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Análise apresentada junto à disciplina de Literatura Portuguesa III, do curso de Letras da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Câmpus de Assis Análise de Os Lusíadas, de Luis de Camões com enfoque no Canto VI Aluna Camila Rita Galvão Ferreira

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Page 1: Análise de Os Lusíadas1

Análise apresentada junto à disciplina de Literatura Portuguesa III, do curso de Letras

da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Câmpus de Assis

Análise de Os Lusíadas, de Luis de Camões com enfoque no Canto VI

Aluna Camila Rita Galvão Ferreira

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Introdução

Os Lusíadas foi escrito pelo português Luis de Camões em 1572 e tem por objetivo

apresentar o povo de Portugal em toda sua glória, ou como o próprio Camões diz, “... o

peito ilustre lusitano”. Nesta época o país estava no auge de seu orgulho com todo o

sucesso obtido pelas grandes navegações. A obra é dedicada a Dom Sebastião. “Conta a

lenda“ que Camões chegou a deixar sua mulher morrer em um naufrágio para salvar sua

obra, tal era o valor que conferia a mesma. Em meio a todos os preâmbulos e rodeios

que faz para introduzir sua obra, ele invoca que tenha um “som alto e sublimado”.

A riqueza dos Lusíadas se encontra nas inúmeras figuras de linguagem que usa, como

nas aliterações, onde ele repete os sons consonânticos, se tornando assim mais

expressivo. Nas anáforas, como frase "Vistes que, com grandíssima ousadia/ Vistes

aquela insana fantasia/ Vistes, e ainda vemos cada dia," (VI, 29), também com repetição

com intenção de sobressair o que se repete. Completamente antifuncional nos dias de

hoje, mas é preciso olhar com os olhos da época. As antíteses, tão marcadas em citações

românticas, as apóstrofes, cheia de invocações de pessoas, coisas ou ideias que não

estão na narrativa, nas comparações, nos eufemismos que suavizaram a morte brutal de

Inês, nas enumerações, nas hipérboles cheias de exageros que podem ferir a imaginação,

hipérbatos, com a inversão violenta da posição dos membros de uma frase, metáforas,

perífrases, personificações, pleonasmos, do uso invulgar da conjugação perifrástica, do

verbo e do adjetivo.

A obra se caracteriza como epopeia onde existe o canto e a narrativa em verso dos feitos

de um grande herói que deve ser, aos olhos do escritor, imortalizado. A palavra é de

origem grega, as epopeias podem contar com heróis como indíviduos, como Ulisses da

Odisseia ou Aquiles da Ilíada, ou como um povo inteiro, que é o caso da obra analisada.

O livro de Camões atende a uma necessidade pública da época, já que no século XV se

intensifica a sede de aventuras, conhecimento e domínio do espaço físico. Respirava-se

um ar de ousadia pela Europa, que levou a uma abertura de mentalidades, dando origem

ao nosso Humanismo além de uma percepção maior do mundo a nível físico, científico

e econômico.

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Renascimento e Humanismo na Obra

Segundo José Batista Sales, em seu texto “Entre a Linguagem Grave a Simplificação

Escolar: Um Redirecionamento de Os Lusíadas, de Luis de Camões“ oferece a

definição primeira dada pela escola:

A obra de Luís de Camões (1524-1580) é uma epopeia, dividida em dez cantos, constituídos por 1.102 estrofes de oito versos decassílabos, com acentuação na sexta e na décima sílabas, em que os seis primeiros apresentam rima alternada e os dois últimos rimas paralelas, ou oitava rima (abababcc), e está dividida em quatro partes – invocação, dedicatória, narração e epílogo. Foi publicada pela primeira vez em 1572, em pleno renascimento europeu e, embora de caráter nacionalista, seguiu à risca os rígidos preceitos clássicos encontrados nas obras de Homero e de Virgílio, suas principais fontes literárias. (SALES, Entre a Linguagem Grave a Simplificação Escolar: Um Redirecionamento de Os Lusíadas, de Luis de Camões,In: Contos e Recontos, 2012, p. 127)

