viviane veiha
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA
AVENIDA PAULISTA: DA FORMAO CONSOLIDAO DE UM CONE DA METRPOLE DE SO PAULO
Viviane Veiga Shibaki
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Jlio Csar Suzuki
So Paulo 2007
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ii
Para Nilton, meu amor, por tudo que compartilhamos e vivemos juntos. Para Rodrigo e Ana Carolina, frutos desse amor, por nossa bela famlia.
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iii
AGRADECIMENTOS
Agradeo ao Prof. Dr. Jlio Csar Suzuki, por confiar e acreditar em meu
esforo diante de um desafio to grande em minha formao como pesquisadora.
Pela amizade e disposio em ensinar, sobretudo pelas brilhantes falas que sempre
iluminam caminhos para reflexo. Um orientador muito especial.
Aos Profs. Drs. Francisco Capuano Scarlato e Glria da Anunciao Alves,
pelas indicaes precisas para a continuidade da pesquisa.
Ao Prof. Dr. Benedito Lima de Toledo, da FAU-USP, que se disps
prontamente em externar seus preciosos conhecimentos sobre a Avenida Paulista.
Ao Sr. Jlio Deodoro, superintendente do jornal A Gazeta Esportiva, por revelar importantes detalhes da Corrida Internacional de So Silvestre, bem como
toda a equipe do acervo histrico do jornal. Ao Dr. Nelson Baeta Neves, presidente da Associao Paulista Viva, pelo
seu amor Avenida Paulista e seu esforo em mant-la como cone da metrpole de
So Paulo.
Ao Sr. Edlson de Paula Oliveira, presidente da CUT-SP, por acreditar no
valor do trabalhador e lutar para exalt-lo diante do cone.
Regina Facchini e Isadora Lins Frana, da APOGLBT, por compartilhar informaes de suas pesquisas e seus importantes relatos sobre o movimento da
Parada GLBT na Avenida Paulista.
Ao Dr. Luis Carlos de Freitas, 1 Promotor de Justia de Habitao e
Urbanismo do Ministrio Pblico Estadual, que nos cedeu dados relevantes sobre a
utilizao de espaos pblicos na metrpole.
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iv
Maria Isabel Chiavini Torres, do Apoio Pesquisa e Biblioteca da Fundao Patrimnio Histrico da Energia e Saneamento, pelo auxlio no
levantamento das plantas, mapas e fotografias da primeira fase da Avenida Paulista.
Ao Marcelo Salgado, do departamento de comunicao do Hospital e
Maternidade Santa Catarina, por disponibilizar imagens da primeira fachada do
Hospital.
Aos meus alunos, cujas necessidades de saber me motivaram a sempre buscar o aperfeioamento.
Lourdes De Camillis, pela amizade, exemplo e incentivo, desde o incio de minha carreira na docncia.
s secretrias da Ps-Graduao em Geografia Humana, que sempre me auxiliaram durante todo o programa de mestrado.
Aos companheiros de orientao e de colquios, pelo constante incentivo:
Andr, Evandro, Vnia, Mrcio, Amauri, Elisa, Elisngela, Selito, Rogrio, Imrio,
Marli, Telma, Lina, Camilo, Sandro, Vivian, Giancarlo, Eduardo, Josoaldo e
Samarone.
Aos amigos e parentes, que souberam entender a minha ausncia.
Por fim, agradeo meus pais, Antonio Carlos Veiga e Dora Custdio Veiga e
minha irm, Andra Veiga, pelo amor, incentivo, ajuda e confiana em todos esses anos de estudo e pesquisa.
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v
RESUMO
A Avenida Paulista considerada um dos maiores cones de So Paulo, pois
simboliza uma metrpole que se transformou significantemente dentro de um
contexto de expanso urbana nico, desde o ltimo quartel do sculo XIX at final
do sculo XX, sendo que a grande questo estabelecida , como ela, praticamente
desde sua inaugurao em 1891, constituiu-se em uma imagem que se
metamorfoseou em cone e, mesmo com as mudanas que sofreu, acompanhando o
desenvolvimento da metrpole, continuou sendo considerada como tal, diferente de
outros cones que, por motivos diversos, acabaram, de certa forma, por mudar seu
grau de representatividade medida que a aglomerao se expandia.
Optamos pelo perodo, entre 1880 e 2007, que abrange desde um pouco
antes de sua inaugurao at a atualidade, pois acreditamos que este recorte
histrico d conta de mostrar os movimentos de transio da expanso urbana nos
diferentes momentos histricos vividos na produo da metrpole, tendo a
construo e afirmao desse cone como elemento de instigante reflexo.
Assim, nossa pesquisa privilegiou, alm das fontes bibliogrficas e
iconogrficas inerentes expanso urbana de So Paulo, entrevistas que deram
subsdios para compreender o processo de apropriao do espao da Avenida
Paulista.
A pesquisa, ento, trata da formao e consolidao de um cone que
representa a metrpole de So Paulo: a Avenida Paulista.
Palavras chaves: Avenida Paulista, So Paulo, cone, expanso urbana, metrpole.
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vi
ABSTRACT
The Paulista Avenue is considered one of the greatest landmarks of So
Paulo, because it represents a metropolis which changed significantly, from the last
barracks of the 19th century to end of the 20th century, in an unique urban expansion
context, and the great issue is how did it, since its inauguration in 1891, become a
symbol which was metamorphosed into icon and, even when going through changes,
was able to keep up with the citys development and continued being considered as
such, different from other icons that, for several reasons, vanished because their
degree of representativeness changed as the agglomeration expanded.
We selected the period from 1880 to 2007, which goes from a little before its
inauguration until the present time, due to the fact that we believed that this historical
sample would be able to show the transition movements of the urban expansion in
different moments in time throughout the citys development, and the construction
and the establishment of that icon was the element of instigating reflection.
Thus, our research was based on, besides the bibliographical sources and
the inherent iconography of the urban expansion of So Paulo, interviews which
helped us understand the appropriation process of the Paulista Avenue space.
This research, then, is concerned with the construction and establishment of
an icon that represents the metropolis of So Paulo: the Paulista Avenue.
Key words: Paulista Avenue, So Paulo, icon, urban expansion, metropolis.
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vii
Quem viaja sem saber o que esperar da cidade que encontrar ao final do caminho, pergunta-se como ser o palcio real, a caserna, o moinho, o teatro, o bazar. Em cada cidade do imprio, os edifcios so diferentes e dispostos de maneiras diversas: mas, assim que o estrangeiro chega cidade desconhecida e lana o olhar em meio s cpulas de pagode e clarabias e celeiros, seguindo o traado de canais hortos depsitos de lixo, logo distingue quais so os palcios dos prncipes, quais so os templos dos grandes sacerdotes, a taberna, a priso, a zona. Assim dizem alguns confirma-se a hiptese de que cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenas, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares. Italo Calvino. As cidades invisveis. So Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 34.
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viii
SUMRIO
AGRADECIMENTOS ................................................................................................. iii
RESUMO..................................................................................................................... v
ABSTRACT ................................................................................................................ vi
SUMRIO..................................................................................................................viii
LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. ix
LISTA DE TABELAS .................................................................................................. xi
LISTA DE PLANTAS E MAPAS ................................................................................. xi
LISTA DE SIGLAS .................................................................................................... xii
Introduo ...................................................................................................................1
1. Avenida Paulista: de um projeto da oligarquia agrria gnese de um cone urbano .......................................................................................................................24
2. Avenida Paulista no sculo XX: metamorfoses do cone urbano ..........................66
3. Os grandes eventos e manifestaes da Paulista e sua colaborao para a manuteno do cone..............................................................................................113
Consideraes Finais..............................................................................................152
Referncias .............................................................................................................157
Referncia das Entrevistas......................................................................................165
Crdito das Ilustraes............................................................................................165
APNDICE..............................................................................................................166 Apndice A - Inventrio da Avenida Paulista: a Paulista na atualidade...............167
ANEXOS .................................................................................................................174 Anexo A- TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) ......................................175 Anexo B- Relao dos Associados da Associao Paulista Viva ........................194
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ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Corso do Carnaval na Paulista ....................................................................8
Figura 2- Parada do Orgulho GLBT ............................................................................9
Figura 3- Anncio de Jornal: Inaugurao dos Bondes Eltricos na Avenida Paulista...........................................................................................................................11
Figura 4- Expanso linear da cidade de So Paulo, em quatro sculos ...................28
Figura 5- Pavimentao da Avenida Paulista............................................................46
Figura 6- Inaugurao da Paulista: Aquarela de Jules Martin...................................48
Figura 7- Obras de Instalao de Linha de Bonde na Avenida Paulista ...................53
Figura 8- Residncia de Adam Von Bllow ...............................................................56
Figura 9- Avenida Paulista, em 1902, a partir da torre da residncia Von Bllow.....59
Figura 10- Residncia Francisco Alberto de Paula Silva Pereira ..............................61
Figura 11- Avenida Paulista, esquina com a Avenida Brigadeiro Luiz Antonio .........63
Figura 12- Hospital Santa Catarina: primeira fachada - 1910....................................71
Figura 13- Hospital Santa Catarina: instalao atual ................................................72
Figura 14- Edifcio Anchieta ......................................................................................73
Figura 15- Edifcio Savoy ..........................................................................................74
Figura 16- Edifcio Trs Marias .................................................................................74
Figura 17- Edifcio Saint Honor ...............................................................................76
Figura 18- Edifico Baronesa de Arari ........................................................................76
Figura 19- Edifcio Naes Unidas ............................................................................77
Figura 20- Edifcio Paulicia......................................................................................77
Figura 21- Conjunto Nacional....................................................................................79 Figura 22- Espao trreo do Conjunto Nacional........................................................80
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x
Figura 23- MASP (Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand).................81 Figura 24- Casa das Rosas (Espao Haroldo de Campos de Poesia e Literatura)...83 Figura 25- Avenida Paulista no final da dcada de 1950 ..........................................84
