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Análise do desempenho de estudantes do Ensino Médio na “Avaliação da aprendizagem em processo” Maria Beatriz Gameiro CORDEIRO 1 Marineia Lima CENEDEZI 2 Resumo Este estudo de caso analisa uma situação específica de uma turma da Primeira Série do Ensino Médio da Escola Estadual Professora Djanira Velho, localizada no município de Ribeirão Preto/SP. Analisamos o desempenho dos estudantes na Avaliação da Aprendizagem em Processo de Língua Portuguesa relacionando-o a fatores socioculturais. Tal análise foi realizada por meio de questionários socioeconômico e cultural. Dessa forma, esse trabalho pauta-se na teoria Sociolinguística,que analisaa língua em meio a fatores sociais e na Linguística Aplicada, uma vez que constitui uma investigação de campo interdisciplinar focada em oferecer soluções para problemas relacionados à linguagem na prática. Palavras-chave: Avaliação; desempenho; leitura, linguística aplicada. Abstract This case study examines a specific situation in a class of the First Series of High School in the State School Professora Djanira Velho, located in Ribeirão Preto / SP. We analyzed the performance of students in the Avaliação da Aprendizagem em Processo de Língua Portuguesa (Process Learning Assessment in Portuguese Language) relating it to sociocultural factors. This analysis was conducted by means of socioeconomic and cultural questionnaires. Therefore, this work is based on the sociolinguistic theory, which examines the language according to social factors. This work is also related to Applied Linguistics, as it constitutes an investigation in an interdisciplinary field, which aims at offering solutions to problems related to language in practice. Keywords: Assessment; performance; reading; applied linguistics. 1 . Doutora, Professora da rede pública estadual de ensino de São Paulo e do Centro Universitário UNISEB Interativo, CEP: 14096160, Ribeirão Preto, SP. e-mail: [email protected] 2 . Mestranda, Professora da rede pública estadual de ensino de São Paulo e do Centro Universitário UNISEB, CEP: 14096160, Ribeirão Preto, SP. e-mail:[email protected]

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Análise do desempenho de estudantes do Ensino Médio na “Avaliação da

aprendizagem em processo”

Maria Beatriz Gameiro CORDEIRO1

Marineia Lima CENEDEZI2

Resumo

Este estudo de caso analisa uma situação específica de uma turma da Primeira Série do

Ensino Médio da Escola Estadual Professora Djanira Velho, localizada no município de

Ribeirão Preto/SP. Analisamos o desempenho dos estudantes na Avaliação da

Aprendizagem em Processo de Língua Portuguesa relacionando-o a fatores

socioculturais. Tal análise foi realizada por meio de questionários socioeconômico e

cultural. Dessa forma, esse trabalho pauta-se na teoria Sociolinguística,que analisaa

língua em meio a fatores sociais e na Linguística Aplicada, uma vez que constitui uma

investigação de campo interdisciplinar focada em oferecer soluções para problemas

relacionados à linguagem na prática.

Palavras-chave: Avaliação; desempenho; leitura, linguística aplicada.

Abstract

This case study examines a specific situation in a class of the First Series of High

School in the State School Professora Djanira Velho, located in Ribeirão Preto / SP.

We analyzed the performance of students in the Avaliação da Aprendizagem em

Processo de Língua Portuguesa (Process Learning Assessment in Portuguese

Language) relating it to sociocultural factors. This analysis was conducted by means of

socioeconomic and cultural questionnaires. Therefore, this work is based on the

sociolinguistic theory, which examines the language according to social factors. This

work is also related to Applied Linguistics, as it constitutes an investigation in an

interdisciplinary field, which aims at offering solutions to problems related to language

in practice.

Keywords: Assessment; performance; reading; applied linguistics.

1. Doutora, Professora da rede pública estadual de ensino de São Paulo e do Centro Universitário

UNISEB Interativo, CEP: 14096160, Ribeirão Preto, SP. e-mail: [email protected] 2. Mestranda, Professora da rede pública estadual de ensino de São Paulo e do Centro Universitário

UNISEB, CEP: 14096160, Ribeirão Preto, SP. e-mail:[email protected]

1. INTRODUÇÃO

Este estudo de caso analisa a situação específica de uma turma da Primeira Série

do Ensino Médio da Escola Estadual Professora Djanira Velho, localizada no município

de Ribeirão Preto/SP. Analisamos o desempenho dos estudantes na Avaliação da

Aprendizagem em Processo de Língua Portuguesarelacionando-o a fatores

socioculturais. Essa avaliação3 foiaplicada no início de 2013 em todas as escolas

estaduais. Segundo documento formal que a propõe, ela constitui uma ferramenta que

possibilita à unidade escolara produção de um diagnóstico da situação da leitura dos

alunos, proporcionando dados reais sobre suas habilidades e competências de leitura

para que a escola possa intervir pontualmente a fim de melhorar o aprendizado do

público-alvo no próprio semestre letivo. Investigamos, por meio de questionários e

análise das provas, os principais fatores que influenciaram o baixo desempenho de

alguns dos informantes em questões com maior índice de acerto na série investigada.

À vista dessas considerações, iniciamos a estrutura desse trabalho apresentando

os seus objetivos, a teoria e a metodologia utilizadas. Na sequência, tecemos breves

considerações acerca dos resultados em avaliações de leitura, focados no

PISA(Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), bem como apresentamos a

análise dos dados. E, por fim, as considerações finais retomam principais aspectos

discutidos ao longo do artigo.

