anderson, poul - a mágoa de odin

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  • 8/7/2019 Anderson, Poul - A Mgoa de Odin

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    De Poul Anderson - livro O Patrulheiro do Tempo

    ================

    A MGOA DE ODIN, O GODO

    Ento ouvi uma voz no mundo: maldita sejapromessa quebrada,E a Necessidade premente dos Nibelungos, ea Mgoa de 0din, o Godo!

    WILLIAM MORRIS,Sigurd the Volsung

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    Ao crepsculo, o vento soprava quando a porta se abriu. Os fogos queardiam ao longo do salo cintilaram nos seus sulcos; as chamas

    ondularam efluram dos candeeiros de pedra; o fumo acre rolava dosorifcios no tecto por onde deveria ter sado. Esta repentinaluminosidade refletia-se nas pontas das lanas, dos machados, nasbainhas das espadas, nos ornamentos dos escudos, nas ara-mas guardadasperto da entrada. Os homens que enchiam aquela grande sala, ficaramimveis e atentos, tal como as mulheres que distribuam os chifres decerveja. Eram os deuses esculpidos nos pilares que pareciam mover-sepor entre as sombras inquietas. O pai Tiwaz, o maneta, Donar doMachado e os Cavaleiros Gmeos - eles e as bestas e os heris e osramos entretecidos gravados no lambril. Uuuu... gemia o vento, umrudo glido como ele prprio.Hathawulf e Solbem entraram. A me, Ulrica, estava no meio deles e aexpresso da sua cara era no menos terrvel que a expresso dos seusfilhos. Os trs pararam por um breve momento, mas demasiado longo para

    aqueles que aguardavam as suas palavras. Ento, Solbern fechou aporta enquanto Hathawulf dava uns passos em frente e levantava o seubrao direito. O silncio abateu--se sobre o salo, a no ser peloestalar dos fogos e os bafos agitados.No entanto, foi Alawin quem falou primeiro. Levantando-se doseu banco, a figura frgil, tremendo, gritou: 83

    -Ento, iremos vingar-nos! - a voz falhou-lhe; tinha apenasquinze-Invernos.O guerreiro a seu lado puxou-lhe pela manga e rosnou:-Senta-te! Cabe ao senhor dizer-nos o que fazer... -Alawin engoliu emseco, olhou fixamente e obedeceu.Uma espcie de sorriso revelou os dentes de Hathawulf por entre a

    barba loura. Ele j estava neste mundo h mais nove anos que aqueleseu meio-irmo, e h mais quatro que o seu irmo Solbern, mas pareciamais velho, e no s por causa da altura, dos ombros largos e dapostura de gato selvagem; a chefia coubera-lhe nos ltimos cincodestes anos, depois da morte de seu pai, Tharasmund, acelerando ocrescimento da sua alma. Havia quem murmurasse que Ulrica mantinha umardea apertada sobre ele, mas quem duvidasse da sua virilidade teriade o enfrentar numa luta e o mais certo era perder.- Sim - disse ele, em voz comedida, mas apesar disso ouvida de um ladoao outro do edifcio. - Tragam o vinho, mulheres; bebam bem, meus

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    homens, faam amor com as vossas mulheres, aprontem o vosso materialde guerra; aos amigos, que vieram at aqui para oferecer a sua ajuda,os meus mais sinceros agradecimentos, porque amanh, pela alvorada,cavalgaremos para matar o assassino da minha irm.-Ermanaric! -proferiu Solbern. Era mais baixo e mais more-o queHathawulf , mais dado a tratar das suas terras e a construir coisascom as mos que guerra e caa; mas cuspiu o nome

    mo se fosse uma infmia na sua boca.Um suspiro, mais que um respirar ofegante percorreu a multido,embora algumas das mulheres se encolhessem, ou se aproximassem dosseus maridos, irmos, pais ou jovens que poderiam um dia desposar.Alguns guerreiros rugiram rouca e quase alegremente. Uma certaausteridade caiu sobre outros.Entre estes ltimos contava-se Liuderis, que acalmara Alawin.Ergueu-se do banco, para ser visto por todos. Homem possante, grisalhoe coberto de cicatrizes, que fora anteriormente o homem de confianade Tharasmund, disse pesadamente:- Erguer-te-ias contra orei, a quem prestaste juramento de vassalagem?- Esse juramento perdeu todo o seu valor quando ele mandou espezinharSwanhild debaixo dos cascos dos cavalos -respondeu Hathawulf .

    - No entanto, ele declara que Randwar planeava mat-lo...- Isso o que ele diz! - gritou Ulrica. Avanou, at a escassa luzexistente brilhar mais completamente sobre ela. Era uma mulher grande,as suas tranas meio grisalhas e ainda meio ruivas enquadrando umaface cujas linhas se tinham imobilizado nainflexibilidade da prpria Weard. Valiosas peles orlavam o manto deUlrica; por baixo, o vestido era de seda das terras orientais;mbar das terras do norte brilhava em redor do seu pescoo: porqueela era filha de um rei e casara na casa de Tharasmund, descendentedos deuses.Ela parara com os punhos cerrados e atirou cara de Liuderis e dosrestantes:- Razo tinha Randwar, o Vermelho, em tentar derrubar Ermanaric. OsGodos j h demasiado tempo que sofrem s mos desse co. Sim, eu

    chamo co a Ermanaric, indigno de viver. No me falem em como ele nosfez poderosos e em como o seu domnio se estende do mar Bltico at aomar Negro. - o domnio dele, no o nosso, e no sobreviver suamorte. Lembrem-se antes das taxas quase ruinosas que temos de pagar,das esposas e donzelas desonradas, das propriedades arbitrariamenteanexadas e das pessoas que so expulsas das suas terras, de homensderrubados e queimados nos seus lares cercados, unicamente por seterem atrevido a falar contra os atos dele. Lembrem-se de como eleassassinou os seus sobrinhos e respectivas famlias, quando noconseguiu apoderar-se do tesouro deles. Lembrem-se de como mandouenforcar Randwar, sem nada mais que a palavra de SibichoMannfrithsson, Sibicho, aquela vbora sempre a assobiar aos ouvidos dorei. E perguntem uma coisa a vocs prprios. Mesmo que Randwar se

    tivesse tornado inimigo de Ermanaric, atraioado antes de ter podidoatacar, como vingana do insulto praticado sobre os seus parentes,mesmo que isso fosse verdade, porque havia Swanhild de morrer tambm?Ela era apenas a sua mulher! - Ulrica respirou fundo.- Ela era tambm a filha de Tharasmund e de mim prpria, a irm dovosso chefe Hathawulf e de Solbern, o seu irmo. Eles, que nasceramde Wodan, ho de mandar Ermanaric para o outro mundo para ser escravodela.- - Senhora, esteve meio dia sozinha a falar com os seus filhos disseLiuderis. - At que ponto que isto no a sua vontade

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    As faces cavadas coraram.- Sou suficientemente homem para lutar pela minha casa!-guinchou Alawin. Ulrica ficou hirta onde estava.A crueldade destilava das suas palavras:- A tua casa, bastardo?

    O barulho crescente desvaneceu-se. Os homens trocaram olharesapreensivos. No preconizava nada de bom, uma tal libertao develhos dios, numa hora destas. Erelieva, me de Alawin, no foraapenas a concubina de Tharasmund, ela tornara-se na nica mulher queele realmente amara, e Ulrica regozijara-se quase abertamente quandocada criana que Erelieva dava luz, com excepo do primeiro, morriacom tenra idade. Mais tarde, quando o chefe desceu a estrada doinferno, amigos dela arranjaram-lhe rapidamente um casamento com umpequeno proprietrio que vivia longe dali. Alawin ficou, o quepareceu o mais indicado para o filho de um senhor, mas Ulrica estavasempre a pic-lo.Os olhos fecharam--lhe contra o fumo e a luz dos fogos intercaladoscom as sombras.

    -Sim, a minha casa -respondeu Alawin -, e Swanhild tambm m-m-minhairm! - a sua gaguez f-lo morder os lbios, envergonhado.- Calma, calma! - Hathawulf voltou a levantar o brao. -Tens essedireito, rapaz, e fazes bem em exigi-lo. Sim, vem conosco, alvorada.O seu olhar desafiava Ulrica. Ela torceu a boca, mas no disse nada.Todos adivinharam que ela alimentava esperanas de que o adolescentefosse morto.Hathawulf dirigiu-se para o assento colocado no meio do salo. As suaspalavras ecoaram:-Chega de brigas! Esta noite estaremos alegres. Mas, primeiro,Anslaug - disse sua mulher -, vem sentar-te ao p de mim e juntosbeberemos pelo copo de Wodan.Ps bateram no cho, punhos esmurraram a madeira e facaslevantaram-se como tochas. As prprias mulheres comearam a gritar

    com os homens:- Salve, salve, salve!A porta abriu- subitamente.O crepsculo descera rapidamente, visto que se aproximava o Outono,por isso, o recm-chegado estava mergulhado em trevas. O vento agitouas extremidades do seu manto azul, atirando com algumas folhas mortaspara dentro, assobiou e arrefeceu a sala.As pessoas viravam-se para ver quem entrara, sustendo a respirao, eos que estavam sentados apressavam-se a levantar.Era o Viandante.87

    Era mais alto que todos eles, segurando a sua lana mais como umbordo que como uma arma, como se no tivesse necessidade de usar oferro. Um chapu de aba larga sombreava-lhe a face, mas no escondia ocabelo e a barba de um cinzento de lobo, nem o brilho do seu olhar.Poucos dentre eles o tinham visto antes, a maior parte no calharaestar por perto quando ele fizera as suas visitas espordicas; masningum ignorava que ele era o avoengo dos chefes teuring.Ulrica foi a primeira a reunir coragem.-Saudaes, Viandante, e bem-vindo sejas! -disse ela. - uma honrapara o nosso tecto. Venha, sente-se na cadeira principal, eu vou

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    buscar-lhe um chifre de vinho.- No, um copo, um copo romano, o melhor que tivermos -disse Solbern.Hathawulf dirigiu-se para a porta, endireitou os ombros e enfrentou oantepassado.- Sabe o que se est a preparar - disse ele. - Que palavras tem paranos dirigir?-Isto... - respondeu o Viandante. A sua voz era profunda e no soava

    como a dos Godos do sul, ou como mais ningum que eles alguma veztivessem conhecido. Os homens supunham que a sua lngua materna era alngua dos deuses. Hoje parecia pesada, como se carregada desofrimento. - Vocs esto dominados pelo desejo de vingana,Hathawulf e Solbern, e isso no pode ser alterado; essa a vontade deWeard. Mas Alawin no ir com vocs!O jovem encolheu-se, empalidecendo. Um quase soluo partiu agreste dasua garganta.O olhar do Viandante percorreu o salo e fixou-se nele.- E necessrio que assim seja - continuou ele, articulando as palavraslentamente. -No um insulto que te fao quando digo que ainda no sadulto e que morrerias corajosa mas inutilmente. Todos os que soagora homens, j foram em tempos rapazes. No, digo-te em vez disso

    que a tua tarefa ser outra, mais difcil e mais estranha que avingana, em defesa da segurana dos descendentes que nasceram da medo pai do teu pai, Jorith (teria a sua voz tremido um pouco?), e demim prprio. Tem pacincia, Alawin. A tua vez em breve chegar!-Ser... feito... segundo a tua vontade, senhor - declarou Hathawulf ;com a garganta seca. - Mas que quer isso dizer... para aqueles deentre ns que vo lutar?O Viandante olhou- por uns instantes e depois ficou muito calmo antesde responder:- Vocs no querem saber. Seja a resposta boa ou m, vocs no aquerem saber.Alawin enterrou-se no seu banco, agarrou a cabea com as mos,tremendo.- Boa viagem - disse o Viandante. O seu manto rodopiou, a lana rodou

    e a porta fechou-se. Partira.