A época foi o renascimento, e o espírito foi o humanismo, esta se caracterizava como

aberto, crítico, o valor das coisas se dava no real saber a respeito delas, e o movimento

renascentista fazia com que mitos e crendices dessem lugar ao conteúdo ideológico,

psicológico e cientifico resgatado nos escritos clássicos greco-latinos. Quando surgiram

as epopeias, elas vinham com a representação do que era realmente valoroso em seu

tempo, trazendo os heróis do passado e a expectativa do futuro.

Até os anos 1750, as realizações poéticas circunscreviam-se à obediência de um código retórico rígido, de caráter prescritivo, de forma que a imitação dos modelos consagrados pela tradição era o objetivo a ser alcançado por todo poeta interessado no reconhecimento dos seus pares. Dentro deste ambiente estético e ideológico, o poema épico representava um fenômeno de legitimação das regras, valores e costumes de determinada sociedade e respectivo poder. (SALES, Entre a Linguagem Grave a Simplificação Escolar: Um Redirecionamento de Os Lusíadas, de Luis de Camões,In: Contos e Recontos, 2012, p. 128)

A brisa fresca trazida pela expansão ultramarina vivida intensamente por Portugal

trouxe interesse pelo tema de viagens além mar que já estavam a alimentar a imaginação

dos europeus. A história conta como Vasco da Gama e seus marinheiros se aventuram na

conquista de uma nova rota para a India, precisando enfrentar seres fantásticos e deuses

mitológicos, como Baco, que no canto VI chega a convocar um concilio dos deuses para

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impedir que os portugueses cheguem ao seu objetivo e assim sejam maiores do que os

deuses.

O seu conteúdo humanista é rico e variado, e por isso é considerado “um dos grandes

épicos por sua elaboração estética e universalidade” (SALES, 2012, p. 128)

É uma epopeia de grande conteúdo humanista, na qual sobressaem nossas contradições, por meio da associação pagã à visão cristã, os sentimentos contraditórios entre a guerra imperialista e a formação do império, na sedução pela aventura, na valorização do prazer sensual, na percepção entre a grandeza e o declínio econômico, politico e moral. E aborda ainda a valorização do heroísmo, conquista por força, luta e sofrimento. (SALES, 2012, p. 128).

O homem que se inspirava no herói correspondia diretamente com o humanismo que

dizia ser ele o centro do universo, dominando a natureza, repleto de conhecimento

através de experiência e observação. Quando os feitos da expansão ultramarina

demonstraram quanto Portugal era poderosa, surgiu a necessidade de alguém que

cantasse seus feitos, seguindo o ideal cavalheiresco e enobrecendo a língua portuguesa.

O homem é filho de seu tempo, e o momento de Camões era de euforia e orgulho pela

pátria, Portugal era poderosa por descobrir novas terras e as viagens marítimas pareciam

maravilhosas, além de todo o renascimento cultural que fez com que o autor tomasse

para si o conceito de epopeia clássica e criasse uma exclusivamente nacional. Se formos

resumir tudo em apenas uma frase, diria que haviam dois grandes objetivos, enoberecer

a Língua Portuguesa e exaltar os grandes feitos portugueses.

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Estrutura de Os Lusíadas

Externamente, a obra se divide em dez cantos, o número de estrofes varia e são 1102 no total. Todas têm oito versos, são oitavas, e decassílabicas (cada verso tem dez sílabas métricas), mantém sempre a rima “abababcc”, ou seja, rima cruzada, nos seis primeiros versos, e emparelhada, nos dois últimos.

Internamente o autor foi fiel à estrutura de uma epopeia clássica, e dividiu a obra em quatro partes, proposição, invocação, dedicatória e narração.

