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Ana Paula Antunes Rocha Gramaticalização de conjunções adversativas em português: em busca da motivação conceptual do processo Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras do Departamento de Letras da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de Doutor em Letras. Orientadora: Profa. Eneida do Rêgo Monteiro Bomfim Rio de Janeiro Dezembro de 2006

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Ana Paula Antunes Rocha

Gramaticalização de conjunções adversativas em português: em busca da

motivação conceptual do processo

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras do Departamento de Letras da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de Doutor em Letras.

Orientadora: Profa. Eneida do Rêgo Monteiro Bomfim

Rio de Janeiro

Dezembro de 2006

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Ana Paula Antunes Rocha

Gramaticalização de conjunções adversativas em português: em busca da

motivação conceptual do processo

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo programa de Pós-Graduação em Letras do Departamento de Letras do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

_______________________________________ Profa. Eneida do Rêgo Monteiro Bomfim

Orientadora Departamento de Letras – PUC-Rio

____________________________________________

Profa. Lúcia Pacheco de Oliveira Departamento Letras – PUC-Rio

____________________________________________

Prof. José Carlos Santos de Azeredo Instituto de Letras – UERJ

____________________________________________

Profa. Maria Luiza Braga Departamento de Lingüística e Filologia – UFRJ

____________________________________________

Prof. Mário Roberto Lobuglio Zágari Departamento de Letras – UFJF

_______________________________________________ Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade

Coordenador Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro, ______ de ___________________ de ________.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e da orientadora.

Ana Paula Antunes Rocha

Graduou-se em Letras (Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa) pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1997). Concluiu Mestrado em Lingüística na mesma universidade em 2001. Atualmente é professor Assistente da Universidade Federal de Viçosa. Atua na área de Lingüística, com ênfase nos seguintes temas: lingüística histórica, descrição morfossintática do português, gramaticalização.

Ficha Catalográfica

CDD: 400

Rocha, Ana Paula Antunes Gramaticalização das conjunções adversativas em português: em busca da motivação conceptual do processo / Ana Paula Antunes Rocha ; orientadora: Eneida do Rego Monteiro Bomfim. – 2006. 128 f. ; 30 cm Tese (Doutorado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. Inclui bibliografia 1. Letras – Teses. 2. Conjunções adversativas. 3. Gramaticalização. 4. Metáfora. 5. Metonímia. I. Bomfim, Eneida do Rego Monteiro. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. III. Título.

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Aos meus pais, com carinho.

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Agradecimentos A Deus, pela inspiração, pela saúde, pela capacidade de sonhar e realizar, e também por ter me permitido encontrar todas as pessoas que citarei a seguir. Aos meus pais, porque, com amor e carinho, sonharam comigo os meus sonhos e também porque me ensinaram lições que os livros não trazem. Ao meu irmão e à minha cunhada, que são o meu porto mais seguro. À Professora Eneida Bomfim, por ter me acolhido como sua orientanda, passando a dividir comigo seu sólido conhecimento sobre a história do português. Por tê-lo feito com desprendimento e sem jamais me tolher a liberdade de pensar sozinha. À Professora Marilza de Oliveira, com admiração e amizade, por ter sido tantas vezes uma interlocutora atenta e atenciosa. Às Professoras Cláudia Roncarati e Margarida Basilio, pelas sugestões apresentadas durante o exame de qualificação. Ao Professor Jürgen Heye, pela atenção de sempre. Ao Professor Mário Roberto Zágari, com um profundo sentimento de amizade, em especial por ter despertado em mim o gosto pelos estudos diacrônicos. Aos professores membros da Banca de avaliação da tese. Ao Tiago Torrent, meu amigo mais do que querido, pela total disponibilidade em conversar comigo sobre a tese e pelas sugestões valiosas. E também, claro, à amiga Natália, que nunca se queixou do tempo que eu roubava de seu namorado. À PUC-Rio, pela excelência do ensino e pela bolsa de isenção de mensalidades. Aos funcionários da Pós-Graduação em Letras da PUC, em especial à Francisca, pela dedicação e atenção. À CAPES, pela concessão de bolsa PICDT. À Universidade Federal de Viçosa, onde trabalho, por ter me assegurado o direito a licença parcial e, posteriormente, total para o término deste trabalho. Ao Departamento de Letras, aos colegas da área de Lingüística e Língua Portuguesa e, em especial, às seguintes pessoas: à Nazaré Molica, pela atenção, amizade e pelo cuidado com meus assuntos burocráticos durante minha ausência; à Cristiane Cataldi, por ser, além de uma colega leal, uma chefe justa; ao Édson Martins, pela

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parceria nos assuntos diacrônicos; à Luciana Ávila, por motivos que remontam a longa data e também pela presença e interlocução, inclusive no que diz respeito à tese; à Regina Barragat, por ter sido uma ótima companheira de PUC. À amiga e ex-colega de UFV Francis Lopes, pelos muitos favores impagáveis. Ao Professor José Dionísio Ladeira, com amizade e admiração, por vários motivos, inclusive pelas vezes em que leu meus rascunhos. Ao Hélcius Pereira, por ter cedido o corpus do século XXI. À colega de curso Fátima Santos, pela acolhida amiga. Às amigas Ângela, Eliara e Vanda, por terem tornado minha passagem pelo Rio inesquecível. Por último, mas com destaque, à Josyele Caldeira, uma ex-aluna que me orgulha, pela dedicação e carinho com que me prestou socorro técnico e moral na parte mais difícil deste trabalho, que foi a da digitação e formatação.

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Resumo

Rocha, Ana Paula Antunes; Bomfim, Eneida do Rêgo Monteiro (Orientador). Gramaticalização de conjunções adversativas em português: em busca da motivação conceptual do processo. Rio de Janeiro, 2006. 128p. Tese de Doutorado – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Este trabalho trata da motivação conceptual que levou os itens mas, porém,

contudo, todavia, entretanto e no entanto, considerados pela maioria das gramáticas do português como conjunções adversativas, a passarem por um processo de gramaticalização. Apesar de ser discutível a classificação dos referidos itens como conjunções adversativas – já que, com exceção de mas, os demais não têm um comportamento sintático típico de conjunções –, considera-se o fato de que todos, de alguma forma, se tornaram mais gramaticais desde suas origens medievais até hoje. O processo de gramaticalização é entendido, então, como aquele em que “tanto itens lexicais e construções formam-se em certos contextos lingüísticos para exercer funções gramaticais quanto itens gramaticais desenvolvem novas funções gramaticais” (HOPPER & TRAUGOTT, 2003). O enfoque do trabalho está na busca dos elementos conceptuais que possam ter motivado o processo. Trabalhos como o de Barreto (1999) afirmam que a motivação da gramaticalização dos itens em pauta foi metonímica, por influência da presença de elementos de sentido negativo em posição adjacente à deles, no português medieval. A proposta deste trabalho é investigar por que os itens em estudo encontravam-se maciçamente, ao que parece, em ambientes que apresentavam partículas de sentido negativo. A partir da leitura de trabalhos como o de Vogt & Ducrot (1980) e o de Sweetser (1991), entende-se que mas encontrava-se nesses ambientes em função de uma motivação metafórica e que as relações contrajuntivas para cujo estabelecimento o item contribuía ocorriam proeminentemente nos domínios epistêmico e conversacional da linguagem. A mesma proposta de análise é estendida aos demais itens, que, segundo se verifica em amostras do português medieval, por funcionarem em prol da coesão do texto, eram propícios a serem empregados em contextos lingüísticos nos quais se delimitavam dois grupos de informação postos em relação. Essa relação podia ser contrajuntiva e, se não se encontrava assinalada gramaticalmente, era, ainda assim, depreensível através de uma análise das relações textuais que se davam no plano do significado lingüístico, em especial nos níveis epistêmico ou conversacional. Portanto, elementos negativos eram cabíveis nos referidos contextos e, com eles, também elementos responsáveis pela coesão textual anafórica.

Palavras-chave Conjunções adversativas; gramaticalização; metáfora; metonímia.

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Abstract

Rocha, Ana Paula Antunes; Bomfim, Eneida do Rêgo Monteiro (Advisor). Grammaticalization of the adversative conjunctions in Portuguese: the quest for the conceptual motivation of the process. Rio de Janeiro, 2006. 128p. Doctorate Thesis – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

In this work I deal with the conceptual motivation of the grammaticalization

of the items mas, porém, todavia, entretanto e no entanto, which are classified as adversative conjunctions by the majority of the Portuguese Grammars. Though such classification is very discussable – for all of these items but mas present non-typically-conjunctional syntactical behavior – we consider the fact that all of the items cited above have become more grammatical in some manner since their medieval origins until the present days. Hence, the grammaticalization process is understood as that one in which the “lexical items and constructions come in certain linguistic contexts to serve grammatical functions or how grammatical items develop new grammatical functions” (HOPPER & TRAUGOTT, 2003). This work focuses the quest for the conceptual elements which could have motivated this process. Works such as Barreto’s (1999) state that the motivation for the grammaticalization of the items being studied in this text was a metonymic one, carried out by the influence of semantically negative elements which appeared next to them in the Medieval Portuguese. The objective of my work is to investigate why these items were massively found, as it seems, in contexts with negative-sense particles. From the reading of works such as Vogt’s & Ducrot’s (1980) and Sweetser’s (1991), I understand that mas was found in such contexts due to a metaphoric motivation and that the adversative relation for whose establishment it contributed occurred mainly within the epistemic domain of language. This very analysis is extended to the other items, which, according to what can be verified through the analysis of samples of the Medieval Portuguese, had the tendency of being used in contexts in which two groups of linguistic information, put into an adversative relation, were delimited, contributing for the text cohesion. This adversative relation, if not grammatically marked, was, even though, inferrible through the analysis of the textual relations which took place in the linguistic meaning plain, especially at the epistemic level. Thus, negative elements were possible in these contexts and with them, also, the elements responsible for the textual cohesion. Keywords

Adversative conjunctions; grammaticalization; metonym; metaphor.

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Sumário

1. Introdução 12 2. Conjunções adversativas do português: apontamentos gerais

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2.1. As conjunções adversativas segundo referências diversas 14 2.2. Em busca de um entendimento de conjunção 19 2.3. Origens etimológicas das conjunções adversativas 24 2.4. As conjunções adversativas passaram por gramaticalização? 27 3. Em busca da motivação da gramaticalização das adversativas

32

3.1. Em busca de um recorte das teorias da gramaticalização 32 3.2. A obra de Meillet (1912) 34 3.3. As obras de Heine et al (1991) e Hopper & Traugott (2003) 35 3.4. As obras de Sweetser (1988, 1991) 37 4. O item mas

40

4.1. Apontamentos sobre a origem etimológica de mas 40 4.2. Algumas análises de base argumentativa (ou enunciativa) 41 4.3. A proposta de Vogt & Ducrot (1980): uma explicação de base argumentativa para a origem diacrônica da conjunção mas

45

4.4. O estudo de Neves (1984) sobre mas interfrasal: uma proposta de análise sincrônica com base argumentativa

51

4.5. O trabalho de Fabri (2001): análise da “diferenciação das conjunções adversativas em diferentes tipos de textos escritos”

55

4.6. Outras abordagens de mas: análises centradas no uso 64 4.7. O trabalho de R. Lakoff (1971) 68 4.8. O trabalho de Sweetser (1991) 72 4.9. Sobre a motivação da gramaticalização de mas 80 4.9.1. Sobre a hipótese da motivação metonímica 81 4.9.2. Em defesa de uma explicação com base na motivação metafórica 87 4.10. Análise dos dados de mas 91 4.10.1. Análise dos dados contemporâneos 92 4.10.2. Análise dos dados medievais 98 4.10.3. Avaliação da análise dos dados 104 5. Os itens porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto

106

5.1. A função coesiva dos itens porém, contudo, entretanto e no entanto 106 5.2. O item contudo 107 5.3. O item entretanto 110 5.4. O item no entanto 112 5.5. O item porém 113

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5.6. O item todavia 116 5.7. Considerações acerca dos dados analisados: em defesa da motivação metafórica

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6. Considerações finais

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7. Referências bibliográficas

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“Toda língua são rastros de velho mistério”. João Guimarães Rosa, Uns índios (sua fala). “(...) porém as coisas não levam sempre, conjuntamente, a sua própria explicação”. José Saramago, O evangelho segundo Jesus Cristo.

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1 Introdução

Esta tese tem por objetivo investigar a motivação conceptual que levou os

itens mas, porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto a apresentarem traços

comuns capazes de justificar o fato de serem tradicionalmente englobados sob o

mesmo rótulo em português: o das conjunções adversativas. Se os elementos

funcionavam, ou no latim ou no português medieval, como advérbios e se, por

mais que isso seja questionável, podem ser vistos atualmente como conjunções,

cabe levantar a hipótese de terem experienciado um processo de gramaticalização.

A título de ilustração, veja-se um caso típico de gramaticalização na

seguinte frase: Não tenho tido dinheiro para nada. Embora as duas formas verbais

flexionadas representem o mesmo infinitivo (ter), na segunda ocorrência o verbo

apresenta sentido pleno – possuir –, enquanto, na primeira, apenas traz

informações gramaticais, como pessoa, número e tempo verbais, não apresentando

nenhum sentido lexical. Se a primeira forma é proveniente da segunda, então se

tem um caso de gramaticalização, pois uma forma lingüística teria dado origem a

uma segunda, que funciona com restrições gramaticais e semânticas em

comparação com a primeira.

No segundo capítulo, serão apresentadas variadas referências

bibliográficas que – em função principalmente de os elementos referidos, com

exceção de mas, não se localizarem exclusivamente em fronteiras oracionais ou

sentenciais – divergem quanto à adequação de eles serem classificados como

conjunções. A comparação entre o sentido que os elementos apresentavam em

suas origens etimológicas e o sentido que apresentam atualmente revela que

sofreram uma substancial mudança semântica ao longo do tempo e, o mais

relevante, especializaram-se em contextos de cujo sentido global se depreende

algum tipo de relação contrajuntiva. O último ponto é o que mais justifica o título

da tese, o qual deixa subentendido que todas as adversativas enfocadas de fato

experienciaram, em algum grau, uma gramaticalização. Ainda no segundo

capítulo será exposta a grande divergência existente entre os estudiosos com

relação também (i) aos sentidos possíveis que as adversativas podem apresentar,

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(ii) ao elenco das adversativas do português e ainda (iii) ao que se entende por

conjunção.

Já no capítulo 3, serão explanadas algumas das diretrizes teóricas da tese,

que, por sinal, não retomam, ao contrário do que se vê em muitos trabalhos

acadêmicos, a totalidade dos fundamentos básicos das teorias da gramaticalização

mais conhecidas, mas tão somente aqueles que possam interessar diretamente ao

estudo em pauta. Os trabalhos mais enfocados serão os de Sweetser (1988, 1991)

por terem sido os mais utilizados na análise dos dados. Com isso, objetiva-se, o

máximo possível, não dissociar teoria e análise lingüísticas.

No capítulo 4, serão apresentadas novas teorias – agora não mais

diretamente sobre gramaticalização, mas sim sobre relações contrajuntivas – e

alguns trabalhos acadêmicos a fim de se buscar um modelo que dê conta dos

dados analisados na tese, sendo que o elemento enfocado, nesse capítulo, será

mas.

Como no capítulo 4 se chegará à conclusão de que o melhor modelo para a

análise de mas é o proposto por Sweetser (1991), ele será adotado, no capítulo 5,

para a análise dos demais itens também.

Todo o desenvolvimento da tese visa a encontrar a motivação conceptual

que levou as adversativas a sofrerem substanciais mudanças de sentido ao longo

do tempo. Ao final do trabalho, a conclusão será de que a motivação do processo

não foi metonímica, como supõem alguns trabalhos, mas sim eminentemente

metafórica.

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2 Conjunções adversativas do português: apontamentos gerais

Se o objetivo deste trabalho é buscar a motivação conceptual que levou os

elementos considerados como conjunções adversativas do português a

apresentarem mudanças de sentido ao longo do tempo, cabe esclarecer uma série

de pontos relevantes nessa investigação, tais como: a que mudanças de sentido se

está referindo; o que se entende por conjunções adversativas e, mais

genericamente, por conjunções; as abordagens que referências bibliográficas

distintas fazem do tema.

As notas deste capítulo servirão, portanto, para apresentar as questões e

problemas com que inevitavelmente se depara no estudo da mudança apresentada

pelos itens mas, porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto.

2.1 As conjunções adversativas segundo referências diversas

Uma breve consulta às gramáticas tradicionais do português nos revela que

a descrição das conjunções adversativas é um dos pontos mais problemáticos

entre os abordados por tais manuais.

A seguir, serão apresentados pontos retirados tanto de gramáticas

tradicionais quanto de fontes de outras naturezas que possam ilustrar a dificuldade

encontrada no tratamento das adversativas. As fontes divergem não só quanto ao

elenco dos elementos que devem ser considerados conjunções adversativas, como

também quanto aos sentidos que eles podem apresentar.

Oiticica (1940, p. 61), sobre as adversativas, afirma que elas “justapõem

pensamentos contrários”. Aponta mas como a adversativa típica e acrescenta que

porém, contudo, todavia, entretanto, não obstante, entre outros, têm força

adversativa.

Maciel (1931, p. 153) engloba, entre as adversativas, mas e porém. Em

nota de rodapé, acrescenta: “as palavras entretanto, comtudo e todavia têm mais

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função adverbial do que de conjucção, tanto que instituímos o novo grupo dos

advérbios de concessão ou concessivos a que hoje pertencem”.

Dias (1933, pp. 256-257) atribui a mas as seguintes funções: (i) “serve de

ordinário de designar o que contrapõe ao que se disse precedentemente ou o

restringe”; (ii) “quando se contrapõe a um membro negativo, (...) reforça-se com o

advérbio sim”; (iii) “pode omitir-se, quando a antithese já se acha suficientemente

demonstrada por outro modo”. Como adversativas, ainda considera “porém” –

mais frouxo do que mas –, “ora” – que introduziria um pensamento diverso

somente do que se enunciou precedentemente” –, “senão” – que, “na qualidade de

adversativa, só tem lugar como synonyma de mas, quando a um membro negativo

se contrapõe um afirmativo” –, e “pois” – que, como adversativa, “emprega-se

nas réplicas, se se quer representar, como cousa de estranhar o serem ao mesmo

tempo verdadeiros os enunciados que se contrapõem”.

Almeida (1952, p. 305) afirma que mas tem mais força do que porém e que

todavia, contudo, entretanto e no entanto têm a mesma significação.

Melo (1970, p. 175) entende que as adversativas mas, porém, contudo,

todavia, no entanto, entretanto e senão exprimem contraste ou compensação.

Garcia (1992, pp. 16-19) engloba, no conjunto das adversativas, mas,

porém, contudo, todavia, no entanto e entretanto, que, segundo ele, marcam

oposição, “às vezes com um matiz semântico de restrição ou ressalva”.

Para Rocha Lima (1994, p. 185), as adversativas “relacionam pensamentos

contrastantes” e a conjunção adversativa por excelência é mas. Acrescenta ainda

que “há outras palavras com força adversativa, tais como: porém, todavia,

contudo, entretanto, no entanto, que acentuam, não propriamente um contraste de

idéias, mas uma espécie de concessão atenuada”.

Cunha & Cintra (1985, p. 566) entendem que as adversativas “ligam dois

termos ou duas orações de igual função, acrescentando-lhes, porém, uma idéia de

contraste”. Citam como adversativas: mas, porém, todavia, contudo, no entanto e

entretanto.

Sacconi (1990, pp. 267-268) afirma que as adversativas “exprimem

essencialmente ressalva de pensamentos, ressalva essa que pode indicar idéia de

oposição, retificação, restrição, compensação, advertência ou contraste”.

Apresenta o seguinte conjunto: “mas, porém, todavia, contudo, entretanto, no

entanto, não obstante, etc.”. Adiante enumera alguns exemplos contendo

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elementos aparentemente estranhos ao conjunto das adversativas: “Juçara fuma, e

não traga”; “Veio de automóvel, quando poderia ter vindo a pé”; “Gosto muito de

Cristina; agora, beijar os pés dela eu não vou”; “O homem, faminto, não comia,

antes engolia alimentos”; “O maior fator da evolução humana não é a inteligência,

senão o caráter; não é o pensamento, mas a vontade”.

Segundo Cegalla (1994, p. 267), as adversativas “exprimem oposição,

contraste, ressalva, compensação” e englobam os seguintes elementos: “mas,

porém, todavia, contudo, entretanto, ao passo que, antes (= pelo contrário), no

entanto, não obstante, apesar disso, em todo caso”.

Luft (2002, p. 189) afirma que as adversativas “denotam contraste,

compensação” e as exemplifica com “mas, porém, etc.”.

Bechara (1999, p. 321) considera que as adversativas “enlaçam unidades

apontando uma oposição entre elas” e que “as adversativas por excelência são

mas, porém e senão”. Observa que, “ao contrário das aditivas e alternativas, que

podem enlaçar duas ou mais unidades, as adversativas se restringem a duas. Mas e

porém acentuam a oposição; senão marca a incompatibilidade”.

Neves (2000, pp. 755-770), ao tratar das “construções adversativas”,

enfoca especificamente “a coordenação com mas”. Da mesma forma que faz com

conjunções de outros tipos, a autora analisa mas sob três pontos: (i) a natureza da

relação, (ii) o modo da construção e (iii) o valor semântico. Sobre (i), a autora

afirma que o item “marca uma relação de desigualdade entre os segmentos

coordenados, e, por essa característica, não há recursividade na construção com

MAS, que fica, pois, restrita a dois segmentos”. Sobre (ii), Neves afirma que os

segmentos coordenados por mas podem ser sintagmas, orações e enunciados. E

sobre (iii), a autora afirma:

nas relações de desigualdade há aspectos especiais marcados pelo uso do MAS. A desigualdade é utilizada para a organização da informação e para a estruturação da argumentação. Isso implica a manutenção (em graus diversos) de um dos membros coordenados (em geral, o primeiro) e (também em graus diversos) a sua negação (Neves, 2000, p. 757).

Neste capítulo não será discutido ainda qual seria o modelo ideal de

análise das adversativas. Por enquanto, interessa observar os problemas

depreendidos das poucas referências bibliográficas já citadas.

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O item mas é apresentado nos trabalhos acima, de forma declarada ou não,

como a conjunção adversativa prototípica. Não há, entretanto, unanimidade em

torno do sentido que apresenta. O sentido das adversativas, por sinal, varia em alto

grau, como se pode notar, sendo esse grupo um dos mais polissêmicos entre todos

os grupos de conjunções em português.

Não só com relação aos sentidos das adversativas divergem as gramáticas,

mas também com relação ao elenco dos elementos que devem ser reunidos sob

esse mesmo rótulo.

Sobre a divergência dos sentidos, é possível fazer as seguintes

observações. Não há precisão com relação aos termos utilizados. Oiticica (1940),

quando afirma que as adversativas contrapõem pensamentos, indiretamente afirma

que a linguagem representa o pensamento, o que, para uma análise mais acurada,

traz à tona questões epistemológicas sérias. Dias (1933), ao afirmar que mas serve

para designar o que contrapõe ao que se disse antes, está atribuindo a mas uma

função típica dos nomes; é estranho atribuir a conjunções funções designativas.

Afirma também que porém seria “mais frouxo” do que mas, sem especificar o que

se entende por palavra de sentido tão vago quanto “frouxo”. Da mesma forma,

Almeida (1952) não explicita o que significa exatamente mas ter mais força do

que porém.

Garcia (1967), referindo-se a um matiz semântico de restrição ou de

ressalva, parece estar afirmando que tal matiz se encontraria no próprio sentido de

oposição e não que seria um dos sentidos possíveis das adversativas,

paralelamente ao de oposição. Essa seria uma questão digna de estudo: as

adversativas podem apresentar sentidos ambíguos ou os sentidos que lhe são

possíveis se distinguem nitidamente?

Cunha & Cintra (1985), quando afirmam que as adversativas ligam dois

termos de igual função, parece estarem se referindo a função sintática; em

seguida, fazem uma observação de cunho semântico: acrescenta-lhes uma idéia de

contraste. A escolha lexical por “acrescentar” pode deixar subentendido que o

contraste não seria expresso senão pela conjunção.

Já para Rocha Lima (1994), as adversativas relacionam pensamentos

contrastantes. Por mais impreciso que seja, nesse caso, o termo pensamento, o

autor atribui às conjunções a função de relacioná-los, deixando claro que os

pensamentos já são em si contrastantes. A seguir, ao destacar mas como a

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adversativa por excelência, deixa subentendido que as referidas características

não se encontram em outras palavras como porém, todavia, contudo, entretanto,

no entanto, as quais, segundo o autor, acentuam uma espécie de concessão

atenuada. Pelo uso de “atenuada”, vê-se que também Rocha Lima (1994), assim

como Almeida, entende que mas tem sentido mais forte do que as outras

conjunções. Atente-se para o termo “espécie”, que indica quanto são imprecisos

os apontamentos feitos.

Sacconi (1990) afirma que os sentidos das adversativas têm em comum a

característica de serem ressalva de pensamentos, o que é discutível, mas não deixa

de ser uma tentativa de identificar um traço comum aos sentidos possíveis.

Cegalla (1994), assim como Sacconi (1990), afirma que as adversativas

exprimem alguns sentidos aparentemente estranhos. O uso de exprimir não deixa

claro se a construção de sentido é função exclusiva da conjunção ou se é algo que

já se encontrava entre as partes ligadas. O mesmo se pode dizer de denotar, termo

usado por Luft (2002): as adversativas “denotam contraste, compensação”.

Bechara (1999), por sua vez, ao afirmar que as adversativas “enlaçam

unidades apontando uma oposição entre elas”, deixa subentendido, pelo uso de

apontar, que a oposição já existia entre unidades enlaçadas. O mesmo se

depreende da afirmativa de que mas e porém acentuam a oposição. Veja-se

também que Bechara se refere a unidades enlaçadas, não restringindo a natureza

de tais unidades a orações ou termos.

Neves (2000) distingue três pontos concernentes às adversativas (usados

também para a caracterização de todas as conjunções estudadas na obra) que são,

de fato, de naturezas diversas e foram, pelos trabalhos mencionados

anteriormente, ou negligenciados ou tratados como se fizessem parte de um bloco

de questões da mesma natureza. Quando trata do modo de construção, afirma que

as unidades coordenadas por mas – o elemento que a autora usa para representar

as adversativas – podem ser de diversas naturezas, o que não foi contemplado

pelos trabalhos mencionados, com exceção de Bechara (1999).

Além disso, Neves (2000) aponta a desigualdade como traço fundamental

tanto das relações em que mas se encontra quanto do valor semântico do

elemento, o que consiste em uma proposta de análise bem mais econômica do que

a que se viu nos demais trabalhos referidos.

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Quanto aos elementos elencados como conjunções adversativas, vê-se

também uma grande divergência entre as fontes citadas. Há unanimidade somente

em torno de mas. Também porém é citado por todos, com exceção de Neves. Já

as outras quatro adversativas enfocadas na tese são também citadas pelos autores,

com exceção de Dias (1933), Luft (2002), Bechara (1999) e Neves (2000). Maciel

(1931) e Rocha Lima (1994) as citam com ressalvas.

Além das seis conjunções adversativas de que trata a tese, outras são

citadas. Sacconi (1990) apontou, com exemplos, uma série de elementos que, por

mais que pareçam estranhos ao conjunto de adversativas, merecem, pelo menos,

uma discussão sobre a adequação de aí serem incluídos, já que visivelmente, nos

exemplos dados, se encontram em contextos semelhantes àqueles que são típicos

das adversativas.

2.2 Em busca de um entendimento de conjunção Embora possa parecer que a presente seção, em função de seu tema,

merecesse ter encabeçado o capítulo, optou-se por buscar uma definição de

conjunção levando em conta os problemas já apresentados na seção anterior.

A reflexão desenvolvida aqui não pretende estabelecer uma definição

exata de conjunção nem tocar nas questões que diferenciam coordenação de

subordinação. O que se pretende é buscar uma definição que atenda aos

propósitos da tese.

A gramaticalização tem lugar de destaque nos estudos funcionalistas, em

especial. Pelo menos no Brasil, os muitos estudos de casos que vêm sendo

realizados nas últimas décadas têm tido geralmente como base o funcionalismo.

No caso dos trabalhos que tratam da gramaticalização das adversativas, o

que se verá, nos próximos capítulos, é que, embora muitas vezes eles se

apresentem como funcionalistas e embora façam uma leitura das teorias da

gramaticalização que enfoca a língua em uso, nem sempre eles realizam análises

funcionalistas de fato.

As teorias da gramaticalização visam, de um modo geral, a descrever e

analisar mudanças experienciadas por elementos que se incorporam à gramática

de uma língua e, com isso, objetivam depreender-lhes pontos comuns que possam

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contribuir para a elaboração de uma teoria geral da gramatizalização. Quanto a

esta tese, faz-se necessário, antes de se dar prosseguimento à análise da

gramaticalização propriamente dita, recorrer-se a um modelo capaz de analisar

satisfatoriamente os usos de tais elementos em diferentes épocas.

É o que se fará no capítulo 4, onde, buscando-se um modelo satisfatório de

análise de mas, se proporá um modelo geral que dê conta da análise dos demais

itens. Qualquer modelo trará, porém, de forma declarada ou não, uma noção sobre

o que seja conjunção. Por isso, faz-se necessário discutir o conceito.

A leitura dos fragmentos comentados na seção anterior revelou grande

divergência quanto ao papel atribuído às conjunções. A elas são atribuídas

funções semânticas – como exprimir, marcar, relacionar, denotar idéias –, ou

funções sintáticas – como ligar e enlaçar unidades. Além da discordância quanto

às funções das conjunções, há também falta de clareza em relação ao que se

entende por tais funções.

Quanto à localização sintática das conjunções, é ponto comum entre as

diferentes vertentes lingüísticas entendê-las como elementos tipicamente

localizados em fronteiras oracionais ou sentenciais. Daí advém a grande

divergência quanto à classificação de porém, todavia, contudo, no entanto,

entretanto, o que será discutido na seção 2.4. Já com relação à função sintática, as

conjunções são vistas como elementos que relacionam gramaticalmente orações

ou sentenças.

A questão que se coloca é: dadas as várias funções de ordem semântica

atribuídas às conjunções e dado o vasto conjunto de valores semânticos que as

adversativas podem apresentar, como se poderia chegar a uma definição de

conjunção que atendesse a todas essas funções e também às de ordem sintática?