Figura 26- Casaro n 1919 da Paulista....................................................................87
Figura 27- Avenida Paulista: dcada de 1990...........................................................90
Figura 28- Carto-Postal da Paulista distribudo pela Associao Paulista Viva (frente e verso)...................................................................................................93
Figura 29- Edifcio Comercial Santa Catarina em fase de trmino de sua construo...........................................................................................................................98
Figura 30- Edifcio Comercial Santa Catarina: imagem ilustrativa do empreendimento...........................................................................................................................98
Figura 31- Edifcio em construo, n 510.................................................................98
Figura 32- Edifcio Torre So Paulo: em fase de construo ....................................99
Figura 33- Edifcio Torre So Paulo: imagem ilustrativa do empreendimento...........99
Figura 34- Mutao da paisagem da Avenida Paulista ...........................................100
Figura 35- Encarte turstico da regio da Avenida Paulista.....................................105
Figura 36- Agncia do Banco Ita Personalit ........................................................107
Figura 37- Banco Real ............................................................................................108
Figura 38- FIESP/CIESP/SESI/SENAI ....................................................................108
Figura 39- Banco Bradesco Prime ..........................................................................109
Figura 40- Edifcio Csper Lbero............................................................................120
Figura 41- Percurso da Corrida Internacional de So Silvestre...............................122
Figura 42- Atletas na 81 edio da Corrida Internacional de So Silvestre ...........124
Figura 43- Comemorao do 1 de maio da CUT na Paulista.................................132
Figura 44- 10 edio da Parada do Orgulho GLBT na Paulista .............................140
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xi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Mutaes da expanso na cidade de So Paulo ......................................69
Tabela 2- Mutao da Paisagem - Trecho entre a Rua Peixoto Gomide, a Rua Pamplona at a Joaquim Eugnio de Lima.............................................................101
LISTA DE PLANTAS E MAPAS
Planta 1- Loteamento da Avenida Paulista ...............................................................37
Planta 2- Loteamento de Joaquim Eugnio de Lima e seus scios no bairro da Moca .......................................................................................................................41
Planta 3- Planta da Capital do Estado de So Paulo em 1890 .................................50
Planta 4- Pormenor da Planta Geral da Capital de So Paulo em 1897 ...................51
Planta 5- Planta da Cidade de So Paulo em 1916 ..................................................64
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xii
LISTA DE SIGLAS
APEOESP - Associao dos Professores do Estado de So Paulo APOGLBT - Associao da Parada do Orgulho GLBT CET - Companhia de Engenharia e Trfego CIESP - Centro das Indstrias do Estado de So Paulo CITs - Centrais de Informao Turstica CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico,
Arqueolgico, Artstico e Turstico CUT - Central nica dos Trabalhadores FAU-USP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
So Paulo FASP - Faculdades Associadas de So Paulo FIESP - Federao das Indstrias do Estado de So Paulo GLBT - Gays, Lsbicas, Bissexuais e Transgneros GLS - Gays, Lsbicas e Simpatizantes IAAF - Associao Internacional das Federaes de Atletismo JUCESP - Junta Comercial do Estado de So Paulo MASP - Museu de Arte de So Paulo ONG - Organizao No Governamental ONU - Organizao das Naes Unidas OSCIP - Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico SENAI - Servio Nacional de Aprendizagem Industrial SESC - Servio Social do Comrcio SESI - Servio Social da Indstria UNE - Unio Nacional dos Estudantes TAC - Termo de Ajustamento de Conduta
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1
Introduo
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2
Ver So Paulo por meio de seus cones uma forma de tentar identificar seu
espao perante outros, dentro de paisagens urbanas distintas, os quais evidenciam
caractersticas de processos histricos, possuindo diferentes significados,
dependendo do observador.
Em So Paulo, existem vrios cones urbanos, alguns no Centro, como o
Ptio do Colgio, a Catedral da S, O Solar da Marquesa, A Igreja de So Bento e o Teatro Municipal, entre outros, e alguns espalhados por todo o espao da metrpole,
como o Parque do Ibirapuera, incluindo a Bienal, o Monumento s Bandeiras e o
Obelisco, e a Avenida Paulista.
A Avenida Paulista considerada um dos maiores cones de So Paulo, pois
simboliza uma metrpole que se metamorfoseou significantemente dentro de um
contexto de expanso urbana nico, desde o ltimo quartel do sculo XIX at final
do sculo XX.
Neste caso, consideraremos o termo metrpole mediante o sentido das
mudanas ocorridas em So Paulo no bojo do desenvolvimento industrial e comercial, com abertura da economia brasileira para o exterior, sobretudo em
relao expanso urbana imbricada neste processo. (SOUZA, 1994, p. 25-49) De acordo com Segre (2001, p. 2), as cidades so artefato cultural dinmico
de grandes dimenses, na medida que ocorre seu processo de transformao, que
permanente, cujo ritmo acelerado de mudana promove novas formas de perceber, interpretar e representar esta cidade. As formas de interpretar e olhar so diversas,
sendo que uma delas procurar a significao simblica e cultural de formas e
espaos por meio de cones arquitetnicos que aparecem como elementos
duradouros, podendo identificar a cidade tanto para seus habitantes como para seus
visitantes.
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3
Dentro da anlise semiolgica de Peirce, em seu livro Semitica e Filosofia
(1975), os cones so uma das trs categorias de signos conhecidos, sendo as outras, os signos ndices ou indicadores e os smbolos. Assim, os signos icnicos ou
cones seriam aqueles com caractersticas que os fariam significantes ainda quando
seu objeto no tivesse mais existncia, podendo, inclusive, representar outros objetos se tiver elementos em comum com eles; os signos ndices, ao contrrio dos cones, perderiam tal carter se o objeto fosse suprimido, mas no se no houvesse interpretador, ou seja, signos cujo significado se explica mediante efeitos que seu objeto nele produz; e os smbolos so os que perderiam o carter que os qualifica como tais se no houvesse interpretador. (PEIRCE, 1975, p. 27)
Desta forma, Peirce destaca que os signos so catalogados em 76 grupos,
segundo vrios critrios de enfoque, os quais podem ser distribudos nas trs
grandes categorias citadas:
1. cones signo que se assemelha quilo que significa, da forma como a fotografia se assemelha ao objeto fotografado; o cone um sinal que se refere ao objeto que denota, em virtude de certas caractersticas que lhe so prprias. 2. indicadores signo cujo significado se esclarece mediante efeitos que seu objeto nele produz, como a sombra pode ser um indcio da posio do Sol; o indicador sinal que se refere ao objeto que denota em virtude do fato de que realmente afetado pelo objeto. 3. smbolos signo que se associa a objetos graas a convenes especiais, tal como se d com as palavras; o smbolo o signo que se transforma em signo porque como tal entendido (PEIRCE, 1975, p. 27-28).
De acordo com Peirce, entende-se por Semiologia a cincia geral dos
signos, que estuda todos os fenmenos culturais como se fossem sistemas de
signos. Em oposio lingstica, que se restringe ao estudo dos signos lingsticos,
ou seja, da linguagem, a semiologia tem por objeto qualquer sistema de signos, que podem ser imagens, gestos, vesturios e ritos, entre outros. (PEIRCE, 1975, p. 18)
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4
Em contraposio a Peirce, em sua teoria geral dos signos (semiologia), que enfatiza as relaes entre os signos, temos tambm a Semitica que, introduzida por
Algidar Julien Greimas, prope uma superao da semiologia, enfatizando o
processo de significao capaz de gerar o signo. (PIETROFORTE, 2004, p. 7) Os domnios da semitica so definidos no plano do contedo, sendo que o
conjunto significante pertence aos domnios da expresso, tal qual as manifestaes em lnguas naturais distintas, como esclarece Pietroforte:
Assim, nos domnios do contedo, a significao descrita pela semitica no modelo do percurso gerativo do sentido, que prev a gerao do sentido por meio do nvel semio-narrativo, geral e abstrato, que se especifica e se concretiza na instncia da enunciao, no nvel discursivo (PIETROFORTE, 2004, p. 8).
De acordo com nosso trabalho, priorizamos a proposta de Pierce, pois o
autor consegue enfatizar o cone de maneira a distingui-lo dos demais signos, o que
tornou nosso estudo mais especfico.
No modelo de Peirce, o signo composto de trs elementos:
representamem, interpretante e objeto, sendo que o primeiro elemento a forma, no necessariamente material que o signo toma, o segundo o sentido que se tem
do signo e, o terceiro, o objeto ao qual o signo se refere. Assim, podemos dizer que o primeiro elemento a forma material que o signo toma, o segundo o sentido que
provoca em um intrprete e, o terceiro, diz respeito a uma situao ou objeto concreto a que o signo remete. (PEIRCE, 1975, p. 94)
O cone representa uma realidade que possui diferentes verses, pois nesta
representao esto incrustadas a cultura e os interesses de quem o interpreta.
Assim, de acordo com Segre (2001), o cone arquitetnico surge com as pirmides, no Egito, como segue:
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5
O poder, religioso, poltico ou econmico, sempre teve uma representao fsica, monumental, ao longo da histria. As pirmides seriam o primeiro cone urbano-arquitetnico: a escala universal, para comunicar a eternidade dos faras egpcios. No perodo barroco os cones religiosos em Roma, perderam a localizao que tinham na Idade Mdia, no centro da cidade: transformavam-se em elementos que acompanhavam o movimento da populao para o desenvolvimento dos rituais e as peregrinaes (SEGRE, 2001, p. 1-2).
A partir do barroco, o poder civil tambm comeou a se identificar na cidade,
nos palcios ou edifcios pblicos. Essa identificao teve a ver com a significao
social das funes que os edifcios desempenhavam. O poder e as funes tinham
que se identificar, na cidade, com a sua significao cultural. Os cones indicavam o
que acontecia de importante na cidade. Com a expanso das metrpoles, a
monumentalidade dos cones teve cada vez mais importncia: por exemplo, com a
significao simblica da cpula, tanto para a igreja, como para o Congresso, ou o poder absoluto de Hitler em Berlim. (SEGRE, 2001, p. 2) Com o desenvolvimento do capitalismo, mudaram as tipologias dos cones: o
arranha-cu, que j tem um sculo de existncia no mundo, mesmo capitalista que socialista, se transforma no novo cone. As formas arbitrrias que se desenvolvem,
nos arranha-cus dos tigres asiticos e na China, demonstram que essa
necessidade de identificao das formas do poder, na cidade, se mantm ao longo
da histria humana. (SEGRE, 1991, p. 2) Assim, de acordo com Borde, um cone urbano e arquitetnico pode ser
definido como:
(...) um artefato um objeto arquitetnico, uma organizao espacial, etc que possui um carter sintetizador de uma srie de foras sociais, culturais, polticas, econmicas, etc., que os faz significantes mesmo quando seu objeto no tenha mais existncia e que atravs de certos elementos em comum com outros objetos podem ser usados para representar tal objeto. Desta forma, um cone urbano e arquitetnico um signo representativo dessas foras mesmo quando elas no estejam mais atuando em outro momento scio-
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6
histrico. E, justamente por representar esse valor, em um determinado momento, que esses artefatos podem ser considerados cone em outro momento, seja em relao a outros signos, como em relao aos objetos designados pelos signos, ou queles que o utilizam nas prticas urbanas cotidianas, como referncias projetuais, etc. (BORDE, 2003, p. 2).
