analise de concepcoes infancia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ANDRÉA ALZIRA DE MORAES EDUCAÇÃO INFANTIL: Uma Análise das Concepções de Criança e de sua Educação na Produção Acadêmica Recente (1997-2002) Florianópolis, abril de 2005

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Análisis de la construcción académica contemporánea sobre la infancia

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE CINCIAS DA EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    ANDRA ALZIRA DE MORAES

    EDUCAO INFANTIL: Uma Anlise das Concepes deCriana e de sua Educao na Produo Acadmica Recente

    (1997-2002)

    Florianpolis, abril de 2005

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE CINCIAS DA EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    ANDRA ALZIRA DE MORAES

    EDUCAO INFANTIL: Uma Anlise das Concepes deCriana e de sua Educao na Produo Acadmica Recente

    (1997-2002)

    Dissertao apresentada ao Programa deMestrado em Educao da Universidade Federalde Santa Catarina como requisito para a obtenodo ttulo de mestre em Educao.Linha deinvestigao Educao e Infncia. Orientadora:Prof Dr. Elosa Acires C. Rocha.

    Florianpolis, abril de 2005

  • AGRADECIMENTOS

    Agradecimento termo que define o ato de agradecer, de reconhecer colaboraes recebidas ato que d a dimenso da construo social do conhecimento que ultrapassa a solido daselaboraes individuais. Nomear todas as pessoas que colaboraram direta ou indiretamentepara a construo desta pesquisa no tarefa tranqila nem breve, impraticvel, e restringeo campo de agradecimentos s pessoas cuja colaborao foi fundamental neste processo.Assim, agradeo inicialmente professora Dr Elosa Acires C. Rocha pelo carinho, respeito econfiana no meu compromisso com o conhecimento e com a educao infantil. Eespecialmente pela sensibilidade na orientao desta pesquisa, que, de um desafio inicial,tornou-se um valioso presente.

    professora Dr Ana Beatriz Cerisara, pelo respeito, carinho e presena constante naorientao dos primeiros passos desta pesquisa rumo qualificao.

    professora Dr Diana Carvalho de Carvalho, pelas respeitosas indicaes na Banca deQualificao, sobretudo na constituio do quadro terico para a anlise das produesacadmicas.

    professora Dr Roselane Ftima Campos, que na Banca de Qualificao, tambm de formarespeitosa, trouxe indicaes fundamentais para os procedimentos metodolgicos destapesquisa.

    Aos professores Doutores Snia Beltrame e Joo Josu da Silva Filho, pela eficcia nascontribuies para o meu processo de constituio como pesquisadora e de insero nouniverso da pesquisa cientfica.

    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico, pelo incentivofinanceiro.

    Aos meus pais, Celso e Alzira, pelo dom da vida e o amor aos estudos. s minhas irms,irmos e sobrinhos, Fernando e Gisele, pelo incentivo na realizao dos meus ousadosprojetos.A todos/as os/as colegas de Mestrado, pelas colaboraes, crticas e indicaes, essenciais noprocesso de construo da pesquisa. s colegas de trabalho Maria Luiza, Neusa, Mrcia,Scheila, Laurete e Maria Santos, sobretudo pelo respeito ao meu compromisso com aformao. A todas essas pessoas e tambm quelas que no foram nomeadas, o meu sinceroagradecimento.

  • RESUMO

    Esta pesquisa um estudo sobre as imagens da infncia e da criana contemporneas nasprodues acadmicas referentes educao infantil. Trata-se de uma anlise das concepesde criana, infncia e educao veiculadas pelas produes acadmicas recentes apresentadasnas Reunies Anuais (RA) da Associao de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao(ANPEd), especificamente no Grupo de Trabalho Educao das Crianas de 0 a 6 anos(GT 7), entre os anos de 1997 e 2002. Tem como objetivo identificar por meio da anlise dasconcepes mapeadas, o papel social que a criana ocupa no processo educacional. E,partindo de uma perspectiva multidisciplinar, na qual as contribuies das cincias humanas esociais constituem o quadro terico para esta anlise, bem como para o entendimento dacriana como sujeito ativo e participativo do seu processo educacional e sua atuao enquantoator social, esta pesquisa buscou delinear as concepes educativas que a partir da anlise dasprodues acadmicas se engendraram. Utilizando como instrumento metodolgico a anlisede contedo, identificou-se nos trabalhos selecionados o entendimento da infncia a partir doseu carter plural, heterogneo e do sujeito-criana como sujeito social, heterogneo, sujeitode direitos, produtor de cultura, sujeito inventivo, sujeito devir-criana, assim como oentendimento da criana em desenvolvimento a partir da influncia dos aspectossocioculturais e maturacionais do desenvolvimento humano. O sujeito-criana, a partir dasorientaes dessas concepes e das metodologias utilizadas pelos autores dos trabalhosselecionados para a anlise, reconhecido como sujeito ativo e participativo do seu processoeducacional. A constituio de uma Pedagogia da Educao Infantil passa pela discussosobre a funo da educao nesta faixa etria e pela prpria definio das suasespecificidades.

    Palavras-chave: Educao Infantil, Criana e infncia, Pedagogia da Educao Infantil.

  • ABSTRACT

    This research is a study about contemporary childhood images in academic works dealingwith infant education. It refers to an analysis about child, childhood and educational conceptsas presented at the Annual Meetings of the Association of Post-Graduate Studies andResearch in Education (ANPEd), specifically in the Work Group for Childrens Educationfrom 0 to 6 years of age (GT 7), from 1997 through 2002, with the objective of identifyingthe social role of children within the educational process through analyses of observedconcepts. Starting from a multidisciplinary perspective in which contributions from humanand social sciences constitute the theoretical instruments for such an analysis as well asthrough the understanding of children as an active subject participating in their owneducational process and their activities as social individuals, this research has tried to definethe educational concepts derived from the analysis of such academic works. Utilizing contentanalysis as a methodological tool it identified in the selected works the understanding ofchildhood as of its plural, heterogeneous character and the child-subject as a heterogeneoussocial subject, subject of rights, culture producer, inventive subject, come-to-be-child subject,as well as the understanding of childrens development through the influences of socio-cultural and maturity processes related to the human development. The child-subject,according to the orientation from these concepts and from methodologies utilized by theauthors of the works selected for analysis, is regarded as an active-subject that participates inthe educational process. The building of a Childrens Educational Pedagogy goes through thediscussion about the function of education within this age bracket as well as through the verydefinition of their specifics.

    Keywords: Childrens Education, Child and Childhood, Childrens Educational Pedagogy.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO.....................................................................................................................82 OS PERCURSOS DA PESQUISA ....................................................................................20

    2.1 O campo investigativo: A ANPEd e o GT 7...................................................................202.2 As fontes da pesquisa.......................................................................................................262.3 Os critrios para seleo dos trabalhos: os temas criana e infncia .........................272.4 O corpus de anlise ..........................................................................................................282.5 A anlise de contedo: tcnica de tratamento de informaes ....................................302.6 As definio das categorias e o sistema de categorizao..............................................34

    3 A INFNCIA E A CRIANA NA PEDAGOGIA..........................................................373.1 As imagens da criana nas cincias humanas e sociais: um recorte histrico

    a partir das pedagogias pedocntricas .........................................................................373.2 A Pedagogia e Psicologia: a criana como termo articulador na constituio

    de uma cincia da educao............................................................................................453.3 O pensamento pedaggico e a filosofia do homem: a infncia com tempo

    de erro e educao ...........................................................................................................573.4 Rousseau: a criana como ser inocente e natural.........................................................603.5 A Pedagogia Progressista: o escolanovismo e a criana em foco ................................633.6 A Psicologia do Desenvolvimento: a criana entre o biolgico e o social ...................703.7 A Sociologia e a Antropologia: das instituies aos sujeitos-criana.........................803.8 A educao da criana de 0 a 6 anos: perspectivas de uma Pedagogia da Educao

    Infantil ..............................................................................................................................90

    4 A PRODUO ACADMICA RECENTE: DIFERENTES REPRESENTAESDA CRIANA E DE SUA INFNCIA...........................................................................96

    4.1 O sujeito-criana: as diferentes representaes da criana.........................................994.1.1 A criana sujeito social e integral ...................................................................................994.1.2 A heterogeneidade da Infncia......................................................................................1144.1.3 O sujeito produtor de cultura ........................................................................................1224.1.4 O sujeito de direitos ......................................................................................................1314.1.5 O sujeito inventivo, ser criador.....................................................................................139

  • 4.1.6 O sujeito devir-criana...................................................................................................1424.2 A criana em desenvolvimento: a maturao e os fatores socioculturais na

    constituio do ser criana............................................................................................1454.2.1 A criana a partir dos fatores socioculturais .................................................................1474.2.2 A criana a partir dos aspectos maturacionais ..............................................................151

    5 CONCLUSO ..................................................................................................................155REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................160APNDICE A Quadro dos trabalhos do GT 7 apresentados nas Reunies Anuais da

    ANPEd por regio ...................................................................................165APNDICE B Quadro dos trabalhos selecionados para anlise por regio ...............166APNDICE C Quadro com os autores mais citados nos trabalhos e suas

    respectivas reas do conhecimento ........................................................167APNDICE D Quadro com a origem (brasileiros/estrangeiros) dos autores mais

    citados no conjunto dos 24 trabalhos selecionados para a anlise......168APNDICE E Quadro com o gnero dos autores no conjunto dos 24 trabalhos

    selecionados para a anlise .....................................................................169APNDICE F Quadro com as reas do conhecimento representadas pelos autores

    menos citados ...........................................................................................170APNDICE G Quadro com a origem a partir das lnguas citadas (e tradues) dos

    autores no conjunto dos 115 trabalhos do Banco de dados .................171APNDICE H Quadros individuais dos autores dos trabalhos selecionados para a

    anlise a partir da Categoria A Sujeito-criana e suas respectivassubcategorias............................................................................................172

    APNDICE I Quadros individuais dos autores selecionados para a anlise apartir da Categoria B Criana em desenvolvimento e suasrespectivas subcategorias ........................................................................192

    APNDICE J Quadros das unidades de contexto dos trabalhosselecionados a partir das Categorias: A Sujeito-criana e B Crianaem desenvolvimento e respectivas subcategorias..................................196

  • LISTA DE SIGLAS

    ANPEC Associao Nacional de Centros de Ps-Graduao em EconomiaANPEd Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em EducaoCAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel SuperiorCECCA Crianas Educao e Cidadania AtivaCRIE Criana e Educao: as produes simblicas nas polticas, normas e nos saberescientficos

    GT Grupo de TrabalhoGT 7 Grupo de Trabalho da Educao das Crianas de 0 a 6 anosNee0a6anos Ncleo de Estudos e Pesquisas da Educao das crianas de 0 a 6 anosPG/EDU Ps-Graduao em EducaoPNPG Plano Nacional de Ps-GraduaoRA Reunies Anuais

  • 81 INTRODUO

    Esta pesquisa se inscreve no movimento de mapeamento e sistematizao dasrepresentaes produzidas sobre as crianas nas produes acadmicas, que visa contribuirpara a construo do estado da arte sobre a educao da criana de 0 a anos por meio dainterlocuo com pesquisas veiculadas pelos Programas de Ps-graduao em Educao noBrasil que vm mapeando tais produes na rea para a constituio de uma Pedagogia daEducao Infantil (ROCHA, 1999; STRENZEL, 2000; GUTHI, 2002, etc.). O presentetrabalho tem como objetivo identificar o lugar da criana nas produes acadmicas recentessobre educao apresentadas no Grupo de Trabalho 07 - Educao da Criana de 0 a 6 anosda Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Educao (ANPEd)1, entre os anosde 1997 e 2002, pela identificao e anlise dos conceitos que definem a criana como sujeitodo processo educativo e das concepes de criana/infncia2 utilizadas para balizar a aopedaggica das instituies de educao infantil .