Se é necessário decidir-se pela adoção de um paradigma formalista ou

funcionalista de estudo da linguagem, a opção em que se assenta o presente

trabalho é pelo modelo funcionalista. Não se fará uma revisão dos principais

postulados de cada paradigma para se justificar a opção. Levando-se em

consideração que o objetivo da tese é verificar a motivação conceptual que levou

os seis elementos adversativos estudados a sofrerem substanciais mudanças de

sentido ao longo do tempo, o modelo de análise lingüística adotado deverá

necessariamente apresentar suporte às questões semânticas em pauta.

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Para não excluir as questões sintáticas, busca-se um modelo de análise que

as alie às questões semânticas. Um dos postulados básicos das teorias

funcionalistas em geral é a crença de que os componentes sintático e semântico

funcionam em integração. Sobre o componente pragmático, acredita-se que ele se

relaciona intimamente com a sintaxe e a semântica. A análise dos dados mostrará

que é ele que garante a gramaticalidade de ocorrências aparentemente estranhas.

A pragmática, portanto, não será vista aqui como o componente lingüístico por

excelência, como preconizam algumas correntes funcionalistas mais radicais, mas

também não terá sua importância minimizada.

Sobre a relação entre os três componentes mencionados, várias reflexões

podem ser feitas. As correntes funcionalistas não são convergentes em relação ao

status de cada um deles. Há consenso, porém, em relação à não autonomia da

sintaxe.

Por não entender a sintaxe como componente autônomo, a forma com que

se concebe conjunção nesta tese não pode ter vistas somente às questões

sintáticas. Não basta, no entanto, afirmar que as questões semânticas serão

consideradas; é preciso definir como o serão.

Sobre as ocorrências lingüísticas que apresentam adversativas, é preciso

perguntar: onde se encontra o sentido? Nas próprias adversativas, nas unidades

relacionadas por elas ou no conjunto como um todo? Os diversos sentidos que

apenas as poucas obras consultadas atribuíram às adversativas se encontram onde?

Garcia (1992, p. 81) volta a abordar as adversativas, colocando-as em um

conjunto maior, o das “estruturas sintáticas opositivas ou concessivas”, as quais

seriam uma alternativa, entre outras, de assinalar relações de oposição e

concessão.

Nesse ponto específico, o autor apresenta um grande diferencial em

relação às gramáticas tradicionais. Ao mostrar que as relações sinalizadas pelas

adversativas podem sê-lo também por outros mecanismos lingüísticos, deixa

subentendido, voluntariamente ou não, que conjunções não estabelecem sentido,

são apenas um recurso, entre outros possíveis, que contribui para o

estabelecimento de sentidos adversativos. Em outras palavras, as conjunções não

são imprescindíveis à elaboração de uma relação adversativa.

Neves (1984, pp. 21-22), em texto que será comentado no capítulo 4, trata

de vários empregos de mas no português contemporâneo. Antes de iniciar a

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análise, a autora afirma que basicamente mas expressa a relação entre dois

segmentos de algum modo desiguais entre si. Acrescenta que “o emprego do mas

entre esses segmentos representa a explicitação dessa desigualdade, indicando que

o enunciador a reconhece e se utiliza dela na organização de seu enunciado, tanto

na distribuição das unidades de informação como na estrutura da argumentação”

(Neves, 1984, p. 22).

A íntegra do trabalho de Neves será discutida mais à frente. Por ora será

enfocada a visão da autora acerca do papel do item nos contextos em que se

insere. Os segmentos diferentes o seriam independentemente de mas, que explicita

uma relação reconhecida pelo enunciador (para repetir o termo da autora, típico da

Semântica Enunciativa).

Sweetser (1991, p. 90), ao comentar a iconicidade presente nos empregos

da conjunção and em narrativas, afirma que, na narrativa, mesmo cláusulas não

conectadas por nenhum tipo de conjunção na seqüência são interpretadas como

correspondendo a uma ordem icônica em relação à ordem dos eventos. Como se

vê, também Sweetser (1991) apresenta casos em que o uso da conjunção não é

imprescindível.

As três referências acima convergem para a mesma conclusão: a de que os

sentidos de duas unidades lingüísticas podem se relacionar de forma adversativa

independentemente de haver, entre elas, alguma conjunção adversativa. Com isso,

cabe perguntar se as conjunções são, então, desprovidas de sentido e

desnecessárias à construção do sentido global de cada evento comunicativo.

Responder positivamente à pergunta seria refutar pressupostos elementares

de qualquer teoria lingüística que entenda a língua em uso como sendo plena de

intencionalidade por parte do falante, que não é inocente, mas totalmente capaz de

usar estratégias eficazes para alcançar seus objetivos.

O falante não inocente escolhe, entre as várias opções de assinalar

adversidade, aquela que melhor lhe convém, podendo mesmo optar pela ausência

de um sinal gramatical que indique haver, em um dado contexto, uma relação

adversativa.

Observem-se os exemplos de Travaglia (2002, pp. 180-182): (a) Eu não fiz

os exercícios porque estava doente e (b) Eu não fiz os exercícios mas estava

doente. O autor os utiliza para demonstrar o quanto os conectores, entre eles as

conjunções, podem estabelecer relações diferentes em contextos lingüísticos

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aparentemente semelhantes. Adiante o autor esclarece que, embora em ambos os

exemplos o falante apresente uma causa (estar doente) para não ter feito o

exercício, o faz em cada um de uma maneira: em (a), através de uma causal; em

(b), através de uma adversativa. Travaglia argumenta que a escolha do falante por

(a) ou (b) vai depender da imagem que faz do interlocutor:

Em a o falante não tem nenhum pressuposto sobre o fato de o interlocutor ter alguma opinião sobre a razão pela qual ele não fez os exercícios e pretende tão somente informar essa razão por um motivo qualquer (gentileza, para não ser punido já que a causa é justa, etc.). Em b o falante pressupõe ou sabe, por qualquer razão (ele sabe o conceito em que o professor o tem ou alguém lhe relatou um comentário do professor), que o interlocutor julga que ele não fez o exercício por alguma causa que não será aceita como explicação (por exemplo: preguiça, foi passear, etc.) e então ele fala, apresentando a causa por meio de uma adversativa, a fim de criar uma oposição argumentativa, rebatendo a causa pressuposta ou considerada pelo interlocutor. Portanto há entre as duas formas de apresentar a causa uma diferença argumentativa calcada na visão que o falante tem de seu interlocutor. (Travaglia, 2002, pp. 180-182)

As observações de Travaglia corroboram a idéia de que conjunções

estabelecem relações e contrariam, em princípio, a tese de que não sejam

elementos imprescindíveis. Entretanto, se se entende que, em ambos os casos, os

contextos extralingüísticos é que motivam a escolha por uma das opções e não o

contrário, então se mantém a tese de que as conjunções podem exercer, em alguns

casos, um papel muito importante no estabelecimento do sentido, mas não o

asseguram sozinhas. Em casos como (b), se a pressuposição não for depreendida

pelo interlocutor, pode-se configurar um caso de agramaticalidade.

Além disso, os inúmeros “matizes semânticos” atribuídos às adversativas

advêm da relação existente entre as unidades ligadas, o que demonstra que o

sentido básico da conjunção modifica-se, em maior ou menor grau, em função do

contexto em que se encontre.

Dessa forma, é possível subtrair, das observações vistas em 2.1 e em 2.2,

algumas conclusões, que nortearão todo o trabalho.

Em primeiro lugar, é preciso entender que os itens mas, porém, contudo,

todavia, no entanto e entretanto foram selecionados como objeto de estudo por

motivos que se verão na próxima seção, mas não são os únicos passíveis de se

encontrarem entre unidades relacionadas com sentido adversativo. Praticamente

todos os outros encontrados nas listas dos autores citados em 2.1 merecem, no

mínimo, ser avaliados quanto à possibilidade de se incluírem entre as

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adversativas. E há, além deles, outros cuja listagem não seria pertinente neste

espaço.

Com relação à terminologia, no decorrer do trabalho, os itens em foco

serão chamados de conjunção por motivos apresentados na seção 2.4. Serão

chamados de conjunções adversativas, contrajuntivas ou mesmo de algum outro

rótulo. Também o contexto de uso será chamado ora adversativo, ora

contrajuntivo. A variação terminológica é decorrente da bibliografia consultada e

será adotada desde que considerada pertinente.

Por último, entenda-se que, apesar de recorrentemente se encontrar no

texto expressões como “o sentido do item x ou y”, não se está com isso

entendendo o sentido referido como inerente ao item fora de contexto. A partir do

momento em que se emprega uma conjunção, ela assumirá, para além de seu

sentido básico, especificidades semânticas contextuais e, ao mesmo tempo, servirá

para apontar, sinalizar, destacar tais especificidades.

Dessa forma, a análise dos dados tentará fazer jus à opção teórica pelo

funcionalismo: pode, para fins de análise, segmentar os componentes da língua,

mas sempre tendo em vista que, em situações reais de uso da língua, o falante os

usa de forma integrada e global.

2.3 Origens etimológicas das conjunções adversativas Os itens mas, porém, contudo, todavia, no entanto e entretanto foram

selecionados para representar as conjunções adversativas porque, como já foi dito

anteriormente, são tradicionalmente englobados no mesmo conjunto e também

porque têm origens etimológicas semelhantes.

Segundo Mattos e Silva (2001, p. 120), entre as coordenativas, apenas e,

ou e nem já se encontravam entre as conjunções coordenativas latinas; as demais

se originam no português arcaico.

Por português arcaico entende-se, conforme Mattos e Silva (1996, p. 15), o

período que vai do século XIII ao XV, ao qual se pode referir também como

período ou fase medieval. Por esta razão, a língua da época denominou-se

português arcaico ou medieval.

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Ressalve-se que a delimitação cronológica das diversas fases da língua não

é precisa nem consensualmente estipulada. Bechara (1985), por exemplo, admite

englobar a primeira metade do século XVI ainda no período arcaico. No decorrer

do trabalho, poderão ser utilizados exemplos do século XVI.

A dificuldade de delimitação cronológica advém do fato de as mudanças

lingüísticas ocorrerem em um fluxo de tempo de difícil apreensão. O

estabelecimento de pontos de referência dependerá sempre de critérios passíveis

de variação de acordo com as orientações de cada investigador.

Voltando-se à origem das adversativas, viu-se que nenhuma delas remonta

ao latim na função de conjunção, embora magis, já no latim, se encontrasse como

advérbio, em contextos típicos de contrajunção.

Meillet (1912) discute amplamente a formação das conjunções em geral e

mostra que são elementos constantemente sujeitos a renovação, o que pode

ocasionar o desaparecimento de outras já existentes. Suas observações aplicam-se

às línguas em geral, inclusive à diacronia latino-portuguesa.

A fase arcaica do português antecede a consagração das línguas românicas

como línguas nacionais. Por motivos extralingüísticos que não serão amplamente

explanados, o português, bem como as línguas românicas em geral, passou, no

período medieval, por grandes mudanças, entre elas a que se processou no quadro

das conjunções.

Em função de questões extralingüísticas, havia, como expõe Maurer Jr.

(1962), na região correspondente ao Império Romano, duas modalidades de latim:

a clássica (ou literária) e a vulgar, que, ao contrário do que se possa imaginar, não

correspondiam, respectivamente, às modalidades escrita e falada da língua. A

estilização literária da modalidade clássica fez-se a partir da existência de uma

modalidade clássica falada. E, embora o latim vulgar praticamente não fosse

escrito, sua dinamicidade provém do contato de variedades cultas e vulgares.

Se as línguas românicas surgem do latim vulgar, torna-se necessário

investigar aí a origem das conjunções do português, tarefa de difícil alcance, haja

vista a escassez de fontes escritas e a inexistência, óbvia, de fontes faladas.

Ainda assim, Maurer Jr. (1959, 1962), com base nas poucas fontes escritas

do latim vulgar e na fala de personagens populares presentes em obras literárias,

conclui haver, no latim vulgar, preferência pelas formas expressivas,

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diferentemente do que se passava no latim clássico, menos informal e impessoal.

Dessa forma, no latim vulgar, houve uma renovação intensa na língua.

Uma das tendências marcantes do latim vulgar é a preferência por formas

analíticas, em detrimento do sintetismo típico do latim clássico, o que é

evidenciado, por exemplo, pela queda no número de declinações e pela

preferência pela estruturação paratática do período. Outro exemplo ilustrativo é a

substituição da forma sintética utilizada para marcar o comparativo de

superioridade (-ior) pela forma analítica, que dispunha do advérbio de intensidade

magis, tornando a marca morfológica –ior obsoleta. O último ponto será tratado

no capítulo 4, onde se discutirá a tese de Vogt e Ducrot (1980) sobre a origem da

conjunção portuguesa mas.

Esse é o quadro geral em que se formaram as conjunções portuguesas,

inclusive as adversativas. Abaixo os seis elementos tratados na tese terão suas

origens etimológicas apresentadas em linhas gerais, conforme informações

buscadas em Barreto (1999), obra que será utilizada, no decorrer deste trabalho,

de forma recorrente, por ser uma tese de doutorado que trata da gramaticalização

de todos os elementos tradicionalmente classificados como conjunções em

português. O amplo alcance da referida tese tornou-a referência nos estudos da

gramaticalização de conjunções em português.

Em glossário, a autora apresenta as seguintes informações: mas provém do

advérbio latino magis; porém origina-se da preposição latina per + em, forma

apocopada do advérbio latino ende; contudo forma-se da preposição com (do

latim cum) + indefinido tudo (do latim totu-); todavia constitui-se de toda (do

latim tuta-) + via (do latim via); entretanto forma-se da preposição entre (do latim

inter) + tanto (do latim tantu-); entanto1 forma-se da preposição em + indefinido

tanto (do indefinido latino tantu-).

Como se vê, mas origina-se de um sintagma adverbial, todavia de um

sintagma nominal (por sinal, todavia seria, ainda segundo Barreto, a única

conjunção do português originada de um sintagma nominal) e os demais

elementos de sintagmas preposicionais. Mas o que interessa de fato observar é

que, com exceção de mas, todos os elementos apresentam originariamente um

1O elemento entanto, por ter se consagrado, em português, como no entanto, desta forma está sendo usado na tese. Apesar de se saber que o termo item se refira a unidades indivisíveis, optou-se por se tratar no entanto como item, justamente por ser usado como um todo indivisível.

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pronome em sua constituição etimológica. Porém se forma de en (<ende), que

funcionava como pronome também. Esse é o ponto comum que as conjunções

estudadas, exceto mas, guardam quanto às suas origens etimológicas e que merece

ser investigado, já que pode explicar por que todas vieram a apresentar traços

comuns em português. No capítulo 5, o assunto será tratado com exclusividade.

2.4 As conjunções adversativas passaram por gramaticalização? Embora se esteja referindo a porém, contudo, todavia, no entanto e

entretanto como conjunções, as obras consultadas revelam que a classificação não

é unânime.

Oiticica (1940, p. 61), como se viu na seção 2.1, afirma que porém,

contudo, todavia e entretanto têm força adversativa e que funcionam, quase

sempre, como partículas concessivas. Anteriormente havia incluído todavia e

entretanto no grupo que designa como palavras denotativas concessivas. Sobre

palavras denotativas, apresenta as seguintes observações:

Com efeito, até hoje os gramáticos se teem preocupado exclusivamente com as palavras que exprimem idéias, ou palavras ideativas, pouco atendendo à numerosa classe das palavras que exprimem emoção ou palavras emotivas e, ainda menos, às palavras que exprimem meros acidentes do discurso, como as interrogações, afirmações, confirmações, realces, correções, ressalvas, exclusões, designações, etc. Tais palavras não exprimem nenhuma idéia pròpriamente, mas indicam certos movimentos ou operações subjetivas e indispensáveis à compreensão do pensamento ou às suas cambiantes. (Oiticica, 1940, p. 50)

Maciel (1931, p. 153) havia afirmando que “entretanto, comtudo e todavia

têm mais função adverbial do que de conjunção” e, por isso, as inclui entre o

grupo dos advérbios de concessão.

Rocha Lima (1994, p. 185) também havia afirmado que porém, todavia,

contudo, entretanto e no entanto têm força adversativa.

Garcia (1992, p. 18) afirma que, “por serem etimologicamente advérbios,

as adversativas são menos gramaticalizadas, com exceção, segundo ele, de mas e

porém, nos quais o traço de advérbio já estaria esmaecido. A etimologia explicaria

por que “no entanto, entretanto, contudo e todavia vêm frequentemente

precedidos pela conjunção e”.

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Luft (2002, p. 189) afirma: “as verdadeiras ‘conjunções’ (coordenativas)

são as três e, ou, mas – aditivas, alternativas e adversativas; pode-se ver isso nas

combinações: e todavia, e entretanto, e portanto, etc.”

Bechara (1999, p. 322) é bastante incisivo ao afirmar:

Levada pelo aspecto de certa proximidade de equivalência semântica, a tradição gramatical tem incluído entre as conjunções coordenadas certos advérbios que estabelecem relações inter-oracionais ou intertextuais. É o caso de pois, logo, portanto, entretanto, contudo, todavia, não obstante. (...) tais advérbios marcam relações textuais e não desempenham o papel conector das conjunções coordenadas, apesar de alguns manterem com elas certas aproximações ou mesmo identidades semânticas.

Na mesma direção, podem ser citadas as palavras de Said Ali (2001, pp.

168-169): o emprego desses elementos (contudo, todavia, entretanto, entanto)

como correlativos enfáticos é uma aplicação puramente ocasional dos ditos vocábulos. Resta a saber se fora deste caso servem de conjunção ou de advérbio. À tendência de incluí-los na categoria das partículas adversativas em atenção a terem sentido semelhante ao da palavra mas, objeta-se que a sinonímia é imperfeita e tanto que se usam, ou se podem usar, concomitantemente com esta partícula. Parece antes acharem-se na fronteira indecisa que medeia entre advérbio e conjunção.

Também Neves (2002, pp.183-184) tem reivindicado que a possibilidade

de ocorrência de todavia, entretanto, contudo, entre outros, em posição não inicial

e/ou em sentenças onde já tenham ocorrido outros elementos como mas ou e seja

conseqüência de uma gramaticalização tardia, ainda não concluída, e indique falta

de distinção entre advérbio e conjunção. Para a autora, o fato corrobora o caráter

gradual da gramaticalização.

Os autores que questionam a classificação dos referidos elementos como

conjunções devido a aspectos semânticos o fazem de forma imprecisa e pouco

explicativa. É difícil entender claramente, a partir da leitura dos trechos citados, o

que significa x ter mais força do que y, x ter força adversativa ou ainda quais as

diferenças existentes entre o sentido adversativo e o concessivo.

Por outro lado, quando Garcia (1992), Luft (2002) e Bechara (1999)

reivindicam que os referidos elementos não podem ser considerados conjunções

porque podem ocorrer com outras conjunções, como e, localizando-se, portanto,

fora da fronteira oracional ou sentencial, estão deixando claro que o argumento é

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de ordem sintática. De fato, o ambiente típico das conjunções é a fronteira

oracional, mas a questão da fixação da ordem diz respeito aos processos de

gramaticalização em geral. Os autores atribuem a falta de fixação das conjunções

ao fato de funcionarem, no português medieval, como advérbios.

Com relação à questão semântica, os autores consultados não negam

haver, no mínimo, uma semelhança entre os elementos mencionados e mas,

tomado por todos como conjunção adversativa prototípica, certamente por poder

ocorrer tão somente em posição de fronteira.

No entanto, embora mas se localize categoricamente em posição de

fronteira, há restrições quanto aos elementos relacionados. Neves lembra que os

segmentos coordenados por mas “devem revestir-se de significação predicativa”

(Neves, 1984, p. 39). É ainda Neves, em outra obra, que, comparando mas com e

e ou, mostra que mas não tem “aplicação irrestrita nos contextos previstos para a

coordenação estabelecida por esses dois elementos, que podemos chamar

prototípicos” (Neves, 2002, p. 184).

Os exemplos utilizados como ilustração são *um mas dois, *terceiro mas

segundo, *por mas para. Dessa forma, apesar de mas ser considerado,

principalmente por questões sintáticas, a conjunção adversativa prototípica, o item

não se assemelha, também por questões sintáticas, a outros elementos tomados

como protótipos da classe maior das conjunções, sejam adversativas ou não.

O fato, porém, de poder ligar, segundo Neves (1984), segmentos com

significação predicativa demonstra que a restrição relatada passa por questões

semânticas, o que confirma a proeminência do aspecto semântico na história de

mas.

Retomando a semelhança semântica existente entre os elementos

estudados, é preciso observar dois pontos: (i) deve haver uma motivação também

semântica2 para o fato, o que será tratado no capítulo 5; (ii) a semelhança só existe

porque, de algum modo e em algum grau, os elementos em pauta “perderam” (os

próximos capítulos justificarão as aspas) o sentido que apresentavam enquanto

adjuntos adverbiais.

2A expressão “motivação semântica” tem sido empregada, na tese, como sinônima de “motivação conceptual”. Não se discutirá a (in)adequação de tomar as duas expressões como sinônimas, porque a decisão de fazê-lo apóia-se tão somente no fato de se entender ambas como capazes de mostrar que se está referindo ao sentido e não à forma.

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Esta “perda” de significado será designada aqui como “desbotamento

semântico”, expressão que se explicará melhor no capítulo 3.

Por ora, entenda-se por desbotamento semântico o fato de o falante de

português quase nunca conseguir recuperar os sentidos originais dos itens. Em

outras palavras, independentemente de sua localização sintática, eles são, do

ponto de vista semântico, empregados e entendidos como semelhantes a mas. Não

têm, portanto, para os falantes, transparência semântica, pois seus sentidos

originais são podem ser recuperados pelo falante comum. Foi dito “quase nunca”

porque exceções podem ocorrer. O item contudo, por exemplo, muitas vezes

aparece empregado como conclusivo, em especial em textos escolares, o que

demonstra a não-opacidade ou a transparência semântica de tudo. Mas, ainda

assim, quando contudo é empregado em contextos de sentido contrajuntivo, o é

porque o falante admite sua semelhança semântica em relação a mas.

No capítulo 5, será mostrado que o sentido que porém, contudo, todavia,

entretanto e no entanto apresentavam em suas origens etimológicas era construído

principalmente pelo sentido que os pronomes que os formavam (o advérbio

pronominal en em porém; tudo em contudo e tanto em no entanto e entretanto)

assumiam conforme o referente que tinham em cada contexto. A exceção é

todavia, cuja carga semântica advém principalmente de via, como também se verá

no capítulo 5. Quando usados atualmente em contextos de sentido contrajuntivo,

não é recuperável ao falante a função coesiva desempenhada pelos pronomes

referidos nem, no caso de todavia, nenhum sentido que se relacione com o núcleo

via.

Há, em português, outros elementos considerados conjunções também

formados etimologicamente de pronomes indefinidos, como portanto, que,

quando empregado em orações ou sentenças de sentido conclusivo, também não

se mostra transparente ao falante. Veja-se o seguinte exemplo retirado da obra

“Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa: “O que sinto, e esforço em dizer

ao senhor, respondo minhas lembranças, não consigo: por tanto é que refiro tudo

nestas fantasias”. Nesse caso, está transparente que tanto se refere anaforicamente

a tudo que foi dito anteriormente: o interlocutor não conseguiu dizer o que se

esforça por dizer. Não é desse modo, porém, que portanto se emprega, via de

regra, em português. Parece que a única forma de retomar a função coesiva de

tanto será com o uso de é que. O exemplo citado objetivou ilustrar o que se está

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chamando de transparência semântica, expressão que será elucidada com a leitura

do capítulo 5.

Por enquanto, se assumirá que as adversativas formadas de pronome não

apresentam hoje, em seu uso maciço, transparência semântica nesse pronome,

bem como todavia não apresenta com via. A falta de transparência justifica,

como se verá no capítulo 2, tratar essa mudança semântica sob a ótica das teorias

da gramaticalização.

Se os elementos não se fixaram na cadeia sentencial e, com isso,

demonstram não ter concluído o processo de gramaticalização, essa é outra

questão que, por sinal, ao que tudo indica, não se resolverá nunca, haja vista que,

pelo menos na variedade brasileira do português, os itens referidos têm sido cada

vez menos empregados. E, quando o são, restringem-se quase exclusivamente à

modalidade escrita da língua, a qual, via de regra, sofre mudanças em

conseqüência de mudanças na oralidade. Se as adversativas, com exceção de mas,

não se encontram sujeitas à dinamicidade e à vivacidade do português falado,

certamente não chegarão a fixar-se na cadeia sentencial. Conforme se disse

anteriormente, a renovação das conjunções é própria das línguas em geral.

Basta se recorrer aos conjuntos de adversativas apresentados por diversos

autores, conforme se viu em 2.1, para se ver que o quadro das adversativas do

português não se encontra fechado. Talvez, com o tempo, itens enfocados por esta

tese cheguem até mesmo a desaparecer, como aconteceu com tantas conjunções

latinas.

O que interessa é que todos eles, e não só mas, sofreram mudança

substancial de seu sentido básico ao longo do tempo. A descrição e explicação do

processo são objeto desta tese.

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3 Em busca da motivação da gramaticalização das adversativas

O título do capítulo bem como o título da própria tese podem fazer supor

que aqui serão comentadas exaustivamente as teorias da gramaticalização. Na

verdade, o que se fará é um recorte teórico o mais sucinto possível que diga

respeito diretamente ao tema da tese: motivações conceptuais da

gramaticalização. E serão apresentadas também justificativas sobre os recortes

feitos.

3.1 Em busca de um recorte das teorias da gramaticalização

O advento das teorias da gramaticalização trouxe um impulso muito grande

para o estudo da mudança lingüística. No Brasil, a gramaticalização tornou-se um

dos pontos mais caros às correntes funcionalistas preocupadas com a análise

gramatical do português, não só sob perspectiva diacrônica, ao contrário do que se

possa imaginar. Nos programas de pós-graduação do país, cresce o número de

pesquisadores que se ocupam com as inovações e renovações gramaticais da língua.

O avanço teórico leva mesmo a se afirmar a existência de uma teoria geral

da gramaticalização ou mesmo a se empregar o termo gramaticalização para se

referir não só ao processo pelo qual itens menos gramaticais se incorporam à

gramática das línguas naturais, mas também para se referir a um paradigma de

análise lingüística.

Autores como Hopper & Traugott (2003) e Heine et al (1991) reivindicam

que, se análises empíricas indicam haver padrões cognitivos sobre os quais se

assentam os processos de gramaticalizações, então tais processos podem ser vistos

como sendo de natureza heurística e explicativa a respeito das línguas naturais.

Nesta tese não se discutirá o mérito da questão, uma vez que a análise não

será tão profunda a ponto de (des)autorizar o ponto de vista referido, o que não

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impede que as conclusões que dela venham a ser retirar possam contribuir para o

aprofundamento do debate.

O objetivo principal desta tese não é discutir as questões teóricas envolvidas

nas teorias da gramaticalização; o objetivo principal da tese é buscar uma

motivação semântica que dê conta de explicar por que porém, todavia, contudo,

entretanto e no entanto se tornaram semelhantes a mas, do ponto de vista

semântico.

Esta foi a pergunta fundadora da tese e os referencias teóricos da

gramaticalização foram consultados para que, neles, se pudesse encontrar a resposta

o mais objetiva possível à pergunta, já que todos reconhecem que os processos de

gramaticalização envolvem em alto grau questões semânticas e oferecem suporte

teórico consistente para o seu tratamento.

Já mesmo no início da revisão bibliográfica desta tese, contatou-se que

Barreto (1999) aponta a metonímia como motivação semântica comum à mudança

sofrida por todas as adversativas, embora a autora descreva e comente cada uma em

particular, agrupando-as em seções segundo a estrutura sintagmática que

apresentem originariamente: conjunções provenientes de sintagmas pronominais,

conjunções provenientes de sintagmas adverbiais, etc. Também outros referenciais

teóricos consultados – Hopper & Traugott (2003), Heine et al (1991) – consideram

a metonímia, ao lado da metáfora, um dos principais fatores de motivação de

processos de gramaticalização em geral.

Seguiu-se, então, uma análise dos dados o mais exaustiva possível (do ponto

de vista qualitativo e não quantitativo) para se averiguar a hipótese da motivação

metonímica. O capítulo seguinte mostrará, porém, que uma análise satisfatória de

mas, em ocorrências tanto medievais quanto atuais, tornou-se possível a partir da

leitura proposta por Sweetser (1991) para análise de but. O modelo proposto por

Sweetser encontra-se em uma obra que trata principalmente de mudanças

lingüísticas provenientes da incorporação à gramática de diversas línguas de

elementos inicialmente lexicais, o que, para a autora, sugere haver uma motivação

metafórica geral atuando sobre as mudanças semânticas das línguas, questão que

será discutida em 3.4. Além disso, o modelo proposto para but foi satisfatório não

só para a análise das ocorrências selecionadas como também para a elucidação da

motivação que favoreceu a mudança de significado apresentada por mas, o que fez

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com que os mesmos pressupostos utilizados no capítulo 4 fossem empregados no

capítulo 5 para a análise dos demais elementos.

Portanto, no presente capítulo, não se fará uma explanação detalhada das

teorias da gramaticalização. Aqui serão apresentados e discutidos os pontos

específicos dos referencias consultados que possam contribuir para o entendimento

de questões referidas nos demais capítulos, e em especial os pontos encontrados em

Sweetser (1991) que tenham norteado a análise dos dados e a reflexão sobre a

motivação da mudança experienciada pelas adversativas.

Com isso, está claro que, embora os pontos teóricos da gramaticalização

tenham sido lidos e interpretados sob orientação dos dados, a localização do

presente capítulo antes dos capítulos destinados à análise propriamente dita dos

elementos obedece à finalidade de facilitar a compreensão do texto por parte do

leitor.

3.2 A obra de Meillet (1912)

A obra de Meillet (1912) é referência praticamente obrigatória em qualquer

trabalho que trate de gramaticalização, em especial por ser a primeira a enfocar

declaradamente o processo de gramaticalização, sob uma perspectiva diacrônica.

Na referida obra, Meillet estabelece três classes de palavras – as principais, as

acessórias e as gramaticais – e propõe haver entre elas uma transição gradual. As

palavras gramaticais seriam fruto de um processo originado sobre as principais. A

esse processo Meillet se referiu com o rótulo da gramaticalização, que seria, então,

a “atribuição de um caráter gramatical a um termo anteriormente autônomo”

(Meillet, 1912, p. 131).