    1935

    No troquei de roupa at o veculo me ter transportado atravs doespao-tempo. S ento, numa base da Patrulha, que passava por umarmazm, despi as minhas vestes da bacia do Dnieper, dos fins dosculo XX, e vesti roupa de meados do sculo XX, dos Estados Unidos.Os aspectos bsicos, camisas e calas para os homens, vestidos para asmulheres, eram os mesmos. As diferenas de pormenor eram inmeras.

    Apesar do tecido grosseiro, o trajo gtico era mais confortvel que umfato completo com gravata. Arrumei- no compartimento de bagagem domeu saltito, juntamente com o material especial que usara paraescutar, do exterior, o desenrolar da discusso no salo da triboteuring. Visto a minha lana no caber, atei-a ao lado da mquina. Noiria nela a nenhum outro sitio a no ser ao meio onde essas armaspertenciam.O oficial de servio de hoje tinha vinte e poucos anos -jovem pelospadres correntes; na maior parte das pocas h muito tempo que jseria um homem com famlia estabelecida -e estava um pouco intimidado

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    pela minha presena. E verdade que o meu estatuto como membro daPatrulha do Tempo era praticamente tanto um pormenor tcnico como erao dele. Eu no fazia nenhum trabalho de policiamento das estradasespao-temporais, salvando viajantes em perigo, nem nada de toespetacular. Era apenas uma espcie de cientista; erudito era,provavelmente, mais correto. No entanto, determinava as minhasprprias viagens e ele no estava qualificado para o fazer.

    Deitou-me uma espreitadela quando me viu emergir do hangar para oescritrio vulgar, alegadamente duma companhia de construo, que eraa nossa cobertura, nesta cidade, durante estes anos.- Bem-vindo a casa, Sr. Farness - saudou ele. - Hum, teve uma viagembastante agitada, no teve?- Por que diz isso? - repliquei automaticamente.- A sua expresso, senhor. A forma como anda.- No corri qualquer perigo - vociferei. Sem ter a mnima vontade defalar daquilo, a no ser com Laurie, e se calhar nem mesmo com eladurante uns tempos. Passei rapidamente por ele e sa para a rua.Tambm aqui era Outono, um daqueles dias estimulantes ebrilhantes que Nova lorque freqentemente tem, antes de se ter tornadoimpossvel l viver; curiosamente, este ano era o anterior ao do meu

    nascimento. A pedra e o vidro elevavam-se at se perder de vista, emdireo a um azul onde se viam umas manchas de nuvens vogando na brisasuave que me beijava com lbios frescos. Os carros no eram tantos quefizessem mais que acrescentar-lhe um certo travo, mais fraco que oaroma dos carros dos vendedores de castanhas assadas que comeavam aacordar do estio. Fui at Quinta Avenida e andei a p at ao centroda cidade, passando por lojas esplendorosas e cruzando-me com algumasdas mulheres mais belas de todo o mundo, assim como com pessoasprovenientes da rica diversidade do nosso planeta.A minha esperana era que, indo a p para casa, dispersasse parte datenso e infelicidade que sentia dentro de mim. A cidade podia fazermais que estimular, podia curar, no podia? Era aqui que Laurie e eutnhamos escolhido viver, ns que nos podamos instalar praticamenteem qualquer local de qualquer passado ou futuro.

    No, claro que isso no era bem assim. Como a maioria dos casais,desejvamos um ninho num ambiente razoavelmente familiar, onde notivssemos de aprender tudo do zero e estar sempre de guarda. Os anos30 eram uma poca maravilhosa, para quem fosse americano e branco, deboa sade e com dinheiro. As amenidades que faltavam, tais como arcondicionado, podiam ser discretamente instaladas, desde que nofossem usadas quando se tinha visitas que nunca deveriam saber que osviajantes no tempo existiam. Era verdade que o grupo de Rooseveltestava ao leme, mas a converso de Repblica para Estado Corporativoainda no estava muito adiantada e no afetava as nossas vidasprivadas, nem a minha nem a de Laurie; a desintegrao efetiva destasociedade s se transformaria num processo rpido e bvio depois daeleio de 1964 (em minha opinio).

    Para Oeste, onde a minha me estava nesta altura grvida de mim,tnhamos de ser aborrecidamente circunspectos. Mas a maioria dosnova-iorquinos era tolerante, ou pelo menos nada curiosa. Uma barbaat cintura e um cabelo comprido at ao ombros, que eu apanhava emtrana quando estava na base, no atraa muitos olhares, nem sequernada mais que alguns gritos de Urso! dos midos. Para o nossosenhorio, os nossos vizinhos e outros contemporneos, ns ramos umprofessor de Filologia Germnica e sua mulher, com as suas naturaisidiossincrasias. E, na realidade, at nem era mentira.Portanto, o passeio devia ter-me feito bem, recuperando a perspectiva

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    que todos os agentes da Patrulha devem ter, e sem a qual ficariamdoidos varridos com as coisas que se viam obrigadosa presenciar. Devemos compreender que o que Pascal dissera era90

    verdade em relao a todos os seres humanos em todos osespaos-tempos. Ns prprios includos: O ltimo ato trgico,

    independentemente de quo agradvel possa ter sido a comdia dosoutros atos. Um pouco de terra sobre as nossas cabeas e fica tudoresolvido para sempre.E melhor que nos compenetremos disso, para que possamos viver assimcalma, seno serenamente. Vejamos, estes meus Godos estavam a safar-semuito bem, se os compararmos com, digamos, milhes de judeus europeuse ciganos, menos de dez anos no futuro, ou milhes de russos nesteexato momento.No servia de nada. No eram os meus godos. Os seus fanas-masapertavam-se minha volta, at as ruas, os edifcios, os corpos setransformarem num sonho irreal e tenuemente recordado.Sem ver nada minha frente, apressei o passo, em direo ao santurioque Laurie me pudesse fornecer.

    Vivamos num andar enorme, com vista para Central Park, ondegostvamos de passear em noites suaves. O porteiro no precisava deacumular essas funes com as de guarda armado. Magoei- com a securacom que retribui a sua saudao e s me apercebi disso j no elevador,mas nessa altura era demasiado tarde para arrepiar caminho. Saltarpara trs no tempo e alterar o incidente seria violar a primeiradiretriz da Patrulha. No que algo de to trivial ameaasse ocontinuum, que bastante flexvel, dentro de certos limites, e osefeitos das alteraes diluem-se, em regra, com rapidez. Na realidade,existe uma pergunta metafsica interessante sobre at que ponto queos viajantes no tempo descobrem o passado versus at que ponto queo criam. O gato de Schrodinger espreita tanto na histria, como dasua caixa. No entanto, a Patrulha existe para assegurar que o trfegotemporal no destrua o desenrolar dos acontecimentos que levaro

    existncia dos super-homens danelianos fundadores da Patrulha quando,no seu passado remoto, os homens vulgares descobriram como viajar notempo.Os meus pensamentos tinham-se refugiado neste tema familiar, enquantopermanecia no elevador. Tornava os fantasmas mais distantes, menosclamorosos. Apesar disso, quando entrei em casa, eles seguiram-me.Um cheiro a terebentina vagava por entre os livros que cobriam asparedes da sala. Laurie estava a conseguir firmar-se como pintora,aqui nos anos 30, quando j no era a preocupada mulher de umprofessor de faculdade, como acontecera mais tarde, no fim do nossosculo. Quando lhe ofereceram um lugar na Patrulha, ela recusou;faltava-lhe a fora fsica de que um agente de campo, masculino e,especialmente, feminino, por vezes necessita, enquanto 9 trabalho

    administrativo ou de referncia no lhe interessava. Eclaro que partilhara frias em locais extremamente exticos. 91

    Ela ouviu-me entrar e veio a correr do estdio para me receber. Estaviso levantou-me um pouco a moral. Apesar do avental te-lo sujo e ocabelo coberto por um leno, era ainda esbelta, flexvel e atraente.As linhas por debaixo dos olhos verdes eram demasiado finas paraserem notadas, at que ela se aproximou para me abraar. Os nossosconhecimentos locais tendiam a invejar-me a mulher que, alm de serdeliciosa, era bastante mais nova que eu. De fato, a diferena de

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    idades era de uns meros seis anos. Eu estava no meio da minha quartadcada, e prematuramente grisalho, quando a Patrulha me recrutou,enquanto ela mantivera a sua aparncia jovem. O tratamentoanti-envelhecimento que a nossa organizao fornecia, pra o processode envelhecimento mas no anula os seus efeitos.Para alm disso, ela passou a maior parte da sua vida no temponormal, sessenta segundos em cada minuto. Como agente de campo,

    passavam- s vezes dias, semanas ou meses entre o dizer-lhe adeus demanh e o regresso para o jantar - um interldio no qual ela podiaprosseguir a sua carreira sem que eu a perturbasse. A minha idadecumulativa aproximava-se j dos cem anos.s vezes pareciam mil. E isso notava-se.- Ol, Carl, querido! - Os seus lbios pulsavam contra os meus.Puxei-a para mim. E se uma mancha de tinta me passasse para o fato,que importncia tinha? Ento ela deu uns passos atrs, pegou-me emambas as mos e dirigiu o seu olhar atravs e para dentro de mim.O seu tom de voz enfraqueceu:- Esta viagem magoou-te.- Eu j sabia que sofreria - respondi no meio de um grande cansao.- Mas no sabias at que ponto... Ficaste l muito tempo?

    -No. Daqui a bocado j te conto os pormenores. Apesar de tudo tivesorte. Apanhei um ponto-chave, fiz o que tinha a fazer e sal outravez. Poucas horas de observao s escondidas, uns poucos minutos deao e fini.- Suponho que se pode chamar a isso sorte. Tens de regressar em breve?-A essa era sim, dentro em breve. Mas quero passar aqui uns temposa... descansar, recuperar do que vi que estava prestes a acontecer...Agenta-me aqui por perto, sorumbtico, tua voa-ta, durante umasemana ou duas?- Querido... - Ela voltou para junto de mim.- De qualquer maneira, vou ter de trabalhar as minhas notas-disse-lhe ao ouvido-, mas ao fim do dia podemos sai para jantar, parair ao teatro, para nos divertirmos juntos.- Oh, espero que te consigas divertir. No finjas por minha

    causa... 92

    - Mais tarde, as coisas sero mais fceis -assegurei-lhe. -Limitar-me-ia a cumprir a minha misso original,registando as histrias e canes que eles faro acerca disto. E sque... primeiro tenho de atravessar a realidade.- Tens mesmo?- Sim. E no por motivos acadmicos, no, acho que no. Mas porqueeles so o meu povo. So mesmo.Ela abraou-me com mais fora. Ela sabia.O que ela no sabia, pensei eu num ressurgir de dor, o que eu pedia aDeus que no soubesse, era a razo por que eu me interessava tantopor aqueles meus descendentes de outrora. Laurie no era ciumenta.

    Nunca invejaria os momentos que Jorithe eu tivramos juntos. A rir,dissera que no a privara de nada, enquanto me proporcionara umaposio na comunidade que estava a estudar, que poderia bem ser nicanos anais da minha profisso. Depois, fizera tudo o que pudera parame consolar.O que eu no consegui contar-lhe foi que Jorith no fora simplesmenteuma grande amiga que, por acaso, era mulher. No lhe podia dizer queamara uma mulher, que jazia em cinzas h mil e seiscentos anos, tantoquanto a amava a ela, e ainda amava, e talvez nunca deixasse de amar.

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    teuring.Winnithar ficara em sua casa. No estaria altura da sua dignidadeser visto a olhar, pasmado, como um criado. Quando Carl entrou,Winnithar falou da sua cadeira mais alta:- Seja bem-vindo se vem em paz e com boas intenes. Que o pai Tiwaz oproteja e a me Frija o abenoe! - Como era costume antigo na suacasa.

