anarquismo contemporaneo, pós-anarquismo e neo-anarquismo

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121 ecopolítica, 10: set-dez, 2014 Anarquismo contemporâneo..., 121-130 A anarquia, como prática e pensamento político de contestação e revolta, e os anarquismos, como movimento político e social, nunca foram passíveis de dissociação. Envolvidos nas lutas de seu tempo e produzindo práticas e interesses diversos, os anarquistas, ao longo da história moderna, jamais se apoiaram em uma autoria que os fundasse e justificasse, como também recusaram a filiação exclusiva a um conjunto de práticas ou a um método de validade universal. Também por isso, encontram-se entre os anarquistas os debates acalorados, as batalhas por verdades e os rompimentos que fazem com que ninguém que esteja contaminado pelo vírus da anarquia possua um lugar seguro ou superior — ainda que em seu interior não deixe de haver disputas por hegemonias como nos convencionais movimentos de resistências. Até seus intérpretes se vêm em apuros quando decidem produzir sínteses historiográficas ou generalizações filosóficas. Há sempre algo que escapa. Declarados malditos por sua associação às práticas terroristas no final do século XIX, os anarquismos se transformam e se apresentaram, no começo do século XX, ora como anarcossindicalismo, ora como anarco- individualismo, em um momento em que são vistos como incapazes de Anarquismo contemporâneo, pós-anarquismo, neoanarquismo... Para travar neologismos Tomás Ibáñez. Anarquismo es movimiento. Anarquismo, neoanarquismo y postanarquismo. Barcelona: Virus Editorial, 2014, 151 pp. Acácio Augusto Pesquisador no Nu-Sol e no Projeto Temático FAPESP Ecopolítica. Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, Brasil. Publicou, em co-autoria com Edson Passetti, Anarquismos e Educação, pela editora Autêntica, e é autor de Política e Polícia. Cuidados, controles e penalização de jovens, pela editora Lamparina. Contato: [email protected] .

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Anarquismo Contemporaneo, Pós-Anarquismo e Neo-Anarquismo

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  • 121ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    A anarquia, como prtica e

    pensamento poltico de contestao

    e revolta, e os anarquismos, como

    movimento poltico e social, nunca

    foram passveis de dissociao.

    Envolvidos nas lutas de seu tempo

    e produzindo prticas e interesses

    diversos, os anarquistas, ao longo da

    histria moderna, jamais se apoiaram

    em uma autoria que os fundasse e

    justificasse, como tambm recusaram

    a filiao exclusiva a um conjunto

    de prticas ou a um mtodo de

    validade universal. Tambm por isso,

    encontram-se entre os anarquistas

    os debates acalorados, as batalhas

    por verdades e os rompimentos que

    fazem com que ningum que esteja

    contaminado pelo vrus da anarquia

    possua um lugar seguro ou superior

    ainda que em seu interior no deixe

    de haver disputas por hegemonias

    como nos convencionais movimentos

    de resistncias. At seus intrpretes

    se vm em apuros quando decidem

    produzir snteses historiogrficas ou

    generalizaes filosficas. H sempre

    algo que escapa.

    Declarados malditos por sua

    associao s prticas terroristas no

    final do sculo XIX, os anarquismos

    se transformam e se apresentaram,

    no comeo do sculo XX, ora como

    anarcossindicalismo, ora como anarco-

    individualismo, em um momento em

    que so vistos como incapazes de

    Anarquismo contemporneo, ps-anarquismo, neoanarquismo...

    Para travar neologismos

    Toms Ibez. Anarquismo es movimiento. Anarquismo, neoanarquismo y postanarquismo. Barcelona: Virus Editorial, 2014, 151 pp.

    Accio AugustoPesquisador no Nu-Sol e no Projeto Temtico FAPESP Ecopoltica. Doutor em Cincias Sociais pela PUC-SP, Brasil. Publicou, em co-autoria com Edson Passetti, Anarquismos e Educao, pela editora Autntica, e autor de Poltica e Polcia. Cuidados, controles e penalizao de jovens, pela editora Lamparina. Contato: [email protected].

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  • 122ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    influir nas grandes transformaes,

    uma vez que o movimento operrio

    se encontrava sob forte influncia dos

    partidos socialistas revolucionrios

    creditado ao sucesso da Revoluo

    Russa de 1917.

