anaisgt11 - espiritualidade sem religião (ver ultimo artigo de flavio senra
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VII CONGRESSO INTERNACIONAL EM CINCIAS DA RELIGIO: A RELIGIO ENTRE O ESPETCULO E A INTIMIDADE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO, PUC Gois, Goinia, de 08 a 11 de abril de 2014 ISSN 2177-3963
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Orgs.:
ALBERTO DA SILVA MOREIRA
CAROLINA TELES LEMOS
EDUARDO GUSMO DE QUADROS
ROSNGELA DA SILVA GOMES
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VII CONGRESSO INTERNACIONAL EM CINCIAS DA RELIGIO: A RELIGIO ENTRE O ESPETCULO E A INTIMIDADE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO, PUC Gois, Goinia, de 08 a 11 de abril de 2014 ISSN 2177-3963
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GT11: SENSO RELIGIOSO CONTEMPORNEO E ESPIRITUALIDADES
NO RELIGIOSAS
Coordenadores
Dr. Flvio Augusto Senra Ribeiro (PUC Minas) [email protected]
Mt. Fabiano Victor de Oliveira Campos (UFJF) [email protected]
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A RELIGIO COMO ATO DE REBELDIA E A TRAGICOMDIA DAS
RELAES HUMANAS NO CONTEMPORNEO
Doutorando: Marivelto L. Xavier - SEDAC MT ([email protected] )
Resumo
O presente artigo discute a religio como ato de rebeldia, fundante de toda relao
humana ou institucional e aborda a felicidade artificial como consequncia tragicmica
desse processo no contemporneo. Trata-se de tematizar a religio em sua teleologia
como felicidade racionalmente autnoma e democrtica, conforme o faktum der
vernunft kantiano. Constructo mental do acordo mtuo - ideolgico entre os homens
sendo a religio o primeiro motor. Ora, a pulso subjetiva compreendida como ato de
rebeldia legitima-se antropologicamente nos atos mais secretos e contra culturais, cuja
gentica pr-racional pretende ser o xtase anterior ao motor racional da memria
consciente. Fonte de toda contra conscincia o ato de rebeldia dissolve as relaes sociais e precipita as relaes conscientes em ficcionais. A religio torna-se, desse
modo, relaes tragicmicas manipuladas virtualmente quanto necessrio para legitimar
o bem estar psicolgico subjetivo.
1. INTRODUO
Propomos neste texto uma breve reflexo acerca da condio de validade da
razo autnoma como mito religioso e paradoxalmente a desontologizao dos acordos
humanos, portanto, da possibilidade histrica da f. Nosso objetivo contribuir para o
debate em torno das discusses acerca das novas possibilidades de espiritualidades no
religiosas.
A abordagem terica empreendida neste texto parte das discusses acerca da
tica Kantiana conforme Aquino (2004; 2005), em dilogo com Kant (1974), na
formao do conceito de fato do entendimento; de como este foi absorvido pela
antropologia contempornea, formatando o ato de rebeldia como condio de acordo
mtuo em Eibi-Eibesfeldt (1977).
A metodologia escolhida para esta abordagem parte da exposio dos
mecanismos de construo do ato de rebeldia como condio de construtiva de toda
construo entre acordos humanos.
Sendo assim, possvel inferirmos que s possvel acordos humanos se
necessariamente estes forem de construes semnticas das suas formas originais,
permitindo o sentido de relativizao e solvncia dos mesmos, configurando o que
chamamos de relaes tragicmicas espiritualizadas, enquanto felicidade, sem religio.
2. O ATO DE REBELDIA COMO CONDIO RACIONAL DA FELICIDADE
ARTIFICIAL
Qualquer sujeito comprometido com o Zeitgeist hodierno que pretende ser feliz
s pode faz lo ao modo dessa esperana no que no se v ou se objetivou. A condio
da felicidade artificial como destruktion (para falar com Gadamer) antes de tudo
certeza na prpria razo que lhe serviu como escada e agora foi dispensada. Porque a
felicidade como escopo da vida certamente no pode estar na histria, ao menos
consciente. Como deveria ser de outro modo? Seja de que modo for, (o ser)
notoriamente racional e certamente inconsciente e evolutivo. Por conseguinte, a anttese
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consistir no fato de que quanto mais racional for a condio de felicidade, ao modo
gnstico, mais agnstico (sntese) ser seu critrio de validade (f enquanto autonomia)
numa crescente evolutiva de modo assustador, ao ponto de pacificarmos como
felicidade a artificialidade das engenharias cientfico-filosficas para legitimar os mais
patticos e tragicmicos personagens da alta cultura contempornea, como ficar dito no
termo desta discusso.
Qualquer pessoa em plena atividade reflexiva h de convir que vivemos numa
realidade no mnimo perversa. Com isso, quero dizer corrupta. Uma espcie de
realidade artificial (DWORKIN, 2000, p. 10), criada para legitimar as mais diversas insanidades do amor por si mesmo, isto , bem-estar psicolgico (KANT,1974, p. 145).
De fato, essa inveno do real consequncia de uma mentalidade qual
denominamos promscua, uma forma de inteligncia que se prostitui de acordo com sua
felicidade artificial. Um dos elementos fundamentais educao do indivduo est na
identidade deste com a comunidade, no um mero grupo histrico de sujeitos que
partilham do mesmo esprito; trata-se da identidade com sua tradio, sua memria.
Identidade, mais ou menos ao que comum a todos, valores, sentimentos, preconceitos,
entre outros, que tornam o indivduo aceito. Livre da angstia de no pertena a um
corpo social e s vezes at dito importante para a comunidade. Destarte, faz-se
pertinente abordar qual seria o critrio dessa identidade social, comum aos
contemporneos.
Antes de iniciar a curta exposio desse estudo, delimitar-se- seu alcance. Trata
se do conceito de fato da razo (AQUINO, 1991, p. 329) como possibilidade de liberdade transcendental em Kant, isto , pedra angular de sua tica (AQUINO, 1991, p. 329).
O conceito de fato de razo requer, por antecipao, a compreenso da evoluo
da tica kantiana em seus pressupostos e efetiva realizao, no sendo este objeto do
presente estudo.
Kant se empenha em demonstrar que possvel e necessrio admitir, tendo em vista o uso prtico da razo pura, uma vontade auto legisladora, capaz de passar da
mxima subjetiva a uma lei universal objetiva (AQUINO, 1991, p. 328). Desse modo, Kant prope uma tica universal, mediada pelo conceito de Faktum der vernunft.
Segundo Aquino, Kant afirma a igualdade da razo pura e prtica. Destarte, a
universalidade da determinao da vontade a priori. No entanto, ressalta que essa
determinao da vontade a priori independe de qualquer fator emprico (AQUINO, 1991, p. 328). A vontade como fato de razo no poderia ser demonstrvel como
experimento cientfico; logo, sua universalidade seria invlida? (KANT,1974, p. 87).
Conforme Aquino, Kant afirma a existncia desse fato, embora no possa ser
explicvel por nenhum dado do mundo sensvel produz seus efeitos como lei do mundo inteligvel (AQUINO, 1991, p. 329). Destarte, a lei moral deve ter valor por si mesma e como a lei moral a lei da vontade racional, a vontade autnoma. Ou seja,
d a si mesma a sua lei (ROVIGHI, 1999, p. 524). A liberdade transcendental torna-se efetividade na lei moral do imperativo
categrico: procede apenas segundo aquela mxima, em virtude da qual podes querer ao mesmo tempo que ela se torne lei universal (KANT,1974, p. 83).
Kant abre especulao uma metafsica da subjetividade, que tem por objeto o
inteligvel puro (AQUINO,1991, p. 329). A filosofia aqui encontra-se, para Kant, em
situao crtica:
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Necessita de demonstrar aqui a pureza, arvorandose em guardi de suas prprias leis, em vez de se apresentar como arauto
daquelas que lhe so sugeridas por um senso inato ou por no
sei que natureza tutelar. Sem dvida, estas em seu conjunto,
valem mais do que nada; nunca porm podem subministrar
princpios como os ditados pela razo, aos quais a origem plena
e inteiramente a priori afiana esta autoridade imperativa, no
esperando coisa alguma da inclinao do homem , mas tudo da
supremacia da lei e do respeito que lhe devido, de contrrio
condenando o homem a desprezarse e a sentir horror de si mesmo. (KANT,1974, p. 88).
Segundo Kant, o homem, cuja existncia em si mesma possui valor absoluto,
fim em si mesmo. Ento nisso e s nisso se poder encontrar o princpio de um
imperativo categrico (KANT,1974, p. 90).