    - Os meus agradecimentos - respondeu Carl. - Foi muito bom da suaparte dizer isso a uma pessoa, de quem bem podem pensar ser umpedinte. No o sou e espero que este presente seja considerado digno -meteu a mo na bolsa que trazia pendurada no94

    cinto e retirou uma pulseira que entregou a Winnithar. Ouviram--sesuspiros dos que se tinham acotovelado para observar, porque apulseira era pesada, de ouro puro, delicadamente trabalhada eincrustada de pedras preciosas.O anfitrio por pouco no perdeu a compostura.- um presente digno de um rei. Compartilhe comigo o meu assento,Carl. - Era o lugar de honra. - Fique conosco o tempo que

    desejar -bateu palmas. -Ehla! - gritou ele. -Tragam hidromel para onosso convidado e para mim tambm, para poder - beber sua sade! -E,para os moos, criadas e crianas que por ali andavam gritou: -Voltempara o trabalho, vocs. Podemos todos ouvir o que ele nos quiser dizerdepois da refeio da noite. Agora, sem dvida, que se sente cansado.Resmungando, eles acederam.- Por que diz isso? - perguntou-lhe Carl.- A casa mais prxima em que poderia ter passado a noite fica a umaboa distncia daqui - replicou Winnithar.- No estive em nenhuma - disse Carl.- Qu?- Mais tarde ou mais cedo acabaria por descobri-lo. No queria quepensasse que lhe estivera a mentir........ - Winnithar inclinou-se para o observar, puxando pelos seus

    bigodes, e disse lentamente: - Voc no destas partes; sim, deveter viajado de muito longe. No entanto, as suas vestes esto limpas,embora no lhe veja nenhuma muda de roupa, nem comida nem nada do que costume um viajante trazer. Quem voc, de onde vem e... como?O tom de voz de CarI era calmo, mas os que o ouviram sentiram o metalque lhe estava subjacente.- H coisas das quais no posso falar. Dou-lhe a minha palavra, que orelmpago de Donar me castigue, se no estiver a falar verdade, queno sou um bandido, nem um inimigo da sua gente, nem do gnero que oenvergonharia de albergar debaixo do seu tecto.- Se a honra lhe exige que guarde certos segredos, nenhum de ns seintrometer - disse Winnithar. - Mas deve compreender que no podemosdeixar de nos admirar... - evidente era o alvio com que se

    interrompeu para exclamar: - Ah, aqui vem o hidromel. E a minhaesposa Salvalindis que lhe traz o seu chifre, como merece um hspededa sua importncia.Carl cumprimentou-a cortesmente, embora o olhar se desvias-secontentemente para a donzela a seu lado, que levava a Winnithar asua bebida. Ela era de uma elegncia doce e movia-se como um veado; ocabelo solto caa dourado, emoldurando uma face de ossos delicados,lbios sorridentes e tmidos, olhos grandes e datonalidade de um cu de Vero. 95

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    - Apresento-lhe a nossa filha mais velha - disse ela a Carl -, a nossafilha Jorith.

    1980

    Depois do treino bsico na Academia da Patrulha, voltei para Laurie,no mesmo dia em que a deixara. Precisava duns tempos para descansar ereadaptar-me; produzia um certo choque transferirmo-nos do perodooligoceno para uma cidade universitria da Pensilvnia.Precisvamos tambm de pr os nossos assuntos mundanos em ordem. Pelomeu lado, acabaria o ano acadmico antes de aceitar um lugar maisbem pago no estrangeiro. Laurie tratou da venda da nossa casa e dodestino a dar s coisas que no queramos conservar - para onde e paraquando quisssemos montar residncia.Entristeceu-nos imenso despedirmo-nos dos amigos de anos. Prometemosfazer visitas ocasionais, mas sabamos de antemo que seriam poucas emuito espaadas, at terminarem completamente. As mentiras que se

    tornavam necessrias constituam um grande esforo. Como deixamos ascoisas, ficaram com a impresso que o meu novo lugar, algo vago,deveria ser uma cobertura para um cargo na CIA.Bem, no inicio j me tinham avisado de que a vida de um agente daPatrulha do Tempo acaba por se transformar numa srie de despedidas.Ainda me faltava sentir na pele o verdadeiro significado destaverdade.Ainda estvamos no processo de desenraizamento, quando recebi umtelefonema.- Prof. Farness? Fala Manse Everard, operador independe-te. Gostariade o convidar para uma conversa, talvez para este fim-de-semana, sepudesse.O meu corao deu um pulo. Independente praticamente o mais alto quese pode chegar na organizao; atravs dos milhes ou mais de anos que

    vigiam. Este pessoal extremamente raro. Normalmente, um membro,mesmo que seja um oficial da policia, trabalha dentro de um nicomeio, de forma a ele ou ela poderem conhec-lo profundamente, e emconjunto com uma equipa extremamente coesa. Os Independentes podiamir onde quisessem e fazer praticamente tudo o que achassem necessrio,sendo responsveis apenas perante a sua conscincia, os seus pares eo Danelianos.- Ah, claro, certamente, senhor - respondi eu, sem pensar.96

    -Sbado estaria bem. Quer vir a nossa casa? Prometo-lhe um excelentejantar...- Obrigado, mas prefiro que seja em minha casa. Pelo menos da primeira

    vez. Tenho l os meus arquivos e o terminal de computador e tudo omais. S ns os dois, por favor. No se preocupe com o horrio dosavies. Arranje-me um local, como por exemplo a sua cave, onde ningumnos veja. Foi-lhe fornecido um localizador, no foi? Bem, leia ascoordenadas e telefone-me. Eu vou busc-lo no meu saltito.Mais tarde, descobri que este procedimento era caracterstico dele.Grande, de aspecto duro, possuindo mais poder que Csar ou Gengisalguma vez sonharam, era to cordial como um velho amigo.Comigo na sela atrs dele, transferimo-nos no espao, mais que notempo, para a atual base da Patrulha, na cidade de Nova lorque. De l,

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    fomos a p at ao apartamento que ele mantinha. Ele no gostava desujidade, desordem e perigo mais que eu. No entanto, sentia queprecisava dum pied-d'terre no sculo XX, e habituara-se a estasacomodaes antes da decadncia ter avanado exageradamente.-Eu nasci no seu estado em 1942 - explicou ele. -Entrei para apatrulha com 30 anos. Por isso, decidi que seria eu a entrevist-lo.Temos mais ou menos os mesmos antecedentes; deveramos compreender-nos

    bem um ao outro.Eu tomei um bom golo do usque com soda que ele preparara para mim, edisse cautelosamente:-No sei se ser bem assim, senhor. Ouvi falar de si enquanto estivena academia. Parece que teve uma vida bastante aventureira, mesmoantes de se juntar ao grupo. E depois... eu, pelo meu lado, tenho sidoum tipo calmo, rato de biblioteca.-No tanto assim - Everard olhou de relance para uma folha de notasque tinha na mo. A sua mo esquerda segurava um cachimbo de torga embastante mau estado. De vez enquanto, dava uma fumadela ou bebia umgolo. - Vamos refrescar a minha memria, se no se importa? No estevena frente durante o servio militar, mas isso porque cumpriu osseus dois anos durante aquilo que ns ironicamente chamamos tempo de

    paz. No entanto, atingiu nveis elevados na carreira de tiro. Semprefoi um homem de ar livre, fez montanhismo, esqui, vela, natao. Noliceu,jogou futebol e obteve bons resultados apesar da sua magra estatura.Na faculdade, os seus passatempos incluam esgrima, arco e flecha.Viajou bastante, e nem sempre para os habituais lugares seguros. Sim,no h dvida que o consideraria suficientemente aventureiro para osnossos fins. Provavelmente, at demasiado aventureiro. sobre issoque estou a tentar sond-lo.Sentindo-me embaraado, voltei a olhar em volta da sala. 97

    Num piso mais elevado, encontrava-se um osis de quietude e limpeza.Prateleiras de livros cobriam as paredes, com excepo de trsexcelentes quadros e um par de lanas da Idade do Bronze. Para alm

    disso, as recordaes bvias era constitudas por um tapete de pelede urso polar que ele sabia pertencer Groenlndia do sculo X.-Est casado h vinte e trs anos com a mesma senhora -salientouEverard. -Nos tempos que correm, isso indica um caracter estvel.No havia aqui nenhum sinal de feminilidade. claro que ele poderiater uma ou vrias mulheres noutro sitio.- Sem filhos - continuou Everard. - Hum, no tenho nada a ver comisso, mas sabe, no verdade que, se quiser, os nossos mdicos podemresolver qualquer problema de infertilidade anterior menopausa?Tambm podem compensar um inicio tardio de gravidez.-Obrigado - respondi. -Trompas de Falpio... Sim, Lauriee eu j discutimos esse assunto. Talvez algum dia recorramos aisso. Mas no achamos aconselhvel iniciar uma paternidade e a

    minha nova carreira simultaneamente - deitei-lhe um sorriso.-Se que simultaneidade tem algum significado para um patrulheiro...- Uma atitude responsvel. Agrada-me! - Everard acenou com a cabea.-Mas porqu a inspeo, senhor? - atrevi-me a perguntar.- No fui convidado a alistar-me meramente com base na recomendaode Herbert Ganz. A vossa gente fez-me uma bateria completa de testesdo futuro longnquo, antes de me explicarem do que se tratava.Chamaram-lhe uma srie de experincias cientficas. Eu coopereiporque Ganz me pediu para o fazer e como um favor a um amigo dele. Noera da rea dele; ele estava em Literatura e Ln-guas Germnicas como

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    Entretanto, gostaria que me dissesse exatamente qual o seu projeto.- Bem, deve ter falado com Herbert... com o Prof. Ganz... -respondi,atnito. - Hum, obrigado, gostaria de um reforo.

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    - Com certeza - disse Everard, enchendo o copo. - Recuperar aliteratura germnica da Idade Mdia. Se que -literatura- o termo

    correto para material que era originalmente transmitido oralmente, emsociedades analfabetas. Apenas alguns excertos sobreviveram em formaescrita e os investigadores no concordam quanto ao grau de deturpaodestas cpias. Ganz est a trabalhar no... hum... no pico dosNibelungos. O que no percebo muito bem onde voc se encaixa. Isso uma histria do Reno. Voc quer andar toa, sozinho, pela EuropaOriental, no sculo IV.Os seus modos contribuam mais que o usque, para me pr vontade.-Espero conseguir apanhar a parte referente a Ermanaric -expliquei-lhe.- No um texto integral, mas desenvolveu umaligao e, para alm disso, tem um interesse intrnseco.- Ermanaric? Quem foi ele? - Everard passou-me o copo e instalou-separa me ouvir.

