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ANÁLISE E OPINIÃO | 1 POR QUE AMAR “FLY”, O CONTROVERSO EPISÓDIO DE BREAKING BAD por ALMERINO GONÇALVES U ma mosca entra em um labo- ratório de metanfetamina. A missão do ex-professor de quí- mica Walter White (Bryan Cranston) e seu ajudante e ex-aluno, Jesse Pinkman (Aaron Paul), é matar o inseto antes que ele contamine todo o produto. A princí- pio, é difícil acreditar, mas essa sinopse pertence a uma história com 46 minutos de duração. “Fly”, o décimo episódio da 3ª temporada de “Breaking Bad”, é mais uma prova da ousadia e originalidade de uma série que tem papel fundamental na chamada “Era de Ouro” da televisão. A história do íntegro pai de família, que entra para o ramo das drogas quando descobre ser portador de um câncer ter- minal, chegou ao fim no dia 29 de se- tembro. Seu impacto, entretanto, ainda será notado por algum tempo. “Fly” é um ótimo exemplo dessa per- petuação que marca a atração da AMC, criada e produzida por Vince Gilligan (Arquivo X). O episódio foi ao ar em 23 de maio de 2010 – no mesmo dia em que a ABC exibia o esperado final de Lost – e até hoje gera discussões. “Breaking Bad” entrou recentemente para o Guinness Book como a série mais bem avaliada de todos os tempos, após sua 5ª tempo-

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ANÁLISE E OPINIÃO | 1

POR QUE AMAR “FLY”, O CONTROVERSOEPISÓDIO DE BREAKING BAD

por ALMERINO GONÇALVES

Uma mosca entra em um labo-ratório de metanfetamina. A missão do ex-professor de quí-

mica Walter White (Bryan Cranston) e seu ajudante e ex-aluno, Jesse Pinkman (Aaron Paul), é matar o inseto antes que ele contamine todo o produto. A princí-pio, é difícil acreditar, mas essa sinopse pertence a uma história com 46 minutos de duração. “Fly”, o décimo episódio da 3ª temporada de “Breaking Bad”, é mais uma prova da ousadia e originalidade de uma série que tem papel fundamental na chamada “Era de Ouro” da televisão. A história do íntegro pai de família, que

entra para o ramo das drogas quando descobre ser portador de um câncer ter-minal, chegou ao fim no dia 29 de se-tembro. Seu impacto, entretanto, ainda será notado por algum tempo.

“Fly” é um ótimo exemplo dessa per-petuação que marca a atração da AMC, criada e produzida por Vince Gilligan (Arquivo X). O episódio foi ao ar em 23 de maio de 2010 – no mesmo dia em que a ABC exibia o esperado final de Lost – e até hoje gera discussões. “Breaking Bad” entrou recentemente para o Guinness Book como a série mais bem avaliada de todos os tempos, após sua 5ª tempo-

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BOTTLE EPISODErada ter conquistado uma inédita nota 99/100 no site “Metacritic”. “Ozyman-dias”, o intenso décimo quarto capítulo da última temporada, tornou-se o pri-meiro episódio/filme com quantidade de votos relevantes a receber uma nota 10 no site IMDB. Contudo, se de um lado te-mos praticamente um consenso absoluto de aprovação, do outro temos “Fly”.

Ao contrário de “Ozymandias”, “Fly” não é unanimidade. Sua nota no IMDB representa a segunda pior dentre todas atribuídas a “Breaking Bad”: 8.2. Ainda assim, “Fly” é aclamado pelos fãs mais fervorosos e por críticos especializa-dos, que denotam-no uma obra-prima e sempre o colocam no topo das listas de melhores episódios da série.

Um dos momentos mais geniais da história da TV ou o pior de todo um pro-grama. Em linhas gerais, o originalíssi-mo “Fly” pode ser facilmente elucidado aos amigos por meio de um clichê: “ou você ama ou você odeia”. E os motivos para odiar um episódio que se resume a um homem tentando matar uma mosca são evidentes. Difícil é entender como uma trama tão simplória pode sem-pre estar presente no topo de listas de melhores episódios de uma série que possui pérolas como “Face Off”, “Full Measures” e “Dead Freight”. Afinal, o que faz de “Fly” tão especial?