    Esta investigao buscou estabelecer um processo de discusso [e anlise] dosresultados das pesquisas sobre infncia (KRAMER,1996, p. 27) e contribuir para a discussodas especificidades da educao das crianas de 0 a 6 anos em instituies no escolares 3.

    1 A ANPEd apresenta-se como o campo investigativo desta pesquisa por seu carter de divulgao das pesquisas

    dos Programas de Ps-graduao em Educao em nvel nacional, tendo como foco principal as ReuniesAnuais dessa associao e especificamente o Grupo de Trabalho Educao da Criana de 0 a 6 Anos.2 A utilizao do conceito de criana/infncia tem sido realizada de forma indistinta da concepo de

    criana/infncia. Referindo-se aos estudos de Achard (1993), os autores Rocha, et al. (2002, p. 36) salientam que[...] importa ento distinguir entre a afirmao de um conceito de infncia, que reconhece as crianas como umarealidade humana diferente dos adultos, e a explicitao de concepes de infncia que revelam o que, emtermos de atributos, propriedades, qualidades, as distinguem do adulto, quer por excesso, quer por defeito, numdado momento. Ou seja, [...] enquanto o conceito de infncia reclama que as crianas sejam distintas dosadultos no que respeita alguns atributos, a concepo de infncia refere-se especificao desses atributos. Porexemplo, a concepo mdico-social da criana como ser vulnervel, a concepo psico-pedaggica da crianacomo planta em crescimento, a concepo scio-moral da criana como inocente [...] (ROCHA et al., 2002, p.36)3 Os termos Pedagogia da Infncia e Pedagogia da Educao Infantil, cunhados por Rocha (1999, p. 50),

    prestam-se delimitao de [...] um recorte particular dentro da rea pedaggica, [mas] no suficiente paraexplicar a configurao da educao de crianas em instituies no escolares, tais como a creche e a pr-escola. Em outras palavras, esses termos enfatizam a diferena existente entre as instituies de educao paraas crianas de 0 a 6 anos, levando-se em conta as especificidades e a origem da educao nesses espaos.

  • 9Essa perspectiva sugeriu um aprofundamento do conhecimento sobre as concepes decriana/infncia vigentes nas orientaes tericas que servem de base para a construo dasprodues acadmicas sobre a infncia, e que em contrapartida permitem fazer umcruzamento com a educao da criana que se apresenta diante de nossos olhos como um serconcreto, contextualizado histrica, cultural e socialmente um sujeito bio-scio-cultural aomesmo tempo, to desconhecido, singular e multifacetado.

    Caractersticas que precisam ser consideradas no trabalho educativo com as crianaspara a realizao de um trabalho consciente, intencional e de qualidade. Nesse sentido, adefinio de Kramer (1992, p. 16) sobre esse aspecto sintetiza muito bem a questo, pois,

    [...] qualquer trabalho consciente desenvolvido com crianas no podeprescindir de uma definio de qual era (e ) o conceito de infncia nointerior das diversas classes sociais. Deve-se partir do princpio de que ascrianas (nativas ou imigrantes, ricas ou pobres, brancas ou negras) tinham(e tm) modos de vida e de insero social completamente diferente umas dasoutras, o que correspondia (e corresponde) a diferentes graus de valorizaoda infncia pelo adulto, a partir de suas condies econmicas, sociais eculturais, e do papel efetivo que exerciam (e exercem) na sua comunidade.Como conceber no Brasil um modelo de criana que no corresponde sequer maioria das crianas? Como deixar de lado o fato de existirem crianas quej trabalham efetivamente?

    Nessa direo, Rocha (1999), em sua tese de doutorado, realiza um mapeamento dasprodues acadmicas da rea sobre a educao das crianas de 0 a 6 anos numa perspectivamultidisciplinar, a partir das contribuies das cincias humanas e sociais (Histria,Antropologia, Sociologia, Psicologia, etc.), buscando definir as especificidades da educaoinfantil com base no princpio da heterogeneidade, respeitando as diferenas entre as crianasem cada contexto, numa perspectiva de constituio/consolidao de uma Pedagogia daEducao Infantil.

    A consolidao de uma Pedagogia da Educao Infantil4 pode ser percebida como ummovimento que tem como um dos focos centrais verificar nas pesquisas os saberes sobre as

    4 Rocha (1999), na sua tese de doutoramento, discute a questo da constituio de uma Pedagogia da Educao

    Infantil a partir das pesquisas em torno da criana e da sua educao, buscando, atravs do mapeamento dasprodues acadmicas na rea, visualizar as especificidades da educao para as crianas de 0 a 6 anos eminstituies no-escolares. No para produzir uma pedagogia antiescolar, na qual a escolarizao, o ensino ea transmisso do conhecimento so considerados prejudiciais ao desenvolvimento da criana, como defendeArce (2004, p. 61) mas para construir uma educao para as crianas de 0 a 6 anos, que, ao contrrio dosmodelos de educao escolar tradicionais existentes, com um currculo voltado estritamente para a formao

  • 10

    crianas e sua educao em instituies educativas, visando especificar aquilo que prprioda educao nessa faixa etria. importante destacar, em relao perspectivamultidisciplinar, que a autora entende que o conhecimento pedaggico depende dacontribuio das demais reas do conhecimento:

    [...] da filosofia e da histria, por fornecerem a base para a compreenso dosmovimentos da produo do conhecimento (teorias do conhecimento); da sociologiae da antropologia porque cada qual em seu mbito apresenta elementos relativos diferena e influncia de contextos especficos na construo da diversidade, comoafirmao positiva e contrria ao estabelecimento de padres de normalidade naconstituio do ser humano, e da infncia em particular. Essas reas passam [dessaforma] a sustentar a definio de uma Pedagogia da Infncia ou Pedagogia daEducao Infantil, ao mesmo tempo em que afirmam a insuficincia e o limite dasorientaes pautadas na padronizao. E o conhecimento psicolgico, quetradicionalmente vinha se estabelecendo como uma rea de conhecimentoprivilegiada pelo campo educativo, deixa de ser a nica referncia para a intervenoeducativa. Associado a contribuies das reas acima explicitadas, amplia suaperspectiva, permitindo uma abordagem dos processos de desenvolvimento humanoa partir de relaes socioculturais (ROCHA, 1999, p.76)

    Dessa forma, cabe ainda destacar em relao s contribuies em torno da constituiode uma Pedagogia da Educao Infantil, nas palavras de Rocha (2002, p. 86), que

    [...] o conhecimento produzido nos diferentes campos cientficos vem permitindoidentificar uma produo cientifica neste campo particular, e sua intrnseca relaocom a realidade dinmica, numa via de mo dupla, que transforma e transformada,num movimento que nos coloca como pesquisadores frente ao desafio de tomarposio em favor da histria, do original, do inesperado e da esperana em construiruma Pedagogia que corresponda diversidade e a heterogeneidade das infnciasconsiderando, sobretudo, a plenitude das possibilidades humanas tal como nosinspiram os povos originais atravs do convvio entre adultos e crianas, e entre ascrianas sem separao etria; na aventura e na descoberta do mundo, no movimentoe na livre expresso, na experincia esttica e na ao criativa.

    Assim, a partir dessas idias e perspectivas para o estudo da infncia e da criana nasdiscusses da rea, cabe destacar e justificar a escolha do tema de pesquisa.

    a) O problema de pesquisa e sua justificativa

    Desde o ano de 2000, quando do trmino da minha formao acadmica e do ingressono mercado de trabalho, inicialmente na rede particular e atualmente na rede pblica, fuipercebendo que a concluso daquela primeira etapa era efetivamente apenas o incio de umprocesso de formao contnua, que, necessariamente, inclua a retomada dos estudos sobre a

    profissionalizante e para a adaptao da criana sociedade de forma alienante e muitas vezes desigual, forme

  • 11

    infncia e a criana. Principalmente quando me deparei com a criana concreta, social,cultural e historicamente determinada, essa impresso tomou corpo e me impulsionou nabusca por conhecer a criana mais profundamente. O convvio com a realidade dasinstituies de educao infantil e as diversas prticas pedaggicas nelas existentesacentuaram ainda mais a necessidade de retomar os estudos acadmicos sobre a educao dascrianas de 0 a 6 anos nesses espaos, sobretudo procurando aprofundar as questes em tornodas especificidades do trabalho pedaggico com as crianas nessa faixa etria por meio daanlise do processo de consolidao de uma Pedagogia da Educao Infantil. Isso exige dospesquisadores (e de todos os envolvidos no processo educativo das crianas) maioraprofundamento do conhecimento sobre o estado da arte das produes cientficas sobre acriana contempornea e sobre os processos que envolvem a sua educao em contextoscoletivos.

    A investigao desenvolvida analisou as concepes de criana/infncia divulgadaspelas produes acadmicas recentes, identificando o papel que a criana ocupa no processoeducativo a partir das orientaes tericas explicitadas, e se inscreve nesse quadro demapeamento e anlise das produes simblicas5 sobre as crianas/infncias e sua educao.

    Para tanto, o dilogo com as diferentes reas do conhecimento, especialmente com aSociologia6, tem buscado indicar metodologias de pesquisa que visem recolher as vozes dosprotagonistas do processo educacional, sejam eles adultos ou crianas, por meio de pesquisasde campo, entrevistas, etc., bem como mapear e analisar os conhecimentos at entoproduzidos sobre a educao infantil para a construo de uma pedagogia que busque, pormeio do conhecimento cientfico, conhecer a sua prpria identidade por meio doconhecimento do seu sujeito/objeto no mais na perspectiva do infante, mas a partir daconstruo de uma concepo da criana numa perspectiva multidisciplinar, na qual ela entendida como sujeito biossociocultural; em outras palavras, como um sujeito social, ativo,participativo, reprodutor/produtor de cultura e possuidor de direitos sociais.

    sujeitos sociais ativos e participativos no seu processo educacional e na prpria vida social mais ampla.5 Esta pesquisa se inscreve, especificamente, no subgrupo Criana e Educao: as produes simblicas nas

    polticas, normas e nos saberes cientficos (CRIE) do Projeto Crianas: Educao e Cidadania Ativa(CECCA), realizado em conjunto pela UFSC e pela Universidade do Minho, Portugal.6 O CECCA um projeto de investigao feito em parceria com as Universidades do Minho Portugal e a

    Universidade Federal de Santa Catarina Brasil tendo como objetivo conhecer e interpretar os modos deinsero social das crianas brasileiras e portuguesas, a partir de uma perspectiva comparativa analisando asculturas infantis, os modos de produo simblica realizados pelas/para as crianas e a relao desses modoscom a construo escolar, sobretudo com a educao da infncia e da educao bsica obrigatria, bem comocom a estruturao das produes simblicas sobre as crianas e sua educao, nos campos poltico, normativo ecientfico, quanto s suas possibilidades e limites para uma plena e ativa cidadania da infncia.