    -Talvez seja melhor voltar um pouco atrs -disse eu. -At que ponto que conhece o ciclo do Nibelung-Volsung?- Bem, vi as peras sobre o Anel, de Wagner. E, uma vez, quando tiveuma misso na Escandinvia, por volta dos finais do perodo viqungue,ouvi um conto sobre Sigurd, que matou o drago, acordou as Valquriase depois estragou tudo.- Isso s um fragmento da histria, senhor.- Trato-me por Manse, Carl.- Oh, obrigado. Sinto-me honrado. -Para no me tornar fastidioso,continuei, no meu melhor estilo acadmico:- A Saga dos Volsung de origem islandesa e foi escrita mais tardeque as Canes dos Nibelungos germnicas, mas contm uma verso maisantiga, mais primitiva e mais extensa da histria. A Antiga e JovemEdda tambm tm algo dela. Foram estas as fontes s quais Wagner foi

    buscar a maioria dos seus temas.Provavelmente, lembrar-se- que Sigurd e Volsung so traioeiramentelevados a desposar Gudrun, a Gjuking, em vez de Brunilde, a Valquria,o que levou a um grande cime entre estas mulheres e, por fim, suamorte. Em germnico, estas personagens so chamadas Siegfried,Kriemhild da Burgonha e Brunhild de Isenstem; e os deuses pagos noaparecem; mas isso no vem para aqui chamado. Segundo ambas ashistrias, Gudrun ou Kriemhild, casou mais tarde com um rei chamadoAtli, ou Etzel, que no outro seno tila, o Huno.A partir da, as verses comeam a divergir bastante. Na Cano dosNibelungos, Kriemhild atrai os seus irmos para a corte de Etzel,atraioa-os e os destroi, como vingana pelo assassnio de Siegfried.Teodorico, o Grande, o ostrogodo que conquistou a Itlia, aparece

    nesse episdio com o nome de Dietrich de Berna, embora,historicamente, tenha florescido uma gerao mais tarde100

    que tila. Um seu seguidor, Hildebrand, fica to horrorizado com atraio e crueldade de Kriemhild que a mata. No nos esqueamos que,por seu lado, Hildebrand tem uma lenda s para si, numa balada, cujaverso integral Herb Ganz tenta descobrir, bem como em trabalhosposteriores. Est a ver o monte de anacronismos que isto suscita.- Com que ento, tila,o Huno? - murmurou Everard. -No era um homem

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    nada simptico. Mas operava em meados do sculo V, quando aquelesmalfeitores j andavam solta pela Europa. Voc vai para o sculoIV.-Exatamente. Deixe-me contar-lhe a lenda islandesa. Atli atraiu oirmo de Gudrun para junto de si, porque queria o Ouro do Reno. Elatentou avis-los, mas apesar de tudo eles foram,ao ser-lhes prometidoum salvo-conduto. Ao recusarem-se a entregar o tesouro e a dizer a Atli

    onde ele estava escondido, Atli mandou-os se matar. Gudrun vingou-se.Assassinou os filhos que lhe dera e serviu-lhos como comida numrefeio normal. Mais tarde, apunha1ou-o enquanto dormia, lanou fogo sua casa e abandonou a Terra dos Hunos. Levou com ela Svanhild, afilha que tivera de Sigurd.Everard franziu a testa, concentrando-se. No era nada fcil noconfundir todas estas personagens.- Gudrun foi para a terra dos Godos - disse eu. - Ali casou novamentee teve dois filhos, Hamther e Sorli. O rei dos Godos chama-seJormunrek, na saga e nos poemas de Edda, mas no h qualquer dvida deque ele era Ermanaric, que uma figura real, ainda que obscura, queviveu por volta de meados ou fins do sculo IV. Os relatos variamquanto a ter casado com Svanhild e ela ter sido falsamente acusada de

    infidelidade, ou a ter casado com outro homem qualquer a quem oreiapanhou a conspirar contra ele e que por isso mandou enforcar. Emqualquer dos casos, ele mandou que ela fosse espezinhada at mortepelos cascos dos cavalos.Por esta altura,j os filhos de Gudrun, Hamther e Sorli, eram homensfeitos. Ela atiou-os para que matassem Jormunrek, como vingana pelamorte de Svanhild. Pelo caminho eles encontraram o seu meio-irmo,Erp, que se ofereceu para os acompanhar. Eles recusaram. Osmanuscritos so vagos quanto s razes desta recusa. Suspeito que eleera filho do pai deles e duma concubina, e havia guerras entre eles eo meio-irmo.Eles continuaram at ao quartel-eneral de Jormunrek e atacaram. Erams dois, mas invulnerveis ao ao, por isso mataram direita e esquerda, conseguiram chegar junto do rei e feriram-no gravemente. No

    entanto, antes de acabarem o trabalho, Hamther descuidou-se a dizerque as pedras os podiam atingir. Ou, segundo a saga, 0din apareceusubitamente, vestido como um velho zarolho, e forneceu traioeiramenteesta informao. 101

    Jormunrek mandou os seus ltimos guerreiros apedrejarem os irmos e foiassim que eles morreram. Assim acaba a fbula.-Triste, no ? -disse Everard. Reflectiu durante um minuto. - Masparece-me que todo esse ltimo episdio, Gudrun na Terra dos Godos,deve ter sido composto muito mais tarde. Os anacronismos soperfeitamente incontrolveis.- Claro -concordei. - o que acontece muito freqentemente nas tradiespopulares. Uma histria importante atrair para si outras secundrias.

    Mesmo de formas superficiais. Por exemplo, no foi W. C. Fields quedisse que um homem que odeia crianas e ces no pode ser mau de todo.Foi outra pessoa qualquer,j no me lembro do nome, que assimapresentou Fields num banquete.Everard riu-se.-No me diga que a Patrulha deveria monitorizar a histria deHollywood! - Mas voltando a ficar srio, disse: - Mas se essa lendaverdadeiramente sangrenta no pertence ao cnone dos Nibelungos, porque razo a quer investigar? Por que razo quer Ganz que voc ainvestige?

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    - Bem, chegou Escandinvia, onde inspirou alguns bons poemas, se que no eram simplesmentes redaces de algo anterior, e ligou-se saga dos Volsungs. As ligaes, toda a sua evoluo, nos interessa.Alm disso, Ermanaric tambm mencionado noutros stios: em certasbaladas em ingls antigo, por exemplo. Por isso deve ter entrado emmuitos dos trabalhos lendrios e brdicos que ficaram entretantoesquecidos. Ele foi poderoso na sua poca, embora aparentemente no

    fosse um homem muito simptico. O ciclo perdido de Ermanaric poderbem ser to importante e to brilhante como tudo o que nos chegou doOcidente e do Norte. Poder ter influenciado a literatura germnicanuma data de formas insuspeitadas.- Tenciona ir directamente a essa corte? No lhe aconselharia talcoisa, Carl. Demasiados agentes de campo so mortos por se tornaremdescuidados.- Oh, no. Algo de terrvel deve ter acontecido, donde se originaramhistrias que se espalharam rapidamente e at terras distantes,chegando mesmo a entrar nas crnicas histricas. Acho que me possoenquadrar no tempo em que aquilo aconteceu, uns dez anos antes.Mas tenho intenes de me familiarizar primeiro com o meio, antes deme aventurar nesse episdio.

    - Acho bom. Qual o seu plano?- Vou apanhar com uma memorizao electrnica da lngua goda. J aconsigo ler, mas quero fal-la fluentemente,embora o meu sotaque sejacom certeza estranho. Tambm quero toda a informao que houver sobreos costumes, crenas, etc. O que ser muito pouco. Os Ostrogodos,se no os Visigodos, ainda mal existiam102

    na periferia da conscincia romana. Seguramente que mudarambastante antes de se deslocarem para o ocidente.Por isso comearei bastante antes das datas que constituem omeuobjectivo; um pouco arbitrariamente, estou a pensarem 300 d. C.Tomarei contacto com as populaes. Depois, reaparecerei a certosintervalos para me informar do que aconteceu durante a minha

    ausncia. Em resumo, estarei a par dos acontecimentos medida queeles marcharem em direo ao acontecimento. Quando finalmente se der,no serei apanhado de surpresa. Depois, aparecerei aqui e ali,esporadicamente, e escutarei os poetas e contadores de histrias eregistrarei as suas palavras num gravador escondido.Everard carregou o sobrolho.- Hum, este tipo de actuao... Bem, mais tarde discutiremos ascomplicaes possveis. Tambm se deslocar bastante do ponto devista geogrfico, no verdade?- Sim. Segundo as raras tradies que foram passadas escrita noImprio Romano, os Godos so originrios do que agora a Suciacentral. No acredito que uma raa to numerosa possa ter origem numarea to reduzida, mesmo contando com o aumento natural da populao,

    mas poder ter fornecido chefes e organizaes, da mesma forma que osEscandinavos, em relao ao nascente estado da Rssia, no sculo IX.Eu diria que o grosso dos Godos comearam como habitantes ao longo dolitoral sul do Bltico. Eram os povos germnicos mais a leste. No quealguma vez tivessem constitudo uma s nao. Na altura em queatingiram a Europa ocidental,j estavam divididos em Ostrogodos, queconquistaram a Itlia, e Visigodos, que tomaram a Ibria. J agora,a verdade que deram um Governo bastante bom a estas regies, o melhorque elas at ento tinham tido. Finalmente, os invasores acabaram porser, por sua vez, vencidos e diluram-se na populao em geral.

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    - E antes disso?- Os historiadores fazem meno vaga de tribos. Por volta de 300 d.C.,os Godos j estavam firmemente estabelecidos ao longo do Vstula,no centro do que actualmente a Polnia. Antes do fim desse sculo,os Ostrogodos estavam na Ucrnia e os Visigodos a norte do Danbio, afronteira romana. Uma grande migrao de povos, aparentemente nodecurso de geraes, porque parece que eles acabaram por abandonar

    completamente o norte; para ai se moveram tribos eslvicas. Ermanaricera um ostrogodo, por isso tenciono seguir esse ramo.-Ambicioso - disse Everard duvidoso. -E voc ainda por cima umnovato...- Ganharei experincia medida que avanar, no , Manse?Voc prprio admitiu que a Patrulha tem falta de efectivos. Alm103

    disso, apanharei muita da histria de que voos tanto necessitam.Ele sorriu.- L isso verdade.Levantando-se: - Vamos l, acabe a bebida e vamos comer.Vamos precisar mudar de roupa, mas ver que vale a pena.

    Conheo um bar local, a por volta de 1890, que tem unsmagnficos almoos borla.

    302

    O Inverno desceu e depois, lentamente, em vagas de vento, neve echuva glacial, afastou-se. Para os que viviam no lugarejo ao p dorio, e em breve para os seus vizinhos, a monotonia dessa estao foialiviada nesse ano. Carl passou uma temporada com eles.Ao principio, o mistrio que o rodeava provocava medo em muitosdeles; mas depressa viram que ele no trazia m vontade nem m sorte.

    O respeito por ele no se desvaneceu. Pelo contrrio, cresceu. Desde oprincipio que Winnithar dissera que, para tal convidado, dormir numbanco, como um guerreiro vulgar, era indigno, cedendo-lhe uma cama.Ofereceu-lhe ainda escolha qualquer das mulheres para a aquecer, maso estranho recusou, de uma forma corts. Aceitou comida e bebida etomava banho e ia latrina. No entanto, murmurava-se que talvez estascoisas no lhe fossem necessrias, a no ser para fingir que eramortal.Carl era comedido e amigvel, de uma forma algo imponente. Ria, diziauma piada, contava uma histria divertida. Andava a p ou a cavalo,com companhia, para caar ou fazer visitas aos proprietrios vizinhosou juntando-se s oferendas aos Anses e aos festejos que se seguiam.Tomava parte em torneios de tiro ou de luta, at se tornar claro que

    ningum conseguia ser melhor que ele. Quando jogava os jogos decrianas ou de tabuleiro, nem sempre ganhava, embora ficassem com aidia de que se tal no acontecia, era porque no queria que as gentesficassem com medo da feitiaria. Falava com todos, desde Winnitharat ao mais humilde servo ou criana mais pequena, e escutava comateno; na verdade, fazia-os falar e era bondoso para serviais eanimais. Mas o seu eu interior permanecia escondido.Isso no queria dizer que ficasse sentado de mau humor. No, falava ecantava de uma forma brilhante, que ningum nunca antes vira. Sempreinteressado em ouvir canes, contos, histrias, ditados, tudo o que

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    por ali corria; e retribua largamente o que ouvia. Porque pareciaconhecer o mundo inteiro, como se tivesse viajado por todo ele,durante mais de uma vida.Falava de Roma, a poderosa e conturbada, do seu chefe Diocleciano,

    104

    das suas guerras e das suas leis severas. Respondia aperguntas sobre o novo deus, o da Cruz, de quem os Godos tinhamouvido falar atravs dos mercadores e dos escravos vendidos mesmo atno norte. Falava dos grandes inimigos dos Romanos, os Persas, e dasmaravilhas que eles tinham realizado. As suas palavras rolavam semparar, sero aps sero... at s terras do sul, onde fazia semprecalor e onde as pessoas tinham a pele negra e rondavam feras parecidascom os linces, mas do tamanho de ursos. Falava-lhes de outros animais,desenhando figuras a carvo sobre placas de madeira e eles gritavamalto em sinal de admirao; comparado com um elefante, um boi selvagemou at mesmo um cavalo de batalha no eram nada!Prximo do distante Oriente, dizia ele, existia um reino mais vasto,antigo e maravilhoso que Roma ou a Prsia. Os seus habitantes tinham a

    pele da cor do mbar e olhos que pareciam oblquos. Cercadosconstantemente por tribos a norte, eles tinham construdo uma muralhato comprida como uma cordilheira de montanhas e desde ento atacavama partir desse reduto. Era por isso que os Hunos tinham vindo para oOcidente. Eles, que tinham vencido os Alanos e vexado os Godos, eramapenas uma canalha aos olhos oblquos de Khitai. E esta vastido noera ainda tudo o que havia. Quando se viajava para Ocidente, at seter atravessado a provncia romana chamada Glia, chegar-se-ia ao Mundodo Mar, do qual se ouviam fbulas, e se tomssemos um barco,e os que atravessavam os rios no eram suficientemente grandes, e senavegssemos sempre em frente, encontraramos as terras dossbios e ricos Maias.Carl tambm contava histrias de homens, mulheres e dos seus feitos -Sanso, o Forte; Deirdre, a Bela e Infeliz; Crockett, o Caador.