Logo de início, a maior crítica ao episódio refere-se à sua singularidade em relação ao todo da série. Por isso, a primeira coisa que devemos levar em conta ao avaliar “Fly” é o fato de ele ser o que a indústria televisiva cha-ma de “Bottle Episode”. Praticamente todas as séries americanas possuem um episódio desse tipo, no qual toda a história se desenvolve em um único ambiente com apenas alguns membros do elenco. Não é por acaso que “Fly” é tão comparado com “Pine Barrens”, o “Bottle Episode” de “The Sopranos”. Nesse episódio da clássica série da HBO, encerrada em 2007, Christopher (Michael Imperioli) e Paulie (Tony Siri-co) ficam perdidos em uma floresta fria, onde se envolvem em uma perseguição a um russo. Não há tramas paralelas. O foco está na floresta e, assim como em “Breaking Bad”, na dupla e sua caçada.

Os “Bottle Episodes” são usados nas séries como estratégia de controle do orçamento das temporadas. Com ape-nas um cenário e o elenco reduzido, o custo é baixo, de modo que os produ-tores possam compensar os gastos ele-vados em episódios centrais. O “Four Days Out”, inclusive, episódio no qual Walter e Jessie ficam isolados quando a bateria do trailer da dupla se esgota, nasceu como um “Bottle Episode”. As filmagens no deserto, porém, acaba-ram tornando o capítulo em um dos mais caros da 2ª temporada.

É compreensível a frustração de al-guns espectadores diante de um episó-dio desta natureza, ainda mais quando levamos em conta a intensidade em que a terceira temporada de “Breaking Bad” se encontra no contexto em que “Fly” está inserido. Todavia, não pode-mos criticar a qualidade de um “Bottle

Episode” tomando como critério a sua relevância para o desenrolar de eventos da série, pois sua principal característi-ca é justamente a singularidade.

Em séries de baixa qualidade, es-paços como esse costumam ser pre-enchidos com algum tipo de conteúdo ordinário. Vince Gilligan, contraria-mente, aproveitou a ocasião para criar uma pequena obra de arte em um ve-ículo tradicionalmente vazio. Ao invés de um produto barato, o espaço foi empregado para aprofundar as carac-terísticas, as relações e os conflitos internos vividos pelos personagens. Longe de seguir em frente com a linha da história, o episódio nos proporcio-na um mergulho nas profundezas de Walter White, por meio de um show de direção, simbologia e roteiro. Um epi-sódio a parte que exibe a qualidade da série em todos os aspectos possíveis.

METÁFORAUma vez ou outra, o cinema nos pre-

senteia com algum tipo de obra a qual passamos horas tentando atribuir sig-nificados e entender sua natureza. São obras que trabalham com metáforas e que exigem do telespectador o anseio de participar não apenas como um in-divíduo passivo, mas como um inter-pretador. Desta vez, foi a televisão que nos proporcionou esse exercício. Ape-nas isso já bastaria como prova da ou-sadia de “Breaking Bad”.

O grande debate a respeito de “Fly” incide sobre o significado da tal mosca, que dá nome ao episódio e pode ser vis-ta como uma terceira personagem da história. Há muitas interpretações para seu significado. Há quem diga que ela represente Jesse (por conta da máscara que elude o inseto) e a confusão que o

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jovem trouxe ao entrar na vida de Wal-ter. Também, há quem acredite que a mosca, na verdade, é apenas uma cria-ção da mente insana de Walt. A gama de interpretações fica ainda maior se levarmos em conta que a mosca é um ser que possui uma simbologia muito forte. De acordo com os dicionários de símbolos, as moscas representam uma busca incessante. Curiosamente, essa é a essência do episódio e, possivelmen-te, de toda a série. A princípio, Walter White tinha tudo sobre controle, mas aos poucos a situação escapa de suas mãos tal qual um inseto irritante que voa para sobreviver. Se Walter come-ça sua aventura com o propósito de deixar dinheiro para sua família, aos poucos seus motivos se transformam em outros não tão claros como os ini-

ciais. Uma busca incessante sem um motivo lógico: um homem juntando mais dinheiro do que pode gastar; um homem caçando uma mosca.