Na primeira parte o poeta explica ao leitor o que quer fazer, ele indica com firmeza qual o assunto da história, propondo-se a trazer à luz os navegadores que tornaram possível o império português no oriente, os reis que promoveram a expansão da Fé e do Império, bem como todos aqueles que se tornam dignos de admiração pelos seus feitos, como é possível observar melhor no Canto I, estâncias 1-3.

Durante a invocação (Canto I, estâncias 4 e 5) Camões pede o estilo e eloquência necessários à execução da sua obra; para fazer jus à grandiosidade do assunto, e fala com as ninfas do Tejo (Tágides), entidades protectoras dos artistas, para lhe conceder a graça.

A terceira parte é toda uma dedicatória para o rei D. Sebastião (Canto I, estâncias 6-18).

E todos os outros cantos trabalham com a narração, onde Camões conta como foi a viagem de Vasco da Gama à Índia e todas suas peripécias, além da História de Portugal. Uma característica da epopeia clássica para a qual se atentou o poeta é ela surgir “in media res”, ou seja, já na viagem.

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Planos da Narração

São quatro, plano da viagem, plano da história de Portugal, plano mitológico e plano das considerações do próprio poeta. São todos estreitamente articulados entre si:

Plano da viagem

Vasco da Gama estava procurando uma nova rota para as Índias, acontecimento de grande importância histórica para toda a Europa.

Plano da História de Portugal

Para engrandecer todo o povo português era preciso mais do que citar alguns heróis, precisava apresentar o valor dos portugueses ao longo dos tempos. Para isso ele fez uso dos seguintes artifícios:

Durante o encontro de Vasco da Gama e o rei de Melinde, este procura saber quem é Vasco da Gama e da onde vem. Como resposta, Vasco da Gama localiza o reino de Portugal na Europa e conta-lhe a História de Portugal até ao reinado de D. Manuel, conta também sua própria viagem desde a saída de Lisboa até chegarem ao Oceano Índico, visto que a narrativa principal se iniciara “in media res”, isto é, quando a armada já se encontrava em frente às costas de Moçambique.

b) Narrativa de Paulo da Gama ao Catual —Em Calecut, uma personalidade hindu (Catual) visita o navio de Paulo da Gama, que se encontra enfeitado com bandeiras alusivas a figuras históricas portuguesas. O visitante pergunta-lhe o significado daquelas bandeiras, o que dá a Paulo da Gama o pretexto para narrar vários episódios da História de Portugal.

c) Profecias — Os acontecimentos posteriores à viagem de Vasco da Gama não podiam ser introduzidos na narrativa como factos históricos. Para isso, Camões recorreu a profecias colocadas na boca de Júpiter, Adamastor e Tétis, principalmente.

3. Plano Mitológico, dos Deuses ou Maravilhoso (conflito entre os deuses pagãos) — Camões imaginou um conflito entre os deuses pagãos: Baco opõe-se à chegada dos Portugueses à Índia, pois receia que o seu prestígio seja colocado em segundo plano pela glória dos Portugueses, enquanto Vénus, apoiada por Marte, os protege. O maravilhoso tem uma função simbólica: esta intriga dos deuses reflecte indirectamente as dificuldades que os Portugueses tiveram que vencer e inculca a ideia de que os portugueses eram seres predestinados para estas façanhas do destino e que os próprios deuses o desejavam.

A mitologia permite a evolução da acção (os deuses assumem-se como adjuvantes ou como oponentes dos portugueses) e constitui, por isso, a intriga da obra.

Júpiter Deus do Céu e da Terra, pai dos deuses e dos homens.

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Neptuno Deus do mar.

Vénus Deusa do amor e da beleza.

Baco Deus do vinho e do Oriente.

Apolo Deus do Sol, das artes e das letras.

Marte Deus da Guerra, velho apaixonado de Vénus.

Mercúrio Mensageiro dos deuses.

4. Plano das considerações do poeta — Por vezes, normalmente em final de canto, a narração é interrompida para o poeta apresentar reflexões de carácter pessoal sobre assuntos diversos, a propósito dos factos narrados.