    No tardou para que a emergncia

    da Revoluo Espanhola, em 1936,

    voltasse a expressar a pujana das

    prticas libertrias. E novamente,

    aps o massacre promovido pelo

    fascismo em terras espanholas no

    ano de 1939, historiadores como

    George Woodcock vieram a pblico

    para declarar a morte do anarquismo.

    Outros, como James Joll, diriam que

    no incio dos anos 1960 a anarquia

    ocupava no mais o lugar de

    uma fora poltico-social capaz de

    transformao radical, mas o de uma

    forma de expresso cultural com

    potencial para alimentar uma constante

    crtica aos efeitos da modernidade,

    agindo como uma espcie de corretor

    radical aos desvios da era das luzes.

    Essas e outras interpretaes da

    histria dos anarquismos perduraram

    at a ecloso do acontecimento

    1968, quando novamente as prticas

    libertrias voltaram a se tornar

    relevantes para alm dos que j

    estavam evolvidos com elas. Essa

    curta exposio de acontecimentos

    pontuais e transformadores apenas

    um limitado panorama do nomadismo

    prprio do pensamento e prticas

    anrquicas na histria recente.

    Hoje, na segunda dcada do

    sculo XXI, j possvel encontrar

    um volume considervel de escritos,

    pesquisas e ensaios que apontam

    para um novo ressurgir transformador

    dos anarquismos e da anarquia.

    Cabe questionar em que medida

    se trata de uma transformao, um

    ressurgimento ou mesmo uma nova

    configurao das lutas anrquicas em

    relao s lutas atuais e contribuies

    analticas contemporneas. O livro

    de Toms Ibez, Anarquia es

    movimiento, lanado em abril de

    2014, uma dessas produes que se

    dedicam a problematizar a anarquia

    contempornea. Junta-se, assim, a

    trabalhos como os de Daniel Barret

    (Rafael Spsito), Oswaldo Escribano,

    M. Ricardo de Sousa, Ricahard

    J. F. Day, Saul Newman, David

    Graeber entre outros, dedicados a

    expor e pensar os anarquismos no

    presente em torno das influncias

    e transformaes que suas lutas

    histricas vm sofrendo e, ao mesmo

    tempo, influenciando os novssimos

    movimentos sociais e o que se

    convencionou chamar de pensamento

    ps-estruturalista. Cada um deles

    chega a resultados diversos, mas que

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  • 123ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    se encontram por se ocuparem do

    mesmo problema: a afirmao da

    anarquia e dos anarquismos hoje.

    Ibaez um anarquista de primeira

    hora. Filho de um integrante das

    juventudes libertrias espanholas

    exilado na Frana aps o domnio

    das foras polticas ligadas ao general

    Franco; seguiu sempre atuando nos

    meios libertrios entre a Frana e a

    Espanha. Quando ainda era estudante

    em Paris, fez parte do movimento

    22 de maro, junto a Daniel Cohn-

    Bendit e Jean-Pierre Duteuil, tendo

    participado ativamente nas revoltas do

    maio de 1968 na Frana. Em 1973,

    participou da refundao da CNT,

    atuando na FIJL (Federao Ibrica das

    Juventudes Libertrias). Foi professor

    no Departamento de Psicologia da

    Universidade Autnoma de Barcelona,

    onde desenvolveu pesquisas que

    aproximavam os anarquismos aos

    estudos e anlises de Michel Foucault.

    Argumenta que a relevncia em

    aproximar Foucault e a anarquia est

    na possibilidade em atacar os guardies

    do templo anarquista, buscando situ-la

    no debate intelectual contemporneo.

    Est, desde 2007, aposentado de suas

    atividades docentes e dedica-se hoje a

    escrever livros e artigos sobre anarquia,

    os anarquismos e o pensamento ps-

    estruturalista.

    Ibaez argumenta que os

    anarquismos, como movimento e

    pensamento radical iniciado com

    Joseph Djaque e Pierre-Joseph

    Proudhon, encontra-se hoje em um

    ressurgimento que , tambm, uma

    renovao. Destaca que esse movimento

    de ressurgimento-renovao se deu

    por trs acontecimentos surpresas,

    no esperados: o maio de 1968;

    o movimento anarquista ps-

    Franco na Espanha; e o movimento

    antiglobalizao dos anos de 1990.