Nesse sentido, a pessoa , para Kant (1974, p. 91), um fim em si mesma. Desse
modo, todos os outros seres racionais concebem de igual maneira sua existncia, em consequncia do mesmo princpio racional que vale tambm para mim (KANT,1974, p. 91). O imperativo categrico ser, pois, o seguinte: procede de maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como a pessoa de todos os outros, sempre ao mesmo
tempo como fim, e nunca como puro meio. (KANT,1974, p. 92). O sujeito, portanto, possui uma vontade auto legisladora (KANT,1974, p. 96)
capaz, por esse princpio de autonomia da vontade, de constituir a ideia do reino dos fins (KANT,1974, p. 96). Da o imperativo: que a vontade possa, merc de sua mxima, considerar-se como promulgadora, ao mesmo tempo, de uma legislao
universal (KANT,1974, p. 97). O sujeito racional deve legislar-se nesse reino dos fins pela liberdade da vontade,
quer como chefe ou como membro. Todavia, como chefe, s o poder fazer se for um ser completamente independente, sem necessidades de qualquer espcie e dotado de um
poder de ao, sem restries, adequado sua vontade. (KANT,1974, p. 87). O sujeito, ento, busca a liberdade de suas prprias inclinaes, fonte de
necessidades que possuem to reduzido valor absoluto que as torne desejveis por si
mesmas contra essas fraquezas da imaginao fantasmagrica (KANT,1974, p. 89). Eis a o desejo universal de todos os seres racionais no sofrer (VAZ, 2000, p. 273). O reino dos fins um reino sem sofrimento, sem dor nem cruz, tal o melhor dos mundos kantiano (KANT,1974, p. 157). A razo subjetiva levada as ltimas circunstncias em Kant prope j teoricamente o ato de rebeldia como o enlace
contraditrio e, por isso, evolutivo da autonomia da vontade subjetiva e a legislao
universal. Ora, a felicidade se mostrar como um espectro terico comum oculto no
sem-razo da conscincia dos idealismos e materialismos e, ao lanar-lhe os olhos, o
homem v-se como num espelho. O naturalismo bolchevique e o neoclassicismo se
beijam nesse ser sem carne e ossos de uma promessa s custas do juramento de
desobedincia a qualquer preo da memria, em troca do devaneio insensato e titnico
do no-sofrer. Deixar o corpo do Barroco s aves de rapina e desobstruir o caminho
ureo deste no dito. Faz- se necessrio percorrermos esta empresa da subjetividade
hodierna.
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3. A PERCEPO ANTROPOLGICA DO ATO DE REBELDIA
Sigmund Freud, movido pela doutrina evolucionista de C. Darwin, afirmava que
no decorrer da evoluo dos animais existiu primitivamente uma horda de animais
liderada por um Velho Gorila. Este monopolizava todas as fmeas do bando e, por isto,
perseguia e expulsava os filhos, tendo em vista, claro, manter o monoplio das fmeas.
As pesquisas recentes demonstram tal instinto primitivo no homem intimamente
determinado pelo denominado instinto inibitrio que:
Em muitos grupos de macacos os machos ameaam indivduos
da mesma espcie mostrando seus rgos genitais externos de
maneira especial. Essa apresentao genital tambm usada por
alguns macacos para delimitao de territrio. Quando algum
macaco que no pertence ao grupo se aproxima, ento os vigias
tem uma ereo. Este comportamento provavelmente uma
ameaa ritualizada de cpula. A ameaa de cpula , para
muitos mamferos, tambm uma manifestao de liderana.
(EIBI-EIBESFELDT,1977, p. 30).
A existncia do rito erotizado da cpula (APEL, 2000, p. 260) mantinha uma determinada ordem no bando. A ameaa instintiva era precedida pela instituio de ritos
teogonmicos, isto , foras criadora de deuses e, portanto, da moral. Trata-se, segundo,
Konrad Lorenz, do comportamento animal anlogo moral, ou seja, pela comprovao
dos instintos inibitrios que contribuem para a conservao da espcie e que tm
funcionamento normal em animais no domesticados, tais instintos impedem os animais
de atacar outros companheiros da mesma espcie mesmo que estes se ofeream a eles
desprovidos de qualquer proteo (APEL, 2000, p. 260).
Tal assertiva acerca dos instintos inibitrios, condio de possibilidade de todo
princpio de comunidade, verificada em animais e nos prprios seres humanos. Por
exemplo, o co subjugado por outro deita-se de costas e urina, como o fazem seus filhotes, desenvolvendo assim um padro comportamental infantil que desencadeia
aes de cuidado no co atacante, por exemplo, lamber o derrotado. (EIBI-EIBESFELDT,1977, p. 26).
Nos seres humanos, entrementes, o infantilismo e atitudes de cuidado da prole
pertencem ao repertrio carinhoso do adulto. Infantilismos so tpicos modos carinhosos
de falar:
Manifestaes regressivas pertencem ao repertrio
comportamental normal. O homem sadio usa tais apelos quando
precisa de cuidados. Uma pessoa desesperada encosta a cabea
no peito da outra como se fosse uma criana. Nestas ocasies
consegue-se observar at mesmo os movimentos pendulares
automticos da cabea, como um beb procurando o seio
materno. (EIBI-EIBESFELDT, 1977, p. 30).
Torna-se necessrio, nesse momento, prestarmos ateno ao que foi dito
anteriormente acerca da determinao das foras teogonmicas [instintos inibitrios]
como instituio; doravante:
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Entende-se por instituio em sentido amplo toda cristalizao e
autonomizao de nosso trato comportamental com o mundo
exterior e com os outros, adequadas para atribuir a nosso
comportamento uma consistncia externa capaz de estabelecer
compromissos. Nesse sentido, uma instituio at mesmo uma
troca de correspondncia entre diversas pessoas, ou pra
mencionar um exemplo mais elementar ainda, a maneira
especializada que a elaborao de um artefato exige, e que acaba
por se transformar num fim em si mesmo. (APEL, 2000, p. 233).
Destarte, as instituies so modos de falar efetivados em atitudes de cuidado
com o outro o derrotado. Charles Darwin j indicou que algumas das nossas tendncias sociais seriam com certezas inatas. Como animais sociais muito provvel
que tenhamos herdado a tendncia para a fidelidade em relao a um companheiro e a
tendncia de obedecer ao chefe do grupo, porque estas qualidades so inerentes a todos
os animais sociais. Isto foi aceito por Sigmund Freud, quando escreveu que o fato de
existirem chefes e subordinados que se lhe submetem deveria estar localizado na prpria
natureza do homem. (EIBI-EIBESFELDT, 1977, p. 30).
Entretanto, em certo momento da evoluo, os filhos transformaram-se em
homens; reuniram-se ento num ato de rebelio contra o Velho Gorila, mataram seu pai
e o comeram numa orgia canibalesca. Eis, porm, que, desaparecido o Velho, instaurou-
se a anarquia no grupo. Cada qual queria comandar, ser o pai, assumindo a melhor
parte. Assim sendo, tiveram a sua subsistncia ameaada pela desordem interna. Lorenz
tornou provvel que, ao lado da reduo geral dos instintos prpria ao ser humano,
tambm o desaparecimento desses instintos inibitrios deva ser visto como responsvel
pelo canibalismo amplamente praticado por homens primitivos.
O ato de rebeldia parece ser, desse modo, um movimento antittico necessrio
constituio e evoluo do homem. Dito de outro modo, a caducidade da instituio
somente poder ser renovada se houver esse princpio de negativo a toda ordem que j
no permite mais o desenvolvimento cclico das mesmas instituies. Tal processo
promoveu o surgimento das instituies, pois todos eram de alguma forma dominados
pela forma paterna; o pai era um tirano, mas tirano capaz! Ao considerarem tal situao,
os jovens comearam a se arrepender de ter assassinado o Velho e sentiram a
necessidade de venerar a sua memria. Para tanto, fizeram de um animal o smbolo e o
substituto do Pai desaparecido, mas divinizado. Este animal chamado Totem. A
estaria a origem de toda religio, a sua primeira expresso seria o totemismo, ou seja, a
venerao de um animal (ou de uma planta) smbolo de um ancestral, do qual os seus
cultores descendem. Alm disto, os homens do cl resolveram no esposar as mulheres
do seu grupo ou condenaram o casamento endogmico, estipulando um tabu em torno
deste. Totem e Tabu se tornaram as formas originrias e primitivas da religio e da
moral (APEL, 2000, p. 231).
Portanto, se podemos falar de uma substncia do homem, para a antropologia
contempornea, esta o instinto inibitrio concretizado como instituio. Capacidade
particular e inata ao homem dotado de linguagem e de solidariedade com os mais
fracos. Instinto inibitrio, que, por sua vez, possui em si mesmo este Lust, isto , ato
rebelde, estranha vontade de poder que funciona como fora inovadora das instituies
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atravs do canibalismo e gerando novas instituies, novas comunidades ilimitadas de
compreenso, aceitao do diferente e de novas expresses de convivncia.
A busca ilimitada de transformao tem como teleologia tica a satisfao plena
e ilimitada de cada pessoa. Movimento dialtico que implicar sempre no de
construtivismo de todas as representaes conscientes sob pena de neuroses assegurando deste modo uma tica racional teogonmica, isto , o dilogo racional entre
os seres humanos representa hoje uma metainstituio autossuficiente, e sua ligao
com as instituies da vida atuante consiste em que tais instituies medeiam seu
prprio surgimento por meio do dilogo racional, mesmo que no haja qualquer
possibilidade delas virem a ser deduzidas, em sua obrigatoriedade, de maneira cientfica
e universalmente vlida (APEL, 2000, p. 262).
4. O MITO DO SUJEITO FELIZ E A DISSOLUO DOS ACORDOS
Para tal empreendimento titnico, o sujeito adequa-se ao estilo da platia cuja
aprovao tanto anseia para reforar sua vaga identidade pessoal com a aprovao de
um grupo de referncia. Da sua autntica e racional atitude de no sofrer se estende
qualidade de vida da famlia, dos parentes e amigos. Isso inclui o aumento do saldo no
fim do ms, atravs do qual vir o celular novo, o carro novo e assim por diante. A
necessidade obsessiva de ostentar bons sentimentos, entendidos como tais os
sentimentos aprovados pelo grupo, um certo fingimento (e que podem, decerto, parecer
desprezveis ou abominveis a outros grupos) tornam o sujeito, sem dvida, a espcie
melhor adaptvel ao sistema evolutivo. Situao pattica do humanismo puritano,
sobretudo nas expresses crists marcadas indelevelmente pela textura paradoxal da
cruz, to bem representada pelo barroco.
