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Vidas Trocadas: os deslocamentos humanos como um processo de
transformação
ALFREDO MORENO LEITÃO1
Os deslocamentos humanos ocorrem desde os primórdios da Humanidade, mas
foi a partir dos primeiros anos do século XIX que esses deslocamentos cresceram na
freqüência e no número de pessoas que circulam de um lugar para outro.
O fenômeno das migrações, a partir do século XIX, foi fruto principalmente das
conseqüências do desenvolvimento tecnológico e científico, iniciado ainda no século
anterior, e que trouxe mudanças nas sociedades principalmente européias e norte-
americanas.
O desenvolvimento tecnológico, impulsionado pela Revolução Industrial, levou
a mecanização da produção de bens e de matéria prima, não só nas cidades, mas
também nos campos, onde, em ambos os casos, houve a substituição de parte da mão de
obra pela máquina. Isso levou inevitavelmente a um excedente de trabalhadores ociosos
e desempregados. As pequenas propriedades de produção familiar passaram a sofrer a
concorrência, ainda mais acirrada, das grandes propriedades “modernizadas” que
puderam aumentar suas produções e barateá-las, quebrando os pequenos agricultores
que não conseguiram disputar com elas no mercado externo. Alguns se desfaziam das
suas propriedades e iam trabalhar para grandes proprietários rurais como camponeses
assalariados.
Essa situação causou um profundo impacto na organização social das áreas
campesinas alemãs. Inúmeros indivíduos não conseguiram adaptar-se às
mudanças tão bruscas na ordem do trabalho. Acostumados a ser proprietários,
por menos abastados que fossem, não eram capazes de compreender a
espoliação que lhes impuseram os senhores do campo, privando-os do bem
mais sagrado para um camponês: a terra. Não compreendiam o trabalho
assalariado em terras que haviam sido suas. (SIRIANI, p. 35)
Paralelamente, uma melhoria da saúde motivada pelo avanço das ciências e do
aumento da produção de alimentos acarretou uma maior longevidade das vidas e uma
1 PUC-SP, Doutor em História Social
menor mortalidade. Porém isso levou a alguns problemas, como a dificuldade ao acesso
a posse e o trabalho na terra – em particular em países de economia agrícola como
Portugal e Espanha (PEREIRA, p. 20-21) -, em propriedades familiares pequenas onde
a sua fragmentação, entre os vários herdeiros, impossibilitava a produção. Houve casos,
em situações extremas, em que um indivíduo herdava somente uma árvore (ALVIM, p.
226).
Não havia um plano claro dos governos para resolver estas questões, no caso das
pequenas propriedades, elas ficavam normalmente nas mãos dos filhos mais velhos,
cabendo aos outros herdeiros procurar trabalho em outros lugares, isso motivo a um
êxodo do campo para as cidades, mas, como já foi dito, havia um excedente de mão de
obra que cada vez mais foi sendo engrossado por esses trabalhadores vindos de fora. O
aumento da demanda de mão de obra nas cidades agradava comerciantes e industriais,
porém eles não absorviam todas essas pessoas, que se revoltando com a falta de
trabalho, com a miséria e a exploração passaram a preocupar o poder público que
muitas vezes usou da violência para repreender; a via de escape foi a emigração.
As questões econômicas não foram, e não são, as únicas motivações para os
deslocamentos humanos, outras questões de caráter religioso, étnico, político etc.
pesaram na escolha de muitos indivíduos de deixaram suas terras natais. Hoje em dia
(século XXI) os fatores econômicos estão contando menos do que os outros.
Os fluxos migratórios são intermitentes, mas alguns “gatilhos” motivaram um
aumento dos deslocamentos, como guerras, revoluções, movimentos nacionalistas,
catástrofes climáticas, perseguições religiosas e políticas etc.
