violÊncia e jornalismo impresso: estudo de caso de a ... · 3 conferido por a razão e o diário...
Post on 19-Nov-2020
1 Views
Preview:
TRANSCRIPT
1
TCC I – Trabalho de Conclusão de Curso I Universidade Federal de Santa Maria Centro de Educação Superior Norte – RS Departamento de Ciências da Comunicação Curso de Comunicação Social – Jornalismo 15 de outubro a 19 de outubro de 2012
VIOLÊNCIA E JORNALISMO IMPRESSO: ESTUDO DE
CASO DE A RAZÃO E DIÁRIO DE SANTA MARIA
CAROLINE SCOLARI
Artigo científico apresentado ao Curso de Comunicação Social – Jornalismo como requisito
para aprovação na Disciplina de TCC I, sob orientação da Profa. Ms. Caroline Casali e
avaliação dos seguintes docentes:
Profa. Ms. Caroline Casali
Universidade Federal de Santa Maria
Orientador
Profa. Ms. Claudia H. de Moraes
Universidade Federal de Santa Maria
Prof. Dra. Janaína Gomes
Universidade Federal de Santa Maria
Prof. Ms. Carlos André Echenique Domingez
Universidade Federal de Santa Maria
(Suplente)
Frederico Westphalen, 08 de outubro de 2012
CESNORS Centro de Educação Superior Norte - RS
2
Violência e Jornalismo Impresso: estudo de caso de A Razão e o Diário de
Santa Maria
RESUMO: O presente estudo procede à análise da produção da violência como acontecimento
na mídia impressa, focando na construção da morte por latrocínio como acontecimento nos jornais Diário de Santa Maria e A Razão, da cidade de Santa Maria/RS. Os procedimentos metodológicos
adotados mesclam a análise quantitativa e qualitativa. Na primeira, foram mensurados os espaços
conferidos à violência no geral e ao caso específico de latrocínio em ambos os periódicos. Já na
análise qualitativa foram contabilizadas, através de análise de conteúdo, as adjetivações e subjetivações adotadas por ambos os jornais para tratar do latrocínio em questão. Os resultados
apontam para notícias construídas pela manutenção de estereótipos de mocinho e bandido. Além
disso, constatou-se que os jornais alocam o tema violência de maneira diferente em suas edições.
PALAVRAS-CHAVE: morte como acontecimento; jornalismo impresso; Diário de Santa
Maria; A Razão.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Localizada na região central do Estado do Rio Grande do Sul, Santa Maria é a quinta
cidade do estado em população, com cerca de 260 mil habitantes (IBGE, 2010). É um
importante centro militar, sendo o segundo maior contingente militar do país, com oito
unidades do exército, cinco da brigada militar e um núcleo da Base Aérea. Santa Maria
também é um importante pólo educacional, com oito instituições de ensino superior, entre
públicas e privadas, sendo que uma das maiores universidade federais brasileiras se situa na
cidade: a Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, fundada em 1960.
Dentre os principais veículos de comunicação da cidade, estão os jornais impressos
diários A Razão e o Diário de Santa Maria. Os dois jornais apresentam nas suas biografias
midiáticas elementos que nos permitem falar em concorrência, pois o A Razão, fundado em
1934, foi o primeiro jornal da cidade e é um dos impressos mais tradicionais do estado do Rio
Grande do Sul, sendo reconhecido por representantes da sociedade santa-mariense como “o
jornal de Santa Maria”. Já o Diário de Santa Maria, oriundo de uma organização midiática
que abrange os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o Grupo Rede Brasil Sul
(RBS), tem apenas 10 anos de circulação.
Diante disso, a problematização do presente estudo refere-se à morte como
acontecimento no jornalismo impresso de Santa Maria, partindo do tratamento discursivo
3
conferido por A Razão e o Diário de Santa Maria ao caso de latrocínio de um estudante na
cidade. A partir desse estudo, busca-se compreender a lógica da cobertura sobre violência
nesses jornais, principalmente ao dar enfoque, como valor-notícia, ao assassinato do jovem
acadêmico de Design de Produto, do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Ângelo
Razzolini Biazzi, 23 anos, que por volta das 6h30min do dia 14 de agosto de 2011 (domingo)
foi assassinado no Calçadão Salvador Isaia – ponto central da cidade. Ele passava pelo local
com sua namorada, Juliana Ferreira, e, na entrada da galeria do Comércio - mesmo local onde
morava -, foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte), sendo atingido com pelo menos
duas facadas na região do tórax. Os suspeitos chegaram a roubar o boné da vítima e a pedir
dinheiro, e foram identificados como três jovens com idades entre 18 a 22 anos.
A temática da morte tem evidente espaço nos meios de comunicação. Traquina (2008),
ao falar de valor-notícia, aponta para o fato de se informar ao público os fatos que são
importantes porque têm um impacto sobre a vida das pessoas e a morte é um deles. O
tratamento da morte, como acontecimento, sofreu modificações ao longo dos anos, resultado
das modificações na própria sensibilidade das pessoas frente à morte do outro. Conforme
Oliveira-Cruz (2008, p. 150), “as representações da morte vêm se modificando ao longo dos
tempos, sendo possível observar verdadeiras transformações no que diz respeito às
sensibilidades humanas frente à própria finitude”. Essa percepção acaba refletida no fato de
que a morte de um torna-se mais importante enquanto fato jornalístico do que a morte de
outro. É interessante percebemos que, no cotidiano de uma cidade, ocorrem várias mortes,
mas nem todas as pessoas que morrem vão ter espaços nos veículos de comunicação.
Mouillaud (2002 apud NEGRINI, 2011), por exemplo, categoriza diferentes tipos de mortos
nos jornais: os mortos de serviço - que compõem a necrologia; os mortos acidentais; os
mortos dos conflitos, das guerras e das revoluções, que passam a fazer parte da história; e o
“grande morto”, que se destaca pelo seu nome, pela sua fama.
Tanto o Diário de Santa Maria quanto A Razão trabalharam discursivamente a morte
de Ângelo Razzolini Biazzi, inclusive como tema de capa. Segundo Oliveira-Cruz (2008, p.
