anÁlise do desempenho da sinalizaÇÃo na … · perigosas. a boa colocação dos sinais...

8
ANÁLISE DO DESEMPENHO DA SINALIZAÇÃO NA SEGURANÇA RODOVIÁRIA EM MEIO URBANO Nuno Gregório 1 , José Neves 1 , Ana Fernandes 1 e Silvino Capitão 2 1 Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, Avenida Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal email: [email protected] http://www.ist.utl.pt 2 IPC-Instituto Superior de Engenharia de Coimbra & IST-CESUR (Lisboa), Departamento de Engenharia Civil, Rua Pedro Nunes, 3030-199 Coimbra, Portugal Sumário O objetivo deste trabalho é apresentar uma metodologia de análise de situações reais em contexto urbano, baseada em indicadores simples e de fácil aplicação relacionados com a mobilidade e a segurança, que permita analisar a eficácia do sistema de sinalização e ajude à posterior prescrição de medidas de mitigação dos problemas diagnosticados. A metodologia proposta foi aplicada a quatro casos, integrados em dois ambientes urbanos: espaço urbano consolidado e zona suburbana. Esta metodologia permitiu avaliar as condições do funcionamento da via e identificar os principais problemas relacionados com a sinalização, na sequência das quais foram posteriormente propostas algumas recomendações práticas. Palavras-chave: sinalização; meio urbano; mobilidade; segurança; indicador. 1 INTRODUÇÃO A rede viária de um qualquer território, seja ele parte de uma zona urbana, suburbana ou rural, procura sempre atender à função fundamental da mobilidade, que assegura a deslocação dos fluxos de pessoas e de bens com uma velocidade e uma capacidade de escoamento adequadas. Igualmente importante, sobretudo nas zonas urbanas, é a possibilidade de aceder ao território e às diversas atividades que marginam a via. Qualquer via rodoviária deverá garantir o cumprimento desta função básica em condições adequadas de segurança e de conforto para os utilizadores. Regra geral, a segurança rodoviária resulta da conjugação dos papéis desempenhados pelos elementos dos sistemas de tráfego, nomeadamente o utente, o ambiente rodoviário e o veículo. Apesar de o utente, por si só, constituir o elemento de maior intervenção na ocorrência de acidentes, o ambiente rodoviário é também bastante relevante, influenciando o nível de segurança quer de forma direta, quer condicionando o comportamento dos próprios utentes [1]. A sinalização rodoviária intervém em todos estes campos, constituindo um fator fundamental para o bom funcionamento da rede viária. Apesar de os princípios seguidos na aplicação e na utilização da sinalização seguirem pressupostos semelhantes, o contexto urbano apresenta especificidades face às zonas rurais, relacionadas com o tipo de ocupação do território, com a multiplicidade de funções presentes e com a densidade e caraterísticas próprias dos diversos tipos de tráfego em si gerados. Deste modo, sobrevém a necessidade de adequar as regras e as práticas da utilização de sinalização ao meio urbano, respondendo às suas caraterísticas particulares. A nível nacional, a sinalização rodoviária em meio urbano não se encontra regulamentada por nenhuma disposição normativa a ela dedicada em exclusividade. Vários documentos emitidos pelos organismos encarregues da normalização relativa à rede rodoviária – nomeadamente a ex-Junta Autónoma de Estradas (JAE) – apenas abordam a problemática da sinalização em vias interurbanas, sem atender às especificidades do regime de circulação do tráfego em contexto urbano e das caraterísticas próprias da via nestes espaços. Mais recentemente, o Instituto de Infraestruturas Rodoviárias (InIR) tem vindo a desenvolver um processo de revisão e de atualização das normas em vigor, procurando suprir as insuficiências detetadas pela prática e expandir o seu âmbito de aplicação. Até à data, já foram emitidas as versões documento-base das disposições técnicas relativas aos diversos campos de aplicação da sinalização vertical e da marcação rodoviária.

Upload: hoanghanh

Post on 01-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

ANÁLISE DO DESEMPENHO DA SINALIZAÇÃO NA SEGURANÇA RODOVIÁRIA EM MEIO URBANO

Nuno Gregório1, José Neves1, Ana Fernandes1 e Silvino Capitão2

1Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, Avenida Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal

email: [email protected] http://www.ist.utl.pt

2IPC−Instituto Superior de Engenharia de Coimbra & IST-CESUR (Lisboa), Departamento de Engenharia Civil, Rua Pedro Nunes, 3030-199 Coimbra, Portugal

Sumário

O objetivo deste trabalho é apresentar uma metodologia de análise de situações reais em contexto urbano,

baseada em indicadores simples e de fácil aplicação relacionados com a mobilidade e a segurança, que permita

analisar a eficácia do sistema de sinalização e ajude à posterior prescrição de medidas de mitigação dos

problemas diagnosticados. A metodologia proposta foi aplicada a quatro casos, integrados em dois ambientes

urbanos: espaço urbano consolidado e zona suburbana. Esta metodologia permitiu avaliar as condições do

funcionamento da via e identificar os principais problemas relacionados com a sinalização, na sequência das

quais foram posteriormente propostas algumas recomendações práticas.