A pesquisa apoia-se tanto na análise quantitativa quanto na

qualitativa.Primeiramente, elaboramos uma análise quantitativa dos resultados da

Avaliação da Aprendizagem em Processo, mensurando as questões com maior índice de

erros e acertos. Em seguida, analisamos qualitativamente os distratores, isto é,

alternativas de resposta incorretas, mas que devem ser plausíveis. Posteriormente,

elaboramos questionários socioeconômicos e culturais, nos quais averiguamoshábitos de

leitura, dedicação à escola, acesso a bens culturais e outros. Essas informações foram

relacionadas ao desempenho dos alunos na Avaliação da Aprendizagem em Processo

para verificarmos a influência desses fatores sociais no domínio de competências e

habilidades em leitura avaliadas nessa prova.

3. A Avaliação da Aprendizagem em Processo, exame composto de 15 questões,foi desenvolvida pela

Coordenadoria de Gestão da Educação Básica, pela Coordenadoria de Informação, Monitoramento e

Avaliação Educacional juntamente com um grupo de professores coordenadores das Oficinas

Pedagógicas de diferentes Diretorias de Ensino. De acordo com o Currículo Oficial da SEE, a aplicação

desse exame diagnóstico visa acompanhar coletiva e individualmente os discentes.

Para identificar o contexto socioeconômico no qual os alunos da pesquisa

inserem-se, criamos nosso próprio “questionário socioeconômico e cultural”,

fundamentado nos critérios de classificação econômica Brasil da ABEP (2013), nos

dados sobre as profissões de seus responsáveis, de acordo com a Pesquisa Salarial do

“Empregos.com” (2012), e ainda na classificação geoeconômica, apoiada na proposta

de Goldani (1997).

Com base nas informações dadas, pode-se afirmar que esse trabalho embasa-se

tanto na Linguística Aplicada, como na Sociolinguística, uma vez que constitui uma

investigação de campo interdisciplinar a fim de oferecer soluções para problemas

relacionados com a linguagem na prática e ligando esta a fatores sociais. Analisando a

língua em uso e relacionando-a a fatores linguísticos e extralinguísticos, vários estudos

sociolinguísticos demonstraram a influência de fatores sociais no uso linguístico. No

Brasil, o uso da língua está diretamente relacionado à condição de classe social.

Normalmente, falantes de baixo poder aquisitivo, por terem menos acesso a bens

culturais, por viverem a condição da exclusão social, usam, com maior frequência,

variantes linguísticas desprestigiadas, pertencentes à norma popular. O embasamento da

teoria Sociolinguística permite analisar a influência de fatores extralinguísticos

relacionando-os aos resultados do exameAvaliação da Aprendizagem em Processo de

Língua Portuguesa.

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS RESULTADOS DE AVALIAÇÕES EM

LEITURA.

Dados divulgados na mídia, bem como pesquisas científicas, vêm divulgando

resultados insatisfatórios de estudantes de todo o país em avaliações externas que

medem as habilidades e competências em leitura e escrita, como por exemplo, PISA,

Saresp, Enem, Saeb, Prova Brasil.

Segundo os dados da Prova Brasil, em 2011, a maioria dos alunos de todo o país

ficaram nos níveis de leitura três e quatro, que contemplam apenas algumas das

habilidades mais básicas de leitura, tais como a localização de informação explícita e a

inferência. Nessa prova, poucos alunos encaixaram-se no nível máximo de leitura, que

envolve habilidades de leitura mais complexas, tais como: justificar efeitos de sentido

de um texto, relacionar as diferentes linguagens, dentre outras4.Podemos citar também

os dados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 20095 que,

mesmo apresentandomelhoras nos indicadores desde 2000, ainda estão aquém do

desejado, conforme a tabela a seguir ilustra:

Tabela I- Resultado do PISA 2009 (Fonte: INEP)

Essa primeira tabela evidencia certo avanço na leitura, pois o desempenho em

leitura subiu de 396, em 2000, para 412, em 2009. Contudo, esses resultados ainda

demonstram uma necessidade de avanços maiores e efetivos se compararmos a

educação pública à privada, pois esta apresenta rendimento melhor do que instituições

públicas, excetuando as federais, conforme se observa na segunda tabela:

Tabela II- Resultado do PISA de acordo com o tipo de instituição(Fonte: INEP)

Por fim, podemos comparar os dados brasileiros aos de países desenvolvidos,

nos quais, a média em leitura é muito maior do que a brasileira.

4.http://download.inep.gov.br/educacao_basica/prova_brasil_saeb/escala/2011/escala_desempenho_lingua

_portuguesa_medio.pdfhttp://download.inep.gov.br/educacao_basica/prova_brasil_saeb/resultados/2012/

Saeb_2011_primeiros_resultados_site_Inep.pdf 5. Os dados das tabelas a seguir foram retirados do portal do INEP: http://portal.inep.gov.br/internacional-

novo-pisa-resultados

Tabela III- Resultado do PISA por países participantes (Fonte: INEP)

Essas informações ratificam a necessidade de um trabalho rigoroso,continuado e

consistente com a leitura, ecorroboram o pensamento de Rojo (2004), segundo o qual, a

maioria das escolas parece trabalhar apenas as capacidades mais básicas de leitura. Tal

fato nos permite dizer que não se leva em conta os diferentes tipos de letramento6, as

diversificadas práticas de leitura, as diversas situações que exigem diferentes

capacidades de leitura. Para a estudiosa, outro fator que pode prejudicar o trabalho com

a leitura e a escrita é o fato de muitos professores desconsiderarem as variantes

linguísticas trazidas pelos alunos, apresentando-lhes textos com uma linguagem

bastante distante da sua, como se fossem de uma “língua estrangeira”. Essa “distância

linguística” também poderia prejudicar de forma significativa o trabalho com a leitura.