155), “[...] alguns aspectos se mostram importantes para que a ocorrência do fato seja elevada
à condição de acontecimento jornalístico: a circunstância do falecimento, o papel e a
participação social do falecido, e, por fim, uma reivindicação do poder na sociedade”. É
justamente o interesse na produção dessa morte como acontecimento, em relação a outras
coberturas sobre violência, o objeto do presente artigo.
Tendo em vista a possibilidade de avaliar um mesmo fato relacionado à violência em
dois diferentes periódicos, Diário de Santa Maria e A Razão, problematiza-se a maneira como
cada um trabalha a morte como acontecimento, visando descobrir de que forma a finitude
4
humana publicada nas páginas dos jornais também serve como ponto de partida no
levantamento de outros debates na sociedade - tais como segurança pública, violência urbana,
consumo de bebidas alcoólicas, drogas, roubos, entre outros. Para tanto, realizarmos uma
análise quantitativa e qualitativa da abordagem sobre a violência nos veículos em questão e
apresentamos, a seguir, o embasamento teórico que guiou esta investigação.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A violência como valor-notícia no jornalismo impresso
Antes de entendermos as circunstâncias em que a violência se institui como pauta para
diversos meios de comunicação, cabe explicarmos em que conceito de violência este artigo se
baseia. Não existe uma definição precisa para o termo violência, e que atenda, assim, a todas
as abordagens sobre o assunto. Para Gauer (2008, p. 125), “[...] violência significa o
constrangimento físico ou moral, uso da força, coação, torcer o sentido do que foi dito,
estabelecer o contrário do direito à justiça”. No presente estudo, trabalhamos com a violência
banal, sendo aquela que desagrega todo um sistema de sentidos e valores universais na
sociedade. Santos (1998 apud LEAL e ZALUAR, 2011) considera a violência como um
dispositivo de abuso de poder, uma prática disciplinar que produz um dano social, atuando em
um plano espaço-temporal, a qual se instaura como uma justificativa racional, desde a
prescrição de estigmas até a exclusão, efetiva ou simbólica.
A violência, portanto, sempre traz algum dano social - seja ele físico, material ou
simbólico. E cada um desses danos atua como informação nova aos consumidores dos
produtos midiáticos. Os jornais, por sua vez, publicam notícias porque a informação nova é, a
priori, interesse da grande maioria da população. Segundo Noblat (2008, p. 26) “notícia é todo
o fato relevante que desperta interesse público.” Erbolato (1991, p. 52) acrescenta que “as
notícias são comunicações sobre fatos novos que surgem na luta pela existência do indivíduo
e da própria sociedade.” Portanto, a sociedade procura estar informada sobre assuntos novos
de interesse tanto pessoal como de outras instâncias de sua vida pública.
A partir de valores-notícia (TRAQUINA, 2008), visualizam-se como os
acontecimentos se tornam notícias nos meios de comunicação. Galtung e Ruge (1965/1993
apud TRAQUINA 2008) enumeram doze valores-notícias, dentre os quais podemos destacar
como característicos do tratamento discursivo da violência: a) a amplitude do evento; b) sua
significância, em que diz respeito à relevância do acontecimento e a proximidade cultural; c)
5
o inesperado ou insólito; d) a continuidade, isto é, a continuação como notícia do que já
ganhou noticiabilidade; e) a referência a nações de elite; f) a referência a pessoas de elite, isto
é, o valor-notícia na proeminência do ator do acontecimento; g) a personificação, isto é, a
referência às pessoas envolvidas; e h) a negatividade, ou seja, a máxima “bad news is good
news”.
Um assassinato leva pouco tempo e o acontecimento tem lugar entre a publicação de
dois números sucessivos de um jornal diário, o que significa que se pode contar uma
notícia significativa de um dia para o outro. [...] um acontecimento que tem lugar
durante um espaço de tempo maior ficará por registrar a menos que atinja um certo
tipo de clímax dramático. Galtung e Ruge (1962/1993 apud TRAQUINA 2008, p.
70)
Além disso, Galtung e Ruge (1962/1993 apud TRAQUINA 2008) apresentam alguns
fatores para explicar o estado da coisa: as notícias negativas satisfazem melhor os critérios de
frequência; são mais inesperadas em relação às positivas, tanto no sentido de que os fatos
referidos são mais raros, como no sentido de que são menos previsíveis; facilmente
consensuais e inequívocas, no sentido de que haverá acordo acerca da interpretação do
acontecimento como negativo. Também Traquina (2008, p. 79) complementa “[...] onde há
morte, há jornalistas. A morte é um valor-notícia fundamental para esta comunidade
interpretativa e uma razão que explica o negativismo do mundo jornalístico que é apresentado
diariamente nas páginas do jornal ou nos écrans da televisão”.
Essa relevância à abordagem do tema violência, especificamente relativo à morte, é
mostrada na grande cobertura jornalística dos jornais Diário de Santa Maria e A Razão, no
período de análise deste estudo. Traquina (2008) diz que todos nós seremos notícia pelo
menos uma vez na vida, no dia subsequente à morte, ou como destaque na capa ou nas
páginas interiores. Dependerá, na maioria das vezes, da nossa popularidade ou da notoriedade
do ator principal do acontecimento – afinal “quanto mais o acontecimento disser respeito às
pessoas de elite, mais provavelmente será transformado em notícia.” (GALTUNG e RUGE,
1962/1993 apud TRAQUINA, 2008).
Oliveira-Cruz (2008), ao falar da morte como um “acidente-limite”, que orienta o
sentido e o posicionamento de outros fatos também reguladores da experiência do indivíduo e
do coletivo, salienta que o papel da morte se dá ainda pelo silêncio que marca seu interdito, ou
pela transformação de seu caráter irrevogável em inesperado. Assim, o discurso jornalístico
sobre a morte se adéqua de reproduções que vão classificá-lo num parâmetro de normalidade
e expectativa, embora, quanto mais imprevista ou insólita, a morte estará mais próxima da
classificação como acontecimento jornalístico. O sentido do caráter “inesperado” da morte
encontra subsídios na ideia de que existam maneiras mais ou menos naturais, ou períodos
6
mais adequados, para se morrer. Perante uma probabilidade de ampliação da perspectiva de
vida, a morte inesperada é aquela que causa assombro na população.