Como o grupo dominante, hoje em dia, agnstico, o chamado debate apenas
um torneio para decidir quem personifica melhor o amor sem fim aos prprios
interesses ocultos nas causas das minorias injustiadas. Contorcionismos verbais os
mais diversos so utilizados para justificar um ponto de vista que na verdade o seu. A
voz clida de quem jamais voltou-se pra dentro de si mesmo na tentativa de honestidade
intelectual.
Tais demonstraes de relativismo diante da verdade so por vezes aplaudidas
como provas de autenticidade e excelncia intelectual. O sujeito capaz dessas
controladssimas dissimulaes torna-se a personificao mais prxima do que seria, em
condies normais, o representante da intelectualidade vigente.
O aspecto tragicmico dessa situao se manifesta claramente nas relaes
intersubjetivas. O fato de que quando a felicidade artificial torna-se paradigma subjetivo
agnstico de toda gnose filosfico-cientfica, nos perguntamos: que tipo de
intersubjetividade da decorre? Que critrio de confiana garante o cumprimento dos
compromissos? S h possibilidades.
Nesse oceano de insegurana e medo, onde reina tiranicamente o mais forte na
escala evolutiva, todas as relaes so lquidas e passveis de metamorfismos os mais
patticos e trgicos configurados aos pensamentos positivos de um humanismo que se
quer sem o homem. No h solidez. Mergulhados no abismo do niilismo conceitual, o
nico critrio vlido o de que nenhum seja tomado como direo; portanto, todos so
vlidos desde que haja por fundamento esse contnuo ato de rebeldia contra si mesmo.
5. CONCLUSO
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As discusses deste trabalho pretendem abrir questes que precisariam de uma
discusso mais incisiva em seus mbitos de legitimidade epistmica. Entretanto, colocar
a questo no impe um interdito espiritualidade moderna, mas antes importa dizer
que as coisas no esto bem e que algo precisa ser repensado. As recentes descobertas
da teoria mimtica de Ren Girard, de outro modo, a instrumentalizao da linguagem
comunicativa como racionalidade autnoma proposta pela teoria crtica, o direito dos
animais e as exigncias da ecologia tm provocado uma necessidade urgente de
repensar a autonomia da razo e suas controvrsias.
6. REFERNCIAS
APEL, Karl Otto. Transformao da filosofia. So Paulo: Loyola, 2000.
AQUINO, Marcelo F de. Sistema e Liberdade. A fundamentao metafsica da tica em
Hegel (I). Sntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 31, n. 101, p. 301-331, 2004.
AQUINO, Marcelo F de. Sistema e liberdade. A fundamentao metafsica da tica em
Hegel. (II). Sntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 32, n. 104, p. 309-334, 2005.
DWORKIN, Ronald. Felicidade artificial. So Paulo: Planeta, 2007.
EIBI-EIBESFELDT, Percha. Adaptaes filogenticas. In: GADAMER, Hans G;
VOGLER, Paul. Nova antropologia. Volume II. So Paulo: Edusp, 1977. p. 1-45.
KANT, I. Fundamentao da metafsica dos costumes. So Paulo: Abril Cultural,
1974. (Os pensadores).
NICHOLI, Armand M. Deus em questo. So Paulo: Ultimato, 2005.
ROSENFIELD, Kathrin H. Mritos e Falhas da Esttica hegeliana. Revista Semestral
do Sociedade Hegel Brasileira SHB, ano 2, n. 03, dez. 2005. Disponvel em: .
ROVIGHI, Vanni Sofia. Histria da filosofia moderna: da revoluo cientfica a
Hegel. So Paulo: Loyola, 1999.
VAZ LIMA, H. C. Razes da modernidade. So Paulo: Loyola, 2002.
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FENMENO RELIGIOSO E ESPIRITUALIDADE: CAMINHOS QUE SE
ENTRELAAM
Ms. Rosangela Xavier da Costa UFPB ([email protected]) Mestranda: Silvia Xavier da Costa Martins UFPB ([email protected])
Resumo
Este artigo, enquanto pesquisa bibliogrfica, tem por objetivo demonstrar como o
Fenmeno Religioso e a Espiritualidade, apesar de seguirem caminhos especficos, se
entrelaam. Hock (2010) define Cincia da Religio como uma cincia transmissora de
conhecimentos sobre religies e culturas; onde, entre tantas coisas, busca compreender
o sentido da experincia espiritual e religiosa das pessoas com base no Fenmeno
Religioso. O Fenmeno Religioso pode ser encontrado em todos os povos e culturas,
tanto nas pessoas como nas instituies. Explicado, na medida em que as pessoas
necessitam de um ser superior, para servir-lhes de apoio diante das adversidades da
vida; momentos em que tudo parece no ter sentido. quando a razo j no explica
mais a realidade; ento surge a f, a crena e a esperana num amanh circundado de
perseverana e resilincia (ABREU, 2013). Portanto, o Fenmeno Religioso, ao ser
detectado nas diversas religies e culturas como processo subjetivo, est associado
Espiritualidade. Segundo Vasconcelos (2006, p.32), Espiritualidade uma dimenso
particular do processo subjetivo que orienta a prtica humana, assumindo diferentes
aspectos a partir da cultura dos povos. Percebe-se que Espiritualidade no uma crena
em uma religio especfica, mas est na f, na fora, na esperana e na capacidade de
acreditar em algo ou algum superior; encontrando-se tambm nas emoes que o ser
humano tem ao sentir, se emocionar, acreditar, cuidar, decidir, ou seja, transcender.
Mediante isso, pode-se concluir que, tanto a Espiritualidade quanto o Fenmeno
Religioso so buscas subjetivas pessoais de sentido e significado para a vida.
1. INTRODUO
A cincia e a religio buscam cada vez mais desvendar os mistrios do universo
e da vida. Entre tantos e distintos desafios, o surgimento da Cincia da Religio,
enquanto disciplina, est entre eles.
Na metade do sculo XIX, fatores culturais e histricos contriburam para o
aparecimento da disciplina Cincia da Religio em meio s profundas transformaes
por que passou o Ocidente; a partir de um processo de ramificao das cincias naturais
e das cincias humanas. Essa disciplina juvenil, na Modernidade, de importncia
fundamental para a pesquisa cientfica, devido ao fato de que ela se prope a
desenvolver [...] um estudo comparado das diferentes tradies religiosas da humanidade ento desconhecidas, com o objetivo de reconstruir a histria da evoluo
religiosa da humanidade (FILORAMO; PRANDI, 2003, p. 7). Segundo esses autores, o problema epistemolgico bsico das Cincias das Religies tentar explicar ou
compreender a religio.
A Cincia da Religio no Teologia porque parte do princpio de estudar vrias
religies e o fenmeno religioso, sem se ater veracidade ou axioma de valor, em busca
de resultados teis comunidade universal, e no a um grupo especfico (HUFF
JNIOR; PORTELLA, 2012). No entanto, a Teologia a interpretao racional da f religiosa (RYRIE, 2004, p.16), ou seja, a busca do significado sistematizado das verdades a respeito de Deus.
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O estudo da religio, portanto, no apenas uma janela que se abre para
panoramas externos, mas como um espelho em que nos vemos, afirma Rubem Alves.
Segundo ele,
fcil identificar, isolar e estudar a religio como o
comportamento extico de grupos sociais restritos e distantes.
Mas necessrio reconhec-la como presena invisvel, sutil,
disfarada, que se constitui num dos fios com que se tece o
acontecer do nosso cotidiano. A religio est mais prxima de
nossa experincia pessoal do que desejamos admitir [...], a
Cincia da Religio tambm cincia de ns mesmos,
sapincia, conhecimento saboroso. (ALVES, 2008, p.12).
Nesse entrelaar cotidiano de fios invisveis, Hock (2010) define religio como
um construto cientfico que abrange componentes de diferentes fatores, critrios e
dimenses que, em seu conjunto, descreve um quadro no qual a Cincia da Religio
insere o seu objeto.
Segundo Durkheim (1989), nenhuma religio falsa, todas so verdadeiras, por
responderem diferencialmente a determinadas condies da vida humana; todas
exprimem o indivduo a sua maneira, facilitando a compreenso de mais um aspecto da
natureza humana. A religio, portanto, segundo este autor, uma espcie de entidade
indivisvel, formada por partes de um sistema complexo de mitos, dogmas, ritos e
cerimnias.
Desse modo, a Cincia da Religio uma cincia que transmite os
conhecimentos sobre religies e culturas (HOCK, 2010), em que, entre tantas coisas,
busca-se compreender o sentido da espiritualidade e do fenmeno religioso.
Para melhor compreenso, este artigo objetiva fundamentar as teorias e
conceitos de autores que aprofundaram sobre os temas da espiritualidade e do fenmeno
religioso.
2. O FENMENO RELIGIOSO
Os historiadores das religies procuram complementar informaes a respeito
das estruturas especficas dos fenmenos religiosos, em busca de compreender a prpria
essncia da religio.
O fenmeno religioso, enquanto aspecto subjetivo do ser humano, est
fundamentado em duas categorias: as crenas e os ritos (DURKHEIM, 1989). As
crenas so as representaes que esto constitudas nas opinies, valores e saberes de
determinadas aes humanas, ao passo que os ritos so as maneiras de se conduzir essas
aes.