  • 12

    Tendo como principais interlocutores neste projeto os estudos sociolgicos7 sobre ascrianas e suas infncias a partir da perspectiva de constituio de uma cidadania ativa para ainfncia, com voz e vez, as discusses proporcionadas pelo Ncleo de Estudos e Pesquisas dacriana de 0 a 6 anos (Nee 0 a 6) trouxeram as contribuies das cincias sociais (sobretudoda Sociologia, da Antropologia e da Histria) para ampliar o debate sobre a constituio dainfncia enquanto categoria social, geracional, produtora de cultura e da criana como sujeitosocial de direitos.

    Alm desses elementos impulsionadores da investigao sobre o tema proposto, qualseja, identificar as concepes de criana/infncia e de sua educao nas produesacadmicas recentes, outros estudos, de acordo com Strenzel (2000, p. 15), indicam anecessidade de realizar pesquisas do tipo levantamento e mapeamento da produo sobre aeducao infantil, pesquisas

    [...] que nos permitam conhecer um maior nmero de experincias, identificar asdiferentes formas de atendimento s crianas pequenas, os caminhos que aspesquisas tomam e os principais temas abordados por elas, sugerir orientaespedaggicas em busca de uma poltica para este campo e de apontar as lacunas deconhecimentos existentes.

    Em sua pesquisa, a autora evidencia (alm dos diferentes contornos que as orientaespedaggicas para o trabalho com crianas pequenas assumem) o panorama das pesquisas nadcada de 1990, pesquisas que apresentam como caracterstica no campo cientfico os estudosrelacionados aos processos de desenvolvimento da criana e interao social, ao lado depesquisas cujo enfoque pauta-se na alfabetizao, na leitura e na escrita, fornecendoindicaes para a prtica pedaggica e para a formao de professores. Nesse mesmoperodo, temas como educao compensatria, linguagem, jogos, brinquedos, brincadeiras,educao especial, currculos e sade, alm de estudos sobre as reas especficas doconhecimento, como as artes, o ensino de Cincias, a Matemtica, a Educao Fsica e aEducao Ambiental, constituem a pauta das pesquisas sobre a educao infantil.

    Esse panorama, ainda muito imbricado aos referenciais da escola de ensinofundamental, passa a apresentar mais recentemente uma abertura para novas possibilidades depesquisa, empreendendo investigaes sobre temas como a literatura infantil, os processos deinsero das crianas em ambientes coletivos, o espao fsico e a arquitetura, a informtica, as

    7 Destacam-se entre outros os estudos de Corsaro (2002); Ferreira (2000, 2002); Montandon (2001); Qvortrup

    (1999); Sarmento (1997; 2003) e Sirota (2001).

  • 13

    rotinas no trabalho, as creches universitrias, os grupos tnicos e estudos de gnero, dandoindcios de uma sensibilidade em relao s especificidades desse nvel de educao.

    Importa destacar ainda no panorama descrito por Strenzel que a educao infantil, emmeados da dcada de 1990, passa a integrar-se educao bsica por meio da Lei deDiretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN n 9.394/96), assumindo um cartereducativo especfico de complementariedade da educao recebida pela criana na famlia ena comunidade e dando outras indicaes para as pesquisas na rea. Esse fato, por sua vez,traz outras orientaes para a prtica pedaggica, que assume um compromisso maior com asespecificidades da educao das crianas de 0 a 6 anos, particularmente em creches e pr-escolas.

    A partir disso, o recorte temporal estabelecido para esta investigao - os anoscompreendidos entre 1997 e 2002 - parte do pressuposto de que o primeiro ano desse perodo,1997, caracteriza-se como o incio do perodo de transio ps LDBEN 9.394/96, no qual sepretende desencadear um processo de discusso/incorporao da educao infantil enquantoprimeira etapa da educao bsica e como direito inalienvel das crianas. Outro fatordeterminante na definio do recorte temporal refere-se ao processo de construo do Bancode Dados do Nee0a6 do Centro de Cincias da Educao, da UFSC, resultante de pesquisarealizada em peridicos nacionais com o objetivo de disponibilizar um sistema deinformaes aos usurios interessados nesse campo de conhecimento. A criao desse Bancode Dados teve como base outros bancos de dados utilizados em outras pesquisas do ncleo(STRENZEL, 1996; ROCHA, 1999; ROCHA et al., 1999; entre outras), que tomaram comofonte de levantamento, no caso das Reunies da Anped, os programas, disquetes e, maisrecentemente, os CDrom da Associao. Esses levantamentos (de congressos, teses,dissertaes e peridicos) tm como principal objetivo apresentar de forma sistemticainformaes bibliogrficas para consulta, com vistas a subsidiar o desenvolvimento depesquisas nesse campo educacional. No entanto, o banco de dados necessitou da atualizaode informaes sobre as produes acadmicas realizadas nos anos de 1997 e 1998, bemcomo exigiu o tratamento dessas informaes de acordo com a proposta investigativaapresentada neste estudo, qual seja, identificar quais as concepes decriana/infncia/educao que as produes acadmicas tm divulgado nestes dois anos(1997-1998) especificamente e nos anos subseqentes (1999 a 2002).

    De acordo com o recorte temporal expresso anteriormente, e partindo do pressupostode que a infncia fruto da construo histrica, social e cultural das sociedades de um

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    determinado tempo e lugar, esta pesquisa buscar investigar as concepes de criana/infnciadivulgadas pelas produes acadmicas recentes, buscando desvelar o papel que a crianaocupa no processo educativo, nas orientaes tericas de base dessas produes e a educaoque se delineia a partir de tais orientaes, fato este que se inscreve no movimento da rea daeducao no sentido de contribuir para identificar as bases de constituio de uma Pedagogiada Educao Infantil.

    Seguindo o movimento, j citado, de mapeamento dos saberes sobre a criana e a suaeducao nas creches e pr-escolas, a pesquisa de Guthi (2002) focando as questespropriamente relacionadas prtica pedaggica por meio da anlise dos currculos,propostas e programas para a educao infantil na produo acadmica brasileira noperodo compreendido entre os anos de 1990 e 1998 teve como objetivo procurar identificaros princpios educacionais-pedaggicos para a educao infantil na busca de referncias paraa constituio de uma educao infantil que integre o binmio educao/cuidado, apontando,com isso, o respeito infncia como tempo de direitos.

    Na anlise desses trabalhos, a autora aponta o predomnio da abordagem psicolgicapara a educao infantil, na sua maioria baseada na perspectiva construtivista de Jean Piaget,revelando que os currculos vem a criana no seu aspecto cognitivo, desconsiderando suasmltiplas dimenses e dando nfase ao processo ensino-aprendizagem.

    Utilizando a categoria o lugar que as crianas ocupam nos programas, nas propostas enos currculos para a educao infantil como apoio para a anlise da identificao do modocomo as crianas aparecem nas pesquisas selecionadas, ela entende que a partir daconcepo que se tem de criana que se defendem certas diretrizes e propostas pedaggicasem detrimento de outras.

    Assim, de acordo com a anlise das pesquisas selecionadas dentro dessa categoria deanlise, a autora conclui que se avanou pouco em relao concepo de criana, no maisconsiderada como um pequeno adulto, com uma realidade complexa que se deve conhecer.E, tambm, que

    [...] a maioria das pesquisas trabalha com diversas orientaes e diretrizespedaggicas, procurando entender melhor o processo pelo qual a criana aprende ese desenvolve. No entanto, a tarefa mais difcil, do ponto de vista dos objetivos deuma prtica pedaggica na Educao Infantil, aliar o conhecimento daespecificidade do desenvolvimento infantil a uma prtica que possibilite a ao dacriana como sujeito, com o professor, do processo pedaggico. Ou seja: sabe-semais sobre o desenvolvimento infantil. No entanto, ainda faltam propostas maisclaras no sentido de apontar orientaes que busquem, de fato, propiciar a interao

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    da criana com o meio social, possibilitando-lhe uma educao articulada aocuidado que contemple o sujeito-criana mltiplo e real. (GUTHI, 2002, p. 125)

    Nesse sentido, as recentes pesquisas sociolgicas, sobretudo os estudos da Sociologiada Infncia, ainda que sejam recentes e apresentem maior desenvolvimento no contextoeuropeu, trazem contribuies interessantes para a construo de estratgias de pesquisas comas crianas que busquem estabelecer relaes de alteridade na construo dos saberes sobreelas, tomando-as como a prpria referncia, e abrem tambm o campo de contribuiesdisciplinares ou das reas do conhecimento para o entendimento da criana contempornea nosentido de uma construo multidisciplinar da infncia.

    A Sociologia da Infncia toma por pressuposto a criana como um ator social e porperspectiva o processo de participao como possibilidade de viabilidade de atuao social dacriana. Concebe tambm a criana enquanto reprodutora de cultura, que estando imersanuma cultura posta, que a cultura adulta, recebe as influncias dessa mesma cultura e asreproduz por meio de suas brincadeiras e tambm como produtora de cultura, por meio dasrepresentaes e releituras dessa mesma cultura, que reproduzida na medida em que produzida e recriada pela criana (CORSARO, 2002).

    Diante dessas questes, no podemos deixar de indagar qual , afinal, o papel ocupadopelas crianas no processo educativo na sociedade contempornea.

    Ser que j podemos visualizar a participao das crianas no processo educacionalcomo indicao para a prtica pedaggica nas concepes educativas subjacentes sorientaes tericas que fundamentam as produes acadmicas recentes? E, a partir disso,como estabelecer uma relao de alteridade no s nas pesquisas, mas tambm nasinstituies para a infncia sem cair no espontanesmo e, conseqentemente, na

    (des)legitimao do papel do professor e da educao?

    No se considera, ao levantar tais questes, que a adoo de uma pedagogia queconsidere a criana como co-autor do seu processo educativo constitui-se em uma tentativa deisolamento da educao da criana em relao aos outros nveis de ensino e de negao dopapel do professor no processo pedaggico. Ao contrrio, a construo da pedagogia que temsido proposta num movimento, ainda que recente, e que tem como uma de suas bases aalteridade na relao pedaggica, colocando a criana no lugar de sujeito de direitos, umsujeito ativo e participativo, produtor de cultura, consiste na construo de uma pedagogia

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    relacional, na qual crianas e adultos so considerados sujeitos ativos na relao com asestruturas sociais.