Palavras-chave: sinalização; meio urbano; mobilidade; segurança; indicador.

1 INTRODUÇÃO

A rede viária de um qualquer território, seja ele parte de uma zona urbana, suburbana ou rural, procura sempre atender à função fundamental da mobilidade, que assegura a deslocação dos fluxos de pessoas e de bens com uma velocidade e uma capacidade de escoamento adequadas. Igualmente importante, sobretudo nas zonas urbanas, é a possibilidade de aceder ao território e às diversas atividades que marginam a via. Qualquer via rodoviária deverá garantir o cumprimento desta função básica em condições adequadas de segurança e de conforto para os utilizadores. Regra geral, a segurança rodoviária resulta da conjugação dos papéis desempenhados pelos elementos dos sistemas de tráfego, nomeadamente o utente, o ambiente rodoviário e o veículo. Apesar de o utente, por si só, constituir o elemento de maior intervenção na ocorrência de acidentes, o ambiente rodoviário é também bastante relevante, influenciando o nível de segurança quer de forma direta, quer condicionando o comportamento dos próprios utentes [1].

A sinalização rodoviária intervém em todos estes campos, constituindo um fator fundamental para o bom funcionamento da rede viária. Apesar de os princípios seguidos na aplicação e na utilização da sinalização seguirem pressupostos semelhantes, o contexto urbano apresenta especificidades face às zonas rurais, relacionadas com o tipo de ocupação do território, com a multiplicidade de funções presentes e com a densidade e caraterísticas próprias dos diversos tipos de tráfego em si gerados. Deste modo, sobrevém a necessidade de adequar as regras e as práticas da utilização de sinalização ao meio urbano, respondendo às suas caraterísticas particulares.

A nível nacional, a sinalização rodoviária em meio urbano não se encontra regulamentada por nenhuma disposição normativa a ela dedicada em exclusividade. Vários documentos emitidos pelos organismos encarregues da normalização relativa à rede rodoviária – nomeadamente a ex-Junta Autónoma de Estradas (JAE) – apenas abordam a problemática da sinalização em vias interurbanas, sem atender às especificidades do regime de circulação do tráfego em contexto urbano e das caraterísticas próprias da via nestes espaços. Mais recentemente, o Instituto de Infraestruturas Rodoviárias (InIR) tem vindo a desenvolver um processo de revisão e de atualização das normas em vigor, procurando suprir as insuficiências detetadas pela prática e expandir o seu âmbito de aplicação. Até à data, já foram emitidas as versões documento-base das disposições técnicas relativas aos diversos campos de aplicação da sinalização vertical e da marcação rodoviária.

2

O objetivo principal deste trabalho é apresentar uma metodologia de análise de situações reais em contexto urbano, baseada em indicadores simples e de fácil aplicação relacionados com a mobilidade e a segurança, que permita analisar a atual situação do local em estudo e as suas principais características, nomeadamente a eficácia do sistema de sinalização, os diversos fluxos de tráfego e a própria configuração da via. Pretende-se que esta metodologia ajude à posterior prescrição de medidas de mitigação dos problemas diagnosticados, como por exemplo à reformulação do sistema de sinalização através de um projeto adequado aos problemas de segurança e mobilidade identificados.

Depois de uma breve apresentação da experiência internacional relativamente à utilização de sinalização rodoviária em meio urbano tendo em vista a atuação em termos da mobilidade e segurança, a metodologia proposta foi aplicada a quatro casos de estudo, integrados em dois ambientes urbanos distintos, mais concretamente num espaço urbano consolidado (Campo de Ourique, Lisboa) e numa zona suburbana (Venda do Pinheiro, Mafra).