Podendo ser encontrado em todos os povos, culturas e religies, o fenmeno
religioso est associado s necessidades humanas, principalmente durante o
enfrentamento das adversidades da vida. Quando tudo parece no ter mais sentido, o
fenmeno religioso surge como um apoio; nos momentos em que a dificuldade
tamanha, faz-se necessrio o surgimento da f e da crena em um futuro cheio de
esperana (ABREU, 2014). Nessa situao, a f pode se sobrepor razo. As emoes
positivas surgem, expandindo o potencial de elevao da autoestima permeada pela
espiritualidade.
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Alm disso, a f uma crena individual de uma extrema convico e entrega,
mediante a qual o indivduo direciona sua energia positiva para a busca de uma
realizao pessoal, independente de religio. Quando se refere f, Vaillant (2010, p.
70) afirma que ela pode ser experimentada por meio da emoo positiva, da percepo pessoal de iluminao interior, de reverncia e de anseio pelo sagrado.
Segundo Durkheim (1989), a vida religiosa se encontra ao redor de duas classes
ou de dois gneros opostos, que so o sagrado e o profano, variando de acordo com a
concepo de cada religio.
Na busca pela compreenso do sagrado, Eliade (2010, p. 16) enfatiza que o sagrado se manifesta sempre como uma realidade inteiramente diferente das realidades
naturais. As realidades consideradas naturais ou normais na vida humana, ou seja, as que podem ser intituladas profanas, so classificadas como as coisas do cotidiano, que
so separadas da noo de sagrado. Desse modo, o indivduo [...] toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra, como algo absolutamente diferente do
profano (ELIADE, 2010, p.17). Essas duas modalidades de ser no mundo, o sagrado e o profano, segundo
Mircea Eliade, so classificadas como duas situaes existenciais humanas, que
interessam a todo cientista que busca conhecer as dimenses possveis do ser humano.
O termo proposto pelo autor para o ato da manifestao do sagrado hierofania, que
significa a revelao do sagrado.
Ento, o fenmeno religioso uma hierofania? Certamente, afirma Croatto
(2010, p. 71): todo fenmeno religioso uma hierofania. O sagrado, de fato, s pode ser experimentado se ele se mostrar. Nesse sentido, o ato da revelao do sagrado (hierofania) vem acontecendo durante toda a histria das religies. As religies esto
repletas de hierofanias. Eliade (2010, p. 17) afirma: [...] a histria das religies desde as mais primitivas s mais elaboradas constituda por um nmero considervel de hierofanias, pelas manifestaes das realidades sagradas. O indivduo das sociedades mais arcaicas tinha a tendncia de viver o maior
tempo possvel no sagrado ou muito perto dos objetos ditos consagrados, constata
Eliade (2010), ao passo que o indivduo ocidental moderno j no tem essa percepo,
devido ao ceticismo e a falta de crena nas inmeras formas de manifestaes do
sagrado.
Nesse sentido, objetos podem representar essa hierofania, como por exemplo,
pedras e rvores podem ser consideradas sagradas, para algumas pessoas, sem perder a
essncia de serem pedras e rvores, pois revelam algo que j no pedra nem rvore,
mas o sagrado, o Ganz Andere1 (ELIADE, 2010).
Essa adorao em relao aos objetos sagrados como hierofanias pode ser
exemplificada pela rvore que Buda, o iluminado, meditou na sombra dela, na ndia
(figura1); ela ainda continuou a ser uma rvore, mas passou a ser considerada sagrada
mediante a representao que adquiriu aps ter sido utilizada por ele para o devido fim.
1 O grandioso, o totalmente diferente, aquilo que o homem religioso interpreta como a materializao
extrema do sagrado.
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Figura 1: Buda, o iluminado, meditando sob a rvore sagrada.
Fonte:http://www.buddhachannel.tv/portail/local/cache-
vignettes/L450xH248/femme_bouddha-98734.jpg
Portanto, o fenmeno religioso detectado nas diversas religies e culturas, como
processo subjetivo, est associado espiritualidade.
3. A ESPIRITUALIDADE
A utilizao da palavra espiritualidade esteve sempre associada religio, mas nos ltimos vinte anos tem adquirido significados mais amplos.
Na contemporaneidade, a espiritualidade se encontra independente da religio
porque surge como fruto do conhecimento humano associado elaborao subjetiva de
sentimentos positivos e fenmenos individuais.
Para uma compreenso mais relevante sobre isso, corrobora-se com Jeff Levin,
quando este enfatiza que a palavra espiritualidade adquiriu um novo significado.
Obras populares de escritores da nova era e da mdia,
frequentemente hostis s instituies religiosas estabelecidas,
mas abertos expresso religiosa individual, comearam a
reservar o termo religio para comportamentos, crenas e outras manifestaes que ocorrem no contexto das religies
organizadas. Todas as outras expresses religiosas, inclusive
prticas tais como a meditao e experincias transcendentes
seculares (por exemplo, sentimentos de unidade com a
natureza), so agora abarcadas pelo termo espiritualidade. Nesse novo sentido, espiritualidade o fenmeno mais amplo,
sendo a palavra religio reservada para o subconjunto de fenmenos espirituais que se referem atividade religiosa
organizada. (LEVIN, 2001, p. 25).
Vasconcelos (2006) afirma que a espiritualidade uma dimenso particular do
processo subjetivo que orienta a prtica humana, assumindo diferentes aspectos a partir
da cultura dos povos.
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Sem interferir na importncia da religio, a espiritualidade amplia seu conceito e
abrange formas de fenmenos mais variados, incluindo processos subjetivos com
experincias individuais de contato com uma dimenso que vai alm das realidades
consideradas normais na vida humana, que as transcende (VASCONCELOS, 2006, p.
30). Segundo o autor, apesar de ser uma experincia individual, o fenmeno
transcendente da espiritualidade tem uma importncia significativa social, porque
transforma profundamente a percepo da vida nas pessoas, ressignificando e gerando
novas condutas mediante uma conexo com o eu profundo (VASCONCELOS, 2006, p. 36). O eu profundo, para o autor, um canal de conexo e abertura com a transcendncia.
Entretanto, para Vasconcelos (2006), toda pessoa j pode ter vivenciado
eventualmente essa experincia da transcendncia na espiritualidade, ou seja, o
mergulho no eu profundo. Ele exemplifica com um caso hipottico. Uma pessoa que resolve passar por um parque, para encurtar o caminho que o levaria ao dentista, se
depara com a cena de um pequeno lago rodeado de rvores, onde encontra-se uma pata
nadando com seus filhotes (figura 2).
Figura 2: Pata nadando com seus filhotes.
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-pbUvF-
WEJZA/UBXrmi4rThI/AAAAAAAABlA/7Mfd94geXRU/s160
0/o+amor.jpg
A cena a toca profundamente e a pessoa fica enlevada, esquecendo-se
momentaneamente de seus problemas e compromissos, altera-se repentinamente o seu
estado de conscincia, de modo que ela percebe dimenses da realidade que antes no
conseguia identificar. Fica nesse espao por mais de uma hora, observando o cenrio,
perde o dentista, mas consegue perceber alguns insights com perspectivas para a
resoluo dos problemas que estava enfrentando. O estado mental de encantamento
dessa pessoa caracteriza-se como uma conexo espiritual com o eu profundo. Nessa linha de pensamento, Koenig demonstra a percepo da espiritualidade no
contato com a natureza:
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Muitas pessoas encontram espiritualidade atravs da religio ou
de um relacionamento pessoal com o divino. Porm, outros
podem encontr-la por meio de uma conexo com a natureza,
com a msica e as artes, por meio de um conjunto de valores e
princpios ou por uma busca da verdade cientfica. (KOENIG,
2012, p. 13).
Assim, buscar compreender a espiritualidade, de forma subjetiva e pessoal, em
busca de sentido e significado para a vida, essencial para a compreenso e para o
enfrentamento dos desafios da existncia, em um mundo carregado de smbolos e
signos, que codificam, de certa forma, a relao com o mistrio, o transcendente, o
divino, o sagrado e os assombros das questes existenciais (DITTRICH, 2005).
Por isso, a espiritualidade no se caracteriza apenas como uma crena em
determinada religio, mas est na f, na fora, na esperana e na capacidade de acreditar
em algo ou algum superior, encontrando-se tambm nas emoes que o ser humano
tem ao sentir, se emocionar, acreditar, cuidar, decidir, ou seja, transcender. Assemelha-
se ao conceito de Jung (2008), que trata a espiritualidade no a referindo a uma
determinada profisso de f religiosa, mas relao transcendental da alma com a
divindade e mudana que da resulta; ou seja, a espiritualidade est relacionada a uma
atitude, a uma ao interna, a uma ampliao da conscincia, a um contato do indivduo
com sentimentos e pensamentos superiores e ao fortalecimento e amadurecimento que
esse contato pode resultar para a personalidade e para a vida. Portanto, espiritualidade
um sentimento pessoal que d sentido vida, e a religio uma expresso da
espiritualidade (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2014).
4. CONSIDERAES FINAIS
A essncia da espiritualidade, independentemente de religio, est
intrinsecamente associada ao fenmeno religioso. So fios invisveis que se entrelaam
nas crenas, nos saberes, nos valores e nos questionamentos pessoais presentes na vida
do ser humano envolvidos pela cultura de cada ser.
Considerando a espiritualidade e o fenmeno religioso como buscas subjetivas
pessoais de sentido e significado para a vida, entende-se que existe uma grande
contribuio em tudo o que envolve esses temas e na relao entre ambos. Afinal, a
espiritualidade encoraja o aprendizado para a prpria experincia, como forma peculiar
de vivenciar o mundo.
Constata-se que o fenmeno religioso e a espiritualidade, mesmo sendo
categorias diferentes, esto entrelaadas, porque fazem parte de um universo
transcendente de experincias individuais, de emoes e de hierofanias que se apoderam
fortemente do ser humano, em determinados momentos, transformando o cotidiano e as
realidades ditas normais na existncia.