Os processos de deslocamentos não ocorrem somente entre países ou entre
continentes, mas também nacionalmente, dentro de um mesmo país, de maneira
frequente e motivados algumas vezes pelos mesmos motivos que das migrações
internacionais, como o êxodo rural, já citado, dos campos para as cidades. Nos países
tradicionalmente conhecidos como receptores de imigrantes, também ocorreram
deslocamentos internos, como nos Estados Unidos, durante o século XIX, onde norte-
americanos e estrangeiros partiram da costa do Atlântico em direção ao Oeste (“A
Marcha para o Oeste’), com o objetivo de povoar regiões inabitadas do território,
recebendo terras para o cultivo do governo americano. Assim como no Brasil, os
períodos de grandes secas que assolaram o Nordeste, entre o final do século XIX e
início do XX, obrigaram muitos camponeses a deixarem suas casas e rumarem para o
Norte (Acre, Amazonas etc.), para trabalhar na extração do látex para a produção da
borracha, produto, que na época, tinha uma demanda alta no mercado externo. Muitos
nordestinos, cearenses em sua maioria, foram responsáveis por povoar aquelas regiões
do extremo norte do país.
Ainda é necessário se pensar que quando falamos de migrações internacionais os
termos “imigrante/emigrante”, apesar de muito utilizados e de fácil compreensão, são
muito genéricos. Termos como exilado, asilado, “deslocados de guerra” ou refugiados,
dão uma especificidade a certos grupos de “imigrantes/emigrantes” que os diferenciam.
O indivíduo que deixou sua terra natal como exilado, asilado, “deslocado de
guerra” ou refugiado – diferentemente do chamado imigrante econômico, que, grosso
modo, saiu porque não conseguia suprir as suas necessidades básicas de sobrevivência –
, teve que sair porque discordava ou não se enquadrava dentro de preceitos defendidos
pelo governo de seu país, sejam eles políticos, religiosos ou étnicos, sendo perseguido e
hostilizado. Para este o retorno é dificultado ou mesmo perigo. Estas questões
normalmente não atingiam as pessoas de maneira isolada, mas também seus familiares.
Faz-se importante ressaltar que a vinda para o Brasil, a fuga das perseguições
[...], não envolvia somente a pessoa do exilado, aquele que diretamente sofria
as consequências de uma política autoritária. Nota-se que, em muitos casos,
os familiares desses exilados eram envolvidos direta ou indiretamente nos
seus problemas. Esposas e filhos pequenos, muitas vezes dependentes
financeiramente, passavam por necessidades, ou eram vigiados, controlados,
tendo suas liberdades cerceadas [...]. Era necessário tirar todos daquela
situação, e buscar um “porto seguro” onde se pudesse viver em paz
(LEITÃO, p. 129).
A angústia de não ter informações ou notícias da família afetou por décadas
milhões de refugiados e seus familiares. Os refugiados tinham medo de
contatar a família e, com isso, direcionar o “olho de Sauron” do regime para
o seu refúgio, desencadeando punições e represálias. A ideia de ter o nome da
família, sob a óptica soviética, associado a “traidores da pátria” era um ônus
que os refugiados não poderiam suportar, até mesmo porque não era possível
dimensionar quais tipos de sanções atingiriam suas famílias. A escala de
culpabilidade utilizada pelos soviéticos para determinar responsabilizações
era bastante fluida e incerta, portanto, o silenciamento e o não contato, apesar
do sofrimento que impunham, foram assumidos com resignação (SALIS, p.
165).
Ao se instalarem no país de acolhimento as relações com as respectivas colônias,
aqui anteriormente já estabelecidas, nem sempre foram cordiais. O preconceito,
resultante de discordâncias políticas, religiosas etc. levam a hostilização de ambos os
lados e o consequentemente isolamento desses recém chegados.
Os exilados antissalazaristas não eram bem aceitos por parte da colônia
portuguesa. Farpas eram trocadas de ambos os lados: os membros da colônia,
influenciados pela propaganda salazarista, acusavam os exilados de
“antipatriotas”; os exilados, por sua vez os descreviam como “alienados”. As
críticas feitas pelos exilados recaíam normalmente sobre as lideranças da
colônia, uma elite endinheirada, os “comendadores”, muitos dos quais
gozavam de benesses do salazarismo (LEITÃO, p. 200).
A identificação destes indivíduos é difícil, seja porque eles vêm e vieram dentro
da outros grupos de imigrantes, seja porque eles têm dificuldade ou não querem se
identificar em uma das categorias citadas. “No pós-guerra, os deslocamentos
populacionais são difíceis de dimensionar e os números apresentam significativas
discrepâncias e não existe consenso sobre o número correto de pessoas afetadas”
(SALIS, p. 71).