    Jorith, filha de Winnithar, esquecia-se de que j tinha idade paracasar. Sentava-se no cho entre as crianas, aos ps de Carl, eescutava atentamente enquanto os seus olhos reflectiam a luz do fogo ese transformavam em sis.Ele no estava l permanentemente. Muitas vezes dizia que precisava deestar sozinho e desaparecia de vista. Uma vez, um garoto impetuoso eperito em seguir a caa, foi atrs dele sem ser visto, a no ser queCarl no se dignasse a prestar-lhe ateno. O rapaz regressou plido ea tremer, titubeando que o "barba cinzenta" fora para o bosque de Tiwaz.Ningum se atrevia a entrar nesse pinheiral sombrio a no ser naVspera do Solstcio de Inverno, quando eram feitas trs oferendas desangue - de cavalo, de co e de escravo - para que o Protector do Lobomandasse embora a escurido e o frio. O pai do rapaz chicoteou-o e

    depois disso ningum mais falou abertamente no assunto. Se os deusespermitiam que isso acontecesse, o melhor era no questionar as suasrazes.Carl regressava uns dias depois, com roupa lavada e trazendo105

    presentes. Eram coisas pequenas, mas preciosas, fossem elas uma facacujo metal tivesse um fio extremamente afiado, um leno de tecidobrilhante de terras distantes, um espelho melhor que metal polido ouque um lago calmo - os tesouros no paravam, at que todos, qualquer

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    que fosse a sua hierarquia, fossem homem ou mulher, tivessem pelomenos um. A cerca disto ele dizia simplesmente:- Conheo os artfices.A Primavera fugiu para norte, a neve derreteu, os botes explodiam emfolhas e flores, o rio encheu-se, barulhento. Pssaros voando emmigrao enchiam os cus com asas e chilreados. Cordeiros, vitelos,poldros andavam vacilantes pelos cercados. As pessoas saam, piscando

    os olhos face a esta sbita claridade; arejavam as suas casas, roupase almas. A Rainha da Primavera levou a imagem de Frija de quinta emquinta para abenoar o lavrar e semear dos campos, enquanto jovens edonzelas com grinaldas de flores danavam em volta do seu carro puxadoa bois. Os desejos acendiam-se.Carl ainda se afastava, mas regressava no mesmo dia. Cada vez mais sevia Jorith e ele juntos. Passeavam mesmo at aos bosques, descendocaminhos em flor, em direo a prados, longe da vista de todos. Elaandava como perdida em sonhos. Salvalindis, sua me, ralhava-lhe porse portar de uma forma to leviana -no se importava ela com o seu bomnome? - at Winnithar mandar calar a mulher. O chefe era umcalculista esperto. Quanto aos irmos de Jorith, estavam encantados.Por fim, Salvalindis falou em privado com a sua filha. Foram para um

    anexo onde as mulheres da casa se encontravam para tecer e coser,quando no havia outros trabalhos para elas. Agora havia, por isso,as duas estavam sozinhas na penumbra. Salvalindis ps Jorith entre siprpria e o tear grande e com pesos de pedra, como se a quisesseprender numa armadilha, e perguntou-lhe directamente:- Ters sido menos indolente com esse homem Carl do que te tornaste emcasa? Ele j te possuiu?A jovem corou, torcendo os dedos e baixando os olhos.- No - murmurou ela. - Ele pode faz-lo, quando quiser. Como eugostaria que ele o fizesse. Mas s temos andado de mos dadas, dadouns beijos e... e...-E o qu?-Falado. Cantado canes. Rido. Ficado srios. Oh, me, comigo eleno nada reservado. Comigo, ele mais bondoso e terno que... que eu

    pensava ser possvel um homem ser. Ele fala comigo como com algum quesabe pensar e no simplesmente como com uma esposa.Os lbios de Salvalindis comprimiram-se.106

    - Eu nunca deixei de pensar depois de casada. O teu pai pode ver emCarl um aliado poderoso. Mas eu s vejo nele um homem sem terra e sempovo, feiticeiro ou parecido com isso, mas sem razes, sem quaisquerrazes. Que vantagem ter a nossa casa em se aliar com ele? Bens, sim,conhecimentos; mas para que serve isso quando os inimigos esto porta, ameaadores? Que poderia ele deixar de herana aos seus filhos?Que coisas o ligariam a ti, depois de passada ajuventude? Rapariga,

    ests a ser muito insensata.Jorith apertou os punhos, bateu o p e gritou atravs de lgrimas queeram mais de raiva que de pesar:- Cala essa lngua, velha coruja! - Imediatamente se encolheu, toespantada como Salvalindis.- Atreves-te a falar assim a tua me? - disse esta. - Sim, ele mesmoum feiticeiro, que lanou um encantamento sobre ti. Deita esse brocheque ele te deu ao rio, ouviste? - deu meia volta e abandonou a sala.As saias fizeram uma restolhada de ira.Jorith chorou, mas no obedeceu.

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    E depressa tudo mudou.Num dia em que a chuva caa como lanas, enquanto o carro de Donarribombava e o brilho do seu machado cegava oscus, entrou um homem agalope pela aldeia dentro. Quase caa da sela e o seu cavalo estavaprestes a desfalecer de fadiga. Apesar disso, acenou com uma seta egritou para quem atravessou a lama para o receber:- Guerra! Os Vndalos aproximam-se!

    Trazido para o salo, ele disse em frente de Winnithar:- O aviso vem de meu pai, Aefli de Staghorn Dale. Ele soube-o atravsde Dagalaif Nevittasson, que se escapou da carnificina em Elkford paratransmitir o aviso. Mas j ns em Aefli tnhamos reparado no vermelhona linha do horizonte, onde seguramente havia quintas a arder.- Ento so dois bandos deles, no ? - murmurou Winnithar. - Pelomenos. Provavelmente mais. Este ano apareceram mais cedo e em fora.- Como que eles podem abandonar as suas terras em tempo desemear? - perguntou um dos seus filhos.Winnithar emitiu um suspiro.- Reproduziram- mais que o necessrio para o trabalho existente. Almdisso, ouvi falar num rei Hildaric, que conseguiu submeter todas astribos sua autoridade. Assim eles conseguem reunir maiores hostes

    que dantes, que se movem mais depressa e sob um melhor plano do quenos possvel a ns. Sim, pode ser que Hildaric tencione pilhar estasnossas terras, para bem do seu reino transbordante.- Mas que havemos ns de fazer? - queria saber um velho evalente guerreiro.107

    -Renam os homens da vizinhana e informem tantos quantos puderem, notempo disponvel, como fez Aefli, se que ele j no foi atacado.Encontram-nos na Rocha dos Cavaleiros Gmeos como das outras vezes,que dizem? Pode ser que juntos no tenha-mos de enfrentar uma tropa devndalos demasiado grande para ns.Carl agitou- no seu assento.- Mas que acontecer aos vossos lares? - perguntou ele. -Atacantes

    podero ultrapassar-vos pelos flancos, sem vocs saberem e atacar asvossas casas... -o resto ficou implcito: pilhagem, fogo, mulheresjovens raptadas, todos os outros mortos.- Teremos de correr esse risco. De outra forma, seremos eliminados pea. - Winnithar ficou silencioso. As chamas do fogo saltavam erelampejavam. L fora, o vento soprava e a chuva chicoteava asparedes. O seu olhar procurou o de Carl.- No temos elmo nem malha que lhe sirva. Talvez consiga arranj-losno stio onde vai buscar tudo o resto.O estranho ficou hirto. As linhas aprofundaram-se-lhe no rosto.Os ombros de Winnithar afundaram-se.- Bem, esta luta no tem nada a ver consigo, no ? -ele suspirou.- No um teuring.

    - Carl, oh, Carl! -Jorith destacou-se do grupo de mulheres. Por unsmomentos eles aproximaram-se. Ela e o homem grisalho olharam um para ooutro. Depois ele sacudiu o olhar, virou-se para Winnithar e disse:- No receies. Eu ficarei ao lado dos meus amigos. Mas ter de ser minha maneira e vocs tero de seguir os meus conselhos, quer oscompreendam ou no. Esto dispostos a isso?Ningum aplaudiu. Um som como o do vento atravessou o salo de umlado ao outro.Winnithar arranjou coragem.- Sim - disse ele. - Agora os nossos cavaleiros que distribuam

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    flechas de guerra por todos. Mas os restantes celebraro.O que aconteceu nas semanas seguintes, nunca ningum o compreendeubem. Os homens cavalgavam, montavam o acampamento, lutavame regressavam ou no a casa. Os que regressaram, que foram a maiorparte, contavam freqentemente histrias fantsticas. Falavam de umlanceiro de manto azul que atravessava o cu numa montada que no eraum cavalo. Falavam de monstros assustadores que atacavam as fileiras

    dos Vndalos e luzes fericas na escurido e o medo cego que seabatia sobre o inimigo, at ao ponto de largar as armas e fugir aosgritos. Falavam do facto de, no sabiam bem como, encontrar sempre umbando de vndalos antes de eles terem chegado a uma aldeia goda e decomo os punham em fuga, fazendo que a ausncia de saque levasse oscls a desistirem uns a seguir aos outros e a dispersarem.108

    Falavam de vitria. Os seus chefes pouco mais sabiam dizer.Fora o Viandante que lhes dissera onde ir, o que esperar, amelhor forma de se prepararem para a batalha. Foi ele quemcorreu mais veloz que a tempestade ao trazeravisos e ordens, foi ele quem arranjou auxlio a Greutung, Taifal

    e Amaling, foi ele quem intimidou os arrogantes at eles trabalharemlado a lado, como ele lhes ordenava.Estas histrias foram progressivamente esquecidas no decurso das duasgeraes seguintes. Eram demasiado estranhas. Ou antes, ficavamsubmersas entre as histrias antigas do mesmo tipo. Anses, Wanas,cantos, feiticeiros, fantasmas, no verdade que estes seres j setinham muitas vezes juntado s desavenas entre os homens? O queinteressava era que durante uns dez anos, os godos ao longo do Vstulasuperior conheceram paz. Avancemos com a colheita, diziam eles: ou oque quer que eles pretendessem fazer com as suas vidas.Mas Carl voltou para Jorith como o salvador.Ele no podia na realidade despos-la. Ele no tinha parentes quepudesse apresentar. No entanto, os homens que o podiam, tinham sempretomado concubinas; os Godos no consideravam isso uma vergonha, se o

    homem tratasse convenientemente da mulher e dos filhos. Alm disso,Carl no era um simples mancebo, guerreiro ou rei. A prpriaSalvalindis lhe levou Jorith, onde ele a aguardava num sala coberta deflores, depois de festejos em que se trocaram esplndidos presentes.Winnithar mandou cortar madeira, transportou-a atravs do rio econstruiu-se uma boa casa para ambos. Carl queria algumas coisasesquisitas no edifcio, tais como um quarto de cama separado. Haviatambm um outro quarto, que se mantinha sempre fechado chave, a noser quando ele l entrava sozinho. Nunca l ficava muito tempo etambm nunca mais foi para o bosque de Tiwaz.Os homens cochichavam que ele dava demasiada importncia a Jorith. Asvezes acontecia eles trocarem olhares, ou afastarem--se dos outros,como um par de jovens enamorados. No entanto... ela tratava bem da sua

    casa e, de qualquer forma, quem que se atrevia a fazer troa dele?Ele prprio encarregou um criado da maior parte das tarefas de ummarido. Levava para casa as provises necessrias ou o equivalentepara as trocar. E tornou-se um grande mercador. Estes anos de paz noforam anos de indiferena. No, trouxeram mais vendedores ambulantesque antes, vendendo mbares, peles, mel, sebo do Norte, vinho, vidros,trabalhos em metal, panos, cermica fina do Sul e do Ocidente. Sempredesejoso de falar com todos os desconhecidos, Cari alojava oscaminhantes com toda a109