Embora não seja possível negar a existência da morte, o seu caráter acidental como
noção de falha do curso normal remonta a construção de uma rotina que se baseia na
desejada amortalidade. Esta significação da morte como irrupção do real, como
evento inesperado, em muito se assemelha ao conceito de acontecimento
desenvolvido por Adriano Duarte Rodrigues, como sendo “tudo aquilo que irrompe
a superfície lisa da história de entre uma multiplicidade aleatória de fatos virtuais”,
destacando-se quanto mais imprevisível for sua realização. Esta “imprevisibilidade”
da morte, é claro, só pode aproximar-se da ideia de acontecimento se considerada
como elemento distante da elaboração do cotidiano. (RODRIGUES 1993, p.27 apud
OLIVEIRA-CRUZ 2008, p. 151-152)
Elias (2003 apud OLIVEIRA-CRUZ 2008, p. 154) afirma que a maneira como uma
pessoa morre depende de que ela tenha sido capaz de formular objetivos e alcançá-los, de
imaginar tarefas e realizá-las. Portanto, é possível inferir diferenças do quanto inesperado
pode ser o acontecimento relativo à morte. Mouillaud (2002, p. 350 apud NEGRINI, 2010,
p.153) avalia a importância da morte acidental – pauta aqui em estudo - para os meios de
comunicação social, dizendo que, nela, “a morte se torna acontecimento como o corte ou a
derrota de uma rotina [...] É a particularidade (do acidente ou do crime) que se torna notícia;
sua diversidade é a essência”.
Nesse sentido, a escolha por analisarmos a morte de um jovem de apenas 23 anos
obedecem aos critérios de noticiabilidade antes citados, pois se trata de uma pessoa que ainda
não consegue avaliar suas realizações, porque não as completou. É uma morte inesperada, um
corte na rotina. Ao mesmo tempo, por se tratar de um caso de violência urbana, incorre-se no
risco de banalização da mídia.
A morte indiferente, caracterizada por Barbosa, é aquela banalizada pela violência:
“a mídia, diante da violência, banaliza o corpo insepulto. A proliferação da morte
violenta, fruto da guerra urbana e da desigualdade social, faz com que, para os meios
de comunicação, neste caso, seja importante não a morte em si mesma, mas o espetáculo da brutalidade cotidiana”. (OLIVEIRA-CRUZ, 2008, p. 156)
Para a autora, a morte em si não possui importância, mas sim o espetáculo que se faz
sobre a morte. Como há abundância de pautas que chegam às redações de jornais todos os
dias, cabe a cada veículo selecionar as que lhe parecem relevantes. Noblat (2008, p. 33)
destaca que “[...] se um jornal preferir não publicar certa notícia, outro a publicará. Ou dela o
público tomará conhecimento por outros meios. Se, mesmo reconhecendo a importância da
notícia, um jornal preferir escondê-la, outro lhe dará o destaque merecido.” É por isso que
vemos notícias em certos jornais e em outros não e, por vezes, a partir de diferentes enfoques.
7
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os jornais impressos analisados neste estudo são o A Razão e o Diário de Santa
Maria. O A Razão é uns dos jornais mais tradicionais do estado do Rio Grande do Sul,
fundado por um grupo de políticos, em 1934, com o objetivo de difundir as ideias de Oswaldo
Aranha, e sua implantação teve o patrocínio de um estancieiro de Uruguaiana. Foi
administrado por Clarimundo Flores, Rivadávia de Souza, João Flores e Brinckmann, entre
outros. Já pertenceu a Assis Chateaubriand, dono dos Diários e Emissoras Associados. O
periódico tem repórteres fixos em Júlio de Castilhos, Alegrete e Jaguari. E assina as agências
de notícias Agência Press e Agência Jornal do Brasil. A partir dos anos 2000, começou a
publicar integralmente a versão digital do periódico.
Já o jornal Diário de Santa Maria, fundado pelo jornalista Maurício Sirotsky
Sobrinho, pertence ao Grupo Rede Brasil Sul (RBS). O periódico foi fundado em 2002, sendo
um jornal de circulação diária na região central do estado do Rio Grande do Sul, com sede em
Santa Maria, e carrega um estereótipo de que é “o jornal de fora”, interessado apenas na
concorrência e não nos temas da comunidade local. O Diário de Santa Maria, desde 2004,
detém o primeiro lugar no mercado local, e abrange os 35 municípios da região central. Desde
2008, conta com uma versão online. O periódico assina as Agências RBS, O Globo, Estado,
Futura Press, Associated Press e EFE.
Para realizar o estudo, decidiu-se pela análise de sete edições consecutivas dos jornais,
Diário de Santa Maria e o A Razão, publicadas entre os dias 15 e 22 de agosto de 2011. Por
opção metodológica, consideramos tudo o que foi publicado sobre violência na cidade neste
período, ainda que as edições analisadas tenham como fato chave a cobertura do desfecho do
latrocínio no Calçadão Salvador Isaia.
As análises, realizadas de forma quantitativa e qualitativa, têm como objetivo a
comparação do tratamento discursivo nos dois periódicos em questão. A análise quantitativa
foi realizada a partir da mensuração do espaço conferido às matérias sobre violência em
centímetros quadrados. Considerando que cada reportagem é um texto como um todo, as
matérias analisadas foram medidas em sua completude, abrangendo o texto verbal e a
fotografia. Também foram analisados, quantitativamente, o espaço em que cada edição alocou
suas matérias relacionadas à violência, o que faz diferença no sentido construído pela
publicação. Bauer e Gaskell (2008, p. 201) comentam que “tanto o ‘tamanho’ como ‘formato
da notícia’ são códigos originais de uma teoria de que o tamanho de uma história expressa à
importância editorial atribuída a ela, e serve como um indicador dos valores existentes nas
redações”.
8
Para obtermos a análise quantitativa, mediram-se a mancha do jornal e multiplicamos
pelo número de página de cada edição, assim tive o total em cm²; descontamos as
publicidades de ambos os periódicos para melhor calcular o enquadramento das informações.