Por voarem sobre corpos em pu-trefação, as moscas também são asso-ciadas à morte e às doenças, podendo assim representar até mesmo o câncer de Walter White. Mas a verdade é que pouco importa o que a mosca é, e sim o que ela representa para o nosso an-ti-herói. Segundo algumas crenças, as moscas seriam as formas encontradas pelos demônios para vir ao mundo com o objetivo de atormentar os homens. Inclusive, o nome Belzebu - o príncipe dos demônios citado na Bíblia - signi-fica “Senhor das Moscas”. E é essa ne-gatividade associada ao inseto o que re-almente importa. Sendo Jesse, câncer

ou um alvo difuso, tal qual o “monó-lito”, cabe ao espectador interpretar a metáfora como bem entender. O fato é que, assim como no clássico de William Golding, a mosca é usada simplesmen-te como uma representação do mal. Um mal ou todos os males que surgi-ram para contaminar a vida perfeita de Walter White. Seu casamento, seu em-prego, sua conduta moral.

A mosca pode ser facilmente subs-tituída pela borboleta da “Teoria do Caos”. E é o próprio Walt quem nos con-duz a esse caminho interpretativo no belo momento em que tenta entender os motivos do universo. “O universo é sem sentido. Não é inevitável. É um simples caos. São partículas subatômicas infini-tas e choques incertos”. É interessante ver como sua loucura está fundamenta-

“O universo é sem sentido. Não é inevitável. É um simples caos. São partículas subatômicas infinitas e choques incertos”.

da na racionalidade. Walt quer enten-der como fora possível ter encontrado em um bar o pai de Jane no mesmo dia em que a jovem morreu. “Pense nas chances”, desafia o químico. “Uma vez tentei calculá-las, mas são astronômi-cas”. Vemos, assim, que, com um senti-do mais literal, a mosca também possui sua utilidade, pois reforça os traços da loucura que toma conta de Walter na série. O quão louco é Walt acreditar que Skyler (Anna Gunn) poderia ter enten-dido toda a situação se ele tivesse usado a combinação de palavras adequadas?

Logo nos primeiros momentos do episódio vemos Walt e sua fissura ma-temática. De acordo com suas contas, a produção está 0,14% abaixo do que deveria ser. O que Walt não sabe é que Jesse está roubando punhados de me-

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tanfetamina para vender paralelamen-te nas ruas. Uma quantidade mínima que passaria despercebida por qualquer um. Não para Walt e sua obsessão por coisas pequenas, como uma mancha de mostarda na roupa do médico que lhe deu a notícia do câncer terminal; obje-tos que boiam na piscina de sua casa; a perna de uma mesa que precisa de con-serto na sala de espera do hospital ou, até mesmo (e por que não?), uma mos-ca. É como se para fugir de seus gran-des problemas, Walt sempre se con-centrasse em algo muito menor. Algo que só acontece em uma série quando a construção do personagem é extre-mamente complexa e coerente.

Como “Fly” promove um mergulho na complexidade do sistemático Walter White, também podemos ver seu único cenário, o laboratório, como uma metá-fora para a mente de nosso anti-herói. Um lugar racional, limpo e organizado, que é ameaçado por uma mosca e seu poder de contaminação. A prova disso pode ser logo a primeira cena, que por sinal, consegue permear entre o nojen-to e o belo, entre o simples e o genial.

Na abertura deste episódio, temos uma experiência com uma lente em macro, com a qual vemos a mosca em detalhes. Toda a textura de seus olhos, seus pelos e seu esfregar de patas. Jun-to desta imagem claustrofóbica, ouvi-mos Skyler cantando uma canção de ninar. Como descobrimos mais à fren-te no episódio, essa música refere-se a um momento que não sai da cabeça de Walt: o instante o qual Walt julga ter sido a ocasião perfeita para ter morrido. Sentado em sua poltrona, ele assistia um documentário sobre elefantes, en-quanto Skyler colocava Holly para dor-mir. “Se eu tivesse vivido só para aque-le momento e nem um segundo a mais, teria sido perfeito”, lamenta Walt. Se Walter tivesse morrido ali, Skyler não teria descoberto seus crimes, a morte de Jane não estaria em suas mãos e a sua família teria o dinheiro necessário. Um momento que não sai da cabeça de Walt. E é bem ali onde a mosca está: na mente de Walt, no mesmo espaço onde Skyler não para de cantar a canção de ninar, em uma lembrança constante, repleta de saudade e arrependimento.