No entanto, esse campo de estudos em formao e em expanso necessita de
pesquisas mais aprofundadas, pois a reflexo aqui presente apenas demonstra a
relevncia da compreenso sobre esse assunto, de suma importncia para a contribuio
do conhecimento do ser humano, que permeia a humanidade desde os primrdios.
5. REFERNCIAS
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ESTUDO DE CASO: O CORPO ESPIRITUAL
Ms. Mrcia Viana Pereira - Metrocamp/Campinas SP ([email protected])
Resumo
Wilhelm Reich afirmou que o inconsciente o corpo. Algumas dcadas depois, seu
discpulo John Pierrakos exploraria a espiritualidade desse corpo criando a terapia
corporal Core Energetics, que tem a espiritualidade como uma de suas fundaes. A
terapia agrega a base corporal da Bioenergtica e a espiritual do Guia do Pathwork. So
258 palestras proferidas pelo Guia, esprito canalizado por Eva Pierrakos. Os textos
propem um caminho para a evoluo espiritual (a Jornada da Alma). Esse caminho
passa pelo trabalho com os aspectos emocionais da personalidade humana para que o
esprito possa se libertar das armadilhas do ego. O objeto de estudo deste trabalho uma
das ps-graduaes oferecidas pelo Instituto Rede Brasil Core Energetics, o Programa
de Aprofundamento no trabalho do Guia canalizado por Eva Pierrakos. Nele os
terapeutas so apresentados aos aspectos mais espirituais da terapia. Alm de meditao
e trabalho corporal, os encontros so palco de tramas cosmolgicas, em que o universo
espiritual apresentado pelo Guia se encontra com o Budismo (em conceitos como
impermanncia, apego, vazio, meditao) e, ao mesmo tempo, incorpora preceitos
cristos. Interessa-nos explorar essas pontes conceituais das palestras do Guia com o
Budismo e o Cristianismo.
1. INTRODUO
Este trabalho nasceu do desejo de entender mais profundamente o aspecto
espiritual da terapia corporal Core Energetics. Como intrprete dos cursos de
especializao em Core Energetics, na UNIPAZ/Braslia, fomos apresentados a uma
cosmologia bastante particular dentro da terapia. Os conceitos de no dualidade que
aparecem nas palestras do Guia, sobre as quais falaremos adiante, so muito prximos
dos conceitos budistas de no dualidade. Isso despertou o interesse em aprofundar o
entendimento do que se coloca como a realidade para a Core Energetics.
Ao longo do texto ser apresentado o nascimento desta terapia corporal e seu
fundamento espiritual. Atravs da anlise da cosmologia apresentada conseguimos
entrever possveis pontes entre o budismo e o fundamento espiritual da Core Energetics.
2. EM BUSCA DE UM CORPO EMOCIONALMENTE SAUDVEL
John Pierrakos (1993) foi cliente e estudante de W. Reich (1998), hoje
considerado o pai das terapias corporais. Com ele Pierrakos aprendeu que o inconsciente o corpo, pois na musculatura que vo se depositar nossos traumas, ou
melhor, atravs da musculatura o indivduo encontra as solues para lidar com as
demandas da famlia e da cultura. Reich trabalhou com o conceito de couraas
musculares, as couraas de carter (REICH, 1998): as clulas tm pulsao, expandem e contraem, no trauma o corpo congela o movimento, alterando o tnus
muscular. Se esse congelamento acontece na expanso o indivduo vai constantemente
perder energia (subcarga), se, ao contrrio, o congelamento se d na contrao o
indivduo retm energia (sobrecarga). As couraas so desenvolvidas bem cedo na vida
da criana e so resultado da tentativa de se adaptar aos estmulos do meio. O problema
se estabelece quando o indivduo deixa de se mover livremente e passa acreditar que o
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estado patolgico, representado no corpo pela musculatura, o estado natural. Reich
desenvolve um mtodo de trabalho, chamado Vegetoterapia, em que ele intervm no
corpo do paciente. Pierrakos e Lowen (1977), outro estudante e cliente de Reich,
criaram uma metodologia que levou o cliente a intervir em seu prprio corpo (LOWEN,
1985). Desta forma estava criada a Bioenergtica, um dos ramos das terapias corporais,
que formalizou uma srie de exerccios para lidar com a energia e as couraas de
carter.
3. ENCONTRANDO O CORPO ESPIRITUAL
Pierrakos, no entanto, foi alm do corpo emocionalmente saudvel e incorporou
a dimenso espiritual ao trabalho com as couraas de carter. Ele conheceu Eva Broch,
posteriormente Eva Pierrakos, uma mdium que recebia mensagens de um guia
espiritual. O Guia, como chamado pela comunidade que se formou em torno de Eva,
deixou 258 palestras que descrevem um caminho para o desenvolvimento espiritual. As
palestras esto disponveis na internet em sua ntegra, tanto em portugus, quanto em
ingls, mas elas tambm foram compiladas em livros (PIERRAKOS, 1985, 1996, 1999,
2007, 2013) que focam um ou outro assunto em particular.
Durante a vida de Eva Pierrakos foi criada a fundao do Pathwork, nome pelo
qual o trabalho em torno das palestras foi chamado. Depois de sua morte houve uma
ciso que resultou na criao de outro centro chamado The 50-50 Work, tambm
baseado nas palestras do Guia do Pathwork.
John Pierrakos foi profundamente tocado pelas palestras e incorporou o trabalho
do Guia ao seu trabalho corporal. Esse movimento provocou uma ruptura com o
trabalho no centro de Bioenergtica e na sua parceria com Lowen. Pierrakos fundou
ento a Core Energetics, terapia corporal que tem um duplo fundamento, por um lado o
trabalho com as couraas de carter, por outro o trabalho com as palestras do Guia do
Pathwork.
4. A JORNADA DA ALMA
Para falar sobre a Jornada da Alma precisamos entender a cosmologia da vida na
terra, assim como o Guia a coloca. O universo energia em movimento, o Uno criativo.
Essa energia tem uma frequncia muito alta e comporta tudo, destri e cria ao mesmo
tempo initerruptamente. Essa energia cria tambm energias de frequncia mais baixa
que vo se tornar matria. Uma alegoria disso o pio que no mximo da velocidade
vai mostrar uma cor branca e, ao desacelerar, nos deixa ver cores separadas. A
separao s uma iluso, uma diminuio da frequncia energtica. Tudo feito de
energia em movimento, a rocha de uma frequncia energtica baixssima se
comparada ao corpo humano, mas somos feitos da mesma matria: energia. Agora
imaginemos o universo como uma folha em branco, tudo em movimento criativo, dessa
criatividade nasce a ideia de separao, vemos um pontinho ser criado na folha, esse
ponto representa a individuao, a separao, s uma inveno, mais uma
possibilidade para o todo criativo. A queda acontece quando h apego ao ponto, esse
apego faz com que o ponto seja recoberto por uma camada de esquecimento. A Jornada
da Alma a volta para a conscincia, para lembrarmos quem somos verdadeiramente:
unos com o todo, e no uma parte separada.
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5. O CAMINHO DE VOLTA
O Guia do Pathwork nos apresenta um universo reencarnacionista, a alma passa
por vrias experincias de existncia terrestre atravs de inmeras encarnaes. Cada
encarnao tem por objetivo lembrar e curar os pontos de iluso de separatividade.
Como seres encarnados o trabalho passa pela personalidade humana e seus aspectos
emocionais. necessrio curar a personalidade que se apega s distores geradas pelo
esquecimento do pertencimento ao todo.
O desapego passa a ser um dos objetivos do trabalho, desapego em relao s
emoes e aos conceitos dualistas, a realidade una, perceber a vida como algo
separado do uno aceitar a iluso da dualidade. Para atingir o desapego no nvel da
personalidade preciso trabalhar o vazio. O vazio o espao para a desconstruo de
padres e abertura de canais com o espiritual. Ele pode ser atingido atravs da
meditao enquanto prtica cotidiana.
A Jornada da Alma uma jornada em direo ao Eu Real, que suporta todos os
sentimentos e pensamentos sem se apegar a nenhum deles. O Eu Real um estado de
ateno plena, nele o ser humano vive a realidade presente, que est em constante
movimento.
6. VISLUMBRE DE PONTES ENTRE OCIDENTE E ORIENTE
O Guia se refere a Jesus em grande parte das palestras, no entanto os preceitos
cristos so vistos sob uma perspectiva mais oriental, que congrega a meditao como
uma das prticas mais importantes do trabalho.
No budismo, a partir de uma cosmologia diferente daquela apresentada pelo
Guia, h tambm o reconhecimento da dualidade como um empecilho realizao plena
do ser. Essa ignorncia a percepo dos fenmenos como tendo existncia intrnseca produz a possibilidade da dualidade objeto-sujeito, que por sua vez o ponto de partida de todos os julgamentos e impresses (SOUZA, 2012, p. 21). A meditao tambm um instrumento poderoso na prtica budista e a experincia de meditar [...] um grande divisor. Agora h mritos de estabilidade e concentrao que permitem a
prtica da sabedoria. o momento de receber ensinamentos sobre a natureza da
realidade. (SAMTEN, 2001, p. 99). Para o Guia, a meditao a possibilidade de se abrir para o Vazio Criativo e, atravs desse vazio, possibilitar um contato maior com o
espiritual, com a realidade impermanente. J no budismo a meditao um instrumento pelo qual podemos purificar as vises errneas [...] (SOUZA, 2012, p. 53).