O cone um elemento que participa da estruturao da linguagem da
cidade em seu potencial informativo e comunicativo e tem mltiplas dimenses que
podem ser simblicas, humanas, arquitetnicas e urbanas, entre outras. (BORDE, 2003, p. 1) Desta forma, o cone uma forma de ver a cidade e, no caso especfico de
So Paulo, a Avenida Paulista, vista como tal, tem funo definida, pois abarca
muitas dessas dimenses, sobretudo a simblica, pois tida como um dos principais
cones da metrpole, traduzindo toda a dinmica institucional j fixada, nacional e internacionalmente, ou seja, ela simboliza riqueza, pujana, trabalho e grandiosidade, entre outras qualidades que so exaustivamente expostas em todos
os tipos de mdia, ocultando, por muitas vezes, suas outras facetas, como a pobreza,
a excluso social e todos os problemas que so inerentes e comuns s grandes
metrpoles capitalistas.
A partir do ponto de vista fenomenolgico1, descrito por Merleau-Ponty, em
seu livro O visvel e o invisvel, o cone urbano pode ser compreendido como uma
produo representativa de um espao scio-histrico, assim, eles representariam
um carter singular no cenrio da cidade, por meio de suas qualidades estticas,
dando visibilidade para aspectos tidos como relevantes para aqueles que se utilizam
do espao urbano. (BORDE, 2003, p. 3)
1 A Fenomenologia o estudo descritivo de um fenmeno ou de um conjunto de fenmenos em que
estes se definem quer por oposio s leis abstratas e fixas que os ordenam, que por oposio s realidades de que seria a manifestao. (MERLEAU-PONTY, 2005, p. 98)
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7
Este espao urbano, que produzido, incorpora o cone em seus dois
sentidos que, de acordo com Lfbvre (1998), so: o stricto sensu, que se refere produo de bens e mercadorias, e o lato sensu, que se refere idia de que se
produz tambm cultura, costumes, relaes sociais e valores, que fazem parte da
gnese dos espaos-mercadoria que configuram os processos de reestruturao
das paisagens urbanas. (SNCHEZ, 2003, p. 48) Em relao produo do espao-mercadoria, a fixao dos cones
fundamental, pois de acordo com Snchez:
A produo do espao-mercadoria envolve tambm a produo de representaes que o acompanham. Esse espao concebido como lugar onde o privado se afirma, produzindo signos que parecem realizar desejos e fantasias de consumo moldados por valores da mundialidade (SNCHEZ, 2003, p. 48).
A Avenida Paulista, que denominaremos neste trabalho apenas de Paulista,
um desses cones que, possuindo, dentre as outras dimenses, marcante
simbologia, foi, desde sua criao e ao longo dos contnuos processos de
transformao, superando outros cones da metrpole que, por diversos motivos,
tornaram-se ultrapassados ou foram substitudos. Assim, percebemos sua
importncia para os moradores de So Paulo, mas tambm de outros lugares,
praticamente desde sua criao, por ser espao ocupado, por exemplo, pelo corso
do Carnaval (ver Figura 1) e corridas de automvel e onde ocorrem, atualmente, manifestaes de todos os tipos, como, por exemplo, a Festa do Reveillon, a Corrida
Internacional de So Silvestre, a Parada do Orgulho GLBT (Gays, Lsbicas, Bissexuais e Transgneros) (ver Figura 2), e a Marcha para Jesus, entre outras, ou seja, manifestaes polticas, culturais e sociais de todos os tipos.
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Figura 1- Corso do Carnaval na Paulista
FONTE: Banco de Imagens Estado. Jornal O Estado de S. Paulo, s/d. Na figura 1, v-se o requinte e a pujana tanto das pessoas que participavam do corso que, neste momento, j era coberta por paraleleppedos, podendo ser visualizada ao fundo a calada em nvel mais elevado e grades de uma das residncias. J o modo de como o carro era decorado e as vestimentas, principalmente das mulheres, mostram a importncia do evento para a sociedade enriquecida da poca. O corso consistia em um desfile de carros conversveis, com capotas arriadas, de onde os carnavalescos arremessavam confetes, serpentinas e lana-perfumes nos folies na calada.
O historiador Nicolau Sevcenko, em sua obra Orfeu exttico na metrpole:
So Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20, relata com grande riqueza
de detalhes as manifestaes ocorridas em toda a metrpole do final do sculo XIX
at a dcada de 1920, dando nfase Paulista em diversos momentos, como
segue:
A passagem da segunda para a tera-feira de Carnaval marca um dos clmax mais sensacionais da vida na cidade, e a Avenida Paulista, em especial nas cercanias do Belvedere, o topo por excelncia do espao urbano, de onde se podem observar desde as colinas centrais adjacentes, que compem o corpo bsico da urbe,
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at as vrzeas mais distantes do Tiet, Tamanduate e Pinheiros, que cercam a cidade fazendo com que ela parea uma ilha, com sua moldura de guas lodosas, ponteada de casebres humildes por toda a extenso (SEVCENKO, 1992, p. 28).
Figura 2- Parada do Orgulho GLBT
FONTE: KNAPP, Eduardo. Folha Imagem, So Paulo, 2004. Na figura 2, v-se a 8 edio da Parada do Orgulho GLBT, no ano de 2004, com a atual configurao da Paulista, tendo, na poro direita, o Conjunto Nacional e, ao centro, trios eltricos que animam, festivamente, com msicas, em sua maioria, eletrnicas. Esta manifestao reuniu 1,8 milho de pessoas. (NETTO; FRANA; FACCHINI, 2006, p. 82)
Como o termo cone bastante abrangente, neste caso especfico do
espao da Paulista, necessrio considerar que o que a caracteriza como cone
justamente a capacidade de sintetizar uma srie de foras sociais que vo desde as sedes e agncias financeiras e comerciais instaladas em seu espao privado, como,
por exemplo, os bancos Safra, Mercantil, Bradesco, Ita, Santander-Banespa, Banco
do Brasil, Nossa Caixa, Sudameris, HSBC, Citibank, Real e Daycoval, entre outros;
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bem como as associaes de classes trabalhadoras, movimentos estudantis,
religiosos etc., apropriadores de seu espao pblico, como, por exemplo,
reivindicaes de sindicatos, como APEOESP (Associao dos Professores do Estado de So Paulo), CUT (Central nica dos Trabalhadores), UNE (Unio Nacional dos Estudantes) e a Marcha para Jesus que, em sua ltima edio no ano de 2006, reuniu, segundo dados da Polcia Militar, cerca de trs milhes de
pessoas2. Alm disso, o espao da Paulista famoso tambm por abrigar
importantes espaos culturais, como a Casa das Rosas, Ita Cultural, Espao
Cultural Banco do Brasil e Espao Cultural Conjunto Nacional, entre outros, sendo o cone Paulista espao de representao e apropriao dessas foras.
Essas foras sociais tem o poder de fortificar e fixar o cone, pois do
movimento ao seu espao, que se relaciona justamente a uma cultura em seu correspondente perodo histrico.
Desta forma, o mesmo tem acontecido com a Paulista, ou seja, foi constituda com uma imagem simblica muito forte, representativa do poder da elite
oligrquica presente na cidade de So Paulo, tornando-se cone por meio das
metamorfoses e apropriaes que sofreu desde os palacetes da elite e o corso do
carnaval at os arranha-cus de hoje e as manifestaes de classe e movimentos sociais.
Assim, salientamos que a imagem simblica estampada na Paulista, desde
sua formao, representativa de uma nica classe social foi, ao longo de sua
trajetria histrica, eleita tambm por outras classes e movimentos sociais que, de certa forma, a ocupam como forma de apropriao de poder ou at mesmo forma de
2 Cerca de trs milhes de pessoas participaram nesta quinta-feira da Marcha para Jesus, que
acontece em So Paulo, segundo estimativa da Polcia Militar. O evento promovido pela igreja evanglica Renascer em Cristo. (BASSETTE, Fernanda. Marcha para Jesus rene 3 milhes na avenida Paulista, diz PM. Disponvel em: . Acesso em: 8 fev 2007).
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contemplao, como, por exemplo um passeio de bonde at a Paulista no ano de
1900 (ver figura 3).
Figura 3- Anncio de Jornal: Inaugurao dos Bondes Eltricos na Avenida Paulista
FONTE: INAUGURAO dos bondes eltricos para a Avenida Paulista. Jornal Correio Paulistano, So Paulo, 17 de junho de 1900. Fundao Patrimnio Histrico da Energia de So Paulo. So Paulo, 1900.
Neste anncio do Jornal Correio Paulistano, de 17 de junho de 1900, verificamos principalmente em sua ltima frase, clara exaltao ao local que, tido tambm como espao para passeio, estava, de certa forma, sendo oferecido como local turstico.
Apesar de possuir construes da populao enriquecida, a populao
menos favorecida tambm usufrua a sua maneira da Paulista desde as primeiras
dcadas de 1900, utilizando-a como uma forma de local de passeio e
vislumbramento de outra realidade, ou seja, So Paulo, neste perodo, j era antagnica em relao s condies de vida, com espaos muito ricos e condies
urbanas similares s encontradas na Europa e espaos muito pobres e condies
precrias de habitao e sobrevivncia, sendo que a cidade se estabeleceu, desta
forma, j nas primeiras dcadas do sculo, conforme salienta Petrone:
Nas primeiras dcadas do sculo, a cidade de So Paulo j abrigava uma populao diferenciada sob o ponto de vista scio-econmico, na medida em que, a uma considervel massa de imigrantes e descendentes, geralmente gente de parcos recursos, opunha-se uma
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elite econmica ainda fruto das condies propiciadas pelo complexo cafeeiro e uma categoria que estava emergindo com a industrializao. Na paisagem urbana, essa diferenciao expressava-se na presena dos cortios e pores habitados, ou das modestas moradias dos bairros perifricos de ento, prprios das categorias scio-econmicas subalternas e nos palacetes e virias de reas como Higienpolis ou o espigo da Avenida Paulista (PETRONE, 2001, p. 135).