≈ Breve apontamento sobre os episódios

1. Proposição (Canto I – estâncias 1-3)

O poeta apresenta o assunto do poema: vai cantar as façanhas guerreiras dos homens que se fizeram heróis devassando o mar, dos reis que dilataram a Fé e o Império e de todos aqueles que se tornaram imortais pelas suas obras. Afirma também que vai cantar a glória do povo português. O poeta acrescenta ainda que os feitos portugueses são mais grandiosos do que aqueles cantados nas epopeias clássicas, logo, merecem ser exaltados.

“As armas e os barões assinalados/ (...) as memórias gloriosas/ Daqueles Reis (...)/ (...) E aqueles (...)/ Se vão da lei da Morte libertando:/ Cantando espalharei por toda parte,/ (...) Que eu canto o peito ilustre Lusitano/ A quem Neptuno e Marte obedeceram.”

Neste excerto, encontram-se todos os agentes do engrandecimento da Pátria que o poeta vai cantar. Todos eles são sintetizados na força do povo português “...o peito ilustre Lusitano/”, a quem Neptuno (venceram os mares) e Marte (conquistaram as terras através da guerra) obedeceram. O povo português é tão sublime, tão digno que glória, determinado e corajoso, que até os deuses lhe obedecem.

Notar o uso da conjugação perifrástica,

- foram dilatando;

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- andaram devastando;

- se vão libertando;

que exprime o aspecto durativo, apresentando a acção no seu fluir. São expressões que conferem visualidade e impressionismo à linguagem e sugerem também que esses feitos heróicos são um trabalho aturado e persistente.

2. Consílio dos Deuses (Canto I – estâncias 20-41, plano mitológico)

- Enquanto a armada portuguesa navega no oceano, dá-se uma simultaneidade de dois planos.

- Os deuses são convocados por Mercúrio (o seu mensageiro) e dirigem-se ao Olimpo para decidirem sobre o futuro dos Portugueses no Oriente.

- Na estância 22, temos uma descrição de Júpiter (o pai dos deuses), através da qual vemos o seu destaque, a sua responsabilidade e o seu poder.

- Discurso de Júpiter: o pai dos deuses afirma que o Fado (destino) tornará os portugueses superiores aos povos da antiguidade clássica. Enuncia heróis do passado e refere a presente ousadia e persistência portuguesas na demanda de vencer os mares. A sua opinião é que se deve cumprir o Fado, os portugueses devem conseguir chegar à Índia.

- Os outros deuses vão intervindo, dando as suas opiniões: Baco manifesta-se contra, com receio de perder a sua fama; Vénus pronuncia-se a favor, por gostar dos portugueses, dada a sua semelhança com os romanos; Marte intervém a favor de Vénus, interpelando Júpiter para cumprir com a sua determinação.

- Júpiter concorda com Marte, pelo que fica decidido que os Portugueses serão ajudados a chegar à Índia. (de notar a intenção de Camões: os portugueses são tão valorosos que até os Deuses estão a seu favor)

“Do mar que vê do Sol a roxa entrada/” – Perífrase para Oceano Índico, Oriente.

3. Inês de Castro (Canto III – estâncias 118-137, plano da História de Portugal)

- episódio trágico e lírico

Trágico Lírico

Contempla momentos da tragédia clássica: O narrador interpela o Amor acusando-o de ser responsável pela tragédia, sendo a inconformidade do “eu” poético expressa ao longo de todo o episódio, bem como a repulsa pela morte de Inês, chorada até pela natureza.

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- a paixão entre Pedro e Inês é um desafio ao poder.

- a punição, a decisão de matar Inês.

- a piedade, presente no discurso de Inês quando tenta demover o rei.

- a catástofre, quando se consuma a morte de Inês.

- Vasco da Gama relata ao rei de Melinde o episódio trágico de Inês de Castro, cujo responsável é o Amor.