2 RELAÇÕES DA MOBILIDADE, SEGURANÇA E SINALIZAÇÃO EM MEIO URBANO

Os meios urbano e rural distinguem-se fundamentalmente pela diversidade de funções que os solicitam e pela variedade de tipos de tráfego que geram e que os atravessam. Embora as redes viárias tenham de obedecer aos mesmos princípios gerais quanto à conceção e quanto às caraterísticas estruturais, construtivas e funcionais da estrada, independentemente da sua situação em espaço rural ou urbano, a adequação à envolvente e ao tipo de utilizadores leva a diferenças significativas ao nível do projeto entre uma via rural e uma via urbana [2].

Tal como no meio rural, a via urbana garante o movimento do tráfego rodoviário, normalmente mais denso neste tipo de áreas, assegurando a circulação de atravessamento. Além disso, o espaço urbano tem a particularidade da grande importância das circulações de acesso local à envolvente da via, área em que são exercidas uma multiplicidade de funções, designadamente a residência, o comércio e a prestação de serviços. Este conjunto de atividades exercidas na envolvente leva a que a via seja igualmente solicitada para permitir a estadia de pessoas e de bens, nomeadamente no que diz respeito ao estacionamento, às operações de carga e descarga, às paragens de transportes coletivos e à própria estadia pedonal. O cumprimento destes dois conjuntos de funções (de circulação e de acesso) é passível de criar conflitos, gerando frequentemente perdas de eficiência e diminuição da segurança, o que confere à gestão da rede viária em meio urbano uma especial complexidade.

A via urbana, ao contrário da generalidade das vias em espaço rural, tem ainda a particularidade de servir um conjunto diversificado de utentes em diferentes modos, cuja interação gera frequentemente situações de conflito. As circulações mais significativas em meio urbano são as seguintes:

(i) Tráfego pedonal, justamente aquele que apresenta maior vulnerabilidade face aos restantes modos de transporte. Alguns grupos especiais de peões são particularmente vulneráveis em termos de proteção e de segurança, nomeadamente as crianças, os idosos e os peões com mobilidade reduzida [3].

(ii) Tráfego de bicicletas, que em contexto urbano abrange circulações diárias, por motivos de trabalho ou de outras necessidades quotidianas, circulações desportivas e circulações recreativas. Este tipo de tráfego pode efetuar-se em pista própria ou de forma não segregada relativamente ao tráfego motorizado [4].

(iii) Tráfego motorizado, composto por grande variedade de veículos, incluindo motociclos, veículos ligeiros e veículos pesados. Alguns veículos motorizados circulam em infraestrutura especialmente adaptada (como o elétrico, por exemplo).

Em qualquer um destes tipos de tráfego, para se orientar, para conduzir e controlar o seu veículo (quando é caso disso) e para assegurar a sua segurança e a dos restantes utentes da via, o utente utiliza sobretudo informação visual. A sinalização rodoviária é, no seu conjunto – sinalização vertical (incluindo a sinalização vertical de orientação e a sinalização de mensagem variável), marcação rodoviária e sinalização luminosa –, uma componente fundamental da informação visual recebida quer pelos condutores, quer pelos próprios peões, contribuindo para uma eficaz regulação do trânsito e para a correta legibilidade da via pelos seus utentes [5].

3

A sinalização rodoviária, como principal meio de transmissão de informação entre a via e o condutor, desempenha um papel fundamental ao nível da segurança e da mobilidade dos utentes. Estas duas áreas tendem a ser antagónicas, na medida em que um maior nível de segurança e de proteção do utente implica alguma restrição da capacidade de mobilidade dos veículos, sendo o contrário igualmente válido. Contudo, é o resultado da conciliação destes dois domínios que resulta na maior ou menor eficácia de um sistema de sinalização.

No que diz respeito à segurança, a melhoria das condições gerais da sinalização tem impactos positivos sobre a redução da sinistralidade. A sinalização tem um papel fundamental ao nível do controlo da velocidade, adaptando o seu limite máximo às caraterísticas da via e à interação com outros tipos de tráfego, como peões e ciclistas, da restrição e proibição de certos tipos de manobras e da indicação da existência de condições perigosas. A boa colocação dos sinais rodoviários é especialmente importante nalguns pontos particularmente sensíveis sob o ponto de vista da segurança, quer devido à sua perigosidade, quer devido à exigência da tomada de decisões complexas por parte do condutor. Os exemplos mais significativos são as interseções, as curvas, as lombas e o início do atravessamento de zonas urbanas [1]. Num contexto urbano, as travessias de peões e de ciclistas, o controlo dos movimentos nas interseções e de mudança de via de trânsito e a regulação de alguns tipos de manobras (como de estacionamento, por exemplo) assumem uma especial importância.

