutros não se deve pensar naqueles neutros em si mesmos,
já que neutro é um adjetivo e vincula-se a algo. Nem devem ser vistos como neutros
na sua criação, mas neutros na sua aplicação ao caso, isto é, o princípio não será
alterado, mesmo que os juízes não gostem do resultado417.
Em resumo a teoria do professor Wechsler418 intitulada em direção aos
princípios neutros da Constituição é endereçada à revisão judicial e padrões
interpretativos. Nestes as cortes devem lançar decisões com base em princípios
cujas razões repousem no fato de sua generalidade e sua neutralidade
transcenderem o resultado imediato do caso em discussão.
Por fim, diga-se que a influência da teoria dos princípios neutros é conhecida
e aplicada até nos dias atuais. Veja-se o caso Parents Involved in Community
Schools v. Seattle School District No. 1.419 no qual o Presidente da Corte Suprema
John G. Roberts Jr. se referiu ao caso Brown v Board of Education (cláusula de igual
proteção) como precedente, porém acabou utilizando os argumentos de Wechsler.
3.5 NEUTRAL PRINCIPLES E SUAS CRÍTICAS
Como já exposto, tão logo conhecida a teoria do prof. Wechsler se lhe
puseram severas críticas. O principal descontentamento quanto as teorias neutras
não é se os juízes devem julgar baseado em princípios, mas quais valores
constitucionais deve buscar para se opor aos desejos majoritários. Qual é a
neutralidade que se exige do julgador? Diz-se que a neutralidade é impossível de
417 CARTER, Stephen L. The Morgan “Power” and the Forced Reconsideration of Constitutional
Decisions, 53 U. Chicago Law Review. 819, 847–48 ,1986. 418 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. Vol 73. number I, 1959. 419 Parents Involved in Cmty. Sch. v. Seattle Sch. Dist. No. 1, 127 S. Ct. 2738 (2007).
142
ser alcançada. Também se argumenta que é necessário não ser neutro, isto é, deve-
se ser partidário da política constitucional420.
Jon O. Newman421, ao participar das palestras jurídicas em Berkeley,
dissentiu das conclusões do prof. Wechsler, focando seu ensaio na visão dos juízes
e na regra de direito. Assim, tem-se a tensão entre o realismo legal e os neutral
principles. Para os realistas o processo de tomada de decisão é baseado na escolha
entre as diversas razões possíveis, o que importa é a preferência do julgador. Há
duas visões do realismo, uma mais simples que vê no juiz apenas alguém que
escolha um fundamento político, econômico ou social que julga eficiente para
produzir o resultado que espera segundo sua consciência e valores. E outra que vê
a decisão judicial fundada em consciência, e procurando extrair da constituição uma
visão que possa conduzir ao resultado que a constituição almeja.
O problema desta última visão é que há muitos espaços na Constituição,
muitos princípios, que podem fundamentar a decisão em qualquer sentido possível.
Os princípios que fundam as leis são numerosos, imprecisos e maleáveis. Ou seja,
os corpos de leis são indeterminados, mas os realistas acreditam que eles
conseguem extrair o sentido das mesmas, sem qualquer suspeita de que podem
estar errados na sua conclusão.
Ainda segundo o mesmo, a procura por princípios gerais que sejam
extraídos e que orientem a solução de um caso, por melhor intenção que se tenham,
sempre são influenciados por uma intenção, por uma preferência de resultado que
se tenha. O trabalho normal do juiz é aplicar a lei como ele a entende para alcançar
resultado que eles necessariamente não concordam. Isso se aplica também para os
precedentes, goste-se ou não deles. Quando a visão do juiz está impregnada de
420 Ver: TURNER, Ronald. On neutral and preferred principles of constitucional law. HustonUniversity,2014.Disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2448731. Acesso em 14 de setembro de 2015; TUCKNESS, Alex. Legislation and Non-neutral principles: a lockean approach. Journal of Political philosophy, 2000. Disponível em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1467-9760.00107/abstract. Acesso em 14 de setembro de 2015; DWORKIN, Gerald . Non-neutral principles. Journal of Philophy, Vol. 71 1974. disponível em http://www.jstor.org/stable/2024825, acesso em 10 de setembro de 2015. 421 NEWMANN, Jon O. Between Legal Realism and Neutral Principles: The Legitimacy of
Institutional Values. California Law Review, Vol. 72, issue 2, 1984.p.200. Disponível em:
http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol72/iss2/3. Acesso em 15 de janeiro de 2016.
143
realismo vê-se o surgimento dos votos divergentes, cujas razões repousam na mais
variada gama de aspectos políticos, econômicos e sociais. Essas divergências são
fundadas em preferências pessoais do julgador.
Diz ele422, ainda, que os princípios neutros do prof. Wechsler são por demais
vagos para serem alcançados. A neutralidade está mais no olho do espectador do
que no do aplicador. Este possui uma condição social, participa de algum grupo, etc,
logo não será neutro ao aplicar a lei. A neutralidade não pode ser universalmente
mantida.
Diz, ainda, que a neutralidade não existe, porque se manifesta em dois
momentos. No primeiro, os valores que o julgador mais tem em consideração
servirão de base para a escolha dos princípios. No segundo, esse valores serão
explicitados nos princípios que se escolher para fundamentar a decisão.
Encerra a crítica ao se referir ao fato de os princípios neutros não poderem
ser matematicamente fixados. São variados, assim como são os aspectos da vida
humana. Porém, é possível se falar em neutralidade de certos valores, como os
institucionais, isto é, aqueles que se referem ao modo como a corte se manifesta,
como vê o sistema federal, como vê seu papel na democracia, etc. Já os valores
políticos, sociais e econômicos não podem ser ditos neutros a fim de orientar uma
tomada de decisão. Nenhum juiz é livre para, sozinho, construir uma visão do
federalismo.
Entretanto, na dicção de Wechsler os juízes devem apoiar sua decisão na
racionalidade e nos valores das normas jurídicas, em especial da Constituição423.
Mas o que se deve observar é que os valores constitucionais serão escolhidos de
acordo com a preferência dos julgadores. Isso se vê claramente quando o juiz deve
escolher entre dois princípios em conflito que possuem igual estatura. Assim, a
escolha do princípio que se aplica será feita racionalmente e sua aplicação será
neutra, isto é para todos os casos semelhantes.
422 NEWMANN, Jon O. Between Legal Realism and Neutral Principles: The Legitimac y of
Institutional Values. California Law Review, Vol. 72, issue 2, 1984.p.200. Disponível em:
http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol72/iss2/3. Acesso em 15 de janeiro de 2016. 423 Não é outra a opinião de GRAU, Eros. Porque tenho medo dos Juízes. 6a. edição. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 89.
144
Outro jurista americano Ronald Turner424 diz que a cláusula da igual
proteção não é explicitamente definida, isto é, o texto constitucional não estipula
qual ou que tipo de conduta poderia ser tida como violadora de tal cláusula. Quem
deve dizê-lo é a suprema corte e assim o fez425. Portanto, os princípios
constitucionais são e valem até onde a corte suprema os diz.
Turner concorda que entender que as cortes devem fundamentar sua
decisão com base em princípios neutros é sedutora, isto é, que os juízes devem ser
imparciais e impessoais. E assim aplicar a regra do presente caso nos casos
futuros, ainda que esse seja menos atrativo que aquele. Porém, tal passa sempre
pelo julgador, que é humano e tem preferências, portanto tal pretensão é de difícil
realização.
Já Anders Walker426 ressalta que a escolha do termo 'neutro' foi uma opção
estratégia (não revelada) do professor Wechsler que permitia ir além do termo, em
direção a teoria do processo político, tal qual defendida por Hart. Disse que John Ely
Hart criticou a teoria de Wechsler dizendo que os princípios neutros não nos dizem
nada sobre seu conteúdo.
Paul Brest427 destaca que essa teoria do professor Wechsler requer que
os juízes sejam hábeis em confiar e dividir papéis na argumentação judicial. Assim,
cada juiz confia nos seus conceitos, o que não será necessariamente seguido por
outros. Até porque não há uma linha histórica de atuação nesse sentido.
Nessa mesma linha Tushnet428 diz que essa teoria neutra nos mostra uma
instituição sita no coração do liberalismo que contém o potencial de destruir o próprio
liberalismo se relevar as inconsistência e instabilidades dialéticas das instituições.
424 TURNER, Ronald. On Neutral and Prefferred Principles of Constitutional Law. University of Pittsburg Law Review. vol. 74, 2013. p. 434-489. 425 Marbury v. Madison, 5 U.S. (1 Cranch) 137, 177 (1803). 426 WALKER, Anders. Neutral Principles- Rethinking the legal history of civil rights, 1934-
1964Chicago Law Journal, 2009. Disponível em: http://lawecommons.luc.edu/luclj/vol40/iss3/2.