    Colabora-se assim para a reflexo sobre os paradoxos8 da infncia contempornea,pois ainda no se sabe muito a respeito da criana concreta, fato este notrio nos discursos atento produzidos sobre a infncia, que se fundamentavam em conhecimentos que, via deregra, recaam nos aspectos relacionados aprendizagem e aos mtodos educativos naeducao das crianas pequenas, tendo como referncia uma criana universal. Porm o papelatribudo infncia e, conseqentemente, criana na contemporaneidade delineia-se, deacordo com Sarmento e Pinto (1997), em meio a um lugar de crise, de preocupaes, decontrovrsias, de complexidades; mas tambm em meio a um lugar de possibilidades(utopias), que, por meio dessas reflexes, nos fazem buscar caminhos para construirpossibilidades de superao. Assim, a busca em defesa dos direitos da criana nacontemporaneidade e de uma prtica pedaggica que caminhe na direo da participao dacriana como sujeito de seu processo educativo9 consiste na construo de uma educao paraa infncia de 0 a 6 anos a partir da relao entre os sujeitos desse processo que tome comobase as especificidades das crianas, seus direitos10 (ainda que se tenha conscincia do carterdisciplinador e de enquadramento do direito na forma da Lei), no o controle ou odisciplinamento sobre elas, e que consiga promover a autonomia dessa pedagogia em relaoaos processos educativos da escola de ensino fundamental.

    8 Este termo utilizado por Sarmento, (1997) na busca de uma definio dos papeis sociais de crianas e adultos

    no processo educacional. Um lugar, como define o autor, compreendido entre o mgico e o trgico, um lugarcaracterizado pela transitoriedade e pelo movimento; como conseqncia de um conjunto de aspectos sociais,econmicos, culturais e polticos que se apresentam de formas diferentes nas diversas sociedades.9 importante considerar que trazer a criana como foco central do processo educacional no deve ser encarado

    como uma tentativa romntica ou ingnua, pois, como bem advertem Dahlberg, Moss, Pence (2003), o conceitode centralidade na criana vem sendo tratado de uma forma no-problemtica, quando na realidade tal conceitoapresenta-se muito abstrato e problemtico. Pode-se considerar que o termo centrado na criana incorpora umacompreenso modernista particular da criana vista como um sujeito unificado, reificado e essencializado,podendo ser considerado e tratado parte dos relacionamentos e dos contextos sociais. Numa perspectiva ps-moderna, no entanto, esse sujeito seria descentralizado e considerado a partir das suas relaes com os outros,sempre em um contexto particular, o que teria como conseqncia a constatao de que no existe algo como acriana ou a infncia e sim as crianas e as infncias, singulares, contextualizadas e historicamenteconstrudas. Cabe-nos nesse processo conhec-las (as crianas e as infncias) a partir da identificao de suasespecificidades.10

    Falar de direitos numa sociedade como a brasileira e, sobretudo, em relao a infncias singulares na suapluralidade, remete-nos reflexo segundo a qual a sociedade ps-moderna, tendo como base estrutural aspolticas neoliberais, utiliza-se das Leis como mecanismos de dominao em forma de direitos. E isso conseguido ou ao menos tentado, como lembra Cunha (1979), atravs da imposio desses direitos por meio dadisciplina, encarados como regulaes do ponto de vista de quem as implementa. Mas que, mesmo tendo essecarter de regulao, do-nos base para a discusso da infncia como tempo de direitos e da criana como sujeitosocial de direitos, a criana cidad, que adquire inclusive o direito participao nas questes referentes suavida, e novamente considerada co-participante do seu processo educacional.

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    Prope-se, com isso, uma outra forma de relao educativa, uma relao de co-participao entre os sujeitos (adultos e crianas) no processo educacional, mas sem perder devista a importncia da construo de uma pedagogia da educao infantil a partir daperspectiva de uma pedagogia relacional de co-participao das crianas no processoeducacional e de que o que estamos entendendo por crianas e infncias determinante para aconstruo de um trabalho pedaggico que envolva adultos e crianas a partir doconhecimento das crianas concretas com as quais estamos trabalhando, no mais idealizadas,mas conhecidas e reconhecidas a partir delas prprias.

    Nesse sentido, Rocha (2002, p. 69) alerta para que no se perca de vista que

    [...] os temas relacionados educao das crianas envolvem dimenses polticas econtextuais relacionadas por sua vez a outras dimenses praxiolgicas referentesa aspectos sociais, expressivos, afetivos, nutricionais, cognitivos, culturais, exigindoinvestigaes das perspectivas e dos avanos cientficos tambm nestas reas.

    Assim, a perspectiva multidisciplinar (referida anteriormente) nas pesquisas sobre aeducao infantil tem como possibilidade o impedimento do isolamento disciplinar nosestudos do fenmeno educativo, buscando, com isso, construir aquilo que tem sido a metacentral nas pesquisas sobre a educao para a infncia de 0 a 6 anos, que a constituiodesse nvel de educao por meio da delimitao das especificidades da criana e de suaeducao.

    Entretanto, notria a ausncia ou mesmo a incipiente realizao de estudos na reaque busquem parcerias com os diferentes campos do conhecimento e suas produes sobre aeducao infantil em relao aos aspectos que constituem as especificidades da educao dascrianas antes da entrada na escola de ensino fundamental. Nesse sentido, caminhando nadireo de um movimento que busca identificar a construo de uma Pedagogia da Infncia,Rocha (op cit.: 70) vislumbra uma educao para as crianas

    [...] (sem delimitao de faixa etria) independente das fronteiras institucionais; noentanto, esta perspectiva s ser vivel uma vez que fiquem bem demarcadas asespecificidades da educao da criana pequena. Por enquanto, esta distino necessria. Sejamos mais cautelosos, sem perder de vista a ousadia, e pensemosnuma perspectiva que no seja o que a educao infantil tem em comum com oensino fundamental (porque correramos novamente o risco de tomar comoreferncia a escola), mas a de demarcar aquilo que prprio da educao dascrianas de zero a seis anos, para s depois fazer o movimento inverso numatentativa de tambm influenciar a escola.

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    No entanto, essa criana, que, de acordo com Oliveira (1997), estava (e est) imersanum ambiente no qual circulam vrias vises de infncia idealizada, estereotipada, entreoutras, a partir das quais, via de regra, as crianas eram (e so) concebidas e caracterizadas,precisa ser conhecida, analisada e confrontada com a criana concreta, social, cultural ehistoricamente constituda.

    Assim, diante das possibilidades investigativas do objeto de estudo proposto nestapesquisa, qual seja, analisar as produes acadmicas recentes sobre a criana e a suaeducao, cabe indagar sobre algumas questes norteadoras do processo investigativo:

    Quais as abordagens tericas que orientam as concepes de infncia, decriana e de sua educao nas produes acadmicas analisadas?

    As teorias educacionais e as metodologias indicadas definem as crianas

    enquanto sujeitos sociais ativos e participativos no processo educacional? Quais os aspectos constituintes da infncia (expressivos, afetivos, nutricionais,

    cognitivos, culturais) so contemplados nos estudos sobre a educao dascrianas de 0 a 6 anos de idade?

    Quais as reas do conhecimento mais utilizadas como base terica aparecemnesses estudos?

    Desse modo, lana-se mo dessas indagaes para propor uma investigao quebusque contribuir para a construo da especificidade da Educao Infantil na busca da suaconsolidao como campo de conhecimento e de constituio de uma Pedagogia da EducaoInfantil.

    Assim, na seqncia desta introduo, apresento inicialmente os primeiros passos dospercursos da pesquisa com a delimitao: 1) do campo investigativo a ANPEd e o GT 7 contextualizando a criao da Associao e do Grupo de Trabalho da educao da criana de0 a 6 anos; 2) e das produes acadmicas veiculadas pela Associao no perodo de 1997 a2002. A partir desses procedimentos so definidos os critrios de seleo dos trabalhos e ocorpus de anlise da pesquisa, a descrio da tcnica de tratamento dos dados a anlise decontedo e, por fim, o sistema de categorizao.

    Na terceira parte desta pesquisa, apresenta-se o quadro terico de referncia para aanlise. Quadro este construdo a partir da discusso sobre a constituio do estatuto decientificidade da pedagogia e das diferentes contribuies das cincias humanas e sociais paraa compreenso da heterogeneidade das imagens da criana e da infncia contemporneas.

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    Para tanto, so retratadas as imagens e especificidades dos modos como as crianasforam representadas nos saberes cientficos, tendo como pano de fundo o vis histrico e ascontribuies das diferentes reas do conhecimento (Psicologia, Sociologia, Antropologia,etc.); procura-se evidenciar essas representaes a partir das pedagogias pedocntricas deRousseau e da Escola Nova, visando delinear o papel social atribudo criana no processoeducacional por meio da prpria constituio da pedagogia enquanto cincia da educao e dacriana e seu estatuto de sujeito.

    A quarta parte traz a anlise das produes acadmicas recentes e as diferentesrepresentaes da criana e da infncia que se delineiam a partir do entendimento do sujeito-criana evidenciado nas concepes de sujeito social heterogneo, produtor de cultura, sujeitode direitos, sujeito devir-criana, ser inventivo/criador, da infncia heterognea e ainda dacriana como ser em desenvolvimento. Na quinta e ltima parte, apresenta-se a sntese dasanlises, assinalando, a partir de uma perspectiva multidisciplinar evidenciada nas produesselecionadas, o entendimento da criana como ator social, conceito este expresso por meiodos procedimentos metodolgicos utilizados nas pesquisas pela recolha das vozes das crianase pela considerao de suas culturas e modos prprios de compreender e atuar no mundo.

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    2 OS PERCURSOS DA PESQUISA

    Como j referido na introduo, esta pesquisa constitui-se num estudo investigativosobre as produes acadmicas recentes referentes educao infantil no Brasil apresentadasnas Reunies Anuais da ANPEd, em outras palavras, trata-se de uma pesquisa sobre pesquisase utiliza-se como recorte temporal o perodo compreendido entre os anos de 1997 e 2002.Tem como objetivo geral a realizao de uma anlise sobre as concepes decriana/infncia/educao que as referidas produes vm divulgando na rea nestes seisanos, visando identificar tambm o papel que destinado criana no processo educativo erefinar o olhar investigativo sobre o sujeito-criana a partir dos debates tericos recentes nessarea, bem como sobre as bases tericas que fundamentam as produes, sobre as reas doconhecimento mais utilizadas e os aspectos constituintes da infncia referendados.

    Tomando por base esses objetivos, o conhecimento do campo investigativo, no estudoexploratrio, indicava alguns caminhos que precisavam ser percorridos antes da entradapropriamente dita no campo de investigao a ANPEd e, mais especificamente, o Grupo deTrabalho 07 - Educao de 0 a 6 anos para a delimitao e constituio do corpus deanlise.