O sistema de sinalização, ao melhorar as condições de legibilidade da via e ao assegurar a adaptação da condução às suas caraterísticas, pode contribuir para a melhoria das condições de mobilidade. Neste campo, os sinais rodoviários desempenham um papel significativo na regulação da velocidade e da ocorrência de constrangimentos no fluxo, separando tipos de tráfego diferentes e minimizando os pontos de conflito. O sistema de sinalização deverá ser limitado ao estritamente necessário, não restringindo a circulação do tráfego de uma forma desproporcionada. Ainda ao nível da mobilidade, a sinalização de orientação é especialmente importante por facilitar a tomada de decisões e tornando a condução mais eficiente. É por isso fundamental, especialmente em meio urbano, a existência de sinais de direção claros, bem visíveis e homogéneos [6].

Nas últimas décadas têm sido concebidas várias soluções inovadoras ao nível da aplicação da sinalização rodoviária em meio urbano, permitindo melhorar as condições de segurança e de mobilidade dos utentes da via. Destacam-se, sobretudo, dois tipos de abordagens distintas, correspondentes a duas visões divergentes do papel da sinalização na regulação dos diversos tipos de tráfego. Como exemplos destas abordagens, apresentam-se seguidamente dois casos internacionais de aplicação.

A primeira abordagem considera a sinalização como parte fundamental do processo, como meio eficaz para a indução da conduta pretendida para os diferentes utentes e para a restrição de determinados comportamentos pouco seguros ou limitadores da mobilidade. As Zonas 30, criadas em França no início dos anos 90 e hoje aplicadas um pouco por toda a Europa, são um exemplo desta conceção.

O conceito de Zona 30, tal como foi implementado em França, tem como objetivo o de proporcionar a todos os utentes da via urbana uma coabitação harmoniosa nas melhores condições de segurança possível. Para tal, esta abordagem envolve a aplicação de vários princípios relacionados com a acalmia de tráfego, de modo a limitar a velocidade de circulação (limite máximo de 30 km/h) e a favorecer a circulação pedonal e de ciclistas. Outros objetivos fundamentais na aplicação destas zonas são a regulação do estacionamento na via pública e o incentivo à utilização dos transportes públicos [7].

A sinalização colocada no interior da Zona 30 deverá ser o menos densa possível. De um modo geral, deverão ser evitadas as marcas longitudinais e as passagens de peões (só admitidas em casos especiais, para uso de pessoas com mobilidade reduzida) [8]. As interseções não deverão ser sinalizadas nem semaforizadas, de forma a prevalecer a regra da prioridade à direita. Nalgumas interseções, a colocação de mini-rotundas ou de rotundas compactas poderá constituir um elemento dissuasor da prática de velocidades elevadas e impedir a marginalização dos ciclistas [9]. Nos restantes casos, a sinalização aplicada é a habitual no regime normal.

A implementação deste conceito tem produzido resultados considerados satisfatórios em França. A limitação da velocidade a um nível relativamente reduzido e a sua efetivação na via levam a que esta solução produza efeitos positivos ao nível da segurança, nomeadamente dos peões [10]. Contudo, a mobilidade do tráfego motorizado é fortemente restringida, ao contrário do que acontece no caso do tráfego de ciclistas e na circulação dos peões (sobretudo no que concerne ao atravessamento das vias).

Uma outra abordagem considera a sinalização como parte do problema, ao limitar a perceção dos utentes quanto ao risco e ao promover uma cultura segregadora das diversas categorias de tráfego, impedindo a sua livre

4

circulação e a adequação natural dos comportamentos às situações específicas e ao ambiente envolvente. Como tal, este modelo, conhecido como Espaço Partilhado (Shared Space, na sua versão original em inglês), preconiza a eliminação completa da sinalização rodoviária.

O conceito de Espaço Partilhado é uma nova filosofia de planeamento e organização do espaço público urbano, cujo principal objetivo é promover a melhoria da qualidade e da segurança do espaço público e do meio ambiente sob os pontos de vista do peão e do ciclista, sem contudo impossibilitar ou restringir a circulação do tráfego motorizado [11]. No centro deste conceito está a integração das diferentes funções e dos diferentes utilizadores num espaço comum, em claro contraste com a situação atual, na qual prevalece a ideia da segregação dos diferentes tipos de tráfego e das várias funções urbanas [12].

A opção integradora assenta no princípio de que a perceção do risco pelos utentes de uma determinada via urbana depende do ambiente envolvente. A implementação restritiva das normas e dos instrumentos comuns de gestão do tráfego incutem nos utentes uma noção excessiva de segurança, levando-os a abdicar do uso da sua inteligência e das suas capacidades de análise e de decisão, quebrando a sua ligação com a envolvente [13]. De facto, assim que os vários instrumentos são retirados da via, os utentes tornam-se naturalmente mais atentos e concentrados, readquirindo poder de decisão. Esta situação leva os condutores a reduzir a velocidade de circulação e a conduzir de uma forma mais defensiva e mais segura [13].