- Descreve-se a vida feliz e tranquila de Inês nos campos do Mondego. O narrador, neste momento, vai introduziondo indícios de que essa felicidade não será duradoira“Naquele engano de alma, ledo e cego” (est. 120, v.3).

- Condenação de Inês – D. Afonso IV decide a morte de Inês, no entanto, tendo-a na sua presença, vacila, mas as razões do reino levam-no a prosseguir.

- Discurso de Inês – Inês inicia a sua defesa, apelando à piedade do rei através: dos animais que se humanizam ao cuidar de crianças; da afirmação da sua inocênca; do respeito devido às crianças; do apelo ao desterro.

- Sentença e execução da morte – A determinação do rei mantém-se. Inês é executada.

- Considerações do narrador – vê a morte de Inês como uma atrocidade. Afirma que a própria natureza chora Inês.

- Vingança de D. Pedro – D. Pedro, quando sobe ao trono, manda matar os carrascos de Inês.

“Tu, só tu, puro Amor,...” – Apóstrofe

Amor – divindade sedutora – prazer e felicidade vs. tragédia, dor e sofrimento.

Sentimento antitético. Provoca sentimentos contrários, opostos.

“... puro Amor, com força crua,/ (...) fero Amor,(...)/ (...) áspero e tirano,/ Tuas aras banhar em sangue humano.”

Antítese do amor – o amor é puro, mas age com força crua, é cruel, tirano, e causador das maiores desgraças.

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“Do teu príncipe ali te respondiam/ As lembranças que na alma lhe moravam,/ Que sempre antes seus olhos te traziam,/ Quando dos teus fermosos se apartavam;” –Hipérbato

De notar a impressionista animização da natureza, que chora a morte de Inês “As filhas do Mondego a morte escura/ Longo tempo chorando memoraram,/” - Animismo

4. Batalha de Aljubarrota (Canto IV, estâncias 28 a 45, plano da História de Portugal)

- O sinal da trompeta (est. 28).

- Descrição da batalha; D. Nuno Álvares Pereira defronta os seus irmãos que lutam por Castela, o que leva a uma reflexão sobre traição (est. 32 e 33) – põe em evidência a lealdade e o patriotismo e confere maior dramatismo à descrição, realçando a figura de Nuno Álvares (objectivo de Camões).

- Discurso de D. João I, incitando ao combate. O ânimo dos soldados cresce e os chefes castelhanos começam a perecer “A sublime bandeira Castelhana/ Foi derribada aos pés da Lusitana” (est. 41) – “sublime” – respeito por Castela, pelo seu povo, mas não pelo seu rei.

- O final da batalha: os vencedores - D. João festeja a vitória; os vencidos – os castelhanos deixam de oferecer resistência, uns morrem, outros fogem (incluindo o próprio rei).

“Já pelo espesso ar os estridentes/ Farpões, setas e vários tiros voam;” – Aliteração – em –s e –r, simula o som ríspido e rude da guerra.

5. Despedidas de Belém (Canto IV, estâncias 83 a 89, plano da Viagem)

Os que partem – referência ao estímulo dado pelo rei aos marinheiros; Vasco da Gama refere o entusiasmo de marinheiros e soldados nesta demanda; orações de despedida.

Os que ficam – A gente da cidade deixa transparecer saudade e tristeza; os mais chegados revelam a sua tristeza (os homens com “suspiros”; as mulheres, as mães, as esposas e as irmãs “cum choro piadoso”).

“De ser do Olimpo estrelas,.../” – Metáfora para tornarem-se imortais.

Grandeza épica – os navegadores tinham consciência do perigo mas, mesmo assim, enfrentaram os obstáculos. A verdadeira coragem só aparece perante o medo (mais uma vez, a exaltação do povo português)

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6. Adamastor (Canto V, estâncias 39 a 60, plano mitológico)

- O Adamastor é um dos episódios mais significativos da obra, pela inter-relação dos planos da narração e pela sua simbologia. Pertence ao plano da Viagem – “aquele oculto e grande Cabo” -, como figura mitológica, pertence ao plano mitológico e faz profecias dos acontecimentos futuros de Portugal, logo, pertence também ao plano da História de Portugal.