Sair para mudar
Migrar era na visão de muitos a única maneira de mudar uma realidade que não
conseguiria ser alcançada onde viviam; era conquistar, no mínimo, uma estabilidade –
que para cada um poderia ser econômica, ou social, ou religiosa, ou outra qualquer. A
partir da decisão, seja ela individual ou coletiva, todo um aparato burocrático e
financeiro era despendido muito antes do embarque no navio. Os governos de lá e daqui
exigiam muitos documentos para que esses indivíduos pudessem se deslocar:
documentos de identidade, atestados de antecedentes, cadernetas de saúde, passaportes
etc. Muitos destes documentos as pessoas não imaginavam um dia precisar – vivendo
uma vida simples nos campos, sem outras atividades que exigissem alguma
“formalidade”, para muitos o único documento que possuíam era o registro batismal –
eram caros, demorados e a sua ausência inviabilizava a viagem. Alguns quando venciam
esta etapa, ainda tinham os gastos com as passagens de navio – isso quando não tinham
ainda de cruzar o país de trem ou outro transporte até o porto de embarque, engrossando
ainda mais os gastos.
Todos estes preparativos eram difíceis para grande parte dos futuros emigrantes,
não só a questão financeira, aviar tantos documentos, para uma população na sua
maioria analfabeta, era algo assustador. Por causa disso, se forma em alguns lugares
uma verdadeira rede organizada que ia desde vigários e funcionário da administração
das pequenas localidades, a capitães de navios, agenciadores e funcionários consulares,
que “facilitavam”, através de quantias determinadas acertadas no momento do
embarque ou na chegada ao destino (PEREIRA, p. 36-37), a obtenção das passagens e
dos documentos necessários – documentação falsificada que maquiava a ilegalidade da
emigração -, ou mesmo conseguiam que alguns passageiros viajassem clandestinos. O
número de clandestinos foi considerável, o que hoje em dia dificulta, para os estudiosos
da e/imigração, a quantificação do número de passageiros, já que a quantidade dos que
desembarcaram nos portos de destino, muitas vezes, não condiz com os números das
listas de embarque (PEREIRA, p. 102-103).
Como já foi dito, migrar poderia ser uma escolha individual ou coletiva, mas que
levava em conta a disponibilidade de cada um. A primeira a se pensar era a
disponibilidade financeira, muito difícil para a maioria dos que almejavam migrar e
determinava a escolha, ou de partir toda a família, ou apenas de um indivíduo. Quando
partia toda a família havia a idéia de que seria algo definitivo, o núcleo familiar estaria
reunido. Quando se tratava de uma migração individual, composta normalmente por
homens, jovens e solteiros, tinha muitas vezes como objetivo uma permanência
temporária o suficiente para a formação de um pecúlio que garantisse uma vida melhor
para si e para os que ficaram na terra natal. Estes indivíduos focados sujeitavam-se a
qualquer tipo de trabalho e a viver em qualquer tipo de lugar (KLEIN, p. 24).
Havia situações que demandaram atitudes extremas, como o envio de meninos,
entre oito e quatorze anos - em Portugal, por exemplo, emigrar antes dos 14 anos
possibilitava o não pagamento de uma fiança (PEREIRA, p.41) -, que viajavam sozinhos.
Estas “crianças” eram entregues, muitas vezes, nas mãos de agenciadores ou mesmo aos
cuidados dos capitães do navio. Ao desembarcarem, alguns eram oferecidos – pelos
agenciadores, capitães ou aqueles que receberam a sua tutela -, num verdadeiro
mercado, a quem os quisesse contratar; outros tinham destino certo, seriam recebidos
por patrícios ou parentes que já estavam estabelecidos. Em ambos os casos não havia a
garantia que seriam bem tratados, entregues praticamente a própria sorte, sem proteção
alguma, seja familiar ou legal, eram vítimas normalmente de abusos e maus-tratos.