Os elementos calculados são: a) Quantidade: números de matérias sobre violência que foram
publicadas nas edições analisadas; b) Espaço: qual o espaço do jornal foram destinada a cada
matéria; c) Texto: o tamanho de cada notícia; e) Página: onde a matéria foi publicada; f)
Posição: alocação na edição dos textos sobre violência.
Os dados encontrados foram tabulados e, depois, representados graficamente.
Utilizaram-se três categorias para análise quantitativa da morte como acontecimento: a) morte
do universitário; b) morte indiferente (pessoas desconhecidas); e c) outras mortes (pessoas
conhecidas pela sociedade).
Qualitativamente, avaliaram-se, por meio de análise de conteúdo, as diferenças entre o
jornalismo policial de cada um dos jornais, para detectar como ambos trabalharam a violência
como acontecimento jornalístico diário. Para Oliveira-Cruz (2008), os sentidos podem ser
levantados a partir da enunciação da morte na fala jornalística.
Assim, a compreensão dos sentidos construídos a partir da enunciação da morte no
discurso jornalístico possibilita a noção do quanto estas narrativas afloraram
sentidos, bem como reelaboram novas significações para a relação tão fundamental
que se institui entre homem, cultura e morte. Por isto, a observação da estruturação
deste discurso jornalístico sobre a morte a partir de seu processo de construção de
significados, na própria enunciação, é preponderante. (OLIVEIRA-CRUZ, 2008, p.
158)
Na análise dos textos jornalísticos, duas categorias de conteúdo podem ser apontadas,
dentre outras: a) Manifesto: o que é concreto e explícito; por exemplo, quantas vezes
determinadas palavras aparecem, ou quantas vezes se referem a determinado grupo, ato ou
indivíduo diretamente; e b) Latente: o que não é explícito; analisa-se o estilo do texto, as
referências indiretas. Utilizei na análise de conteúdo, preferencialmente o conteúdo manifesto,
porém não descartei a consideração do conteúdo latente.
“[...] análise de conteúdo desfavorece a dicotomia entre o quantitativo e o
qualitativo, promovendo uma integração entre as duas visões de forma que o
conteúdo manifesto (visível) e o latente (oculto, subentendido) sejam incluídos em um mesmo estudo para que se compreenda não somente o significado aparente do
texto, mas também o significado implícito, o contexto onde ele ocorre, o meio de
comunicação que produz e o público ao qual ele é dirigido.” (LAGO e BENETTI,
2008, P. 126)
Trabalhamos, então, com os procedimentos semânticos, através da análise de palavras
e sentenças, nos textos publicados nos jornais, Diário de Santa Maria e A Razão. Em seguida,
9
confrontamos as informações obtidas, estabelecendo uma análise comparativa, no intuito de
percebermos como cada um dos periódicos trataram a violência como acontecimento.
4 RESULTADOS ENCONTRADOS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
DO DISCURSO SOBRE A VIOLÊNCIA EM A RAZÃO E O DIÁRIO DE
SANTA MARIA
4.1 Espaço concedido ao tema violência nos jornais impressos de Santa Maria
A análise comparativa do espaço alocado nas páginas dos jornais para o tema
violência demonstra que ambos os periódicos trabalharam quase que de maneira equivalente o
tema nas edições analisadas. Ambos os jornais debateram o assunto violência quase por igual
na semana da pesquisa, sendo que o Diário de Santa Maria contabilizou 15% de suas edições
dedicadas à violência, e o A Razão 17%, como ilustrado nos Gráficos 1 e 2.
15%
85%
A diferença de violência para o resto das edições na semana do DSM
Violência
Outros assuntos
Fonte: O autor
17%
83%
A diferença de violência para o resto das edições na semana do AR
Violência
Outros assuntos
Fonte: O autor
A edição que mais abordou o tema violência no Diário de Santa Maria (doravante
DSM), foi a de 15 de agosto, contabilizando 23,92% da edição. Esse fato deve-se, justamente,
10
ao tratamento discursivo sobre latrocínio, pois é o dia subsequente ao acontecimento. Já o A
Razão (doravante AR), na semana de análise, apresentou maior espaço dedicado à violência
em 16 de agosto, com 25,81% da edição. Outro dia que teve maior índice de publicação no
DSM, dia 22 de agosto, último dia de análise, 20,85%, sendo o segundo dia com maior
publicação de notícias sobre violência. E também no AR, o segundo dia com maior
publicação de matérias sobre violência foi no dia 17 de agosto, com 24,79%.
Em se considerando outras editorias importantes, como saúde, política, economia,
educação, variedades, etc., o tratamento conferido à violência por ambos os jornais foi grande.
Isso pode ocasionar debate social sobre questões agregadas ao tema, como falta de segurança
pública, ausência de policiamento, manifestações de pedido de paz, fiscalização dos
estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas, consumo de drogas e acidentes de trânsitos.
Lago e Benetti (2008, p. 90) dizem que “a institucionalização de um tema e de uma agenda
em torno dele comporta duas orientações básicas, uma, de caráter vertical e hierárquico e,
outra, horizontal, de caráter linear e agregador de adesões (inclusive e, talvez, principalmente,
da mídia)”.
A cobertura jornalística dos veículos em questão motivou o debate social sobre o tema
violência urbana. Um exemplo disso foi à cobertura jornalística da edição de A Razão, de 16
de agosto de 2012, que noticiou a manifestação organizada por amigos da vítima, com pedido
paz e maior policiamento, com a manchete de capa “Cidade diz não à violência e exige mais
policiamento.” Ramos e Paiva (2007, p.20) afirmam que “os jornalistas que cobrem
criminalidade e violência são repórteres do geral e, portanto, dedicam-se também a cobrir
outras questões urbanas. Esta mudança é importante por favorecer nos textos a integração do
fenômeno da criminalidade a temas como educação, habitação, saúde, trânsito etc.” Assim,
por exemplo, na mesma edição citada anteriormente, há um anúncio do prefeito da cidade
antecipando reunião, devido ao acontecimento do latrocínio: “Schirmer convoca reunião de
emergência para pedir mais policiamento na cidade”. Para Quesada (1987 apud SEQUEIRA
2005) o objeto do jornalismo da atualidade está em averiguar como operam as instituições
públicas que afetam a vida dos cidadãos, mostrar como funcionam os mecanismos
burocráticos do sistema, já que a população comum não tem como desvendar cada vez mais
complexa e burocratizada, e como se produzem os acontecimentos que afetam diretamente.