Nesse sentido, as adversativas corroboram a proposta de Meillet, já que, de

uma classe acessória (a dos advérbios, elementos sem autonomia plena), chegaram

a uma classe gramatical, a das conjunções, entre as quais se inserem, senão pelo

critério sintático, pelo menos pelo semântico, já que sofreram, em algum grau, o

que Meillet chama de “esvaziamento de sentido”. Por esvaziamento semântico

entende-se a perda da transparência a que se referiu na seção 2.4, questão de

fundamental importância no pensamento de Meillet. Ressalve-se que, conforme se

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verá, não é a função adverbial que determina a mudança sofrida pelos itens, e sim

sua função coesiva determinada por suas propriedades pronominais.

Com relação à intensa renovação do sistema de conjunção empreendida no

português medieval e ao desaparecimento das formas latinas, Meillet entende, como

já se disse, ser este um movimento proveniente da gramaticalização, que, ao criar

continuamente novas formas, leva as antigas a se desgastarem e desaparecerem. A

questão do “esvaziamento de sentido” merece, no entanto, ser vista com cuidado e

o será em 3.4.

3.3 As obras de Heine et al (1991) e Hopper & Traugott (2003)

Hopper & Traugott (2003) entendem a gramaticalização como o processo

em que “tanto itens lexicais e construções formam-se em certos contextos

lingüísticos para exercer funções gramaticais quanto itens gramaticais desenvolvem

novas funções gramaticais” (Hopper & Traugott, 2003, p. 1), definição que aponta

uma dinamicidade na gramática das línguas, já que entende que formas já

gramaticalizadas podem se tornar ainda mais gramaticalizadas.

Já se disse que Hopper & Traugott (2003), assim como Heine et al (1991),

acreditam que as observações de trajetórias comuns seguidas por elementos em

gramaticalização que tenham tido a mesma fonte indicam uma característica

universal nos processos de gramaticalização que pode dar-lhes um status teórico

explanativo acerca das línguas humanas.

Entre os aspectos recorrentes nos processos de gramaticalização, ambas as

referências apontam a metonímia e a metáfora como possíveis fatores motivadores

das mudanças verificadas.

Segundo Hopper & Traugott (2003, p. 87), a metonímia é um processo

diretamente ligado à reanálise, que, por sua vez, diz respeito às questões estruturais

da gramaticalização.

Devido à contigüidade sintática, altera-se a relação até então estabelecida

entre os constituintes de uma sentença. Essa visão encontra-se repercutida no

tratamento que Barreto (1999) dá a metonímia, quando afirma que palavras

negativas como não teriam tido o sentido incorporado por elementos adjacentes

tornando-os conjunções adversativas. A diferença é que Hopper & Traugott

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referem-se a estrutura sintática e Barreto a sentido. Mas a própria autora comenta

que a metonímia “não tem, no processo de gramaticalização, um status equivalente

ao da metáfora” (Barreto, 1999, p. 114).

Hopper e Traugott (2003, p. 88) afirmam que “recentemente a importância

fundamental da metonímia conceptual na língua em geral vem sendo amplamente

reconhecida”, sendo que o processo pode dar-se em contextos que incluem

interdependência morfossintática dos constituintes. Tomando metonímia nessa

acepção, a hipótese da motivação metonímica como atuante no processo de

gramaticalização das adversativas parece mais plausível, mas, no caso, a simples

adjacência sintática não seria suficiente para explicar a transferência de sentido.

Heine et al (1991), por sua vez, reivindicam um lugar proeminente à

metáfora dentro dos fatos da gramaticalização. Para eles, a metáfora é uma

estratégia cognitiva que pode ser observada, por exemplo, em escalas como: espaço

> (tempo) > texto.

A escala acima, que indica unidirecionalidade nos processos de

gramaticalização, deve ser lida da seguinte maneira: elementos cujo sentido diga

respeito à categoria cognitiva de espaço, se se gramaticalizarem, assumirão sentidos

textualmente localizados, podendo passar pelo sentido da categoria cognitiva de

tempo.

Observa-se que subjaz às escalas a crença na metáfora como um aspecto da

criatividade humana, criatividade entendida como inerente à habilidade cognitiva

humana. Por esse processo criativo, nas línguas se formariam novos significados

mais abstratos tendo por base significados concretos. Na verdade, Heine at al

(1993) tratam esses significados, assim como Sweetser (1991), sob o rótulo de

domínios.

O termo domínio é próprio das correntes teóricas cognitivas e é usado para

mostrar que o significado lingüístico se processa cognitivamente. Torrent (2005)

afirma que o termo refere-se a “estruturas organizadas da memória”. Assim deverá

ser entendido quando utilizado nas citações tomadas a Sweetser (1988, 1991) que

se seguem.

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3.4 As obras de Sweetser (1988, 1991) Em Sweetser (1991), o tratamento dado às mudanças semânticas tem base

cognitivista. A autora segue um caminho inverso ao de Hopper & Traugott (2003) e

Heine et al (1991) no tratamento da gramaticalização. Enquanto os últimos

preconizam que processos específicos de gramaticalização podem suscitar a

formulação de teorias lingüísticas que ultrapassem o âmbito da gramaticalização,

Sweetser (1991), por sua vez, defende que o mesmo modelo teórico capaz de

descrever mudanças semânticas gerais deverá descrever casos específicos de

gramaticalização.

Já em outra obra, Sweetser (1988) retoma duas questões levantadas por

Meillet: (i) Há enfraquecimento ou perda de significado nos casos de mudanças

lingüísticas? (ii) Em que medida as direções das mudanças semânticas são regulares

e previsíveis?

Sobre Sweetser (1991), o capítulo 4 mostrará que a autora vê uma relação

de projeção metafórica entre três domínios da linguagem: o do conteúdo (que se

refere ao mundo físico, real), o epistêmico (que se refere ao raciocínio) e o dos atos

de fala (que se refere à conversação). A proposta de análise de but (adversativa

prototípica do inglês) fundamentada na relação de sentido existente entre os dois

últimos domínios citados converge com a proposta da autora para análise de outros

pontos abordados em sua obra.

Por exemplo, ao enfocar mudanças ocorridas com verbos perceptivos do

inglês, Sweetser cita, entre outros, “hear” (ouvir, escutar), para mostrar que ele

pode ser usado tanto no domínio do conteúdo (“Não escutei a buzina”) como no

sentido metafórico de obedecer (“Não escutei minha mãe e me arrependo”). Os

exemplos foram dados por mim. Aqui se teria uma metáfora de percepção operada

no domínio mental. A manipulação física de um som que é retido oferece

motivação semântica para que o verbo seja usado no sentido em que o que é retido

são dados. O sentido básico de “retenção de estímulos exteriores” mantém-se,

todavia, tanto quanto o sentido básico de mas mantém-se apesar das projeções

metafóricas que o levam a ser usado no domínio conversacional a partir de seu uso

no domínio epistêmico, conforme se verá no capítulo seguinte. A partir de

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observações como essa, Sweetser reúne argumentos para responder às perguntas

que propõe e que foram relatadas acima.

Outro exemplo utilizado pela autora é o verbo go do inglês, que,

significando inicialmente movimento físico, por uma projeção metafórica, passa ao

sentido de futuridade. Sweetser, rechaçando a tese do esvaziamento semântico

sugerida por Meillet, propõe que, se o sentido de movimento físico se perdeu na

projeção, outros traços do domínio fonte foram mantidos no domínio alvo, a saber:

a linearidade existente entre duas localizações, agora temporais e não mais

espaciais; a perspectiva assumida pelo falante, que se posiciona sempre no domínio

fonte; a tentativa de alcance de um alvo distante.

Uma conseqüência teórica e prática do raciocínio desenvolvido por

Sweetser (1988, 1991) é a depreensão da polissemia como inerente ao processo.

Muito simplificadamente, por polissemia se entende, em oposição a homonímia, a

relação semântica existente entre unidades lingüísticas que representem a mesma

palavra fonológica, diferentemente do que ocorre nos casos de homonímia, em que

palavras fonológicas idênticas são tidas como não relacionadas do ponto de vista

semântico.

Sweetser (1988, 1991) advoga que, se uma mesma palavra é usada em

diferentes domínios conceptuais em função de uma transferência metafórica, tem-se

aí um caso de polissemia. Uma vez que casos como esse originam os processos de

mudança como o da gramaticalização, então a polissemia é condição inerente à

mudança semântica. As transferências metafóricas, contudo, não ocorrem

fortuitamente, mas sim segundo aproximações entre nossas experiências no mundo

físico que são reorganizadas mentalmente de forma mais abstrata, sendo que o

contrário não pode ocorrer, haja vista o caráter linear apontado pela autora na

formação de novos significados lingüísticos, como os que ocorrem na

gramaticalização. As propostas de Sweetser certamente serão necessárias para uma

melhor compreensão dos capítulos seguintes, da mesma forma que eles explicitarão

melhor a aplicabilidade desses pontos de vista.

Antes de se passar adiante, faz-se necessário esclarecer os conceitos de

transparência e desbotamento semântico mencionados no capítulo anterior. O termo

consagrado na bibliografia da gramaticalização é bleaching (desbotamento). Todos

os referenciais teóricos tratam do assunto, pois é inerente às mudanças semânticas

que sentidos velhos sejam aparentemente apagados. Os exemplos dados por

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Sweetser com os verbos hear e go demonstraram que, no caso das mudanças

operadas metaforicamente, não há apagamento propriamente dito, já que alguns

traços dos domínios fontes são mantidos.

No entanto, os traços apontados como mantidos por Sweetser não são

necessariamente percebidos intuitivamente pelo falante. Quando, no capítulo

anterior, se afirmou que contudo é mais transparente porque seu sentido original

pode ser percebido pelo falante, levou-se em conta o falante. Os outros elementos

do conjunto das adversativas aos quais se atribui um desbotamento mais profundo

certamente também guardam rastros dos sentidos que apresentavam em seus

domínios fontes, que só não são visíveis aos olhos do falante comum.

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4 O item mas

No capítulo anterior, foram apresentados alguns pontos da teoria da

gramaticalização. Neste capítulo, serão apresentados alguns trabalhos que tratam

do item mas ou de seu correspondente inglês but.

Embora nem todos eles abordem diretamente a gramaticalização de mas,

todos oferecem, sob diferentes perspectivas teóricas, modelos de análise desse

item. Para se entender a gramaticalização experimentada por mas e a motivação

do processo, será necessário, antes de mais nada, dispor de um modelo que

permita a análise do funcionamento do item nas duas sincronias em que se

inserem os dados da tese.

O modelo considerado mais adequado à análise de mas será tomado como

referência para a análise dos demais itens tratados no próximo capítulo, por dois

motivos. Primeiramente porque não existem trabalhos que os abordem

diretamente como os que abordam mas, o que se explica certamente pelo fato de

este item ser considerado a conjunção adversativa prototípica. Em segundo lugar

porque, se se acredita que a motivação da gramaticalização de todas as seis

adversativas estudadas seja a mesma, é preciso buscar um modelo de análise

comum aos dados que representem todas elas.

Dessa forma, o presente capítulo apresentará reflexões teóricas não

encontradas no capítulo anterior, que servirão também para o estudo das outras

conjunções, no próximo capítulo.

4.1 Apontamentos sobre a origem etimológica de mas

Cunha (1997) informa que o termo vem da forma latina magis e que,

também de magis, se originou o advérbio português mais – “designativo de

aumento, de grandeza ou comparação”. Lembra ainda que magis (latim) tem a

mesma raiz (mag-) de magnus (magno, maior).

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Ernout & Meillet (apud Barreto, 1999; Castilho, 1997) dão as seguintes

informações: o advérbio latino magis era freqüentemente empregado ao lado de

sed, sendo que a expressão sed magis, tomada em sua totalidade, introduzia uma

ação que se realizava em lugar de outra, no caso preterida. Na mesma obra, os

autores informam ainda que o advérbio latino magis era usado, no latim clássico,

para indicar grau comparativo. O uso, que inicialmente se restringia a adjetivos

desprovidos de marca morfológica de grau, estendeu-se aos demais, chegando a

substituir o morfema comparativo de superioridade –ior.

4.2 Algumas análises de base argumentativa (ou enunciativa)

As conjunções, por seu caráter argumentativo, são sempre um rico e

profícuo objeto que se oferece aos estudos semânticos. No caso da semântica

argumentativa (ou enunciativa3), sempre tiveram lugar de destaque.

Se se quiser situar a semântica argumentativa em um quadro geral dos

estudos semânticos, poder-se-á dizer que ela diverge, por exemplo, das semânticas

de orientação realista, como as formais, porque, ao contrário destas, não se

interessa por verificações de verdade de sentenças nem trabalha com conceitos de

verdade ou falsidade precisamente formulados. Embora a semântica

argumentativa preocupe-se, como as semânticas verificacionistas, com as

possíveis ligações existentes entre linguagem e realidade externa, o viés de análise

é completamente diferente. A realidade observada pela semântica argumentativa

não é estática e, portanto, a linguagem não pode ser meramente nem denotativa

nem representativa. A realidade, para a semântica argumentativa, é dinâmica, e

sobre ela age o homem, ser essencialmente histórico.

Com relação às semânticas de orientação mentalista, a semântica

argumentativa também guarda divergências, já que sua preocupação não está

voltada para as operações cognitivas que ligam as estruturas lingüística e

conceptual, e sim para as relações de poder existentes entre os homens, as quais se

3Embora haja diferenças entre a semântica argumentativa e a enunciativa, ambas serão tratadas aqui como sinônimas por dois motivos. Em primeiro lugar, porque alguns trabalhos comentados neste capítulo, como Fabri (2001), assim o fazem. Em segundo lugar, porque os conceitos básicos cuja compreensão se faz necessária para o entendimento dos referidos trabalhos são comuns tanto às abordagens argumentativas quanto às enunciativas.

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manifestam na linguagem e sobre as quais a linguagem exerce forte influência. A

subjetividade, portanto, está presente nos estudos semânticos de orientação

argumentativa e enunciativa, mas o sujeito é, no caso, alguém que usa a

linguagem como forma de afirmação ou negação dos discursos que o mundo lhe

apresenta ou impõe.

Por outro lado, a teoria da enunciação tem vários pontos de convergência

com as análises lingüísticas funcionalistas de um modo geral. Seu foco de

interesse é a língua em uso. Nas palavras de Koch (2001a, pp. 13-14),

a Teoria da Enunciação tem por postulado básico que não basta ao lingüista preocupado com questões de sentido descrever os enunciados efetivamente produzidos pelos falantes de uma língua: é preciso levar em conta, simultaneamente, a enunciação – ou seja, o evento único e jamais repetido de produção do enunciado. Isto porque as condições de produção (tempo, lugar, papéis representados pelos interlocutores, imagens recíprocas, relações sociais, objetivos visados na interlocução) são constitutivas do sentido do enunciado: a enunciação vai determinar a que título aquilo que se diz é dito. (Kock, 2001a, pp. 13-14)

Nesse sentido, entre todos os postulados da referida corrente de análise,

três noções que lhe são caras devem ser elucidadas aqui para que se compreendam

melhor alguns dos trabalhos sobre o item mas comentados adiante. São elas: (i)

dialogismo – noção amplamente estudada por Bakhtin e presente posteriormente

nos estudos lingüísticos preocupados, em algum grau, com a questão da interação

–, (ii) classe argumentativa e (iii) escala argumentativa – sendo estas últimas

noções propostas por Ducrot.

A idéia de dialogismo será mais bem explicada quando, adiante, for

comentado o texto de Vogt e Ducrot sobre a origem da conjunção mas em

português. Por ora, o que se pode dizer é que, quando se afirma que as

manifestações lingüísticas são, por natureza, dialógicas, está-se aceitando que a

voz do outro está sempre presente, de forma mascarada ou não, na voz de

qualquer usuário da língua, independentemente de sua vontade quanto a isso.

Uma classe argumentativa, por sua vez, diz respeito a um conjunto de

enunciados que podem igualmente servir de argumento para uma mesma

conclusão.

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Já uma escala argumentativa se forma quando dois ou mais enunciados de

uma classe se apresentam em gradação de força crescente no sentido de uma

mesma conclusão.

Tendo em vista as duas últimas noções, Koch (2001a, pp. 30-44) analisa

uma série de operadores argumentativos em português. Por “operadores

argumentativos” entende-se, segundo a autora – que se apóia em Ducrot –,

“elementos da gramática de uma língua que têm por função indicar (‘mostrar’) a

força argumentativa dos enunciados, a direção (sentido) para o qual apontam”

(Kock, 2001a, p. 30).

Os operadores são divididos pela autora em grupos diversos, tais como:

operadores que assinalam o argumento mais forte de uma escala orientada no

sentido de determinada conclusão, operadores que introduzem argumentos

alternativos que levam a conclusões diferentes ou opostas, entre vários outros

tipos.

Entre os do primeiro grupo, podem-se citar: até, mesmo, até mesmo,

inclusive. O exemplo dado é: “A apresentação foi coroada de sucesso: estiveram

presentes personalidades do mundo artístico, pessoas influentes nos meios

políticos e até o Presidente da República”. Nesse enunciado, foram apresentados

três argumentos: 1º) estiveram presentes personalidades do mundo artístico; 2º)

estiveram presentes pessoas influentes nos meios políticos; 3º) esteve presente o

Presidente da República. Todos os três argumentos conduzem à conclusão de que

a apresentação foi coroada de sucesso, mas o terceiro é o mais forte nesse sentido.

Se o enunciado apresentasse a mesma escala em sentido negativo, o argumento

mais forte viria introduzido por nem mesmo e a ordem de apresentação dos

argumentos se inverteria: “A apresentação não teve sucesso: o Presidente não

compareceu, nem pessoas influentes nos meios políticos e nem mesmo

personalidades do mundo artístico”.

Os enunciados citados servem de exemplo, então, para classe

argumentativa (todos os argumentos conduzem a uma mesma conclusão), para

escala argumentativa (eles foram apresentados em gradação de força crescente) e

para o que se chama dialogismo (a voz do interlocutor se faz presente quando o

locutor dispensa explicações acerca dos critérios usados na formação de tal

gradação, afinal acredita que o interlocutor, assim como ele, considera o

Presidente da República mais importante do que pessoas influentes no meio

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político e estas, por sua vez, mais importantes do que personalidades do mundo

artístico – dessa forma, há mais de uma voz falando em um mesmo enunciado, o

que se chama polifonia).

Já os operadores do segundo grupo – aqueles que contrapõem argumentos

orientados para conclusões contrárias – interessam aqui diretamente, porque

englobam os itens mas, porém, todavia, no entanto, embora, apesar de, entre

outros. A respeito de mas, a autora (Kock, 2001a, p. 35), apresenta o seguinte

esquema de funcionamento:

o locutor introduz em seu discurso um argumento possível para uma conclusão R; logo em seguida, opõe-lhe um argumento decisivo para a conclusão contrária não-R (~R). Ducrot ilustra esse esquema argumentativo recorrendo à metáfora da balança: o locutor coloca no prato A um argumento (ou conjunto de argumentos) com o qual não se engaja, isto é, que pode ser atribuído ao interlocutor, a terceiros, a um determinado grupo social ou ao saber comum de determinada cultura; a seguir, coloca no prato B um argumento (ou conjunto de argumentos) contrário, ao qual adere, fazendo a balança inclinar-se nessa direção (ou seja, entrechocam-se no discurso “vozes” que falam de perspectivas, de pontos de vista diferentes – é o fenômeno da polifonia). (Kock, 2001a, p. 35)

O exemplo empregado pela autora é o seguinte:

(1) A equipe da casa não jogou mal, mas o adversário foi melhor e

mereceu ganhar o jogo.

R – A equipe da casa A equipe da casa merecia ganhar não merecia ganhar ↑ ↑ p a equipe da casa não jogou mal q o adversário foi melhor

O esquema acima interessa na medida em que demonstra que, em um

enunciado no qual se encontre algum operador argumentativo do tipo de mas, nem

o locutor nem o interlocutor levam em conta somente as duas proposições ditas

explicitamente. Valendo-se por enquanto da mesma metalinguagem da semântica

enunciativa, pode-se dizer que há vários enunciados ditos e vários outros não-

ditos em um mesmo enunciado maior no qual se encontre mas como elemento de

ligação entre duas idéias.

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É necessário esclarecer a que se referem os símbolos p, q e r, herdados da

Lógica e amplamente utilizados nos estudos semânticos em geral. Neves (1984, p.

23) faz uma observação pertinente, ao que parece, aos demais trabalhos

comentados neste capítulo que se valem dos referidos símbolos, a saber:

p e q não são (...) entidades lógicas; designam, simplesmente as frases coordenadas. Por outro lado, o primeiro termo da coordenação nem sempre é uma frase localizável, podendo ser toda uma configuração do texto anterior, ou ser, mesmo, um elemento da situação. Muito menos é necessário que p e q sejam contíguas. Observe-se, finalmente, que, sendo recursiva a coordenação, q pode seguir-se a uma série já coordenada.

Esclareça-se ainda que, da mesma forma que p e q referem-se a

proposições, r refere-se a uma dada conclusão.

As mesmas observações apresentadas sobre o esquema de Koch

reproduzido acima podem ser feitas sobre o trabalho de Guimarães (2001, pp.

109-122). Analisando questões referentes a argumentação, polifonia e estratégias

de relação, o autor compara os empregos de mas e embora e conclui que a

diferença entre ambos repousa na estratégia argumentativa utilizada pelo locutor.

De qualquer forma, mantém-se a conclusão retirada do texto de Koch (2001a): em

enunciados nos quais os operadores argumentativos contrapõem argumentos

orientados para conclusões contrárias, há sempre, ou quase sempre, uma

conclusão declarada e outra não-declarada, sendo que as duas são levadas em

consideração pelo locutor e pelo interlocutor, que, por um acordo tácito,

descartam uma delas. A semântica argumentativa descreve bem esse processo,

como se verá a seguir.

4.3 A proposta de Vogt & Ducrot (1980): uma explicação de base argumentativa para a origem diacrônica da conjunção mas

O texto de Vogt & Ducrot (1980) trata especificamente da

gramaticalização de mas, embora o termo gramaticalização nem chegue a ser

empregado em todo o texto. Como a linha teórica adotada pelos autores é a

semântica argumentativa, os textos comentados acima poderão ajudar na

compreensão do raciocínio desenvolvido.

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Considerando as informações etimológicas apresentadas em 4.1, os autores

defendem a tese de que o fato de a conjunção adversativa em português ser mas e

não sed, que seria sua correspondente latina, explica-se por uma relação de

sentido existente entre a estrutura comparativa e as estruturas compostas por mas,

tanto na forma (SN) quanto na (PA)4.

Para chegar a essa conclusão, analisam duas funções diferentes de mas. A

primeira, (SN), serve para retificar, sendo que o elemento vem sempre depois de

uma proposição negativa, como em: “ele não é inteligente, mas apenas esperto”.

Já a segunda, (PA), não exige necessariamente que a proposição precedente seja

negativa e introduz uma proposição que orienta para uma conclusão não-r oposta

a uma conclusão r para a qual p poderia conduzir: “ele é inteligente, mas estuda

pouco”.

Os autores lembram que, já mesmo no latim, era possível encontrar a

forma magis como conjunção adversativa, com função retificadora, próxima de

SN, como na seguinte égloga de Virgílio: “Non equidem invideo, magis miror” (=

“Eu não tenho inveja, mas sobretudo espanto”5).

A pergunta que apresentam é: qual a relação existente entre essa estrutura

Não B, magis A e a estrutura A magis quam B, vista, por exemplo, na seguinte

frase de Sêneca: “Magis Deum miseri quam beati colunt” (= “Deus é mais

venerado pelas pessoas infelizes do que pelas felizes”6)?

De tal frase, não se poderia depreender a negação lógica da devoção das

pessoas felizes e a afirmação da devoção das infelizes. No entanto, a frase teria a

mesma orientação argumentativa de frases como: (i) as pessoas felizes não são

muito devotas; (ii) as pessoas felizes têm pouca devoção; ou como a interrogação

(iii) são devotas as pessoas felizes?. Em outras palavras, pode-se afirmar que o

elemento comparado (pessoas felizes) apresenta-se, de certa forma, como

negativo em relação a devoção.

4Embora não haja explicação no texto fonte acerca das abreviaturas SN e PA, entende-se que elas digam respeito respectivamente a sintagma nominal e parataxe. No primeiro caso, mas(SN) relaciona nomes; no segundo, encontra-se em estruturas paratáticas, entendida como a coordenação entre duas proposições. 5A tradução apresentada pelos autores foi mantida. Uma versão mais literal seria: Evidentemente não invejo, mas fico assombrado. 6Segundo Tosi (1999), a tradução seria: “Os infelizes veneram mais aos deuses do que os felizes” e, na frase original, “deum” seria “deos”, em maior consonância com o paganismo latino. A análise proposta pelos autores independe, porém, da tradução adotada, inclusive no caso comentado na nota anterior.

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Dessa forma, a relação entre as estruturas A magis quam B e Não B, magis

A fica mais clara. Na segunda, está explícita uma relação de negação, já que a

segunda proposição apresenta uma afirmação contraposta à negação enunciada na

primeira proposição. Já com relação à primeira estrutura, não há, em princípio,

uma relação de contraposição entre uma afirmação e uma negação, o que poderia

impedir que ela fosse relacionada com a segunda. Essa contraposição, porém, se

apresenta se se leva em consideração a análise proposta no parágrafo anterior.

Nesse sentido, a referida análise demonstra que, em um comparativo de

superioridade, o segundo termo – aquele que é declarado inferior – é sempre, do

ponto de vista semântico-pragmático, o objeto de uma negação. Em outras

palavras, “o termo comparante é sempre negado no interior do comparativo de

superioridade” (Vogt & Ducrot, 1980, p. 180).

É preciso entender, porém, o que significa essa negação. No exemplo

dado, a devoção das pessoas felizes é negada tão somente no sentido de que tem a

mesma orientação semântica dos exemplos hipotéticos de (i) a (iii), sugeridos

acima. O que se se está argumentando é que “as pessoas felizes têm (muito) pouca

devoção”. Isso quer dizer que importa observar não se há uma negação em termos

lógicos, mas sim uma orientação argumentativa que leva à atribuição de um valor

negativo a um dos objetos comparados.

No caso, as pessoas felizes não se ajustam ao valor favorável atribuído a

devoção, na frase. Da mesma forma, quando se afirma a devoção das pessoas

infelizes, o que se está fazendo é reivindicar-lhes os valores que, segundo o

falante enunciador, estão ligados à devoção a Deus.

Trata-se, assim, de uma concepção que dá conta da relação semântico-

pragmática entre as estruturas (1) A magis quam B e (2) Não B, magis A. Somente

a partir da análise da orientação argumentativa presente em (1), pode-se entender

por que, apesar de, em (1), B não ser gramaticalmente negado – como o é em (2) –

recebe, ainda assim, algum tipo de negação, no caso uma negação argumentativa.

Analisada a estrutura (1), os autores partem para uma análise mais

detalhada da estrutura (2): “ele não é inteligente, mas apenas esperto”. Da mesma

maneira que demonstraram haver em B, na estrutura (1), um traço de negação

argumentativa – ainda que formal ou gramaticalmente não assinalada –, a

proposta apresentada para (2) é de que a negação gramatical aí contida seja vista

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do ponto de vista argumentativo, o que acarretará a relativização da negação que

visivelmente recai sobre B.

Com base nas noções de dialogismo e polifonia comentadas anteriormente,

pode-se afirmar que o sentido de um enunciado negativo sempre se liga à

encenação de um diálogo com um interlocutor imaginário, de forma que, ao dizer

não-B, o falante representa uma enunciação virtual de B, à qual se opõe.

Os autores são categóricos ao afirmarem que “não se pode enunciar não-B

sem enunciar B (...): na língua, toda negação releva o discurso relatado” (Vogt &

Ducrot, 1980, p. 112). E, ainda que o destinatário empírico desse diálogo

virtualmente encenado não aceite B como tendo sido enunciado sob sua

responsabilidade, fica constatada “a presença da alteridade no próprio sentido do

enunciado” (idem).

Assim, a estrutura (2) serve gramaticalmente à encenação de um diálogo

marcado pela refutação. Na frase de Catulo “Id, Manli, non est turpe, magis

miserum est” (= “Não é vergonhoso, Manlio, é sobretudo infeliz”), o sentido não

se pode compreender senão pela depreensão de uma refutação à afirmação de que

algo é vergonhoso.

Destaca-se, porém, que, uma vez que não-B remete a B de um discurso

relatado, B, então, ainda que negado, assume um peso tal no enunciado que a

negação gramatical e semântica não é capaz de anular-lhe a existência,

garantindo-lhe uma manutenção no discurso.

Fica, assim, apontada a relação entre as estruturas (1) e (2), aparentemente

tão diferentes. Embora (1) seja afirmativa, é possível depreender-lhe no objeto

comparante uma negação e, embora (2) traga em si uma negação gramatical, é

possível depreender, sob o direcionamento argumentativo negativo, um

direcionamento afirmativo, sendo que ambos os direcionamentos dialogam entre

si.

É necessário averiguar agora se mas(PA) – presente, por exemplo, em “Ele

é inteligente, mas estuda pouco” – deriva diretamente de magis ou é um

desdobramento de mas(SN). Segundo os autores, não há prova documental de que

magis tenha sido empregado com função de PA, o que não invalida totalmente a

hipótese de que dele tenha se originado, já que pode tratar-se de uso apenas oral,

presente no latim vulgar e ausente, portanto, dos documentos escritos.

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A hipótese defendida pelos autores para resolver a questão é que, no uso

do comparativo de superioridade, da mesma forma que recai uma negação

argumentativa sobre o termo comparante B, assim também recai um

direcionamento argumentativo favorável sobre o termo comparado A. O

movimento favorável a A é que estaria, nessa hipótese, do ponto de vista

semântico, na base do emprego, como mas(PA), de um derivado de magis.

A função dual do comparativo de superioridade, que acarreta tanto a

valorização de A quanto a desvalorização de B, se estilhaçaria semanticamente

entre mas(SN) e mas(PA), portadores de propriedades sintáticas diferentes. O

esquema abaixo é apresentado para ilustrar o que se disse:

(1) A magis quam B

----------------------

(2) Não B mas(SN) A

(2) A magis quam B

------------------------

(4) B mas(PA) A

A estrutura paratática equivale a uma comparação pelos mesmos motivos

que levaram à afirmação de que, na estrutura de mas(SN), o elemento negado

gramaticalmente teria sido, na verdade, afirmado em um diálogo encenado entre

dois interlocutores.