Percebemos que algumas das caractersticas presentes na Paulista tambm
se apresentam nas avenidas cones dentro de paisagens urbanas internacionais,
como o caso de cidades como Nova Iorque e Chicago que, apesar de implantadas
em regies distintas, com localizao e caractersticas geogrficas diferentes,
apresentam-se no cenrio urbano como paisagens construdas de aprecivel valor
esttico. (CAMILLO, 2003, p. 89) Estas paisagens, de certa forma, fazem parte das imagens-sntese oficiais
das cidades, que so expostas e reproduzidas pelos governos a fim de tornar as
imagens simbolicamente eficientes, concretizando uma publicidade que consegue
fixar o reconhecimento da cidade por meio dessas imagens. (SNCHEZ, 2003, p. 115)
No caso da reproduo da imagem da Paulista como imagem-sntese,
temos, por exemplo, sua exaltao em vrios tipos de mdia usados tanto pela
Prefeitura, quanto pelo Governo do Estado, inclusive em links de seus sites oficiais
da Internet, como o link Conhea So Paulo, do portal do Governo do Estado de So
Paulo e, o link Conhecendo a Cidade, da Prefeitura.3
Aliados aos esforos da iniciativa pblica em produzir imagens-sntese, a
iniciativa privada tambm se engajou. Exemplificando esta situao, temos o relato do Sr. Nelson Baeta Neves, presidente da Associao Paulista Viva:
3 O link Conhea So Paulo encontra-se no site: . Acesso
em: 3 de abril de 2007, do Governo do Estado de So Paulo, e o link Conhecendo a Cidade encontra-se no site:. Acesso em 3 de abril de 2007, da Prefeitura do Municpio de So Paulo.
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(...) voc pode ver que o Convention Visitours Bureau de So Paulo4, que promove a cidade para eventos, nos primeiros dezessete anos de sua existncia, a Paulista foi sempre estampada na capa do catlogo da cidade5.
Diante desta afirmao, fica clara a evidncia das aes empreendidas,
tanto por parte da iniciativa privada quanto pblica de estabelecer a imagem da
Paulista como um cone da metrpole de So Paulo.
A escolha da Paulista, dentre tantos outros cones importantes da cidade de
So Paulo, se concretizou por nossa vontade em estudar e discutir um cone que
refletisse momentos diferentes da expanso urbana de uma metrpole em
permanente metamorfose e que tivesse forte simbologia para a grande maioria dos
cidados, independentemente de sua classe social. Por isso, tambm, optamos pelo
perodo entre 1880 e 2007, o qual abrange desde um pouco antes de sua
inaugurao at a atualidade, pois acreditamos que este recorte histrico d conta
de mostrar os movimentos de transio desta expanso urbana nos diferentes
momentos histricos vividos na produo da metrpole, tendo a construo e
afirmao desse cone como elemento de instigante reflexo.
As categorias fundamentais de anlise da Paulista, no que se refere ao
nosso trabalho, dentro do complexo processo de urbanizao da aglomerao de
So Paulo so, principalmente, diante do cone, apropriao, representao e os
conflitos presentes nas manifestaes sociais, as quais permitem o recorte e a
anlise da sua dinmica para compreendermos as suas intrnsecas relaes.
Todos os esforos para que essa imagem se fixasse foram feitos ao longo
do tempo, pois a produo da imagem urbana caracterizada no processo de
4 O So Paulo Convention & Visitours Bureau uma fundao sem fins lucrativos, mantida pela
iniciativa privada desde 1983, que tem como objetivo principal: A promoo da cidade enquanto destino turstico e, especialmente, como sede de eventos nacionais e internacionais, de todos os tipos (culturais, esportivos, comerciais, feiras, congressos, convenes, etc.) (SPCVB, 2006). 5 Sr. Nelson Baeta Neves. Entrevista concedida autora. So Paulo, 4 de outubro de 2006.
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construo das cidades do futuro, na qual So Paulo se situa, usando a construo
como forma da diferena at chegar ao carter icnico dos novos edifcios e
avenidas que exacerbam a grandiosidade da cidade, ostentando esses espaos.
(FERRARA, 2000, p. 57) Essa tendncia, estabelecida na produo da imagem urbana, sobretudo
pelos grandes investimentos feitos na construo dessa imagem, est presente em
praticamente todas as grandes metrpoles do mundo que tem toda a lgica para um
mercado de consumo capitalista. Assim:
(...) a imagem urbana seria, apenas, pragmaticamente construda e atenderia utilidade de fixar poderes, valores e ideologias, em outros termos, induziria um modo de pensar e, sobretudo, de agir confirmando os valores que a imagem concretiza. (FERRARA, 2000, p. 117)
Acreditamos que todo o processo de anlise das caractersticas que a
Paulista possui e que a configuram como cone e continuam se mantendo aponta
para uma ao na qual uma elite oligrquica que necessitava demonstrar seu poder
e riqueza se instalou em um espao nico e exclusivo, no qual construram belos e
requintados casares, sendo que, no bojo do processo de expanso urbana da metrpole, se metamorfoseou e adquiriu novas caractersticas, extrapolando o uso
de seu espao somente para uma populao mais abastada, produzindo formas de
identificao de seu espao pelas demais classes sociais na forma de apropriao.
Desta forma, o surgimento desse cone, neste momento histrico, possui,
dentro do contexto de expanso urbana de So Paulo, forte significado, pois de
1872 a 1950, a cidade metamorfoseia-se de uma aglomerao diminuta para uma
grande metrpole nacional, maior inclusive que o Rio de Janeiro. Isto devido ao
intenso investimento feito, alavancado primeiramente pelo comrcio cafeeiro e,
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posteriormente, pela industrializao e pela urbanizao ocorridas. (SUZUKI, 2004, p. 145)
Assim, dentre os principais fatores responsveis por essa transformao,
esto a grande expanso da lavoura cafeeira paulista; o incio da industrializao
custa dos capitais acumulados pela riqueza cafeeira; a imigrao estrangeira; o
aumento extraordinrio da populao urbana; e a inaugurao e respectivo
aproveitamento da energia eltrica criada pela Light and Power (ARAJO FILHO, 2001, p. 111), sendo a discusso destes fatores adensada por Martins (1990) e Suzuki (2002) no debate da transio da renda capitalizada escravista para a renda capitalizada em imveis.
Desta forma, a Paulista tem uma simbologia de muita importncia, pois
reflete a situao de uma cidade que se transformou rapidamente, ou seja, construir uma avenida nos moldes franceses, com a finalidade de abrigar grandes e refinadas
construes, era o que necessitava uma elite oligrquica para demonstrar a pujana que adquiriu e que deveria ser refletida na cidade, no sendo mais um aglomerado
urbano empobrecido e sim uma metrpole moderna. (DAMIANI, 2004, p. 22) Destruir vestgios de pobreza tornou-se a soluo para uma cidade que num
curto perodo tomou uma dimenso nacional, como salienta Damiani:
Da cidade de taipa de pilo, da poca colonial, Cidade do tijolo houve, nesta passagem do fim do sculo XIX ao incio do sculo XX, a importncia do caf, da industrializao, da ferrovia, depois do bonde eltrico e uma extraordinria especulao imobiliria, envolvendo o Centro. O que implicou a destruio de igrejas de taipa, de edificaes e a expulso da populao negra e parda das redondezas, na base da administrao de Antonio Prado. Esse processo tambm implicou a venda de antigas chcaras transformadas em loteamentos de caractersticas mais abastadas, como em Campos Elseos ou Higienpolis, e mais populares, como Barra Funda e Bom Retiro (DAMIANI, 2004, p. 21).
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Essas transformaes ocorreram medida que a cidade crescia e novos
elementos tecnolgicos foram estabelecendo-se. Nestor Goulart Reis Filho identifica,
em seu livro So Paulo e Outras Cidades (1994), quatro fisionomias sucessivas e distintas:
Podemos identificar pelo menos quatro fisionomias distintas: a da velha cidade de taipa, do tempo do trabalho escravo (at 1888); a da cidade europia (1889-1930); a da cidade modernista (1930-1960) e a metrpole centralizada e congestionada (1960-1990) (REIS FILHO, 1994, p. 17-23).
Da velha cidade de taipa, restaram somente poucos vestgios, sendo o mais
famoso deles a parede feita com tal tcnica construtiva localizada no Ptio do
Colgio; da cidade europia ainda restam algumas casas, principalmente no bairro
dos Campos Elseos e, da cidade modernista, alguns cones pontuais, inclusive na
prpria Paulista, como o caso do MASP (Museu de Arte de So Paulo). Conforme a metrpole ia se transformando em virtude da modernidade que
se apresentava na poca, as construes horizontais foram dando espao para as
construes verticais, ou seja, em prol da modernidade, os casares foram demolidos e construdos os grandes edifcios, assim como salienta Limena:
A chave da modernidade da Avenida estava, at a dcada de 30, em dois elementos: por um lado, em seu projeto, envolvendo preocupaes que aliavam a racionalidade esttica (a linearidade das caladas, o recuo exigido para as construes, os espaos de lazer) e em sua arquitetura ecltica que projetava uma imagem cenogrfica horizontal para a cidade, simbolizando o prprio capital, que fornecia o suporte para a realizao de um projeto de cidade moderna; por outro lado, em sua funo simblica, como expresso visual dos valores de uma classe social, por seus usos e pelas imagens de cidade que a Paulista proporcionava. A nova chave de sua monumentalidade iria residir em novas formas, capazes de adaptar a imagem da cidade aos novos tempos e aos novos homens contemporneos, reforando os novos princpios de um novo padro de acumulao de capital, pautado pela economia e pela eficcia, cujo grande trunfo seria a verticalizao; seu instrumento, a demolio (LIMENA, 1996, p. 83-84).
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Apesar de representar status e centro de riqueza, a Paulista possui, em seu
espao, aspectos que extrapolam tendncias de poder que sempre nela habitaram,
onde todas as formas de apropriao, fixas, como as sedes comerciais, bancos,
centros culturas etc, ou espordicas, como manifestaes de classes trabalhadoras,
comemoraes e atos pblicos, existem de maneira emblemtica, sinalizando-nos
que seu espao foi, de certa forma, sendo apropriado e representativo para todas
essas classes sociais, mesmo que em propores diferentes, constituindo-se como
expresses de formas de poder e de luta. (LIMENA, 1996, p. 15-16) Neste trabalho, consideraremos a Paulista como um cone nico, que agrega
em seu espao outros cones como o MASP, a Casa das Rosas e o Conjunto Nacional, entre outros, pois temos como intuito refletir sobre a formao desse
conjunto e todo o tecido social que ele envolve, sendo que evitaremos correr o risco de fragment-lo, tratando em separado todos os cones que ele agrega, pois, de
acordo com Seabra (2004, p. 283), podemos dizer que so ncoras culturais da Paulista.