Acesso em 15 de janeiro de 2016. 427 BREST, Paul. The Fundamental Rights Controversy: The Essential Contradictions of Normative Constitutional. Scholarship, 90YALE L.J. 1063.1981. supranote 87, at 1091–92. 428 TUSHNET, Mark V. Following the Rules Laid Down: A Critique of Interpretivism and Neutral
Principles.96 Harvard Law Review.n.68, 1983, p.781 -806.
145
Por fim, muitos ainda criticam essa teoria dizendo que a Constituição não é
neutra, mas elenca os valores que foram escolhidos democraticamente para reger a
nação429.
Exposta a teoria dos neutral principles e suas críticas se passa à análise
dos argumentos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF
nº186 , bem como por outros casos paradigmas.
3.6 ANÁLISE DA ADPF N.186 SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DOS
NEUTRAL PRINCIPLES
Analisam-se criticamente430 os argumentos utilizados pelo Supremo Tribunal
Federal na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº186431 (ADPF-
186). Tal será feita na perspectiva da teoria dos Neutral Principles. Segundo esta
importa que a corte tenha produzido a decisão através de um método, que consiste
em verificar a real necessidade de haver pronunciamento de mérito (autocontenção),
de analisar os fatos com neutralidades, utilizar fundamentos racionais que se apoiem
em princípios que pela sua neutralidade possam ser aplicados na situação inversa e
em outros casos similares.
Dessa feita, como visto, a noção de justiça é relativa, varia de pessoa para
pessoa. Assim, fazer justiça num caso concreto pode representar injustiça para um
outro setor da sociedade. Não é a justiça um critério objetivo para fundamentar uma
decisão. De igual modo, correlatamente, não há que se perquirir se a decisão está
correta ou não.
429 POLLAK, Louis H. Racial Discrimination and Judicial Integrity: A Reply to Professor Wechsler, 108 U. Penssilvanya Law Review. 1, 23 , 1959. 430 O sentido de crítica aqui é aquele exposto por Karl Popper como método de experiências e eliminação de erros pela submissão de testes severos, em POPPER, Karl. Conhecimento Objetivo. Uma abordagem Evolucionária. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1975, p.27. 431 STF ADPF 186, Pleno, decisão Unânime, DJE disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2691269.
146
Nessa ação (ADPF 186) colocou-se em julgamento as normas internas432
da Universidade de Brasília- UnB que permitia acesso diferenciado (reserva de 20%
das vagas) às pessoas de raça ou cor (parda, negra, indígena).
A petição inicial da referida ação de autoria do partido político DEM alegava
ofensa aos artigos 1º, caput e inciso III; 3º, inciso IV; 4º, inciso VIII; 5º, incisos I, II,
XXXIII, XLII, LIV; 37, caput; 205; 207, caput; e 208, inciso V, da Constituição de
1988. Assim expôs, em síntese:
(...) na presente hipótese, sucessivos atos estatais oriundos da Universidade de Brasília atingiram preceitos fundamentais diversos, na medida em que estipularam a criação da reserva de vagas de 20% para negros no acesso às vagas universais e instituíram verdadeiro ‘Tribunal Racial’, composto por pessoas não-identificadas e por meio do qual os direitos dos indivíduos ficariam, sorrateiramente, à mercê da discricionariedade dos componentes, (...); (...) a raça, isoladamente, pode ser considerada no Brasil um critério válido, legítimo, razoável, constitucional, de diferenciação entre o exercício de direitos dos cidadãos; (...) o acesso aos direitos fundamentais no Brasil não é negado aos negros, mas aos pobres e que o problema econômico está atrelado à questão racial; (...)o sistema de cotas da UnB pode agravar o preconceito racial, uma vez que institui a consciência estatal da raça, promove ofensa arbitrária ao princípio da igualdade, gera discriminação reversa em relação aos brancos pobres, além de favorecer a classe média negra; (...) o item 7 e os subitens do Edital nº 02/2009 do CESPE/UNB violam o princípio da igualdade e da dignidade humana, na medida em que ressuscitam a crença de que é possível identificar a que raça pertence uma pessoa (...); (...) a aparência de uma pessoa diz muito pouco sobre a sua ancestralidade;
432 Ata da Reunião Extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (CEPE), realizada no dia 6 de junho de 2003; (ii) Resolução nº 38, de 18 de junho de 2003, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (CEPE); (iii) Plano de Metas para a Integração Social, Étnica e Racial da Universidade de Brasília – UnB
147
(...) a “teoria compensatória”, que visa à reparação do dano causado pela escravidão, não pode ser aplicada num país miscigenado como o Brasil; (...) nos últimos 30 anos, estabeleceu-se um consenso entre os geneticistas segundo o qual os seres humanos são todos iguais (fl. 37) e que as características fenotípicas representam apenas 0,035% do genoma humano; (...)no Brasil, a existência de valores nacionais, comuns a todas as raças, parece quebrar o estigma da classificação racial maniqueísta; (...) as cotas raciais instituídas pela UnB violam o princípio constitucional da proporcionalidade, por ofensa ao sub-princípio da adequação, no que concerne à utilização da raça como critério diferenciador de direitos entre indivíduos, uma vez que é a pobreza que impede o acesso ao ensino superior.
Observe-se que essa arguição não visava questionar a constitucionalidade
de ações afirmativas como políticas necessárias para a inclusão de minorias. Ou
mesmo a adoção do modelo de Estado Social pelo Brasil e a existência de racismo,
preconceito e discriminação na sociedade brasileira. Acentuava que a ação
impugnava, especificamente, a adoção de políticas afirmativas “racialistas”, nos
moldes da adotada pela UnB, que entendia inadequada para as especificidades
brasileiras.
Já a UnB asseverou, com base no princípio da dignidade da pessoa
humana, a constitucionalidade dos atos impugnados. Sustentaram que não é
possível ignorar, face à análise de abundantes dados estatísticos, que cidadãos
brasileiros de cor negra partem, em sua imensa maioria, de condições sócio-
econômicas muito desfavoráveis comparativamente aos de cor branca. Alegaram,
ainda, que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, ratificada pelo Brasil, prevê ações afirmativas como forma de rechaçar a
discriminação racial. Esclarecem, assim, que o critério utilizado pela Universidade
não é o genético, mas o da análise do fenótipo do candidato.
Não se poderá tratar neste trabalho da análise de todas as manifestações
que ocorreram nessa ação, visto que além das partes supra, da obrigatória
148
intervenção do Ministério Público Federal e da Advocacia-Geral da União,
participaram onze entidades como amicus curiae. Importa analisar os argumentos
utilizados pela corte á luz da teoria dos neutral principles. Tal análise não importa em
um juízo de valor quanto ao mérito da referida decisão. Mas sim uma análise
argumentativa a fim de verificar se os diversos aspectos da teoria dos Neutral
Principles poderiam ser aqui aplicados e se influenciariam nos argumentos
utilizados.
A abordagem será feita pelo fundamento principal adotado pela corte que
foi o princípio da igualdade, caput do artigo 5º da Constituição Federal, disse o
STF433 que:
Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares
Inicialmente a escolha da pauta “ação afirmativa” parece incorreta na
medida que esta é utilizada para os casos em que não há ação pública ou privada
para determinada situação. Utiliza-se quando um grupo da sociedade é alijado ou
não pode concorrer com os outros. Vejam-se os exemplos de ações afirmativas para
os portadores de necessidades especiais, que como o nome já diz não conseguem
competir e se inserir na sociedade em igualdade de condições. In casu, havia o
acesso às universidades públicas de maneira livre e igualitária a qualquer cidadão.
Todos concorriam em igualdade de condições intelectuais.
O STF entendeu que tal medida tomada pela referida universidade era
constitucional434. Argumentou que era uma ação afirmativa de consagração de
433 ADPF 186. 434 Julgamento iniciado em 25/04/2012 e acórdão publicado do DJE em 20/10/2014. Disponível em
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2691269.
149
direito das minorias435. Disse que pessoas dessas raças ou cor são
predominantemente pobres, logo a medida vinha para corrigir históricos obstáculos
de acesso ao ensino superior. Aqui já é possível estabelecer um questionamento,
os referidos obstáculos são decorrentes da raça ou da condição econômica? Como
se viu no capítulo um a escolha de premissas verdadeiras é fundamental para se
desenvolver uma argumentação jurídica coerente e racional.
Entretanto, nesse aspecto seguiu sua jurisprudência436, in casu, o STF já
havia afastado a ideia de que o texto Constitucional somente autorizaria as políticas
de ação afirmativa nele textualmente mencionadas, tais como a reserva de vagas
para deficientes físicos ou para as mulheres.
Os argumentos são de que há um “quadro histórico de desigualdade que
caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País”. Diz que por um
critério de justiça social “significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade
mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores
àqueles reputados dominantes”
Ressaltou, ainda, a limitação no tempo de tais medidas e que a seleção
diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou
socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria
sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos
fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.
Como viu-se alhures, toda decisão judicial, mesmo em ações objetivas
como a que ora se analisa, exigem a análise de, pelo menos, dois elementos, quais
sejam: os fatos e a norma jurídica, in casu, a Constituição. Dá conjugação de ambos
surgem os argumentos que dão suporte a decisão judicial. Cujo objetivo final é
pacificar a sociedade.