Por fim, mas no por ltimo, vemos uma ligao mais geral entre todas as
terapias e o budismo que serem instrumentos de percepo do real sem as iluses
racionais ou emocionais. Nas palavras do Lama Padma Samten (2001, p. 16-17):
reconhecendo com profundidade e sabedoria o que de fato estamos fazendo e a forma de ao que estamos usando, poderemos nos direcionar para agir como geradores de
equilbrio e felicidade.
7. CONCLUSO
H diversos pontos de encontro entre as palestras do Guia e os conceitos
budistas de impermanncia, dualidade, apego, entre outros. preciso explorar essas
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pontes conceituais com o cuidado de relacion-las dentro dos seus respectivos quadros
conceituais.
Esta uma concluso inconclusa. Uma proposta de abertura de caminhos. Pensar
os conceitos orientais do budismo sob a luz das palestras do Guia, que possuem um
linguajar bastante cristo, possibilitar mais uma ponte para a unio de realidades que
so pensadas como no intercambiveis. Desta forma esperamos contribuir para um
mundo mais harmnico e em expanso.
8. REFERNCIAS
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BENZEO: A TRAJETRIA DE UMA SENHORA POPULAR
Kaique Matheus Cardoso UFG ([email protected])
Resumo
O trabalho foi desenvolvido na localidade de Catalo/GO, entrevistando Maria de
Lourdes, 61 anos, kardecista ativa. A investigao uma narrativa que busca
compreender a trajetria pessoal da agente em destaque, enfocando o exerccio de seu
dom espiritual. Maria de Lourdes nasceu e foi criada em Catalo, no sudeste goiano, seus pais biolgicos no a criaram, seno ela adotada por uma famlia que, segundo seu
relato, lhe acolheu com muito amor e mimos. Biologicamente, Maria de Lourdes era
filha de me holandesa que engravidou fora do casamento. Seu pai, Joo Netto de
Campos, tornou-se um grande poltico em Gois, sendo prefeito por dois mandatos e
suplente de Deputado Federal. Maria de Lourdes teve uma infncia bastante tranquila,
contudo, sempre ouvia vozes de personagens ocultos e enxergava velas acendendo,
portas batendo e outras coisas que seus pais de criao se negavam a acreditar. Na idade
adulta, j casada, teve um colapso nervoso e, a partir 12de ento, comeou a desvendar
o seu dom espiritual. Socializada desde a infncia no catolicismo tradicional, Maria no
possua informaes sobre o espiritismo. Sua trajetria pessoal se confunde com fatos
marcantes da cidade, como seu envolvimento familiar no caso do linchamento de
Antero da Costa Carvalho, fato que gerou, mais tarde, devoo e f em torno de uma
vtima que se converteu em santo popular.
1. INTRODUO
O primeiro contato com Maria de Lourdes Gimenes se deu em uma tarde quente
e nebulosa na cidade de Catalo, em Gois. Maria, como farei referncia neste trabalho,
uma senhora de 60 anos que se declara kardecista ativa. Durante as entrevistas foi
bastante receptiva, animada e muito educada. Mora na zona urbana da cidade, com seu
marido e dois netos.
A entrevista comeou com perguntas sobre sua famlia. Prontamente ela
comeou a relatar que foi criada na zona rural de Catalo, que sua famlia era toda
catlica, porm nenhum parente prximo, como pais ou avs, foram pessoas de muita f
ou tinham algum vnculo estreito com a Igreja. Uma tia bem distante, com a qual teve
pouco contato, era esprita e se dedicava vida religiosa. Maria nasceu na zona rural de
Catalo, filha biolgica de Joo Netto de Campos e Dubla Rosa da Silva. Dulba, sua
me, era casada com outro homem e tinha uma famlia com seis filhos quando
engravidou de Maria de Lourdes, sendo Maria fruto de um relacionamento
extraconjugal.
Devido aos vrios problemas sociais que envolvem o nascimento de uma criana
fora de um casamento oficial, e consequentemente a sociedade conservadora da poca,
Maria no pode ser criada pela me biolgica. Rejeitada pela me, sua criao desde
recm-nascida ficou a cargo de sua av paterna at seus cinco anos. Com cinco anos,
seu pai, Joo Netto de Campos, a entregou a um primo que j era casado e tinha outros
dois filhos, pois o sonho do casal era ter uma filha. Maria afirma que foi bem criada,
recebeu todo amor, carinho, dedicao e muitos mimos de sua famlia, teve uma vida
confortvel para os padres da poca e afirmou ter sido muito feliz. Nunca sentiu a
mnima necessidade de conhecer sua me biolgica, pois se sentia preenchida pela
famlia que a criou; s saiu de casa depois de casada.
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Seu pai, Joo Netto de Campos, participou pouco de sua vida, apenas com
visitas raras. Maria sabia que ele era seu pai, tinha total conscincia de sua situao
desde pequena; desta forma, nunca teve um vnculo estreito com ele. Joo Netto de
Campos foi um homem de grande destaque e influncia na regio de Catalo-GO,
destacando-se por ser uma liderana carismtica. Nascido em 1911, entrou na vida
poltica aos 35 anos, sendo o mais legtimo representante do fim da ditadura militar,
rompendo um ciclo de violncias e torturas na regio. Foi o primeiro prefeito eleito pelo
voto direto em 1947, Deputado Estadual em 1950 e 1962, em 1969 voltou a ser Prefeito
de Catalo-GO, em 1974 foi novamente Deputado Estadual, j em 1982 foi Vice-
Prefeito e, por ltimo, em 1989, vereador e presidente da cmara. (NAVES, 1996, p.
19).
Maria se aproximou dele somente ao final da vida, rezando por ele e tambm
fazendo companhia, pois Joo Netto sofreu um aneurisma cerebral e ficou por um ano
acamado.
2. INFNCIA CONTURBADA
Perguntando mais sobre sua vida, em especial a respeito da infncia, se j notava
algo diferente em si prpria, se comparada com outras crianas, ela me disse que sim.
Quando estava em alguma procisso ou qualquer outra situao na qual ela segurava
uma vela, a cera das velas nunca escorregava em sua mo, simplesmente sumia; curiosa
com esta situao, trocava de vela com outras pessoas, porm novamente o mesmo fato
ocorria. Outro fato que ela, ao passar a mo em cima de uma vela, fazia com que a
chama subisse ficando em um tamanho fora do comum.
Barulhos, ranger de portas, objetos estralando, objetos caindo e pessoas
desconhecidas que somente ela enxergava tambm fizeram parte de sua infncia. Coisas
estas que geravam milhares de perguntas em sua cabea, mas todas guardadas, pois ela
j sabia que naquela situao no havia ningum para responder com exatido a isto que
somente ela via, e que a intrigava. Na atualidade ainda acontece estes fatos com Maria,
porm hoje ela sabe o motivo e compreende o que cada uma destas peculiaridades quer
dizer a ela. Tanto que durante toda a entrevista o teto de sua casa, que de laje, no
parava de estralar. Instigado e confesso que com medo, perguntei qual seria o motivo
daqueles barulhos, ela me disse que no estava em um dia bom, estava cansada com a
cabea cheia e gripada. Consequentemente, quando ela no se sente bem acontece isto,
objetos caem, portas batem, entre outros, ela tem que se manter sempre calma e serena.
3. COLAPSO NERVOSO E DESCOBERTA DO DOM
Voltando a sua trajetria de vida, Maria, aos dezoito anos, conheceu seu
primeiro marido e coincidentemente a sua famlia e do seu marido se mudaram para
Braslia na mesma poca. J em Braslia ela se casou e teve trs filhas; com a correria
dos afazeres domsticos, se afastou completamente da Igreja. Alguns anos se passaram
e ela retornou a Catalo-GO, com seu marido e filhas.
Ao chegar a Catalo-Go montou um negcio prprio no qual era scia de sua
sogra e tambm ajudava seu marido em uma peixaria, conciliando tudo isto com os
afazeres domsticos e educao das crianas, que ainda eram pequenas. A vida de Maria
era frentica, relatou que no parava um segundo sequer com tantas responsabilidades,
at que surtou, perdeu totalmente o controle emocional, o controle de si prpria, temia
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se matar ou ferir a prpria famlia. Logo procurou ajuda e comeou um tratamento
psicolgico com um mdico especialista, a soluo encontrada era tomar caixas e caixas
de medicamentos desconhecidos para que ela se acalmasse. Durante este perodo de
crise Maria no frequentou nenhum tipo de centro espiritual ou Igreja.
Durante este perodo de crise muitas pessoas prximas de Maria se
solidarizaram, pois ela pertence a uma famlia bastante conhecida na regio. Desta
forma, sempre algumas perguntavam se ela j tinha melhorado e se passava bem, como
resposta dizia que no, e pedia para eles rezarem e intercederem a Deus por sua
melhora. Algum tempo se passou, e ela afirma que essas vrias pessoas de f, cada uma
pedindo por ela, tornou-se uma corrente na qual despertou seu dom espiritual. Certo dia,
deitada em sua cama com as mos na cabea e os olhos fechados, apenas pensava a
respeito de seu dia; enquanto isto, seu marido estava ao lado dormindo. Maria relata que
o quarto ficou completamente branco como se uma luz divina tomasse conta de tudo; ao
abrir os olhos, viu um senhor branco de cabelo bem cortado, e barba feita, usava um
terno escuro e estava sentado ao seu lado na cama. Ela no sentiu medo nenhum, mas
assim que ela viu este senhor ele se levantou e, na medida em que foi andando em
direo porta, Maria foi simplesmente caindo de sono; uma paz e tranqilidade
tomaram conta dela naqueles instantes, uma paz que ela j no experimentava a alguns
meses devido s crises. Apenas dormiu tranquilamente durante toda a noite e acordou
somente no outro dia.