Para reverter tal situação, Rojo (2004) explica quea escola deve ampliar o grau

de letramento do aluno, isto é, ampliar não só sua capacidade de ler, codificar e

decodificar os textos, mas sim de compreendê-los, refletir sobre eles. Vale ressaltar que

otermo letramento apresenta definição complexa e diversos usos, mas aqui é entendido

de acordo com Soares (2004, p.2): “desenvolvimento de comportamentos e habilidades

de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais”. Essepertinente conceito

indica que para que a leitura faça sentido ao aluno, é necessário o trabalhocom gêneros

textuais usados nas mais diversas situações sociais e não apenas “textos didáticos”.

Assim, para melhorar o grau de letramento dos estudantes, especialistas recomendam

que se exponha aos alunos a maior diversidade textual possível para que possamadquirir

novo vocabulário e desenvolver estratégias de leitura.

6. No PISA, a leitura é entendida de forma semelhante: “Mais do que decodificação e compreensão literal,

o letramento em Leitura implica a interpretação e reflexão, bem como a capacidade de utilizar a leitura

para alcançar os próprios objetivos na vida” (INEP, 2012). Tal definição condiz com o lema de uma das

maiores estudiosas sobre o assunto, Soares (2000), segundo o qual, “letrar é mais do que alfabetizar”.

Tais considerações sobre a relação entre trabalho com leitura e letramento

embasam a análise dos dados exposta na próxima seção.

3. ANÁLISE DOS DADOS

A seguir, apresentamos o gráfico que demonstra a quantidade de acertos em cada

uma das quinze questões de todos os trinta e seis estudantes da série investigada.

Gráfico 1- Quantidade de acertos dos estudantes da turma (elaborado pelas autoras)

Esse gráfico evidencia dados relevantes, dentre os quais, destacamos dois: o

primeiro é que o grupo todo, em geral, acertou mais a primeira, a terceira, a sexta e a

décima quarta questões. O número de alunos que acertou tais questões foi maior ou

igual a 75%. O segundo item a destacarfoi o menor número de acertosna segunda,

quinta, sétima e décima primeira questões, ficando o percentual de acertos geral por

alunos igual ou abaixo dos 50%. Passemos, agora, a apurar tais casos verificando as

habilidades que as questões com maior número de acertossupostamente exigiam dos

alunos.

3.1 ANÁLISE DAS QUESTÕES COM MAIOR ÍNDICE DE ACERTOS

Antes de analisarmos os resultados, examinemos a primeira questão proposta pelo

exame:

Leia o texto e responda à questão 01

0

5

10

15

20

25

30

35

qu

estã

o 1

qu

estã

o 2

qu

estã

o 3

qu

estã

o 4

qu

estã

o 5

qu

estã

o 6

qu

estã

o 7

qu

estã

o 8

qu

estã

o 9

qu

estã

o 1

0

qu

estã

o 1

1

qu

estã

o 1

2

qu

estã

o 1

3

qu

estã

o 1

4

qu

estã

o 1

5

Série1

Habilidade: Identificar a finalidade de um texto, seu gênero e assunto principal.

(Disponível em:<http://www.copeve.ufv.br/antigo/2_dia_vestibular/CadernoF/PorObjGer-V.pdf>.

Acesso em: 05 jul. de 2013)

Quanto ao gênero, à finalidade e ao assunto, pode-se afirmar que o texto é:

(A) um anúncio publicitário, para convencer as pessoas sobre uso de

sacolasduráveis.

(B) uma reportagem, para informar sobre a importância das sacolas duráveis paranossos

avós.

(C) um anúncio publicitário, para criticar nossos avós que não usavam sacolas

plásticasdescartáveis.

(D) um folheto, para instruir os consumidores sobre o custo das sacolas

plásticasdescartáveis.

Como o primeiro gráfico ilustrou, a maioria dos alunos 83% (30/36) que realizou

a prova acertou essa questão.

Esse grande percentual de acertos nessa questão não significa, exatamente, que

os estudantes tenham maior domínio da habilidade exigida (identificar a finalidade de

um texto, seu gênero7 e assunto principal). A análise atenta da questão indica que o

grande número de acertos está ligado ao fato de os distratoresnão terem apresentado

ideias tão plausíveis quanto deveriam.As alternativas “B” e “D” contemplaramgêneros

distintos da “propaganda”, portanto, não eram respostas aceitáveis. A alternativa “B”

apresentou o gênero “reportagem”, completamente distinto de um anúncio, tanto na

intenção, como no tema e na forma composicional/estrutural. Sabe-se que o objetivo de

uma reportagem é apresentar detalhadamente informações sobre determinado assunto,

inclusive com depoimentos de especialistas, leigos etc. Além de o gênero estar

inadequado, ao apresentar o objetivo do texto, tal distrator afirmou que a orientação

dada era para nossos avós, o que não se pode depreender da leitura da propaganda. Já o

distrator “D”, embora exibisse uma finalidade semelhante à do anúncio (instruir os

consumidores sobre o custo das sacolas plásticas descartáveis), definiu o gênero

inadequadamente como folheto. De acordo com Costa (2008), o folheto, assim como o

anúncio, constitui um texto publicitário, mas difere-se deste por ser impresso em uma

única folha avulsa e distribuído “corpo a corpo”, e não publicado em periódicos, jornais

como o texto publicitário etc. Essa alternativa seria a única que poderia ser considerada

um distrator de fato, pois apresentou um gênero e objetivo semelhantes ao correto.