435 Porém no censo do IBGE de 2010, portanto antes do referido julgamento, já se via que a população negra ou parda representava sozinha cerca de 50% da população nacional. Devendo ser incluídos no percentual restante todas as outras etnias que compõem a população brasileira, inclusive os indígenas. Disponível em : http://www.ibge.gov.br/apps/snig/v1/?loc=0&cat=-1,-2,4,-3,128&ind=4709. Acesso em 15 de janeiro de 2016. 436 STF .RMS 26.071, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 13/11/2007, 1ª Turma, DJ de 1º/2/2008.
150
Quanto aos fatos, importa destacar dos votos dos Ministros quais foram os
argumentos em que se basearam para chegar a conclusão da inferioridade
econômica da raça negra.
O Exmo. Min. Luiz Fux deu destaque a uma carta de alunos da UFRJ que
dizia:
Professor, que a Universidade se pinte de negro, que se pinte de mulato, não só entre os alunos, mas também entre os professores. Por um trecho do jornal o Globo “Passaram-se dez anos, pelo menos 40 universidades instituíram cotas para afrodescendentes e hoje há milhares de negros exercendo suas profissões graças à iniciativa.
Em seguida disse:
A primeira delas: no Brasil, a pobreza tem cor. Por todo lado abundam dados que evidenciam o enorme abismo que separa as etnias formadoras da sociedade brasileira. Segundo estatísticas disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os afrodescendentes (negros e pardos), que correspondem a mais de 50% da população do País, encontram-se em situação profundamente desvantajosa em relação aos brancos em todos os indicadores sociais relevantes – renda, níveis de analfabetismo, acesso a saneamento básico e serviços de saúde, taxa de mortalidade infantil, dentre outros (cf. IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, 2009, disponível em http://www.ibge.gov.br/)
A Exma. Min. Rosa Weber disse:
Essa é a questão que ora se apresenta: os negros (considerados os pretos e o pardos) apresentam uma condição social e histórica específica que os afasta das mesmas oportunidades que indivíduos tidos por brancos na sociedade brasileira? Se a resposta for afirmativa, sem dúvida é devida a intervenção do Estado para corrigir esse desvio social e histórico gerador de desigualdade e, portanto, de separação concreta na sociedade brasileira. Se não, a intervenção estatal, por qualquer uma de suas possíveis formas de manifestação, reveste-se de inconstitucionalidade, ausente desequilíbrio concreto a corrigir. Ora, por todas as manifestações nas audiências públicas realizadas, nos memoriais entregues e nas sustentações orais de ambas as correntes - e ainda pelo meu
151
próprio olhar, Sr. Presidente, sobre a realidade brasileira-, minha convicção é de que afirmativa a resposta.
Já a Exma. Min. Carmen Lúcia inicia pela constatação “de que, muito
cedo, descobre-se, melancolicamente, que a igualdade pode ter a espessura da
pele”. Cita suas passagens e experiências pessoais como professora para
reconhecer que os de pela negra se sentem discriminados. Cita poema e busca a
justiça.
O Exmo. Min. Cezar Peluso: "A segunda premissa é esse fato sócio-
histórico incontroverso, ao qual chamo "déficit educacional e cultural da etnia negra."
Por sua vez, o Exmo. Min. Marco Aurélio:
Afinal, se somos capazes de produzir estatísticas consistentes sobre a situação do negro na sociedade, e, mais ainda, se é inequívoca e consensual a discriminação existente em relação a tais indivíduos, parece possível indicar aqueles que devem ser favorecidos pela política inclusiva.
A base fática foi, em resumo, dados do IBGE, informações colhidas nas
audiências públicas realizadas pela corte naquele julgamento, conhecimento pessoal
sobre os fatos, informações de meios de comunicação e de terceiros.
Observe-se que pela postura do STF de tratar a finalidade dessa ADPF
como política pública, teve o cuidado de tornar o processo o mais dialético e
democrático possível, haja vista a presença de inúmeros amicus curiae.
Porém, um dos pontos fundamentais da teoria do professor Wechsler é a
postura da Corte Constitucional de não intervir em esfera afeita a outros poderes.
Dessa feita, o STF percebeu o caráter geral da medida que estava sendo
questionada, ainda que veiculada por uma única universidade. In casu, a declaração
de constitucionalidade de norma que permite a diferenciação entre os cidadãos pelo
critério raça. Dando assim respaldo jurídico a política pública iniciada pela UnB.
152
Consequentemente o efeito que tal decisão judicial iria causar era esperado, qual
seja, outras políticas idênticas se seguiriam.
De outro modo, se o procedimento dialético do STF foi salutar, não vemos
com igual gáudio o resultado da colheita de subsídios. Explica-se, o aprofundamento
do tema não parece ter sido exaustivo como deveria. Dados públicos e privados não
tiveram uma análise mais detalhada, à exceção do Exmo. Min. Gilmar Mendes.
Foram apenas coletados. Além disso, os dados não tiveram qualquer tratamento ou
critério científico, assim uma carta de alunos teve o mesmo valor que um dado do
IBGE. Houve um processo de aceitação e valoração daqueles dados coletados. Por
fim, houve uma produção unidirecional dos dados no sentido de que havia uma
fragilidade de certo grupo social.
O papel contra majoritário identifica, como é de conhecimento geral, o
poder das cortes supremas invalidarem leis e atos normativos, emanados tanto do
Legislativo quanto do Executivo. A possibilidade de juízes não eleitos sobreporem a
sua interpretação da Constituição à de agentes públicos eleitos recebeu o apelido de
“dificuldade contramajoritária”437.
Não obstante, a despeito da subsistência de visões divergentes, entende-
se que este é um papel legítimo dos tribunais438, notadamente quando atuam, em
nome da Constituição, para protegerem os direitos fundamentais e as regras do jogo
democrático, mesmo contra a vontade das maiorias. Mas o avanço da corte por esse
caminho exige uma permissão clara da Constituição, a ressalva há de ser explícita.
Como diz o Professor Wechsler439 nos casos em que a resposta
constitucional é incerta, e a Corte deve fazer uma opção, colocando claramente uma
preferência em prol de uma parcela da sociedade, em detrimento de outro, é que se
observa que não há jurisdição discricionária. Nesses casos não se nega o exercício
437 BICKEL, Alexander. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics, 1986, p. 16. 438 Importa destacar que a teoria da supremacia do legislador esposada por Jeremy Waldron, no que se refere a legitimidade da judicial review, não é a posição tomada por Wechsler na sua Teoria dos Neutral Principles of Constitutional Law. Este defende sim a legitimidade da atuação judicial, mas entende que essa função exige a observância de parâmetros. In WALDRON, Jeremy. The core case against judicial review. New Haven: The Yale Law Journal, Vol. 115, Issue 6, 2006, p. 1346-1406. 439 WECHSLER, Herbert. Toward neutral principles of constitucional Law. Harvard law review. Vol
73. 1959 number I.
153
da jurisdição, por óbvio, mas importa que a corte tenha a percepção do caminho que
está seguindo e verifique se não estará legislando ou parcializando a Constituição.
Por essas razões fez-se uma explanação sobre os aspectos fáticos que
deram suporte aos fundamentos da decisão. Com base neles se vê de maneira clara
que havia um grupo interessado na demanda e conforme a posição tomada pela
corte haveria o estabelecimento de um status diferente para esse grupo. A corte
deve observar todos os aspectos da demanda que lhe é posta e suas razões devem
estar envoltas em generalidade e neutralidade. Do contrário, pode transformar a
Constituição numa opção partidária de valores éticos ou econômicos440.
A corte Constitucional não pode se transformar numa terceira câmara
legislativa e fixar outros valores e escolhas que o legislador constituinte não quis441.
Aliás, a jurisprudência da Corte é que diferenciações devem vir estabelecidas na
legislação, como a descrição dos motivos que comportem razoável diferenciação
entre os cidadãos em decorrência do fim a que a lei se destina442.
Feita essa constatação da corte de que havia um grupo da sociedade em
franca desvantagem em relação a outro, o STF verificou a possibilidade de
recomposição da igualdade entre ambos.
Basta ver o voto do Exmo. Ministro Ricardo Lewandowsky ao falar sobre o
princípio da justiça distributiva:
Como é de conhecimento geral, o reduzido número de negros e pardos que exercem cargos ou funções de relevo em nossa sociedade, seja na esfera pública, seja na privada, resulta da discriminação histórica que as sucessivas gerações de pessoas pertencentes a esses grupos têm sofrido.
440 WECHSLER, Herbert. Toward neutral principles of constitucional Law. Harvard law review. Vol
73. 1959 number I. 441 WECHSLER, Herbert. Toward neutral principles of constitucional Law. Harvard law review. Vol 73. 1959 number I. 442 O STF assentou ser ponderável a ressalva das hipóteses em que a limitação de idade se possa legitimar como imposição da natureza das atribuições do cargo a preencher.Tal estipulação,decidiu-se na ADI 243 (Marco Aurélio, DJ de 29-11-2002), haveria de estar prevista em lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo, por cuidar de matéria alusiva a provimento de cargos públicos.