    Delimitao que, de sada, denota o

    carter eurocentrista de sua leitura,

    na medida em que se esquece da

    efervescncia anarquista em pases

    latino-americanos aps o fim das

    ditaduras civis-militares, ainda que

    faa breves referncias produo

    e atuao anarquistas em pases de

    lngua espanhola como a Argentina.

    Em todo caso, argumenta a renovao

    como condio necessria para que

    o seu ressurgimento [do anarquismo]

    seja possvel, mas, ao mesmo tempo,

    dado que esse ressurgimento se

    articula sobre a necessria adaptao

    a novas condies (...) Isto significa

    dizer que o ressurgir do anarquismo

    condio necessria para que sua

    renovao seja possvel (p. 49).

    O autor apresenta esse ressurgir/

    renovao em trs formas: o

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  • 124ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    neoanarquismo, o ps-anarquismo

    e o anarquismo extramuros. Elas

    seriam favorecidas por mudanas

    tecnolgicas, em especial as NTIC

    (Novas Tecnologias de Informao

    e Comunicao) mudanas sociais

    e histricas, como o surgimento de

    movimentos de contestao que no

    mais remetem s formas tradicionais

    de luta contra o poder e o capitalismo,

    mas que apresentam-se como formas

    contemporneas de luta contra a

    dominao e mudanas culturais que

    favoreceram as prticas e anlises

    dos anarquismos em detrimento das

    teorias totalizantes, como o marxismo.

    Em resumo, seu argumento que

    justifica um ressurgir do anarquismo

    gira em torno do pressuposto de

    que as transformaes do mundo

    atual favorecem uma forma de luta

    e de crtica que se encontrava entre

    os anarquistas.

    As definies que o autor

    emprega para lidar com as formas

    contemporneas de anarquismo no

    so, necessariamente, novas correntes.

    Argumenta no haver uma doutrina

    ou identidade que se reivindique

    atualmente como neoanarquista, e

    no tenho o menor interesse em

    promover uma nova adjetivao

    uma mais para o anarquismo.

    Recorro a essa expresso como uma

    maneira cmoda e provisria para

    designar esse anarquismo, um pouco

    diferente, que encontramos nesse

    comeo de sculo (p. 24).

    A comear pelo que entende

    como anarquismo extramuros, Ibaez

    v uma certa incorporao das

    prticas anarquistas por parte de

    grupos e associaes envolvidos em

    lutas sociais diversas. Localiza essa

    incorporao, ou certa relao com

    o anarquismo, desde o movimento

    de maio de 1968, quando uma srie

    de crticas s polticas de dominao

    se aproximam dos postulados do

    anarquismo sem, necessariamente,

    estarem filiados a eles ou citarem

    seus reconhecidos autores. Segundo

    sua argumentao, no aos escritos

    de Proudhon ou de Bakunin que eles

    aderem, mas sim a um determinado

    imaginrio (p. 29).

    Ele v nesse movimento no

    apenas um ressurgimento, mas uma

    renovao das prticas e ideias

    anarquistas, enriquecendo o que

    chama de imaginrio antiautoritrio,

    e provendo uma troca, ou mesmo

    uma mestiagem (p. 28), entre o

    anarquismo e as lutas levadas a cabo

    por outras tradies de lutas sociais,

    culturais e polticas. O que tem

    sido incorporado nos ltimos anos,

    por exemplo, so as barricadas, as

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  • 125ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    ocupaes e os slogans de Maio de

    68 e, depois de 68, uma srie de

    fenmenos, tais com o movimento

    anarco-punk (que se desenvolveu

    com fora a partir dos anos 1980 e

    foi um autntico viveiro de jovens

    anarquistas), ou como o movimento

    dos okupa, com sua esttica e estilo

    de vida peculiar (p. 29). Destaca

    ainda, em relao aos dias atuais, uma

    srie de lutas contra diversas formas

    de dominao (que, sem pretender

    ser exaustivo, vo desde Chiapas

    em 1994 at a Praa Taksim em

    2013, passando por Seattle em 1999,

    Quebec, Gotemburgo e Gnova em

    2001, o acampamento No Boders em

    2002, o bairro ateniense de Exarchia

    desde 2008 e initerruptamente at

    hoje e Madrid, Barcelona e Nova

    York em 2011) que vm revitalizando

    o atual imaginrio anarquista (p.