    2.1 O campo investigativo: a ANPEd e o GT 07

    A contextualizao da ANPEd e do Grupo de Trabalho de Educao da Criana de 0 a6 Anos tem como finalidade tornar visvel o contexto de criao da Associao e o seu papelfundamental (sobretudo a partir do final da dcada de 1970) na integrao e intercmbio depesquisadores e na disseminao da pesquisa educacional e questes a ela ligadas (GATTI,2002, p. 20). De acordo com Calazans (1995), as origens da ANPEd nos remetem criaodo PNPG (Plano Nacional de Ps-Graduao/1975-79), que foi a base para o surgimento dasassociaes cientficas da poca. Esse plano tinha como objetivo

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    [...] consolidar institucional e financeiramente o sistema de Ps-graduao nacionalna sua implantao, o que deveria integrar o conjunto de polticas sociais eeconmicas por meio de inmeros programas incorporados em seus objetivos ediretrizes gerais (CALAZANS,1995, p. 8).

    Assim, como adverte Calazans, tendo surgido de uma poltica deliberativa do Estado,a ANPEd (como tambm as associaes de ps-graduao de todas as reas) dependia dadefinio de diretrizes para o seu crescimento e aperfeioamento, uma vez que nascera sob opatrocnio das polticas de Estado, porm no se constitua em instrumento dessas polticas.

    A ANPEd foi criada em uma reunio organizada pelo IESAE/Fundao GetlioVargas, no Rio de Janeiro, entre os dias 14 e 16 de maro de 1978, recebendo o apoio daCAPES. Apesar da criao dessa Associao em carter predominantemente institucional,desde sua criao algumas questes vinham sendo discutidas no sentido de buscar garantir suaautonomia em relao ao Estado e prpria CAPES. Sobre esse processo Carvalho (2001)descreve uma contra-proposta proposta inicial da CAPES para as diretrizes operacionais daANPEd, com base no Boletim da ANPEd (1988), propondo que o documento estruturante daAssociao oferecido pela assessoria do PNPG/ED da CAPES fosse o modelo da ANPEC11,por seu reconhecido prestigio desde 1976, sendo revisto em alguns aspectos.

    O processo de institucionalizao da Associao contou com a participao doscoordenadores dos cursos integrados ao PPG/EDU convocados pela CAPES para aapresentao do modelo proposto para a implantao da Associao, o que levou discussosobre os aspectos especficos das reas a serem unificadas, de acordo com esse modelo.

    Diante da exposio positiva dos aspectos relevantes da ANPEC para a rea daeducao conduzida pelo diretor da CAPES, duas ressalvas foram apresentadas peloscoordenadores da PG/EDU, em relao s especificidades das duas reas: a primeira referia-se natureza mais acadmica da PG/EDU, em contra-posio PG/ECO, de natureza maisprofissional externa, e a segunda sobre o carter mais homogneo das pesquisas econmicas,que se baseiam, geralmente, em modelos matemticos, em relao ao carter de

    11 Associao Nacional de Centros de Ps-Graduao em Economia (ANPEC) possua as seguintes

    caractersticas: 1 era uma sociedade civil sem fins lucrativos; 2 eram scios: a) programas, cursos e outrosrgos de universidades e entidades autnomas, que desenvolvessem pesquisas e formao de pessoalespecializado; b) especialistas e profissionais; em carter individual; 3 a admisso era feita por propostas de 1/5dos membros associados, atravs de parecer de Comisso Especial e de deciso do conselho Deliberativo; 4eram seus objetivos: a) promover o intercmbio entre as instituies associadas (cadastros de professores epesquisadores; realizao de encontros, celebrao de acordos e projetos comuns; obteno de cooperaonacional e internacional; intercmbio de profissionais); b) incentivar a pesquisa, pela concesso de auxlios aprogramas e projetos institucionais e individuais; c) assegurar o debate de temas relevantes, atravs de encontros

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    heterogeneidade das pesquisas educacionais. A partir dessas questes, dentre outras que aindaforam levantadas, relacionadas aos problemas de infra-estrutura tanto profissional quantofsica para a implantao da Associao, foi proposta a criao de um grupo de trabalhocomposto pelos coordenadores da PG/EDU do Estado do Rio de Janeiro (Lyra Paixo(UFRJ), Clia F. S. Linhares (UFF), Srgio Fernandes (FGV/IESAE), Jos C. Carvalho(PUC-RJ) e Vera Candau) para a anlise do estatuto da ANPEC. Esse grupo tinha comoobjetivo elaborar uma minuta para os estatutos da futura Associao Nacional dos Cursos dePs-Graduao em Educao.

    Contudo, o grupo proposto para a criao da minuta no conseguiu avanar no debate,restringindo suas anlises questo de diferenas nos enfoques acadmico-profissionalizantesentre os programas de economia e educao e numa maior heterogeneidade nos mtodos depesquisa educacional (CARVALHO, 2001), sem acrescentar maiores crticas ao modelo.

    Carvalho (2001, p. 136) sintetiza o anteprojeto de estatuto realizado pelo grupo detrabalho dos cursos de mestrado em educao do Estado do Rio de Janeiro dizendo quebasicamente se apoiaram no estatuto da ANPEC, fazendo uma releitura dele sob a ticaespecfica dos programas da PG/EDU, distanciando-se desse estatuto em apenas quatropontos:

    1 na sugesto de estabelecer a sede oficial da ANPEd no Distrito Federal, sob aalegao de l estar o centro decisrio da poltica educacional; 2 na eliminao dabem discriminada seo sobre as formas de atuao da ANPEC, que ocupava quasea metade das sete pginas do seu estatuto, preferindo-se no propor esta seo naminuta preparada para a ANPEd e deixar, assim, a programao da futura associaoem aberto; 3 na sistemtica de associao prescrita para a ANPEC, bem rgida aoexigir que qualquer nova afiliao das entidades dever ser proposta pelo menospor 1/5 dos membros associados, objeto de parecer de Comisso Especial submetidoao Conselho Deliberativo; em contrapartida, a minuta de estatuto para a ANPEdrezava apenas que: a admisso de scio efetivo far-se- por proposta de associado Diretoria e submetida ao Conselho Deliberativo; 4 na fixao das categorias descios, que mereceu, no esboo do grupo de trabalho, uma ampliao sistemtica emrelao franciscana simplicidade da associao institucional (centros, institutos,programas e entidades autnomas de pesquisa e formao de pessoal ps-graduado)e da associao individual (especialistas e profissionais de reconhecidos mritos),determinada pelo estatuto da ANPEC.

    Em linhas gerais, dessa anlise tem-se como resultado a aceitao geral da criao daANPEd e a ressalva de alguns aspectos, como a questo das categorias de scios (extinguida ade scio benemrito) e a definio da sede da ANPEd ( no local onde residir seu presidente e

    anuais, promoo de simpsios, seminrios e reunies; d) divulgar estudos, pela publicao de revistaespecializada e associao a programas editoriais de universidades e outras editoras. (Carvalho 2001: 135)

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    no sua fixao em Braslia). A questo da natureza da institucionalizao da Associaocomo rgo atuante junto CAPES no desenvolvimento do PNPG para a educao foilevantada apenas no ltimo dia desta reunio. Entretanto, como enfatiza Calazans (1995, p.10)

    [...] a poltica de Ps-Graduao pode ser vista de vrios ngulos. Ela pode serenfatizada pelas iniciativas estatais, e a o Estado torna-se o plo de referncia [...]Ela pode ser tambm enfrentada atravs das presses civis que se auto-organizamem iniciativas autnomas ou que se dirigem ao Estado para criar outras iniciativas,garantir direitos ou mesmo enfrent-los. Nesse caso, o plo de referncia asociedade civil.

    No se deve esquecer que o perodo poltico da implantao da Associao no erapropcio s foras sociais (retradas pela poltica repressora do regime militar), por isso no estranho perceber uma reivindicao de mudanas to tmidas em relao ao projeto deinstitucionalizao.

    Em relao organizao da Associao, foram criados durante a 4 Reunio Anualem 1981 os Grupos de Trabalho os chamados GTs cuja importncia reside no alcance dointercmbio entre as pessoas das diferentes regies do pas que trabalham em reas afins,dinamizando a Associao e fazendo com que ela cumpra um de seus objetivos fundamentais,que a valorizao da pesquisa e dos trabalhos realizados na Ps-Graduao em Educao.(Calazans, 1995, p. 23) Essa sistemtica de discusso e debate das pesquisas dos Programasde Ps-graduao na ANPEd, iniciou-se a partir da 4 Reunio Anual com os seguintes GTs:Educao do 1 Grau, Educao do 2 Grau, Educao Superior, Educao Popular, EducaoRural, Educao e Linguagem e Educao Pr-escolar (Atual Educao da Criana de 0 a 6Anos).

    Atualmente a Associao conta com 20 Grupos de Trabalho12 e 2 Grupos de Estudo(GE); as reunies anuais intercalam-se com as reunies regionais, em ambas a sistemtica deapresentao dos trabalhos realizada por meio das comunicaes (que so resultados depesquisas concludas nos programas de ps-graduao, trabalhos encomendados pelos GTs),

    12 A ttulo de informao destacamos os respectivos GTs e Ges que compem a Associao: GT2 Histria da

    Educao; GT3 Movimentos Sociais e Educao; GT4 Didtica; GT5 Estado e Poltica Educacional; GT6 Educao Popular; GT7 Educao da Criana de 0 a 6 Anos; GT8 Formao de Professores; GT9 Trabalho e Educao; GT10 Alfabetizao, Leitura e Escrita; GT11 Poltica de Educao Superior; GT12 Currculo; GT13 Educao Fundamental; GT14 Sociologia da Educao; GT15 Educao Especial; GT16 Educao e Comunicao; GT17 Filosofia da Educao; GT18 Educao de Pessoas Jovens e Adultas;GT19 Educao Matemtica; GT20 Psicologia da Educao; GT21 Afro-Brasileiros e Educao; GE22 Educao Ambiental; e GE23 Gnero, Sexualidade e Educao.

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    da apresentao de psteres (pesquisas em andamento), de sesses especiais e mini-cursos(discusses e debates sobre temticas e questes educacionais). Dessa forma,

    [...] com mais de 20 grupos de trabalho, que se concentram em temas especficos dosestudos de questes educacionais, a ANPEd sinaliza bem a expanso da pesquisaeducacional nas instituies de ensino superior ou em centros independentes,pblicos ou privados. Em suas reunies anuais tem contado com a participao deaproximadamente dois mil especialistas, entre pesquisadores e alunos dos mestradose doutorados, com aumento sistemtico de trabalhos que so submetidos apreciao de suas comisses cientificas (GATTI, 2002, p. 20)

    Esta breve contextualizao da ANPEd buscou fornecer um panorama da Associaono que concerne funo institucional que desempenha no campo das pesquisas em educaoem mbito nacional e da sua organizao enquanto instncia de divulgao das pesquisaseducacionais. Mas fundamental aprofundar as questes relacionadas ao GT de Educao daCriana de 0 a 6 Anos, cujas produes acadmicas, discusses e questes referentes educao infantil no Brasil constituem o foco de anlise desta pesquisa; passaremos, pois, discusso da sua criao e da sua funo especfica no processo de construo de umaPedagogia da Educao Infantil.