Assim que acordou, imediatamente jogou todos os remdios que tomava fora e
tambm decidiu parar o tratamento com o mdico. Maria relatou que o encontro com
este senhor lhe renovou, trazendo com ele uma f que ela no ainda no conhecia.
Todos os dias durante os trs meses seguintes a este encontro, exatamente s 15h ela
sentia um sono inabalvel e onde quer que estivesse parava e dormia sentada ou at em
p, mas de qualquer maneira dormia por cerca de 15 minutos. Este fato lhe despertou
uma curiosidade que se remeteu a algumas vagas lembranas de sua tia esprita, ligando,
desta forma, os ltimos acontecimentos ao espiritismo. Certo dia, passando na porta de
uma livraria esprita, ela entrou, sem inteno alguma, apenas de curiosidade, mas de
forma inexplicvel foi escolhendo alguns livros aleatrios; por fim, comprou todos,
mesmo sem saber pra que serviriam. Poucos dias se passaram e Maria mostrou os livros
a uma amiga esprita, esta amiga disse para Maria que ela havia comprado a coleo de
Alan Kardec sem saber. Desta forma, Maria passou a ler com convico, entendendo
que isto era um sinal divino para que ela passasse a conhecer seu dom espiritual. Logo
comeou a frequentar um centro esprita.
A vida seguia bem, os negcios cada vez mais prsperos, famlia feliz e Maria
despertando cada vez mais seu dom espiritual. Certa vez, durante a noite em sua casa,
ela escutou um choro de uma criana e ficou preocupada, afinal no havia nenhuma
criana na vizinhana; alguns instantes depois, uma vizinha bateu no seu porto, Maria
saiu preocupada e viu que na casa da frente havia uma aglomerao de pessoas, a
vizinha lhe explicou a situao dizendo que o marido dela estava dentro da casa e que,
segundo ela, estava possudo. Desesperadamente esta vizinha implorou para que Maria
fosse a sua casa, que rezasse ou fizesse qualquer coisa que livrasse seu marido; por
alguns instantes ela relutou, pensando que no tinha fora espiritual suficiente para isto,
porm uma voz interior a disse para ir. Ao chegar casa, encontrou o homem na sala,
deitado no sof, prostrado com os braos cruzados em forma de X. Maria pediu para
ficar sozinha e colocou a mo na cabea dele fazendo sua prece, alguns instantes se
passaram e este homem foi arremessado brutalmente no teto, voltou a bater no cho e
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mais uma vez no teto; ao cair no cho pela ltima vez, ele j estava livre, apenas
chorava sem conseguir dizer nenhuma palavra, Maria rezou mais uma vez e deu gua
para ele beber.
Aps toda esta situao, Maria relatou ter ido caminhando calmamente em
direo a sua casa, e comeou a sentir-se diferente daquele momento em diante. A
motivao desta vizinha em cham-la deixou-a intrigada, pois ela no era conhecida por
ser uma pessoa religiosa, ou qualquer outra coisa do tipo. O porqu disto ela nunca
soube, mas carregou em si a certeza de que todos os fatos neste mundo so
sincronizados de acordo com as vontades divinas. Esta sua ao na casa dos vizinhos j
comeou a despertar a ateno de todos a respeito dos dons de Maria.
Passados alguns dias, pediram a ela para ajudar em uma casa de idosos da
regio, que estava sem ningum para dormir com os internos e dar-lhes os remdios
durante a noite. Prontamente ela se disponibilizou para ajudar. Aps cumprir os afazeres
e cuidar dos idosos, ela se sentou e comeou a ler uma revista; j cansada, acabou
dormindo por alguns instantes, ali mesmo sentada. Quando abriu os olhos, viu
nitidamente em sua frente um quadro muito grande, e pintado neste quadro o mesmo
senhor que ela havia visto em seu quarto h alguns anos atrs, embaixo estava o nome
daquele senhor: Antero da Costa Carvalho. Antero, homem injustiado que sofreu nas
mos dos coronis de Catalo-GO, sendo torturado e morto em um linchamento por
pessoas induzidas pelas autoridades a acreditarem que ele havia matado um rico
fazendeiro da regio. Algum tempo se passou e criou-se uma devoo muito forte ao
Antero, sendo conhecido como Santo Antero e tambm por ser um esprito de luz que
vem ajudando as pessoas. Na cidade de Catalo-GO, Santo Antero tem devoo tanto de
pessoas catlicas quanto espritas. Maria se lembrou de que seus familiares haviam
ajudado a mat-lo, e que seu esprito, em um ato de extrema generosidade e amor ao
prximo, a resgatou do total descontrole emocional, sendo pra ela esta uma forma
sublime de perdo, de evidenciar que ele perdoou todos os que no acreditaram nele e o
mataram.
4. A VIDA DE MARIA
Maria cursou sua trajetria, uma senhora reconhecida por seus dons espirituais,
seja no Centro Esprita que frequenta, seja em sua prpria residncia. Com o avano da
medicina e descrena nos saberes populares, a prtica de benzer est cada vez mais
esquecida, poucas so as pessoas que hoje ainda recorrem a este tipo de cura espiritual e
consequentemente fsica. No so muitos os frequentadores, chegando ao mximo a 10
pessoas por ms que a procuram em sua residncia. Um fato relevante que esta
senhora esprita, e afirma com convico que no h diferena entre aplicar o passe ou
benzer, que as duas prticas so vlidas e trazem paz e sade aos seres humanos.
Quando procurada para benzer, ela recorre a tradies populares como utilizar
sempre um ramo para benzer, rezar ave-maria e outras oraes catlicas. Maria diz no
se sentir no direito de mudar a f de uma pessoa, se a pessoa acredita que necessrio
utilizar ramos, folhas, ela o far. No centro esprita a situao muda, ela bastante
procurada por ser mdium, a espera longa e ela se diz satisfeita com este
reconhecimento, e tenta sempre ajudar o mximo que pode.
Maria tambm procurada para benzer terras, a fim de expulsar do local
qualquer tipo de cobra ou animais que possam vir causar perigo aos moradores. Ela
tambm revelou j ter benzido animais, pois estes so diretamente atingidos pela inveja
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de outras pessoas, e principalmente crianas, estas so frgeis e sempre recebem energia
negativa de adultos. O neto de Maria j teve a vida salva pela av, pois comeou a
convulsionar em meio zona rural, localidade que estava a mais de 50 km da cidade de
Catalo-GO e do hospital. Segundo relata ela, em momento de desespero, j a caminho
do hospital se lembrou da f que possua e das vrias pessoas curadas pelas quais
intercedeu, e no fez diferente com seu neto, elevou seu pensamento a Deus e pediu
para que curasse aquela criana inocente. Assim o fez e, ao chegar ao hospital, a criana
no apresentava nenhum sintoma ou sequela das convulses sofridas.
5. CONCLUSO
Maria de Lourdes Gimenes, uma senhora simptica que tem sua histria
marcada por pessoas importantes na regio, e que no perde a simplicidade da vida, e a
vontade de trazer o bem s pessoas que esto ao seu redor. Mulher bastante dedicada
vida religiosa e tambm famlia, que no aceita receber nada em troca das benzees
realizadas, apenas quer que as pessoas sejam gratas e rezem por ela, pois para ela este
um dom divino, do qual ela no tem propriedade nenhuma para trocar seus feitos por
bens materiais.
6. REFERNCIAS
NAVES, Aparecida de Ftima do Nascimento. Povo meu, gente minha: Joo Netto de
Campos e a Poltica em Catalo na dcada de 40. Catalo: UFG, 1996.
OLIVEIRA, Elda Rizzo de. O que benzeo. So Paulo : Brasiliense, 1985.
VAZ, Geraldo Coelho de. Vultos Catalanos. Catalo: Editora UFG, 1984.
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ENTRE A MEMRIA, TRANSMISSO E EMOO: CONSIDERAES
SOBRE O SENSO RELIGIOSO CONTEMPORNEO NO PENSAMENTO DE
DANILE HERVIEU-LGER
Mestrando: Victor Breno Farias Barrozo - PUC Minas ([email protected])
Resumo
No mbito das reflexes acadmicas sobre o fenmeno religioso na atualidade, a
sociloga francesa Danile Hervieu-Lger vem se tornando cada vez mais uma
importante referncia para compreenso das transformaes do religioso nas sociedades
modernas. Sua singularidade se d justamente em articular perspectivas tericas da
sociologia da religio que at ento estavam em antagonismo entre a secularizao, entendida como sublimao do religioso na modernidade, e dessecularizao, uma contra tese da ideia anterior, afirmando um tipo de revanche de Deus. Aqui se encontra sua contribuio mais particular ao campo de anlises do senso religioso
contemporneo que tentar compreender conjuntamente o movimento pelo qual a Modernidade continua a minar a credibilidade de todos os sistemas religiosos e o
movimento pelo qual, ao mesmo tempo, ela faz surgirem novas formas de crena (HERVIEU-LGER, 2008a, p. 41). O elemento aglutinante de sua produo terica gira
em torno do tema da modernidade religiosa onde trs para o campo semntico de
elucidao da questo os conceitos de tradio, memria, transmisso, crena, emoo
religiosa, entre outros, que so desenvolvidos para pensar os modos como a
modernidade tem seus prprios mecanismos de produo religiosa atravs de
complexos processos de recomposio da crena religiosa no interior das sociedades
contemporneas. Este artigo pretende desenvolver alguns conceitos centrais na
sociologia da religio desta autora que nos ajudem a pensar a problemtica do senso
religioso contemporneo.