A ótica argumentativa permite ver também a estrutura paratática como

equivalente a uma comparação. Mas(PA) põe na balança, segundo os autores, dois

argumentos que autorizam conclusões inversas. Em B mas(PA) A, B é apresentado

como argumento para uma certa conclusão r, e A para a conclusão não-r. Como o

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falante atribui mais importância a A do que a B, o resultado global, do ponto de

vista argumentativo, é orientado no mesmo sentido que A, ou seja, para não-r.

A ilustração dada no texto é a seguinte: se D propõe um passeio a L, e L

responde “Tenho vontade de passear, mas tenho dor nos pés”, L apresenta sua dor

nos pés como um argumento oposto à conclusão à qual pode conduzir sua vontade

de passear, constituindo-se como um argumento para recusar o convite.

Trata-se do mesmo movimento observado na comparação A magis quam B

quando o acento é posto sobre A, tanto que se torna possível, para o exemplo

anterior, a seguinte paráfrase: “Tenho mais dor nos pés do que vontade de

passear”. A esse mesmo respeito outro exemplo explorado no texto é: “João é

mais inteligente que Pedro”. Os autores destacam que, no caso, A (João) recebe

mais força argumentativa do que B (Pedro) porque é declarado mais importante

que este, mas importante no sentido de ser aquilo que deve, segundo o falante, ser

levado em consideração.

Para eles, na comparação, não se trata de medir duas propriedades uma

pela outra, mas sim de deixar claro que, dado o objetivo visado pelo falante, uma

propriedade funciona como um argumento melhor do que outra. Sendo assim, no

exemplo anterior, não se está supondo a existência de uma faculdade que seria

mais desenvolvida em um do que em outro. Os autores defendem que tudo o que

se quer dizer é que, para um certo tipo de tarefas ditas intelectuais, João é mais

indicado que Pedro, de onde viria a possibilidade de traduções paratáticas como:

(i) “Pedro é inteligente, mas(PA) João!” (com acento de intensidade em João); (ii)

“João é mais inteligente do que Pedro é forte: Pedro é forte, mas João é

inteligente”.

Com base nessa mesma linha de pensamento que focaliza o caráter

argumentativo dos exemplos em questão, os autores propõem, para mas(PA), a

mesma análise sugerida para mas(SN). Da mesma forma que a negação de B, na

estrutura (2), suscita a afirmação, no discurso, de B, assim também, na estrutura

(4), a afirmação e manutenção de B suscitam sua própria negação. A diferença

entre (2) e (4) reside no grau de negação e manutenção de B em ambas, como se

vê no quadro abaixo:

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(1) A magis quam B

←---------→

(2) Não-B mas(SN) A

- negação forte de B

(B é objeto de um ato de refutação do

qual A é o instrumento)

- manutenção fraca de B (o discurso

relatado B é registrado)

(3) A magis quam B

←---------→

(4) B mas(PA) A

- manutenção forte de B

(o valor argumentativo do discurso

relatado B é concedido e serve de

instrumento ao ato de argumentação

fundado em A)

- negação fraca de B

(a eficácia argumentativa é retirada de

B)

Dizer “Pedro não é inteligente, mas esperto” (em que a primeira

proposição é uma negação forte) só é possível se se parte da afirmação, ainda que

não declarada, de que “Pedro é inteligente”, afirmação que se mantém

discursivamente, embora em intensidade mais fraca do que a negação de B.

Ao contrário, quando se tem, por exemplo, “Pedro é inteligente, mas

estuda pouco”, a manutenção de B (Pedro é inteligente) é forte, enquanto a sua

negação, realizada a partir da força argumentativa de A (estuda pouco), é fraca.

Sem negar que haja fortes relações de sentido entre mas(SN) e mas PA, o

texto sugere, portanto, que ambos derivam historicamente de magis comparativo.

4.4 O estudo de Neves (1984) sobre mas interfrasal: uma proposta de análise sincrônica com base argumentativa

O estudo de Neves (1984) tem como objetivo principal caracterizar “mais

acuradamente o significado básico que permanece nos diferentes empregos desse

elemento [mas] e que deve ser apontado como sua significação semântica”

(Neves, 1984, p. 21).

Tomando exemplos que ocorrem em posição interfrásica, a autora propõe

encontrar as variantes de sentido existentes entre dois grandes grupos geralmente

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apontados pelos trabalhos já publicados – um que se caracteriza pela oposição

semântica entre os membros coordenados e outro pela concessão.

Para tanto, parte da premissa de que a definição semântica básica de mas

se refira à noção de desigualdade para os segmentos entre os quais o elemento

ocorra.

Com base no estudo de Vogt & Ducrot – comentado acima –, a autora

aceita tanto a idéia de que a estrutura adversativa se liga à estrutura comparativa

quanto as noções de negação e manutenção semânticas como princípios da

argumentatividade. Diferentemente, contudo, dos autores citados, propõe uma

abordagem sincrônica para os casos estudados.

Os referidos autores analisaram as semelhanças existentes entre as

estruturas comparativa e adversativa preocupados com a derivação histórica entre

ambas. Já Neves (1984) propõe que, independentemente de datações históricas,

ambas as estruturas apresentam em comum a expressão de desigualdade, a qual a

autora define como “um dos traços básicos das atividades do espírito humano,

que, sobre o eixo de semelhanças, distingue diferenças” (idem). Assim, o binômio

comparativo → adversativo deve ser ampliado para desigualdade → comparativo

→ adversativo.

Tomando, então, a desigualdade como traço semântico comum às

ocorrências com presença de mas, a autora passa a buscar as dissemelhanças

possivelmente existentes entre as ocorrências analisadas e vale-se também da

semântica argumentativa a fim de descrever e avaliar o direcionamento

argumentativo dado aos segmentos interligados. Segundo a confrontação entre a

direção que tomam p e q na organização do enunciado, divide os exemplos em

dois grandes grupos: o da contraposição (q não elimina p) e o da eliminação (de

algum modo q elimina p).

As ocorrências encontradas entre esses dois grupos, segundo a autora,

apresentam, entre outras, as seguintes implicações semânticas: contraste,

contrariedade, oposição, negação, anulação e rejeição.

A autora admite claramente que “é impossível a determinação de classes

fechadas ou de unidades discretas na categorização das diversas manifestações do

coordenador mas” e fala em “zonas nebulosas de interferência entre as diversas

realizações semânticas do elemento” (idem).

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O trabalho de Neves, portanto, não apresenta o caráter muitas vezes

impressionístico presente, por exemplo, em muitas gramáticas do português, ao

tratarem de mas, e os grupos e subgrupos em que a autora divide as ocorrências

são apresentados segundo critérios coerente e previamente ajustados. Porém, para

qualquer classificação semântica que se faça sobre ocorrências de mas (bem como

de qualquer conjunção, ao que parece), corre-se o risco de justamente cair em uma

dessas “zonas nebulosas” a que a autora se refere.

O fato é que análises de base funcionalista de um modo geral, sejam elas

argumentativas ou de qualquer outra escola, apóiam-se sobretudo em questões

semânticas e/ou pragmáticas, e interpretações semânticas são passíveis de

discussão.

O trabalho de Neves é, certamente, o mais rico em detalhes, entre os já

feitos sobre os usos de mas em português. Embora não pretenda esgotar o assunto,

o trabalho dá conta de uma série de matizes semânticos que poderiam ser

ignorados em uma análise superficial, e o faz de maneira consistente e sistemática.

Observem-se, a título de ilustração, alguns exemplos utilizados pela autora:

(2) Vou bem. Mas você vai mal.

(3) Amedrontado, Naé ergueu-se. Mas não chegou a dar um passo: a

porta escancarou-se e dois homens avançaram na sua direção.

A autora enumera as seguintes características sobre (2) e (3): ambos são

casos de contraposição, o que significa que p e q necessariamente se confrontam e

distinguem; q não elimina p; p e q têm, do ponto de vista argumentativo, direções

opostas.

Considerando que, nos casos de contraste, p e q podem contrastar de

diferentes maneiras, em (2) se vê um contraste por antonímia, enquanto em (3) se

vê, para a autora, um simples contraste. No entanto, a existência das “zonas

nebulosas” permite as observações seguintes.

Primeiramente, deve-se notar que tanto (2) quanto (3) só podem fazer

sentido se forem compreendidos dentro de um quadro maior em que há, para além

das informações nele contidas e de suas implicações argumentativas, a presença,

ainda que não declarada, de expectativas tacitamente compartilhadas pelos

interlocutores, no caso autor e leitores.

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Mesmo adotando uma ótica apenas argumentativa, deve-se atentar para o

fato de que, para a constituição do sentido global dos textos, em (2), “eu” e

“você”, os dois temas postos em contraste por antonímia, não poderiam ser

comparados em vão. As direções argumentativas que p e q seguem dentro do

conjunto (3) são opostas uma à outra, mas é preciso analisar a força argumentativa

que o conjunto como um todo assume dentro da unidade maior que é o texto.

Por que e para que dois elementos estariam postos em comparação? Sem

se ter acesso à fonte do exemplo, torna-se difícil sabê-lo. Em um primeiro

momento, poder-se-ia dizer que, conforme a própria autora salientou

anteriormente, a expressão de desigualdade é “um dos traços básicos das

atividades do espírito humano”, mas essa seria uma explicação demasiadamente

generalizada para se aplicar a casos específicos.

Da mesma forma, em (3), só se pode depreender contraste entre erguer-se

e não chegar a dar um passo se, de alguma forma, o texto conduz à expectativa de

que Naé, após se erguer, se locomoveria, afinal erguer-se e não dar um passo não

são, em princípio, contrastantes. É claro que, para uma semântica não

representacionista, como a argumentativa, já se parte do pressuposto de que a

linguagem não representa fotograficamente o mundo real. Mas, então, em que

dimensão os dois eventos citados estariam em contraste? Eles só podem estar em

contraste dentro de uma unidade maior, que é o texto e, se assim o é, faz-se

necessário considerar as expectativas que o texto cria no leitor com relação a cada

evento narrado separadamente.

Assim, em (2), o contraste fica mais evidente, em primeira vista, graças à

antonímia lexical, mas, em (3), não. Então mais necessário ainda se torna recorrer

ao texto para entender por que a autora aponta aí um contraste.

Ainda entre os casos de contraposição, Neves (1984) inclui exemplos em

que q e p se encontram na mesma direção argumentativa, como em:

(4) “(...) Os médicos vieram ver Aicá e outras vítimas de fogo selvagem

que há no Xingu. Mas vieram principalmente para Aicá, que quando adoeceu já

vivia nas cercanias do Posto e que sempre foi um índio muito bom. (...)”

Sobre casos como o último, observa-se o seguinte: ao contrário de (2), por

exemplo, em que os elementos postos em comparação são lexicalmente

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contrastantes, não há nenhuma relação de contraste entre os médicos virem ver

Aicá e outras vítimas da doença e virem ver especialmente Aicá. Poder-se-ia

entender que mas introduz um argumento que será focalizado em relação aos

demais, o que é corroborado pelo uso de principalmente. De acordo com a

Semântica Argumentativa, Neves (1984) afirma que mas introduz um argumento

superior ao anterior.

Aceitando a classificação de Neves (idem), que inclui o caso acima entre

os de contraposição, não se discutirá a amplitude que o termo contraposição ganha

em uma análise que visa justamente à identificação de diferenças. Apenas se

destacará – o que será relevante para as conclusões que poderão ser tiradas da

análise proposta nesta tese – que o que ocorre, ainda no exemplo (4), como nos

demais, é uma comparação. Dentro de um conjunto de doentes, Aicá, em

comparação aos outros, ganha destaque. O item mas, então, aponta

gramaticalmente uma diferença já destacada também no nível lexical através de

principalmente.

Há vários exemplos analisados por Neves que não foram comentados aqui.

De qualquer forma, sua análise corrobora a tese que defende de que, na estrutura

adversativa, pode-se depreender, de alguma maneira, a expressão da diferença, o

que, por sua vez, corrobora a tese defendida por Vogt & Ducrot (1980) de que a

estrutura adversativa relaciona-se intimamente com a comparativa, já que a

diferença só pode ser percebida por via da comparação.

4.5 O trabalho de Fabri (2001): análise da “diferenciação das conjunções adversativas em diferentes tipos de textos escritos”

O trabalho de Fabri (2001) analisa a “diferenciação das conjunções

adversativas em diferentes tipos de textos escritos”. Embora o trabalho vise a

relacionar tipos de textos com usos de determinadas conjunções adversativas – o

que não interessa diretamente a esta tese –, apresenta a análise justamente dos

elementos estudados aqui, e o faz a partir da consideração de dimensões diversas

(a sintática, a semântica, a argumentativa, a informacional e a pragmática). Serão

comentadas aqui partes do trabalho que digam respeito mais especialmente ao

item mas.

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Os pressupostos teóricos do trabalho são os da lingüística textual e os da

semântica argumentativa. As observações apresentadas sobre a dimensão sintática

não são muito diferentes das que se encontram no primeiro capítulo da tese. Com

relação à dimensão semântica, a autora define quatro traços significativos para as

conjunções adversativas: quebra de expectativa, retificação, contraste e negação.

De início, já se pode notar que, embora seus pressupostos teóricos sejam

praticamente os mesmos de Neves (1984), os traços encontrados como compondo

a significação dos itens em estudo não são os mesmos. A diferença deve-se, sem

dúvida, àquilo que já se disse antes: ao fato de a dimensão semântica ser bastante

escorregadia, tornando-se mais ainda quando se trata de conjunções, em especial

as adversativas. E, entre estas, mas principalmente é dado a ocorrências que se

diferenciam por “zonas nebulosas”.

As conclusões de Fabri (2001) são bastante interessantes. Por exemplo,

com relação à natureza dos segmentos que podem ser interligados por conjunções,

Fabri observa que, no caso de tais segmentos serem sintagmas nominais, o tipo de

texto será necessariamente descritivo, que, “ao caracterizar, dizer como é, o faz

por estruturas que não incluem verbos” (Fabri, 2001, p. 106). Com relação à

análise quantitativa, constatou-se, por exemplo, que no entanto foi estranhamente

encontrado, no corpus analisado, em maior proporção do que porém. Como esta

tese não tem preocupação direta nem com a relação entre conjunções e tipos

textuais nem com análises quantitativas, essas observações não serão

consideradas em maior grau.

O que interessa é que as variações de significação que se distribuíram

diferentemente conforme cada item e conforme cada tipo de texto têm em comum

a expressão da diferença. Embora já tenham sido mencionados, abaixo será

reproduzida a matriz em que são expostos:

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Traços de significação Variações de

significação

Regularidades

Quebra de expectativa (q) quebra a expectativa

de (p)

Conhecimento de mundo

partilhado

Retificação (q) retifica (p) ... não p, adversativa q

Contraste (q) não elimina (p) (q) apenas distingue-se de

(p)

Negação (q) nega, anula (p) (p), adversativa (q)

Para ilustrar casos de quebra de expectativa, a autora apresenta dois

exemplos, que serão transcritos:

(5) “[ ... O estrangeiro provoca a nossa desconfiança, às vezes, o nosso

medo. Nem sempre entendemos os seus gestos e certamente não compreendemos

a sua língua.

Ele não se veste como nós, a sua fisionomia pode ser diferente da

nossa e não adora os nossos deuses... (p)]

E, no entanto, sentimos que o contrário também é verdade.

Freqüentemente sonhamos com o país distante, a terra prometida onde possamos

realizar nossos desejos (q).”

(6) “[Há também quem se anime com as fontes sulfurosas a 70ºC. Dizem

que são terapêuticas (p)], mas queimam a pele e fedem a ovo podre, a enxofre

(q).”

Fabri (2001) descreve os casos de quebra de expectativa como aqueles em

que a seqüência q quebra a expectativa criada pela seqüência p e em que há um

conhecimento de mundo partilhado que é pressuposto e quebrado a partir da

oração iniciada pela conjunção adversativa. A partir dessa definição, sua

interpretação para o primeiro exemplo é que, nele, a seqüência p aponta para uma

rejeição ao estrangeiro, ao passo que “a seqüência q quebra essa expectativa de

rejeição na medida em que considera a partir de no entanto ser verdade que

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sonhamos com essa mesma terra rejeitada e que ela pode realizar nossos desejos”

(Fabri, 2001, pp. 83-84).

Já com relação ao exemplo (6), Fabri considera que a quebra de

expectativa se dá porque, “de acordo com o nosso conhecimento de mundo o que

é terapêutico é benéfico e pode levar à cura, entretanto a seqüências q, iniciada

pelo mas, quebra a expectativa criada e apresenta os problemas das águas

sulfurosas como queimaduras e mau cheiro” (Fabri, 2001, p. 84). Os exemplos e

comentários de Fabri serão retomados adiante. Ressalve-se, de uma vez, que estão

transcritos ipsis litteris.

Para os casos de retificação, a autora utiliza, entre outros, os seguinte

exemplos:

(7) “Na boiada já fui boi

Mas [um dia me montei

Não por um motivo meu

Ou de quem comigo houvesse

Que qualquer querer tivesse (p)]

Porém por necessidade de o dono de uma boiada cujo vaqueiro

morreu (q).”

Esse seria um exemplo em que q corrige, retifica p, similar a outros

tratados por Vogt & Ducrot (1980) para tratar de mas(SN), comentados

anteriormente.

É interessante observar que, também entre os casos de retificação, Fabri

(2001) inclui exemplos nos quais q pode “mudar a orientação do assunto de p,

dando seqüência ao texto”, como em:

(8) “[O pai examinou a situação e propôs: – “Olha, Henriquinho, se a

tartaruga está morta não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí vem cá com o

pai.”

O pai sentou-se na poltrona, botou o garoto no colo e disse (p)]:

“Mas nós vamos fazer pra ela um grande funeral (q)”.

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Fabri entende que, no exemplo acima, “a narrativa caminha com a

presença do narrador e a fala do pai que tenta consolar o filho, entretanto é

interrompida a partir do emprego do mas que, ao introduzir a voz do pai, dá uma

nova orientação à conversa, acrescentando uma outra idéia a de ‘fazer um grande

funeral’, como um consolo para o mesmo”. Ao contrário, porém, do que se espera

em uma retificação, a primeira parte da fala do pai não foi anulada pela segunda.

Sobre os casos em que se vê contraste, a autora entende que, neles, q não

elimina p, havendo entre ambos um “eixo de comparação do mesmo elemento ou

de elementos diversos que pode apresentar-se em termos de semelhanças ou de

dissemelhança” (Fabri, 2001, p. 82). Os exemplos apresentados são os seguintes:

(9) “[Durante uma conversa ou uma reunião, quanto mais você discordar,

mais iminente será a briga. Posicione-se (p)], mas refreie seus impulsos de levar

a coisa para o lado pessoal (q).”

(10) “[A diminuição dos limites máximos de empréstimos contribui, em

tese, para que os bancos restrinjam um pouco mais a oferta de crédito, o que

pode aprofundar as tendências recessivas na economia (p)]. Na prática, porém, é

cedo para avaliar se esse efeito terá magnitude significativa (q)...”

Fabri entende que o primeiro exemplo “constata um eixo de identidade

entre p e q: a atitude. O contraste é estabelecido pela dissemelhança existente

entre p atitude de discordar, posicionando-se e q atitude de refrear os impulsos”.

Já no segundo exemplo, a autora entende que “o eixo de identidade entre p e q diz

respeito às medidas que vão afetar os serviços bancários. O contraste se institui

entre a teoria (diminuição dos limites de empréstimos, restringindo e causando

recessão) e a prática (é cedo para avaliar qual será o efeito).

Por último, os exemplos de negação, a autora entende como sendo aqueles

em que se encontram (a) o reconhecimento de uma atitude em p e em seguida sua

negação, refutação ou (b) o reconhecimento de uma entidade em p e a negação de

outra entidade em q, contrapondo-se à já reconhecida. Para (a), o exemplo dado é:

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(11) “É um país sórdido que escamoteia até as palavras. [Quem deveria

pagar IR (p)], mas não o faz (q), não pratica sonegação, no vocabulário desse

Brasil indecente.”

Fabri entende que, em (11), “p reconhece que há pessoas que deveriam

pagar imposto de renda (IR), entretanto q, oração introduzida pela adversativa

mas, nega a ação que deveria ser praticada, afirmando que essas mesmas pessoas

não pagam IR” (Fabri, 2001, p. 79).

Para (b), o exemplo dado é:

(12) “[Foram presos o mecânico Edivaldo Pereira da Silva, 23, e os

adolescentes M.V.A., 17, e D.B., 17.

No domingo passado, outros três homens foram presos sob suspeita de

pertencer à gangue da batida (p)], mas eles não foram reconhecidos pelas

mulheres vítimas... (q)”.

Para Fabri, no caso,

p declara que homens suspeitos de pertencer à gangue da batida foram presos, em seguida, a seqüência q, introduzida pelo mas, contrapõe-se a p através da negação nela contida: os presos suspeitos não foram reconhecidos pelas vítimas e portanto poderão ser libertados, havendo assim uma negação na oração adversativa. (Fabri, 2001, p. 80)

A autora ainda lembra que, conforme o corpus que analisou, “as negações

aparecem lexicalizadas através de palavras como: não, nenhum, nada, sem”

(idem).

Da mesma forma que se fez com alguns exemplos de Neves (1984), serão

comentados os exemplos de Fabri (2001). O exemplo (5) foi retirado, segundo a

autora, de um texto dissertativo que trata do caráter nacional brasileiro. Em não se

conhecendo a linha argumentativa geral que norteia o texto, fica difícil avaliar a

força argumentativa do trecho destacado dentro da unidade textual maior em que

se insere. Apesar da falta desse contexto maior, o que se pode notar é que q não

necessariamente quebra algum tipo de expectativa criado por p. É fato que p e q,

no caso, são contrastantes, afinal sentir medo do estrangeiro e freqüentemente

sonhar com ele são atitudes que podem ser entendidas como contrastantes, mas é

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discutível a afirmação de que haveria entre ambos os segmentos uma relação de

quebra de expectativa, a não ser que se discuta melhor o que se entende por

quebra de expectativa. Na matriz apresentada anteriormente, a autora aponta,

como regularidade desse tipo de significação, o conhecimento partilhado. Mas não

se vê em (5) um conhecimento de mundo partilhado, a menos que se trate de

algum conhecimento criado e autorizado pelo sentido geral do texto. No caso,

então, se teria um conhecimento estritamente localizado.

Conforme se verá, nos exemplos de contraste, Fabri (2001) entende que q

não elimina p, ao passo que, nos casos de quebra de expectativa, q quebra uma

expectativa gerada por p. O fato para o qual se quer chamar a atenção é que,

apesar da coerência da análise apresentada por Fabri, o raciocínio empregado para

apontar uma quebra de expectativa em (5) e (6) poderia autorizar a compreensão

do exemplo (9) também como apresentando quebra de expectativa. O locutor pode

fazer a restrição contida em q justamente por julgar que o interlocutor possa

entender que “posicionar-se” significa não ter que refrear os impulsos.

Os traços de significação apresentados por Fabri e comentados acima são

incluídos por ela naquilo que ela denomina dimensão semântica. Além desta e da

dimensão sintática, ela trabalha com a dimensão argumentativa, com a dimensão

informacional, com a dimensão pragmática. Para cada uma delas, apresenta uma

matriz teórica, como a reproduzida acima para a dimensão semântica.

A matriz teórica da dimensão argumentativa é a seguinte:

NATUREZA TIPO DE RELAÇÃO REGULARIDADES

Operadores

argumentativos

Encadeadores do

discurso

Contrajunção Adversidade a algo

explícito ou implícito nos

enunciados anteriores

A distinção entre operadores argumentativos e encadeadores do discurso

não é detalhada por Fabri. Nesta tese, a distinção não se mostra de grande

relevância, o que pode parecer, em princípio, bastante inconsistente, já que, no

português medieval, os itens em questão, inclusive mas, funcionam basicamente

como encadeadores do discurso, na medida em que dão seqüência ao fluxo

narrativo. No entanto, essa questão será discutida no próximo capítulo.

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Sobre o fato de a adversidade dar-se a algo explícito ou implícito nos

enunciados anteriores, considera-se aqui ser este um dos pontos centrais a serem

tratados no estudo dos itens contrajuntivos de um modo geral. Quando a relação

contrajuntiva acontece entre uma informação dita e outra implícita, tem-se uma

operação altamente sofisticada e elaborada, que foi, via de regra, negligenciada

pelos estudos gramaticais tradicionais.

E as abordagens argumentativas são capazes de descrevê-la coerentemente

segundo os mesmos critérios com que descrevem os exemplos em que a relação

ocorre entre duas informações explícitas. A análise argumentativa, no entanto, não

dá conta de explicar como ocorrências diferentes, do ponto de vista cognitivo,

quanto ao grau de elaboração podem apresentar o mesmo item gramatical como

elo entre as informações postas em relação.

A semântica argumentativa descreve as semelhanças e diferenças

existentes entre as diversas ocorrências do item, mas não explica a motivação que

subjaz a uma gama tão variada de sentido. Observar que os diversos itens têm um

sentido comum é descritivo, mas não explicativo. É claro que essa preocupação

não se encontra no escopo da abordagem argumentativa, mas, quando se trata da

gramaticalização de um item, ela não deve ser ignorada, principalmente se o que

se busca é a motivação do fenômeno.

A matriz teórica da dimensão informacional, por sua vez, será reproduzida

abaixo:

TIPO DE INFORMAÇÃO

NATUREZA DO CONTEXTO

UNIDADES DE INFORMAÇÃO

Informação dada

Informação nova

Conhecimento partilhado

Conhecimento

introduzido

Cláusulas

Foco de informação

Fabri observa que, em seu corpus, a presença de uma adversativa traz

categoricamente uma nova informação, sendo que o comentário contido na

proposição em que aparece colabora para dar continuidade ao texto.

Já a dimensão pragmática recebeu a seguinte matriz teórica:

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NATUREZA TIPO DE RELAÇÃO SÉRIE DE

CARACTERÍSTICAS

Conectivos pragmáticos Inter-relações entre atos

de fala

Situações do discurso

Crenças

Desejos

Avaliações

De acordo com seus dados, que são exclusivos da escrita, a autora apurou

que funcionam como conjunções pragmáticas somente aquelas adversativas com

valor semântico de retificação e especificamente aquelas que são responsáveis

pela mudança de direção do tópico da seqüência anterior. Um exemplo citado foi:

(13) “[A roupa lavada, que ficava de véspera nos coradouros, umedecia o

ar e punha-lhe um fartum acre de sabão ordinário. As pedras do chão,

esbranquecidas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil,

mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas

(p)].

Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono, ouviam-

se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas... (q)”

Fabri (2001, p. 100) entende que, no exemplo anterior, o autor em p

descreve o ambiente exterior do local, enquanto em q, a partir de entretanto, muda

a orientação descrevendo as ações que se sucediam naquele mesmo local. Para a

autora, entretanto não só estabelece diferença entre p e q, mas sobretudo dá um

novo enfoque à seqüência, o que contribui para a progressão do texto, sendo que a

função pragmática da conjunção é a de dar uma outra orientação para o enunciado

que se segue.

A autora chama a atenção para o fato de que há, no uso dessa conjunção,

aspectos semânticos envolvidos, “já que ela estabelece uma diferença, uma

desigualdade entre os dois planos descritos: o primeiro, características externas do

local; o segundo, ações ocorridas nesse local” (idem). Por isso, admite a

integração entre os planos semântico e pragmático.

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Exemplos como (13) encontram-se à exaustão no português medieval, já

que são típicos de textos narrativos, tipo (ou gênero, como se queira) prioritário

nos documentos da época.

4.6 Outras abordagens de mas: análises centradas no uso

A dimensão pragmática merece ser comentada por vários motivos.

Primeiramente, é necessário esclarecer que a disciplina pragmática, muitas vezes

definida como aquela que trata da língua em uso, é uma disciplina que, embora

nova, vem ocupando espaço cada vez maior nas análises lingüísticas focadas no

uso, como as funcionalistas.

Sua preocupação volta-se para questões tais como: Que fazemos quando

dizemos algo? Qual o papel dos interlocutores na fala? Nesse sentido, a

linguagem passa a ser associada a uma forma de ação do homem no mundo. Dois

nomes inevitavelmente citados quando se fala em pragmática são Austin e Searle,

que, a partir da teoria dos atos de fala, reivindicam que todo uso da língua envolve

um ato de fala, o qual, por sua vez, deve ser apropriado a um contexto.

O item but (inglês) foi estudado por Van Dijk (1981) em uma perspectiva

pragmática. Um exemplo dado pelo autor é:

(14) a) Can you tell me the time? (Você pode me dizer as horas?)

b) But, you have a watch yourself. (Mas, você tem um relógio.)

Para o autor, no exemplo citado, but indica que o falante não aceita o ato

de fala anterior. Dessa forma, o item estaria atuando no plano da ação e não no do

conteúdo.

De um modo geral, como lembra Fabri (2001, p. 41),

a maioria dos conectivos pragmáticos pode ser designada com uma função em termos de satisfação de condições para o ato de fala antecedente ou subseqüente. Um falante somará, questionará, atacará uma das condições, ou mesmo o ato de fala como um todo. As variações podem ser estilísticas, retóricas e conversacionais: alguma forma será mais educada, mais agressiva do que a outra forma.

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Uma das questões mais discutidas, quando se fala em pragmática, diz

respeito à sua possível autonomia com relação aos outros componentes

lingüísticos. Os trabalhos de base enunciativa até agora discutidos apóiam-se na

integração entre pragmática e semântica. Fabri (2001), ao analisar o exemplo (13),

defendeu que, se há uma desigualdade entre dois planos descritos, isso diz

respeito também à semântica e não só à pragmática.

Um exemplo interessante dado por Van Dijk (1981) e retomado também

por Fabri (2001) é o seguinte:

(15) Harry was ill, but he came to the meeting anyway. (Harry estava

doente, mas veio à reunião assim mesmo)

Fabri (2001, p. 39) faz as seguintes observações:

estar doente é uma razão normal para não participar de encontros e por isso o but (mas) pode ser empregado. O nosso conhecimento sobre encontros e sobre a doença gera certas expectativas que o falante assume e que são divididas com o ouvinte.

O exemplo é utilizado para mostrar que, para Van Dijk (1981), assim

como há traços semânticos nos conectivos ditos pragmáticos, também há traços

pragmáticos nos conectivos ditos semânticos.