Por outro lado, a recorrência do tratamento sobre a violência podem ocasionar também
medo ou vulgarização de atos violentos na sociedade. Ramos e Paiva (2007, p. 97) falam que
“a disseminação das práticas violentas gera, por sua vez, um sentimento crescente de
insegurança que invade toda a cidade, inclusive os bairros nobres”.
11
O Gráfico 3 demonstra a alocação de textos sobre violência no DSM, caracterizando
que a grande maioria de tais matérias encontra-se mesmo na Editoria de Polícia. Ambos os
jornais tem cerca de uma a duas páginas dedicadas a essa editoria em cada edição.
74%
19%
7%
Alocação de textos sobre violência no jornal Diário de Santa Maria
Editoria de Policia
Capas
Outras Editorias
Fonte: O autor
O DSM apresentou a grande maioria dos textos sobre violência na editoria de polícia,
representando que o periódico respeita relativa periodicidade e uniformidade no tratamento
da questão. Isso pode implicar também em menos sensacionalismo, afinal a alocação do tema
segue em um espaço já esperado pelo leitor como designado ao tratamento de crimes.
Já o AR diferenciou-se na alocação de textos sobre violência ao apresentar 50% das
matérias publicadas na Editoria Policial e os demais textos em outras editorias, como
demonstra o Gráfico 4.
50%
16%
34%
Alocação de textos sobre violência no jornal A Razão
Editoria de Policia
Capas
Outras Editorias
Fonte: O autor
Percebemos que os periódicos analisados trabalharam a morte do jovem como
acontecimento jornalístico, porém não abordam com a mesma importância outras mortes de
anônimos, vítimas da violência urbana cotidiana, que segue banalizada. Durante os sete dias
referentes à pesquisa, os dois jornais apresentaram cobertura jornalística do caso de latrocínio,
12
o que demonstra que no decorrer da semana foram surgindo novos elementos sobre o
acontecimento, que foram registradas pelos meios que publicaram as informações.
O Diário de Santa Maria tratou do latrocínio, somente na Capa com manchetes e
fotos, e na editoria de policia. Nota-se, porém, que a relação dada pelo DSM, ao caso de
latrocínio com diversos assuntos ocorreu só na editoria de policia. Consideramos, então, que o
DSM trata do caso como um acontecimento, não direciona de imediato para outros assuntos.
O periódico A Razão apresentou um tratamento diferenciado do caso, pois além de
trazer a informação na capa como manchete, além de texto na editoria de policia, o jornal
também noticiou em outros espaços. Podemos afirmar, então, o AR relacionou o
acontecimento com outros temas que surgiram no decorrer da semana, tais como falta de
segurança pública, manifestação de pedido de paz, instalação de câmera de segurança no
centro da cidade, em vez de dar ênfase apenas ao acontecimento em si.
Essa diferença, percebemos ainda nas publicações de chamadas de capa para o
acontecimento em ambos os periódicos. Contabilizou-se 23% a mais de chamadas em capa
para o latrocínio no DSM, em relação ao AR, o que deixa indícios de que o DSM apostou
mais no caso em si, e não o deslocou imediatamente para outras discussões. Os Gráficos 5 e 6
demonstram essa alocação de textos publicados nos periódicos sobre o latrocínio em si.
34%
66%
0%
Alocação do latrocínio no Diário de Santa Maria
Editoria de Policia
Capas
Outros
Fonte: O Autor
29%
43%
28%
Alocação do latrocínio no A Razão
Editoria de Policia
Capas
Outros
Fonte: O Autor
13
Podemos comparar que os dois jornais trabalharam os fatos sobre o latrocínio na capa
e na editoria de polícia, porém, analisando os dois nota-se que o DSM não cedeu ao tema
espaço em outras editorias. Já o AR noticiou 28% das informações sobre o caso em outras
editorias. Esse dado vai ao encontro dos dados encontrados sobre a alocação dos demais
textos sobre violência nos jornais, que demonstraram anteriormente que AR designa espaço à
questão em outras editorias, ao contrário do DSM. Nota-se, então, que para o AR a morte em
si não possui tanta relevância, mas sim serve de gancho para outros debates na sociedade.
Ao trabalhar o tema em outras editorias, o AR deslocou o foco do latrocínio para a
segurança pública. Hohlfeldt (2008) comenta justamente que os valores-notícia têm que ligar
os acontecimentos em si: a notícia terá uma importância para a sociedade com certo impacto
sobre a nação, com um nível de relevância e significação dos acontecimentos quanto a sua
consequência para o leitor. Esse nível de relevância foi compreendido principalmente em AR,
que fez do latrocínio um motivo para colocar em debate temas variado sobre segurança
pública.
4.2 Análise de conteúdo dos periódicos A Razão e Diário de Santa Maria no caso de
Latrocínio
Para Wainberg (2005, p. 96), “[...] cabe ao veículo de comunicação de massa contar
sua história com palavras, como história, em capítulos, em enredo, drama e personagens. São
as palavras que explicam, ou tentam explicar, afinal, a mortandade refletida nas imagens dos
telejornais e nas fotos estampadas nos periódicos de todo o mundo.” Tanto o Diário de Santa
Maria quanto o A Razão trabalharam a vítima principalmente como jovem e universitário
(vide APÊNCIDE D). Traquina (2008, p.75) descreve que “[...] neste tipo de cobertura
constrói-se um enorme lote de conhecimentos estereotipados para garantir visualmente ‘a
eterna repetição”.
No DSM, o sujeito Ângelo é substituído por jovem (28 vezes), universitário (24
vezes), e vítima (22 vezes), tratamento muito semelhante ao AR, que abordou jovem (30
vezes), universitário (27 vezes), e vítima (17 vezes).
Para Herscovitz (2007, p.125 apud CORREIA 2011, p. 64) “as palavras, frases,
imagens e sons podem ser reduzidas a categorias baseadas em regras explícitas sobre as quais
se farão inferências lógicas”. Estas inferências podem ser visualizadas quando jornais
pesquisados deixam indícios da ideia de que universitários não poderiam morrer, quem sabe
por terem um futuro brilhante, o que difere de outros jovens como traficantes, criminosos,
jovem com pouco estudo etc. Nas notícias tanto do DSM quanto de AR, induzem à ideia de
14
que o jovem morto era um rapaz bom, de boa índole, um bom filho, entre outros adjetivos.