154
(...)
Afigura-se evidente, de resto, que o mérito dos concorrentes que se encontram em situação de desvantagem com relação a outros, em virtude de suas condições sociais, não pode ser aferido segundo uma ótica puramente linear, tendo em conta a necessidade de observar-se o citado princípio.
Ainda:
Só ela permite superar as desigualdades que ocorrem na realidade fática, mediante uma intervenção estatal determinada e consistente para corrigi-las, realocando-se os bens e oportunidades existentes na sociedade em benefício da coletividade como um todo.
Já o Exmo. Min. Luiz Fux foi enfático:
A segunda premissa: a disparidade econômico-social entre brancos e negros não é produto do acaso. A situação de desigualdade decorre de um histórico de segregação e mazelas. A terceira premissa: a abolição do regime escravocrata ocorrida no final do século XIX, embora tenha suprimido formalmente a submissão do negro, não apagou o código racial que até hoje viceja dissimuladamente nas relações sociais do País. A quarta e última premissa: políticas universalistas (i.e., desapegadas a aspectos raciais) de melhoria das condições econômico-sociais da população não são suficientes para combater a disparidade de índices de desenvolvimento humano entre brancos e negros no Brasil.
Mas uma questão importante se observa na construção argumentativa de
que determinado grupo sofre desigualdade. O STF não definiu a raça através de
conceitos biológicos, mas sim sociais, vejam-se os votos:
Ainda o Exmo. Min. Luiz Fux:
155
Destaco, de início, a absoluta impropriedade em conceber a noção jurídica de “raça” a partir de aspectos biológicos, ligados à estrutura molecular do genoma humano. A ideia de “raça” que ganha relevo jurídico deflui de fatores históricos, políticos, sociológicos e culturais
Min. Rosa Weber:
No presente processo, a questão que se põe diante desta Corte Constitucional é, a rigor, a da igualdade racial. Não da raça como elemento genético, algo já afastado pelas ciências biológicas e sociais, e por este mesmo Tribunal no chamado “caso Ellwanger” (HC 82.424)
Porém, logo adiante há contradição evidente quando a Min. Rosa Webber
assim se manifesta:
Poder-se-ia dizer que os brancos pobres têm a mesma dificuldade, mas fato é que a representatividade na pirâmide social, conforme os dados trazidos à baila nesta discussão, não se mostra equilibrada. Se a quantidade de brancos e negros pobres fosse aproximada, seria plausível dizer que o fator cor é desimportante.
O critério de diferenciação foi a cor da pele, as característica físicas. De
igual modo a comissão de seleção da UnB observa essas características, como ficou
assente:
Os responsáveis pelo vestibular da UnB por diversas ocasiões reiteram que a meta da comissão era o de analisar as características físicas, visando identificar traços da raça negra. O candidato Alex Fabiany José Muniz, de 23 anos, um dos beneficiários da nova rodada da seleção das cotas, conseguiu um certificado comprovando que era pardo ao levar a certidão de nascimento e uma foto dos pais. Conforme seu depoimento, ‘a entrevista tem um cunho altamente político... perguntaram se eu havia participado de algum movimento negro ou se tinha namorado alguma vez com alguma mulata.
156
Surgem, então, algumas dúvidas quanto aos argumentos utilizados. O
critério a justificar o discriminem foi cor/raça ou pobreza? Não há clareza na decisão
nesse ponto, houve mistura de duas situações. Utilizou-se o critério racial para dizer
que determinadas raças/cores eram historicamente pobres.
Houve a generalização de uma premissa, qual seja: todos os negros são
pobres. Como viu-se generalizações não conduzem necessariamente à verdade.
Daí seguiram-se as deduções, se são pobres não tem acesso a boa educação de
base. Logo, não conseguem competir (vestibular) às universidades públicas que têm
alta taxa de competitividade.
Destaca-se, ainda, que houve a adoção de elementos acidentais, como a
taxa de analfabetismo, assim descrita no voto:
A petição da Universidade de Brasília (fl. 650) noticia que, segundo a “Síntese de Indicadores Sociais – 2006”, realizada pelo IBGE, as informações coletadas convergem para indicar que o critério de pertencimento étnico-racial é altamente determinante no processo de diferenciação e exclusão social. Indicam que “a taxa de analfabetismo de pretos (14,6%) e de pardos (15,6%) continua sendo em 2005 mais de o dobro que a de brancos (7,0%)”
Esse aspecto é desimportante para fins argumentativos. Primeiro porque o
que estava em discussão era o acesso ao ensino universitário. Segundo, porque o
ensino básico é público e obrigatório, logo se há uma taxa maior de analfabetos em
determinado grupo, tal não se deu porque não tiveram acesso. Esse elemento,
assim como outros supra retratados não mantém qualquer relevo de importância
com a tese. Servem apenas para criar vinculação psicológica do julgador na
formulação de juízos assertórios, como visto no capítulo dois.
A generalização anterior leva a uma virada de paradigma, qual seja, da cor
para a condição econômica. Então, por uma questão de lógica, o acesso deveria
ser apenas para os negro pobres. Não foi o que aconteceu. Concedeu-se,
genericamente, para a raça (fenótipo). Ainda, se a condicionante é a pobreza
157
econômica, ela vale para todas as raças, essa seria a aplicação in concreto de um
princípio neutro. Então, não soa lógico, nem neutro, escolher uma raça como o
paradigma da pobreza, ainda mais num país dito de terceiro mundo443 ou em
desenvolvimento444.
O atual padrão argumentativo mostra que a base escolhida pela corte
suprema foi um fato social, mas elevado a proposição de categoria absoluta
universal (todos os negros são pobres). Porém, a realidade mostra que a proposição
não era universal, muito menos absoluta. E como visto no capítulo dois, a
argumentação deve se valer da lógica para ter uma conformação racional.
Quanto a norma constitucional, o STF entendeu que os atos normativos da
UnB não feriam o disposto no artigo 5º caput da Constituição, que consagra o
princípio da igualdade.
Destacou-se a importância da formação plural da universidade na
construção democrática da nação. Dando assim motivação a uma discriminação
positiva quanto ao ingresso na mesma.
A Exma. Min. Carmen Lúcia assim se manifestou:
Se considere a função social da Universidade, que é a de
promover todos os valores necessários para que os princípios
constitucionais sejam efetivados, o que se impõe e se cumpre
é o valor de uma Constituição posta para ser concretizada nos
termos dos princípios que marcam, em seus fundamentos,
essa construção democrática.
Já a Exma. Min. Rosa Weber:
443 Em 2013 a renda PIB per capita do Brasil era de cerca de 12 mil dólares, ocupando a posição 77 no ranking mundial, através dos nossos vizinhos, Argentina, Chile, Venezuela. Disponível em https://www.gfmag.com/global-data/economic-data/richest-countries-in-the-world, acesso em 02/11/2015. 444 O Brasil ocupa a posição 79º de um total de 187 em relatório da ONU, disponível em http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=3909, acesso em 02/011/2015.
158
Mesmo a se admitir, ad argumentum, a tese de que a quase ausência de negros no ensino superior e nos postos mais altos do mercado de trabalho e da vida social brasileira não resulta de uma recusa consciente pela cor, fato é que flagrante a disparidade racial em nossa sociedade.
E o Exmo. Min. Fux:
O papel da universidade não é apenas o de qualificar futuros profissionais, e sim também o de constituir o nicho no qual serão incutidos valores na formação de seres humanos, se. Eis a função da política de cotas: permitir que a universidade seja capaz de formar um corpo discente plural, capaz de abarcar pessoas oriundas de camadas carentes da população e de minorias desfavorecidas, construindo um futuro promissor em termos de integração e inclusão social.
De nosso sentir tal construção argumentativa é despicienda e altera o foco
do problema. Em nenhum dispositivo constitucional se diz que a Universidade
pública tem que ter formação pluralista445. A leitura da Constituição, como já
ressaltamos, não pode se dar pela preferências pessoais do julgador. Deve ser
neutra, fazendo com que todos possam, de maneira geral, ter acesso a mesma, que
como se disse é pública446.
Dessa feita não se pode aceitar como justificação a alegação de que a
Universidade serve para inclusão social. Universidades servem para formar quadro
de profissionais aptos ao mercado de trabalho. Inserção social447 pode se dar ou não
445 O que o artigo 206, inciso III da Constituição Federal diz é que o princípio a ser seguido no ensino é o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. A Constituição não fala em pluralismo de tipos de raças. 446 Aliás um dos objetivos da nossa República é igualdade, que também é direito fundamental. Verbis: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 447 Inserção social não é sinônimo exclusivo de aferição de renda. Não se confunde com inserção econômica. Assume vários significado, mas no campo acadêmico possui valoração apenas no sentido de formar profissionais aptos a prestarem bons serviços, os quais reverterão à sociedade, basta ver em: https://www.capes.gov.br/images/stories/download/artigos/Artigo_23_08_07.pdf, acesso em 30/12/2015.