    29). Dessa maneira, o ressurgir atual

    do anarquismo passaria pela relao

    dos anarquistas e suas prticas

    como movimentos que no so

    declaradamente anarquistas, mas que

    se desenvolvem a partir de prticas

    antiautoritrias como a democracia

    direta, a horizontalidade e o no

    reconhecimento de lideranas.

    Esse anarquismo extramuros toma

    forma pelo que Ibaez localiza como

    neoanarquismo. Este se forma como

    produo de um novo imaginrio

    revolucionrio que abonadona a

    escatologia de uma revoluo redentora

    caraterstica do anarquismo derivado

    de Bakunin, para se apresentar como

    prtica constitutiva do presente e

    crtica ao messianismo revolucionrio.

    Assim, o conceito de revoluo

    redefinido profundamente desde uma

    tica plenamente presentista: segue-

    se mantendo a ideia de uma ruptura

    radical, mas sem nenhuma perspectiva

    escatolgica. Pelo contrrio, nada

    pode ser proposto para o dia seguinte

    da revoluo, porque esta no se

    encontra no porvir, mas tem apenas

    o presente como nica morada e

    se produz em cada espao e cada

    instante em que se consegue subtrair

    o sistema (p. 32). Essa concepo

    de produo de um presente que seja

    ele mesmo a forma de vida que se

    quer produzir encontra-se na prpria

    histria dos anarquismos, em autores

    como Proudhon, Gustav Landauer,

    Colin Ward e nos individualistas

    franceses como mile Armand, que

    elaboram a anarquia e suas lutas

    menos como uma viso de mundo e

    mais como uma forma de vida.

    Nos dias atuais, essa concepo

    que dar corpo ao que o autor

    nomeia como neoanarquismo est

    presente tanto no inssurreicionalismo,

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  • 126ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    derivado das propostas de Hakim

    Bey e Alfredo Bonano, quanto

    no municipalismo libertrio e/ou

    ecologia social de Murray Bookchin,

    a despeito das polmicas e disputas

    que se do hoje entre o que se

    nomeia como anarquismo social

    e anarquismo como estilo de vida.

    Ainda que se apresentem como

    inconciliveis, o autor argumenta que

    ambas se aproximam pela aposta em

    se construir e experimentar espaos de

    liberdade no presente, independente

    do sucesso ou no da revoluo no

    futuro.

    Como nos enfretamentos de rua que

    caracterizam as lutas contemporneas,

    essas formas do neoanarquismo

    partem do pressuposto de que no

    h futuro, mas apenas o presente no

    qual se pode experimentar o que se

    entende como uma vida apartada das

    formas de dominao e dos processos

    de subjetivao caratersticos das

    contemporneas formas de exerccio

    do poder. Nesse sentido, ainda que

    se encontre uma srie de grupos

    e associaes que reivindiquem o

    chamado anarquismo organizado

    herdeiro da proposta plataformista

    dos anarquistas ucranianos e das

    polmicas sobre organizao levadas

    adiante por Luigi Fabri e Errico

    Malatesta no comeo do sculo XX

    , o neoanarquismo se caracteriza

    pela pluralidade de tticas de

    enfretamentos e pela multiplicidade

    das formas de organizao. Assim,

    encontra-se em relao a uma srie

    de lutas radicais do presente e

    dissemina-se por contgio, segundo

    a formulao de Christian Ferrer.

    Ademais, o anarquismo encontra-

    se em conversao com as formas

    atuais de pensamento crtico que no

    se identifica necessariamente com

    o anarquismo, como os escritos de

    Gilles Deleuze e Michel Foucault, que

    no s contribuiro para anlises do

    anarquismo atual como possibilitaro

    uma terceira forma do anarquismo

    contemporneo, o ps-anarquismo.

    Ibaez no se esfora em

    mostrar que existe no pensamento

    de Foucault uma teoria ou uma

    formulao analtica que , ao fim

    e ao cabo, tributria do pensamento

    anarquista. Ao contrrio, destaca o

    que nas anlises das relaes de

    poder realizadas pelo filsofo francs

    possvel depreender para uma

    formulao atual do anarquismo.