O Espaço Partilhado pressupõe a retirada completa de todos os instrumentos que habitualmente regulam a circulação do trânsito, nomeadamente dos sinais verticais, dos sinais luminosos e das marcas rodoviárias. Desta forma, a circulação dos veículos nas interseções passa a obedecer à regra da prioridade à direita [11]. Os passeios pedonais individualizados são eliminados e todo o piso da estrada passa a estar ao mesmo nível.

Os efeitos ao nível da segurança rodoviária da implementação deste conceito são bastante consistentes, tendo sido registadas reduções significativas da sinistralidade e da velocidade de circulação [13] [14]. Quanto à mobilidade, a aplicação destas medidas também tem geralmente efeitos bastante positivos, contribuindo para a redução do congestionamento do tráfego e diminuindo o tempo de percurso de um determinado itinerário, apesar da menor velocidade máxima praticada (através da limitação dos tempos de paragem nas interseções, conseguida com a eliminação da sinalização luminosa) [13].

3 METODOLOGIA

A metodologia desenvolvida destina-se a efetuar o adequado diagnóstico de um determinado local – arruamento, interseção ou qualquer outra via urbana – com base num conjunto de indicadores relacionados com dois grandes domínios, a mobilidade e a segurança, permitindo analisar a atual situação desse local e as suas principais caraterísticas, nomeadamente a sinalização, os diversos fluxos de tráfego e a própria configuração da via.

A metodologia utiliza quer indicadores quantitativos, quer outros meramente qualitativos (alguns dos quais apenas descritivos, sem qualquer tipo de graduação dos resultados). Os indicadores utilizados são os seguintes:

(i) Tráfego, exprime a quantificação dos volumes de tráfego (veículos ou peões por hora) em cada um dos fluxos presentes, incluindo os fluxos de tráfego pedonal e de ciclistas, sendo ainda tidos em conta os respetivos subfluxos, nomeadamente os da circulação de transportes públicos e os de veículos motorizados de duas rodas.

(ii) Tempo de espera, quantifica o tempo médio de espera (em segundos) em cada um dos fluxos, caso este ocorra.

(iii) Conflitos, identifica os locais de conflito existentes na via, nomeadamente os sítios onde se cruzam os diferentes fluxos e onde é maior a probabilidade de ocorrerem situações problemáticas.

(iv) Geometria, identifica as caraterísticas geométricas da via que possam condicionar o seu correto funcionamento, como por exemplo a visibilidade numa interseção pelos diferentes utentes a partir das vias afluentes.

(v) Sinistralidade, quantifica a ocorrência de sinistros no local, discriminada em termos de acidentes com mortos, feridos graves e feridos ligeiros.

5

(vi) Velocidade, exprime a velocidade dos veículos na aproximação ao local em análise, em especial junto aos pontos de conflito. Este indicador é meramente qualitativo, não tendo resultado de qualquer medição efetuada com instrumentos auxiliares. Pelo contrário, os resultados obtidos para este indicador resultaram diretamente da aferição da velocidade através da perceção. Por conseguinte, foi utilizada uma escala decrescente de A a C, correspondendo o nível A a uma velocidade média superior a 50 km/h (limite máximo nas zonas urbanas), o nível C a um valor inferior a 30 km/h (valor a partir do qual se poderá considerar que a velocidade de circulação é excessiva nas vias urbanas de acesso local, de cariz sobretudo residencial e pedonal, tal como está aliás patente na definição da Zona 30) e o nível B a uma velocidade compreendida entre os dois valores. Na ausência de medição, o apuramento do nível em cada situação é sempre aproximado (tal como foi o caso das situações estudadas e apresentadas neste trabalho).

(vii) Sinalização, analisa a sinalização instalada no local, nas suas várias categorias, nomeadamente no que respeita à sua visibilidade (diurna e noturna), colocação, redundância, à interferência entre sinais (prejudicando a perceção do condutor) e ao estado de conservação dos sinais e das marcas.