    A Educao Infantil passa a ser includa na ANPEd como um GT em 1981, na 4Reunio Anual da Associao, que at ento realizava suas reunies a partir de temas geraisvinculados aos Programas de Ps-graduao em Educao, como vimos anteriormente. O GT7, fundado a princpio sob a designao de Grupo de Trabalho de Educao Pr-escolar,reunia pesquisadores e profissionais empenhados na constituio de um frum de discussessobre os problemas da rea, notadamente o desprestgio da educao pr-escolar no mbitodas pesquisas educacionais e os problemas advindos da incipiente experincia terico-metodolgica dos pesquisadores.

    Uma avaliao dos GTs, em 1986, acabou indicando a necessidade de redefinir aatuao dos pesquisadores em prol do comprometimento com a democratizao da sociedade,o que implicaria a redefinio de prioridades de pesquisas e a discusso de polticaseducacionais, novas prticas e posturas. Assim, O GT 7, a partir desse compromisso com ademocratizao social, buscou um posicionamento junto aos movimentos poltico-constitucionais para a Constituio Federal de 1988, bem como empenhou-se em viabilizar aparticipao da Associao no processo de discusso e consolidao da Lei de Diretrizes eBases da Educao Nacional (LDBEN 9.394/96). Tal empenho do GT 7 de participao nasdiscusses em torno das questes de viabilizao das polticas educacionais para a garantia do

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    direito das crianas creches e pr-escolas culminou com a organizao do Seminrio deFinanciamento de Polticas Pblicas para a criana de 0 a 6 anos13, organizado por Ana LciaGoulart de Faria e Maria Malta Campos, em 1989.

    A partir de 1988 o GT 7 recebeu uma nova designao, mais adequada aos direitosconstitucionais recm-conquistados e com maior abrangncia para a educao da infnciaanterior idade escolar que comeava a fazer parte da primeira etapa da educao bsica.Assim, o GT 7 adquiriu a sua designao atual Grupo de Trabalho da Educao da Crianade 0 a 6 Anos.

    Nos anos 90 o GT 7 Educao da Criana de 0 a 6 Anos se consolidou comofrum de pesquisas na rea, no s em razo da nova sistemtica de apresentao escrita dostrabalhos e comunicaes para as reunies anuais (deixando mais claros os contornos daspesquisas), como tambm porque essa nova sistemtica possibilitou uma ampliao dosdebates tericos a partir de trs temas: Estudos sobre crianas brasileiras, Formao deprofissionais e trabalho pedaggico e Polticas Pblicas para crianas de 0 a 6 anos nosquais foram selecionados 14 trabalhos. Esses debates permitiram a identificao de temticasa serem aprofundadas nas pesquisas educacionais, tais como a concepo do processo dedesenvolvimento de crianas; formao de profissionais (bsica e em servio); polticaspblicas; concepes curriculares; e relaes entre os programas de creche e pr-escola e o(antigo) 1 grau (ROCHA, 1999, p. 83)

    Entretanto, como alerta Rocha (1999, p. 93),

    Esta sistemtica de seleo ao mesmo tempo em que democratizou o espao do GTpermitindo uma inscrio aberta, permitiu a excluso de trabalhos no selecionados.J em 90, de acordo com o relatrio do grupo, por exemplo, foram selecionadosquatorze dos dezoito trabalhos inscritos. Entre os critrios expressos peloscoordenadores foram a relevncia do tema, a consistncia terica, a discussocrtica, etc. Freqentemente os critrios de seleo, hoje sob responsabilidade de umcomit cientfico, tm sido um objeto de discusso na ANPEd e, desde 1995, asregras quanto formatao tambm passaram a ser eliminatrias. Hoje, com aexpressa limitao do nmero de trabalhos de psteres por GT, essa excluso tende ase acentuar e pode pr em risco a ampliao do debate, especialmente em reascomo a educao infantil, onde se busca ampliar as pesquisas e o espectro deabordagem (ROCHA, 1999, p. 83)

    No se pretende, com esta posio, que no se estabeleam critrios de seleo dostrabalhos para apresentao na Associao, mas que se coloque disposio dos

    13 Maiores informaes sobre o seminrio podem ser encontradas em FARIA, Ana L. G. & CAMPOS, Maria M.

    Financiamento de polticas pblicas para crianas de 0 a 6 anos. Cadernos ANPEd (nova fase) n. 1, 1989.

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    pesquisadores da rea o acesso aos trabalhos no selecionados para veiculao na Associaoe na Revista Brasileira de Educao, que apresenta trabalhos inditos. Entende-se que essestrabalhos configuram-se como fonte profcua de informaes mais gerais sobre a educao dacriana de 0 a 6 anos, que podem inclusive sinalizar para novas discusses na rea e tambmpara retrocessos ainda existentes, e revelar infncias ainda no encontradas nas pesquisas.Essa profcua fonte de informaes pode ainda ser importante para pesquisas que envolvam omapeamento e a visualizao da produo cientifica da rea em mbito nacional maisabrangente.

    2.2 As fontes da pesquisa: o Banco de Dados do Nee0a6Anos.

    A aproximao com o campo investigativo para o conhecimento das fontes deinformao para a pesquisa por meio dos textos apresentados nas Reunies Anuais daAssociao e, especificamente, no Grupo de Trabalho sobre a Educao da Criana de 0 a 6Anos (GT 7) teve incio com a alimentao do Banco de Dados do Nee0a6 com informaesdos textos (incluindo todos os tipos de apresentao)14 constantes nos Anais das ReuniesAnuais da ANPEd, bem como nos CD-ROM e no Site da Associao dos anos de 1997 e1998 (no contemplados nas pesquisas que mapearam o estado da arte da educao infantil, jreferidas na introduo). Esse movimento, alm de permitir uma aproximao com ostrabalhos e com a prpria Associao, viabilizou o mapeamento da bibliografia de refernciautilizada pelos autores dos trabalhos que compem o Banco de Dados (a partir da leitura dostrabalhos na ntegra), fato que colabora para a anlise dos trabalhos selecionados por meio docruzamento das concepes de criana e de infncia mapeadas e das orientaes tericas dosautores, a partir das reas do conhecimento15 expressas.

    A alimentao do Banco de Dados teve como critrio manter a estrutura j utilizadapelo Nee 0 a 6 e incluir os dados dos trabalhos apresentados nas Reunies Anuais da ANPEddos anos de 1997 e 1998.

    14 A sistemtica de apresentao dos trabalhos selecionados para as Reunies Anuais da Associao realizada

    atravs de comunicaes (trabalhos escolhidos por seleo geral, com limite de aceitao de 10 por reunio,sendo includos nessa categoria trabalhos excedentes (um por GT), trabalhos encomendados a pedido daAssociao); psteres (escolhidos na seleo geral, com limite de apresentao de 10 trabalhos); minicursos esesses especiais. O Banco de Dados do Nee0a6Anos inclui as informaes de todos esses tipos deapresentaes de trabalhos.15

    O termo reas do conhecimento ser utilizado de acordo com a denominao do Conselho Nacional deDesenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq).

  • 27

    O campo BIBLIOGRAF (informaes sobre a bibliografia utilizada no trabalho:nmero ou relao das mais citadas quando for muito extensa) foi alimentado tendo comocritrio a leitura dos trabalhos na ntegra, verificando os autores que se destacam no corpo dotexto como referncia terica, ou seja, a identificao dos autores mais utilizados, quando essareferncia no feita pelo prprio autor. O Banco de Dados conta com um total de 115trabalhos, incluindo, como mencionado anteriormente, todos os tipos de texto, como podemosvisualizar na tabela 1, excludos os mini-cursos.

    Ano da Reunio Anual

    N de trabalhos/ tipo de apresentao 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Total geral

    Comunicaes 10 10 8 10 10 9 57Encomendados 2 2 2 2 3 11Excedentes 1 1 2Psteres 6 6 6 6 6 6 36Sesses Especiais 2 2 4Total/ano 16 18 17 18 21 20 110

    Figura 1 Total de trabalhos apresentados no GT 07 da ANPEd, nas Reunies Anuais de 1997-2002Fonte: Banco de Dados do Nee0a6anos/CED/UFSC.Observao: Nestes seis anos de Reunies Anuais da ANPEd foram realizados cinco minicursos.

    No universo de 115 trabalhos apresentados apenas no GT 07 da Associao, todos soinvestigaes especficas sobre a educao da criana de 0 a 6 anos e compem o campoinvestigativo desta pesquisa.

    2.3

    Critrios para seleo dos trabalhos: os temas e a sua viabilidade.

    O universo de 115 trabalhos, que representa a produo do GT 07 nos seis anosdelimitados para a pesquisa, so textos especficos sobre a criana de 0 a 6 anos e sobre aeducao infantil. A partir desse universo representativo das produes acadmicas na rea,partiu-se para a leitura prvia de todos os textos integrais contidos no Banco de Dados. Essaleitura teve como intuito fazer o levantamento dos autores mais citados no corpo dos textos ouindicados como referncia terica por seus autores e o levantamento dos textos cujos temasfossem concepo de criana, infncia e educao. Objetivando obter uma maior aproximaocom o tema proposto e uma amostra vivel para a anlise, foram selecionados os trabalhoscujos assuntos centrais fossem a criana ou a infncia e que apresentassem referncias

  • 28

    bibliogrficas. De acordo com esse novo critrio, foram escolhidos 24 trabalhos, 16 delesreferindo-se ao tema criana e 8 deles ao tema infncia. A diferena conceitual entrecriana/infncia foi estabelecida pelos prprios autores dos trabalhos selecionados, encontradanos objetivos contidos nos textos integrais. importante lembrar que a anlise das refernciasbibliogrficas utilizadas nos textos pretendeu identificar as orientaes tericas dos autoresdos textos selecionados para cruz-las com as concepes de criana e de infncia nomapeamento realizado, o que implicou uma leitura mais atenta do tema tratado em cadacomunicao.

    2.4 O corpus de anlise: o GT 7 e o Banco de Dados.

    De acordo com Jorge Vala (1999, p.), existem operaes mnimas para a prtica daanlise de contedo. Essas operaes iniciam-se com a delimitao dos objetivos e definiode um quadro de referncia terico orientador da pesquisa; constituio de um corpus;definio de categorias; e definio de unidades de anlise; a essas operaes adiciona-se aquantificao, que permite assegurar a fidedignidade e a validade das inferncias e da prpriaanlise. No entanto, a constituio do corpus de anlise pode ocorrer em duas direes:quando a produo do material de anlise produto direto da pesquisa, o corpus ser oconjunto total desse material produzido, ou quando

    [...] os documentos-fonte susceptveis de permitir o estudo do problema foramproduzidos independentemente da pesquisa, o analista procede habitualmente umaescolha, e dentro do tipo de documentos escolhidos ter ainda muitas vezes queproceder a alguma seleo, com base em critrios que explicitar. Estes critriospodem ser de ordem qualitativa ou quantitativa (VALA, 1999, p. 109).