A partida desses meninos, para seus pais, se inseria dentro de um pensamento
paradoxal: seriam, ao mesmo tempo, um gasto a menos dentro dos parcos recursos que
dispunham, assim como representariam uma fonte de renda advinda das remessas de
dinheiro enviadas, que possivelmente lhes garantisse uma velhice mais tranquila. Esta
responsabilidade, ainda que pesada, tão cedo foi encucada nesses jovens emigrantes
conscientes das suas missões, fez com que muitos jamais quebrassem os laços de
respeito e amor que tinham por seus familiares (PEREIRA, p. 42-43).
As mulheres, por sua vez, dificilmente migravam desacompanhadas, e quando
vinham sós, precisavam de uma autorização de um “responsável”: no caso das solteiras,
do pai; no caso das casadas, do marido.
As que vinham sozinhas, vinham porque foram “chamadas” através de uma
correspondência2 de parente que se responsabilizaria por elas, o marido, o pai, um tio,
um irmão, ou mesmo o noivo, que as esperavam para se casar.
Quando chamadas, as casadas vinham com os filhos para se reencontrar com os
maridos, que normalmente enviavam algum dinheiro para os gastos com a viagem. O
reencontro se dava muitas vezes depois de anos de distanciamento, e essa reunião de
toda a família nem sempre foi agradável. Vivendo muito tempo longe dos maridos,
essas mulheres assumiram a obrigação de trabalhar para o sustento da casa e administrar
o dinheiro, funções que outrora eram dos homens; a autonomia motivada pelo
distanciamento lhes garantia certa liberdade (PASCAL, p. 147). O encontro com os
maridos levaria ao retorno a uma condição de subordinação a eles, e não raro algumas
esposas adiavam o máximo possível a partida, mas as obrigações impostas pelo
matrimônio as impediam de se negaram a partir.
Vencida a primeira fase, a emissão de documentos, a compra de passagens, a
arrumação das bagagens – decidir o que se pode ou dever levar -, vender ou dar aquilo
2 Estas correspondências, comumente conhecidas como “cartas de chamada”, serviam como uma garantia
ao governo brasileiro e ao imigrante - não só as mulheres, mas também aos idosos, doentes e crianças –
que teria alguém lhe esperando aqui. Sobre esta questão vide: MATOS, 2015.
que vai ficar, e pela precipitação e inexperiência de uma empreitada como essa, algo por
ventura ficava esquecido e deixado para trás só lembrado quando já não havia mais
tempo para voltar. Vêm então as despedidas dos parentes e amigos, os abraços e os
choros, os “até logo” (que muitas vezes se tornam “adeus”), a benção da avó, o afago do
avô, o último olhar para a terra que os viu nascer. Este momento é algo que não se pode
comensurar: a experiência do desenlace é algo que varia de pessoas para pessoa, mas
que marca a vida desses migrantes para todo o sempre.
Chega a segunda fase, a viagem propriamente dita, seja ela por terra, mar e, mais
recentemente, pelo ar. Em meados do século XIX, os navio à vela deram lugar aos
navios à motor, os “vapores”, mais rápidos , mais seguros e de tamanhos maiores, o que
possibilitou o transporte de um número maior de passageiros. A distância das viagens,
entretanto, não era contada por horas, mas por dias ou meses3, e as instalações
destinadas aos passageiros que dispunham de poucos recursos, a terceira classe, eram
incômodas e superlotadas, fazendo da longa permanência num navio um verdadeiro
calvário. Não raro, epidemias ocorriam em um ambiente onde se concentravam muitas
pessoas em diversas condições, assolando os passageiros; óbitos ocorriam durante as
viagens, principalmente de idosos e crianças eram mais uma perda para essas pessoas.
Chegar para alcançar
A chegada era cheia de incertezas e expectativas, de ambos os lados: do
imigrante o objetivo de alcançar um sonho, uma estabilidade seja ela econômica, física
ou psicológica (ou todas); por parte do governo brasileiro e dos grandes latifundiários, a
preocupação principal era suprir com o trabalhador estrangeiro a escassez de mão de
obra ocasionada pela decadência do sistema escravista.
Tais expectativas não casavam entre si, e o período entre o início do século XIX
a meados do século XX foi marcado por diversos momentos de tensão. O que o
imigrante encontrou aqui não condizia com a propaganda feita pelos engajadores na
3 Para se ter uma idéia, uma viagem por estrada de rodagem, de Recife a São Paulo, capital, na década de
1950, levava em média 27 dias. (relato de Manoel Gonçalves da Silva, que chegou à São Paulo, em
1956).