A seleção e a caracterização destes indicadores teve como critérios orientadores, conforme já referido, a simplicidade e a facilidade de implementação dos mesmos. Pretendeu-se também que estes refletissem os aspetos de mobilidade e segurança mais relevantes e de maior facilidade de apreensão. No entanto, a metodologia não tem que se esgotar unicamente na consideração destes indicadores, mas poderá evoluir de forma não só a melhorar os indicadores agora sugeridos mas também a incorporar outros indicadores que sejam relevantes para o caso em análise. Também não se pretende que esta metodologia se esgote em si mesma, ou seja, pretende-se em primeiro lugar que esta metodologia seja uma prévia abordagem estruturada ao problema em causa, mas à qual se deverão seguir outras ações tão importantes e necessárias, das quais um adequado projeto de sinalização é certamente um exemplo.

4 APLICAÇÕES E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

Os casos de estudo foram selecionados porque apresentavam problemas quanto à mobilidade e à segurança relacionados, pelo menos em parte, com a sinalização rodoviária. Desta forma, estes casos foram analisados sob o ponto de vista dos indicadores anteriormente apresentados, permitindo diagnosticar os principais problemas e a sua relação com o sistema de sinalização vigente, bem como a consequente apresentação de algumas recomendações para a sua melhoria.

Os casos analisados correspondem a duas situações distintas, representativas de dois tipos de espaço que, apesar das diferenças existentes entre si, são parte inequívoca do meio urbano: Campo de Ourique, bairro da cidade de Lisboa, e Venda do Pinheiro, localidade do concelho de Mafra. O bairro de Campo de Ourique (Figura 1, à esquerda) constitui uma área urbana consolidada, situada no centro da grande aglomeração urbana de Lisboa. O tráfego que circula nesta zona tem um carácter marcadamente residencial e comercial, isto apesar da existência de uma importante componente de atravessamento. A Venda do Pinheiro (Figura 1, à direita), pelo contrário, é uma aglomeração de carácter suburbano e, como tal, com menor densidade e com povoamento relativamente disperso e irregular. O tráfego que circula no seu arruamento principal é sobretudo de atravessamento. Em cada um destes dois contextos, foram analisados dois casos distintos – duas interseções, no caso de Campo de Ourique (Rua Sampaio Bruno com Rua Coelho da Rocha; Rua Saraiva de Carvalho com Rua Ferreira Borges e com Rua Domingos Sequeira); uma interseção e um troço da via principal com elevado número de passagens de peões, no caso da Venda do Pinheiro (troço da Avenida 9 de Julho e interseção desta com a Rua de Santo António).

Os resultados obtidos para cada indicador em cada caso de estudo permitiram analisar a situação existente e identificar os principais problemas, nomeadamente os que dizem diretamente respeito ao sistema de sinalização rodoviária. O Quadro 1 apresenta a importância de cada indicador para a análise dos dois casos de estudo. A importância de cada um dos indicadores foi estabelecida com base nas razões que se apresentam a seguir.

No caso de Campo de Ourique e em ambas as interseções analisadas, foram registados elevados volumes de tráfego pedonal e de uma grande variedade de veículos motorizados, coexistindo fluxos de atravessamento com outros de acesso local. Os únicos períodos de espera registados e que apresentam alguma relevância resultam do congestionamento gerado pela interação entre fluxos de tráfego motorizado. Os locais de conflito mais importantes e passíveis de gerar problemas correspondem aos pontos de atravessamento da via por peões. Quanto à geometria, as situações mais problemáticas derivam da existência de troços em declive na aproximação às interseções e à persistência do estacionamento junto a estes locais, o que restringe a visibilidade. Ambas as

6

interseções analisadas apresentam um elevado número de sinistros, com especial incidência de atropelamentos. Apesar de terem sido registados alguns casos de excesso de velocidade numa das intersecções analisadas (com ausência de sinalização luminosa), esta corresponde em média a um nível C. Finalmente, os principais problemas detetados ao nível da sinalização foram: a ausência de passagens de peões e de sinais limitadores de velocidade; o excessivo número de sinais reguladores da paragem e do estacionamento, implicando uma elevada quantidade informação a ser lida pelo utente; o avançado estado de degradação de alguns sinais e marcas; e o posicionamento incorreto e a inadequação de alguns sinais de orientação.