    Assim, o corpus de anlise desta pesquisa constituiu-se a partir dos documentos-fontecontidos no Banco de Dados do Nee0a6Anos, representantes da produo acadmica do GT 7da ANPEd no perodo compreendido entre os anos de 1997 e 2002. Do universo dos 115trabalhos que compem o Banco de Dados foram selecionados 24 (por sua viabilidade eadequao aos objetivos da pesquisa, como explicitado no item anterior), 16 deles envolvendoquestes em torno do tema criana e 8 trazendo discusses referentes infncia. O corpus deanlise, constitudo pelos 24 trabalhos selecionados, pode ser visualizado no quadro da Figura2.

  • 29

    Ttulo do trabalho Autor(a)(es) Tipo deapresentao

    Tipo depesquisa* ANO

    Educadoras de creches: entre o feminino e oprofissional

    CERISARA, AnaBeatriz Comunicao

    EstudoEmprico

    Musicalizao infantil na creche Bertha Lutz MARINHO, Maria de F. Pster EstudoEmpricoA criana pr-escolar: anlise da rotina devida

    RAMALHO, Maria H.da S. Comunicao

    EstudoEmprico

    1997

    A constituio do eu num espao coletivo:investigao sobre o terceiro ano de vidanuma creche pblica

    NASCIMENTO, MariaL. B. T. Comunicao

    EstudoEmprico

    Creche, brincadeira e Antropologia: um trioinstigante numa experincia de pesquisa emEducao Infantil

    PRADO, Patrcia Dias Comunicao EstudoEmprico

    Infncia, conhecimento e contemporaneidade SOUZA, Solange J. ePEREIRA, Rita M. R. ComunicaoEstudoTerico

    1998

    O fio e a trama: as crianas nas malhas dopoder BUJES, Maria I. E. Comunicao

    EstudoTerico

    O desenho da criana pequena: distintasabordagens na produo acadmica emdilogo com a educao

    GOBBI, Mrcia eLEITE, Maria I.

    TrabalhoEncomendado

    EstudoEmprico

    A construo do infantil na literaturabrasileira

    GOUVA, Maria C. S.de

    TrabalhoExcedente

    EstudoTerico

    A pedagogia dos pequenos: uma contribuiodos autores italianos

    GUIMARES, Danielae LEITE, Maria I. Comunicao

    EstudoTerico

    1999

    Que infncia essa? BUJES, Maria I. E. Comunicao EstudoTericoIndcios utilizados por educadoras paraavaliar o processo de insero de bebs emuma creche

    ELTINK, Caroline F. Comunicao EstudoEmprico

    2000

    Infncia e contemporaneidade ALMEIDA, Milton J. de TrabalhoEncomendadoEstudoTerico

    Governando a subjetividade: a construo dosujeito infantil no RCN/EI BUJES, Maria I. E. Comunicao

    EstudoTerico

    2001

    Infncia e diversidade: as culturas infantis COUTINHO, ngela M.S. PsterEstudo

    EmpricoEducao infantil um direito das crianas:incluso ou excluso?

    FULLGRAF, Jodete B.G. Pster

    EstudoEmprico

    (Re)significando os centros de convivnciainfantil da UNESP

    GARMS, Gilza Mari Z. eCUNHA, Beatriz

    Belluzzo B.Comunicao EstudoEmprico

    Com olhos de criana: o que elas falam,sentem e desenham sobre sua infncia emcreche

    OLIVEIRA, AlessandraM. R. de Comunicao

    EstudoEmprico

    A apequenizao das crianas de zero a seisanos: um estudo sobre a produo de umaprtica pedaggica

    SILVEIRA, Dbora deB. Pster

    EstudoEmprico

    A educao infantil no contexto das polticaspblicas

    BARRETO, ngelaMaria R. F.

    TrabalhoEncomendado

    EstudoTerico

    Educao infantil: espao de educao ecuidado

    COUTINHO, ngela M.S. Comunicao

    EstudoEmprico

    2002

  • 30

    Ttulo do trabalho Autor(a)(es) Tipo deapresentao

    Tipo depesquisa* ANO

    A explorao do mundo natural pelascrianas: a construo do conhecimento naeducao infantil

    GOULART, Maria I. M.e VAZ, Arnaldo Pster

    EstudoEmprico

    Entender o outro [...] exige mais quando ooutro uma criana: reflexes em torno daalteridade da infncia no contexto daeducao infantil

    OLIVEIRA, AlessandraM. R. de Comunicao

    EstudoEmprico

    Infncia e materialidade: uma abordagembachelardiana

    RICHTER, SandraRegina S. Comunicao

    EstudoEmprico

    Figura 2 Quadro Trabalhos selecionados por modalidade de apresentao e tipo de pesquisa. Reunies Anuaisda ANPEd entre 1997-2002.

    *O campo Tipo de pesquisa refere-se aos estudos que tomam como referente para a pesquisa a criana/infnciaconcreta (Estudo emprico) e aqueles cujo referente a criana/infncia terica (Estudos Tericos).

    Aps a definio do corpus de anlise, passamos a definir os procedimentosmetodolgicos utilizados e a definio do sistema de categorizao da pesquisa.

    2.5

    A anlise de contedo: tcnica de tratamento de informaes.

    Como instrumento metodolgico para esta pesquisa lanaremos mo da anlise decontedo como tcnica de tratamento de informaes, tcnica que pode integrar-se emqualquer um dos grandes tipos de procedimentos de investigao cientifica existentes. Vala(1999), por meio de um breve histrico sobre a anlise de contedo, observa que hoje umadas tcnicas mais comuns na investigao emprica realizada pelas diferentes cinciashumanas e sociais. Mas acrescenta que ela se constituiu durante muito tempo como umatcnica predominantemente til no estudo da comunicao social e da propaganda poltica,associando-se a objetivos pragmticos e de interveno16. Tal tcnica apresentou aceitaotambm nas pesquisas da Psicologia, com o intuito de desvendar os enigmas da personalidadehumana por meio da anlise de documentos (cartas e outros documentos autobiogrficos).

    16 Atravs dos estudos de Bardin (2000) sabe-se que esta tcnica surgiu nos EUA, no contexto behaviorista, nas

    cincias humanas e por interesse dos governos em adivinhar as orientaes polticas e as estratgias dos pasesestrangeiros, com a ajuda de documentos acessveis (imprensa, rdio), o que fez do analista um detetive munidode preciso; metodologicamente, para a realizao da tarefa investigativa, confrontam-se ou complementam-seduas orientaes: a verificao prudente e/ou a interpretao brilhante. No entanto, sua origem pode remeter-se atempos mais longnquos. De acordo com Franco (1994, p. 159), j existe a preocupao anterior ao sculo XXcom a anlise de contedo de informaes e discursos atravs da decifrao de smbolos, sinais e mensagensde Deus, [...] por meio da exegese de textos bblicos, para que fosse possvel interpretar as metforas e asparbolas. Como exemplo, encontra-se a pesquisa de autenticidade dos hinos religiosos e seus efeitos sobre osluteranos, realizada na Sucia por volta de 1640. No sculo XIX, os estudos do francs B. Bombom sobre aexpresso das emoes e as tendncias da linguagem toma como fonte de pesquisa uma parte da Bblia, o xodo,utilizando-se, inclusive, da classificao temtica e da quantificao.

  • 31

    Entretanto, a anlise de contedo ainda sofre fortes crticas metodolgicas, derivadasda existncia do que Pcheux (apud VALA, 1999, p. 101) define como indicadoreslingsticos cuja pertinncia no est fixada, uma vez que esses indicadores esto numarelao de dependncia da interveno do codificador no estabelecimento do sentido dotexto, ou seja, da interpretao do investigador em relao aos dados.

    Por outro lado, de acordo com Bardin (2000, p. 9), a tcnica de anlise de contedotem como base

    [...] uma hermenutica controlada, baseada na deduo: a inferncia. Enquantoesforo de interpretao, a anlise de contedo oscila entre os dois plos: do rigor daobjetividade e da fecundidade da subjetividade. Analisar mensagens por esta duplaleitura onde uma segunda leitura se substitui leitura normal do leigo ser agenteduplo, detetive, espio.

    Para entender melhor tais problemas, torna-se necessrio compreender os fundamentosda anlise de contedo sistematizados por Vala (1999, p. 103) e expressos por Berelson(1952), que a define como uma tcnica de investigao que permite uma descrio objetiva,sistemtica e quantitativa do contedo manifesto da comunicao; Cartwright (1953)estende o mbito da anlise a todo comportamento simblico, e mais tarde Krippendorf(1980) a conceitua como uma tcnica de investigao que permite fazer inferncias, vlidas ereplicveis, dos dados para o seu contexto. Tal tcnica exige ainda uma maior explicitaode todos os procedimentos utilizados.

    Nessa perspectiva, a anlise de contedo nos permite fazer inferncias, dedues sobrea fonte, sobre a situao em que ela foi produzida, sobre o material que constitui o objeto daanlise, pois a finalidade dessa tcnica de investigao efetuar inferncias com base numalgica explicitada e de acordo com o objeto a ser analisado.

    Um aspecto importante a ser considerado em relao a essa tcnica que as condiesde produo de uma anlise de contedo devem levar em conta

    [...] se os dados de que dispe o analista encontram-se j dissociados da fonte e dascondies gerais em que foram produzidos; o analista coloca os dados num novocontexto que constri com base nos objetivos e no objeto da pesquisa; paraproceder a inferncias a partir dos dados, o analista recorre a um sistema deconceitos analticos cuja articulao permite formular as regras da inferncia. Ouseja, o material sujeito anlise de contedo concebido como o resultado de umarede complexa de condies de produo, cabendo ao analista construir um modelocapaz de permitir inferncias sobre uma ou vrias dessas condies de produo.Trata-se da desmontagem de um discurso e da produo de um novo discursoatravs de uma localizao-atribuio de traos de significao, resultado de uma

  • 32

    relao dinmica entre as condies de produo do discurso a analisar e ascondies de produo da anlise (VALA, 1999, p. 104, grifos nossos)

    Como podemos constatar por meio das condies de produo de uma anlise decontedo, para sua realizao essa tcnica pressupe uma (des)construo dos dados por meioda inferncia, ou seja, a deduo lgica por parte do investigador assume a forma de umanova construo. Esse processo de desconstruo/inferncia/construo passa pelo filtroanaltico do investigador, assumindo, por sua vez, por meio dessa inferncia, o aspectointuitivo (e porque no admitir subjetivo) do processo de construo do conhecimentocientfico nas cincias humanas e sociais. Ainda que a construo da anlise busque apoiar-seem mtodos cientficos tradicionalmente reconhecidos pela comunidade cientfica, utiliza-seda inferncia entendida aqui como um ato no neutro, ainda que baseado numa deduolgica , mas no podemos esquecer que tal anlise construda a partir da sua ligao commtodos cientficos, no sendo, portanto, uma mera deduo subjetiva alheia a critrioscientficos17.