    Argumenta que, ao mostrar que as

    relaes de poder se forjam no vnculo

    social e criam incessantemente no

    prprio tecido social, as pesquisas

    de Michel Foucault contradizem a

    crena anarquista na possibilidade

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  • 127ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    de eliminar radicalmente o poder,

    obrigando-o a reconsiderar bastante

    essa problemtica (p. 58). Na leitura

    de Ibaez, enquanto as prticas do

    neoanarquismo produziram uma nova

    insero social dos anarquismos nas

    lutas sociais contemporneas e, por

    seguinte, novas prticas anrquicas de

    luta contra dominao, a vinculao

    que alguns autores buscaro entre

    anarquismo e pensamento ps-

    estruturalista produzir uma nova

    formulao terica para o anarquismo

    contemporneo.

    O termo ps-anarquismo aparece

    pela primeira vez em maro de

    1987, em um texto de Hakim Bey

    chamado Anarquia ps-anarquista.

    No entanto, as formulaes de um

    anarquismo associado ao pensamento

    ps-estruturalista que desembocaram

    no que atualmente se nomeia por ps-

    anarquismo so localizadas por Ibaez

    no artigo de Todd May, publicado

    em 1989, intitulado anarquista

    a teoria poltica ps-estruturalista?

    resposta que ele mesmo dar no

    livro de 1994, A filosofia poltica

    do anarquismo ps-estruturalista

    (p. 64). Demarcadas essas duas

    referncias, Ibaez apresenta uma

    produo fundamentalmente anglo-

    sax de autores que reivindicam uma

    teoria ps-anarquista (Lewis Call,

    Andrew Koch, Jesse Cohn, entre

    outros), tendo em Saul Newman

    seu principal defensor e difusor. A

    proposta consiste em uma tentativa

    de casar os melhores aspectos da

    filosofia ps-estruturalista e da

    tradio anarquista (p. 66). Para

    Ibaez, o que autores do ps-

    anarquismo faro ser uma reviso

    crtica dos postulados anarquistas a

    partir de uma crtica modernidade e

    ao carter libertador da razo, legado

    pelos ps modernos, e presente no

    pensamento anarquista clssico.

    A proposta consiste em libertar

    o anarquismo da crena na razo,

    da centralidade do papel do Estado

    na luta contra o poder, e da crena

    de que o anarquismo nutre numa

    natureza humana corrompida pelo

    mundo moderno. Ser por essa

    formulao crtica modernidade

    que muitos dos autores do ps-

    anarquismo recorrero aos escritos

    de Max Stirner a fim de aproximar

    anarquismo e ps-estruturalismo, o

    que levar muitos dos crticos do

    ps-anarquismo a apontar para o

    fato de que essa crtica ao sujeito

    e modernidade j poderia ter sido

    encontrada em autores libertrios

    como Proudhon e o prprio Stirner.

    De toda maneira, Ibaez destaca o

    mrito dos autores ps-anarquistas

    AndersonMarcador de texto

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  • 128ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    em colocar o anarquismo nos debates

    acadmicos contemporneos, fazendo

    com que deva se considerar a

    contribuio histrica dos anarquistas

    para atuais teorias crticas dominao

    derivadas de outras tradies

    polticas, como o marxismo, ou de

    lutas e estudos sobre os direitos

    de minorias, como a teoria queer

    (pp. 76-78). Mesmo assim, Ibaez

    rechaa o termo ps-anarquismo,

    argumentando que transformaes,

    revises e reformulaes derivadas

    das conversaes com lutas e teorias

    diversas so caratersticas histricas

    do anarquismo como movimento.