Consideramos a diferença entre anúncio e folheto sutil (meio de veiculação), mas talvez

seja de conhecimento da maioria dos alunos por serem muito comuns no cotidiano de

grandes centros urbanos; nos semáforos, por exemplo, são distribuídos muitos folhetos e

os anúncios invadem revistas, jornais e outros suportes. Além disso, a reprodução do

anúncio indicava o local de publicação.

Mesmo aalternativa “c” referindo-se ao gênero correto,anúncio,apresentou um

argumento desprovido de lógica para a finalidade do texto: criticar os avós. O

enunciado da propaganda: “Sacolas, por que optar pelas duráveis como faziam os

nossos avós” deixa clara a intenção de elogio e não de crítica. Assim, tal alternativa

ofereceu uma informação que “fugia” por completo das pistas linguísticas fornecidas

pelo texto, ficando mais distante das respostas corretas, não podendo ser considerada

um distrator propriamente dito.

7. Para Bakhtin, os enunciados, sejam eles orais ou escritos, são concretos e únicos, e pertencem à

determinada esfera da atividade humana. Assim, define o gênero textual como enunciados relativamente

estáveis quanto ao conteúdo, estilo verbal, seleção de recursos da língua (recursos lexicais, fraseológicos

e gramaticais) e por sua construção composicional.

Dessa forma, analisando as informações explícitas no texto, sua estrutura e

finalidade, só haveria uma possibilidade de resposta correta, a alternativa “A”, o que

justificaria o grande número de acertos.

Analisemos, então, os fatores extralinguísticos que podem ter levado os alunos a

errarem essa questão, já que os dados linguísticos favoreciam o acerto. Dos trinta e seis

alunos da turma, apenas seiserraram a primeira pergunta. Esses seis alunos foram os

quejustamente acertaram menosquestões da prova em geral, conseguindo responder

adequadamente, em média, apenas 50% da prova, isto é, de uma a sete questões no

máximo. Esse dado demonstra que esses seis estudantes não dominam habilidades

básicas de leitura. Investiguemos, agora, os motivos sociais que levaram a esse baixo

índice de acerto.

Acondição de classe social desses estudantes não apresentou relação direta ao

baixo desempenhona prova, pois a maioria delespertence à classe C1 e B28, assim como

os demais colegas de classe que apresentaram maior índice de acertos. Assim, o fator

“classe social” não se mostrou tão relevante como determinante, visto que todos

estudam na mesma escola situada em uma área periférica; moram em bairros distantes;

não há empregada doméstica na residência; no geral, seus pais não possuem nível

superior, etc.

Por outro lado, a análise do “Questionário cultural”9 apresentou relação com o

desempenho desses estudantes. A análise de tal questionário revelou que desses

seisdiscentes (um não respondeu ao questionário), três declararam que “quase nunca

leem” e que em sua casa, não há o hábito da leitura. Os outros dois, embora tenham

respondido que leem “às vezes”, apresentaram erros ortográficos básicos, o que pode

sugerir uma “lacuna de letramento”.

A expressão “lacunas de letramento”, sugerida por Mollica (2012) refere-se a

“falhas” no processo de letramento. Segundo a autora, tais falhas invadiram diversos

gêneros, como outdoors, panfletos, avisos, cartazes, placas em geral, em lugares

públicos e privados, em zonas rurais e urbanas, em ambiente online e offline. A autora

8. Atribuímos pontos aos bens de consumo como TV, DVD, geladeira, etc., informações sobre a

residência,profissão e escolaridade dos pais para classificação social dos estudantes. Na classe C1,

inseriram-se os estudantes cujos bens de consumo e outros itens somaram a de 18 a 22 pontos,na B1 de

29 a 34. Nos extremos dessa classificação, a classe A1 perfaz de 42 a 46 pontos e a E de 0 a 7. No

entanto, a grande maioria dos estudantes deste caso é pertencente à classe C1, conhecida, em termos

populares, como classe baixa. 9. No questionário por nós denominado “cultural”, investigamos itens como: leitura de jornais, revistas,

livros (lidos por eles e familiares), frequência a atividades culturais e até a dedicação aos estudos.

não caracteriza essas falhas (algumas delas erros ortográficos) como problemas de

ordem cognitiva, mas sim de uma alfabetização não solidificada, imatura e incompleta,

pois resultam de um “processo de letramento linear, não inclusivo

emonocultural”,fazendo referência à Rojo.

Além da “lacuna de letramento”, outro dado importante deduzido do

questionário é a relação direta entre falta de acesso e de participação em atividades

culturais aobaixo desempenho, pois os cinco alunos declararam não frequentar teatros

ou outras atividades culturais, mas ir ashoppings semanalmente.

A resposta à pergunta sobre dedicação aos estudos também denota ligação com

o baixo desempenho. Um desses seis alunos, por exemplo, respondeu que vaià escola

apenas “por obrigação” e que não se dedica aos estudos; os demais afirmaram apenas

fazer o básico na escola. Tais informações demonstram uma influência clara desses

aspectos sociais (acesso insuficiente à leitura, a bens culturais e pouco empenho nas

atividades escolares) no desempenho das habilidades de leitura desses alunos. Tais

discentes mostraram desconhecer as características básicas de gêneros de ampla

circulação (o anúncio publicitário e o folheto) ou revelaram-seincapazes de

compreender o objetivo do texto dado, facilmente depreendido com base na leitura do

que estava escrito explicitamente na propaganda. Levantamos essa hipótese, pois a

questão pode ser considerada de nível fácil, já que não solicitava análise de informações

implícitas, relações complexas entre texto verbal e não verbal; não explorava nenhum

termo técnico ou de difícil entendimento, dentre outros possíveis elementos

complicadores. Para acertar a questão, bastava compreender a intenção do autor(instruir

sobre as sacolas) e o gênero textual (anúncio publicitário); tanto que essa foi a questão

com maior número de acertos em geral na turma abordada.