Fig. 1. Arruamentos em Campo de Ourique (à esquerda) e na Venda do Pinheiro (à direita)

Quadro 1. Importância dos indicadores para a análise de cada caso de estudo

Indicadores Campo de Ourique Venda do Pinheiro

Tráfego Importante Importante

Tempo de Espera Pouco Importante Muito Importante

Conflitos Importante Importante

Geometria Importante Muito Importante

Sinistralidade Muito Importante Pouco Importante

Velocidade Importante Importante

Sinalização Muito Importante Muito Importante

Relativamente ao caso da Venda do Pinheiro, registaram-se elevados volumes de tráfego motorizado, com uma importante componente de veículos pesados. Estes fluxos dizem respeito sobretudo a tráfego de atravessamento. Nalguns fluxos, sobretudo no caso da via secundária afluente à interseção, foram registados significativos tempos de espera, devidos aos frequentes congestionamentos. Os locais de conflito mais relevantes ocorrem entre fluxos de tráfego motorizado, no caso da interseção, e nas passagens de peões. No que respeita à geometria, os principais problemas identificados estão relacionados com a configuração da interseção e a sua disposição em curva, e com a ausência de passeios pedonais em boa parte do troço estudado. Os dados da sinistralidade na via analisada revelam uma prevalência de sinistros envolvendo colisões entre veículos e atropelamentos. Quanto à velocidade, foram registados valores moderados a elevados, correspondendo em média a um nível B. Finalmente, ao nível da sinalização, foram detetados problemas relacionados com o estado de degradação de algumas marcas rodoviárias, a utilização de sinais e marcas reguladores do estacionamento e da paragem, a uniformidade e posicionamento dos sinais de orientação (utilização de sinais não regulamentares e de sinais desadequados a via urbana, incorreta colocação longitudinal) e com o funcionamento do sinal luminoso numa das passagens de peões.

Na sequência dos problemas identificados, foram propostas algumas soluções a aplicar no âmbito do sistema de sinalização. Desta forma, as principais recomendações sugeridas para cada um dos casos de estudo são as que constam no Quadro 2.

7

Quadro 2. Principais recomendações propostas para cada caso de estudo [15]

Indicadores Campo de Ourique Venda do Pinheiro

Tráfego Colocação de sinalização de alerta de aproximação a estabelecimento escolar, de modo a evidenciar o elevado tráfego pedonal.

Tempo de Espera

Alteração do regime de funcionamento do sinal luminoso de uma das passagens de peões, de modo a que este opere em períodos fixos, e não por acionamento dos peões.

Conflitos

Geometria

Colocação de sinalização reguladora do estacionamento, pelo menos na berma da via principal no sentido norte-sul, de modo a restringir o estacionamento nos períodos do dia de maior congestionamento (eventualmente com a proibição do estacionamento neste local durante estes períodos).

Sinistralidade Colocação de passagem de peões, acompanhada da correspondente sinalização vertical.

Velocidade Limitação da velocidade a 30 km/h, com a aplicação de soluções características das Zonas 30.

Extensão do troço com velocidade controlada (através de radar) à interseção e a toda a zona em que se encontram as passagens de peões.

Sinalização

Sempre que possível, simplificação e sistematização do uso dos sinais e marcas reguladores do estacionamento e paragem, de modo a evitar a sua utilização excessiva, através da concentração de lugares de natureza semelhante (estacionamento pago, estacionamento proibido, reservados para operações de carga e descarga, etc.) e da colocação de sinais de zona, eventualmente englobando vários arruamentos.

Uniformização do uso da sinalização de orientação, com a colocação de sinais adequados à hierarquia da via (estrada nacional).

A abordagem realizada aos casos de estudo possibilitou uma análise eficaz das situações existentes, ao nível quer do diagnóstico quer da proposta de mitigação dos principais problemas identificados. A complexidade e a adequação associadas à aplicação dos indicadores estarão naturalmente dependentes não só da natureza de cada indicador mas também das características do caso em análise. Com base no trabalho realizado, tecem-se em seguida algumas considerações sobre a aplicação dos vários indicadores.

Alguns dos indicadores utilizados, nomeadamente a geometria e a sinalização, por serem vastos e genéricos, envolvem a recolha de um conjunto muito abrangente de dados. Isto esteve bem patente no caso da sinalização, que englobou a avaliação de inúmeras caraterísticas de todos os sinais e marcas, de todas as categorias, dispostos nos locais em estudo. Por sua vez, a geometria abrangeu um vasto conjunto de caraterísticas intrínsecas à própria via, desde a visibilidade à disposição das vias de trânsito.

A inclusão de indicadores de natureza distinta, de caráter qualitativo ou quantitativo, ao introduzir um grau de alguma dispersão na análise de cada caso, pode dificultar uma maior agregação dos resultados globais. A resolução deste problema, passa por uma solução intermédia, recorrendo-se à expressão do resultado obtido em cada indicador qualitativo através de uma escala de classificações, de forma similar ao que já acontece na velocidade.