Em (15), ter-se-ia uma implicação, ou seja, é a partir do conhecimento de

mundo e expectativas específicas do falante, compartilhados com o ouvinte, que a

proposição introduzida por but torna-se inesperada diante da proposição anterior.

Haveria para Fabri (2001, p. 40), em concordância com Van Dijk (1981), “um

julgamento por parte do interlocutor, da atitude de Harry, provocado pelo seu

esforço, compromisso em ter comparecido à reunião mesmo doente”.

Mais à frente se verá que, embora Van Dijk considere but de (15) como

um conectivo semântico, Sweetser (1991) proporá uma análise que engloba, em

uma mesma análise, a questão do contraste existente entre as duas proposições e

as questões consideradas de ordem pragmática.

Destaque-se, porém, o seguinte: a intuição lingüística pode levar a crer

que, tanto na versão inglesa quanto na portuguesa da referida frase, anyway e

assim mesmo, respectivamente, são fundamentais para reforçar o contraste

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existente, servindo, assim, para reforçar aquilo que Fabri chamou de “julgamento,

por parte do interlocutor” da atitude de Harry.

Trata-se de uma observação importante para corroborar duas idéias

defendidas nesta tese: (i) a de que os elementos chamados de conjunções não

estabelecem por conta própria relações de sentido entre partes interligadas e (ii) o

uso de expressões adverbiais como anyway e assim mesmo pode ser muito

necessário para reforçar uma idéia de contraste já existente em certos contextos, o

que explica, em grande parte, o uso de itens lexicalmente relacionados com

anyway, como todavia – que será tratado no próximo capítulo –, nos referidos

contextos. Por indicarem, em muito, um julgamento do falante sobre a enunciação

feita, são propícios para serem empregados em contextos nos quais haja uma

relação de contraste que se queira destacar.

Independentemente de como serão analisados os exemplos de Van Dijk

(1981), o fato é que seu trabalho serve para apontar a vasta gama de implicações

pragmáticas que podem estar envolvidas nos usos de but. Nesta tese, acredita-se

que, se se entende o pragmático como intimamente relacionado ao contexto, todos

os exemplos terão uma cota de informação pragmática a ser considerada, mas é

claro que em alguns exemplos questões conversacionais ficam mais evidentes. O

que não se pode é negligenciar a questão pragmática e/ou conversacional de

qualquer que seja a análise proposta para a análise dos dados. Os trabalhos de

Traugott (1982) e Traugott & König (1991) comprovam que as implicaturas

conversacionais são tão importantes a ponto de a convencionalização de algumas

delas poder levar à gramaticalização.

Analisando dados do português falado, Castilho (1997) encontra exemplos

do item mas assumindo a função, segundo ele, de marcador conversacional, como

em:

(16) A. “gosto do campo pra dormir... descansar por lá... negócio de

cultivar não é comigo...

B. mas você falou que passava férias numa fazenda...

A. eu gosto de andar a cavalo...

B. sim mas você não pode descrever pra ele pelo menos como é que é

essa fazenda?”

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Esse é um uso que não será analisado nesta tese, que dispõe unicamente de

dados escritos. Dados conversacionais só aparecerão no caso de serem reportados

nos textos analisados. É interessante destacar, porém, que Castilho vê, nos usos

discursivos do item, um valor inclusivo similar ao que se vê no advérbio latino

magis.

Não se discutirá se o que se vê nos usos de mas como no exemplo anterior

diz respeito a um processo de gramaticalização ou a um processo de

discursivização, que seria

um processo em que os elementos perdem função lexical e gramatical para ficar a serviço da organização da linha de raciocínio na fala, funcionando como marcadores discursivos, que, ora marcam uma retomada da linha de raciocínio perdida (ou, de um modo geral, mudanças de estratégia comunicativa), reorganizando o discurso e ao mesmo tempo chamando a atenção do ouvinte para essa retomada; ora funcionam como artifício para o falante, sem perder a palavra, refletir sobre o que vai dizer, funcionando como preenchedores de pausa. (Martelotta et al, 1996: 261-262)

No caso acima, Castilho (1997, p. 112) recorre a Sweetser (1991) para

explicar que “mesmo expressões altamente gramaticalizadas como as conjunções

liberam sentidos nos enunciados, o que aponta para um processo de

gramaticalização em movimento”. Sendo assim, ele afirma: “quando se trata da

LF [língua falada], não há como opor gramaticalização diacrônica a

gramaticalização sincrônica. Registros dessa modalidade guardam uma sorte de

“memória histórica”, diluindo ainda mais os já precários limites entre sincronia e

diacronia” (Castilho, 1997, p. 111).

Mas, o que realmente interessa é perceber que, no exemplo (16), é

possível ver, além da idéia de soma apontada por Castilho (1997), alguma das

funções elencadas por Martelotta (1996) e, também, uma idéia de contraste, pelo

menos no primeiro mas. Na verdade, aqui também se tem uma daquelas

ocorrências em que é difícil definir com precisão o sentido de mas.

O exemplo não poderá ser mais explorado devido ao escopo deste

trabalho, mas fica registrado o quanto ele demonstra que a dificuldade de se

depreender um sentido preciso para o item, mesmo em uma fase aparentemente

avançada de gramaticalização, pode sugerir que os sentidos possivelmente

apontados para o mesmo não guardam entre si uma relação de derivação, em que

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uns derivariam dos outros em ordem escala e linear, o que ainda será mais

discutido no decorrer do trabalho.

4.7 O trabalho de R. Lakoff (1971)

Um estudo que não poderia ser excluído aqui é o de Lakoff (1971),

principalmente porque tem servido de referência para muitos estudos que se lhe

sucederam, entre eles o de Neves (1984) – como se viu – e o de Sweetser (1991),

que será discutido posteriormente.

Lakoff analisa especificamente três conjunções do inglês: if, and e but.

Começa por and, a partir de ocorrências gramaticais e agramaticais. Conclui que a

gramaticalidade de sentenças nas quais duas orações estejam ligadas pela referida

conjunção, se não se construir superficialmente, depende, então, de uma

combinação de pressuposições e deduções que uma delas ou ambas

desencadeiem.

O mesmo raciocínio depreendido do estudo de and, a autora segue para

analisar but. Em princípio, but, assim como and, exige que haja um tópico comum

entre os dois segmentos postos em conjunção. Esse “tópico comum” ocorre

segundo a situação em que o item esteja empregado. Quando esse tópico comum

não está explícito, é preciso buscá-lo em meio a deduções e pressuposições.

Alguns exemplos merecem atenção:

(17) John is a Republican, but you can trust Bill. (John é Republicano,

mas você pode confiar em Bill)

Lakoff (1971) explica que a aceitabilidade de (17) depende não só de

propriedades inerentes aos republicanos, mas de sentimentos que os falantes

tenham sobre eles. Conforme sejam esses sentimentos, o falante aceitará ou não

(17). Note-se que se trata de crenças e sentimentos que são específicos de um

grupo de pessoas.

Já em uma sentença como a seguinte, a pressuposição liga-se a um

conhecimento de mundo geral, segundo o qual há uma relação entre ser alto e ser

bom no basquete, Veja-se:

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(18) John is tall but he`s no good at basketball. (John é alto, mas não é

bom no basquete)

Lakoff vê isso como uma expectativa: a de que pessoas altas sejam boas

no basquete, de forma que but torna-se adequado na sentença por haver, nela, essa

quebra de expectativa. O mesmo se vê em (19):

(19) John hates ice cream, but so do I. (John detesta sorvete, mas eu

também)

Para Lakoff, em (19), há a pressuposição de que eu e John tenhamos

gostos diferentes. Trata-se também, portanto, de uma quebra de expectativa.

Por outro lado, sentenças como (20) e (21) são gramaticais

independentemente de se depreender nelas qualquer pressuposição, haja vista que

a oposição dá-se até mesmo lexicalmente:

(20) John hates ice cream but I like it. (John odeia sorvete, mas eu gosto)

(21) John is tall but Bill is short. (John é alto, mas Bill é baixo)

Lakoff, portanto, distingue dois sentidos básicos para but do inglês: o de

quebra de expectativa, ilustrado pelos exemplos (18) e (19), e o de oposição

semântica, como em (20) e (21). Seu trabalho tem sido vastamente referido em

estudos que tratem de algum tipo de contrajunção justamente em função dessa

bipartição, que repousa sobre questões de pressuposição e deduções, ou seja,

sobre o implícito presente na língua.

Longhin (2002, p. 110-111) apresenta as seguintes considerações sobre o

trabalho em pauta:

A explicação de Robin Lakoff dá margem a questionamentos uma vez que não esclarece, como seria desejável, todos os MAS que aparecem no português. Além disso, há um inconveniente na definição de alguns conceitos empregados, entre eles, o de pressuposição semântica. Não fica claro se essa oposição resulta do descordo, no nível proposicional, entre dois segmentos, ou se ela se refere a qualquer tipo de antonímia entre itens contidos nas sentenças, ou ainda se ela diz respeito à oposição no nível das pressuposições e implicações.

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Em contrapartida, um dos pontos mais significativos do trabalho de Lakoff é seu reconhecimento do papel do contexto como um fator crucial na descrição de Mas.

De fato, Lakoff (1971) dá destaque ao contexto, como na análise que

propõe para o já clássico exemplo:

(22) “John is rich but dumb” (John é rico mas estúpido)

O exemplo só pode ser avaliado, segundo a autora, dentro de algum

contexto. Por exemplo, uma mãe que queira dissuadir a filha de casar-se com João

poderia dizer que ele é rico (uma boa qualidade), mas estúpido (um defeito), não

sendo, portanto, um bom partido. Aqui se teria um caso de oposição semântica.

Por outro lado, alguém que julgue que pessoas ricas não são estúpidas

poderia ter empregado but justamente por haver aí, então, uma quebra de

expectativa.

É verdade que o trabalho em questão pode apresentar as lacunas elencadas

por Longhin (2002). No entanto, a autora propõe que, em função das complexas

combinações de pressuposições e deduções que se encontram na produção e

interpretação de sentenças nas quais ocorra but, a capacidade do usuário da língua

de lidar com esses fenômenos seja entendida como incorporada à sua própria

gramática, até porque os interlocutores, mesmo sem o saberem, julgam a

gramaticalidade das sentenças que contêm but com base na depreensão de tais

informações implícitas. Essa parece uma forma pertinente de lidar com os tênues

limites que separam semântica e pragmática e de dar maior consistência à questão

da motivação lingüística que leva todos os sentidos de but a serem relacionados

entre si. Essas diferenças estariam relacionadas com o conhecimento gramatical

do falante e não só com suas habilidades argumentativas.

Além disso, Lakoff aponta uma “hierarquia de naturalidade” de

pressuposições e deduções: algumas são mais universais, como em (18); outras

menos, como em (17); e outras idiossincráticas, como em (19). Os exemplos (5) e

(6), utilizados por Fabri (2001) e comentados na seção 4.5, são fortemente

idiossincráticos. As expectativas constatadas por Fabri só podem ser entendidas a

partir de uma leitura que considere, portanto, todo o contexto específico em que se

insere a sentença. Além disso, essa hierarquia permitiria uma análise mais

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“econômica” que englobaria em um mesmo conjunto ocorrências que Neves

(1984), por exemplo, separa, como o (23) – que ela encaixa entre aqueles em que

ocorre acréscimo de informação – e o (24) – que ela inclui entre aqueles em que q

é a negação da inferência de p:

(23) “Casou-se, mas não foi com a Luizinha.”

(24) “E nas noites de sexta-feira não faltava quem visse a tal luzinha

apagando e acendendo perto do alpendre. Explicavam:

- É a alma de Seu Durães fazendo penitência.

Mas, apesar da fama de lugar mal-assombrado, (...) os meninos do

Ribimba costumavam ir durante o dia ao casarão solitário que dominava o

barranco”.

É verdade que Neves quer justamente encontrar os sentidos de mas que

possam existir entre os dois extremos apontados por Lakoff (1971), o que se

justifica como descrição sincrônica, mas, para uma análise diacrônica, seria difícil

partir de um modelo tão detalhista. Além disso, Neves detectou justamente haver

um ponto comum entre todos os usos por ela identificados: o da desigualdade

como sentido geral para todos os usos de mas.

O modelo proposto por Lakoff dá conta de englobar os dois exemplos em

casos de quebra de expectativa. No primeiro, apesar da falta de um contexto

maior, parece que só se diz que não foi com Luizinha que alguém se casou porque

havia a expectativa de que tivesse sido. Trata-se de uma expectativa

idiossincrática, criada por um contexto determinado em um momento muito

delimitado. No segundo, Neves entende que p cria, por um processo de

inferência, a idéia de que ninguém quereria entrar em um casarão mal-

assombrado, o que q contradiz. Nesse caso também, pode-se entender a

inferência como uma expectativa quebrada imediatamente à sua formação.

Ao apresentar a classificação de alguns casos como sendo de “negação de

inferência”, Neves chama a atenção para o fato de que a inferência, tal como

defendido por nomes como Fillmore e Ducrot, é uma questão pertinente à análise

lingüística. Assim, não é o mundo exterior que nos faz concluir que Sócrates, em

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sendo homem (e no caso de os homens serem mortais), é mortal, mas sim uma

formulação lingüística que leva a uma conclusão lógica.

O mesmo se pode dizer para as pressuposições apontadas por Lakoff,

principalmente para as não universais. Tanto inferências quanto pressuposições

fazem parte de um conjunto de informações mentalmente relacionadas que

chegam a expressar-se na língua apenas em certa medida, mas que nem por isso

dispensam as pistas que a linguagem oferece para que elas sejam acessadas.

A vantagem do modelo de Lakoff para este trabalho consiste, portanto, em

permitir que se dê conta economicamente de uma gama muito grande de

ocorrências que, segundo os critérios de análise estabelecidos, poderão encaixar-

se em um dos dois grupos propostos pela autora.

Em princípio, poderia parecer que, quanto maior o elenco de sentidos

apontados para mas, mais fácil seria encontrar a motivação que preside sua

gramaticalização ao longo do tempo. Note-se, porém, que seria um objetivo, a

bem dizer, inalcançável listar todos os sentidos encontrados em diversos corpora

distribuídos diacronicamente.

E, suponha-se que eles estivessem todos listados, certamente a conclusão

que se tiraria é que todos guardam entre si um sentido comum, manifesto de

diversas maneiras e com diversas nuances de diferença, mas um sentido comum.

Se guardam um sentido comum, como definir qual sentido dá origem a qual? Se

um mesmo item pode aparecer ligando gramaticalmente e/ou discursivamente

segmentos que guardam relações de sentido aparentemente tão diversas, a

motivação para o fenômeno deve estar no que essas relações têm em comum, e

não de diferença.

4.8 O trabalho de Sweetser (1991)

Em outra seção, já foram apresentados os pontos teóricos básicos de

Sweetser (1991). Nesta, os comentários se concentrarão na parte em que a autora

propõe uma análise para o elemento but. Analisando questões referentes a

conjunção, coordenação e subordinação, ela discute, entre outros tópicos, os itens

and, or e but, os mesmos tratados por Lakoff (1971).

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De início, propõe a existência de três domínios (domínio no sentido que

ela dá ao termo, conforme já dito anteriormente) para o emprego das conjunções

em geral, a saber: o do conteúdo, o epistêmico e o conversacional. É relevante

relembrar que, para Sweetser (1991), na linguagem, manifesta-se uma projeção

entre esses diversos domínios, em sentido unidirecional, via operações

metafóricas. Esse processo permite a elaboração e reelaboração constante de

significados. Lembre-se também que o domínio do conteúdo remete ao mundo

real não em um sentido representacionista, segundo o qual o mundo real se

espelharia nas expressões lingüísticas. O domínio do conteúdo é o domínio a

partir do qual, em função de suas experiências físicas, como as sensório-motoras,

o falante elabora novos significados, graças à capacidade imaginativa de sua

mente.

No caso de and, Sweetser sugere que há, entre os três domínios citados, a

manifestação de um sentido básico, que a partir de um domínio fonte se projeta

aos demais: o de se colocar coisas lado-a-lado em um processo de adição. Veja-se:

(25) John eats apples and pears. (John come maçãs e pêras.)

Nesse caso, a adição de coisas é simples e não obedece a nenhuma ordem

nem de temporalidade nem de causalidade, tanto que os elementos “somados”

poderiam ter a ordem invertida sem danos para a sentença como um todo. A esse

tipo de caso em que se pode inverter a ordem dos elementos ou cláusulas,

Sweetser chama simétrico, terminologia adotada em outros trabalhos, como no de

Lakoff (1971), comentado anteriormente.

Já no exemplo seguinte, a inversão não seria cabível sob pena de

comprometer a própria gramaticalidade da sentença. A esse tipo de caso se chama

assimétrico:

(26) John took off shoes and jumped in the pool. (John tirou os sapatos e

pulou na piscina).

Sweetser entende que a assimetria vista acima deve-se à iconicidade da

linguagem, que faz com que a ordem temporal de sucessão que os eventos

relatados seguem no mundo real se reproduza lingüisticamente. O uso narrativo de

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and comprova a interação existente entre a linearidade inerente ao uso lingüístico

e o conceito geral de “pôr as coisas lado-a-lado”.

O exemplo seguinte ilustraria, por sua vez, uma linearidade decorrente não

do mundo real, mas sim de um processo lógico, sendo, portanto, um exemplo de

and no domínio epistêmico:

(27) “Why don`t you want me to take basketweaving again this quarter?

Answer: Well, Mary got anMA in basketweaving, and she joined a

religious cult. (...so you might go the same way if you take basketweaving)”. (Por

que você não quer que eu pegue basketweaving de novo esse bimestre? Resposta:

Bem, Mary tem um MA em basketweaving e ela se juntou a um culto religioso.

(... assim você pode ir para o mesmo caminho se você pegar basketweaving.))

Em (27), a ordem das cláusulas não reproduz iconicamente uma ordem de

eventos sucedidos no mundo real, e sim uma ordem de premissas que levam a

uma conclusão.

A partir do mesmo raciocínio exposto acima, Sweetser (1991) analisa a

adversativa but, que, segundo ela, conecta orações que contrastam entre si ou

mesmo “colidem”. Antes de analisar os exemplos que apresenta, a autora afirma

que but pode ocorrer, em princípio, em dois dos três domínios citados: o

epistêmico e o conversacional. Sendo assim, fica em aberto a possibilidade de o

item ocorrer ou não no domínio do conteúdo. Caso não seja possível, but então

teria uma idiossincrasia em relação às demais conjunções analisadas.

Para defender que but pode ocorrer no domínio epistêmico, a autora lança

mão do seguinte exemplo:

(28) “John keeps six boxes of pancake mix on hand, but he never eats

pancakes”. (John mantém seis caixas de mistura para panquecas estocadas, mas

nunca come panquecas)

Para ela, no exemplo (28), o fato de John estocar panquecas levaria à

conclusão de que ele come muitas panquecas, o que colide (clash é o termo

usado) com a informação introduzida por but.

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75

O choque pode dar-se também entre duas conclusões implícitas, suscitadas

por duas premissas conectadas por but, como em:

(29) “Do you know if Mary will be in by nine this evening?

Answer: Well, she`s nearly always in by then, but (I know) she has a lot of

work to do at the library, so I`m not sure.”

(Você sabe se Mary vai estar em casa às nove esta noite? Resposta: Bem,

ela sempre chega por volta das nove, mas (eu sei) ela tem um monte de trabalho a

fazer na biblioteca, então não tenho certeza.)

Em (29), o fato de Mary sempre estar em casa por volta das nove leva à

conclusão de que ela estaria também naquela noite, mas o fato de ter muito

trabalho na livraria funcionaria como premissa para conclusão contrária. Note-se

que Sweetser (1991) vê dois argumentos que se encaminham para conclusões

distintas, ou melhor, mutuamente excludentes. Caberia aqui o mesmo diagrama

apresentado por Koch (2001a) para o exemplo (1). A diferença é que Sweetser

(1991) situa o exemplo em um modelo que visa a encontrar relações entre

diversos domínios da linguagem, o que não pode ser visto como banal.

No nível conversacional, o choque pode dar-se entre as intenções dos atos

de fala:

(30) “King Tsin has great un shu pork, but China First has excellent dim

sum.” (King Tsin tem um ótimo shu pork, mas o China First tem excelente dim

sum).

Em (30), há duas sugestões indiretas apresentadas como atos de fala – ir

comer no King Tsin e ir comer no China First –, donde a gramaticalidade no uso

de but.

Até aqui se viu que Sweetser (1991), assim como Lakoff (1971),

reivindica um papel crucial às informações e conclusões pressupostas na análise

da função gramatical de but, ponto que será relevante para a discussão a respeito

da (in)existência de um domínio do conteúdo para o item.

Analisando o item because, a autora já havia apontado que as relações de

sentido, quando assentadas no domínio do conteúdo, têm ligação com o que se

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sabe sobre o mundo real; já nas relações assentadas no domínio epistêmico as

relações de causa e efeito são construídas mentalmente. Veja-se:

(31) John came back because he loved her. (John voltou, porque a ama.)

(32) John loved her, because he came back. (John a ama, porque voltou.)

Em (31), como a primeira oração é tomada como pressuposta,

compartilhada, é possível entender a afirmativa como se realizando no domínio do

conteúdo. E há uma causa no mundo real que leva John a voltar. Já em (32), a

relação entre as duas proposições dá-se somente no âmbito cognitivo, pois um

fato expresso pelo segmento introduzido por because leva a uma conclusão

declarada no primeiro segmento. A conclusão de que João a ama não pode ser

entendida como compartilhada; só pode, portanto, ocorrer no domínio epistêmico.

Observe-se, porém:

(33) Anna loves Victor because he reminds her first love. (Anna ama

Victor porque ele lembra seu primeiro amor.)

(34) Anna loves Victor, because he reminds her first love. (Anna ama

Victor, porque ele lembra seu primeiro amor.)

Nesse caso, Sweetser (1991) propõe que se apele ao padrão de entoação,

indicado na escrita pela vírgula, para se desfazer a aparente ambigüidade entre os

dois domínios. Em (33), a falta de vírgula sugere que a primeira oração é

informação compartilhada, cuja causa está no mundo real: ele a faz lembrar o

primeiro amor. Já em (34), a primeira oração funciona como conclusão lógica

retirada a partir do conhecimento da informação da segunda oração.

Os exemplos (33) e (34) mostram a dificuldade em se separar os dois

domínios nos tratamento da causalidade, o que pode acontecer também no

tratamento da adversativa but. Muitas ocorrências de but parecem dar-se, em

princípio, em função de um contraste ou colisão observável no mundo real, como

em:

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(35) John eats pancakes regularly, but he never keeps any flour or

pancake mix around. (João come panquecas regularmente, mas nunca tem por

perto qualquer farinha ou mistura para panquecas.)

(36) John is rich but Bill is poor. (John é rico, mas Bill é pobre.)

O que Sweetser (1991) reivindica, porém, é que, por mais que esses

exemplos pareçam ocorrer no domínio do conteúdo, podem ser analisados como

estando também no domínio epistêmico. No primeiro, a primeira oração poderia

levar à conclusão, no nível epistêmico, de que John tenha sempre farinha à mão,

conclusão que se choca com a informação da segunda oração. Torna-se, então,

impossível afirmar categoricamente que but em (35) se encontra no nível do

conteúdo.

Já (36) apresenta-se mais problemático. Trata-se de um típico exemplo

apresentado geralmente como um caso de contraposição ou contraste. Lembre-se

do exemplo (2), de Neves (1984): “-Vou bem, mas você vai mal”. Anteriormente

se questionou acerca de quais seriam a direção e a força argumentativas desse

exemplo tomado em sua totalidade, tendo-se em mente a construção do sentido

global do texto. Ali a pergunta foi proposta em função da base teórica de Neves:

se as duas orações são analisadas, uma em relação à outra, do ponto de vista

argumentativo, cabia perguntar qual a análise que se proporia para as duas juntas

também do ponto de vista argumentativo. Em outras palavras, o que se questionou

foi: por que as entidades “eu” e “você” estariam postas em comparação? Mais do

que isso, aliás: em uma relação de colisão?

A mesma pergunta poderia se apresentar para (36): por que John e Bill

estão sendo comparados com relação a suas posses? Por que estão sendo postos

em “colisão”? Ou, nas palavras de Sweetser (1991), em que nível a riqueza de

John e a pobreza de Bill se chocam? A resposta da autora é: não há nenhuma

barreira no mundo real para a existência simultânea de pessoas pobres e ricas.

Também no mundo epistêmico, não há, em princípio, nada que impeça tal

simultaneidade, tanto que seria possível, no lugar de but, haver and. Tem-se,

então, uma questão teórica e prática a se resolver. Sweetser (1991) propõe que não

há um contraste no domínio do conteúdo, mas um contraste epistêmico entre duas

proposições semanticamente opostas. Não se trata de proposições contraditórias,

mas de proposições que envolvem estruturas lógicas opostas.

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A autora não descarta a possibilidade de haver um uso de but no domínio

do conteúdo, mas afirma não dispor de exemplos cabíveis aí. Sendo assim,

conjunções causais, como because, e elementos como and e como or existem no

domínio do conteúdo porque, respectivamente, no mundo real, A pode causar B, A

e B podem coexistir e A e B podem ser mutuamente excludentes. Mas, no mundo

real, A e B podem colidir? Um exemplo como (37) poderia ser utilizado para

apontar contrastes no mundo, mas também aí as crenças dos interlocutores devem

ser consideradas:

(37) France is Catholic but socialist. (dita durante o governo de

Miterrand) (A França é católica mas socialista.)

O raciocínio desenvolvido por Sweetser (1991) até aqui a leva a contestar

a análise proposta por Lakoff (1971) para o exemplo (22): “John is rich but

dumb”. A leitura que esta propõe à sentença como tendo uma quebra de

expectativa, aquela entende como possível no domínio epistêmico. Já a leitura que

representaria, para Lakoff (idem), uma oposição semântica, Sweetser entende

como se processando no domínio conversacional, pois a mãe hipotética poderia

estar dizendo à filha: “eu sugiro que você não se case com John”, o que anularia a

possibilidade de uma leitura desse exemplo no domínio do conteúdo.

O mesmo raciocínio desenvolvido pela autora para analisar (22) pode ser

utilizado na análise de (2) (“-Eu vou bem, mas você vai mal”), de Neves (1984),

que, apesar de ter um contraste assinalado até mesmo lexicalmente pela

antonímia, não apresenta, em princípio, um contraste plausível: em que medida

uma pessoa ir bem e outra ir mal representa um contraste pertinente e destacável?

O ponto de vista de Sweetser (1991) de que, mesmo em não se descartando

a possibilidade de but ocorrer no domínio do conteúdo, ele ocorre, em princípio,

somente no domínio epistêmico ou no conversacional, será adotado nesta tese

como guia para a análise dos dados referentes não só a mas, como também a todos

os outros itens em estudo.

Já foram relatados, ao longo do capítulo, vários pontos considerados

problemáticos nas análises enunciativas. A seguir se justificará a opção pela

proposta de Sweetser (1991).

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Embora a análise enunciativa pareça dar conta de descrever, segundo

critérios bastante precisos, as diferentes estruturas em que o item ocorra, não

explica, por exemplo, como poderia, do ponto de vista gramatical, um mesmo

item ocorrer em estruturas que, segundo as próprias análises enunciativas aqui

comentadas, podem ser tão diferentes.

Veja-se, ainda uma vez mais, o exemplo (4): “(...) Os médicos vieram ver

Aicá e outras vítimas de fogo selvagem que há no Xingu. Mas vieram

principalmente para Aicá, que quando adoeceu já vivia nas cercanias do Posto e

que sempre foi um índio muito bom. (...)”. Em um modelo teórico que toma a

questão da direção argumentativa como fundamental na descrição dos fatos

lingüísticos, não parece banal que mas possa ocorrer tanto em casos em que os

argumentos são encaminhados na mesma direção, quanto em casos em que os

argumentos são encaminhados em direções opostas.

Já se disse que mas introduz um argumento a ser focalizado como

superior, nas palavras de Neves (1984). Ver Aicá é tido como mais importante do

que ver as demais vítimas da doença. Se se entende, conforme Sweetser (1991),

que o choque entre duas proposições acontece no domínio epistêmico e, conforme

Lakoff (1971), que as pressuposições podem construir-se em contextos

estritamente localizados, então se pode entender que, em (4), mas introduz uma

afirmação que, naquele contexto, contraria a pressuposição de que Aicá estivesse

em relação de igualdade com os demais doentes.

Neves (1984) encontra mais de vinte classificações para mas. O trabalho

vale principalmente para se depreender que, apesar das diversas nuances

encontradas, os exemplos guardam o traço semântico comum da desigualdade. No

entanto, conforme os dados de que se disponha, os tipos apontados pela autora

podem não ser suficientes para uma análise que investigue as relações entre as

ocorrências. Donde, nesta tese, não se pretende apresentar um quadro que discorra

sobre todas as diferenças passíveis de serem encontradas entre os dados reunidos.

Veja-se também o exemplo dado por Vogt & Ducrot (1980): “Tenho

vontade de passear, mas tenho dor nos pés”. A sentença seria hipoteticamente uma

resposta de alguém que tivesse sido convidado para passear. Para os autores, ter

dor nos pés é um argumento oposto à conclusão sugerida pela afirmação do

locutor de que tem vontade de passear. O exemplo é usado para mostrar que, em

frases nas quais ocorra mas(PA), tem-se o mesmo movimento argumentativo da

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estrutura comparativa A magis quam B. O objetivo do referido trabalho é

encontrar uma possível filiação histórica entre as duas estruturas.

Note-se que os dois argumentos da sentença (“tenho vontade de passear” e

“tenho dor nos pés”) poderiam, em princípio, ocorrer no domínio do conteúdo de

Sweetser (1991). No entanto, ambos só se chocam se se depreende, no nível

epistêmico, que o primeiro levaria a uma conclusão que passa a ser negada pelo

segundo, uma conclusão pressuposta, e não declarada.

O fato é que os trabalhos variam em grande escala com relação à

terminologia que empregam para referir-se a informações processadas além dos

dados lingüísticos propriamente ditos: conclusões não declaradas, inferências,

pressuposições, quebras de expectativa. A terminologia é farta. Mas aquilo que a

semântica enunciativa chama de não-dito, que por sinal lhe é muito caro do ponto

de vista epistemológico, se não ocorre na língua, ocorre em alguma outra

instância, então.