159
com o diploma universitário. Como diz Wechsler448 “a estampa social” dos pobres é
a mesma, brancos ou negros. Não se pode dar o sentido que se quer aos conceitos
já estabelecidos449. Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal deixou de observar a
dimensão hermenêutica envolvida na questão. Tomando apenas a posição de um
observador sociológico450.
Uma das interpretações mais enfáticas da Constituição se deu pelo Exmo.
Min. Ayres Britto:
A Constituição, no preâmbulo, diz que o nosso Estado democrático tem por um de seus conteúdos o bem-estar. Claro que é bem-estar físico, bem-estar material a incorporar o desfrute de direitos sociais elementares, como a educação, saúde, habitação, transporte, etc. Não vale esse argumento de que estamos pagando pelos pecados de nossos ancestrais. Então, a nossa Constituição, no seu preâmbulo, já é um sonoro não ao preconceito, porque sabe que o preconceito, sobretudo o racial, instabiliza temerariamente a sociedade brasileira e impede que vivamos em comunhão, em comunidade; e comunidade é de comum unidade. A Constituição passou a usar racismo tanto para proteger esses grupos como, e sobretudo, para proteger a comunidade negra, as pessoas portadoras da cor negra. Foi o objetivo claro da Constituição e explícito.
Art. 3º São objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: (...) III. erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais;"
O princípio da unidade da Constituição chancela as políticas
públicas de promoção racial.
448 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. Vol 73. number I, 1959. 449 Lênio Streck de longa data enfatiza que não há um grau zero de interpretação jurídica, que o intérprete não é livre para dizer o que quiser da norma. In Verdade e Consenso. Constituição, Hermêutica e Teorias Discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007 450 SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Crise e desafios da constituição: perspectivas críticas da teoria e das práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 516-517
160
Já o Exmo. Min. Cezar Peluso diz que a discriminação passa pelo teste do
critério hermenêutico da proporcionalidade, porque é adequada, é necessária e tem
peso axiológico suficiente para justificar as restrições que traz a certos direitos das
outras etnia.
Tem-se que os dois argumentos supra não servem como fundamentos,
pois a elaboração fundamentada requer que um juiz sempre dê as razões para uma
decisão, de forma detalhada e coerente, e assumir que essas razões sejam
aplicáveis nos futuros casos, que devem ser tratados da mesma forma. O juiz deve
relacionar a decisão da regra de direito e deve aplicá-la de forma logicamente
coerente com os antecedentes judiciais451. Aqui falha também o teste de
neutralidade, pois em determinados julgados452 o STF deu sobrevalor ao princípio da
igualdade e no caso das ADPF 186 entendeu que discriminação era legítima.
O professor Dieter Grimm453 falando a respeito da possibilidade de
restrição de direitos fundamentais diz que em virtude da colisão ou abusos dos
mesmos a proteção aos mesmos não pode ser absoluta. É possível uma restrição
daqueles tendo em vista o interesse de bens indivisos. Porém, essa limitação não
provém dos próprios direitos fundamentais, também não depende da sociedade,
pois há uma série de perigos variáveis à liberdade na sua apreciação. Para ele o
único instrumento que satisfaz essa limitação é a Constituição. Diz mais, que a
restrição da Constituição só pode ser admissível para garantia de uma finalidade
451 WECHSLER, Herbert. Toward Neutral Principles of Constitutional Law. Harvard law review. Vol 73. number I, 1959. 452 Veja-se a interpretação ampla que o STF deu ao artigo 5 º da CF quando estendeu ao estrangeiros sem residência no país o acesso a proteção judicial para que sejam tratados com igualdade aos nacionais HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-2008, Segunda Turma, DJE de 27-2-2009. Também o STF já decidiu reiteradamente que a isonomia somente pode ser pleiteada quando as pessoas apontadas como paradigmas encontrarem-se em situação igual à
daqueles que pretendem a equiparação, in RE 409.613‑AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 21-
2-2006, Primeira Turma, DJ de 24-3-2006. Ainda, O princípio da isonomia, que se reveste de autoaplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114) A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório in MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-1990, Plenário, DJde 19-4-1991. 453 GRIMM, Dieter. Constituição e Política. Apresentação Inocêncio Mártires Coelho. Tradução Geraldo de carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.114/116.
161
legítima e quando a necessidade dessa garantia a dimensão da restrição estiverem
em proporções adequadas.
Dessa forma a preferência do STF por diferenciar com base em “etnias”
coloca sobre si o peso de resgatar a dívida histórica desta nação também com
outras etnias, dada a miscigenação da população brasileira. Afinal, a população
brasileira é composta de várias etnias. O objetivo da Constituição é claramente
formar uma nação, como coesão social. É desimportante a etnia, a cor, o fenótipo,
etc. É por essa razão que o preâmbulo da Constituição e o artigo 3º dizem que o
objetivo da República é formar uma sociedade. Uma sociedade e não várias
sociedades.
De igual modo soa de todo estranho dizer-se que a Constituição chancela
as políticas públicas de promoção racial. O princípio da unidade da Constituição não
pode ser lido sob o filtro pessoal. Ele possui um núcleo de significado que é alheio a
espaço e tempo. Serve ao Brasil como serve a Alemanha. Se o intérprete quiser dar
um significado deve criar seu próprio princípio, mas lhe é vedado alterar o significado
do que já existe. É um critério de pensamento lógico não alterar conceitos já
estabelecidos.
Princípio da unidade da Constituição obriga o intérprete a considerar a
Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão
existentes entre as normas constitucionais a concretizar (ex: princípio do Estado de
Direito e princípio democrático, princípio unitário e princípio de autonomia regional e
local). Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não
como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema
interno unitário de normas e princípios454.
Desse princípio sobressai um outro que é o princípio do efeito
integrador455, consistente na resolução dos problemas jurídico-constitucionais
segundo critérios que favoreçam a integração política e social, os valores eleitos
454 CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional, 5a edição, Coimbra: Almedina. p.1207. 455 É o que o professor Wechsler enfatiza quando diz do respeito que a corte deve ter aos aspectos
políticos da norma constitucional.
162
pelo próprio constituinte e o respeito ao Estado Democrático de Direito. Como
dissera Hamilton456, a Constituição passa a ser compreendida como uma lei, com
status superior ao das demais, cuja “interpretação própria e peculiar” cabe às cortes.
Mas, essa interpretação da Corte conduz a certas consequências e se verá, data
venia, que o princípio do efeito integrador não foi cumprido.
A Constituição Federal457 cita a palavra “raça” apenas uma única vez, e o
faz para dizer que não se admite preconceito de raça. Ou seja, é um objetivo da
República evitar o preconceito racial. E quando manda reduzir as desigualdades diz
que são as sociais e não raciais458. A título exemplificativo, no que se refere a
pessoa com deficiência a Constituição tratou em dez enunciados normativos459,
pretendo, assim, dar ampla garantia de inserção social desse grupo.
Observe-se ainda, que o conceito de isonomia é relacional por definição.
O postulado da igualdade pressupõe pelo menos duas situações, que se encontram
numa relação de comparação. Já manifestou-se o STF460 no sentido de a isonomia
somente pode ser pleiteada quando as pessoas apontadas como paradigmas
encontrarem-se em situação igual à daqueles que pretendem a equiparação.
Ainda do colendo STF, extrai-se que o atentado à isonomia consiste em
se tratar desigualmente situações iguais, ou em se tratar igualmente situações
diferenciadas, de forma arbitrária e não fundamentada. É na busca da isonomia que
se faz necessário tratamento diferenciado, em decorrência de situações que exigem
tratamento distinto, como forma de realização da igualdade. Com base nisso, tem-se
456 HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. The federalist papers. Edited by Isaac
Kramnick. London: Penguin Books, 1987, p. 439. 457 Brasil. Constituição Federal de 1988. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. 458 Art.3 III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. 459 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. vol. IX. Rio de janeiro: Forense
Universitária, 1993 p. 4647-4649. 460STF RE 409.613-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 21-2-2006, Primeira Turma, DJ de 24-3-
2006
163
que a aplicação da isonomia material não causa prejuízo a terceiros, apenas iguala
as posições jurídicas, nas quais havia um déficit para uma das partes461.
O STF disse de modo explícito quanto a impossibilidade de se causar
prejuízo a terceiros, verbis462:
Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.
Separar percentual de vagas de ingresso para determinada raça é retirar
essa parcela de acesso dos demais. Foi o que disse o Exmo. Min. Gilmar Mendes:
ao reservar 20% (vinte por cento) das vagas para determinado segmento da
sociedade, outra parcela estará privada desse percentual de vagas. Aplicando-se a
teoria dos neutral principles se vê que o princípio da igualdade não foi bem
aplicado, pois não o foi de maneira neutra463.