Como exemplo disso, tem-se a edição do dia 15 de agosto, na página 8 do DSM “- Ele
adorava desenhar. Era um ótimo filho – lamenta o pai”; “-Ele era um cara muito legal, feliz.
Não causava problema para ninguém – lamenta o amigo Pablo Zambeli, 26 anos”.
Percebemos também que o fato de o acontecimento ter se dado no Calçadão da cidade
indicia nos jornais maior nível de acidentalidade; em contrapartida, crimes em periferias são
banalizados. Isso fica explícito na exacerbação de citações da palavra Calçadão (vide
APÊNCIDE D) e outros substantivos que remetem a ela, que apareceram 68 vezes no Diário
de Santa Maria, e 41 vezes no A Razão. Dentre esses substantivos relacionados estão: Centro
da cidade, ponto de encontros do público de todas as idades e estilos, no coração da cidade,
centro vital da cidade, região central da cidade. Exemplo disso está na página 1 da edição 266
do AR, publicada em 15 de agosto, que enuncia: “O estudante de Design da Unifra Ângelo
Razzolini Biazzi, 23 anos, foi assassinado a facadas no inicio da manhã de ontem, no
Calçadão Salvador Isaia, em pleno Centro de Santa Maria, ao ser atacado por um grupo
de pelo menos três rapazes”.
Ramos e Paiva (2007, p.34) dizem que “[...] os incidentes envolvendo pessoas de
classe média para cima, capazes de mobilizar a atenção da impressa, passam a ocupar uma
posição central para os governantes, reforçando o quadro de desigualdade na provisão da
segurança pública.” Os autores exemplificam isso citando o jornalista Josmar Jozino: “podre
não é notícia, infelizmente. Se tem um caso de latrocínio em Itaquera e outro em Moema, os
repórteres vão querer fazer o de Moema, um é da perifeira e outro da região nobre de São
Paulo.” (RAMOS e PAIVA, 2007, p.79). É o que podem ser notado através da análise do
enfoque dado ao latrocínio: por ter acontecido no Calçadão, no centro da cidade, a morte
torna-se mais destacada.
Em contrapartida ao tratamento da vítima como jovem e universitário, os rapazes que
cometeram o crime, conforme consta na página 2 da edição de 17 de agosto do AR, são
designados por outras adjetivações: “o bárbaro crime cometido contra o jovem Ângelo
Razzolini Biazzi, 23 anos, morto por delinquentes na manhã do último domingo, pelo visto
mexeu com as autoridades encarregadas de dar segurança ao cidadão”. Wainberg (2005, p.
99) afirma que “[...] a palavra produz efeito persuasor ao alterar julgamentos, ou ainda
influenciar o nível de compreensão e memória do receptor sobre os fatos [...].” Logo os
rapazes que cometeram o crime são associados às drogas e outras atividades ilícitas. Na
edição de 16 de agosto do DSM, na página 12, enuncia-se: “Algumas pessoas vêm ao Centro
na intenção de roubar para comprar drogas, segundo comandante do 1° Regimento de Polícia
montada da Brigada Militar”. O termo drogas (vide APÊNCIDE D), aliado aos jovens
15
criminosos, apareceu 15 vezes no DSM, e 49 vezes no AR, já a expressão bebidas alcoólicas
foi citada no DSM por 12 vezes, e no AR por 47 vezes.
Nesse sentido, o AR enfatizou mais a diferenciação de ações entre vítima e
criminosos, embora fossem jovens da mesma faixa etária. Por exemplo, na edição de 17 de
agosto, o AR enunciou em sua página 2: “Os menores que se envolveram no homicídio de
domingo estariam alcoolizados e drogados e as pesquisas comprovam que a proibição do
consumo do álcool diminui a violência”.
Os jornais também enfatizaram que os jovens que cometeram o assassinato são
moradores da periferia da cidade, e provém de família humilde. Segundo Ramos e Paiva
(2007) “[...] uma pauta sobre o indivíduo branco, jovem, com nível superior, morador de um
bairro nobre, valerá muito mais do que a de um trabalhador manual, desempregado, negro,
morador da periferia e que mal completou o Ensino Fundamental.” Como, por exemplo,
conforme consta na página 8, de 15 de agosto do DSM: “o estudante de Design de Produto da
Unifra, Ângelo Razzolini Biazzi, 23 anos, foi assassinado no Calçadão Salvador Isaia. Biazzi
engrossou uma triste estatística: ele foi à quinta vítima de latrocínio em Santa Maria em
2011.” Outro exemplo está na edição de 16 de agosto, página 12, do DSM: “ - Os pais do
Ângelo acreditaram no sonho dele e promoveram a vinda dele para Santa Maria. E assim, a
cidade retribui – desabafou a amiga, Luiza Beck Arigoni, 22 anos”.
Ramos e Paiva (2007, p. 96) dizem que “a maior expressão da hierarquização, que
culmina na definição de valores diferenciados para a vida, é o destaque concedido pela mídia
à morte de pessoas dos setores médios ou dominantes, ao lado da naturalização do massacre
cotidiano de moradores da periferia, em particular o que atinge os jovens negros e com baixa
escolaridade”. Questões como a infraestrutura da periferia, o acesso desses jovens marginais
ao ensino superior ou motivações para o crime que não tangenciassem a droga e o álcool não
foram exploradas. Como afirma Gauer (2008, p.125-126) diz que “a violência é desnudada
nas bancas dos jornais e descrita cotidianamente. Isso faz com que cada indivíduo a absorva e
internalize na sua rotina. Muitas vezes a condenação de um indivíduo que foi nos jornais,
durante semanas, é sentida como alivio, pela sociedade, que por sua vez, o esquece”.
O crime valeu, em si, para mais uma vez vitimizar o mocinho e massacrar
discursivamente os criminosos, que inclusive já foram assim julgados e citados pelos meios
de comunicação em questão. Por outro lado, contribuiu também como estímulo para o debate
social sobre temas referentes à segurança pública.