DIREÇÃOA direção de Rian Johnson (o mesmo

diretor de “Ozymandias”) também cum-pre sua função com excelência. O episó-dio é um espetáculo visual, repleto de momentos marcantes como aquele em que a mosca repousa nos óculos de Wal-ter White. O uso de planos mais longos e em movimento nos dão a oportunida-de de explorar o único cenário e repro-duzem a sensação de caçada. Destaque para a ocasião em que a câmera, voltada para baixo, sobe até teto o reproduzindo o voo da mosca. Isso sem falar do arro-jo, tradicional na série, no que se refere aos posicionamentos de câmera, que, neste episódio em especial, estão mais acentuados, aumentando o nosso an-ti-herói com ângulos mais baixos e re-velando as particularidades do labora-tório com planos de detalhe.

Uma cena que chama muito a aten-ção consiste no momento em que Wal-ter despenca de uma grande altura em uma de suas tentativas de acertar a mosca com uma vassoura. Além de cômica, a cena impressiona porque foi montada de modo que não perce-bemos a existência de um corte. Vis-ta pela primeira vez, questionamos como aquilo supostamente poderia ter sido feito, pois a impressão é de que o ator Bryan Cranston realmente caiu de uma tremenda altura. O truque está na edição. Bryan teria deitado no mes-mo ponto em que o dublê caíra e te-ria se posicionamento exatamente da mesma forma que o outro homem.

Mas o ápice do episódio recai sobre a fatídica conclusão da aventura para a mosca. Uma cena que representa o ponto alto do capítulo e, possivel-mente, um dos grandes momentos dramáticos de toda a série. Jesse sobe na escada para matar a mosca que se

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encontra nas tubulações superiores do laboratório. Walter, sonolento, se-gura a escada. Todo o posicionamen-to mostra-se pensado. A posição de Walt revela um estado de humilhação. O experiente professor está abaixo de seu aluno como se implorasse por seu perdão. Jesse, enquanto isso, se arrisca para matar a mosca. Interes-sante também notar o trabalho com as cores, um dos fortes da série. Em um episódio predominante vermelho, cor dos impulsos, da violência e da persis-tência, neste instante, uma luz de um

aparelho do laboratório deixa a cena fortemente azulada. O azul é uma cor sedativa, representa a purificação e estimula a busca da verdade interior. Tudo o que vemos naquele instante.

Walter jamais conseguirá matar a mosca de sua vida sozinho. Em um mo-mento, ela estará em um ponto mais alto do que ele pode alcançar. Por isso, Walt desiste e quando Jesse tenta assu-mir sua luta, ele argumenta: “Ela não vai descer. Vai ficar lá em cima para sempre”. Quando parece que Walt per-deu sua esperança, Jesse é sua última

ROTEIRO E ATUAÇÃO Para sustentar um episódio deste tipo,

é fundamental que o roteiro seja de ótima qualidade. O texto de Sam Catlin e Moira Walley-Beckett mescla um humor inteli-gente e momentos intensamente dramá-ticos com tamanha perfeição, que só não surpreende os desatentos que assistem histórias apenas para ver explosões e ce-nas de ação. Jesse está mais engraçado do que nunca, como quando tenta convencer seu parceiro a esquecer a mosca e come-çar a cozinhar. “Provavelmente temos a maior clientela não exigente do mundo”, “Sabia que há um nível aceitável de fezes de rato que pode ir nas barras de doce?”.