461STF (RE 453.740, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-2-2007, Plenário, DJ de 24-
8-2007.) No mesmo sentido: RE 547.052, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 2-6-2009, Segunda
Turma, DJE de 7-8-2009; RE 513.082-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26-5-2009,
Primeira Turma, DJE de 28-8-2009; AI 657.133-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento
em 8-9-2009, Segunda Turma, DJE de 25-9-2009 462STF MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-1999, Plenário, DJ de 12-5-2000.)
Vide: HC 103.236, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-6-2010, Segunda Turma, DJE de 3-9-
2010. 463 Porém, observe-se que no julgamento do casamento homoafetivo o STF fez uma leitura neutra do princípio da igualdade, segundo a Teoria dos Neutral principles of Constitutional Law, porque estendeu ao reconhecimento da união estável e casamento a todos. Não houve uma particularização quanto ao gênero sexual. Pessoas podem se unir com intuito de formar família e essa relação deve
164
Ainda, tal tipo de argumento afronta diretamente jurisprudência anterior da
própria Corte: seja exigindo concurso público para acesso á administração pública,
mesmo na condição de estagiário464; seja pela impossibilidade de diferenciar
pessoas quanto a idade na realização de provas de concurso público para garantir a
algumas acesso diferenciado465; a proibição do preconceito como capítulo do
constitucionalismo fraternal, homenagem ao pluralismo como valor sócio-político-
cultural466.
O Plenário do STF467 já se manifestou sobre a igualdade:
A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível.
O ingresso em universidade pública se dá por um sistema de competição.
E tal é regido pelo interesse público e não pelo interesse privado. Porque nesta
modalidade o Estado fornece instrução universitária gratuita. Assemelha-se a uma
licitação, em que se escolhe a proposta mais vantajosa ao interesse público. in casu,
o que a universidade almeja é formar profissionais de alta competência técnica,
aptos a prestar bons serviços ao mercado e com isso serem úteis ao país. Nesse
ponto uma lembrança do que o STF já decidiu é inevitável, disse:
Sendo um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, podemos afirmar que a função da licitação é a de viabilizar, através da
ser aceita e protegida pelo Estado, a opção sexual dessas pessoas é questão que não pode interferir no seu direito. Ver ADI 4277 e ADPF 132. 464 STF ADI 3.795, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 24-2-2011, Plenário, DJE de 16-6-2011. 465 STF RE 523.737-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 22-6-2010, Segunda Turma, DJE de 6-8-2010 466 STF ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 5-5-2011, Plenário, DJE de 14-10-2011.) No mesmo sentido: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-8-2011, Segunda Turma, DJE de 26-8-2011. 467 STF ADI 2.716, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-11-2007, Plenário, DJE de 7-3-2008
165
mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição de que aqui se trata (competição-pressuposto), visada pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõem-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualddade (isonomia) de todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração468.
Sendo um procedimento que visa à satisfação do interesse público,
pautando-se pelo princípio da isonomia, podemos afirmar que a função da licitação é
a de viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível
de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A
competição de que aqui se trata (competição-pressuposto), visada pela licitação a
instrumentalizar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração,
impõem-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia)
de todos
Há de se observar, ainda, que o STF invocou a Convenção Internacional
sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial469, internalizada ao
ordenamento pátrio pelo Decreto nº 65.810/69, prevê que no seu art. 1º, item 4:
Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contando que, tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem
sidos alcançados os seus objetivos. (destaque meu)
Mas descumpriu sua jurisprudência de respeitar ditas Convenções
Internacionais, comprometendo-se a implementar medidas para dar efetividade ao
468 Trecho do voto do Min. Eros Grau na ADI 2.716, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-11-2007, Plenário, DJE de 7-3-2008. 469 A aludida Convenção foi incorporada ao ordenamento pátrio com status hierárquico supralegal, à luz da jurisprudência desta Suprema Corte (cf., dentre outros, RE 466343, rel. Min. Cezar Peluso, RE 349703, rel. Min. Carlos Britto, HC 92566, rel. Min. Marco Aurélio, todos julgados pelo Tribunal Pleno, em 03/12/2008, DJe-104 divulgado em 04-06-2009)
166
que foi ajustado470. A questão racial foi estabelecida na Convenção retro como
maneira de salvaguardar certos grupos de violações de liberdades fundamentais e
de seus direitos humanos. No sistema de acesso às universidades até então não
havia nenhuma dessas violações raciais. Não se pode confundir dificuldade de
acesso com barreira racial. Essa dificuldade todos os candidatos possuem
independente da sua situação racial. O que de fato diferencia, na facilidade de
ingresso, é a qualidade de ensino de base. Assim, os oriundos de escolas privadas
são melhores preparados e tem mais facilidade nos exames de vestibular.
Dessa forma, por falta de razoabilidade e lógica misturaram-se situações e
conceitos. A questão poderia ter sido facilmente solucionada, como aliás propôs o
Min. Gilmar Mendes, caso se restringisse o acesso á universidades públicas àqueles
que fossem oriundos de escolas públicas. Aqui sim não haveria diferenciação de
raça. E por uma sequência lógica, quem pode pagar estudo de base particular
poderia continuar a submeter a tal sistema particular na instrução universitária. Mas
o estudante já sabedor dessa limitação poderia escolher antecipadamente, ou seja,
não seria privado do ensino público, caso quisesse. O que soa ilógico, neste
momento, é que pessoas de igual classe econômica estão sendo diferenciados pela
raça. Numa mescla de conceitos e presunções generalizantes que não parecem
condizer com a proposta do legislador constituinte de construir uma sociedade justa
e solidária.
O direito tem enunciados prescritivos que proíbem, obrigam ou permitem.
Esses operadores deônticos são: proibido, obrigatório e permitido. No caso do artigo
206 da Constituição Federal de 1988 que diz que o ensino “será” (obrigatório)
ministrado com base nos seguintes princípios: igualdade de condições para o
acesso.
Como entender que o comando “será” não obriga? Se as premissas
argumentativas forem avaliadas com base nos princípios neutros podemos observar
que a conclusão não seria a que tomou o STF. In casu, a matéria era acesso a
instrução universitária. O princípio que rege essa matéria é o da igualdade (explícito)
470STF ADI 2.649, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-5-2008, Plenário, DJE de 17-10-2008.
167
e o da capacidade (implícito). Tanto para entidades públicas como privadas. Há uma
ordem lógica para se pensar assim. Primeiro, a instrução universitária não é
obrigatória. Logo não há direito que o assegure incondicionalmente. Há várias
respostas, mas se pode resignar com duas: não há previsão normativa e trata-se
de liberdade humana. Isto é, atingido determinado grau de instrução escolar,
prossegue-se ou não de acordo com a vontade do aluno.
Ademais, a instrução universitária é essencialmente técnica. Se aprende
engenharia, medicina ou direito e não um pouco de cada coisa. Para tanto não basta
o aluno querer ser médico, deve ter capacidade e habilidade para lidar com as
matérias correlatas. Logo, a seleção serve para escolher aqueles que a priori tem
mais preparo com as matérias correlatas.
Ademais, as universidades tem uma participação real no desenvolvimento
de um país, não são meros alojamentos de retórica educacional. O país necessita de
médicos, engenheiros, advogados, etc. para o seu desenvolvimento. Logo, a
formação universitária deve ser efetiva e em prazo razoável. Assim, o universitário
não tem o tempo que quiser para concluir o curso, ainda mais em universidade
pública. O que a sociedade quer e precisa é que bons profissionais sejam formados
em prazos razoáveis. E é desimportante que esses profissionais sejam brancos,
negros, amarelos, indígenas, etc. Pois, como bem disse o STF, nesse julgamento
sob comento, só existe uma raça, a humana. Assim, também, não importa se em
determinadas áreas existir mais profissionais mulheres e em outras homens. Basta
que todos tenham a liberdade de escolher as profissões que queiram e que o Estado
não crie diferenças injustificadas entre os cidadãos.
Ainda, no que tange ao ingresso em universidade públicas, nunca se fez
pelo critério raça, nunca se reservou vagas para certa raça. A competição era
intelectual. O que o STF fez foi justamente separar direitos por grupos étnicos.
Mas, não cabem muitas ponderações no que tange ao exame intelectual a que
também são submetidos àqueles que tiveram reserva de vagas, porque este não
pode ser comparado ao exame geral dos demais. A situação não é a mesma, logo
não pode ser comparada. A proporção estatística de concorrência é diferente. Assim
168
a taxa de concorrência do acesso geral é muito maior que a do sistema de cotas471.
O que estatisticamente confere maiores chances de ingresso no sistema de cotas.
No que se refere as consequências dessa decisão, tem-se que desde que
as cotas foram implantadas não houve uma aceitação social, ao contrário, o que se
vê é o recrudescimento de uma parte da população contra outra472. Relembre-se
que, conforme colocado alhures, o fato de surgir uma demanda judicial importa dizer
que não há uma perfeita harmonia social. Nesse aspecto a função jurisdicional, além
de dizer o direito, importa que o faça com vistas a pacificação dessa situação.