Os comentários e recomendações pedagógicas dos subsídios dados ao professor

sobre a Avaliação da Aprendizagem em Processo explicam que para responder

corretamente a essa questão, o aluno precisava saber a finalidade, o gênero e o assunto

do texto. Em relação à interpretação do texto, o documento afirma:

Este anúncio publicitário tem uma intenção, que não é comercial, mas

sim a de vender uma ideia, mudar uma atitude. Ele pretende

conscientizar a população sobre o uso de sacolas duráveis. (...)

Considerando esses aspectos, a alternativa correta é A. Os alunos que

assinalaram a alternativa B, provavelmente, deixaram de observar as

relações entre o texto verbal e não verbal que contribuem para a

caracterização do gênero anúncio publicitário, atentando, apenas, para

o texto verbal e não consideraram, portanto, as características

específicas do gênero reportagem. Assinalar a alternativa C mostra

que o aluno pode ter identificado o gênero do texto, mas não

compreendeu o assunto principal a que o anúncio publicitário se

refere. A alternativa D pode atrair alunos que, possivelmente, não

conseguem compreender que as finalidades discursivas se modificam

de acordo com a esfera de circulação dos gêneros: um folheto é

distribuído em papel impresso, manualmente, enquanto o anúncio

publicitário necessita de um portador específico (jornal, revista, sites,

etc.). Neste caso, o anúncio está disponível em um blog, na internet.

(GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2012).

A orientação oficialilustra a impossibilidade de assinalar as demais alternativas

destacando as características dos diferentes gêneros citados.

Com base no acima exposto, a explicação para os alunos que erraram tal questão

pode ser atribuída, dentre outros fatores, ao baixo nível cultural, à falta de acesso a bens

culturais, à falta de leitura, de contato com diversos gêneros textuais, à falta de

habilidades e competência básicas de leitura e por fim,ao “desinteresse” para com os

estudos.

Passemos à análise da terceira questão, que também obteve índices altos de

acerto.

Questão 03

Habilidade: Localizar itens de informação explícita, relativos à descrição de

características de determinado objeto, fenômeno, cenário, época ou pessoa. (H05-

GI)

Seu celular anda meio maluco? Cuidado, ele pode estar com vírus!

Cintia Baio e Lilian Ferreira – UOL Tecnologia

A bateria do celular está durando menos do que o previsto pelo fabricante, mesmo

quando você não fica horas pendurado nele? De vez em quando, aparecem algumas

mensagens multimídia esquisitas, o aparelho fica desconfigurado e tentando se conectar

via Bluetooth com outros celulares?

Se você respondeu “sim” para algumas das perguntas acima, é melhor tomar cuidado:

seu celular pode estar com vírus. Mesmo se você respondeu “não”, fique esperto. Desde

2004 – quando o primeiro vírus para celular foi descoberto – até o ano passado, o

número de pragas para celulares cresceu mais de 1.000%, segundo a empresa de

segurança F-Secure. O seu aparelho pode ser o próximo a ser contaminado.

Hoje, já são contabilizados 362 tipos de vírus. A maioria deles (80%) são cavalos-de-

troia. Spams e spywares, ao contrário do que se possa imaginar, são minoria (4%). Na

mira das pragas, estão os celulares com tecnologia Bluetooth – responsável por 70%das

contaminações – e as mensagens multimídia (MMS).

Então, antes de sair por aí colocando a culpa na operadora, no fabricante do aparelhoou

na tecnologia pelas maluquices do seu celular, confira se o seu aparelho foi infectado e

aproveite as dicas para manter o seu celular livre de pragas.

Disponível em:

<http://tecnologia.uol.com.br/proteja/ultnot/2008/01/23/ult2882u34.jhtm>. Acesso em: 31 de maio de 2012.

Segundo a notícia acima,

(A) o número de pragas para celulares cresceu mais de 1.000% desde 2004.

(B) a maioria dos vírus são cavalos-de-troia, spams e spywares.

(C) a maioria das pragas, responsáveis por 70% das contaminações, estão nas

operadoras.

(D) as mensagens multimídia (MMS) não representam perigo.

Dos trinta e seis alunos da série investigada, apenas sete erraram essa primeira

questão, o que corresponde a 75% (29/36) de acertos. A habilidade demandada constitui

uma das mais básicas de leitura: localizar informação explícita. Novamente, podemos

atribuir o “bom desempenho geral” não somente à habilidadedos estudantes, mas à

forma como as alternativas e seus conteúdos foram apresentados. O primeiro aspecto

facilitador é o fato de a resposta correta conter os mesmos itens lexicais do texto: “o

número de pragas para celulares cresceu mais de 1.000%”.Além disso, os distratores

puderam ser facilmente identificados como incorretos apenas com base na localização

de informações expressas no texto.“B’ afirmou que “a maioria dos vírus são cavalos-de-

troia, spams e spywares”, mas a notícia explicou que apenas os cavalos-de-troia são

maioria, spams e spywaresconstituem minoria: “A maioria deles (80%) são cavalos-

de-troia. Spams e spywares, ao contrário do que se possa imaginar, são minoria (4%)”.