A análise dos casos de estudo permitiu constatar que uma parte importante dos problemas detetados dependeu de fatores não somente relacionados com a ação do sistema de sinalização, mas também inerentes à própria configuração e disposição da via ou das interseções em análise. De resto, a inclusão do indicador referente à

8

geometria teve como objetivo justamente o de destrinçar as situações problemáticas diretamente atribuíveis à sinalização de outras intrínsecas à própria via.

5 CONCLUSÕES

Com o presente trabalho pretendeu-se relacionar a sinalização rodoviária com a mobilidade e a segurança, tratando em concreto da importância desta relação no contexto do meio urbano. Apesar destas duas áreas tenderem a ser antagónicas, na medida em que um maior nível de segurança aplicado aos utentes da via implicará alguma restrição da capacidade de deslocação dos veículos (podendo o mesmo ser dito para o caso contrário), é ao resultado da conciliação destes dois domínios que se pode associar o grau de sucesso do sistema de sinalização.

Foi apresentada e aplicada a quatro casos de estudo uma metodologia de diagnóstico de problemas com o objetivo de ajudar à busca de soluções, baseada na aplicação de indicadores de mobilidade e segurança, que deverá igualmente ser validada em outros contextos, de forma a contribuir-se para a utilização eficaz dos sistemas de sinalização em meio urbano. Trata-se de uma metodologia de índole prática e de muito fácil implementação, cuja validação tecnico-científica de forma alguma se esgotou nos exemplos apresentados neste trabalho, muito pelo contrário, mas que está ainda dependente das melhorias que a sua aplicação futura ao maior número de casos possível irá certamente permitir. Conforme foi referido, não se pretende que esta metodologia se esgote em si mesma, ou seja, considera-se em primeiro lugar que esta metodologia é uma prévia abordagem estruturada ao problema em causa, mas à qual se deverão seguir outras ações tão importantes e necessárias, das quais um adequado projeto de sinalização é certamente um dos melhores exemplos.

6 REFERÊNCIAS

1. S. C. Gomes, Medidas Corretivas da Infraestrutura para Melhoria da Segurança Rodoviária, Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Transportes, Instituto Superior Técnico, Lisboa, 2004.

2. Safety Net, Roads, 2009 (Acedido em 15 de Dezembro de 2010, em: http://toolkit.irap.org). 3. A. Seco, J. Macedo & A. Costa, Manual do Planeamento de Acessibilidades e Transportes – Peões,

Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, 2008. 4. CERTU, Recommandations pour les Aménagements Cyclables, Centre d’Études sur le Réseaux, les

Transports, l’Urbanisme et les Constructions Publiques, Lyon, 2007. 5. C. A. Roque, Manual de Boas Práticas em Sinalização Urbana, Prevenção Rodoviária Portuguesa, 2005. 6. CERTU, Basic Road Safety Information – Road Signs in Urban Areas, Centre d’Études sur le Réseaux, les

Transports, l’Urbanisme et les Constructions Publiques, Lyon, 2007. 7. C. Rennesson, Zones 30 – De Nombreux Exemples à Partager, Techi.Cités, Nº 118, 2006. 8. CERTU, La Zone 30, Centre d’Études sur le Réseaux, les Transports, l’Urbanisme et les Constructions

Publiques, Lyon, 2008. 9. CERTU, Les Zones 30 en France – Bilan des Pratiques en 2000, Centre d’Études sur le Réseaux, les

Transports, l’Urbanisme et les Constructions Publiques, Lyon, 2004. 10. CERTU, Petits Aménagements de Sécurité – Zone 30: Priorité à Droite, Expérimentation et Réalisation,

Centre d’Études sur le Réseaux, les Transports, l’Urbanisme et les Constructions Publiques, Lyon, 1995. 11. Fryslân Province, Shared Space – Room for Everyone: A New Vision for Public Spaces, Fryslân Province,

Leeuwarden, 2005. 12. B. Hamilton-Baillie, What is Shared Space?, 2006 (Acedido em 28 de Março de 2011, em: www.hamilton-

baillie.co.uk). 13. H. Monderman, E. Clarke & B. Hamilton-Baillie, Shared Space – The Alternative Approach to Calming

Traffic, Traffic Engineering and Control, Vol. 47, nº 8, pp. 290-292, 2006. 14. B. Hamilton-Baillie, Shared Space: Reconciling People, Places and Traffic, Built Environment, Vol. 34, nº

2, pp. 161-181, 2008. 15. N. Gregório, Sinalização Rodoviária em Meio Urbano – Proposta de Abordagem Aplicada à Realidade

Portuguesa, Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, Lisboa, 2011.