A grande questo estabelecida como a Paulista, praticamente desde sua
inaugurao em 1891, constituiu uma imagem que se metamorfoseou em cone da
aglomerao de So Paulo e mesmo com as transformaes que sofreu,
acompanhando o desenvolvimento da cidade, continuou sendo considerada como
tal, diferente de cones que, por exemplo, inseridos no centro velho, acabaram, de
certa forma, por mudar seu grau de representatividade medida que o centro foi
esvaziado6 e a aglomerao se metamorfoseava.
6 O esvaziamento do centro histrico de So Paulo, zona do tringulo, que compreende as ruas Boa
Vista, So Bento e Direita e, do centro novo, que vai do Viaduto do Ch at a Avenida Ipiranga, ocorreu, sobretudo, a partir dos anos 1960, pois com a consolidao do capitalismo monopolista multinacional, houve uma queda representativa na qualidade dos servios e moradias nestes locais. (SCARLATO, 2005, p. 130, 131)
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Um dos elementos que enfatizam o cone Paulista desde praticamente a sua
formao a admirao tida por ela, no somente pelos seus moradores, mas
tambm pelo restante da populao da cidade que a tinha e a tem at hoje como destino de passeio dominical. J no final de 1800 e incio de 1900, o domingo na
Paulista servia como forma de lazer: (...) A Avenida Paulista, um dos pontos mais belos de nossa capital e que sem dvida constitui hoje um dos passeios mais procurados, principalmente aos domingos (...) (O Estado de So Paulo, 06 de maio de 1894, apud DALESSIO; SOUKEF; ALBARELLO, 2002, p. 26). E, atualmente, alm da grande procura pelas salas de cinema, que so em grande nmero, ocorre,
tambm uma feira de antiguidades no vo livre do MASP, alm de toda a
programao oferecida nos espaos culturais existentes.
Cabe ressaltar, tambm, que a Paulista incorporou rapidamente uma nova
cultura estabelecida para a cidade, fundamentada em aes que so inerentes s
cidades globais, como salienta Seabra:
(...) So Paulo foi transformada em elo de articulao, em um espao estratgico para a crescente internacionalizao dos fluxos de bens, servios e informaes nos circuitos internacionais. Processo que d origem a uma rede mundial de metrpoles onde so geradas e por onde transitam decises financeiras, mercadolgicas, tecnolgicas, capazes de definir e redefinir estratgias. So as cidades globais. (SEABRA, 2004, p. 276)
O termo cidade global, usado por Seabra, pode ser tambm entendido
como: Cidade competitiva, conectada, globalizada, empreendedora e flexvel
(SNCHEZ, 2003, p. 548), pois so representaes utilizadas para qualificar e legitimar as transformaes materiais impostas por um plano definido para a cidade,
o qual d visibilidade e destaque cidade em um cenrio mundial. (SNCHEZ, 2003, p. 548)
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O que podemos perceber que a Paulista foi imaginada e criada com
objetivos muito bem definidos, mesmo quando necessitou de reestruturaes urbanas, como define muito bem Seabra (2004, p. 283), pois, mesmo quando houvera fases de degradao, as estratgias para consagrar o prestgio simblico
de seu espao foram notadamente eficazes para manter sua simbologia como cone
maior da cidade, o que ocorreu no final de 1989 e incio de 1990, na ocasio das
vsperas de seu centenrio, com as campanhas institucionais Faa So Paulo
Melhor criada pelo Banco Ita e, logo aps a campanha Eleja So Paulo, tambm por iniciativa do Banco Ita em parceria com a rede Globo, sendo que a ltima
definiu a Paulista como smbolo da cidade de So Paulo. Apesar dessas duas
campanhas estarem fortemente ligadas a interesses especficos dos prprios
organizadores, interessante ressaltar que at os prprios crticos dessas
campanhas elucidaram sua legitimidade, como aponta Frgoli Jr.:
(...) pode-se concluir que a Paulista teria vencido o concurso pelo prestgio construdo ao longo de sua histria, realado por sua condio de centralidade, alm do apelo de modernidade que despertava ento em vrias classes sociais, particularmente nas classes mdias, a despeito de interesses que estiveram presentes no processo que resultou em sua eleio como smbolo da cidade (FRGOLI JR., 2000, p. 137).
Reafirmando este discurso, o Sr. Nelson Baeta Neves relata:
A Paulista um cone por qu? Porque vrias pesquisas foram feitas para identificar qual era o smbolo maior de So Paulo. Esta pesquisa foi encomendada pelo Banco Ita para direcionar uma poltica de marketing deles e isso no incio dos anos 1990, no final dos anos 1980 e, disparado foi a Paulista, eleita pela comunidade, pela sociedade de So Paulo. Depois outras pesquisas continuaram sendo feitas, vrias, sempre dando a Paulista como o principal smbolo da cidade, pela histria dela, pelo que ela significa hoje como imagem da cidade, sendo que a ltima pesquisa formal foi feita no incio do governo da Marta Suplicy, ela foi feita em 2002 e a surpreendentemente nesta pesquisa foi eleito em 1 lugar como smbolo de So Paulo o MASP, com 86% e, em 2 lugar a Paulista, com 84%, logo, isto me permitiu um sofismo para dizer que, como o
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MASP est na Paulista ento, a Paulista tinha uma preferncia de 170%. Mas como 170%? Eu somei as duas, entendeu?7
Com este relato, podemos perceber a importncia das ncoras culturais
(SEABRA, 2004, p. 283), instaladas ao longo de todo o espao, como o MASP, lembrado pelo Sr. Nelson, alm do Conjunto Nacional, da Casa das Rosas e do Parque Trianon, entre outras, pois elas proporcionam a coeso do espao da
Paulista como figurativo de uma totalidade.
Destacamos que as caractersticas fsicas do cone so importantes para
sua fixao na memria dos cidados, porm a relao desse fsico que pode ser
entendido neste caso como o espao construdo da Paulista, incluindo o pblico e o
privado, com o subjetivo, ou seja, os significados existentes, neste espao, tm, em conjunto, o poder de fixar o cone pleno. Scarlato deixa claro o quanto a prtica social permite a transformao do concreto inerte em significados que se mantm
por geraes:
Assim, para melhor compreender a natureza de uma cidade como espao de realizao humana, temos que buscar nas formas de interao entre os espaos construdos e seus significados, a essncia desta natureza. Espaos interiores e espaos pblicos, a maneira como eles se abrem e se fecham sobre si mesmos, criando um universo multifacetado de situaes que nos revela seus cdigos e normas de comportamentos e seu grau de interao social, maior ou menor permeabilidade nas relaes sociais, so elementos que demonstram como a memria e o imaginrio transforma uma massa de concreto inerte em coisas vivas, capazes de transcenderem geraes (SCARLATO, 2004, p. 254).
Os apontamentos que Scarlato faz demonstram que a formao de um cone
no se d somente com as caractersticas fsicas dele, pois existem relaes
intrnsecas, as quais exercem significados importantes, como, por exemplo, o uso do
espao da Paulista para os desfiles de carnaval, visitas ilustres, manifestaes
7 Sr. Nelson Baeta Neves. Entrevista concedida autora. So Paulo, 4 de outubro de 2006.
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sociais, polticas, eventos esportivos, protestos populares e comemoraes, tendo
significao especial para todos que pertenceram de algum modo a esses eventos.
(LIMENA, 1996, p. 132) O surgimento, a construo e a fixao da Paulista, como um cone
diferenciado da cidade de So Paulo, tiveram a iniciativa pblica e privada aliadas
ao interesse de sua produo marcada por conflitos, sobretudo aps o Modernismo,
proporcionando uma forma de constncia de seu significado, o que de certa maneira
no ocorreu com outros cones, pois essa constncia est atrelada, de certa forma,
aos usos. Alm disso, a aceitao imediata como forma de identificao, pela
maioria das classes sociais, cada uma a seu modo, veio consolidar este processo
que permanece at nossos dias.
Assim, essa caracterstica de constante metamorfose, acompanhando o
ritmo de desenvolvimento da metrpole, tanto em seu formato fsico quanto em seu
formato scio-cultural, garante o ttulo de cone a uma Avenida que representa uma
metrpole multifacetada como So Paulo, exaltada e ostentada, principalmente, pelo
chamado city marketing8 que consegue reunir no espao da metrpole, as mais
luxuosas e suntuosas construes, como o caso dos condomnios residenciais
fechados, tanto horizontais, quanto verticais, os mais versteis e tecnolgicos
edifcios comerciais, uma ampla rede de comrcio, com verdadeiros templos de
consumo que so os shopping centers e, sobretudo, oferta abundante de lazer e
atividades culturais.
Em contraponto a esses atributos exaltados, verificamos que so suprimidas
das imagens-sntese outras facetas da metrpole, que esto to intrnsecas quanto
8 Fernanda Snchez conceitua o chamado city marketing como um instrumento usado para vender a
cidade-mercadoria como um produto mundial. Assim, para a potencializao dessa venda, uma combinao de transformaes materiais e representaes, reunidas em imagens-sntese, que neste caso podem ser traduzidas como cones, so acionadas como atributos mercadolgicos do produto-cidade. (SNCHEZ, 2003, p. 548)
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s anteriormente citadas, como a pobreza latente em ocupaes irregulares,
geralmente em reas de manancial; favelas sem qualquer tipo de estrutura, como
saneamento bsico e transporte; trnsito; poluio e criminalidade.
A Paulista, mesmo diante do surgimento de uma multipolicentralidade que se
traduz no desdobramento da centralidade9, no perdeu seu apelo diante do mercado
produto-cidade.
Diferentemente do que aconteceu no centro velho da cidade, que, de certa
forma, deixou de reciclar-se no mesmo ritmo imposto metrpole, teve suas funes
transformadas e viu o deterioramento10 de seu patrimnio edificado por aes
impostas pela expanso imobiliria (SEABRA, 2004, p. 279). A Paulista, talvez por ser smbolo de progresso, teve sua paisagem mudada ao longo de sua histria,
porm, mediante esse progresso, no houve a preservao de seu patrimnio
arquitetnico que foi quase todo demolido, restando apenas resqucios, como, por
exemplo, a Casa das Rosas.