Sweetser (1991), ao indicar que esses não-ditos todos podem ocorrer em

dois únicos domínios – o epistêmico e o conversacional –, apresenta uma proposta

de análise que dá conta de identificar múltiplas relações estabelecidas entre os

vários usos de mas.

As análises enunciativas comentadas não observam que as ocorrências de

mas de um modo geral, se não em sua totalidade, estão plenas de não-dito.

As análises enunciativas e pragmáticas se preocupam com os efeitos que

atos de fala como os encontrados em (14) têm no mundo, o que, claro, é uma

preocupação pertinente a qualquer teoria lingüística que analise a língua em uso.

A proposta de Sweetser (1991) dá conta de esclarecer como, do ponto de vista

gramatical e cognitivo, o mas encontrado nesses exemplos relaciona-se

semanticamente com os demais usos do item que não propriamente em contextos

conversacionais.

4.9 Sobre a motivação da gramaticalização de mas

Esta seção será dividida em duas subseções. A primeira apresentará tanto a

plausibilidade quanto a fragilidade da hipótese da motivação metonímica como

explicação para a gramaticalização de mas.

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A segunda proporá a motivação metafórica como mais elucidativa e mais

explicativa para o processo de mudança de sentido experimentado pelo item.

4.9.1 Sobre a hipótese da motivação metonímica

Barreto (1999, pp. 246-251) apresenta a evolução cronológica de mas. A

partícula era, inicialmente, empregada na formação do grau comparativo de

adjetivos desprovidos da marca morfológica –ior. O uso com esses adjetivos

específicos estendeu-se aos demais, em substituição a –ior. Posteriormente,

segundo ainda Barreto, a partícula juntou-se a sed, que era a conjunção mais

empregada no latim, para indicar uma ação que ocorreria em preferência a uma

outra. Daí (do uso com sed), mas passou a ser usado isoladamente, devido a um

suposto processo metonímico, o qual teria permitido que o elemento assumisse o

valor semântico de sed e “terminasse por eliminá-lo da frase”.

Para Barreto, magis sofreu, então, três processos inclusos no processo

maior da gramaticalização: o da recategorização, pelo qual ele passou de advérbio

a conjunção; o da sintaticização, pelo qual se redistribuiu na sentença; o da

semanticização, pelo qual mudou o conteúdo semântico.

Com base nas mudanças semânticas, Barreto afirma que o elemento teria

cumprido a seguinte trajetória: espaço > tempo > texto. A autora ainda esclarece:

O advérbio significando ‘tanto mais’, e expressando, de certo modo, uma noção de espaço, passou a ser usado como reforço adverbial, ao lado da conjunção adversativa sed, para indicar uma ação que ocorreria de preferência a uma outra, e que era, portanto, um ‘tanto mais’ necessária ou um ‘tanto mais’ esperada, ou ainda, um ‘tanto mais’ previsível. Estendeu-se, posteriormente, à noção de tempo, vindo finalmente a expressar um sentido nocional. (Barreto, 1999, p. 248)

Não está claro a quais sentidos de mas se ligam as noções de espaço e

tempo. Talvez no uso de sed e magis, em que se tem uma ação que se prefere a

outra, possa se entender preferência como antecedência temporal, mas essa parece

ser uma observação pouco relevante para se chegar à motivação do processo como

um todo. O sentido nocional, típico da conjunção, se ligaria ao ponto que, na

referida escala, corresponde a texto.

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A conjunção é empregada, no português medieval, conforme lembra

Barreto (1999), como “mero seqüenciador, mero encadeador da narrativa”, uso

que perdura até os dias atuais. Nos exemplos do português arcaico – como se verá

adiante –, mas aparece maciçamente assumindo essa função. Para Barreto, tem-se

aí uma discursivização, que seria um novo processo de gramaticalização.

Na seção 4.6, já foram comentados casos semelhantes existentes no

português contemporâneo e analisados por Castilho (1997). Lembre-se que, para o

autor, esse uso discursivo de mas foi favorecido pelo fato de o item ter, como

advérbio, além do sentido intensificador, o sentido também inclusivo, como se vê

em “precisamos de mais lingüistas”, exemplo do autor.

Na referida seção, destacou-se que, mesmo nos exemplos de Castilho, em

que mas se encontra como conectivo textual, é possível, muitas vezes, depreender-

se um sentido contrajuntivo, se não evidente, pelo menos sugerido.

Também Barreto, ao comentar o uso de mas como seqüenciador no

português arcaico, destaca que, ainda nesses casos, “mas imprime o sentido

opositivo a algo expresso anteriormente”. A autora afirma ainda que o item, em

seu uso discursivo, serve como “elo de ligação entre unidades comunicativas” e

que o sentido de oposição se conserva porque não teria havido um novo processo

de semanticização, como no caso da passagem de advérbio a conjunção. Por outro

lado, Barreto afirma ter ocorrido uma sintaticização, já que mas, como elemento

do discurso servia de elo entre unidades comunicativas, o que o obrigava a ocupar

uma posição interfrasal. Como se viu, parece que a autora entende o processo

chamado por ela de discursivização como posterior ao da gramaticalização.

Voltando à questão da motivação, viu-se que Barreto assume que magis,

ao lado de sed, foi influenciado metonimicamente por essa conjunção latina,

passando a ocupar-lhe o lugar nos contextos em que eram empregados um ao lado

do outro.

Da mesma forma, a autora concorda com Castilho (1997), quando este

afirma que, no caso de mas contrajuntivo, sua recategorização definitiva deu-se a

partir da influência metonímica de partículas negativas, como não, empregadas no

mesmo contexto do item.

Sendo assim, Barreto (1999) aponta a metonímia como tendo sido fator

motivador da gramaticalização de mas nos contextos em que era empregado ao

lado de sed ou ao lado de palavras negativas. E, no caso de mas discursivo, a

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motivação teria vindo do sentido de soma que se encontra no uso do advérbio

latino magis.

Apoiando-se ainda em Castilho (1997), a autora também admite que, em

português, a gramaticalização de mas tem

duas faces que convivem sincronicamente: uma face discursiva textual-interativa, em que o item preserva o valor semântico do advérbio de inclusão, e uma face sintática, fruto da gramaticalização desse advérbio, em que se abstratiza o valor de inclusão e se desenvolve o valor de contrajunção (Barreto, 1999, p. 251)

Com base nesses pontos de vista, a autora afirma que o item mas parece

apresentar, na língua portuguesa, duas diferentes escalas de abstratização:

(i) advérbio > conjunção > marcador conversacional ↓ ↓ ↓ quantidade inclusão > inclusão inclusão

(ii) advérbio > conjunção > encadeador > marcador conversacional ↓ ↓ ↓ ↓ quantidade inclusão contrajunção > Ø inclusão contrajunção

Das duas escalas acima, podem-se depreender várias conclusões.

Primeiramente, embora Castilho (1997, p. 112) afirme que é ilusório supor que

haja uma grande nitidez separando os traços de inclusão e de contrajunção, a

escala focaliza justamente tal separação, tomando-a como plausível.

Se a mudança de mas pode ser dividida em duas escalas, a afirmação de

Barreto (1999) citada anteriormente de que o uso discursivo do elemento, no

português arcaico, deriva de seu uso como conjunção perde sentido, já que a

própria autora vê o uso discursivo como aquele em que mas é empregado como

“mero seqüenciador, mero encadeador da narrativa”. Veja-se, em (38), o exemplo

que Barreto usa para ilustrar o que ela chama de mas discursivo, que seria um

“mero” encadeador:

(38) Mas as estórias que em ela parecem, esto vos pareceria, grave cousa

de creer, a menos que o vissedes.

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O exemplo foi retirado da “Lenda do Rei Rodrigo”. Como na citação não

consta o trecho anterior ao emprego de mas, torna-se difícil identificar a função do

elemento como “mero seqüenciador”. Acredita-se que mas, nesses casos, como se

verificará na análise dos dados, é seqüenciador, mas não “mero” seqüenciador, já

que aí também está resguardado o sentido opositivo, como afirmou Barreto

(1999), que assim o exemplifica no seguinte exemplo, retirado da “Demanda do

Santo Graal”:

(39) “As sas duas irmããs que eram mui coitadas póla as morte começaron

a braadar:

Mas nós sabemos que tu tẽẽs a vida dos apóstolos, alímpias os gafos e

alumeas os cegos, vem-te resuscita o nosso morto”.

Um ponto discutível nas escalas é o fato de elas apresentarem magis

(advérbio) como tendo sentido de quantidade/inclusão, sem esclarecer que o uso

do advérbio como intensificador já é uma abstratização de seu uso com sentido de

“incluir quantidade”. E o sentido intensificador, visível nos comparativos de

superioridade, não parece ser negligenciável, haja vista o trabalho de Vogt e

Ducrot (1980). Colocar mas encadeador como derivado de mas conjunção parece

inconsistente, pois, do ponto de vista quantitativo, o primeiro é visivelmente mais

empregado no português arcaico do que o segundo e, apesar de ser discutível a

relação entre freqüência e motivação, a tese de Barreto apóia-se nessa suposta

relação. Na verdade, se mas encadeador pode apresentar o mesmo sentido que

mas conjunção, não há por que estabelecer uma relação de derivação entre eles.

Poder-se-ia argumentar que não se trata do mesmo sentido, mas sim de sentidos

próximos e que a ambigüidade é própria da gramaticalização, mas, em muitos

casos a que Barreto atribuiria a função discursiva, o sentido é de contrajunção

evidente.

Barreto (1999) elabora as escalas acima a partir da leitura de Castilho

(1997). Resumidamente, pode-se dizer que ela retoma as idéias do autor da

seguinte maneira: o valor inclusivo do advérbio magis, exemplificado por (a)

“Precisamos de mais professores de português”, favoreceu seu emprego em

sentenças afirmativas como (b) “... a gente vive de motorista o dia inteiro, mas o

dia inteiro”, que favoreceu seu uso contrajuntivo em sentenças negativas, em que

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a oposição ainda se concentra na negação que pode vir expressa pelo advérbio

não, como em (c) “... ela está lá mas não funciona”; o último caso, por sua vez,

favorece que o uso conjuntivo se faça mesmo em sentenças afirmativas como (d)

“... as mais velhas estão entrando na adolescência mas são muito acomodadas”.

Barreto afirma que esses são “passos” seguidos pelo item mas durante a

mudança que experimentou ao longo do tempo. Com base nos exemplos (c) e (d),

afirma que, por metonímia, mas “incorpora o sentido negativo e recategoriza-se

definitivamente como conjunção adversativa dispensando contextos em que a

negação esteja presente”.

A autora entende, portanto, que tanto sed quanto não ou palavras

similarmente negativas teriam favorecido, por metonímia, a gramaticalização de

mas. A metonímia, no caso, embora não especificado pela autora, parece estar

sendo tomada como processo similar à reanálise.

Sobre os exemplos dados por Barreto (1999), podem ser feitas as seguintes

observações. No exemplo (b), se não se vê uma relação de oposição evidente, não

se vê também apenas uma inclusão. O exemplo assemelha-se bastante ao exemplo

(4), comentado anteriormente, que Neves (1984) analisou como um caso de

argumentos encaminhados na mesma direção. Sobre o exemplo de Neves, a visão

aqui adotada foi de que o argumento introduzido por mas é um argumento que se

destaca e que, no domínio epistêmico, os dois argumentos podem ser entendidos

como indiretamente opostos, o que justifica o uso de mas.

Também em (b), mas está introduzindo uma informação destacada. Ao que

parece, nem mesmo se apelando a uma análise do exemplo levando em conta o

domínio epistêmico, seria possível identificar uma relação opositiva. Mas, se se

trata de um destaque informacional, pode-se falar, também neste caso, em foco e

fundo. E a questão que se coloca é: a relação entre foco e fundo não poderia ser

entendida como próxima à relação comparativa? A relação comparativa, presente

na formação do comparativo de superioridade, favoreceu o uso, nesse contexto, do

intensificador magis, que daí se estendeu a outros contextos marcados por

comparação, se se concorda com Neves (1984) que todos os usos de mas têm em

comum o traço da diferença, o qual advém do raciocínio comparativo.

Sobre a hipótese de o uso de mas próximo a palavras negativas, como (c),

ter originado os usos definitivamente adversativos, como (d), cabe a pergunta: o

que teria levado mas a ser empregado em posição próxima a palavras negativas?

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Como se viu, a hipótese de Castilho (1997), referendada por Barreto (1999), é que

o sentido inclusivo da conjunção permitiu-lhe ligar blocos informativos diversos

entre os quais aqueles caracterizados pela junção de um bloco de informação

afirmativa ao qual se contrapõe outro de informação negativa.

Essa é uma hipótese bastante fundamentada, sem dúvida. Na verdade, o

que se teria é que mas, tanto com sentido inclusivo, quanto com sentido

adversativo, estaria funcionando em prol da coesão textual. Nos próximos

capítulos, será mostrado que o mesmo aconteceu com os outros elementos aqui

tratados como conjunções adversativas: funcionavam em prol da coesão

referencial e daí passaram a funcionar em prol da coesão seqüencial. Tem-se,

portanto, uma hipótese bastante plausível. Certamente uma análise quantitativa

ajudaria a testá-la, já que poderia avaliar a freqüência de uso do item como (i)

advérbio de inclusão, (ii) advérbio de intensidade, (iii) advérbio contíguo a sed,

(iv) advérbio ou conjunção próximos a palavras negativas, (v) elemento

encadeador da narrativa.

Como não se dispõe de nenhuma análise quantitativa nesse sentido e como

também não se sabe até que ponto, se existisse, ela seria confiável, as reflexões

que podem ser feitas acerca da hipótese relatada são as seguintes. Se o uso de mas

próximo a palavras negativas permitiu-lhe incorporar-lhes o sentido e

recategorizar-se mesmo em contextos desprovidos desses elementos e se se vê aí

uma relação de derivação, então se parte do pressuposto de que o uso de mas era

freqüente no referido contexto. O que se pergunta é: se mas ligava períodos ou

blocos de idéias, devido a seu sentido inclusivo, então se assemelhava a e, cuja

função principal, no português medieval, era adicionar informações. Por que mas

teria como função adicionar em especial idéias opostas?

Note-se que aqui não se está nem aceitando nem refutando a hipótese de

que o processo de gramaticalização dependa da alta freqüência do item em foco

em um dado contexto. Essa é uma questão fora do alcance desta tese, que não

dispõe de análises quantitativas. O que se está afirmando é que todas as hipóteses

sobre a gramaticalização de mas que defendem a motivação metonímica

assentam-se na hipótese de que gramaticalização e freqüência relacionam-se

diretamente, embora nenhuma dessas hipóteses se apóie de fato em alguma

análise quantitativa.

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Dadas as fragilidades da hipótese da motivação metonímica, ela é tida aqui

como insuficiente para dar conta da gramaticalização de mas. A proposta que se

apresenta é que a hipótese da motivação metafórica será mais explicativa e

elucidativa.

4.9.2 Em defesa de uma explicação com base na motivação metafórica

Na subseção imediatamente anterior, foram apresentados os argumentos

em que se pauta a hipótese da motivação metonímica. Viu-se que a principal

fragilidade de tal hipótese é apoiar-se em uma suposta e hipotética freqüência do

item mas em determinados contextos lingüísticos.

Aliada a essa idéia, há outra nem sempre declarada, mas depreensível da

base argumentativa dos trabalhos que defendem a metonímia como explicação

para o fenômeno em pauta: a de que haja uma derivação entre os diversos sentidos

apresentados por mas, uma derivação linear e escalar. Veja-se: se mas se

gramaticaliza a partir de uma suposta influência metonímica de sed sobre magis,

então se supõe que o sentido do item nesse contexto é anterior a todos os outros

sentidos que o item venha a apresentar. Da mesma forma, se se acredita que a

influência metonímica tenha sido ocasionada por palavras negativas, então, por

conseqüência também se acredita que o sentido originário de mas seja o de

contraste opositivo.

A partir daí seria necessário encontrar relações derivativas e, mais ainda,

dispô-las em ordem escalar, o que seria uma tarefa inglória, sem dúvida. Como

definir todos os sentidos possíveis de mas, ainda mais quando se dispõe de dados

escritos, que não podem apresentar todos os usos que o item tenha apresentado na

língua falada e que seriam necessários para a construção de tal escala?

Por outro lado, se se entende que a metáfora possa ter atuado sobre a

mudança magis > mas e sobre as mudanças que garantiram a mas apresentar uma

enorme gama polissêmica ao longo do tempo, resolve-se uma série de questões

envolvidas aí. Relembre-se que todas as análises de mas relatadas neste capítulo

autorizam que se veja o sentido básico de mas como o da diferença, nas palavras

de Neves (1984). Ou seja, sua função básica é a de ligar segmentos que guardam,

entre si, uma relação de “choque”, nas palavras de Sweetser (1991).

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Se se entende que o traço da diferença só pode ser depreendido pela

comparação, então faz sentido afirmar que o traço da desigualdade “se relaciona

com o próprio significado do étimo latino magis” (Neves, 1984, p. 21).

Vogt & Ducrot (1980) haviam proposto que tanto mas(SN) quanto

mas(PA) derivam historicamente de magis, usado como advérbio de intensidade

no comparativo de superioridade. Observe-se que o uso de magis no sentido de

intensidade já é fruto de uma metaforização de magis inclusivo. No caso de

magis, no comparativo de superioridade, sua função era, à falta da marca

morfológica, intensificar o sentido expresso pelo adjetivo.

Talvez a expressão do comparativo seja aquela em que mais se evidencie a

relação entre magis intensificador e seu aproveitamento como a conjunção mas,

conforme demonstra o trabalho de Vogt & Ducrot (1980). O sentido intensificador

do advérbio, ao permitir que se diferenciem um termo comparado e outro

comparante, lhe propiciou suprir a falta morfológica em alguns comparativos de

superioridade e, daí, a expressão comparativa passa a ser quase categoricamente

construída com o auxílio do advérbio intensificador, haja vista a perda da

morfologia latina específica para o grau comparativo.

Se magis/mais é tão propício à estrutura comparativa e se a estrutura

adversativa se relaciona intimamente com o raciocínio comparativo, torna-se clara

a motivação do uso de mas na estrutura adversativa, tenha esta estrutura qualquer

uma das suas várias especificidades possíveis, como as muitas que foram relatadas

ao longo do capítulo. Assim, torna-se desnecessária a análise da força e direção

argumentativas das orações interligadas por mas(SN) e mas(PA), como a proposta

por Vogt & Ducrot (1980).

Outra vantagem da adoção desse ponto de vista é que ele permite explicar

por que, pelo menos aparentemente, havia um emprego freqüente de mas em

ambientes que continham partículas negativas. Um contexto lingüístico cujo

sentido global baseia-se em uma comparação por diferenciação – seja em que

domínio da linguagem for – é propício para o uso de mas e de partículas

negativas. Como estas não são imprescindíveis à marcação da diferença, pode ser

que ocorra somente mas. De qualquer forma, é o sentido de um contexto

lingüístico tomado em sua totalidade que pede o uso de mas, elemento que

assinalará esse sentido comparativo gramaticalmente. Portanto, mas não precisa

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ter sido empregado ao lado de palavras negativas para daí estender seu sentido a

outros contextos também marcados pelo sentido comparativo.

A projeção metafórica permite explicar também por que mas, e não sed,

tenha se incumbido de assinalar gramaticalmente, como conjunção, o sentido da

diferença em contextos que anteriormente continham sed magis.

Como lembra Barreto (1999, p. 246), sed era a “conjunção adversativa

mais empregada no latim, para indicar uma ação que ocorreria de preferência a

uma outra”. O exemplo dado pela autora foi retirado de Ernout & Meillet (1932):

“...nom ex iure manum consertum, sed magis ferro rem repetunt”, que foi

traduzido ainda por Barreto (1999) da seguinte maneira: “têm a mão presa não por

direito, porém pela força e assim impõem alguma coisa”.

Conforme se vê, há uma comparação entre ter a mão presa por direito, o

que é negado, e ter a mão presa pela força, o que é afirmado. No caso, magis

ocorre no segmento que representa a afirmação, certamente para intensificá-la. Se

“uma ação ocorre de preferência a uma outra”, é compreensível que se

intensifique a preferência com o uso de magis, que passa, então, a ocupar o lugar

de sed, que, por sua vez, já se encontrava em posição típica de conjunção.

Dessa forma, magis, que lhe era adjacente, já se encontra em posição de

conjunção, quando sed lhe cede lugar. Talvez seja esse um dos fatores que

contribuíram para essa substituição, além do fato de mas já estar se

gramaticalizando em conjunção. De qualquer forma, está configurada, mais uma

vez, a projeção metafórica sofrida por magis: de advérbio intensificador projeta-se

como marcador gramatical do sentido comparativo em estruturas adversativas.

No segundo capítulo, comentou-se a importância da polissemia no

processo de gramaticalização de um modo geral, o que tem sido destacado em

trabalhos como os de Heine et al (1991), Hopper & Traugott (2003) e Sweetser

(1991), sendo que o último demonstra que a polissemia liga-se à projeção entre

domínios que se verifica na expansão de sentido sofrida por itens em

gramaticalização. Sendo assim, os sentidos sutilmente diferentes atribuídos a um

mesmo item relacionam-se entre si e o fazem principalmente graças à projeção

entre domínios, como a existente entre os usos de but vistos, por exemplo, nas

ocorrências (28) e (30) deste capítulo. As mesmas projeções vistas entre (28) e

(30) sincronicamente em inglês podem ser encontradas nos usos de mas já mesmo

em suas origens medievais. Ainda em conformidade com Sweetser (1991), as

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polissemias sincrônicas podem oferecer pistas sobre o desenvolvimento

diacrônico de uma forma lingüística.

Tomar a projeção metafórica como motivação da gramaticalização de mas

permite que se averigúem as relações existentes entre as diversas nuances de

sentido que constituem sua vasta rede polissêmica, sem que para isso se tenha que

dispô-las em uma escala linear.

O traço básico da diferença, que se depreende do raciocínio comparativo,

pode ser projetado metaforicamente, a partir do domínio do conteúdo (em que se

encontram, por exemplo, ocorrências do tipo A magis quam B), aos domínios

epistêmico e conversacional, sendo que um determinado sentido não precisa

necessariamente passar por todos esses domínios para se realizar.

Dessa forma, a projeção metafórica é entendida mais do que como a

abstratização de sentidos concretos. Confirmando Sweetser (1988), na mudança

de significado de magis > mas, houve a manutenção do traço básico da

desigualdade, e aqui não se discutirá se, em algumas ocorrências, a manutenção

foi do traço de inclusão ou de ambos. O fato é que, de alguma forma, os vários

sentidos de mas ligam-se a um sentido básico do item.

Sweetser (1991) entende ainda que a projeção entre um significado lexical

e outro gramatical é, na verdade, a projeção da estrutura topológica de um

domínio fonte a um domínio alvo. Por estruturas topológicas entende-se unidades

inferenciais abstratas. Não se pode dizer que magis seja um item lexical

propriamente dito, porém, como advérbio, é um item menos gramatical do que

mas como conjunção. Por suas propriedades sintáticas e semânticas, conjunções

formam uma classe mais gramatical do que a dos advérbios, conforme se disse no

primeiro capítulo.

Na subseção anterior, viu-se que Barreto (1999) propõe para mas a

seguinte trajetória evolutiva, no que tange ao sentido: espaço > tempo > texto. A

autora não explica claramente a que sentido de mas se refere cada um dos pontos

da escala.

Certamente assim podem ser entendidos os pontos da escala: por espaço se

entende o sentido de magis inclusivo, que faz referência à inclusão, em um

mesmo espaço, de elementos diversos. Por tempo, talvez se esteja entendendo o

sentido que mas assume na expressão sed magis. A preferência diria respeito à

antecedência de uma ação em relação a outra. E texto faria referência aos diversos

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usos de mas já gramaticalizado como conjunção. Todos esse sentidos, contudo,

indicam abstratizações. Magis inclusivo pode somar elementos em um espaço

físico determinado como pode somar qualidades de um mesmo objeto, como em

“E toda rem que entendeu per que aquela corte seeria mais viçosa e mais leda todo

o fez fazer” (Demanda do Santo Graal, tít. 1, fólio 1a), onde se vê que o elemento

liga termos não quantificáveis. Entender magis de preferência com o sentido de

temporalidade já é também fruto de uma abstratização.

Quando se fala na projeção entre estruturas topológicas não é exatamente

na projeção da escala de Barreto (1999) que está falando. Está-se falando de um

magis intensificador, usado em estruturas comparativas (por estruturas

comparativas podem-se entender inclusive aquelas em que se encontra sed magis),

que se projeta em uma estrutura adversativa, realizada através de uma gama

enorme de sentidos polissêmicos de mas.

Em meio a essa mudança de sentido por que passa, magis perde massa

fonética, tornando-se mas, como acontece nos casos típicos de gramaticalização.

4.10 Análise dos dados de mas

Os dados analisados, tanto com relação ao item mas quanto com relação

aos demais, foram retirados de um corpus do século XXI, composto por textos do

caderno de economia e por artigos de opinião dos jornais Folha de São Paulo e O

Estado de São Paulo (doravante FSP e ESP, respectivamente), e de diversos

textos pertencentes ao período arcaico ou ao início do período moderno do

português. Os dados dos jornais foram gentilmente cedidos por Hélcius Pereira,

que, enquanto doutorando da USP, organizou um corpus com textos retirados dos

referidos jornais.

Nesta tese, no entanto, não se pode falar em corpora, já que, embora

tenham sido consultadas fontes diversas exaustivamente, os dados utilizados o

foram tão somente como casos ilustrativos de ocorrências que pareceram bastante

representativas. A análise foi qualitativa, sem que houvesse nenhuma preocupação

com análises quantitativas.

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A análise se iniciará pelos dados contemporâneos para que, a partir da

leitura de dados cuja inteligibilidade será mais acessível, se possam traçar

estratégias de leitura dos dados medievais.

4.10.1 Análise dos dados contemporâneos

(40) Lula ainda explicou: "O nosso interesse pela Venezuela não é pelo

Chávez, não é pela oposição, mas pela própria Venezuela, onde temos interesses,

além dos interesses geopolíticos". (ESP, 27/01/2003)

Em (40), tem-se, na fala reportada de Lula, uma ocorrência semelhante à

de dois exemplos tratados por Vogt e Ducrot (1980), conforme visto na seção 4.3,

a saber: “Non equidem invideo, magis miror” (= “Eu não tenho inveja, mas

sobretudo espanto”) e “Id, Manli, non est turpe, magis miserum est” (= “Não é

vergonhoso, Manlio, é sobretudo infeliz”). Independentemente da tradução exata

que se dê às sentenças, o fato é que ambas negam uma idéia e lhe contrapõem

outra como verdadeira. Vogt e Ducrot (1984) destacaram que a idéia negada diz

respeito a um argumento de outro falante, que é reportado e rebatido pelo falante.

Na seção referida, já se comentou suficientemente o ponto de vista dos autores

sobre as sentenças dadas. É bastante visível, portanto, sua semelhança com o

exemplo (40).

Para se entender que a fala de Lula funciona como réplica, resposta a uma

acusação, declarada ou não, de que ele se interessaria por Chávez e pela oposição,

não é necessário ler a íntegra da reportagem intitulada “Presidente rejeita

comparação com a Venezuela”, que trata do fato de, em um dado evento, algumas

pessoas terem questionado a proximidade entre o governo brasileiro e o

venezuelano. Não se precisa nem mesmo ter conhecimento do fato histórico em

pauta. A construção frasal vista em (40) é facilmente depreensível, por falantes de

português, como sendo de réplica.

No entanto, cabe destacar alguns pontos que diferenciam a análise aqui

proposta daquela sugerida por Vogt e Ducrot (1980). Os autores tratam de

sentenças retiradas diretamente do latim, que, para eles, exemplificam o uso de

magis na função de conjunção adversativa já mesmo nessa língua. Segundo eles,

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esse uso seria possível por se assemelhar semanticamente a frases tipicamente

comparativas como A magis quam B. Haveria aí, segundo a análise enunciativa

proposta, uma derivação histórica entre as duas estruturas, justificada pela relação

semântica.

Seria difícil investigar se, para o falante de português contemporâneo, uma

frase como a relatada em (40) seria possível por se encontrar já mesmo no latim

ou por ser um dos sentidos que compõem a vasta rede polissêmica de mas. Em

outras palavras, a declaração vista em (40) seria a herança histórica da referida

construção frasal latina ou exemplificaria um entre muitos usos possíveis de mas,

que já é um elemento tido pelo falante como gramaticalizado e como próprio a ser

usado entre segmentos cujos sentidos se diferenciam, quando não se chocam – nas

palavras de Sweetser (1991)?

Embora se considere a questão como pertinente, aqui não se tentará dar

uma resposta definitiva a ela. É muito mais pertinente observar que, no trecho “o

nosso interesse pela Venezuela não é pelo Chávez”, tem-se uma informação

pressuposta em vários sentidos. Quando o autor da frase nega ter interesse por

Chávez, torna-se claro para os eventuais ouvintes ou leitores da frase que ela nega

uma idéia tacitamente tida como possível (ter interesse por Chávez). Da mesma

forma, o autor da frase só nega tal interesse por reconhecê-lo como possível para

seus interlocutores.

Dessa forma, a gramaticalidade da sentença só se garante em função de

uma relação de sentido que envolve informações para além daquelas que se

encontram literalmente expressas. A contrajunção, portanto, dá-se no nível

epistêmico. No caso, no domínio epistêmico é que interessar-se pela Venezuela e

interessar-se por Chávez são excludentes. Trata-se, assim, de uma operação

cognitiva bastante elaborada e que, no entanto, assemelha-se à que se depreende já

mesmo dos exemplos apontados por Vogt & Ducrot (1980) como representantes

de um suposto sentido originário de mas.

O exemplo (40) confirma, então, dois pontos de vista já defendidos neste

trabalho. O primeiro diz respeito à tentativa de se colocar os sentidos possíveis de

mas em uma escala que indicaria relações de derivação entre eles, o que se torna

questionável e, se o que se quer é encontrar a motivação conceptual que permite a

existência de uma rede polissêmica como a de mas, torna-se, ao mesmo tempo,

pouco explicativo.