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    sumptuosidade, e ia tanto s feiras como s reunies da assemblia.Nessas reunies ele, que no pertencia s tribos, era apenasobservador; mas depois da conversa do dia, as coisas animavam--se na sua tenda.No entanto, os homens interrogavam-se a si prprios e as mulherestambm. Foram chegando notcias de que um homem, grisalho mas

    vigoroso, que ningum antes vira, aparecia freqentemente entreoutras tribos godas...Talvez fosse por causa destas ausncias dele que Jorith no ficou deimediato grvida; ou talvez fosse por ela ser ainda muito jovem,apenas com dezasseis primaveras, quando foi para o seu leito.Passara-se um ano at os sinais se tornarem inconfundveis.Embora a doena se acentuasse, a alegria transbordava dela. Mais umavez o procedimento dele era estranho, pois parecia preocupar- menoscom a criana que ela lhe daria que com o prprio bem-estar dela.Chegava mesmo a vigiar o que ela comia, oferecendo-lhe frutosestrangeiros, independentemente da estao, embora a proibisse decomer o sal que ela desejava. Ela obedecia alegremente, dizendo queera uma demonstrao do seu amor.

    Entretanto, a vida continuava nas imediaes, e a morte tambm. Nosenterros e nas respectivas festas, ningum se atrevia a falarabertamente com CarI; ele estava demasiado perto do desconhecido. Poroutro lado, os chefes que o tinham escolhido, ficaram surpreendidosquando recusou a honra de ser o homem das redondezas a desflorar aprxima Rainha da Primavera.Recordando tudo o que ele j fizera e continuava a fazer por todos,depressa se recuperaram desta desiluso.Calor, colheita, desolao, renascimento, novamente Vero; e Jorithestava prestes a dar luz.Longo foi o seu trabalho de parto. Sofreu corajosamente as suas dores,mas as mulheres que a ajudavam comearam a ficar muito pessimistas. Osduendes no gostariam de ver um homem ao lado dela nessa altura. Jfora suficientemente mau quando CarI exigira condies de higiene

    nunca antes vistas. Elas s esperavam que ele soubesse o que estava afazer. Ele esperava na sala principal da sua casa. Quando entravamvisitas,oferecia-lhes hidromel e bebidas como era seu dever, mas falava pouco.Quando eles saram ao cair da noite, no dormiu, ficando sentadosozinho no escuro at ao nascer do Sol. De vez em quanto, a parteiraou uma ajudante vinham c fora para lhe dizer como o parto estava acorrer. Ela sofria luz da lamparina e via como o olhar deleprocurava contentemente a porta que mantinha fechada chave.No fim do segundo dia, a parteira foi ter com ele, no meio dos110

    seus amigos. O silncio caiu sobre eles. Ento o que ela trazia nos

    braos produziu um gemido, e Winnithar lanou um grito. CarIlevantou-se,com as narinas brancas.A mulher ajoelhou-se em frente dele, destapou o cobertor e colocou, nocho de terra, aos ps do seu pai, uma criana do sexo masculino, aindaensanguentada mas gesticulando echorando vi-gorosamente. Se Carl nopegasse na criana ao colo, ela lev-la--ia para os bosques e abandon-la-ia aos lobos. Ele nem sequer sedemorou a ver se a criana tinha algum defeito. Abraou-se que-laminscula forma e gemeu:

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    - Jorith. Como est Jorith?- Fraca - disse a parteira. - Pode ir ter com ela agora, se quiser.Carl devolveu-lhe o seu filho e apressou-se a entrar no quarto de cama.As mulheres que l se encontravam afastaram-se. Inclinou-se sobreJorith.Ela estava plida, coberta de transpirao, esvaziada. Mas quando viu oseu homem, ergueu-se debilmente e sorriu o fantasma de um sorriso.

    -Dagobert - sussurrou ela. Era esse o nome, antigo na famlia, que eladesejara para a criana, se fosse um rapaz.- Dagobert, sim - disse Carl em voz baixa. Embora fosse invulgar emfrente dos outros, inclinou-se para a beijar.Ela baixou as plpebras e afundou-se na palha.-Obrigado - mal se ouvia a sua voz. - O filho de um deus...-No...Subitamente, Jorith estremeceu. Por momentos agarrou-se cabea. Osolhosvoltaram a abrir-se. As pupilas estavam fixas e dilatadas. Ficouflcida. Respirava com grande dificuldade.Carl endireitou-se, deu meia volta e saiu rapidamente do quarto. Emfrente da porta fechada, tirou a chave e entrou. Bateu com ela atrs de

    si.Salvalindis moveu-se para o lado da sua filha.- Ela est a morrer - disse em tom tono. - Poder a feitiariasalv-la? Dever salv-la?A porta proibida voltou a abrir-se. Carl saiu, acompanhado por outrapessoa. Esqueceu-se de a fechar. Os homens vislumbraram um aparelho demetal. Alguns lembraram-se do que tinha voado sobre os campos debatalha.Encolheram-se uns junto aos outros, apertaram amuletos nas mos efizeramsinais no ar.O companheiro de Carl era uma mulher, embora vestisse umas calas etnica com as cores do arco-iris. As suas feies eram de um tipo nuncaantes visto: largas e de mas-do-rosto salientes como as dos hunos, mas

    de nariz pequeno, com a pele de um dourado-acobreado e com cabelopreto-azulado. Segurava uma caixa pela pega.Os dois correram para o quarto.111- Todos para fora. Todos! - rugiu Carl e enxotou as mulheres godas comofolhas perseguidas pela tempestade.Ele seguiu-as e lembrou-se ento de fechar a porta do quarto onde estavaa sua montada. Ao voltar-se, viu toda a gente a olhar para ele e aafastarem-se assustados.-No tenham medo! -disse com dificuldade. -No h aqui nada de mal. Eus fui buscar uma mulher sbia para ajudar Jorith.Por momentos ficaram todos imveis a ganhar coragem.A estranha aproximou-se e chamou CarI. Havia algo nela que o fez gemer.

    Cambaleou at junto dela e ela levou-o pelo brao at ao quarto dedormir.O silncio transbordava daquele quarto.Pouco tempo depois, ouviram-se vozes, a dele cheia de fria e angstia,a dela calma e inexorvel. Ningum conhecia aquela lngua.Eles voltaram. A face de Carl parecia ter envelhecido.- Ela deixou-nos - disse. - Fechei-lhe os olhos. Preparem o seu funerale festejos, Winnithar, eu voltarei nessa altura.Ele e a mulher sbia entraram no quarto secreto. Dos braos da parteira,Dagobert bramia.

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    secretria. O seu tom suavizou-se.-J lhe disse. Explicar-lhe-ei em pormenor, se o desejar. Osinstrumentos... no interessa o modo como funcionam... mostraram umaneurisma na artria cerebral anterior. No fora suficientemente gravepara manifestar sintomas, mas o esforo de um parto difcil, longo eprimparo provocou uma ruptura. No seria bompara ela reanim-la, depois de uma leso cerebral to extensa.

    113- No podia ter reparado essa leso?- Bem, podamos ter trazido o corpo para mais tarde, no tempo,reanimado os pulmes e o corao e utilizado a tcnica de cIone dosneurnios para produzir uma pessoa que se parecesse com ela, mas queteria de aprender quase tudo do princpio. O meu grupo no faz essetipo de operaes, agente Farness. No que nos falte compaixo, apenas por j termos demasiadas chamadas para ajudar o pessoal daPatrulha e as suas... famlias oficiais. Se comessemos a abrirexcepes, ficaramos inundados. Compreende que nem mesmo assimrecuperaria a sua querida. Ela no seria a mesma.Eu reuni a fora de vontade que me restava.- Suponha que descamos no tempo, anteriormente gravidez dela... -

    disse eu. - Podamos trazla at aqui, tratar dessa artria, limpar asmemrias dessa viagem e devolvla ao seu meio... para viver uma vidasaudvel?- So os seus anseios a falarem. A Patrulha no altera os acontecimentospassados. Conserva-os.Mundei-me ainda mais na minha cadeira. Contornos vari-veis tentavam, emvo, confortar-me.Mendoza abrandou.- Mas no se sinta demasiado culpado - disse ela. - Voc no podia saberdisso. Se a rapariga tivesse casado com outro qualquer, como seguramenteteria acontecido, o fim seria o mes-mo. Fiquei com a impresso que a fezmais feliz que a maior par-te das mulheres da poca dela. - O tom delaganhou fora: -Quanto a si, no entanto, inflingiu a si prprio umaferida que leva-r longo tempo a sarar. Nunca sarar, a no ser que

    resista ten-tao suprema... continuar a voltar atrs no tempo, at aotempo em que ela vivia, vla, estar com ela. Isso proibido, sobamea-a de severas penalidades e no s por causa dos riscos que podertrazer para essa corrente do tempo. Destruiria, destruiria at a suaprpria mente. E ns precisamos de si. A sua mulher pre-cisa de si.- Sim - consegui dizer.- Bastante difcil ser observar os seus descendentes e dela sofrerem oque tero de sofrer. Pergunto a mim prpria se no seria melhortransferir-se completamente desse projecto...- No. Por favor...- Por que no? - lanou-me ela.- Porque... no os posso abandonar sem mais nada... como se Jorithtivesse vivido e morrido para nada.

    -Essa decisocaber aos seus superiores. Nomnimorecebe-r uma severareprimenda, to prximo do buraco negro quanto possvel. Nunca maispoder interferir ao nvel que o fez agora -114Mendoza fez uma pausa, observou-me, afagou o queixo e murmurou. - A noser que sejam necessrias certas medidas parar estabelecer oequilbrio... Mas isso no do meu pelouro.O seu olhar virou-se para a infelicidade espelhada no meu rosto.Subitamente inclinouse sobre a secretria, fez meno de me estender amo e disse:

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    - Oua bem, CarI Farness. Vo pedir-me a opinio quanto ao seu caso. Foipor isso que o trouxe para aqui e o quero manter aqui uma semana ouduas... para ficar com uma ideia mais clara. Mas para j, e, meu amigo,acredite, que voc no um caso nico em milhes de anos de operaesda Patrulha!, fiquei com a impresso de que voc um tipo decente, quetalvez tenha errado, mas essencialmente devido falta de experincia.Acontece, aconteceu e acontecer, vezes e vezes sem conta. O

    isolamento, apesar das licenas em casa e das ligaes com colegasprosaicos como eu. Fascnio, apesar de uma preparao prvia; choquecultural; choque humano. Voc presenciou o que para si era infelicidade,pobreza, sordidez, ignorncia, tragdia dispensvel. Pior que isso,insensibilidade, brutalidade, injustia, mortcinio arbitrrio. No erapossvel ver tudo isso e no se sentir magoado. Tinha de provar que osseus godos no eram piores que voc pr-prio, mas apenas diferentes; etinha de procurar para alm dessa diferena a identidade subjacente; edepois tinha de tentar ajud-los, e se, ao longo do caminho, encontrasseuma porta aberta pa-ra algo de querido e maravilhoso...Sim, inevitavelmente, os viajantes no tempo, incluindo patru-lheiros,formam ligaes. Eles tm de agir, e muitas vezes essas acoes so decarcter ntimo. Geralmente, no representam qualquer ameaa. Que

    interesse poderia ter a ascendncia preci-sa, obscura e remota at mesmode uma figura-chave da histria? O continuum cede mas recupera maistarde. Se se foram os limi-tes, bem, ento a questo tornase impossvelde responder, sem significado, quer tais aces Infimas tenhammodificado o passa-do ou tenham sempre feito parte dele.No se sinta demasiado culpado, Farness -concluiu ela, cal-mamente. -Gostaria tambm de iniciar a sua recuperao deste choque e da sua dor.Voc um agente de campo da Patrulha do Tempo; no ser este o ltimoluto por que passar.