- Simbolicamente, este episódio representa os perigos do mar, perigos esses que os portugueses enfrentaram e ultrapassaram, assemelhando-se, pela grandeza, ao próprio gigante. Este episódio, por isso mesmo, adquire uma dimensão épica.

- Aparecimento e descrição do Adamastor – figura gigantesca que surge no mar numa atitude ameaçadora, deixando os marinheiros completamente paralisados “Arrepiam-se as carnes e o cabelo, / A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!”(est. 49, vv. 7 e 8).

- As profecias: Adamastor começa o seu discurso elogiando os Portugueses. Depois, profetiza dificuldades futuras na passagem do Cabo.

- A história do Adamastor: era um dos filhos do Céu e da Terra; confrontou-se com Júpiter e Neptuno; apaixona-se por Tétis, filha de Nereu e Dóris; Dóris promete interceder, dadas as ameaças de Adamastor em conquistar Tétis pelas armas; Tétis aparece e surge a decepção do gigante quando se vê abraçado a um rochedo, pensando que abraçava a amada; transformação de Adamastor em penedo como castigo de Júpiter que venceu os gigantes.

- O Adamastor desaparece, chorando, emocionado com a sua triste sorte – símbolo do domínio dos mares por parte dos portugueses.

Adamastor Corpo de super-homem

contrasta com

Fragilidade psicológica de um herói enganado – frustração amorosa.

7. A tempestade e a chegada à Índia (Canto VI, estâncias 70-93, plano da Viagem)

- Aproximação da tempestade.

- Descrição da tempestade: do interior e do exterior.

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- Súplica de Vasco da Gama: Vasco da Gama dirige-se à “Divina Guarda” pedindo clemência e argumentando que aquela é uma viagem ao serviço de Deus “Se este nosso trabalho não Te ofende,/ Mas antes Teu serviço só pretende?” (est. 82, vv.7 e 8)

- Continuação da descrição da tempestade.

- Intercessão de Vénus – Vénus manda as Ninfas enfeitarem-se e irem ao encontro dos ventos que, perante a sua beleza, logo desfalecem “À vista delas, logo lhe falecem/ As forças com que dantes pelejaram” (est. 88, vv.1 a 3) – simbologia.

- Pela manhã, avistam a Índia. Vasco da Gama agradece a Deus.

A Tempestade

A tempestade é um episódio naturalista em que se entrelaçam os planos da viagem e o dos deuses, a realidade e a fantasia. É o último dos grandes perigos que Vasco da Gama teve de ultrapassar antes de cumprir a sua missão, a chegada à Índia. Camões deve ter aproveitado a sua própria experiência de viajante e de náufrago para descrever de forma tão realista a natureza em fúria (relâmpagos, raios, trovões, ventos, ondas alterosas) e, sobretudo, a aflição, os gritos, o temor e o “desacordo” dos marinheiros, incapazes de controlar a situação, devido à violência dos ventos.

Podemos considerar cinco momentos na organização desta descrição:

1. Estrofes 70 a 73: transição da calma anterior dos marinheiros para a movimentação desencadeada pelas ordens do mestre, após ter avistado sinais de tempestade.

2. Estrofes 74 a 79: desenrolar da tempestade vista do exterior das naus, daí o modo como Camões se lhes refere: “a possante nau” (est. 74, v.7), “a nau grande, em que vai Paulo da Gama” (est. 75, v.1) e a “nau de Coelho” (est. 75, v.6).

3. Estrofes 80 a 83: súplica de Gama a Deus para proteger a armada, pois teme a sua destruição. Para isso, utiliza três argumentos convincentes:

a. a omnipotência divina já várias vezes posta à prova;

b. o facto de a viagem ser um serviço prestado ao próprio Deus;

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c. o facto de ser preferível uma morte heróica e conhecida, em África, a combater pela fé cristã, a um naufrágio anónimo, no alto mar, sem honras nem memórias.