16
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É posssível notarmos que ambos os jornais trabalharam com o tema violência e, a
partir dele, relacionaram outros assuntos, ocasionando o debate dentro da sociedade com os
temas, tais como segurança pública, fiscalização à distribuidoras e bares que comercializam
bebidas alcoólicas, ausência de policiamento, consumo de drogas, acidentes de trânsitos, entre
outros. Ao analisar a editoria de policia, os dois periódicos noticiaram principalmente o caso
de latrocínio (roubo seguido de morte), ocorrido no Calçadão Salvador Isaia. Nesse sentido,
foram identificados juizo de valor, através de palavras e expressões, como no caso do jovem
em ambos os jornais encontramos (jovem, universitário e vítima), uma vez que os dois
periódicos trouxeram vários depoimentos de pai, amigos, colegas e professores do
universitário para comprovar que ele era um estudante dedicado, rapaz bom, feliz e que não
fazia mal a ninguém – de forma a construir a vítima como o bom mocinho cujos sonhos foram
podados por um crime bárbaro – narrativa recorrente ao se tratar midiaticamente de
homicídios de jovens. Por outro lado, os rapazes que cometeram o crime foram tratados como
deliquentes, crimonosos, e associados a bebidas alcoólicas e drogas. Além de que, ambos os
jornais enfatizam que os jovens que cometam o crime provinham de família humilde e são
moradores da periferia de Santa Maria.
Percebemos também que como o caso de violência aconteceu no centro da cidade, o
crime toma outra proporção nas páginas dos jornais, porque ali é ponto de encontro dos
moradores da cidade, seja por motivo de trabalho ou por diversão, e que por isso deveria ter
mais segurança, mais policiamento tomando conta do local, para quem transita neste local seja
em qualquer horário. Mas acaba sendo mostrado ao contrário, pois a falta de segurança está
presente no local e visivél nas publicações das notícias tanto do Diário de Santa Maria quanto
do A Razão.
Os dois jornais construíram uma narrativa repleta de adjetivações, e a violência, está
claro, é tema recorrente em nos periódicos, que conferem diariamente significante espaço às
más notícias. Contudo, a construção de uma narrativa que trabalhe fatos e os conecte com
outras questões relevantes ao debate social está preservada, em detrimento de outras
possibilidades de tratamento discursivo que priorizassem o sensacionalismo nas notícias,
exploradas de forma cruel oa retratar o episódio.
Cabe resaltarmos que tanto o A Razão quanto o Diário de Santa Maria trabalham com
a editoria de policia de uma a duas páginas. E consideramos também que o Diário de Santa
Maria optou por não trabalhar as informações sobre violência em outras editorias além da
policial, demonstrando que os veículos fizeram diferentes escolhas quanto ao tratamento do
17
latrocínio: o DSM conferiu destaque à ocorrência em si como acontecimento; enquanto isso,
AR usou do caso como estímulo para a produção de outras pautas referentes à segurança
pública, manisfestação do pedido de paz, instalação de câmeras de segurança pública no
centro da cidade, entre outros. Isso mostra que o DSM trabalha com uma regularidade no
tratamento das informações, pois é um espaço já esperado pelo público leitor ao noticiar esses
fatos.
Observamos também que o DSM trabalhou a informação sobre o latrocínio do
estudante de Design de Produto do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), nas capas,
bem mais que o A Razão, sendo assim, o DSM apostou mais no acontecimento em si, e não
direciona de imediato para os outros assuntos que surgiram no decorrer da semana. Porém
para o jornal AR que deslocou as informações para outras editorias, a morte do jovem não se
vale em si, mas ela serve de suporte para deslocar a pauta para outras editorias, e proporcionar
discussões dentro da sociedade.
Enfim, percebemos que o jornalismo investigativo, que poderia ter trazido outras
várias atribuições ao acontecimento, acabou dando espaço para o jornalismo de atualidade,
que baseia-se em estereótipos prontos, narrativas pré-concebidas, e uso de uma ocorrência
como estopim para a exploração da pauta em outras editorias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A RAZÃO. In: jornal A Razão. Disponível em: < http://arazao.com.br/sobre/>. Acesso em:
22 de out. de 2011.
BAUER, M. W.; GASKELL, G. (orgs.) Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um
manual prático. 7° Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
BEBER, C. C. Santa Maria 200 anos: história da economia do município. Santa Maria:
Pallotti, 1998.
CORREIA, J. C. O admirável mundo das notícias: Teorias e Métodos. Covilhã: UBI,
LabComBooks, 2011.
DIÁRIO DE SANTA MARIA. In: Grupo RBS. Disponível em:
<http://www.rbs.com.br/midias/index.php?pagina=jornal>. Acesso em: 22 de out. de 2011.
18
ERBOLATO, M. L. Técnicas de codificação em jornalismo. São Paulo: Ática, 1991.
GAUER, R. M. C. Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos. Ruth Gauer
(org.) – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
HOHLFELDT, A; MARTINO, L. C; FRANÇA, V. V. (Orgs.) Teria da comunicação:
conceitos, escolas e tendências. 8. Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
LAGO, C. BENETTI, M. Metodologia de pesquisa em jornalismo. 2° Ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2008. Coleção Fazer Jornalismo.
MARIANO DA ROCHA FILHO, J. A Terra, o Homem e a Educação: universidade para o
desenvolvimento. Santa Maria: Ed. Pallotti, 1993
MOREIRA FLORES, A.M. et al . Jornais Impressos em Santa Maria. In: IX SIMPÓSIO DE
ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – SEPE, 6., 2005, Santa Maria. Anais...Santa Maria.
Centro Universitário Franciscano – UNIFRA – 9 a 11 de Nov. de 2005
NEGRINI, M. A morte no Jornal Nacional. Estudos em Jornalismo e Mídia. Ano VII, n° 1
p. 150 – 164, jan. e jun. de 2010.
NEGRINI, M. A produção de sentidos sobre a morte telejornalismo. Comunicação &
Inovação, São Caetano do Sul, v. 12, n. 23, p. 79-86, jul.-dez. 2011.
NOBLAT, R. A arte de fazer um jornal diário. 7°ed. São Paulo: Contexto, 2008.