    Concluir que o anarquismo

    contemporneo, como mescla ou

    mestiagem do neoanarquismo,

    anarquismo extramuros e ps-

    anarquismo , em conjunto, uma nova

    poltica radical que substituir, em

    maior ou menor prazo, as polticas

    radicais herdadas do sculo XIX,

    instaurando uma nova perspectiva

    de transformao radical. Isso j

    se mostraria pela formao de um

    novo imaginrio revolucionrio

    no mais projetado para o futuro,

    mas pela constatao de que no

    h futuro. Assim, os modos de

    luta devem se apresentar tambm

    como modos de vida e serem

    capazes de produzir transformaes

    no presente, fazendo com que se

    viva o mais prximo possvel do

    que se postula como transformao

    radical. Isso denota o que nomear

    como capacidade construtiva do

    anarquismo contemporneo, expressa

    em formas alternativas de habitar,

    produzir e coexistir entre diversas

    formas e posicionamentos, mesmo

    sob a continuidade do Estado e do

    capitalismo, mas tendo em oposio

    a eles uma realidade plural e

    heterognea (p. 89). Assim, se trata,

    certamente, de uma nova compreenso

    que conduz o anarquismo a ter que

    matizar e, por vezes, reconsiderar em

    profundidade suas prprias concepes

    de poder. E isto tem contribudo

    para sua renovao, mesmo que o

    peso de suas antigas concepes siga

    sendo importante (p. 90). Aponta

    para um trabalho de esclarecimento

    crtico que problematize a prpria

    herana iluminista do anarquismo

    e sua procedncia europeia, com

    influncias do cristianismo.

    O livro traz ainda trs textos

    anexos nos quais o autor discute

    longamente, e sem uma necessria

    referncia aos anarquismos, os

    efeitos contemporneos da crtica

    modernidade e a emergncia de

    uma ps- modernidade (pp. 95-111),

    as transformaes do pensamento

    AndersonMarcador de texto

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  • 129ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    ps estruturalistas (pp. 113-125)

    e a importncia da formulao de

    um relativismo crtico que, segundo

    o autor, liberta do pensamento

    universalista como herana crist no

    pensamento moderno (127-142).

    Conforme j indicado, o trabalho

    de Ibaez se filia a uma srie de

    outros que, de maneiras diferentes,

    objetivam mapear e expor a pertinncia

    e a presena dos anarquismos na

    poltica contempornea. Compartilha

    com esses trabalhos um certo esforo

    de convencimento para provar que,

    de um lado, vivemos um ressurgir

    das prticas anarquistas em meio

    s lutas contemporneas contra

    dominao, ainda que estas no

    se nomeiem como anarquistas e,

    de outro lado, faz um esforo em

    argumentar que os anarquismos so

    a nica via possvel de formulao

    crtica radical, ainda que passvel de

    revises luz das anlises e conceitos

    contemporneos. Talvez por sua

    formao como psiclogo, Ibaez

    demonstra demasiada preocupao

    em estabelecer o que seria uma

    identidade anarquista hoje, recorrendo

    a neologismos como neoanarquismo.

    Sua contribuio se faz importante

    para caracterizar as formas

    contemporneas da anarquia, porm,

    repete velhos mtodos ao separar

    as prticas (neoanarquismo) das

    formulaes tericas (ps-anarquismo).

    Recai, muitas vezes, no mesmo

    eurocentrismo que criticar no final,

    ao ignorar uma vasta produo de

    prticas que podem ser notadas ao sul

    de equador, inclusive de aproximaes

    inventivas entre anarquia e as

    anlises de Foucault e Deleuze, sem

    a necessidade de fundao de uma

    nova escola terica, ou de uma nova

    corrente anarquista, como possvel

    notar, desde o incio dos anos 1990,

    em trabalhos como os de Edson

    Passetti e Margareth Rago.

    Se anarquismo movimento, a

    transformao a prpria condio

    de sua existncia. E so muitas as

    experincias, s vezes desconhecidas,

    s vezes imperceptveis, que a

    anarquia possibilita. E estas no so

    nem intra, nem extramuros, nem pr,

    nem ps, nem neoanarquistas. A

    anarquia uma atitude de afronta

    autoridade e aos poderes constitudos

    onde quer que se apresentem. A

    potncia da anarquia est em formular

    questes, em criar problemas. A partir

    do momento em que ela for vista

    ou apresentada como soluo, seja

    para movimentos, seja para teorias,

    perder sua potncia revoltada, se

    transformar em abrigo seguro.

    Anarquia combate!

    AndersonMarcador de texto

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  • 130ecopoltica, 10: set-dez, 2014

    Anarquismo contemporneo..., 121-130

    Se h alguma necessidade em

    analisar e mapear o que somos, no

    que nos tornamos, precisamente

    para colocarmos contra o que somos.

    Nada de novo nessa batalha que

    a vida, finita e nica experincia de

    cada um.

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