1. INTRODUO
As mutaes pelas quais passa o fenmeno religioso contemporneo apresentam
um cenrio extremamente complexo e exige a superao das perspectivas interpretativas
antagnicas que regeram a anlise dos estudos da religio nos ltimos anos entre a secularizao e a revanche do sagrado e sugerir uma abordagem mais integrativa.
Tal divergncia dominou boa parte da reflexo acadmica sobre a situao e o
lugar da religio nas sociedades modernas. Entretanto, cada vez mais se foi gerando
entre os pesquisadores uma insatisfao sintomtica do esgotamento e insuficincia
dessas duas posturas em face da complexidade com a qual se apresentava o religioso na
contemporaneidade. Diante desse quadro controverso de perspectivas, comeou a
ganhar lugar, nos ltimos anos a convico da necessidade de uma abordagem mais
integrativa e criativa do senso religioso atual.
Em face desse horizonte contraditrio das concepes que envolvem as relaes
que se estabelecem entre religio e modernidade, a sociloga francesa Danile Hervieu-
Lger vem se tornando cada vez mais uma importante referncia para a compreenso
das transformaes do religioso nas sociedades modernas. Muito embora seu incurso
terico no tenha desenvolvido necessariamente uma escola de pensamento prpria,
Hervieu-Lger tem uma pertinncia significativa nos atuais estudos do fenmeno
religioso.
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Os conjuntos de suas produes certamente demarcam uma leitura privilegiada
no que diz respeito elucidao das dinmicas que caracterizam as modernas
manifestaes do religioso. Sua singularidade se d justamente em articular
perspectivas tericas da sociologia da religio que, at ento, estavam em antagonismo.
O elemento aglutinante de sua produo terica gira em torno do tema da
modernidade religiosa que traz para o campo semntico da elucidao da questo os
conceitos de tradio, memria, transmisso, crena, emoo religiosa, entre outros, os
quais so desenvolvidos para pensar os modos como a modernidade tem seus prprios
mecanismos de produo religiosa atravs de complexos processos de recomposio da
crena religiosa no interior das sociedades contemporneas.
Queremos partir e sustentar a hiptese, derivada das anlises feitas sobre o
conjunto das obras selecionadas, que a estrutura elementar e dorsal da teoria sociolgica
da religio de Danile Hervieu-Lger coloca-se com respeito problemtica da
modernidade religiosa. Em especial, atribumos um maior valor aos conceitos de
memria, transmisso e emoo que, em nossa compreenso, formam o ncleo da ideia
de modernidade religiosa e que leva, por conseguinte, o ttulo desta comunicao.
Defendemos a premissa de que o pensamento hervieu-lgeriano se desenvolve
como um tipo de espiral para usarmos uma descrio metafrica. Significa dizer que Hervieu-Lger prope determinados conceitos centrais desde o incio de sua teoria
sociolgica que vo ganhando, na progresso dos textos que escreve com o passar dos
anos, maior amplitude e significado. Esses, por sua vez, vo sendo frequentemente
retomados ao longo dos novos artigos e livros, sempre de uma maneira articulada e
integrativa com os mais antigos, porm alargados em sua aplicao a outros temas,
tipologias e questes.
A seguinte exposio tem como objetivo desenvolver um estudo acerca da
modernidade religiosa no pensamento de Danile Hervieu-Lger. Para tanto, realiza um
curso expositivo sobre os principais temas e tpicos de sua teoria sociolgica da religio
tendo em vista uma elucidao terica do senso religioso contemporneo. Deste modo,
este trabalho vem apresentar uma abordagem alternativa aos estudos sobre as
transformaes e dinmicas do fenmeno religioso nas sociedades modernas luz da
perspectiva hervieu-lgeriana.
2. A RELIGIO EM MOVIMENTO: RELAES ENTRE RELIGIO E
MODERNIDADE
Ao pensarmos sobre as relaes entre religio e modernidade, entendemos que
para Hervieu-Lger (2008a), a modernidade se desenvolve de forma paradoxal: na
medida em que ela solapa a credibilidade dos sistemas religiosos (dimenso histrica),
tambm da vazo manifestao de novas formas de crena (dimenso utpica). Isso
porque a modernidade caracterizada por uma aspirao utpica para a qual no pode
satisfazer de forma plena, gerando vazios sociais e culturais que, por consequncia,
abrem espaos possveis para produes religiosas no interior da modernidade. Desse
modo, diante dos surtos religiosos contemporneos, a secularizao passa a ser vista
como reorganizao permanente da religio nesta sociedade incapaz de realizar as
expectativas que ela mesma levanta.
Isso configuraria, segundo Hervieu-Lger, a modernidade religiosa,
caracterizada pelo duplo movimento de perda da influncia dos grandes sistemas
religiosos e pela recomposio das representaes religiosas. Seguindo esta linha de
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raciocnio e desdobrando-a, a autora vai conceituar a modernidade religiosa como a
individualizao e pluralizao das trajetrias de identificao de um sujeito crente a
integrar-se a uma linhagem crente particular. Passando da reflexo terica para a
emprica, segundo Hervieu-Lger, as caractersticas do sujeito crente em face da
modernidade religiosa tipificadas nas figuras do peregrino e do convertido, que
elucidam sobre o aspecto mvel do religioso contemporneo.
3. MEMRIA E TRANSMISSO NA MODERNIDADE RELIGIOSA: CRISE DA
MEMRIA RELIGIOSA E DIMENSES DA IDENTIFICAO
Num segundo momento, para elucidar os modos como a modernidade tem seus
prprios mecanismos de produo religiosa atravs de complexos processos de
recomposio da crena religiosa no interior das sociedades contempornea, Hervieu-
Lger (2005b) desenvolveu um lxico semntico explcito nos conceitos de tradio,
memria, transmisso, crena para operacionalizar essa problemtica.
A autora definiu a religio como um modo de crer e que toda religio implica na
mobilizao de uma memria coletiva, no caso, a oferecida pela tradio constitui uma
memria autorizada ou linhagem de f. A religio constitui-se de um processo dinmico de transmisso da memria
fundadora para as novas geraes. Essa perpetuao da memria coletiva das origens criaria uma linhagem religiosa autorizada que constituiria assim a tradio. Todavia, na contemporaneidade as sociedades modernas so amnsicas, gerando uma
crise de transmisso da memria religiosa. Diferente das sociedades tradicionais, nas
sociedades modernas a religio no mais herdada, mas o indivduo levado a
constituir sua relao de identidade com a linhagem de f. A identificao religiosa nas sociedades modernas se processa pela combinao
de quatro dimenses, onde h pouco ou nenhuma influncia institucional, a saber:
dimenso comunitria, dimenso tica, dimenso cultural e dimenso emocional. Essas
dimenses se articulam de modos distintos, formando lgicas de cruzamento
particulares.
4. A NOVA ECONOMIA DO RELIGIOSO: AS CRENAS CONTEMPORNEAS
NO HORIZONTE DA MODERNIDADE RELIGIOSA
Segundo Hervieu-Lger (2001) os novos movimentos religiosos apontam para o
fato de que o trao mais particular e caracterstico da economia religiosa contempornea
o individualismo religioso moderno. A modernidade religiosa, em termos simples,
pode ser definida como a individualizao e subjetivao dos contedos religiosos. Para
Hervieu-Lger, a pluralizao das formas de crena diversificam paralelamente as
modalidades de validao do crer religioso. Segundo esta perspectiva, h na
modernidade religiosa uma multiplicao das instncias de validao da crena que
consequentemente geraro tipos distintos de vnculos formais ou no a esta crena.
Segundo o pensamento hervieu-lgeriano, uma das importantes reconfiguraes
pelas quais passa a nova economia religiosa diz respeito a um aprofundamento e
intensificao da experincia emocional pelos indivduos ou coletividades crentes. A
religiosidade moderna v brotar no interior de si uma sensibilidade emocional intensa.
Na modernidade religiosa essa emocionalidade ressurge de forma nova e criativa
alterando significativamente as modalidades da experincia religiosa em nosso tempo.
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O senso religioso contemporneo d centralidade ao elemento emocional nas produes
modernas do crer.
Hervieu-Lger (1987) cunhou reflexivamente a expresso religio de
comunidades emocionais ou religiosidade de comunidades emocionais. Esta
religiosidade de comunidades emocionais, longe de ser uma particularidade de
determinados grupos religiosos, constituiria um tendncia prpria da dinmica do
religioso de uma forma geral no contexto da modernidade. Existem determinados traos
comuns que marcam estas comunidades emocionais: adeso voluntria mantida por
laos emotivos entre o indivduo e o grupo, porosidade de fronteiras, desconfiana em
relao ao dogmtico e doutrinal, tendncia ao bairrismo, o carter exclusivamente espiritual dos propsitos religiosos dos aderentes.
5. CONCLUSO
Em vista a estas consideraes, verificamos e julgamos como plausvel a
hiptese levantada pela pesquisa. De fato, em nosso estudo sobre a ideia de
modernidade religiosa no pensamento hervieu-lgeriano, pudemos notar a centralidade
deste tema na estruturao de todo o raciocnio e produo terica da autora. Suas obras,
conceitos e temticas articulam-se na problemtica mais ampla que desvelar as
mutaes e dinmicas do senso religioso contemporneo.
A comunicao aqui exposta no representa a totalidade da teoria sociolgica da
religio de Hervieu-Lger, mas uma leitura e interpretao do seu pensamento a partir
de questes especficas levantadas sobre a ideia de modernidade