OLIVEIRA-CRUZ, M. C. B. F de. Moro, logo existo: a morte como acontecimento
jornalístico. Estudos em Jornalismo e Mídia. Ano V, n. 1, p. 149 – 159, jan.- jun. 2008.
RAMOS, S.; PAIVA, A. Mídia e violência: tendência na cobertura de criminalidade e
segurança no Brasil. Rio de Janeiro, IUPERJ, 2007.
RIBEIRO, D. B. Estratégias de autorreferencialidade nos discursos de jornais impressos. In:
Seminário Internacional de Texto, Enunciação e Discurso – SITED, 2010, Porto Alegre.
Anais...Porto Alegre. Núcleo de Estudos do Discurso. Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul – set. de 2010, p. 109-116.
SEQUEIRA, C. M. de. Jornalismo investigativo: o fato por trás da notícia. São Paulo:
Summus, 2005.
19
SOARES DE LIMA, S. B. et al. História de Santa Maria. Resgatando fragmentos da
história da enfermagem do hospital universitário de santa Maria – RS/Brasil. Santa Maria,
2010. p. 115 – 137.
TRAQUINA, N. Teorias do jornalismo. A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa
transnacional/ Nelson Traquina – Florianópolis: Insular, 2. Ed., 2008.
ZALUAR, A.; LEAL, M, C. Violência extra e intramuros. Revista Brasileira de ciências
sociais. V. 16, n°45, p. 145 – 164, 2011.
WAINBERG, J. A. Mídia e terror: comunicação e violência política. São Paulo: Paulus, 2005.
20
APENDICÊ A –
Dias da Semana de Análise Espaço Total
15 de agosto 2426,24 cm² 23,92%
16 de agosto 1330,59 cm² 11,84%
17 de agosto 1657,16 cm² 13,98%
18 de agosto 1060,33 cm² 8,87%
19 de agosto 2030,99cm² 17,46%
20 e 21 de agosto 1986,9 cm² 11,60%
22 de agosto 2454,3 cm² 20,85%
Quadro 1– Espaço para o tema violência no jornal Diário de Santa Maria
Dias da Semana de Análise Espaço Total
15 de agosto 1569,35cm² 16.02%
16 de agosto 2662,2 cm² 25,81%
17 de agosto 2997,1cm² 24,79%
18 de agosto 1656,75 cm² 13,59%
19 de agosto 1068,2 cm² 10,78%
20 e 21 de agosto 2577,1 cm² 15,07%
22 de agosto 1416,55 cm² 12,80%
Quadro 2 - Espaço para o tema violência no jornal A Razão
21
APENDICÊ B –
Dias da Semana de Análise Editoria Policial Outras Editorias
15 de agosto 854,56 cm² 8,42% 513,74 cm² 5,06%
16 de agosto 162,96 cm² 1,45% 192,4 cm² 1,71%
17 de agosto 682,07 cm² 5,75% 229,4 cm² 0,19%
18 de agosto 676,74 cm² 5,66% 57,23 cm² 0,47%
19 de agosto 1045,48 cm² 8,98% 763,54 cm² 6,56 %
20 e 21 de agosto 791,91 cm² 4,62% 67,2 cm² 0,39%
22 de agosto 1144,35 cm² 9,72% 300 cm² 2,54%
Quadro 3 – Lugar em que estão localizadas as notícias sobre violência no DSM
Dias da Semana de Análise Editoria Policial Outras Editorias
15 de agosto 673,1 cm² 6,87% 425,5 cm² 4,34%
16 de agosto 1319,25cm² 12,79% 447,1 cm² 4,33%
17 de agosto 828,6 cm² 6,85% 1150,35 cm² 9,51 %
18 de agosto 324,5 cm² 2,66% 364,5 cm² 2,99%
19 de agosto 525,74 cm² 5,30% 403,5 cm² 4,07%
20 e 21 de agosto 416,6 cm² 2,43% 1293,3 cm² 7,56%
22 de agosto 416,85 cm² 3,76% 537,95 cm² 4,86%
Quadro 4 – Lugar em que estão localizadas as notícias sobre violência no AR
22
APENDICÊ C –
Dias da Semana de Análise Latrocínio Outros Casos de Violência
15 de agosto 17,88% 6,04%
16 de agosto 10,01% 1,83%
17 de agosto 9,71% 4,27%
18 de agosto 2,60% 6,27%
19 de agosto 7,80% 9,66%
20 e 21 de agosto 10,20% 1,40%
22 de agosto 9,97% 10,88%
Quadro 5 - Espaço sobre violência conferido ao latrocínio no Diário de Santa Maria
Dias da Semana de Análise Latrocínio Outros Casos de Violência
15 de agosto 6,21% 9,81%
16 de agosto 19,64% 6,17%
17 de agosto 23,52% 1,27%
18 de agosto 4,82% 3,94%
19 de agosto 4,18% 12,53%
20 e 21 de agosto 0% 14,37%
22 de agosto 2,13% 8,05%
Quadro 6 - Espaço sobre violência conferido ao latrocínio no A Razão
23
APENDICÊ D –
Conteúdo sobre violência Aparições
Calçadão
Roubo
Morte
Brigas
Facadas
Latrocínio
Drogas
Assassinato
Bebidas Alcoólicas
Acidente
68
65
52
45
28
25
15
13
12
10
Conteúdo sobre a vítima Aparições
Jovem
Universitário
Vítima
Namorado
Bom filho
Amigo Legal
Colega
Aluno Brilhante
28
24
22
06
04
02
01
00
Quadro 7 - Análise de conteúdo nos discursos sobre a morte do universitário no DSM
Conteúdo sobre violência Aparições
Morte
Drogas
Bebidas Alcoólicas
Brigas
Calçadão
Roubo
Acidente
Facadas
Assassinato
Latrocínio
71
49
47
45
41
25
23
20
04
04
Conteúdo sobre a vítima Aparições
Jovem
Universitário
Vítima
Colega
Aluno Brilhante
Amigo Legal
Namorado
Bom filho
30
27
17
04
02
02
00
00
Quadro 8 - Análise de conteúdo nos discursos sobre a morte do universitário no AR
24
APENDICÊ E - Copia em PDF no CD
top related