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O segundo diz respeito à análise argumentativa proposta por Vogt e

Ducrot (1980). Ela confirma a relação conceptual existente entre a estrutura

adversativa e a comparativa, mas não esclarece como se processa essa relação

cognitivamente. Ela não esclarece onde se encontra o “não-dito” em estruturas

como (40); apenas o identifica como subentendido. Se se entende que o não-dito

se processa em domínios que não o do conteúdo, é fácil relacionar estruturas

como (40) e outras que também apresentem não-ditos como pertencendo a uma

mesma rede polissêmica. Veja-se agora (41):

(41) No discurso, o presidente falou sobre as mudanças que estão sendo

operadas na economia brasileira, centradas na busca do crescimento econômico

para tornar viável a distribuição de renda, na estabilidade, na clareza das regras

econômicas e no combate à corrupção.

Segundo ele, o Brasil precisa superar problemas em suas contas externas

para "sair do círculo vicioso de contrair novos empréstimos para pagar os

anteriores." Explicou que o Brasil precisa exportar mais, mas que isso colide com

as práticas protecionistas dos países desenvolvidos. "De nada valerá o esforço

exportador que venhamos a desenvolver se os países ricos continuarem a pregar

o livre comércio e a praticar o protecionismo", afirmou.

Mais tarde, quando respondia às perguntas da platéia, o presidente voltou

à carga: "Eu respeito o direito de todo o mundo, mas quero que os outros

também respeitem o direito do Brasil. Não queremos ser tratados como cidadãos

de segunda categoria." (ESP, 27/01/03)

Em (41), têm-se novamente exemplos em que o item mas só pode ser

analisado se for considerado o sentido global do texto. Nem a primeira nem a

segunda ocorrência poderão ser compreendidas como uma diferenciação entre

duas idéias que se dê no nível do conteúdo. Observe-se que há duas falas

reportadas postas em relação, ambas funcionando como complemento verbal de

“explicou”: “que o Brasil precisa exportar mais” e “que isso colide com as

práticas protecionistas dos países desenvolvidos”. Em que medida a primeira

oração completiva se choca com a segunda, tornando gramatical, na sentença, o

uso de mas? Por que aí não foi usada uma conjunção como e, que apenas

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mostraria que as duas falas pertencem a um mesmo conjunto? Ou, então, mas, no

caso, estaria tão somente juntando informações, como o faria e?

Na verdade, o que se tem aí é que a segunda oração completiva (“que isso

colide com as práticas protecionistas dos países desenvolvidos”) choca-se com a

primeira (“que o Brasil precisa exportar mais”) por questões lógicas. As práticas

protecionistas dos países desenvolvidos pode impedir que se cumpra uma

declaração apresentada anteriormente: se se afirma, em um discurso político, que

o Brasil precisa exportar mais, isso pode ser entendido como uma promessa,

passível de impedimento pelo fato de chocar-se com práticas protecionistas. Para

se entender a sentença, é preciso entender que tais práticas podem ser fortes o

suficiente para impedir a realização de uma promessa. Mais uma vez, no domínio

epistêmico e não no do conteúdo, é que se processou a relação semântica.

Já na segunda ocorrência de mas, em (41), fica mais claro que as duas

orações ligadas por mas, em uma mesma declaração, só podem ser entendidas

como conflitantes se se leva em conta que a segunda diz respeito a informações já

mencionadas no decorrer do texto, como a de que os países desenvolvidos

praticam protecionismo. Mais uma vez, a relação adversativa não se constrói no

domínio do conteúdo, mas a partir de relações processadas no domínio

epistêmico. Não há, em princípio, contrajunção entre Lula querer respeitar o

direito dos outros e querer ter os seus direitos também respeitados. Numa situação

como essa, a colisão só se dá, no caso, se há informações no contexto ou

previamente conhecidas pelos interlocutores que indiquem desrespeito por parte

do outro aos direitos de quem fala.

Mesmo que se queira situar o exemplo citado no domínio conversacional –

já que se encontra em um discurso reportado –, sua compreensão, também nesse

caso, se dará graças a operações mentais processadas para além das meras

informações do mundo real. No caso de aceitar que o exemplo ocorre no domínio

conversacional, poder-se-ia depreender aí dois atos de fala conflitantes: um em

que o Presidente promete respeitar o direito dos outros; outro em que condiciona

tal promessa. Nesta tese, como os exemplos utilizados pertencem a dados escritos,

será difícil encontrar exemplos típicos do domínio conversacional, mas, de

qualquer forma, é possível perceber, pelos discursos relatados, a relação existente

entre esse domínio e o epistêmico.

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As duas ocorrências de mas em (41) reforçam duas idéias já apresentadas

na tese em diferentes pontos. Primeiramente, a de que mas não traz em si o

sentido capaz de conferir gramaticalidade e inteligibilidade a um texto. Seu

sentido básico é o de adversidade – ele liga segmentos que guardam entre si

relações contrajuntivas –, contudo para se depreender a contrajunção é preciso

considerar o texto como um todo, sendo que, muitas vezes, nem mesmo o sentido

dos dois segmentos ligados é o bastante para se entender o porquê do uso de mas

em um dado contexto. As informações podem estar “diluídas” ao longo de todo o

texto, chegando ao nível do não-dito, do não-declarado. Isso certamente explica

por que os exemplos utilizados pelos autores citados anteriormente, muitas vezes

parecem não convergir com a análise que os mesmos propõem acerca de mas ou

de outros itens.

O segundo ponto que se destaca é que, levando-se em conta a

multiplicidade de relações contrajuntivas que pode ocorrer entre duas idéias,

torna-se difícil delimitar os sentidos possivelmente encontrados na gama

polissêmica de mas.

Na análise dos exemplos seguintes, bem como na dos exemplos a serem

utilizados para os outros itens, o que se objetiva é averiguar se a mesma linha de

raciocínio utilizada na análise de (40) e (41) poderá esclarecer o que há em

comum no emprego de todos os elementos tratados. Se há algo em comum, isso

pode relacionar-se com a motivação que os levou a mudar seu sentido ao longo do

tempo. Veja-se (42):

(42) O sindicalista garimpeiro Raimundo Amorim, 38, foi assassinado

com um tiro de escopeta na altura da cintura anteontem dentro de um ônibus por

uma quadrilha de cinco homens encapuzados, na rodovia PA-150, em Eldorado

do Carajás, no Pará.

Ele é o terceiro sindicalista garimpeiro morto nos últimos três meses na

região de Serra Pelada e o segundo em quatro dias. Amorim não tinha cargo no

sindicato, mas era filiado. Ele chegou a ser atendido em um hospital em Marabá

(PA), mas não resistiu. (FSP, 27/01/2003)

Em (42), somente a leitura global do trecho citado permite entender que há

uma relação entre ser assassinado e ser sindicalista, em Eldorado do Carajás, no

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momento histórico referido. Uma análise argumentativa poderia entender a

afirmação de que “Amorim não tinha cargo no sindicato”, como justificativa para

que ele não tivesse sido assassinado. O item mas introduz um argumento que, no

contexto, explica o assassinato. No domínio do conteúdo, não haveria nada que

opusesse não ter cargo e ser filiado. Somente informações detectadas no texto e

processadas cognitivamente podem tornar gramatical o uso de mas nesse caso. A

primeira informação poderia encaminhar a leitura para conclusão contrária ao que

se passou na realidade (Amorim ter sido assassinado), mas a segunda informação

confirma a relação estabelecida entre o assassinato e a participação no sindicato.

O que interessa de fato, no entanto, é que a análise do texto confirma haver uma

relação de contrajunção entre não ter cargo no sindicato e ser filiado. Trata-se de

uma contrajunção estabelecida em função de uma expectativa localizada, como as

pressuposições idiossincráticas citadas por Lakoff (1971), conforme se viu em

4.7.

Em outras palavras, o sentido global do texto permite que, a partir da

leitura de “não tinha cargo no sindicato”, se conclua que não haja explicação para

o assassinato de Amorim, conclusão a que se contrapõe o fato de ser filiado ao

sindicato. Enquanto análises argumentativas interpretam as conseqüências do uso

de mas para o estabelecimento das forças argumentativas do texto, o objetivo aqui

é, ao contrário, a partir da análise do texto, entender a motivação do uso de mas

no contexto em que se encontra. A motivação é que, aí, há uma relação

contrajuntiva construída a partir do texto como um todo, e reforçada e sinalizada

pelo uso de mas.

Já na segunda passagem que contém mas em (42), as crenças dos falantes

suscitadas no texto são mais gerais: um ferido ser atendido em um hospital pode

levar à conclusão de que ele tenha sobrevivido, o que não se confirma pela

segunda oração. Há, portanto, uma contrajunção, um choque entre o fato relatado

na segunda oração e a conclusão que se hipotetiza a partir da primeira oração, o

que motiva e justifica o uso de mas.

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4.10.2 Análise dos dados medievais

(43) – Senhor, disse Queia, já tempo é de comer, ca já é preto de meo

dia; mais, se vosso custume que mantevestes ataa aqui em todalas grandes festas

queredes manteer, nom me semelha que comer possades, ca a tam gram festa

como esta nom veeo aventura nhũa; que tanto que aventura vos veesse, nom

soíades vós a comer em nhũa gram festa.

- Verdade, disse el-rei; este custume manteve sempre dês que foi rei, e

manterrei mentre viver. E polas grandes aventuras que aa minha corte vierem

[me] chamam o Rei Aventuroso ca a sazom que elas sairám deve mostrar, mas

bem sei que a Nosso Senhor nom prazerá que muito reine dês aqui a diante. Mas

como quer que as venturas soíam avĩir nas festas grandes, em esta eu sei bem que

o dia d’hoje nom falezerám, ante verám i as mais grandes e as mais maravilhosas

que nunca i veerom, [adivĩa] meu coraçom esto. Nom me em chal de atendermos

uũ pouco, ca bem sei verdadeiramente que nossa festa nom é hoje sem ventura;

mais houve tam gram prazer da viinda de Lançalot e de seus coirmãos que me

esquecia o custume. (Demanda do Santo Graal, título 8, fólio 3a, séc. XV)7

A recorrência do uso de mas e suas variantes escritas no trecho acima

confirma o papel importante desempenhado por esse elemento na coesão do texto

medieval. Conforme o trabalho de Barreto (1999) comentado na seção 4.9.1, mas

funcionava essencialmente em prol da progressão textual nas ocorrências

medievais. Os exemplos acima comprovam que mas não funcionava como “mero”

encadeador da narrativa. Fosse assim, ele poderia ser substituído, por exemplo,

pelo item e, típico na função de encadeador. Caso a substituição fosse feita,

haveria, porém, grande perda de sentido no texto, pois certamente a relação de

contrajunção sinalizada por mas não ficaria tão evidente.

Sobre o primeiro mas, observe-se que, na fala de Queia, ele relaciona dois

atos de fala divergentes: um em que o locutor pede que se coma àquela hora, outro

7Os exemplos da fase medieval foram retirados de obras consultadas no “Corpus Informatizado do Português Medieval”, disponível no seguinte site: http://cipm.fcsh.unl.pt. A cópia dos exemplos foi fiel à que se encontra na referida página eletrônica, tendo sido feito apenas o seguinte ajuste: os acentos gráficos como o til e o circunflexo foram colocados sobre as devidas vogais, embora se encontrem, na fonte, pospostos às mesmas.

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que apresenta uma justificativa para não se comer àquela hora. Mas, portanto,

encontra-se em um contexto onde há contrajunção e ocorre no domínio

conversacional.

Também no domínio conversacional, encontra-se a resposta do rei, que,

através de mas, relaciona duas idéias conflitantes: mostrar, por um lado, as

venturas que chegam a sua Corte e que lhe garantem o título de Rei Venturoso e,

por outro lado, a necessidade de agradar a Nosso Senhor – no caso, abrindo mão

da refeição. A primeira parte da fala pode levar à conclusão de que se deve comer

àquela hora; a segunda leva a conclusão contrária. Mais uma vez, uma relação de

contrajunção se estabelecia entre duas idéias, o que motiva e propicia o uso de

mas.

Logo adiante, outra relação de contrajunção se configura entre a renúncia à

refeição e a certeza de que, ainda assim, venturas ocorrerão na festa em questão, o

que, na análise de Neves (1984), por exemplo, poderia ser entendido como um

sentido de compensação. E, logo em seguida, outra relação contrajuntiva propicia

o uso de mas: o rei justifica que a alegria trazida pela presença de Lançalot foi tão

grande a ponto de tê-lo feito esquecer o costume de não fazer refeição durante as

festas.

Na verdade, todo o trecho tem, por um lado, uma série de argumentos que

direcionam em favor de se fazer ou de se querer fazer a refeição e, por outro lado,

outros argumentos que direcionam em sentido contrário. A contrajunção entre as

duas séries de argumentos é assinalada por meio de mas. Destaque-se que a

diferença de grafia entre os usos do item não impede que, nas quatro ocorrências,

ele esteja em contextos similares, do ponto de vista semântico. Além disso, a

pontuação utilizada no trecho, que ora coloca o item em início de oração, ora em

início de período, não interfere em nada no sentido que o item assume no texto. O

fato de ele estar, em todos os casos, seja na fronteira sentencial seja na fronteira

oracional, apenas confirma que, sintaticamente, ele se encontrava gramaticalizado

já no português medieval. Se o que se quer é analisar a motivação conceptual que

propicia o uso do item, a questão sintática parece não poder ocupar o primeiro

plano das atenções. Veja-se o exemplo (44):

(44) - E, por todas estas nobrezas que ditas avemos da Espanha, muyto a

preçaron aquelles que a primeiramente pobrarom. Ca aquellas cõpanhas de

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Cubal, de que vos ja avemos contado, que andaron buscando todallas partes de

Europa e provando as terras que eram boas e sããs e proveytosas pera pobrar,

nũca acharon terra nẽ logar que os contentasse se nõ Espanha ca, despois que a

elles ouverõ buscada e vyron o assituamẽto das terras e a bondade dos aares e a

multidõ das muytas auguas, logo começaron de fazer em ella sua pobraçon e nõ

curarõ de mais andar buscando outras partidas.

Mas, despois que Espanha por longo tẽpo foy comprida de pobraçon e a

fama da sua nobreza e do seu avondamento sayu pellas outras terras, muytos

ouverom della grande cobiiça e por esto se moverom com sobervhosa ẽveja por a

tomar aos seus moradores. (Crônica Geral de Espanha, cap. XIII, fólio 11b, séc.

XIV)

O exemplo (44), em uma primeira observação, poderia, em princípio,

encaixar-se entre os casos comentados por Barreto (1991) e Castilho (1997) na

seção 4.9.1, nos quais o sentido de mas estaria vinculado ao sentido aditivo do

advérbio magis, não apresentando idéia contrajuntiva. De fato, mas, em (44), liga

dois trechos que se referem a momentos distintos da narrativa, assumindo

aparentemente a função de somar partes e dar nexo ao texto. Além disso, os dois

blocos de idéias ligados não guardam nenhuma relação contrajuntiva evidente.

No entanto, não parece pertinente o ponto de vista segundo o qual a função

de mas seja tão somente a de somar idéias. Levando em consideração o sentido

global que se depreende do trecho destacado, vê-se que os dois blocos de idéias

não têm o mesmo status nem a mesma direção argumentativa. O item relaciona

momentos que não apenas se sucedem, mas se diferenciam: um em que Espanha

estava sendo habitada, outro em que estava sendo alvo da cobiça de outros povos

que não só seus primeiros habitantes. O trecho “despois que Espanha por longo

tẽpo foy comprida de pobraçon e a fama da sua nobreza e do seu avondamento

sayu pellas outras terras” – senão sintaticamente, mas semanticamente – funciona

como causa ou explicação para o fato narrado a seguir, o de que muitos

começaram a cobiçar Espanha.

Pode-se afirmar, portanto, que mas liga dois momentos que se diferenciam

na história de Espanha, sendo que o segundo se destaca, é posto em foco. Mais

uma vez se pode falar em comparação. Se mas, em (44), não se encontra entre

partes contrajuntivas, encontra-se, de qualquer forma, entre partes postas em

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comparação, sendo que uma delas é destacada. Não se pode falar, assim, que o

item seja “mero” encadeador da narrativa. O que ocorre é um uso de mas ligando

partes distintas, embora não contraditórias, o que corrobora a tese de que a variada

polissemia do item se forma metaforicamente, tendo como base o sentido da

comparação, que, devido às projeções metafóricas, mantém-se, mesmo que de

forma opaca, nos diversos sentidos que o item pode assumir em cada contexto. O

uso de mas em contextos como (44) é apenas um entre os vários sentidos previstos

pela polissemia do item; não é um sentido básico de onde se origina outro ou

outros sentidos. Observe-se ainda que o uso de mas como o que se vê em (44) não

é exclusivo da fase arcaica; ao contrário, é recorrente ainda hoje, o que também

comprova a tese de que uma escala derivativa organizada cronologicamente não

seria sustentável. Passe-se agora ao exemplo (45):

(45) - Este Almycar ouve quatro filhos: o prymeiro ouve nome Anybal e o

segundo, Asdrubal e o terceiro, Magom e o quarto, Anõ e hũa filha que foy

casada com hũũ homem grande do seu lynhagen que avya nome Esdrubal. E,

quando este Almycar tornou de Pulha a terra de Africa, assi como ja ouvistes,

estes seus filhos eram pequenos, ca o mayor delles era Anibal e nõ avya mais de

nove ãnos. Mas tamanho era o desamor que este Almycar avya cõos Romããos,

pollo mal grande que delles recebera per vezes, que fez jurar sobre seus

albertis/sic/ aaquelle seu filho Anibal, que era o mayor, como quer que era ainda

pequeno, que nũca ouvesse paz com elles. (Crônica Geral de Espanha, cap. 52,

fólio 20a, séc. XIV)

O exemplo (45) é bastante ilustrativo. O sentido geral do trecho é: apesar

de seu filho mais velho ser ainda muito novo, Almycar o fez jurar nunca ter paz

com os romanos, tamanho era seu ódio a eles. O principal objetivo comunicativo é

de destacar o ódio de Almycar, mesmo que para isso se lance mão de um texto

narrativo e descritivo.

Nas partes ligadas, há a presença de palavras de sentido negativo: “nõ avya

mais de nove anos”, “que nũca ouvesse paz com elles” e mesmo o prefixo de

“desamor”. Não são esses elementos negativos que estabelecem a contrajunção. A

diferença opositiva ou contrastiva existente entre as duas partes ligadas se

estabelece a partir de um conhecimento de mundo, não universal, mas cultural,

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segundo o qual crianças devem ser poupadas de responsabilidades típicas de

adultos. A contrajunção ocorre, assim, a partir de relações que ganham corpo no

nível epistêmico. O exemplo mostra-se bastante ilustrativo também por mostrar

que as palavras de sentido negativo, a que se atribui a origem do sentido

contrajuntivo das conjunções adversativas, são relacionadas com o contexto geral

em que se encontram. Portanto, faz sentido atribuir ao contexto a motivação do

sentido, assumido pelas conjunções, e não às referidas palavras negativas.

(46) - E ella estando em tam gram coyta vyo vĭĭr huũ angeo luzente como

estrella e salvou-a e começou de a cõfortar. E ella entom cõ prazer começou de

chorar e dizer. Ay senhor meu e meu padre doores grãdes do Inferno que me

ap(er)tam e me cercam e me tẽ em grã pesar e em gram temor. E entom lhe disse

o Angeo. Agora me chamas senhor e padre quãdo te vees ẽ coyta mas nõ

q(ua)ndo eras ẽ teu poder. E d’iz a alma. Ay senhor nũca te vy senõ agora

q(ua)ndo ouvy tua voz muy saborosa. E o angeo disse. sempre des que tu naceste

eu foy cõtigo p(e)ra hu q(ue)r que tu ias, mas tu nõ q(ui)seste creer os meus

cõselhos nẽ fazer minha võtade . E tendeo entõ o angeo a mãao e p(re)ndeo hũu

daquelles dyaboos que delfazia mais escarnho e disse-lhe. Vees, este he o que

tuc(ri)aas e cuja voõtade faziasa, e desp(re)ça/ [va]/s a mỹ. (Vidas de Santos de

um Manuscrito Alcobacense, fólio 125r, séc. XIII-XIV)

Em (46), o primeiro mas serve para que o anjo compare e diferencie dois

momentos: um em que a alma o chama e outro quando o não chamava. Do ponto

de vista argumentativo, o anjo compara, na verdade, os motivos que suscitam os

dois momentos: um em que a alma está em “coyta”, outro em que se encontrava

sob seu poder. Veja-se que agora reforça a diferenciação temporal. De qualquer

forma, os motivos inferidos pelo anjo para que a alma não o procurasse são

conclusões que ele, epistemicamente, retira do fato de antes ela não o procurar e

depois procurá-lo. A diversidade de situação em que se encontra a alma é que,

para o anjo, motiva suas atitude em relação a ele. Portanto, uma análise que

considere o domínio epistêmico confirma a existência de um contexto marcado

por contrajunção no trecho comentado.

O segundo mas da fala do anjo também se encontra em um contexto que

funciona, em sua totalidade, como resposta, réplica à alma queixosa que

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argumentava nunca tê-lo visto. A contrajunção ocorre não entre dois atos de fala,

mas entre dois fatos relatados pelo anjo, os quais, no domínio epistêmico,

suscitam contrajunção. O fato de o anjo ter acompanhado a alma desde seu

nascimento é tomado por ele como o suficiente para autorizá-lo a esperar que a

alma o ouvisse, o que, segundo oração introduzida por mas, não ocorreu. Tem-se

um caso de quebra de expectativa, uma expectativa criada a partir de um

raciocínio utilizado pelo anjo e não explicitado lingüisticamente. Em outras

palavras, o contexto de contrajunção foi propício ao uso de mas. Por último, veja-

se (47):

(47) - Quand’eu passei per Dormã

preguntei por mia coirmã,

a salva e paçãã.

Disserom: - Nom é aqui essa,

alhur buscade vós essa;

mais é aqui a abadessa. (Cantiga de Escárnio e Maldizer, 007, de Fernão

Paes de Tamalancos, séc. XIII)

Em (47), uma cantiga de escárnio, a conjunção grafada como mais se

encontra em um contexto de contrajunção, apresentando, mais especificamente, o

sentido que Neves (1984) chamaria de compensação. Não há aí conflito entre as

duas partes do discurso postas em relação; a contrajunção se efetua em função de

o locutor ter respondido negativamente a uma pergunta e ter apresentado, como

compensação, uma afirmativa. Em outras palavras, tem-se: você veio em busca da

“coirmã”, mas, embora ela não esteja presente, sua vinda não foi em vão, porque a

abadessa se encontra aqui. Há, aí, um conhecimento compartilhado pelos

interlocutores – um conhecimento compartilhado fortemente restrito a esse

contexto – de que encontrar a abadessa pode ser do interesse do primeiro

interlocutor ou de que a abadessa pode substituir a coirmã.

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4.10.3 Avaliação da análise dos dados

Os exemplos analisados demonstram que a relação contrajuntiva

estabelecida entre dois segmentos do texto pode apresentar várias nuances de

sentido, sendo necessário considerar o sentido global do contexto lingüístico e/ou

extralingüístico para se entender com mais precisão por que alguns usos de mas,

embora pareçam totalmente gramaticais à intuição do falante, podem apresentar

problemas ao lingüista que queira avaliar-lhes as condições de uso.

Neves (1984, p. 23), em citação feita na seção 4.2, afirmou, a respeito das

proposições designadas por ela como p e q: “o primeiro termo da coordenação

nem sempre é uma frase localizável, podendo ser toda uma configuração do texto

anterior, ou ser, mesmo, um elemento da situação. Muito menos é necessário que

p e q sejam contíguas”. Na obra referida, a autora trabalhou com mas interfrásico,

próprio, portanto, para enlaçar fragmentos maiores do texto e menos

segmentáveis. A análise adotada aqui mostrou que, na verdade, as considerações

necessárias para que os interlocutores produzam e entendam o sentido de partes

ligadas por mas não são segmentáveis, podendo não ser nem mesmo textualmente

localizáveis.

Quando se percebe que o sentido que o item assume está diretamente

ligado ao sentido geral do contexto em que se insere, vê-se que a presença de

palavras negativas não pode assumir por si só a responsabilidade pela

gramaticalização do item. É claro que a contrajunção requer, quase sempre,

normalmente palavras negativas, mas tanto quanto requer elementos gramaticais,

como as conjunções, que a assinalem.

Neves (2000, p. 756) afirma que, no caso de sintagmas nominais, mas só

pode coordená-los se o primeiro estiver negado, como em “não o menino, mas a

mãe”, exemplo citado pela autora. Este é, porém, um entre muitos contextos

possíveis para o uso de mas e, também neste caso, não dá suporte à comparação

estabelecida no contexto, tanto quanto mas.

Vê-se também o quanto são suscetíveis a equívocos análises assentadas tão

somente sobre os segmentos em que se encontra o item abordado, e muitas vezes

tais análises nem sequer mencionam o contexto maior de onde os segmentos

foram retirados.

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A análise confirma também que a grande gama polissêmica atribuída a

mas decorre da variada gama de contextos em que ele pode ocorrer. Cada

realização lingüística é única e, portanto, peculiar. Lembre-se das palavras de

Koch (2001a, pp. 13-14), citadas na seção 4.2: “é preciso levar em conta,

simultaneamente, a enunciação – ou seja, o evento único e jamais repetido de

produção do enunciado”. São palavras que cabem aqui.

Considerando a infinitude de possibilidades em que o falante pode tanto

empregar quanto compreender o sentido de mas, seria inviável descrever-lhe todas

as ocorrências possíveis. As análises propostas para os exemplos relatados servem

tão somente para indicar estratégias de leitura do item que permitam sua análise

de forma mais acurada e para demonstrar que, pelo menos com base nos dados

disponíveis, o sentido básico de mas mantém-se como sendo o da diferenciação.

Outro ponto a se destacar, a partir da análise dos dados, é que, embora eles

tenham sido comentados em ordem decrescente do ponto de vista cronológico,

podem apresentar, independentemente do fator tempo, alto grau de elaboração no

estabelecimento da relação contrajuntiva. O exemplo (47) não é menos

“sofisticado” do que o (40), apesar dos oito séculos que os separam.

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5 Os itens porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto

Neste capítulo, os itens porém, contudo, todavia, entretanto e no entanto

serão analisados a partir do mesmo modelo empregado na análise de mas, a saber:

o de Sweetser (1991).

A vasta lista de exemplos analisados no capítulo anterior serviram para se

traçar uma reflexão acerca dos modelos conhecidos, o que culminou na conclusão

de que a proposta de Sweetser é a mais apropriada. Se os poucos exemplos que

serão analisados neste capítulo forem passíveis de análise pelo mesmo modelo

sobre o qual já se refletiu suficientemente no capítulo anterior, então se tornará

mais fácil refletir sobre a possibilidade de haver uma motivação comum na

gramaticalização que sofreram.

Antes da análise será conveniente observar a função coesiva que os itens

em pauta desempenhavam no período medieval.

5.1 A função coesiva dos itens porém, contudo, entretanto e no entanto

A coesão é um conjunto de fatores que, segundo Marcuschi (1983, apud

Koch, 2001b, p. 35), “dão conta da seqüenciação superficial do texto, isto é, os

mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer, entre os elementos

lingüísticos do texto, relações de sentido”.

Koch (2001b, p. 36) considera a existência de duas grandes modalidades

de coesão: a remissão e a seqüenciação. A primeira desempenha a função de

(re)ativação de referentes e/ou de “sinalização” textual. Se um elemento tem um

referente já mencionado, então estabelece uma coesão referencial anafórica. Este

será o principal tipo de coesão estabelecido pelos itens contrajuntivos na fase

arcaica, com exceção de mas e todavia, que merecem ser vistos particularmente.

Elementos típicos desse tipo de coesão anafórica são, entre outros, pronomes e

advérbios pronominais, como os que se encontram na formação etimológica dos

itens mencionados, conforme se viu em 2.3. Por outro lado, se um elemento tem

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um referente ainda a ser mencionado na superfície textual, estabelecerá uma

coesão referencial catafórica.

Já a coesão seqüencial, segundo Koch (1998, p. 49), diz respeito aos

“procedimentos lingüísticos por meio dos quais se estabelecem, entre os

segmentos do texto (enunciados, partes de enunciados, parágrafos e mesmo

seqüências textuais), diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmáticas”.

Ainda para a mesma autora, a seqüenciação pode ser parafrástica ou frástica. Esta

tem, entre seus mecanismos, o encadeamento, que “permite estabelecer relações

semânticas e/ou discursivas entre orações, enunciados ou seqüências maiores do

texto. Pode ser obtido por justaposição ou por conexão” (KOCH, 1998, p. 60).

A conexão ou junção estabelece relações lógicas (não no sentido da lógica

formal), que são expressas na superfície textual principalmente por meio de

conectores, conhecidos também como conjunções. Neste conjunto se encaixariam

as ocorrências dos itens contrajuntivos aqui abordados que lhes permitem serem

chamados conjunções. Acrecentem-se à idéia de Koch as informações encontradas

em 2.2 sobre a forma com que se entende conjunção na tese.

Desta forma, está claro que, se tanto na fase arcaica quanto nos dias de

hoje, os itens em pauta exercem uma função coesiva, trata-se de dois mecanismos

distintos de coesão. Nas fases inicias da gramaticalização, prevalecia a coesão por

remissão anafórica; hoje já prevalece o que Koch chama de coesão seqüencial.

Nas próximas seções se ilustrará o desempenho dos itens nas duas funções.

5.2 O item contudo

O caso de contudo parece o mais nítido com relação à função coesiva do

pronome indefinido – tudo – que faz parte das raízes etimológicas do item, o qual

se forma a partir da justaposição da preposição com ao indefinido tudo, como se

viu em 2.3. No nível da escrita, a justaposição levou um tempo para se realizar, de

forma que não são raros os exemplos, ainda no século XVI – como lembra

Barreto (1999, p. 276) –, de cõ tudo.

Independentemente, porém, da forma escrita, o fato é que tudo retoma,

num processo de coesão anafórica, informações já apresentadas anteriormente,

donde seu sentido de “com todas as/essas coisas”.