Sem desqualificar a importncia do Centro e muitos outros cones da cidade,
com tantos significados, instiga-me desvendar o surgimento e a permanncia deste
cone como um smbolo de So Paulo, questionando como a sociedade a elegeu
como cone e, a partir da, como o usa como espao de manifestaes e como meio
de construo de sua identidade.
Assim, no captulo 1, descrevemos como o projeto de construo da Paulista se destacou perante outros loteamentos que surgiam, no bojo dos principais fatores inerentes expanso urbana de So Paulo, inclusive as construes que foram se
9 No caso especfico de So Paulo, a multipolicentralidade ocorreu num formato de desdobramento
da centralidade, pois mesmo com a degradao de parte de suas formas espaciais, o centro histrico no perde sua atribuio de central, mas de nica centralidade. (ALVES, 2005, p. 140) 10
A palavra deterioramento, neste caso, significa a perda das funes originais destinadas a todo o patrimnio edificado constitudo no centro velho de So Paulo, no caracterizando um discurso simplificador da deteriorao, que deve ser combatido, como defende Scarlato. (2005, p. 131)
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estabelecendo ao longo de seu espao, destacando a pujana arquitetnica estabelecida nessas construes, bem como os usos e modos de vida das famlias
que viviam l, que tinham diferentes origens.
J no captulo 2, destacam-se as metamorfoses ocorridas na Paulista no
sculo XX, sobretudo aps a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929, e
o processo engendrado pela verticalizao urbana, na estruturao e reestruturao
imobiliria, causando profundas mudanas na paisagem e nos usos do espao
pblico e privado da avenida.
No captulo 3, destacamos as caractersticas identificadas que tornam a
Paulista um cone singular, analisando tambm trs diferentes formas de
apropriao do espao pblico da Paulista: A Corrida Internacional de So Silvestre,
O 1 de maio da CUT e a Parada do Orgulho GLBT, enfatizando as contradies e
conflitos estabelecidos nessas relaes, bem como o contraponto diante do
Ministrio Pblico Estadual, referente ao uso desse espao.
Assim, diante do recorte abordado em nossa pesquisa, acreditamos ter
reunido subsdios suficientes que culminaram na afirmao de que a Paulista um
dos maiores cones da metrpole de So Paulo e representativa para a leitura da
metamorfose porque passou a aglomerao.
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1. Avenida Paulista: de um projeto da oligarquia agrria gnese de um cone urbano
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O projeto e o estabelecimento da Paulista fazem parte de um complexo processo que possui como vis a urbanizao de So Paulo, em grande medida
enraizada em sua gnese. Desta forma, se fez necessrio um retorno temporal para
que nos permitisse discutir e analisar alguns aspectos que contriburam para esta
configurao.
Assim, em 25 de janeiro de 1554, dia em que os padres da Companhia de Jesus se estabeleceram em construo precria de taipa, iniciou-se o aglomerado
de So Paulo, o qual ascendeu condio de vila (Vila de So Paulo de Piratininga) em 1560. (SUZUKI, 2002, p. 17-18)
Vrias foram as circunstncias que fizeram com que Mem de S, terceiro
governador-geral, se decidisse por transferir a condio de vila para So Paulo de
Piratininga em relao Vila de Santo Andr da Borda do Campo, mandando
evacuar esta segunda, apesar dela ter se estabelecido como vila anteriormente
chegada do jesutas no ncleo primitivo de So Paulo, como descreve Prado Jnior:
Deixando de lado, portanto, as circunstncias histricas imediatas e particulares que determinaram a preferncia por So Paulo, permanece o fato geral da superioridade fsica de sua localizao como causa determinante principal da fixao nele do primeiro centro colonial do planalto paulista (PRADO JNIOR, 1983, p. 19).
A partir da, houve um processo de expanso lento e bem especfico essa
aglomerao e sua realidade, com casas feitas de taipa de pilo concentradas no
tringulo onde estava o colgio desses padres que no o escolheram por acaso e
sim porque este local dava suporte necessrio para sua sobrevivncia, como gua
abundante e localizao ao alto de uma colina, o que permitia a defesa contra
eventuais ataques. (SUZUKI, 2002, p. 25) Aps ser beneficiada pela dinmica econmica advinda da explorao de
ouro, principalmente das Minas Gerais e j somando quatrocentas habitaes, So
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Paulo conquista, em 1711, a condio de cidade, porm concretizada somente em
1745, com a criao do bispado de So Paulo, sendo este elemento essencial na
definio das cidades da Colnia. (SUZUKI, 2002, p. 27) Porm, esse benefcio advindo da extrao aurfera pouco durou, pois os
paulistas tinham poucos recursos para adquirir escravos africanos e tcnicas de
explorao mineira. Porm, com esses ganhos, foi possvel ampliar a atividade
agrcola e a atividade comercial durante o sculo XVIII. (SUZUKI, 2002, p. 27-29) Caio Prado Jnior afirma, com muita propriedade, que o aglomerado de So
Paulo se desenvolveu por se conformar como o centro do sistema de comunicaes
do planalto, formado por um sistema hidrogrfico, geomorfolgico e virio. (PRADO JNIOR, 1983, p. 37)
Benedito Lima de Toledo, em seu livro So Paulo: trs cidades em um
sculo, descreve que, at o advento da ferrovia, a cidade era toda feita em taipa de
pilo e descrita por todos os viajantes como a cidade de barro. Seu traado era irregular, porm seguindo logstica das ruas imposta na poca. (TOLEDO, 2004, p. 10) A expresso trs cidades do ttulo do livro de Toledo, se refere s
metamorfoses ocorridas na aglomerao de So Paulo em decorrncia de seu
processo de expanso urbana, em que ele mesmo relata enfaticamente:
A cidade de So Paulo um palimpsesto um imenso pergaminho cuja escrita raspada de tempos em tempos, para receber outra nova, de qualidade literria inferior, no geral. Uma cidade construda duas vezes sobre si mesma, no sculo XIX. Uma cidade capaz de gerar um parque como o Anhangaba, um dos mais belos centros de cidade das Amricas, para destru-lo em poucas dcadas, e sem necessidade, apenas por imediatismo e imprevidncia. Capaz de criar uma Avenida Paulista, nica por sua posio na cidade e insubstituvel em sua elegncia, para aos poucos destru-la minuciosa e repassadamente. E, sem remorso. (TOLEDO, 2004, p. 77)
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Assim, Toledo descreve, com certo tom de indignao, as fases que a
expanso urbana imps sobre a paisagem edificada, mudando por completo as
caractersticas construtivas das casas e edifcios em geral. Desta forma,
complementa, descrevendo o aspecto das casas edificadas com a tcnica da taipa
de pilo:
Casas com paredes de taipa de pilo, protegidas por amplos beirais, davam feio caracterstica cidade, como assinalaram todos os viajantes. A expresso telha paulista, para designar a telha cncava de barro, no deixa de ser sintomtica (TOLEDO, 2004, p. 10).
Este pequeno aglomerado permaneceu com essas dimenses e feies
descritas por Toledo at as ltimas dcadas do sculo XIX, sendo que passou a
expandir-se rapidamente com as bem sucedidas atividades na agricultura, na
indstria e no comrcio, favorecidas pela ferrovia. (TOLEDO, 2004, p. 68) Aroldo de Azevedo muito feliz em relatar alguns dos fatores que
proporcionaram o crescimento da aglomerao de So Paulo a partir da dcada de
1870-80:
1) a expanso da cultura cafeeira em terras paulistas, principalmente depois que se deslocou do vale do Paraba e passou a predominar, sem competidor, nas reas cristalinas e no planalto arenito-basltico do interior paulista, desde que foi a cidade de So Paulo a grande beneficiria da riqueza ento acumulada; 2) a multiplicao das vias frreas, no planalto paulista, tendo por fulcro o binrio So Paulo-Santos, e que se intensificou, paralelamente ao fator anterior, nas duas ltimas dcadas do sculo passado; 3) o extraordinrio incremento da imigrao, notadamente de italianos, caracterstico desse mesmo perodo e motivado pela expanso cafeeira, que trouxe para o Estado, numa s dcada, nada menos de 900 000 imigrantes, encaminhados para o interior, mas refluindo em massa para a Capital, onde se fixaram, com suas famlias numerosas e suas habilidades profissionais; 4) o afluxo de capitais estrangeiros, sobretudo anglo-canadenses e norte-americanos, o que tornou possvel o melhor aproveitamento do potencial hidreltrico do Planalto Paulista, a expanso e a melhoria do servio de bondes, o loteamento de reas at ento inteis (que se transformaram em aprazveis bairros-jardins) e, particularmente, o desenvolvimento industrial;
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5) a criao do parque industrial paulistano, hoje considerado o mais poderoso da Amrica do Sul, cujo ininterrupto desenvolvimento passou a exigir, em propores crescentes, mo-de-obra cada vez mais numerosa e especializada, alm de grandes espaos destinados instalao de novos estabelecimentos fabris; 6) o conseqente xodo de populaes rurais e urbanas, oriundas do interior do prprio Estado e de outras regies do pas, atradas irrefreavelmente pelas vantagens, reais ou supostas, da nova e dinmica metrpole ou simplesmente em busca de trabalho, tamanha a febre de construes e to poderosa sua fora econmica; 7) o loteamento de grandes propriedades de incio as tradicionais chcaras localizadas em plena rea urbana, em seguida os stios e fazendas da regio suburbana de que resultou a proliferao de novos bairros e a multiplicao das chamadas vilas tipicamente residenciais, onde se aglomera uma parte substancial da populao ativa da Capital paulista (AZEVEDO, 1958, p. 12-13).
Assim, esses fatores, associados aos fatores geogrficos ressaltados por
Caio Prado Jnior proporcionaram expressiva expanso, como demonstra o quadro
das quatro etapas de expanso da cidade de So Paulo (ver Figura 4):
Figura 4- Expanso linear da cidade de So Paulo, em quatro sculos
FONTE: AZEVEDO, Aroldo de. So Paulo, cidade trimilionria. In: AZEVEDO, Aroldo de. A Cidade de So Paulo: estudos de geografia urbana. So Paulo: So Paulo Editora, 1958, p. 9.