Marcelo Neves observa que eventuais excessos de judicialização ou o
surgimento de uma politização do judiciário devem ser compreendidos no marco das
competências constitucionais atribuídas ao Poder Judiciário473. Acrescenta-se que
nessa análise jurídica, por certo, o STF não pode se furtar em analisar as
consequências da sua decisão. Verificar se a decisão é executável, ou se o é, em
quanto tempo.
Um aspecto que pode influenciar para que a decisão não consiga
harmonizar o meio social é a possível visualização de uma preferência não coerente
por parte da corte. Tal surge de uma argumentação jurídica que não consegue
demonstrar através de argumentos jurídicos sua justeza lógica analítica474.
Por melhor intencionado que esteja o julgador não pode julgar tomado por
opção pessoal quanto aos fatos, a norma ou os fins da nação. Segundo a Teoria dos
Neutral Principles certas posturas do julgador devem ser evitadas para que não
incorra em subjetivismos. Propõe que se verifique se o princípio que rege o caso
seria aplicado à outros casos semelhantes. Diz , em especial, que se deve verificar
471 Vestibular para ingresso no curso de direito/noturno da UFSC em 2015, relação candidato por vaga era de 9 no sistema de cota contra 15 no sistema geral. Disponível em http://www.vestibular2015.ufsc.br/files/2012/11/relacaoCV_cat1_V2015.pdf e http://www.vestibular2015.ufsc.br/files/2012/11/relacaoCV_cat24_V2015.pdf, aceso em 20/11/2015. 472http://www.em.com.br/app/noticia/especiais/educacao/2012/08/09/internas_educacao,310876/cotas
-raciais-e-sociais-provocam-discordia-nas-universidades-federais.shtml, acesso em 01/03/2015. 473 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. O Estado Democrático de Direito
a partir e além de Luhmann e Habermas. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 235-236 474 Em suma, uma argumentação sem a observância das dificuldades que devem ser observadas e enfrentadas pela decisão em sede de jurisdição constitucional, expostas no capítulo um.
169
se a decisão não coloca em risco a nação, se a decisão segue os princípios
constitucionais dentro de um sistema, de igual sentir Ferrara manifestava-se já em
1921 475.
A respeito desse aspecto, Waldron476 também ressalta que constituições
e declarações de direitos valem muito pouco sem uma cultura política que as
sustentem. Questiona até mesmo a efetividade da revisão judicial em casos nos
quais o desacordo social é muito forte. Como exemplo, ele evoca o julgamento de
Brown vs.Board of Education477 para mostrar que a vitória por meios legais
dificilmente põe fim a uma disputa, a menos que a decisão judicial tenha amplo
suporte político478. Esse autor ressalta que as mudanças sociais passaram a
acontecer apenas dez anos após essa decisão, em razão da atuação contínua do
movimento em prol dos direitos civis e da aprovação, pelo Congresso, do Civil Rights
Act(1964) e do Voting Rights Act(1965).
Não se concorda integralmente com a teoria de Waldron479, mas a mesma
mostra uma face da conseqüência da decisão judicial, qual seja, para se cumprida é
necessário que as pessoas a aceitem. Esse era o aspecto que Wechsler ressaltava
já em 1958. Numa sociedade dividida, a medidas corretivas devem ser bem
pensadas.
Observe-se, ainda, que o caso americano retratado por Wechsler difere do
brasileiro, lá, diferente daqui, havia forte tensão social em virtude da segregação
475 Ocorre, pois, que o jurista considere o efeito das normas na sua totalidade, e não apenas uma
norma per se; tal como o mecânico não precisa conhecer só uma lei cinemática, mas deve também
saber por que modo, na cooperação de várias leis, se produz o resultado complexo. Está nisso a
aplicação consciente do direito, ou a técnica da decisão: está em saber atinar com as várias normas a
que, na sua combinação, pertence governar o caso concreto. Ferrara, Francesco. Como Aplicar e
interpretar as leis. Belo Horizonte: líder. 2002 p. 77-78. 476 WALDRON. Law and disagreement. New York: Oxford University Press, 1999a.1999a. 477 Como visto no item 3.1 foi a decisão da Suprema Corte americana que reconheceu a inconstitucionalidade de leis estabelecendo a segregação racial nas escolas públicas ocorreu em 1954 478 BELLAMY, Richard. Political Constitutionalism: A Republican Defense of the constitutionality of democracy. New York: Cambridge university Press, 2007. 479 Segundo esse autor, na sua crítica ao constitucionalismo, a Constituição pode fortalecer a
democracia desde que não seja colocada como algo que restringe e limita a discussão e deliberação
sobre os temas em desacordo.
170
racial. Aqui havia um sistema que funcionava desde 1911(vestibular). O qual surgiu
porque de 1808 até 1911 verificou-se que um exame para ingresso era necessário
dada a má qualidade de cultura dos alunos, o que comprometeria toda a sua
formação superior480.
A decisão nessa ADPF 186 criou dois tipos de problemas para a sociedade.
Um de divisão social e outro de que acesso universitário privilegiado gera a
presunção de má formação universitária.
Quanto a primeira consequência, como bem advertiu Wechsler, pode-se
dizer que as pessoas não conhecem o direito com profundidade, mas sabem
mensurar situações que lhes parecem ilógicas. Isso é visto, a olhos leigos, como
preferência ou privilégio de um grupo sobre outros481. Se o legislador age de
maneira equivocada e faz distinção injustificada entre os nacionais, tal medida pode
ser questionada judicialmente. A decisão da corte suprema não, daí a maior
responsabilidade da mesma na tomada de decisão.
Bem se posicionou Freitas482 quando disse que poderia e deveria ocorrer
uma hierarquização axiológica consistente e congruente, ao menos como ideal
regulador dessa decisão judicial. Todavia, a observação acurada dos fatos leva a
duvidar da escala do seu êxito no cotidiano e reclama, no mínimo, redobrada cautela
e sábia contenção do otimismo no tocante à certeza da correção dos juízos ora
preponderantes, alicerçados sob o penetrante influxo de sugestões e influências.
480http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,vestibular-nasceu-no-brasil-em-1911,1090702, acesso em 22/12/2015. 481 Por mais alarmante que isso possa soar, normalmente não são os hábitos escolhidos e as virtudes
cultivadas, mas os vieses (com seus vícios de avaliação e atribuição causal), que, combinados à
força do contexto, levam despoticamente ao resultado final dos sopesamentos jurídicos, por mais que
o sistema reflexivo, não raro desidioso, alardeie, de maneira altiva, figurar no controle. GLADWELL,
Malcon. O Ponto de Virada. Rio de Janeiro: Sextante, 2009. Sobre essa visão de polarização de
grupos, ver ainda: SUSTEIN, Cass. Going to extremes: how like minds unite and divide. New York:
Oxford university Press, 2009. INSENBERG, Daniel. Group polarization: a critical review and
meta-analysis. Journal of Personality and Social Psychology, v. 50, n. 6.jun. 1986.
482 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2010
171
São essas atitudes que devem ser observadas pelos juízes quando dizem
o direito, nas palavras de Pontes de Miranda483:
Seria preciso que se evitasse a justiça de classe, a justiça reacionária. O Juiz Hough, uma das maiores mentalidades jurídicas e um dos maiores magistrados americanos, censurando a apreciação das leis pelas Cortes, pôs o estilete no ponto neurálgico quando disse que, de regra, os julgamentos ‘são ditados ou dominados por atitudes mentais ou predileções fundadas na hereditariedade, na ambiência e na educação, como são os vereditos de todos os júris.
O problema surge quando a mais alta instância de justiça do país
entende484 que um ato normativo infralegal que faz essa distinção é constitucional.
Não há recorribilidade disso. Apenas uma emenda constitucional pode,
aparentemente485, sanar tal interpretação do STF. Mas o que importa, é que a
decisão do STF antecipando-se ao legislador486 deu pela constitucionalidade de um
sistema normativo inteiro487. E assim o sistema de cotas raciais está sendo
aplicado, ainda que haja imensa discordância social488.
Quanto ao segundo resultado, vê-se que o aluno que teve o acesso
diferenciado (quotas) encontra-se em aparente desvantagem quando da conclusão
do curso. Vês que a premissa que se tem é que não teve boa educação e por isso
precisou do sistema de cotas para conseguir ingresso em universidade pública. In
casu, a má qualidade de formação/aprendizado poderá ser atribuída a raça, o que é
um evidente equívoco. Pois o verdadeiro problema é que as pessoas pobres
(brancas, negra, índias, etc) utilizam escolas públicas e estas é que não possuem
483 PONTES DE MRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. Tomo IV. São Paulo: RT, 1967, p.2. 484 Com efeito vinculante e eficácia erga omnes, cf. art.102, par.2º da Constituição Federal. 485 Porque essa emenda constitucional pode ser submetida a um teste de constitucionalidade perante o STF. 486 Aqui recai novamente a crítica da Teoria dos Neutral Principles, qual seja, que as cortes supremas tenham cautela ao decidir questões que ainda não possuam uma palavra do legislador ordinário. Esse juízo de compatibilidade constitucional de um ato infralegal opera um salto de competência, passando por cima do legislador e condicionando sua atuação futura. 487 BRASIL. Lei 12.711/12 que institui o sistema de 20% da vagas nas universidades para cotas raciais. 488 Basta consultar as redes sociais e diversos blogs, como por exemplo https://pt-br.facebook.com/Frente-De-Lutas-Pr%C3%B3-Cotas-Raciais-SP-248449308596310/;
172
grau adequado de qualidade. Por óbvio que são presunções, mas essas dificuldades
começam a se mostrar evidentes489.