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Entendido o sentido referencial, fica fácil compreender-lhe o uso como

contrajuntivo. Como elemento coesivo, ele liga duas partes do texto, e assim

também funciona como conjunção. Observe-se o exemplo (8):

(1) “Aqui diz o conto que, pois Lançalot ouviu novas da raĩa, que era

morta, houve tam grã pesar que era maravilha, e contodo se partiu e andou aquel

dia e as companha atta que chegarom a Ginzestre. (A Demanda do Santo Graal,

cap. DCXC8)

Em (1), a forma contodo reforça haver uma relação entre as partes ligadas

por e. É necessário buscar mais informações do texto para se entender melhor se o

sentido da segunda parte com relação à primeira é de conclusão/conseqüência ou

de contrajunção. Lançalot chegou até Ginzestre porque a rainha havia morrido ou

apesar de a rainha ter morrido? A dúvida abstraída de um trecho tão fragmentário

deixa clara a função coesiva do item e sua possibilidade de atuar em outros

ambientes que não somente os contrajuntivos. No caso, a consulta ao texto global

revela que o sentido do item era contrajuntivo. O contraste contrajuntivo ocorre

em função da expectativa criada pelo relato da morte da rainha – a de que

Lançalot não conseguiria seguir viagem pelo abatimento sofrido – e do fato de tê-

lo conseguido ainda assim. Veja-se (2):

(2) “A decisão do presidente George W. Bush de concentrar suas forças

na busca de um segundo endosso do Conselho de Segurança para lançar uma

guerra contra o Iraque foi tomada principalmente para ajudar um amigo e

aliado, o primeiro-ministro Tony Blair, disseram especialistas que acompanham

os assuntos britânicos. Mas a oposição determinada de França, Alemanha e

Rússia expõe Bush ao risco de uma derrota diplomática”.

Ele tem de fazê-lo principalmente porque agora se trata de uma ação

necessária para aliviar os problemas de Blair", abalado pela torrente de

oposição doméstica à guerra, disse James R. Schlesinger, ex-secretário da Defesa

americano e membro da Comissão de Política de Defesa, que aconselha o

8Neste caso, o exemplo foi retirado não da fonte eletrônica, mas sim de Magne (1970).

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Pentágono. "Isso também é uma amostra de nossa profunda e insistente

esperança sobre a eficácia da ONU", acrescentou ele.

Ainda no mês passado, a Casa Branca agia como se não fosse voltar ao

conselho para propor uma segunda resolução. Mas Blair, atormentado pelas

críticas em casa, pediu a Washington que reconsiderasse. Não está claro,

contudo, se Bush conseguirá os nove votos necessários para prevalecer no

conselho. E, se ele conseguir, não há garantia de que França, Rússia ou China

não vetarão a resolução.

No fim da semana, não estava claro se Bush se arriscaria a sofrer uma

derrota de grande visibilidade no conselho depois do entusiasmo de novembro,

quando o órgão afirmou, por 15 votos a 0, a posição de força dos EUA segundo a

qual o presidente Saddam Hussein precisa se desarmar imediatamente.” (ESP,

26/02/03)

Observe-se que a relação contrajuntiva é depreensível, também neste caso,

através da análise do exemplo como se processando no nível epistêmico. Não há

nada de contrastivo ou contrajuntivo entre pedir a Washington que volte ao

Conselho e a possibilidade de Bush não conseguir os votos de que necessita para

cumprir seu objetivo. O contraste dá-se entre a expectativa de que Bush, em

voltando ao Conselho, obteria os votos necessários e a possibilidade de não obtê-

los de fato. Trata-se de um “choque” que ocorre no domínio epistêmico, e não no

do conteúdo.

O fato de ter se fixado com o sentido contrajuntivo, como se vê em (2), é

visto por Barreto (1999, p. 277), também neste caso, como resultado de uma

motivação metonímica, já que se supõe que o item era maciçamente empregado

em ambientes que continham palavras negativas. Neste caso, a autora admite uma

motivação metafórica por parte da preposição com, o que parece discutível, haja

visto a existência de conjunções do português, formadas pela mesma preposição,

que não chegaram a assumir sentido contrajuntivo: contanto que, conquanto.

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5.3 O item entretanto

Além das informações etimológicas apontadas em 2.3, pode-se ver que,

segundo Cunha (1997, p. 303), entretanto forma-se da justaposição de entre a

tanto. O indefinido tanto funciona, no português medieval e em início do

português moderno, como um elemento coesivo, já que faz referência e remete a

informações já ditas no texto, bem como estabelece relações de sentido entre

várias partes do texto. Como lembra Barreto (1999, p. 293), o termo significa, no

século XVI, “entre tantas coisas” e, em textos de Vieira (século XVII), é

empregado como encadeador da narrativa. Said Ali (2001, p. 169) aponta o

sentido do termo com o sentido de “entrementes”, “enquanto isto sucede”,

sentido, por sinal, com que se emprega vastamente no português europeu atual.

O exemplo utilizado por Said Ali é parte da seguinte estrofe:

(3) As Alcióneas aves triste canto

Junto da costa brava levantaram,

Lembrando-se de seu passado pranto,

Que as furiosas águas lhe causaram.

Os delfins namorados, entretanto,

Lá nas covas marítimas entraram,

Fugindo à tempestade e ventos duros,

Que nem no fundo os deixa estar seguros. (Os Lusíadas, 6, 77)

O item no trecho acima é bastante ambíguo, pois poderia ser parafraseado

tanto pelo advérbio de tempo entrementes, quanto por “paralelamente a todas as

coisas já relatadas”, sendo, então, um elemento de coesão referencial anafórica. É

importante observar que, na verdade, em ambas as interpretações, tem-se um

processo coesivo, mesmo porque entrementes, além de dar continuidade ao fluxo

informacional do texto – num processo eminentemente coesivo –, refere-se, de

certa forma, a “tudo que já se disse”, pois relaciona o tempo em que acontece tudo

que se disse e o tempo em que ocorre o que se vai dizer. Na verdade, quando

entrementes tem sentido temporal, está, de certa forma, comparando dois tempos

da narrativa, comparação que se processa epistemicamente.

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Ressalte-se que a ambigüidade é uma característica inevitável no processo

de mudança semântica de um modo geral. Liga-se diretamente à polissemia, que

caracteriza as relações de sentido existentes entre os diversos usos de uma mesma

forma. Embora não possa ser mais explorada aqui, fica, contudo, registrada, como

algo totalmente previsível, sendo uma das possibilidades de sentido previstas pelo

sentido básico do item, que é o de fazer referência.

Um exemplo dado por Barreto (1999, p. 293) para o sentido de “entre

tantas coisas” foi retirado das Cartas de Jaime, uma das fontes do corpus utilizado

pela autora:

(4) “Senhor. Se a minha dor de cabeça me dera lugar, logo me partira.

Tervosey, senhor, ẽ mercê, ẽtretamto que ela me deixa, me mãdardes laa dar

pousada. E eu nã d´aguardar a ter Recado que os tenho, mas, como poder, me

hire caminho de Portel, e dahi a algũa aldeã d´esas ahi preto; por isso ẽtretanto

mãdaime Remedear.”

Em (4), a função referencial coesiva anafórica do item é bastante visível.

Entendendo que as unidades do fragmento não se encontram simplesmente

pareadas, mas guardam entre si relações de sentido, o item certamente contribui

para a constituição desse sentido.

Sobre a consagração do uso contrajuntivo, Barreto (1999, p. 294) sugere,

também neste caso, tratar-se de um processo de gramaticalização desencadeado

por uma motivação metonímica. A presença do item em sentenças com sentido

negativo tê-lo-ia feito assumir para si tal sentido. Observe-se o exemplo (5):

(5) “O trabalho infantil e os maus-tratos são proibidos pelo ECA

(Estatuto da Criança e do Adolescente), que entrou em vigor em 1990, um ano

antes do nascimento de Walace”. Não dava para ficar em casa. A gente era

obrigado a vender café na rua e não podia ficar com nenhum dinheiro. Qualquer

coisa errada que a gente fazia, ele batia na gente, “afirma Adriano da Costa

Sales, 19, o primogênito da família Souza.

Adriano foi o primeiro a fugir de casa, aos sete anos. No início, ficou

pouco tempo na rua porque foi acolhido por uma família de classe média, que o

matriculou numa escola. A morte do pai, entretanto, foi pretexto para que ele

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voltasse a morar com a mãe e com o padrasto. Quatro meses depois, voltou às

ruas e abandonou a escola. "Não tinha mudado nada lá em casa", conta o

jovem.” (FSP, 27/01/03)

Em (5), vê-se que, no domínio epistêmico, há uma choque entre

expectativas criadas pelo bloco de informações anterior a entretanto e o bloco

seguinte. O primeiro criava a expectativa de que a conclusão do texto fosse de que

Adriano realmente continuou a morar com a família adotiva, vendo-se livre da

violência. No entanto, isso não acontece, conforme informa o bloco em que

entretanto se encontra, o que gera o choque de sentido sinalizado pelo item,

choque que se sustenta graças a relações de sentido que se processam no domínio

epistêmico.

5.4 O item no entanto

A forma entanto, como se viu em 2.3, contitui-se, assim como entretanto,

da justaposição da preposição latina in ao indefinido tantum, que deu origem ao

advérbio intantum, que significava “por isso”, conforme visto em 2.3. Os sentidos

que Cunha (1997, p. 301) encontra para o item já no século XIII são: “neste meio

tempo, neste ínterim, entretanto”.

A semelhança com entretanto é bastante compreensível, dada a

similaridade etimológica que se encontra entre ambos. As mesmas explicações

que se deram acima sobre o papel coesivo de tanto em entretanto aplicam-se a

tanto de entanto: o pronome serve como elo coesivo na medida em que relaciona

informações já apresentadas com outras ainda a se apresentarem, como em:

(6) “Q(ua)ndo Eufrosina esto ouvio prouge-lhe muito e disse ao monge: -

e q(ue)m me talhará os cabellos Ca ella nom q(ue)ria que a çerçeasse nẽhũũ

leigo que ẽ tal rrazom nom guarda fe e disse-lhe o monge: - teu padre hi rá

agora comigo p(er)a o mosteyro p(er)a esta festa e estará hy t(re)s ou quat(ro)

dias E tu faze entanto viir hũũ dos monges a ty que logo viinrá co g(ra)nde

p(ra)zer e fará todo o que tu q(ui)seres...” (Vidas de Santos de um Manuscrito

Alcobacense, fólio 44r, séc. XIII-XIV)

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Acima o item não se encontra em ambiente assinalado por contrajunção,

podendo ser parafraseado mesmo por “enquanto isso”. Importa, porém, que, como

elo coesivo, reforça a relação de sentido existente entre as duas partes interligadas.

No contínuo das informações, remete a informações anteriores para que sejam

recuperadas na construção do sentido global do texto, o que reforça que a função

dêitica de tanto é responsável semanticamente pela gramaticalização por que o

item vem a passar, processo que Barreto (1999, p. 289) novamente explica pela

metonímia. Observe-se ainda que as partes da narrativa separadas pelo item

podem ser interpretadas como apresentando entre si o sentido de diferenciação.

Sobre o uso de no entanto no português atual, veja-se (7), continuação do texto

citado em (5):

(7) “Desde o momento em que Adriano voltou definitivamente para as

ruas, seu exemplo passou a ser seguido pelos irmãos. Antes de abandonar a casa,

no entanto, todos passaram pela escola, que, no caso dos meninos, não foi capaz

de segurar nenhum deles por mais de dois anos.” (FSP, 27/01/03)

Levando em conta que o texto trata, em sua totalidade, da relação entre

violência doméstica e evasão escolar, é de se esperar que, epistemicamente, se

crie a expectativa de que os irmãos de Adriano, que, como ele, também saíram de

casa, não tivessem passado pela escola, da mesma forma que aconteceu com

Adriano.

5.5 O item porém

Há uma grande oscilação entre o sentido conclusivo-explicativo e o

contrajuntivo no sentido medieval de porém. Embora já bastante opaca, sua

origem etimológica, como se viu em 2.3 e como informa Cunha (1997, p. 623),

está em porende, que por sua vez, origina-se da preposição latina por junto a

ende. O último verbete, segundo Mattos e Silva (2001, p. 103), inclui-se entre os

chamados pronominais adverbiais, elementos que, embora originariamente

advérbios, desempenham funções como a de sinalizar uma coesão anafórica no

enunciado.

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Sobre esse ponto, são bastante elucidativos os trabalhos de Bomfim

(1999a, 1999b). A autora afirma que

no português antigo, na combinação por ende/por em, num primeiro momento, os componentes guardavam sua individualidade e o seu valor. A preposição por introduzia um adjunto adverbial, indicador da causa/motivo, representada(o) pelo anafórico ende/em. Num segundo momento, os elementos se aglutinaram no advérbio porende/porém. (BOMFIM, 1999b: 133)

O exemplo apresentado pela autora é o (6), retirado do Cancioneiro da

Ajuda, e ilustra a função anafórica desempenhada por en:

(8) “Como morreu quen nunca bem

ouve da ren que mais amou

e quem viu quanto receou

d’ela, e foi morto por en,

Ay, mha senhor, assi moyr’eu!”

Adiante, a autora afirma ainda que, paralelamente à combinação

porende/porem, com sentido explicativo-conclusivo, as formas ende/em

continuavam sendo empregadas, como pronominais adverbiais – para se usar a

mesma terminologia adotada acima.

O crescente desuso das partículas anafóricas contribuiu, segundo a autora,

para a opacificação do sentido também anafórico do item, de forma que o sentido

explicativo-causal cedeu lugar ao contrajuntivo.

Sendo assim, é necessário observar que, paralelamente a porende, eram

bastante empregadas as formas ende e em/en, o que configurava a coexistência de

várias formas relacionadas do ponto de vista etimológico, como costuma

acontecer nos processos de mudança.

Está claro, de qualquer forma, que todas as formas mencionadas – ende e

em/em – assemelham-se aos pronomes tanto que compõe entanto, entretanto, e a

tudo, que compõe contudo, pois, tanto quanto eles, exerciam uma função

eminentemente coesiva.

Outro exemplo ilustrativo para o uso do item como conclusivo-explicativo

é o seguinte, pertencente ao século XIII/XIV:

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(9) “Estando el rey aquel cerco, veo nas gentes do arreal dos cristãaos

tam gram tẽpestade de moscas que nenhữu dos da hoste nõ podia comer cousa em

que ellas non caissem. E com esto avyam menaçõ de ventre, de que se morriam

muytos homẽes. E porem acordou el rey com os da hoste que era bem de se partir

daquel cerco em que já avya sete meses que estavõ”. (Crónica de Afonso X, cap.

6, fólio 320b, século XIV)

O exemplo acima encontra-se na Crônica Geral de Espanha, cuja

referência encontra-se na bibliografia da tese. Nele, o sentido conclusivo-

explicativo de porem serve bem para destacar que a relação entre as novas

informações do texto será com tudo que se disse antes. Dessa forma, se as partes

do texto já se encontram claramente interligadas pela partícula e, porem funciona

para apontar que, para além de uma mera ligação sintática entre as partes, há uma

coesa relação de sentido.

Também neste caso, Barreto (1999, p. 310) apresenta a explicação da

motivação metonímica para o fato de ter prevalecido o uso contrajuntivo sobre o

conclusivo-explicativo:

Pode-se admitir que o emprego freqüente das conjunções pero e porem em sentenças negativas ou em sentenças precedidas por sentenças negativas tenha determinado que, por um processo metonímico, a conjunção tenha assimilado o valor da negação, passando a expressar uma contrajunção. A mesma hipótese já havia sido levantada por Said Ali (1921/2001, p.

143): “ponto de contacto entre situações tão diversas (o sentido explicativo-

conclusivo e o contrajuntivo) está nas frases negativas, e foi naturalmente por elas

que principiou a transição semântica”.

Um exemplo de porém nos dias de hoje se vê em (10)

(10) “Os dois eram os sócios gestores da empresa São Paulo Habitacional

Veículos, com sede no Paraíso, zona sul. O golpe consistia em arrecadar dinheiro

de clientes interessados na aquisição programada de casas e veículos. O dinheiro

ficava supostamente depositado numa conta de poupança. Quando a pessoa

queria resgatar a importância, porém, descobria que havia caído num golpe.”

(ESP, 27/02/03)

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Em (10), vê-se que a apreensão do sentido global do texto ocorre no

domínio epistêmico. No domínio do conteúdo, não há nada que impeça de se

coordenarem as duas informações: a de que o dinheiro ficava supostamente numa

conta e a de que a pessoa, ao tentar resgatar, descobria o engano. O choque se dá

entre a expectativa criada epistemicamente de que o dinheiro estaria disponível e a

constatação do contrário.

5.6 O item todavia

De mesma forma que os itens analisados anteriormente no capítulo,

todavia também apresenta um pronome indefinido em sua formação etimológica:

toda, que, diferentemente dos demais, não desempenha função referencial.

Dadas suas peculiaridades, todavia foi tratado com exclusividade em

Rocha (2005), trabalho apoiado principalmente em Sweetser (1988 e 1991). Na

segunda obra referida, a autora parte da seguinte indagação: por que palavras com

sentido de caminho vêm a significar however (contudo, de qualquer modo)? Ela

arrola como exemplos os casos de anyway (ingl.) e tuttavia (it.), que literalmente

significariam “todo caminho”. Todavia do português poderia perfeitamente

constar entre os exemplos.

Lembrem-se as informações já apresentadas sobre o trabalho de Sweetser

(1991), que, como o próprio título anuncia, descreve processos de mudança de

sentido caracterizados por uma crescente abstratização sofrida por itens lexicais

que passam a ser usados com função pragmática. Sweetser (1991, p. 46) conclui

que a recorrência de palavras que significam caminho sendo empregadas em itens

que passam a funcionar como adversativos ou concessivos pode ser explicada

pelo fato de estruturas lógicas e estruturas conversacionais serem pelo menos

parcialmente compreendidas em termos de movimento e viagem física.

Em português, esse tipo de metáfora poderia ser exemplificado por

ocorrências como “O advogado conduziu bem os argumentos”, “Não me lembro

do ponto da fala em que eu estava” ou “Parei logo no primeiro capítulo”,

ocorrências amplamente tratadas por Lakoff & Johnson (1980), uma das obras

fundadoras da teoria cognitivista. Sendo assim, para Sweetser, anyway, por

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exemplo, significaria: “por nenhum caminho mental ou conversacional que

tomemos, chegaremos à conclusão esperada”.

Aceitando-se a hipótese da motivação metafórica, torna-se possível

resolver uma série de questões referentes à gramaticalização de todavia, das quais

a hipótese da motivação metonímica não daria conta.

Entende-se, em primeiro lugar, por que, apesar de todas suas

peculiaridades, todavia gramaticalizou-se em uma contrajuntiva. Via (caminho) é

o único núcleo de sintagma nominal que figura nas origens etimológicas das

conjunções portuguesas não por acaso, mas por apresentar um conteúdo

semântico próprio para estabelecer relações entre partes do textos: idéias podem

ser ruas que constituem uma mapa maior, que é o texto.

O processo de metaforização por que passa o item via explica sua

crescente abstratização. Maneira parece ser o correspondente abstrato mais

próximo do concreto via, o que explica o sentido “de toda maneira”, atribuído ao

item por, entre outros autores, Barreto (1999), por exemplo. Assim, fica evidente

que é o núcleo via que motiva tanto os usos de todavia como advérbio de

intensidade (ex. 11) quanto aqueles que se aproximam muito mais do sentido

contrajuntivo (ex. 12). Veja-se:

(11) “per este Papa, quem duvidaria

que nom tiredes gram prol e gram bem

quand’el souber que, pelo vosso sem,

el-Rei de vós mais d’outro varom fia;

e pois vos el-Rei aqueste logar dá,

Bispo, senhor, u outra rem nom há,

vós seredes privado todavia

deste vosso benefício,

com ofício,

quem duvidará

que vo-l’esalcem em outra contia” (Cantiga de Escárnio e Maldizer, 437,

de Estevão da Guarda, séc. XIV)

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No trecho acima, todavia tem claramente um sentido intensificador. A

ocorrência se encaixaria na segunda coluna da escala abaixo, que é proposta por

Barreto (1999, p. 422) para descrever a gramaticalização do item:

sintagma nominal > advérbio > conjunção

↓ ↓ ↓

em todo o caminho > completamente > sentido de oposição

ao que é afirmado

anteriormente

No trecho acima, de fato, todavia poderia ser parafraseado por

completamente, de toda maneira. No entanto, esse sentido é possível não só

graças ao sentido abstratizado de via. No caso, toda, em seu sentido básico de

inteira, completa, também fornece material semântico para o novo sentido que se

dá ao antigo sintagma nominal. E, embora Said Ali (1921) afirme que o sentido de

qualquer para todo só se encontre em português a partir do início da fase

moderna, quando o item pode ser parafraseado por de qualquer maneira e não

completamente, vê-se que já constava na polissemia do pronome a possibilidade

de sentido como qualquer.

Observe-se ainda que, no exemplo, há uma comparação entre duas

situações: uma em que o bispo goza de um benefício e outra em que será privado

disso. Não foi averiguado nesse aspecto um grande número de ocorrências, mas as

que foram observadas demonstram que, mesmo com o sentido adverbial, o item

normalmente se encontrava em ambientes contrajuntivos, ainda que a

contrajunção se realizasse de forma indireta. Certamente isso se deve a seu

sentido altamente enfático, como o que se viu em anyway, no exemplo (15),

discutido na seção 4.6. Passe-se agora ao próximo exemplo:

(12) “Xeber e Mafamede Augelym heram dos mayores capitaes que os

mouros do sertão ally traziã e, tamto que virã os outros mouros de Grada de

posse da Allmina, começaram de espertar os outros ao combate, o q(ua)l foy em

aquelle dia muy gramde e muy perseverado. E como quer que o p(ri)mçipall dano

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fosse dos imigos, todavia os nossos forã muy trabalhados, e m(ui)tos delles mais

do espritu que do corpo...” (Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, livro I, cap.

LXXV, séc. XV)

Em (12), todavia está claramente em um contexto de contrajunção, como

reforça a presença do elemento concessivo “como quer que”, o qual, por sinal,

poderia levar à objeção de que todavia, sendo dispensável ao estabelecimento da

contrajunção, não passaria de advérbio. Observem-se, porém, os seguintes pontos.

Em primeiro lugar, no exemplo, o item encontra-se em fronteira sentencial e,

diferentemente do que acontece nos usos adverbiais típicos, distante do verbo, o

que demonstra um comportamento gramatical típico das conjunções.

Além disso, poder-se-ia supor que o sentido do item concessivo presente

na sentença adjacente teria passado metonimicamente a todavia, mas aqui cabe a

mesma pergunta que se fez a respeito das partículas negativas: por que todavia

pode encontrar-se em contextos nos quais já existam elementos concessivos? Mais

uma vez, a resposta é que seu sentido original torna-o, por um processo

metafórico, cabível e apropriado em tais contextos. Não se descarta, contudo, o

sentido intensificador que se vê em (11), o que se explica, mais uma vez, pela

inevitável ambigüidade que permeia as relações polissêmicas.

O caso de todavia é elucidativo por mais de um ponto. Além do sentido de

via, que, como se viu, lhe favorece o sentido contrajuntivo, também o sentido

maneira, uma abstração de via, que, junto a toda, cria um intensificador, é

empregado, via de regra, como em (10), em contextos dos quais se pode

depreender uma comparação por desigualdade. Um comparação, aliás, que

também só é possível graças à possibilidade de se segmentar o texto em partes, ou

seja, em vias, que confluirão para a formação do sentido maior do texto.

Dessa forma, é preciso buscar uma interpretação satisfatória para a escala

proposta acima. Não é possível entender uma relação de derivação entre os

sentidos da segunda e da terceira colunas. A motivação de ambas encontra-se na

primeira. Cabem aqui muito bem as palavras de Salomão (1998, p. 275): o que

ocorre é um processo que “opera pela irradiação cognitivamente motivada de uma

construção básica de tal modo que o núcleo semântico da categoria afigura-se

como relevante em todo o percurso da expansão”. Observe-se ainda um exemplo

do item no português atual, que não foi retirado dos corpora formados pelos

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textos de jornais, onde, apesar de sua extensão, não foi encontrada nenhuma

ocorrência de todavia:

(13) “Seu lema como bispo é: ‘Colaborador da verdade’; e vale lembrar o

que o então bispo Ratzinger dissera desta sua escolha. ‘Parecia-me, por um lado,

encontrar nele a ligação entre a tarefa anterior de professor e a minha nova

missão; o que estava em jogo, e continua a estar, embora com modalidades

diferentes , é seguir a verdade, estar a seu serviço. E, por outro, escolhi este lema

porque, no mundo atual, omite-se quase totalmente o tema da verdade, parecendo

algo demasiado grande para o homem; e, todavia, tudo se desmorona se falta a

verdade’”. (FSP,16/04/06)

No discurso relatado, todavia, por se encontrar ao lado de e, não se

comportando como conjunção típica, ilustra muito bem que não é possível

recuperar-lhe o sentido que apresentava nem enquanto sintagma nominal nem

enquanto sintagma adverbial significando “de toda maneira”. Do ponto de vista

semântico, o único sentido que se lhe pode atribuir é o adversativo. No domínio

do conteúdo, não há nada que impeça que no mundo se omita a verdade e, ao

mesmo tempo, alguém julgue que sua falta levará tudo a desmoronar. Ratzinger,

ao empregar todavia, sinaliza não uma contradição ou contraste do mundo real, e

sim que, no domínio epistêmico, é possível se entender que o fato de a verdade

parecer um tema demasiado grande para o homem não justifica sua omissão no

mundo atual. Em outras palavras, conclusões que poderiam ter sido apreendidas

epistemicamente pela primeira unidade relacionada são quebradas pela parte em

que se encontra todavia.

5.7 Considerações acerca dos dados analisados: em defesa da motivação metafórica

A análise proposta para todavia conflui com a que foi apresentada para os

demais itens. Se via de todavia refere-se às unidades do texto postas em relação –

que, se não são segmentáveis sintaticamente muitas vezes, o são semanticamente

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– , assim também os indefinidos anafóricos referem-se a unidades específicas que

se relacionam com outras.

Da mesma forma que se afirmou e se mostrou nos capítulos anteriores que

as conjunções muitas vezes sinalizam relações de sentido, não sendo

indispensáveis para o seu estabelecimento, também os itens tratados neste capítulo

seriam dispensáveis se se considerassem as ocorrências como blocos de

informação neutra. Ao contrário, todos os itens conferem expressividade ao texto,

reforçando as relações existentes entre as unidades.

O fato de serem usados no português medieval em grande escala explica-

se por vários motivos: tanto pela expressividade (lembre-se que Meillet vê nas

conjunções um inventário lingüístico em constante movimento justamente devido

à sua função expressiva), quanto pelo fato de a norma paratática do português

medieval, herdada do latim vulgar, exigir mecanismos para além das conjunções

para a sinalização e destaque das relações existentes entre as unidades, afinal, se

há parataxe sintática, não há parataxe semântica, haja vista a enorme força

argumentativa e expressiva dos textos medievais.

Essas observações tanto são verdadeiras que ficaria difícil atribuir sentido

a esses elementos considerados adverbiais. Seriam que tipos de advérbio? De

tempo? De lugar? Todos, na verdade, conferem um reforço a idéias já

relacionadas.

A escala espaço > (tempo) > texto, proposta por Heine em 3.3, aplica-se

aos dados do capítulo, desde que se entenda espaço de forma abstratizada,

referindo-se aos espaço do texto. O espaço referir-se-ia às “vias” relacionadas

semanticamente. No entanto, embora a análise corrobore a escala, esta, se fosse

tomada como ponto de partida para a análise, não permitiria o que o modelo de

Sweetser (1991) permitiu: englobar, em um mesmo modelo, todas as ocorrências

dos itens em pauta, tanto as do período medieval quanto as atuais.

A motivação metafórica apresenta-se, então, como plausível para todos os

casos acima discutidos. E, tanto quanto mas guardou de sua origem etimológica o

sentido de comparação, herança do sentido de inclusão, os pronomes indefinidos

anafóricos e o núcleo nominal via se abstratizaram, perdendo a referência

textualmente localizada e assumindo sentidos mais expressivos no texto. Assim,

ao longo do tempo, vêm se especializando em contextos contrajuntivos,

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opacificando seus sentidos originais e passando a ligar-se, para o falante, à própria

idéia de contrajunção.

A possibilidade de serem analisados pelo mesmo modelo revela por que

algumas gramáticas bem como a intuição do falante os agrupam conjuntamente.

Fica assim justificado por que, na tese, não se excluiu o termo gramaticalização

para se referir ao assunto em pauta, por mais que alguns princípios gerais da

gramaticalização não se apliquem aqui. Os itens mas, porém, contudo, todavia,

entretanto e no entanto cumpriram uma trajetória de mudança semântica

semelhante às que se observam no estudo de itens incontestavelmente

gramaticalizados.

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6 Considerações finais

O objetivo da tese de encontrar a motivação comum que permeou o

processo de mudança de sentido experienciado pelos itens mas, porém, contudo,

todavia, entretanto e no entanto foi alcançado.

A partir da discussão de vários modelos de análise de mas, chegou-se à

conclusão de que o modelo de Sweetser seria o mais satisfatório, tendo sido

utilizado para a análise dos demais itens também.

A análise dos dados permitiu averiguar a motivação da mudança. Dessa

forma, a questão da motivação ligou-se diretamente à necessidade da busca de um

modelo de análise dos dados, que não foi encontrado na bibliografia referente à

gramaticalização propriamente dita. Os princípios de Hopper, as escalas de Heine

et al não serviriam como modelo de análise.

As discussões apresentadas nos capítulo 4 e 5 permitem uma proposta de

solução para os problemas apontados no capítulo 2 no que concerne à definição de

conjunções adversativas. Os itens mas, porém, contudo, todavia, entretanto e no

entanto servem para sinalizar relações contrajuntivas existentes entre unidades do

texto, que devem também ser analisadas segundo o sentido global do texto em que

se inserem. Por mais polissêmica seja a relação contrajuntiva, ela se assenta sobre

o sentido básico da diferença, do choque existente não entre dois segmentos, mas

entre duas idéias, que, quando não expressas lingüisticamente, podem ser

apreendidas por uma análise que compreenda os domínios epistêmico e

conversacional da língua e considere o subentendido que permeia a linguagem

como um todo.

Quanto aos elementos contrajuntivos, na tese foram selecionados alguns

itens e não outros por serem aqueles tradicionalmente agrupados em conjunto e

por guardarem semelhanças etimológicas. Isso não significa que o quadro das

adversativas esteja fechado. Enquanto alguns elementos caem em desuso, outros

surgem. Este é o movimento das conjunções em geral, movimento que se destaca

entre as adversativas. Portanto, o assunto não se conclui aqui. Espera-se que as

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observações e conclusões da tese possam iluminar as análises ainda por se

realizarem.

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