    302-33O

    Carl foi fiel sua palavra. Silenciosamente, apoiado sua lana,observou os parentes de Jorith a colocarem-na na terra e a

    amontoarem pedras sobre ela. Depois, ele e o pai dela honraram-115-na com uma festa para a qual foram convidados todos os vizinhose que durou trs dias. Ali ele s falava quando lhe dirigiam a pa-lavra,embora nessa altura respondesse educadamente no seu mo-do senhorial.Embora no tentasse refrear a alegria de ningum, a festa foi maissossegada que a maioria.Quando os convidados j tinham partido e CarI estava solita-riamente lareira, acompanhado somente por Winnithar, disse ao chefe:- Amanh tambm me vou embora. No me vero novamen-te com frequncia.-J fizeste ento aquilo para que vieste?- No, ainda no.Winnithar no perguntou o que era. CarI suspirou e acrescentou:

    -Tanto quanto Weard o permitir, tenciono proteger a tua ca-sa. Mas podeno ser muito o que poderei fazer.Ao crepsculo, despediu-se e partiu. Os nevoeiros gelados pairavampesadamente, depressa o escondendo da vista dos homens.Nos anos que se seguiram, as lendas foram-se acumulando. Alguns pensavamvislumbrar a sua estatura alta ao anoitecer, entrando no tmalo, comose de uma porta se tratasse. Outros diziam que no; ele levara-a consigopela mo. As memrias que conser-vavam dele perderam progressivamentetoda a humanidade.Os avs de Dagobert receberam-no, encontraram-lhe uma ama e criaram -no

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    como seu prprio filho. Apesar do seu nascimento misterioso, No foiostracizado nem deixado ao abandono. Em vez disso, as pessoasconsideravam a sua amizade digna, porque ele estava desinado a grandesfeitos; e, por isso, devia aprender a honra e os modos adequados, assimcomo a percia do guerreiro, do caador e do marido. No era a primeiravez que se falava em filhos dos deuses. Eles tornavam-se heris, oumulheres

    sbias e belas, mas eram apesar de tudo mortais.Trs anos mais tarde, CarI visitou-os brevemente. Ao ver o seu filho,murmurou.- Como ele se parece com a me!- Sim, na cara - concordou Winnithar -, mas no lhe faltar virilidade;j bastante evidente, CarI.Mais ningum se atrevia agora a tratar o Viandante pelo seu nome - nempelo nome que supunham ser o correcto. A mesa, enquanto bebiam, faziamcomo ele queria, contando-lhe as histrias e os versos que tinham ouvidoultimamente. Ele perguntava de onde tinham vindo e eles indicavam-lhe umbardo ou dois que ele dizia ir visitar. E visitava, mais tarde, e osautores consideravam-se com sorte por terem atrado a sua ateno. Ele,pelo seu lado, contava coisas de encantar como dantes. No entanto,

    agora demorava-se116pouco, e estava anos sem voltar.Entretanto Dagobert crescia, um rapaz expedito, alegre, bem-parecido ebem-amado. Contava doze anos quando acompanhou os seus mei~irmos, osdois filhos mais velhos de Winnithar, numa viagem para sul, com umatripulao de mercadores. Passaram l o Inverno e voltaram na Primaveraa transbordar de maravilhas. Sim, as terras longnquas eram terrasdisponveis, ricas, extensas, atravessadas poro rio Dnieper, quefazia oVstula parecer um ria-cho. Os vales a norte eram densamentearborizados, mas para sul o campo estendia-se aberto, com pastagens paraas manadas e re-banhos, como uma noiva espera do arado do agricultor.Quem as possusse, ficaria tambm no caminho de uma corrente demerca-dorias que atravessava os portos do mar Negro.

    Por enquanto, poucos godos se tinham mudado para ali. Eram as tribosocidentais que tinham na realidade percorrido o grande caminho,penetrando nas terras a norte do Danbio. Estavamjun-to da fronteiraromana, o que significava uma enchente de comr-cio. Do ponto de vistanegativo, se houvesse uma guerra, os Roma-nos continuavam formidveis -especialmente se conseguissem pr termo sua instabilidade interna.O Dnieper corria a uma distncia confortvel do Imprio. E certo que osHerus tinham descido do norte e se tinham instala-do ao longo da costaAzov: homens selvagens, que indubitavelmen-te provocariam distrbios. Noentanto, exactamente por serem to bicho do mato, desprezando o uso demalha ou a 1 ta em fileiras, eram menos de temer que os Vndalos. Tambme~a verdade que a norte e a oriente deles se acoitavam os Hunos,c-~yaleiros, cria-dores de gado, parecidos com duendes na sua fealdade,

    sujidade e sede de sangue. Dizia-se que eram os guerreiros mais temveisdo mundo. Mas nesse caso maior era a glria de os vencer quandoata-cados; e uma aliana goda poderia venc-los, porque eles estavamdivididos em cls e tribos, com mais probabilidades de lutarem en-tre sique pilharem quintas e cidades.Dagobert ardia em desejos de partir e os seus irmos estavam ansiosos.Winnithar aconselhava calma. Era conveniente in-formarem-se melhor,antesde tomarem uma deciso que seria irrevogvel. Alm disso, quandochegasse a altura, no deviam ir algumas famlias separadas, presa fcil

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    dos salteadores, mas em fora. Parecia que em breve isso se tornariapossvel.Porque estes eram os tempos em que Geberic, da tribo dos greutung,estava a unir as tribos dos godos orientais. Algumas ele atacou esubmeteu sua vontade, outras foram convencidas a juntarem-se-lhes,queratravs de ameaas quer de promessas. Entre estes ltimos contavam-se os

    teuring, que no dcimo quinto ano de Dagobert proclamaram Geberic seurei.Isso queria dizer que lhe pagavam um tributo, no muito pesado;enviavam-lhe homens para lutar por ele quando tal lhes era117solicitado, a no ser que fosse a poca da sementeira ou da colheita; eacatavam as leis que a Grande Assembleia decretava para todo o reino. Emtroca, no tinham de recear os godos que se lhe tives-semjuntado, masobtinham antes o auxilio destes contra inimigos comuns; o comrciofloresceu; e eles prprios tinham homens na Grande Assembleia anual,para falar e votar por eles.Dagobert portou-se bem nas guerras do rei. Nos intervalos, viajava parasul, como capito da guarda dos bandos de vendedo-res ambulantes. Por

    isso viajou bastante e aprendeu muito.No se sabe bem como, as raras visitas de seu pai coincidiam sempre comos perodos em que ele estava em casa. O Viandante dava-lhe muitospresentes e conselhos sbios, mas a comunicao entre eles era um poucoforada, porque que coisas teria umjovem a dizer a uma pessoa daquelas?Dagobert dirigia os sacrifcios feitos no santurio que Winni-tharconstrura no local onde existira a casa em que ele nascera. Winnitharqueimara essa casa, para que ele tivesse a casa que fi-cava por detrsdesta. Estranhamente, nesta cerimnia, o Vian-dante proibira oderramamento de sangue. Apenas os primeiros frutos da terra poderiamservir de oferenda. Espalhou-se a hist-ria que as maas atiradas aofogo em frente da pedra se transfor-mavam nas Maas da Vida.Quando Dagobertj era adulto, Winnithar procurou uma boa esposa paraele. Foi Waluburg, uma donzela forte e graciosa, filha de Optaris de

    Staghorn Dale, que era o segundo homem mais po-deroso entre os teuring.O Viandante abenoou o casamento com a sua presena.Estava tambm presente quando Waluburg deu luzo seu pri-meiro filho,um rapaz chamado Tharasmund. Nesse mesmo ano nasceu o primeiro filho dorei Geberic que chegou idade adulta, Ermanaric.Waluburgprosperou dando ao seu marido filhos saudveis. No entanto,Dagobert continuava inquieto; as pessoas murmuravam que era o sangue deseu pai a manifestar-se nele, e que ele ouvia o vento no fim do mundo acham-lo sem cessar. Quando voltou da sua viagem seguinte ao sul, trouxenotcias de que um chefe roma-no chamado Constantino tinha finalmentevencido os seus rivais e se tinha tornado senhor de todo o Imprio.Talvez isto tivesse incitado Geberic, apesar da grande activi-dade queoreij desenvolvera at data. Ele passou mais alguns anos a unificar

    os Godos do oriente; depois, chamou-os ajuntarem-se-lhe para acabar comapeste dos Vndalos.Nesta altura, j Dagobert decidira que se iria mudar para o sul.O Viandante dissera-lhe que isso seria bastante sensato; era es-se odestino dos Godos e o melhor era ele ser dos primeiros e dis-118por de terras por onde escolher. Comeou a falar disto aos pequenos egrandes proprietrios, pois sabia bem que o seu av tinha ra-zoao dizer que deviam ir em fora. No entanto, quando a chama-da para a

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    guerra chegou, ele no podia, em sua honra, deixar de responder chamada. Partiu frente de mais de uma centena de homens.Foi uma luta violenta, terminando numa batalha que en-gordou os lobos eos corvos. Ali pereceu o rei vndalo Visimar. Tambm ali morreram osfilhos mais velhos de Winnithar, que es-peravam poder partir comDagobert. Ele sobreviveu, nem sequer gravemente ferido, e ganhou grandefama pela sua bravura. AI-guns diziam que o Viandante o protegera no

    campo de batalha, fe-rindo com a sua lana os inimigos, mas isso semprefoi negado por Dagobert.- O meu pai estava l, sim, para estar comigo na noite antes do ltimoencontro... nada mais. Falmos de muitas coisas e al-gumas delas bemestranhas. Eu pedi-lhe que no me humilhasse lutando em meu lugar, e eledisse que no era essa a vontade de Weard.O resultado foi os Vndalos serem expulsos, vencidos e obrigados aabandonar as suas terras. Depois de vaguearam de um lado para o outro,para l do rio Danbio, durante alguns anos, ainda perigosos masmiserveis, pediram autorizao ao imperador Constantino para seinstalarem no seu reino. Nada averso a ter guerreiros frescos a defenderos seus pntanos, deixou-os ir para a Pannonia.Entretanto, Dagobert deu por si como chefe dos Teuring, atravs do seu

    casamento, da sua herana e do nome que conquistara. Demorou algum tempoa preparar a sua gente e levou-os enfim para sul.Poucos ficaram para trs, to brilhante era a esperana. Entre os queficaram contava-se Winnithar e Salvalindis. Quando os carros j setinhamafastado, a chiar, o Viandante foi ter com estes dois, uma ltima vez,e foi bondoso para eles, em considerao pelo que se tinha passado e porela que dormia nas margens do rio Vstula.