Assim, o objetivo de tutelar490 com base étnica pode acabar por agravar o
problema de distanciamento social e não permitir a necessária construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, que é o objetivo constitucional.
Observe-se que em recente decisão a Suprema Corte americana491 decidiu
que a Universidade de Michigan492 não era obrigada a deferir acesso privilegiado por
questões de cor ou raça. Disse que o acesso deveria ser igualitário, voltou, portanto
a restabelecer a aplicação uniforme da Constituição.
Como observamos da análise retro, o STF baseou-se em premissas
equivocadas, pois foram aplicadas maneira geral, como se fossem um imperativo
absoluto. Não se questionou, salvo o Exmo. Min. Gilmar Mendes, se a leitura da
premissa racial não se aplicaria a outras raças. Ou seja, que a inclusão social deve
ser feita a todos os cidadãos brasileiros.
Assim, percebe-se que se a teoria dos princípios neutros fosse aplicada a
questão não receberia um pronunciamento de mérito que causasse na desarmonia
social. Ou seja, a cláusula da igualdade, ainda que visualizada no seu aspecto
material, não poderia conduzir à aplicação à parte da população. Deixando de fora
da sua proteção pessoas que se encontram na mesma situação fática de pobreza e
consequente dificuldade de ingresso em universidades públicas.
489http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2013/04/1269984-cotistas-tem-desempenho-inferior-entre-
universitarios.shtml acesso em 19 de junho de 2015;
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/cotistas-tem-desempenho-inferior-entre-niversitarios-
mostram-pesquisas-ou-o-cretinismo-ideologico-do-petismo-uspiano/ acesso em 19 de junho de 2015. 490 Nesse aspecto Wechsler dizia que um tipo de coesão social forçada pelo Estado podia não resolver o problema que procurava corrigir. 491 572 U.S april 22, 2014- Schuette v. Coalition to Defend Affirmative Action. 492 A Universidade de Michigan é pública, não obstante exija pagamento de mensalidade este é muito inferior ao custo da mensalidade de uma universidade privada.
173
CONCLUSÕES
Num estado democrático de direito o comando da lei deve ser seguido por
todos os poderes estatais. Em específico o Poder Judiciário não pode se furtar ao
cumprimento da lei. As normas da Constituição são, como visto no capítulo um,
condicionantes à atuação dos demais poderes. São estas quem dão o norte, as
diretrizes gerais para a nação. Ali se exteriorizam as políticas que o Estado
democraticamente elencou como as mais importantes.
A constituição é o comando positivado da nação, portanto seu cumprimento
se impõe aos poderes públicos e à população. Ao Poder Judiciário cabe dar a
interpretação e aplicação correta das normas constitucionais. Analisadas estas em
seu conjunto e em conformidade com os objetivos da nação. Viu-se o quão
importante é a função jurisdicional em sede constitucional.
A utilização de princípios exige que o jurista os empregue com mais
cautela do que aplica as regras. Isto porque os princípios não contém valores claros
e imutáveis. Estes são extraídos na análise do caso concreto. Porém, extrair o valor
correto de um princípio passa por aplicar um método de raciocínio. E é nesse
proceder que o intérprete deve ter a humildade para não se deixar contaminar por
suas preferências.
Verificou-se que a análise dos fatos que envolvem a demanda judicial
sempre requer observação acurada e que mesmo em sede de processo objetivo os
fatos influenciam na interpretação e aplicação das normas constitucionais. Viu-se,
também, que pautar-se uma decisão judicial apenas pelo critério da justiça traduz
insegurança jurídica, já que o conceito daquela é aberto. Observou-se que a
verdade é um bom critério para pautar uma decisão judicial, pois esta decorre da
racionalidade humana. A vida que o direito almeja regular não se dá in abstracto,
mas in concreto. Logo. Importa descobrir a verdade material. Ficam assim,
constatadas as hipóteses 'A' e 'B', ou seja, de que a crítica doutrinária a certas
decisões do STF tem procedência quando este não observa certos balizamentos
constitucionais, ou os utiliza de maneira incoerente.
174
A partir das constatações apreendidas no capítulo um, viu-se que a
argumentação jurídica aplicada com método permite demonstrar e controlar a
decisão judicial. Porque, fatos mal analisados, premissas parcialmente corretas,
justiça parcializada, incoerência, e interpretação não integradora da Constituição não
permitem uma argumentação jurídica sólida, isto é lógico-jurídica. Dessa forma
confirmou-se a hipótese 'C', de que a argumentação é a fundamentação estruturada
que permite a sindicabilidade da decisão judicial.
No capítulo três analisou-se a teoria dos princípios neutros, que tem
vários pontos de sustentação, como respeito incondicionado à Constituição e por
conseguinte um respeito condicionado ao Parlamento; respeito à legitimidade do
Poder Judiciário como intérprete máximo da Constituição; imposição de prudência,
imparcialidade e coerência na atuação judicial; uso de princípios constitucionais de
maneira neutra, isto é, verificando se tal aplicação é possível a todos os demais
casos, inclusive os contrários. Trata-se de uma aplicação geral e neutra à todos os
cidadãos, porque a Constituição é uma norma que almeja a união nacional, que
protege de igual maneira seus cidadãos.
Na parte final do capítulo três se verifica se o STF tinha utilizado
argumentos em conformidade com a teoria dos princípios neutros. Viu-se, que isso
não ocorreu, porque o STF utilizou-se de premissas incorretas e generalizantes, que
eram interpretadas apenas sob um viés. Que a preocupação maior parecia ser fazer
a justiça que o STF acreditava que deveria ser feita. Produzindo-se, então, uma
decisão com poucos parâmetros objetivos. E essa carência argumentativa fez surgir
a crítica doutrinária.
Também aplicou um princípio constitucional de tal maneira não resultou na
acomodação da lide no seio da sociedade, quiçá tenha estimulado discórdia. O que
demonstra que fez uma leitura constitucional sem a devida neutralidade, pois a
norma jurídica da igualdade, posta pelo Parlamento, foi mal utilizada.
Dessa feita, a interpretação conduz a uma exteriorização do seu
significado através da argumentação. Observando-se que está deve ser jurídica, não
175
pode ser apenas sociológica, econômica, etc. E se assim o for deve sê-lo, por força
de norma constitucional e não por vontade pessoal do julgador. A argumentação
deve, ainda, possuir coerência lógica com o sistema jurídico. Tal é facilmente
verificável pela força e variedade das suas justificações. Esta variedade permite
testar se possui uma nota de neutralidade na aplicação do direito.
Assim argumentos judiciais em prol da justiça, do desamparo social, da
verdade ou generalizações não são aptos, sozinhos, a justificar tecnicamente uma
decisão. Os argumentos devem ser amparados pelo sistema jurídico. As normas
constitucionais como um todo (unidade) dão legitimidade ao resto do quadro
normativo. O decidido no caso concreto individualizado não pode ficar alheio ao
sistema legal. Não pode ser extravagante a ponto de não poder ser replicado
racionalmente.
O decidido no caso concreto não pode ser a vontade do julgador e sim a
vontade das leis, interpretadas, harmonizadas e concretizadas dentro do sistema
legal. Bem como a decisão judicial não deve ser utilizar mera retórica como
argumento justificador. Porque a diversidade de valores extraídos de um mesmo
princípio constitucional enfraquece a Constituição. Dessa forma confirmou-se que a
teoria dos princípios neutros colabora com a formação de argumentos com solidez
lógico-jurídica.
Dessa feita caso fosse aplicada a Teoria dos Neutral Principles of
Constittutional Law a argumentação utilizada pelo STF na ADPF 186 receberia
tratamento diferente. O princípio da igualdade exposto no artigo 5º da Constituição e
o fato de ser um objetivo da nação o tratamento igualitário das pessoas, exposto no
art.3º importariam que sua aplicação se fizesse também para todos aqueles que
estão na mesma situação. In casu, a condição econômica é o verdadeiro fator
impeditivo de acesso as universidades públicas. A aplicação neutra de princípios
constitucionais permitiria seu replique em decisões judiciais futuras, robustecendo,
assim, a segurança jurídica e formando um caminho seguro ao uso dos precedentes
judiciais no Brasil.
176
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