O distrator “c” afirmou que a maioria “das pragas estão nas operadoras”, já a notícia

atribuiu a responsabilidade ao Bluetooth: “Namira das pragas, estão os celulares com

tecnologia Bluetooth – responsável por 70%das contaminações – e as mensagens

multimídia (MMS)”. “D” não é plausível, pois alegou que as mensagens multimídia

não representam perigo, diferentemente do que está expresso no texto. Para tanto,

bastava que o estudante fosse capaz de decodificar informações explícitas no texto para

assinalar a resposta adequada, tal como expresso na habilidade.

Já que os elementos linguísticos e textuais favoreciam o acerto,averiguemos, por

meio do “questionário cultural” aplicado, já que o social não se mostrou determinante, o

motivo do erro apresentado por sete estudantes. Assim como na primeira pergunta, os

sete alunos que erraram a terceira questão foram os queacertaram menos de dez

questões da prova toda. Analisaremos os fatores socioculturais.Para preservar suas

identidades, referir-nos-emos a eles por meio de numerais, conforme a tabela abaixo:

Estudantes 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º

Escolaridade do pai EMC EMC EFC EMI EMI EFI EFC

Escolaridade da mãe EFC EMC EMC EFI EMC EMI EMC

Lê jornais 3 4 4 2 3 3 5

Lê livros 2 5 3 3 3 3 4

Pessoas na casa leem 4 3 3 3 4 3 5

Frequenta teatro, museu,

cinema

4 5 5 3 4 5 5

Dedicação aos estudos 3 2 4 4 3 3 1

Principais dificuldades

apontadas

1 2 e 4 1, 4 e 5 1 4 e 5 1, 2, 4

e 5

1,2 e 5

Número de acertos na prova 10 10 10 9 6 4 4

Tabela IV- Relação entre desempenho e fatores socioculturais

LEGENDA

Escolaridade C: completo;I: incompleto.EF: Ensino Fundamental;

EM: Ensino Médio; ES: Ensino Superior

Lê jornais ou livros:

1. Diariamente

2. Quase diariamente

3. Às vezes

4. Raramente

5. Nunca

Vai ao teatro ou

museu:

1. Semanalmente

2. Uma vez por mês ou mais

3. Uma vez por ano ou mais

4. Menos que uma vez por ano

5. Nunca

Dedicação aos

estudos:

1. Não se importa muito, vai à escola por obrigação.

2. Não se considera muito estudioso, mas faz algumas atividades em sala de

aula.

3. Presta muita atenção às aulas, faz tarefas, estuda em casa.

4. Além de prestar muita atenção às aulas, faz tarefas e estuda os conteúdos

solicitados pela escola, realiza pesquisas e estudos sobre assuntos de seu

interesse.

Qual a maior

dificuldade nas

avaliações, como

Saresp e Avaliação

da Aprendizagem em

Processo:

1. Conhecer o significado de uma palavra ou expressão.

2. Identificar a finalidade de um texto, seu gênero e assunto principal.

3. Localizar informações explícitas no texto.

4. (Localizar informações implícitas no texto.

5. Analisar a norma-padrão e variedades linguísticas.

6. Outras.

O primeiro dado que chama atenção é o fato de nenhum pai ou responsável

possuir nível superior. O segundo é que, de uma forma geral, os quatro primeiros alunos

apresentaram desempenho semelhante em relação ao número de acertos, dez e nove

questões. O primeiro aluno declarou-se dedicado, pois “presta muita atenção às aulas,

faz tarefas, estuda em casa”, o que contrariaria nossas expectativas, pois se ele tem o

hábito da leitura e se dedica aos estudos, deveria acertar uma questão de nível simples.

Contudo, o depoimento do docente responsável esclareceu que o aluno esforça-se, mas

não tem facilidade na leitura e na compreensão de conceitos e teorias.

O segundo aluno também acertou dez questões da prova, mas declarou que

raramente lê jornais, revistas ou livros e que nunca lê em casa. Afirmou não ler livro

algum por ano, além de não se considerar estudioso. Tais declarações dadas pelo

estudante permitem-nos afirmar que ele não possui o hábito da leitura e

que,provavelmente, não tem contato com diversos gêneros textuais. Tanto a falta de

leitura como a falta de dedicação podem dificultar o domínio de habilidades básicas de

leitura, como dessa terceira questão, o que justifica seu erro.

Os terceiro e quarto alunos, embora leiam às vezes, não costumam, assim como

os demais, frequentar atividades culturais, o que sugere que poderia faltar-lhes o

conhecimento prévio sobre o assunto. Embora declararam dedicar-se aos estudos,

erraram uma questão de baixo nível de complexidade.

Os três últimos alunos foram os que apresentaram os menores índices de acerto

geral no exame, sendo que o último estudante, que acertou apenas quatro questões,

declarou nunca ler jornais e raramente ler livros. Os demais leem às vezes, em torno

de 1 a 5 livros por ano. Na família da maioria, a leitura não constitui prática constante.

Tais informações revelam a influência do ambiente familiar e do acesso a bens

culturais na leitura, pois mesmo dedicando-se às tarefas escolares, faltou aos discentes

atenção para uma das habilidades básicas: decodificação.

Vejamos agora a sexta questão:

Questão 06

Inferir o tema ou assunto principal com base na localização de informações

explícitas no texto.

Leia o poema e responda à questão 6. O bicho (Manuel Bandeira)

“Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem”. (Disponível em:<http://www.webartigos.com/artigos/o-poema-039-o-bicho-039/9839/>Acesso

em 18 de julho de 2012)

Pode-se afirmar que o tema em torno do qual o poema se constrói é a: (A) imundície humana.

(B) voracidade humana.

(C) ambição humana.

(D) miséria humana.