    1980

    Manse Everard no foi o oficial que me deu uma ensaboadela devido minha temeridade e s dificilmente concordou em me deixar continuarnesta misso. Principalmente, resmungou ele, devi-do aos pedidos de

    Herbert Ganz, pois no tinha ningum que mesubstitusse. Everard tinha as suas razes para se manter afasta-119do. Essas razes acabaram por se tornar evidentes, bem como ofac-to deele ter estudado os meus relatrios.Entre o sculo iv e o sculo xx, tinham-se passado dois anos do meutempode vida pessoal, desde que perdera Jorith. Aminha dor j se atenuarapara um nico desejo: que ela pudesse ter gozado um pouco mais da vidaque tanto amara e tornara to digna de ser vivida! Excepto s vezesquando se erguia em toda a sua fora e me atingia novamente. Com a suamaneira de ser calma, Laurie aju-dara-me a aceitar os factos. Nuncaantes compreendera bem at que ponto que ela era uma pessoa

    maravilhosa.Eu estava em casa, de licena, em Nova lorque, em 1932, quando Everardme contactou, pedindo uma outra conferncia.- Apenas algumas perguntas, um par de horas de trabalho - disse ele -, edepois podemos ir passear pela cidade. A sua mulher tambm, claro. Jalguma vez viram a Lola Montez no seu auge? Tenho bilhetes, para Paris,1843.J era Inverno, naquela poca. A neve caa em turbilhes, visvelatravs das janelas do seu apartamento, transformandoo numa caverna dequietude branca.

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    Ele deu-me um copo de grogue e perguntou-me quais eram os meus gostos emmatria de msica. Acordmos numa execuo de koto, por um tocadormedieval japons, cujo nome as crnicas esqueceram, mas que foi o melhorque j alguma vez existiu. As viagens no tempo tm as suas recompensas,assim como as suas exigncias.Everard levou o seu tempo a encher e a acender o cachimbo.-Nunca entregou um relatrio sobre a sua relao com Jorith

    - disse ele num tom quase casual. - S se descobriu no decursodo inqurito, depois de ter mandado chamar Mendoza. Porqu?-Era... pessoal -respondi eu. -No considerei que disses-se respeito aningum. Oh, eles avisaram-nos em relo a este ti-po de coisas naAcademia, mas os regulamentos no o proibem concretamente.Olhando para a sua cabea escura e inclinada, senti de uma formaestranha que elej devia ter lido tudo o que eu escreveria no futuro.Ele conhecia os meus futuros pessoais muito melhor que eu prprio - comoeu apenas os conheceria depois de passar por eles. Raras vezes necessrio reforar a regra que proibe um agente de conhecer o seudestino; das coisas menos desejveis e que pode acontecer com a maiorfacilidade.- Bem, no pretendo repetir a reprimenda que j recebeu -disse

    Everard. - Na realidade, aqui entre ns, penso que o coor-denadorAbdullah foi desnecessariamente formal. Os operadores devem usar o seupoder de deciso, ou nunca conseguiriam levar a bom termo as suasmisses, e muitos outros estiveram mais per-120to de se queimar que voce.

    Ele demorou um minuto a acender o cachimbo antes de continuar, atravsdo fumo azul:- No entanto, gostaria de lhe fazer algumas perguntas sobre um ou outropormenor. Mais para observar a sua reaco que pa-ra investigar basesfilosficas profundas; embora admita que tam-bm me sinto curioso.Compreende, com base nisso, talvez lhe pos-sa dar alguns conselhos teissobre a forma de proceder. No sou um cientista, mas tenho andado por

    muitas pocas histricas, pr-histricas e at mesmo ps-histricas,bastantes mesmo.- Com certeza que andou - concordei com enorme respeito.- Bem, chega de introdues, vamos ao mais bvio. No prin-cpio,interferiu numa guerra entre os Godos e os Vndalos. Como justificaisso?-Respondi a essa pergunta no inqurito, Sr.... Manse. claro que nomatei ningum, alis a minha vida nunca esteve em peri-go. Ajudei aorganizar, coligi informaes, inspirei medo no ini-migo, andando ali svoltas a sobrevoar com antigravidade, pro-jectando iluses, projectandoos raios subsnicos. Na realidade, fazendoos entrar em pnico, salveividas em ambos os lados. Mas o meu principal motivo foi ter gasto muitoesforo, esforo da Patrulha, para estabelecer uma base na sociedade

    que me propunha estudar e os Vndalos ameaavam destruir essa base.-No receou provocar uma mudana nos acontecimentos posteriores?-No. Oh, talvez devesse ter pensado mais cuidosamente no assunto eobtido a opinio de peritos, antes de agir. Mas parecia quase um exemplotpico de manual de estudo. Era apenas um ata-que em grande escala queos Vndalos tinham montado. No era referido em stio algum da histriaregistada. O resultado, qual-quer que ele fosse, era insignificante...excepto para os indivduos, alguns dos quais eram tambm importantespara a minha misso, assim como para mim. E quanto vida dessesindivduos, e linha de descendentes que eu prprio iniciei, atrs no

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    tempo, bem, so flutuaes estatsticas infimas no reservatriogentico. Depressa se equilibram.Everard carregou o sobrolho.- Est a dar-me os argumentos habituais, CarI, exactamente o que fez coma comisso de inqurito. Foi ilibado por eles. Mas hoje no se preocupecom isso. O que eu estou a tentar instilar-lhe, no no seu crebro masna suamedula, que a realidade nunca se-gue bem os livros de estudo, e

    s vezes no os segue mesmo nada.- Acredito que comeo agora a compreender isso - a minha humildade eragenuna. -Nas vidas que seguimos, abaixo no tempo. No temos o direitode dominar as pessoas, no verdade?Everard sorriu, e senti-me em liberdade para saborear umlongo golo do meu copo.121- ptimo. Deixemos as generalidades e entremos nos porme-nores do quevoc est na realidade a tentar fazer. Por exemplo, deu aos seus godoscoisas que eles nunca teriam sem a sua inter-veno. Os presentesfsicos no soo problema; esses apodrecero ou enferrujar-se-o edepressa desaparecero. Mas relatos do mundo e histrias sobre culturasestrangeiras.

    -Eu tinha de me tornar interessante, no acha? Por que outra razo queeles haviam de recitar coisas velhas e familiares para eu ouvir?- Mmm..., claro, claro. Mas repare, o que lhes contou no poderia entrarno seu foclore, alterando o prprio objecto do seu estudo?Permiti-me um sorriso.- No. Neste caso fiz correr previamente um estudo psico-social eutilizei-o como guia. Acontece que as sociedades deste tipo tm memriascolectivas altamente selectivas. Lembre-se de que so analfabetos evivemnum mundo mental em que as mara-vilhas so vulgares. O que eu contei,digamos, acerca dos Romanos apenas acrescentou pormenores informaoque eles j obtinham dos viajantes; e esses pormenores depressa semisturariam com o nvel geral dos seus conceitos sobre Roma. Quanto aomate-rial mais extico, bem, o que era algum como Cuchulainn seno mais

    um heri predestinado, como todos os outros sobre os quais eles ouviamhistrias? O que era para eles o Imprio Han seno mais um pas fabulosopara l do horizonte? Os meus ouvintes imediatos ficavamimpressionados; mas depois passavam estas histrias a outros, queintegravam tudo nas sagas j existentes.Everard acenou com a cabea........ - deu mais umas passas no seu cachimbo e disse abruptamente: - Equanto a si prprio? Voc no um amontoa-do de palavras; uma pessoaconcreta e enigmtica, que aparece constantemente entre eles. Vocprope--se faze--lo durante vrias geraes. Est a montar negcio comodeus?Essa era a pergunta mais difcil, para a qual demorarabastan-te tempo apreparar-me. Deixei que outro golo da minha bebida me escorresse pela

    garganta e me aquecesse o estmago, antes deres-ponder lentamente:- Sim, receio bem que sim. No que fosse essa a minha inten-o, nem omeu desejo, mas parece que aconteceu realmente.Everard mal se mexeu. Preguiosamente, como um leo, arrastou aspalavras:- E mantm que isso no faz qualquer diferena histrica?-Mantenho. Porfavor, oua-me. Nunca declarei ser um deus, nem exigiprerrogativas divinas, nem nada no gnero. Nem tenciono faze-lo.Aconteceu simplesmente. O facto que apareci sozinho,122

  • 8/7/2019 Anderson, Poul - A Mgoa de Odin

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    vestido como uma viajante, mas no como um vadio. Levava umalana porque essa a arma que um homem a p deve ter. Sendo do sculoXX, sou mais alto que a mdia dos homens do sculo IV, mesmo entre ostipos nrdicos. Os meus cabelos e barba so grisalhos. Contei histrias,falei de terras distantes, e, sim, voei no cu e es-palhei o pnicoentre os inimigos. No o pude evitar. Mas no criei, repito, no crieinenhum deus novo. Correspondia simplesmente a uma imagem que elesj

    veneravam h muito tempo e, com o cor-rer do tempo, uma ou duas geraesmais tarde, partiram do prin-cpio que eu devia ser ele.- Qual o nome dele?-Wodan, entre os Godos. Relacionado com o Wotan germnico ocidental, oWoden ingls, o Wons frsio, etc. A verso escandi-nava mais recente amais conhecida: 0din.Fiquei surpreendido por verificar que Everard ficara admirado. E claroque os relatrios que enviava ao ramo guardio da Patrulha eram muitomenos pormenorizados que as notas que es-tava a compilar para Ganz.-Hum? Odin? Mas ele s tinha um olho e era o patro dos deu-ses, o que,segundo eu depreendo, voc no era... ou era?-No - quo agradvel era voltar ao ritmo acadmico. -Est a pensar noEddic, no Odin dos Vikngues. Mas esse pertence a uma era diferente,

    sculos mais tarde e umas centenas de quilmetros mais a noroeste.Para os meus Godos, o patro dos deuses, como voc lhe chama, Tiwaz.Provm directamente do panteo indo~uropeu,jun-tamente com os outrosAnses, opondo-se s divindades nativas ctonianas como os Wanes. OsRomanos identificavam Tiwaz com Marte, porque ele era o deus da guerra,mas era muito mais que isso.Os Romanos pensavam que Donar, a quem os Escandinavos chamavamThor,devia ser o mesmo que Jpiter, porque contro-lava o tempo; mas paraosGodos, ele era um filho de Tiwaz. O mesmo acontecia com Wodan, que osRomanos identificavam com Mercrio.- Ento a mitologia evoluiu com o passar dos tempos, no ? sugeriuEverard.- Isso mesmo - disse eu. - Tiwaz diluiu-se para Tyr de Asgard. Poucas

    recordaes sobreviveram dele, excepto o facto de ter sido ele quemperdeu uma mo ao prender o Lobo que destruir o mundo. No entanto,tyrcomo substantivo comum um sinnimo de deus em escandinavo antigo.Entretanto, Wodan, ou Odin, ganhou importncia, at se transformar nopai dos outros. Eu penso, embora seja algo que ainda teremos deinvestigar um dia, eu penso que foi porque os Escandinavos se tornaramnum povo extremamente aguerrido. Umapsicopompa, que adquirira ainda traos xamansticos atravs da123influncia finlandesa, era adequada a um culto limitado a guerreirosaristocratas; ele trouxe-os para o Valhala. Para dizer a verdade, Odinera bastante popular na Dinamarca e talvez at mesmo na Sucia. NaNoruega, e na sua colnia islandesa, Thor impunha-se aos restantes.

    -Fascinante -Everard suspirou. -Uma vastido to grande deconhecimentos que nenhum de ns viver o suficiente para apreender nasua totalidade... Bem, mas fale-me da sua figura de Wodan, no sculoIv, na Europa de Leste-Ele ainda tem dois olhos - expliquei -, mas j tem o chapu, o manto ealana, que na realidade um bordo. Veja bem, ele o Viandante. Foiporisso que os Romanos pensaram que ele devia ser Mercrio, sob um nomediferente, tal como pensaram que fosse o deus grego Hermes. Tem tud