4. Estrofe 84: continuação da tempestade, apesar da súplica do Gama.

5. Estrofes 85 a 91: Vénus intercede pelos Portugueses e ordena às ninfas amorosas que acalmem as iras dos ventos.

Análise estilística do episódio da Tempestade

Primeira parte (est. 70 a 73): primeira fase da tempestade, observada através dos seus efeitos no interior da nau de S. Gabriel, daí o poeta recorrer ainda a algumas formas verbais perifrásticas, com os auxiliares «ir» e «vir» [“vinha refrescando” (est. 70, v. 5), “nos imos alagando” (est. 72, v. 8)] para sugerir o progressivo agravamento da situação.

Segunda parte (est. 74 a 79): acentua-se a fúria da tempestade, cuja descrição é agora menos técnica e mais retórica. O poeta utiliza uma enorme variedade de recursos estilísticos para sugerir a grande violência dos elementos:

· As orações subordinadas consecutivas (transmitem uma consequência expressa na oração subordinante. São introduzidas por conjunões e locuções consecutivas. A oração subordinada consecutiva é muitas vezes anunciada na oração subordinante por um elemento correlativo como tanto, tão, tal, de tal maneira, de tal modo) de sentido hiperbolizante:

“os ventos eram tais, que não puderam/mostrar mais força de ímpeto cruel” (est. 74, vv. 1-2);

“Nem as fundas areias, que pudessem/Tanto os mares, que em cima as revolvessem.” (est. 79, vv.7-8)

· Uma grande variedade de adjectivos, por vezes no superlativo absoluto sintético:

· Na estrofe 76, a sugestão do rápido movimento ascendente e descendente para que contribuem as formas verbais “subiam” e “desciam”, a repetição de “agora … agora”, as

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sensações visuais (“a noite negra se alumia”, “os raios em que o Pólo todo ardia”) e a hipérbole (versos 5 e 8);

· A tendência hiperbolizante é visível também nas alusões aos comportamentos dos animais marinhos (estrofe 77, vv. 7-8), nas duas comparações mitológicas da estrofe 78, relativas aos raios e relâmpagos, e na descrição dos montes, das árvores, das raízes e das areias do fundo do mar sob o efeito da tempestade (est. 79).

Terceira parte (est. 80 a 83): Súplica de Gama para ter protecção divina, rica em:

· Adjectivação (“confuso de temor, da vida incerto”, “remédio santo e forte”, “Divina guarda, angélica, celeste”, “Sirtes arenosas e ondas feias”, “alagado e vácuo mundo”, “novos medos perigosos”, “casos trabalhosos”, “ditosos”, “agudas lanças Africanas”…),

· repetições (“ora […] ora”, “Tu […] tu”, “De quem […]/De quem […]/De quem […” – anáfora).

Quarta parte (est. 84): o poeta sublinha o facto de a súplica do Gama não ter diminuído a força da tempestade e, portanto, os recursos estilísticos usados são semelhantes aos da segunda parte:

· A comparação: “os ventos, que lutavam/Como touros indómitos”;

· A adjectivação (“relâmpagos medonhos”, “feros trovões”);

· A hipérbole (“[…] que vem representando/Cair o céu dos eixos sobre a terra, /Consigo os elementos terem guerra”.

Quinta parte (est. 85 a 91): intercessão de Vénus, ao nascer do dia, é que vai acabar com a tempestade. Daí o uso de:

· adjectivação de conotações positivas (“amorosa Estrela”, “Sol claro”, “e visitava/A Terra e o largo mar, com leda fronte” (est. 85, vv. 3-4);

· comparação (“Mostrando-lhe as amadas Ninfas belas,/Que mais fermosas vinham que as estrelas” (est. 87, vv. 7-8)).