A análise dessa questão indica que o alto índice de acertos, 75% (27/36), está

ligado, novamente, ao fato de o leitor ter de localizar informação explícita na prática,

mesmo que a habilidade teoricamente solicitada seja distinta. Essa informação baseia-

se no fato de que para localizar o tema do poema, bastava que o aluno entendesse a

surpresa e espanto do eu lírico ao ver um homem, comportando-se de forma semelhante

a um animal (bicho), revirando o lixo para se alimentar.

O documento do Estado com os subsídios para o professor declarou, a respeito

dessa pergunta:

A tarefa de leitura proposta consiste na inferência do assunto principal

do poema, a partir de informações explícitas no texto. As alternativas

A e B apresentam, de fato, dados contidos no texto, porém são

informações secundárias. Os alunos que marcaram a alternativa C não

compreenderam o sentido global do texto, uma vez que a informação

“Na imundície do pátio” refere-se à caracterização do ambiente e

ajuda a compor o cenário de decadência do ser humano. Essa

alternativa não é a correta, uma vez que essa informação não apresenta

o tema central do poema. A alternativa D é a correta, pois abrange o

tema principal, que aparece em destaque na frase conclusiva do

poema, além de retomar o título. Por meio da leitura do poema, o

aluno deve perceber que o bicho é uma metáfora da condição de

muitos seres humanos, um indivíduo marginalizado e que, como um

animal faminto, procura restos de comida no lixo. É o homem que,

abandonado pela sociedade, mostra-se física e psicologicamente

animalizado.(GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2012).

Contudo, se compararmos o número de alunos que errou a primeira questão com

os que erraram a nona, verificaremos um aumento de quase 50%, pois 12 alunos

erraram essa última, enquanto apenas seis erraram a primeira.

Interessante notar que seis dos alunos que erraram a nona questão também não

acertaram a primeira ou a terceira, comprovando a nossa hipótese de que faltam

habilidades básicas de leitura decorrentes da prática cotidiana, de alunos que não têm o

hábito da leitura. Por outro lado, chama-nos atenção o fato de dois alunos que obtiveram

um bom desempenho geral, acertando 11 ou 12 questões, terem erradoessa pergunta.

Mas cremos que esses dois casos sejam isolados.

Como a maioria dos alunos que erraram essa questão são os mesmos alunos que

erraram a primeira, não comentaremos novamente os seus hábitos de leitura.

Examinemos, por fim, a décima quarta pergunta:

Questão 14

Habilidade: Justificar o uso de determinados recursos gráficos, sonoros ou

rítmicos em um poema.

No poema, a disposição gráfica das palavras pode ser associada:

(A) ao homem bem vestido.

(B) às casas que passavam.

(C) à embriaguez da personagem.

(D) à procissão sem fim.

O índice de acertos dessa questão foi de 75% (27/36). Passemos, então, a

verificar os elementos favorecedores desse índice. O primeiro é o fato de que para

associar os recursos gráficos do poema ao seu tema (embriaguez), era necessário que o

estudante, primeiramente, identificasse oassunto principal da poesia. Para tanto,

bastava-lhe entender o que o texto conta explicitamente, a saber, que um homem bem

vestido “foi beber no botequim e bebeu tanto” que ficou embriagado. Podemos

considerar uma identificação simples, pois a maioria dos adolescentes sabe que quando

se bebe muito, a embriaguez é certa. Dessa forma, a relação desse tema com a

disposição gráfica das palavras constitui um processo de raciocínio secundário, o que

abona o grande número de acertos dessa questão; apenas nove alunos erraram-na. Outro

aspecto que pode justificar a facilidade da questão é o fato de o assunto “embriaguez”

ser de conhecimento popular. Assim, mesmo que o aluno não soubesse que “disposição

gráfica” referia-se à maneira como os termos estão dispostos, era possível acertar a

questão somente reconhecendo o tema, pois os demais distratores não se referiam a tal

tema, e sim a termos apenas citados no texto, mas que não resumiam seu assunto.

A forma desordenada das palavras, em ziguezague,apenas ratificaria o tema

(embriaguez), pois ilustra como se um homem estivesse cambaleante, trôpego pelo uso

da bebida ou “trançando as pernas” (como se diz popularmente); já os termos dispostos

em círculosugerem uma sensação muito comum ao ébrio, a sensação de que tudo está

rodando.É possível que alguns dos estudantes dessa série já tenham vivenciado essa

situação, o que também facilitaria a sua identificação rápida.

Embora a habilidade supostamente cobrada na questão fosse “justificar o uso de

determinados recursos gráficos, sonoros ou rítmicos em um poema”, entendemos que

bastava ao aluno compreender o tema explícito, pois ao afirmar claramente que “um

homem bem vestido/foi beber no botequim/bebeu tanto/que saiu assim”, fica evidente

que ao beber muito, fica-se embriagado. Portanto, a disposição gráfica das palavras

associada à embriaguez do eu-lírico apenas reforça o tema facilmente depreendido.

No documento de orientação elaborado pela Secretaria da Educação,

encontramos a seguinte explicação:

A tarefa da leitura proposta nesse poema visual consiste na

justificativa do emprego do recurso gráfico. Os alunos têm de

observar e relacionar o conteúdo (texto escrito) e a forma (distribuição

espacial do texto escrito) de maneira a compreender que o homem

saiu embriagado do botequim e que esse fato se justifica pela

disposição das palavras no poema. Os alunos que assinalaram as

alternativas A e B podem ter buscado a compreensão do poema, pelo

caminho da localização de informações explícitas no texto, em vez de

associar à disposição das palavras – “tortas”, “inclinadas” e em círculo

– com a embriaguez da personagem do poema. Aqueles que marcaram

a alternativa D, além de cometerem o mesmo equívoco apresentado

nas alternativas A e B, cometem um erro de compreensão leitora ao

inferir que há realmente uma procissão.(GOVERNO DO ESTADO

DE SÃO PAULO, 2013, p.29).