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Diante deste quadro, temos ntidas as etapas, at o 4 centenrio da cidade,
de sua expanso urbana, a qual notamos uma diminuta mudana desde sua
fundao at 1840, percebendo somente a alterao em seu centro na transio de
vila para cidade e a incluso de pequenas aglomeraes mais afastadas do centro
(Butant, Pinheiros e Penha de Frana). J o panorama de 1840 at 1914 considervel, sobressaindo os bairros de Cerqueira Csar, Avenida Paulista, Bela
Vista, Brs e Belenzinho, numa expanso mais prxima ao centro. Na ltima fase
apresentada, notamos a intensificao da urbanizao, havendo, inclusive o
preenchimento de todo o espao entre os bairros que antes era tomado por campo e
rvores e a verticalizao, fator marcante desta etapa.
Em relao ao movimento de acelerao da expanso, Suzuki afirma que,
segundo o recenseamento do Marechal Daniel Pedro Muller, em 1836, a
aglomerao de So Paulo possua trs freguesias em sua rea mais adensada: S,
Santa Ifignia e Brs e, na rea mais afastada: Guarulhos, Nossa Senhora do , Cotia, Nossa Senhora da Penha, So Bernardo, Juqueri e MBoi (Embu), diferenciando-se muito pouco da aglomerao de 1810. (SUZUKI, 2002, p. 44)
Assim, Suzuki afirma que o incio da formao dos bairros residenciais se d
a partir do ltimo quartel do sculo XIX:
No entanto, somente no ltimo quartel do sculo XIX, a aglomerao ir conhecer uma rpida ampliao do stio. J nos anos 1880, comeam a se formar os primeiros bairros residenciais (SUZUKI, 2002, p. 105).
Paulo Csar Xavier Pereira, em seu livro So Paulo a construo da
cidade 1872-1914, faz uma excelente reflexo sobre as particularidades do
processo de desenvolvimento da indstria da construo civil, analisando a
constituio das relaes capitalistas nesta atividade na cidade de So Paulo,
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sobretudo dos processos de transformao que ela sofreu no final do sculo XIX at
as primeiras dcadas do sculo XX, particularmente sobre as condies de moradia
urbana e as condies de trabalho, imbricadas no desenvolvimento do mercado
imobilirio. (PEREIRA, 2004, p. 7) No bojo da expanso econmica de So Paulo, ocorreu tambm sua
expanso fsica:
A rpida modernizao da cidade se confundia com o ritmo vertiginoso da urbanizao, empurrando a cidade para alm da colina do Tamanduate, qual ela havia permanecido restrita por trs sculos. A expanso fsica e econmica da cidade renovava sua fisionomia, revigorada pelo desenvolvimento do comrcio, da indstria e do mercado financeiro gestado no ordenamento capitalista da cafeicultura (PEREIRA, 2004, p. 13).
Desta forma, o aumento dos negcios ocorridos nos desdobramentos do
complexo cafeeiro levou muitas pessoas a fixar residncia na capital, como
fazendeiros, empresrios comerciais e industriais, funcionrios do governo e
tambm muitos imigrantes que tentavam a sorte em alguma atividade assalariada ou
pequeno negcio, mudando, assim, a aparncia da cidade que, de primitiva e
homognea, passava a ter indcios cosmopolitas heterogneos. (PEREIRA, 2004, p. 13)
Com este movimento, a formao do mercado de trabalho e do mercado
imobilirio na cidade foi intensa, com expressivo nmero de construes e,
conseqentemente, certa diferenciao entre os trabalhadores da construo que
tinham remunerao maior que os demais trabalhadores, destacando tambm a
presena macia de italianos neste ramo da produo, que obteve prestgio e
reconhecimento pela qualidade no trabalho de construir. (PEREIRA, 2004, p. 18) Diante deste prestgio, houve a construo de um esteretipo do italiano,
que, tido como artista, se consolidou no bojo das intenes europeizantes por parte
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da classe dominante paulista, refletidas nos palacetes e obras pblicas, tentando
dizimar traos da arquitetura colonial. (PEREIRA, 2004, p. 19) Com isto, a expanso imobiliria se consolidou e, conseqentemente, o
mercado imobilirio, como esclarece Pereira:
Em suma, a consolidao do mercado imobilirio (fuso do mercado de terras, aluguis e edifcios) tendeu a pressionar a transformao de sobrelucros na construo em renda, mesclando valorizao imobiliria com a estratgia industrial de aprofundamento da explorao do trabalho de construir. Essa mescla de estratgias no aumento do excedente do valor do produto imobilirio, inicialmente, viabilizou o prestgio do trabalhador, mas, posteriormente, comprometeu sua posio privilegiada, como resultado da crescente subordinao do trabalho e da terra na atividade de construir. No aprofundamento dessa subordinao, de maneira inversa condio anterior, a figura do italiano como trabalhador privilegiado se esvaneceu, pois foram destrudas, no desenvolvimento capitalista da construo, as condies de distino desse trabalhador na atividade de construir, as quais de incio o prprio desenvolvimento industrial e urbano da cidade de So Paulo haviam criado (PEREIRA, 2004, p. 165).
Assim, a industrializao e a urbanizao se constituram como
fundamentais no processo de reproduo do capital, envolvendo estratgias
empresariais que valorizaram o produto imobilirio. (PEREIRA, 2004, p. 165). De acordo com Pereira (2004, p. 165), as relaes sociais estabelecidas
neste momento de industrializao e urbanizao, eram, basicamente, vinculadas ao
trabalho, sendo que as elites oligrquicas tinham o desejo de construir algo que demonstrasse a dimenso do crescimento econmico que a atividade agrria e
industrial, incluindo o comrcio tomou, tendo o projeto de abertura da Paulista vindo ao encontro do desejo dessa elite de explicitar a nova realidade da cidade.
Os imigrantes e a populao pobre trabalhadora viviam uma outra realidade,
neste contexto de expanso urbana, morando em locais distantes do centro,
geralmente encortiados e sem infra-estrutura, como, por exemplo, saneamento,
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tendo assim, uma relao dicotmica entre classes sociais, como relata Jos de
Souza Martins em seu livro Subrbio:
A dicotomia colonial da cidade e seu subrbio separava o mandar e o trabalhar. O modo de ver do mandar produziu tambm a histria do ocultamento do trabalhar, relegando-o para alm dos limites da cidade. Ora, com o incio da disseminao do trabalho livre e o incio da industrializao, o espao do mandar foi invadido pelo trabalhar e sua nova hierarquizao das relaes sociais e das classes e seus conflitos, completamente diferente da que prevalecera no passado (MARTINS, 1992, p. 9).
Neste momento, percebemos uma sutil diferena em relao apropriao
dos espaos em So Paulo onde, nos loteamentos e reas nobres, instalava-se a
elite, restando o subrbio para a populao mais empobrecida, sendo que esta
poderia ter acesso s reas pertencentes primeira somente na forma de trabalho
ou contemplao.
Os fundamentos da reproduo das relaes sociais no desenvolvimento do
aglomerado urbano da cidade de So Paulo foram marcados pelo predomnio da
escravido e, posteriormente, na mercantilizao de imveis, sendo este entendido
como terra e/ou edifcio (SUZUKI, 2002, p. 2). O significado da transio da renda capitalizada escravista para a renda capitalizada em imveis est muito bem
marcada em So Paulo, tendo sido determinada pela possibilidade de fim da
escravido africana no Brasil, pois como salienta Suzuki: A transio do fundamento
da reproduo das relaes sociais da propriedade do escravo propriedade de
imveis determinada, sobretudo, pela possibilidade de fim da escravido africana
no Brasil. (SUZUKI, 2002, p. 151). Em relao ao crescimento demogrfico da aglomerao, Suzuki destaca
que: Dentre as dez maiores aglomeraes brasileiras, em termos populacionais, do
final do terceiro quartel do sculo XIX, So Paulo, a dcima maior aglomerao
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brasileira em 1872, a nica cujo crescimento demogrfico superior a 151,20% (...) (SUZUKI, 2002, p. 4). Assim, quando a Paulista foi inaugurada em 1891, esta racionalidade do uso do imvel como mercadoria j estava presente e espraiando-se pela cidade, principalmente na forma de loteamentos, no caso da populao mais
abastada.
Com um grande montante de riquezas investido em diferentes reas,
sobretudo na expanso urbana de So Paulo, a sua populao quase quintuplicou,
de 1886 a 1900, ocorrendo, tambm, um aumento areal de seu stio, com
conseqncias graves para a populao, como a precariedade no abastecimento de
gua e nos transportes, somando-se s doenas que se expandiam em decorrncia
do acmulo de pessoas em regies que no as comportavam, como, por exemplo,
os bairros da regio central; e, tambm, as molstias que eram trazidas pelos
imigrantes, sobretudo da Europa, havendo a deteriorao dos bairros,
principalmente do Brs, do Bom Retiro, de Santa Ifignia, alm do Centro, reas nas
quais a populao pobre se concentrava. Diante deste problema, o Estado agiu
assumindo a reformulao do Servio Sanitrio e o saneamento das terras e das
guas, encampando a antiga Cia. Cantareira de guas e Esgotos (HOMEM, 1996, p. 119).
Diante disto, foi constatado que muitos desses problemas eram ocasionados
em decorrncia da concentrao da populao em locais cuja topografia era irregular ou terrenos planos cortados por rios e sujeitos a enchentes e, ainda, os locais prximos s ferrovias. Assim, valorizaram-se os terrenos mais altos e os
agentes imobilirios aproveitaram-se deste momento para desenvolver os
loteamentos nessas terras mais altas, sobressaindo-se os interesses dos mais
poderosos, dentre eles muitos europeus. (HOMEM, 1996, p. 121)
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Assim, a urbanizao da cidade configurava-se neste momento, possuindo
diferentes formas de loteamento, atendendo as necessidades estabelecidas pela
populao que se instalava, como relata Homem:
Nas zonas perifricas, alm da ferrovia Inglesa e da Sorocabana, e nas margens da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil, as terras tornaram-se mais baratas, por serem baixas e midas, atraindo as indstrias e os menos favorecidos. Despontaram os loteamentos servidos pelos trens de subrbios, dando origem aos bairros operrios situados em torno das estaes ou nas paradas dos trens. Nasceram a Quarta e Quinta Parada, na Zona Leste, seguidas da Vila Gomes Cardim. Misturadas s chcaras, as velhas freguesias desenvolviam-se como bairros operrios: a Penha, o Tatuap, o Pari e o Brs. No sentido Sul, os trens suburbanos serviam So Bernardo, So Caetano e Santo Andr, mais a Vila Prudente, a Moca e o Ipiranga, aproximando-os do centro da cidade. A oeste, a Barra Funda, o Bom Retiro, a Lapa e a gua Branca j possuam seu lugar na planta da cidade de 1897. A regio de Santana beneficiou-se com o trem da Cantareira (HOMEM, 1996, p. 121).