    Desse modo, como j referimos no item 2.4, a anlise de contedo supe a realizaode operaes mnimas para a orientao da pesquisa. Explicita-se, neste momento, osprocedimentos utilizados, a partir da construo do corpus de anlise desta pesquisa, para aconstruo do contexto de produo da anlise por meio das operaes de definio decategorias e de unidades de anlise, o que possibilitou a construo de quadros analticos (Verapndices) contendo informaes dos textos selecionados a partir dos objetivos da pesquisa.

    De acordo com Vala (1999, p. 110-111) as categorias so elementos-chave do cdigodo analista. Uma categoria habitualmente composta por um termo-chave que indica asignificao central do conceito que se quer apreender, e dos outros indicadores relativos auma categoria; dessa forma, importam ao analista os conceitos. importante destacar emrelao construo das categorias que ela pode se dar a priori operao que pressupeuma interao entre o quadro terico do analista, os problemas da pesquisa e as hipteses

    17 Cabe ainda ressaltar, parafraseando Azanha (1992), que os problemas metodolgicos decorrentes da utilizao

    de tcnicas paradigmticas de investigao cientfica que elas buscam, atravs de uma integralizao deobservaes pontuais ou dados qualitativos (qualquer que seja seu nmero) apreender a totalidade da vidacotidiana e chegar sedutora tentao do conhecimento total, atitudes to freqentes nas Cincias Sociais. Noentanto, essa tentao tem sido contraproducente, pois, nas palavras de Hermann Biondi (apud AZANHA, 1992,p. 102), a cincia , por natureza, inexaurvel. Sempre que se incorporam novas tecnologias experimentao e observao existe a possibilidade de que se descubram coisas que antes nem se sonhavam. Assim, umacincia do homem como advoga Azanha, no poderia deixar de buscar compreender o homem a partir de simesmo como tambm a partir daquilo que o constitui enquanto homem a sua dimenso social. Dessa forma,se o problema est no modo como partimos deles para a construo de um conhecimento do homem, numsentido genrico, camos novamente na questo epistemolgica e paradigmtica das cincias sociais.

  • 33

    capaz de construir um sistema de categorias cujo objetivo seja apenas detect-las (refutando-as ou confirmando-as) , a posteriori quando as categorias emergem do material dapesquisa, dos dados ou podemos ter uma construo de categorias por meio da combinaodos dois processos.

    Assim, por meio do delineamento construdo no quadro terico das imagens da criananas cincias humanas e sociais forjado pelo recorte em torno das pedagogias pedocntricas,que possibilitaram ao sujeito-criana um papel ativo no processo educativo, a anlise dasunidades de registro que evidenciavam as concepes de criana e de infncia nos trabalhosselecionados indicou a presena de dois grandes conceitos que emergiram dos dados dapesquisa: o conceito de sujeito-criana e o conceito de criana em desenvolvimento.

    Dessa forma, a construo das categorias sujeito-criana e criana emdesenvolvimento surgiram a partir da definio das unidades de anlise. As unidades deanlise podem ser de trs tipos: unidade de registro, unidade de contexto e unidade deenumerao, todas necessrias para a construo das categorias. Uma unidade de registrocaracteriza-se por um segmento determinado de contedo, e pode ser formal ou semntica.A escolha entre ambas ser determinada pelos objetivos e pela problemtica terica dapesquisa, que ir mostrar que unidades de anlise devem ser consideradas, se uma palavra, umtema, um item, etc.

    Nesta pesquisa optamos pela unidade de registro semntica, com a utilizao do tema,que, de acordo com Franco (1994, p. 172-173), caracteriza-se por uma assero sobredeterminado assunto, que pode ser uma simples sentena (sujeito e predicado), um conjuntodelas ou um pargrafo. O campo de aplicao desse tipo de unidade amplo, sendo mais tilem anlise de contedo e indispensvel nos estudos sobre propaganda, valores, crenas,atitudes e opinies. As limitaes na sua utilizao devem-se s dificuldades quanto aotempo dispensado para a coleta de dados e difcil identificao de seus limites, que podeculminar numa perigosa reduo.

    Esse processo de reduo de unidades gramaticais em unidades temticas( unitizao) pode prejudicar seriamente a fidedignidade, a no ser que aspropriedades estruturais das unidades temticas estejam precisamente definidas.(HOLSTI, 1969 apud FRANCO, 1994, p. 173)

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    Assim, como forma de evitar os problemas relativos unitizao, a unidade decontexto foi includa na construo dos dados para a anlise. A unidade de contexto composta

    [...] pelo segmento mais largo de contedo que o analista examina quandocaracteriza uma unidade de registro. A dimenso da unidade de contexto depende dotipo de unidade de registro que se escolheu. Este tipo de unidade um suporteimportante da validade e fidedignidade do trabalho dos analistas. Quanto maisextensas so as unidades de registro e de contexto mais dificuldades se levantam validade interna da anlise (VALA, 1999, p. 114).

    Outro procedimento necessrio a quantificao por meio da unidade de enumerao,que, por sua vez, pode ser geomtrica e aritmtica. As unidades aritmticas podem ser muitovariadas e ter ou no por base diretamente as unidades de registro. Permitem contar afreqncia de uma categoria. Vala (1999, p. 115) adverte que a escolha das unidades deenumerao deve ser cuidadosamente ponderada, pois diferentes tipos de unidades podemconduzir a diferentes resultados. A anlise de ocorrncias tratamento mais simples que sepode dar aos dados parte integrante da ltima etapa do trabalho do analista e

    [...] visa determinar o interesse da fonte por diferentes objetos ou contedos. Ahiptese implcita a de que quanto maior for o interesse do emissor por um dadoobjeto maior ser a freqncia de ocorrncia, no discurso, dos indicadores relativos aesse objeto (VALA, 1999, p. 117-118).

    De qualquer forma, no existem modelos ideais em anlise de contedo, os prpriosdados da pesquisa evidenciam esse fato. Quantitativa ou qualitativa, como diria K. Lewin,no h anlise de contedo sem uma boa teoria. As regras do processo inferencial que subjaz anlise de contedo devem ser ditadas pelos referentes tericos e pelos objetivos doinvestigador (VALA, 1999, p. 126)

    2.6 Definio das categorias e o sistema de categorizao.

    A partir da unidade de anlise (o tema criana/infncia) obtivemos um sistemacategrico no-apriorstico18 que emergiu do contedo expresso pelos autores dos textos, por

    18 Franco (1994, p. 176177; 180) alerta para as vantagens e desvantagens na utilizao de um sistema

    categrico no-apriorstico: Por um lado, trabalhar com um sistema categrico aberto exige maior bagagemterica do investigador. Do ponto de vista tcnico, gera a tendncia de se iniciar o trabalho, criando-se umagrande quantidade de categorias. s vezes, principalmente os iniciantes abrem uma categoria para cada resposta.Isso tambm fragmenta o discurso e prejudica a anlise das convergncias. Quando isso ocorrer, importante

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    meio das unidades de registros retiradas dos textos selecionados. O conceito deSujeito/criana e o de Criana em Desenvolvimento so dois grandes conceitos que permitemo cruzamento de categorias tericas e de anlise, constituindo-se (juntamente com assubcategorias) no sistema de categorizao desta pesquisa, conforme o esquema no quadro daFigura 3.

    CATEGORIAS SUBCATEGORIAS

    A Conceito de sujeito/criana

    A1. Sujeito social/heterogneoA2. Sujeito produtor de culturaA3. Sujeito de direitosA4. Sujeito criador/ser inventivoA5. Sujeito devir-criana

    B Conceito de criana em desenvolvimentoB1. Criana/scio-cultural

    B2. Criana vir-a-ser/maturao

    Figura 3 Sistema de categorias e subcategorias a partir das unidades de registro, encontradas nos trabalhosselecionados.

    Assim, de acordo com esse quadro, temos como subcategorias das categorias A e B:

    A Conceito de sujeito/criana.A1 Sujeito social/heterogneo/alteridade a criana entendida enquanto sujeito

    contextualizado socialmente, entendido na sua heterogeneidade e alteridade.A2 Sujeito produtor de cultura a criana entendida enquanto sujeito que

    reproduz/produz cultura.A3 Sujeito de direitos a criana entendida enquanto sujeito social de direitos

    legalmente constitudos.A4 Sujeito criador/ser inventivo a criana entendida na sua potencialidade

    criativa e inventiva.

    A5. Sujeito devir-criana a criana entendida a partir do seu processo deconstituio enquanto ser criana.

    B Conceito de criana em desenvolvimento.

    encontrar alguns princpios organizatrios, que seriam as categorias mais amplas, para depois classificar osindicadores em mdulos interpretativos menos fragmentados. Uma outra vantagem implcita na elaborao deum sistema categrico no-apriorstico diz respeito a grande quantidade de dados novos e diversificados quepodem surgir. [...] que devem ser incorporados anlise que se torna mais rica e relevante.

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    B1 Criana/sociocultural quando o processo de desenvolvimento infantil estrelacionado aos fatores socioculturais.

    B2 Criana/vir-a-ser/maturao quando o processo de desenvolvimento infantilest relacionado aos fatores de maturao biolgica.

    Esse quadro de referncia ser a base para a anlise dos trabalhos e para aidentificao das concepes de criana, de infncia e de educao veiculadas pelos trabalhosselecionados.

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    3 A INFNCIA E A CRIANA NA PEDAGOGIA

    A discusso que iniciamos como base para a construo do corpo terico de anlisedas concepes de criana e de infncia veiculadas pelas produes acadmicas recentes narea da Educao Infantil tem como objetivo no s compreender a constituio da pedagogiaenquanto cincia da educao, mas tambm evidenciar a necessidade da pedagogia, por contada natureza de seu objeto o ato pedaggico em determinada situao, definido pelocontexto das relaes educacionais-pedaggicas (ROCHA, 1999) estar construindomltiplos olhares sobre a criana e a infncia a partir das contribuies das cincias humanase sociais. E por meio da exposio das diferentes imagens da criana e da infncia produzidaspelos estudos da filosofia, da psicologia, da sociologia e da antropologia, maisespecificamente a partir das pedagogias pedocntricas sob a luz da historiografia da infnciamoderna, essa discusso visa construir um panorama da constituio do estatuto de sujeito(SMOLKA, 2002) atribudo criana contempornea. O entendimento do sujeito-criana, umsujeito biossociocultural, a partir de uma perspectiva de dilogo multidisciplinar contribuitambm para consubstanciar as discusses em torno das especificidades da educao dacriana de 0 a 6 anos e a constituio de uma Pedagogia da Educao Infantil.

    3.1 As imagens da criana nas cincias humanas e sociais: um recorte histrico a partirdas pedagogias pedocntricas

    Quem quer que se ocupe com a anlise das concepes de criana que subjazemquer ao discurso comum quer produo cientfica centrada no mundo infantil,rap