É necessária, de fato, a relação do tema (conteúdo) à forma (distribuição espacial

do texto), contudo, trata-se de uma relação óbvia, explícita e comum. Assim, podemos

afirmar que os estudantes que fizeram as associações inadequadas propostas nos

distratores, e comentadas pelo referido documento, demonstraram não ter uma das

habilidades básicas de leitura, o reconhecimento de um tema explícito.

A tabela abaixo relaciona o desempenho geral dos estudantes que erraram tal

questão a fatores socioculturais:

Estudantes 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º

Escolaridade do pai EFI EMC EFI EFC EMC EFI EFC EFI

Escolaridade da mãe EFI EFC EFC EFI EMC EMI EMC EFI

Lê jornais 3 3 1 4 3 3 5 3

Lê livros 3 2 3 3 3 3 4 3

Pessoas na casa leem 4 3 3 4 3 2 5 2

Frequenta teatro, museu,

cinema

4 3 3 5 5 5 5 2

Dedicação aos estudos 3 4 2 3 2 3 1 3

Principais dificuldades

apontadas

1 1 1 e 4 1 e 5 3 e 4 1,2,4,5 1,2 e 5 4 e 5

Número de acertos na prova 10 5 10 8 8 4 4 9

Tabela V- Relação entre desempenho e fatores socioculturais

Os dados dessa tabela confirmam a relação de fatores socioculturais ao

desempenho na prova, pois os estudantes que declararam não ter o hábito da leitura,

cujos pais não possuem nível superior, não se dedicam aos estudos, não frequentam

atividades culturais não acertaram nem um terço da prova, isto é, acertaram no máximo

cinco questões. Esses alunos foram os que mais erraram as questões que exigiam

habilidades simples a nosso ver, como por exemplo, a de localizar informações

explícitas no texto. Fica clara, portanto, a relação de fatores sociais no desempenho

escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta análise nos permite concluir que há uma série de complexos fatores

imbricados relacionados ao desempenho dos estudantes nas habilidades de leitura.

Somente a condição“classe social” não se mostrou relevante nessa pequena

amostragem, visto que, de uma forma geral, os alunos encaixavam-se na mesma

condição social. Já os resultados obtidos pelo “questionário cultural” indicaram

influência, pois os alunos que declararam lere se dedicar aos estudosapresentaram, em

termos gerais, desempenho melhor na prova.

O trabalho feito ainda sugere que, nem sempre, as habilidades especificadas nas

questões foram as efetivamente necessárias para resolução das perguntas, já que bastava

identificar informações explícitas nos textos,como a análise das quatro questões indica.

Citamos, como exemplo, a pergunta sobre o poema de Millôr Fernandes, “Poesia

Cinética I”. Embora o enunciado esclarecesse que a habilidade necessária para

resolução fosse “Justificar o uso de determinados recursos gráficos, sonoros ou rítmicos

em um poema”, vimos que bastava identificar o tema do poema para acertar a resposta.

Isso se deve ao fato de os demais distratores não serem plausíveis ou coerentes ao

poema. Assim, sugerimos que osestudantes que não acertaram questões dessa natureza

apresentam dificuldade básica de leitura, o que pode ser comprovado com a tabela:

“Relação entre desempenho e fatores socioculturais”. Ela comprova que três dos alunos

que erraram a questão do poema de Millôr Fernandes acertaram no máximo cinco

questões no total da prova e os demais, não acertaram mais que dez questões.

A respeito da dificuldade de leitura, Bortoni-Ricardo (2008) comenta que os

leitores, sejam iniciantes ou maduros, relacionam as informações lidas nos textos às

suas experiências pessoais e vocabulário, e com base nelas, vão construindo sentidos.

Dessa forma, os estudantes que não acertaram as questões analisadas podem ter um

vocabulário e um conhecimento de mundo restritos. A autora ainda cita Ted

Hasselbring, professor de educação especial no PeabodyCollege, em Vanderbilt, que

cita dois outros tipos de problemas de leitura: o de codificação, que diz respeito às

habilidades de nível baixo; e de incompreensão dos textos, ligado a habilidades de alto

nível.

Fica evidente, portanto, que alguns estudantes não dominam habilidades de

baixo nível, enfatizando a necessidade de trabalhar a maior diversidade de gêneros

textuais e ampliar o conhecimento de mundo dos estudantes (conhecimentoanterior,

também comumente denominado conhecimento de mundo).

No mesmo texto, Bortoni-Ricardo (2008) explica que o professor deve construir

“andaimes” durante a leitura do texto. Essa metáfora dos andaimes, criada por Bruner

(1983), significa: “assistência visível ou audível que um membro mais experiente de

uma cultura presta a um aprendiz, em qualquer ambiente social” (2008, p. 5). Dessa

forma, cabe ao professor, em sala de aula, construir estratégias de leitura para ser um

facilitador ao seu aprendiz, ou, usando a metáfora de Bruner, construir andaimes aos

alunos.Essa metáfora ressalta o papel fundamental que o professor tem para a leitura, na

medida em que constitui o mediador/facilitador. A Avaliação da Aprendizagem em

Processo de Língua Portuguesacumpre seu papel ao indicar os alunos que precisam de

um trabalho de acompanhamento consistente e sistemático, mas precisa ser analisada

com cautela pela equipe docente escolar.

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