Os terrenos colinosos que possuam chcaras foram loteados, nascendo,
assim, Higienpolis e a Paulista para o habitar das camadas mais elitizadas da
cidade, longe dos focos de doenas e das aglomeraes menos abastadas.
(HOMEM, 1996, p. 123) Da aglomerao de So Paulo, havia caminhos que conduziam os tropeiros
em sentido a Sorocaba e Santo Amaro, tendo j no sculo XVIII referncias ao espigo central da cidade, o alto do Caagua11 como era chamado, local
privilegiado, pois alm de ponto referencial tinha boa visibilidade. Este espigo
localizava-se em uma propriedade chamada Chcara do Capo, onde foi aberta
uma trilha que era chamada de Estrada da Real Grandeza. (DALESSIO; SOUKEF; ALBARELLO, 2002, p. 16)
11 Caagua em tupi, lngua indgena, significa mato grande ou grosso. (DALESSIO; SOUKEF;
ALBARELLO, 2002, p. 14)
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Desde o incio da aglomerao de So Paulo, o espao que veio dar lugar
Paulista j servia como uma espcie de marco para quem a utilizava. (DALESSIO; SOUKEF; ALBARELLO, 2002, p. 15)
As duas vertentes do espigo central possuem certo contraste, sendo que
na vertente do rio Tiet, os flancos desse divisor apresentam um escalonamento e
um espaamento de nveis intermedirios muito mais pronunciados do que na
vertente do rio Pinheiros. Assim, percebemos que, da Paulista para o Sul e
Sudoeste, ou seja, vertente do rio Pinheiros, h uma srie de ladeiras, de rampas acentuadas, dotadas de certo alinhamento e continuidade, enquanto que a face
Norte e Nordeste do espigo, vertente do rio Tiet, desce por meio de uma srie de
espiges secundrios, separados por sulcos de pequenos vales paralelos e pouco
ramificados. (ABSBER, 1958, p. 175-176) Desde sua idealizao, feita pelo engenheiro agrnomo Joaquim Eugnio de
Lima12 que adquiriu os terrenos existentes ao longo de uma estrada que servia como
trilha, juntamente com seus scios Jos Borges de Figueiredo e Joo Augusto Garcia, a Paulista, denominada Real Grandeza, mantendo o nome da anterior trilha
que, antes de sua inaugurao em 8 de dezembro de 1891, que era usada como
caminho para ndios e, posteriormente, boiadas, sempre foi espao significativo da
aglomerao, sendo primeiramente habitada pelas elites cafeeiras, imigrantes
europeus empresrios da indstria e do comrcio e, posteriormente, sedes
financeiras e grandes escritrios. (FRGOLI JR., 2000, p. 113)
12 Uruguaio de Montevidu, Joaquim Eugnio de Lima nasceu em 1845, graduando-se em agronomia
na Alemanha. Aps passar longa temporada na Europa, veio para o Brasil, onde casou-se, em So Paulo, com Margarida J. A. de Toledo Lima. Alm das atividades que desenvolvia em urbanismo, tambm possuiu dois jornais em So Paulo, o Omnibus e a Cidade de S. Paulo. (FRGOLI JR., 2000, p. 113)
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No h, segundo Toledo (1987, p. 12), indicaes precisas sobre o projeto da Paulista (ver Planta 1)13, o qual foi estabelecido pelo prprio Joaquim Eugnio de Lima e executado pelo agrimensor Tarqunio Antonio Tarant, porm, muito bem
marcado foi seu objetivo que, de acordo com Frgoli Jr., foi criada com destino certo:
(...) um espao basicamente criado por um investimento privado, acompanhado de vrias melhorias providas pelo poder pblico, destinado a moradores de altssimo poder aquisitivo, com uma etapa inicial de predomnio de fazendeiros do caf, seguida por outra com milionrios ligados ao comrcio e indstria, muitos dos quais imigrantes, que implantaram um conjunto de manses, marcado pelo ecletismo arquitetnico; vimos tambm como se configurou, no Trianon, um espao de encontro dessa elite, alm de manifestaes culturais da mesma, como o corso carnavalesco. A Paulista, dessa forma, no s passou a constituir uma imagem de prestgio e distino com relao a seus moradores, mas a ser vista como um dos principais cartes-postais de So Paulo (FRGOLI JR., 2000, p. 116).
Percebemos esta magnitude da Paulista, descrita por Frgoli Jr., tambm
em sua Planta (ver Planta 1), que data de 1891, que possui caractersticas bem especficas que estavam presentes nos loteamentos anteriores, como do bairro dos
Campos Elseos, ou seja, pelo seu traado, chamando a ateno para a dimenso dos lotes que, extremamente grandes, destinavam-se, sem dvida, a grandes
construes. H, tambm, a indicao da diviso dos terrenos entre os scios
Joaquim Eugnio de Lima (n1), Joo Augusto Garcia (n2) e Jos Borges de Figueiredo (n3).
Porm, bem marcado , tambm, o diferencial dado ao seu espao em
relao s outras ruas, tanto paralelas quanto transversais, que j no tem a mesma largura, ou seja, notamos grande destaque dado Paulista partir de sua Planta, que a torna mpar inclusive perante todo o espao de seu loteamento.
13 A reproduo das plantas e mapas constantes neste trabalho se fez necessria para dar uma viso
geral do espraiamento de So Paulo, por isso no foi feito o melhor tratamento de suas inscries, priorizando uma reproduo fiel pelo significado e importncia de suas elaboraes no passado cartogrfico da aglomerao.
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Planta 1- Loteamento da Avenida Paulista
FONTE: TOLEDO, Benedito Lima de. lbum Iconogrfico da Avenida Paulista. So Paulo: Ex Libris, 1987. p. 17.
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Mnica Silveira Brito, em sua dissertao de mestrado A participao da
iniciativa privada na produo do espao urbano: So Paulo, 1890-1911, constata
que a participao da iniciativa privada no processo de urbanizao da cidade de
So Paulo foi mais abrangente do que se imagina e do que consta na bibliografia
relacionada ao tema que trata desta questo como resultado da ausncia de uma
lgica articuladora dos interesses de proprietrios imobilirios, empresas
implementadoras de infra-estrutura urbana e administrao pblica, causando
cidade a errnea impresso de um arranjo espacial catico. (BRITO, 2000, p. 2) Ao contrrio disto, por meio de levantamentos junto JUCESP (Junta
Comercial do Estado de So Paulo) e outros rgos, a autora identificou intensa atividade empresarial voltada ao mercado imobilirio e todas as aes voltadas a
este processo de expanso imobiliria, como materiais para construo, realizao
de loteamentos e edificaes, implementao de equipamentos e servios pblicos
urbanos, dentre eles, obras de saneamento, iluminao e circulao viria, sendo
que denominou todas essas aes de atividades urbanizadoras. (BRITO, 2000, p. 1) Essas atividades urbanizadoras faziam parte de uma atividade empresarial
ampla, sendo mais uma opo para a acumulao de capital de um grupo de
empreendedores que atuavam em diversas reas, como nas indstrias e ferrovias,
por exemplo, inclusive em rgos pblicos, tendo conscincia de que a incorporao
do processo de produo do espao urbano em So Paulo serviria como um
importante circuito de reproduo de capital. (BRITO, 2000, p. 2) Joaquim Eugnio de Lima foi um desses empreendedores que participaram
dessas atividades urbanizadoras, atuando junto a duas sociedades annimas: Cia.
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Paulista do Viaduto do Ch, com os scios: Victor Nothmann14, Jules Martin, Joo
Pereira Monteiro, Joo Pinto Gonalves, Pedro Vicente de Azevedo e Antonio de
Queiroz Telles, entre outros, e, Cia. Ferro Carril de So Paulo, com os scios: Victor
Nothmann, Joo Pereira Monteiro, Joo Pinto Gonalves, Jules Martin, Eugnio de
Carvalho, Luis Pucci, Randolpho Margarido da Silva, Jos Duarte Rodrigues e
Camilo Cresta. Apesar de atuar junto a apenas duas sociedades annimas, elas serviram para viabilizar a expanso de outros empreendimentos seus, como a
prpria Paulista, sendo que a construo do Viaduto do Ch, por exemplo, foi
fundamental para o espraiamento da cidade para o oeste. (BRITO, 2000, p. 38-40) De acordo com Suzuki, a expanso urbana da cidade seguia uma lgica:
A transformao da terra em mercadoria e seu significado na mudana da lgica de expanso urbana, com a introduo da noo de lote e loteamento, relacionam-se s metamorfoses da riqueza que transita do escravo passa a terra (SUZUKI, 2002, p. 115).
Assim, essa expanso est presente no bojo de um processo de absolutizao da propriedade privada, transformando a terra em mercadoria,
surgindo novos sujeitos sociais, sobretudo o loteador (SUZUKI, 2002, p. 116), funo esta que, de certa forma, Joaquim Eugnio de Lima e seus scios desempenharam
por meio de seus empreendimentos, inclusive a Paulista.
Alm dos terrenos da Paulista, Joaquim Eugnio de Lima possua terrenos
nas Perdizes, Bom Retiro, Moca (ver Planta 2), Vrzea do Carmo, em Vila Ester, Liberdade, Paraso e Santana e em outros municpios do Estado, como Campinas,
14 O alemo Victor Nothmann chegou ao Brasil por volta de 1870, fundando a primeira firma
importadora de tecidos de So Paulo, a V. Nothmann & Cia. Foi um dos primeiros a ter atividades urbanizadoras e, junto com seu scio, o suo Frederico Glete, iniciou a abertura do loteamento de Campos Elseos em 1878 e, posteriormente, em 1893 o de Higienpolis. Nothmann foi um dos empresrios que mais participaram de sociedades annimas voltadas s atividades urbanizadoras, falecendo em 1905. (BRITO, 2000, p. 30-32)
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Jundia e Campos do Jordo. Fora do Estado de So Paulo, teve terrenos em Minas
Gerais e Rio de Janeiro. (BRITO, 2000, p. 38-40) Na Planta de
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