Em “Fly” ainda temos a chance de re-ver a interação da dupla que esteve se-parada durante boa parte da tempora-da. O amor e ódio entre Walt e Jesse é o que fez “Breaking Bad” tão interessante desde o início e, neste episódio, vemos

essa relação paradoxal como não vía-mos desde “Four Days Out”. A dupla vai de situações em que se estapeiam com um mata moscas a monólogos profun-dos que revelam os conflitos internos de cada personagem. A história de Jesse so-bre o gambá que viveu embaixo da casa de sua tia é seu momento. É também outra oportunidade de reposicionar os papéis dos personagens, colocando o ve-lho experiente como uma criança atenta aos conselhos de um sábio que, há pou-co, era um de seus alunos imprudentes. Uma ideia que, posteriormente, é outra vez elucidada com o belíssimo plano dos sapatos do imponente Walter White, há pouco colocado na cama como um bebê.

Em geral, são todos esses detalhes que fazem de “Fly” um dos melhores episódio de “Breaking Bad” ou, pelo menos, um conto relevante. Quarenta e seis minutos televisivos que funcionam em todos os segmentos: roteiro, atu-

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“Já está tudo contaminado”

chance. Enquanto Walt lhe sustenta segurando a escada, o jovem lúcido é quem se arrisca colocando-se à bei-ra do último degrau para chegar até onde a loucura de Walt não o permite mais. Uma cena angustiante, que fica ainda mais intensa com a possibilida-de de Walter contar a seu parceiro o mal que lhe fez ao deixar Jane morrer. É Jesse quem se coloca em risco para matar a mosca de Walt. É Jesse quem puxa o gatilho. Mas como Walter diz, não importa, afinal “Já está tudo con-taminado”. Walt não desiste por ser alto demais, mas porque percebe que tudo já foi contaminado pelas men-tiras, pela ganância e por seus atos. Sedado por Jesse, ele nem presencia a cobiçada morte da mosca, mas o pú-blico ainda é presenteado com mais uma ótimo plano experimental, no qual uma “super câmera lenta” revela o inseto desfalecido quicando no chão após ser enfim derrotado.

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ação, direção, simbolismo. E claro que tudo o que foi dito não teria metade do impacto se não contássemos com gran-des atuações de Bryan Cranston e Aa-ron Paul, que aceitaram o desafio de ir a fundo em seus personagens e fizeram da tarefa um de seus melhores momentos. “Fly” pode ser facilmente encarado como uma autenticação dos três Emmys de “Melhor Ator” vencidos por Bryan e os dois de “Melhor Ator Coadjuvante” ven-cidos por Aaron. Por mais que Jesse ache que Walt está louco, nós como telespec-tadores acreditamos em Walt, passamos a crer que aquela mosca de fato traz um risco ao laboratório. Nós acreditamos na loucura de Walt, acreditamos que a mosca precisa ser morta, da mesma for-ma que acreditamos e ficamos do lado de Walt durante todas as insanidades que ele acaba por cometer durante a série. Ainda assim, há quem não entre no jogo, pois sabe que o tal perigo consiste apenas em uma mosca e, assim, fica do lado de Pinkman, o viciado perdido que revela-se como a verdadeira parte racional da dupla de anti-heróis. Ficamos divididos entre as razões de Walt e a insignificância que a

mosca representa. Isso é “Breaking Bad”.O segredo é ver “Fly” como um

“Bottle Episode”, desconsiderando sua importância para o todo da série e le-vando em conta a sua importância para o desenvolvimento de uma possível arte televisiva. Um episódio ousado, singular, totalmente diferente do que estamos acostumados a ver na televi-são. Para tornar as coisas ainda mais interessantes, temos um final aberto. A última cena revela Walter White na cama, sem conseguir dormir. Ao olhar para o teto, Walt nota a silhueta de uma nova mosca que repousa no alar-ma de incêndio. Teria sido tudo um so-nho? A mosca seria realmente fruto da imaginação de Walter? Cabe mais uma vez ao espectador preencher esse es-paço. Mas é provável que a luz verme-lha do alarme, que pisca onde a mosca está sentada, indique o perigo, ainda vivo, que ela representa. Pior para o nosso anti-herói, pois a verdade é que esse novo inseto surge para provar que Walter White estava certo: não impor-ta quantas moscas ele ou Jesse mate, afinal, “Já está tudo contaminado”.