Europa. A propaganda era muito mais exuberante e fantasiosa do que a realidade
encontrada pelo estrangeiro ao chegar ao seu destino.
Em 1820, por decreto de D. João VI4 incentivava-se a vinda de imigrantes de
origem alemã para ocuparem núcleos coloniais, que seriam criados, em diversas regiões
do Brasil: em São Paulo, na região de Santo Amaro e Itapecerica. Caberia aos governos
provinciais a criação e administração dos núcleos coloniais, além da recepção e demais
cuidados com os futuros imigrantes. Houve, no caso de São Paulo, manifestações
contrárias por parte de políticos e de alguns latifundiários que se sentiam prejudicados.
Tais manifestações, não causaram efeito, e em novembro de 1827, um documento
enviado pelo governo imperial informava o envio de um grupo de alemães. Em
dezembro do mesmo ano, desembarcava, no porto de Santos, o primeiro grupo de
alemães (SIRIANI, p. 58).
O governo provincial estava despreparado, não havia feito ainda a divisão dos
lotes de terra e nem sabia o que fazer com essas pessoas enquanto o núcleo colonial não
estivesse organizado.
[...] Sem um núcleo colonial formado, e nem sequer planejado, os alemães
foram enviados temporariamente ao Hospital Militar de São Paulo. Ali
instalados, deu-se a uma verdadeira via sacra, que durou aproximadamente
dois anos até que obtivessem os prometidos lotes de terra. Eram duzentos e
vinte e seis indivíduos, aos quais se juntaram outros grupos menores, que a
cabo de dois anos já representavam quase mil almas (SIRIANI, p. 58).
O descaso vivido por esses primeiro imigrantes alemães em São Paulo causou
revolta e descontentamento, muitos desistiram de esperar dirigindo-se para o sul do país
e para outras regiões, outros foram tentar a sorte em outras localidade da província e na
capital. Aos que esperaram e tomaram posse dos seus lotes de terra, não foi diferente,
acabaram entregues a própria sorte, sem apoio ou orientação do poder público. Alguns
conseguiram desenvolver uma estrutura estável para sobreviver, com uma pequena
produção agrícola, criação de gado, que comercializavam em outras localidades; ou
ainda a formação de pequenos comércios entre as regiões de Santo Amaro e Itapecerica.
Outros, entretanto, não conseguiram se adaptar, acabando por abandonar suas terras e
passando a se dedicar a outras atividades, principalmente na capital.
4 Decreto Real de 16 de março de 1820.
A situação vivida por esses primeiros imigrantes foi apenas um exemplo das
dificuldades enfrentadas, que se tornavam mais graves já que ocorriam em um país de
costumes diferentes, onde, em muitos casos, se falava uma língua que não se
compreendia e onde ocorria, em certos momentos, atitudes hostis por parte de alguns
nacionais.
Para o governo de São Paulo a fundação de colônias era apenas uma questão
formal (TRENTO, p. 108), o objetivo, pressionado pelos latifundiários, era focar a
imigração para a formação do campesinato nas lavouras de café.
Procurando atender a demanda por mão de obra, criam-se mecanismos para
trazer e fixa esses trabalhadores estrangeiros como empregados nas lavouras. A
principio se adotou o denominado “sistema de parceria”, que, grosso modo, se
constituía de seguinte maneira: o fazendeiro arcaria com todas as despesas do imigrante,
desde a saída do porto de embarque até a sua instalação na fazenda de café; o imigrante,
por sua vez, pagaria estes gastos com o seu trabalho. Quitada a dívida, o imigrante
estaria livre para se quisesse deixar a fazenda e procurar outro trabalho e, até mesmo,
adquirir o seu tão sonhado pedaço de terra. Tal sistema mostrou-se um grande engodo,
pois tudo que o colono precisasse, desde as ferramentas para o trabalho, até
mantimentos, roupas, remédios, eram vendidos em armazéns da própria fazenda, o que
levava ao aumento da dívida. Os salários eram baixos e variavam conforma a produção
e o preço do café; as pequenas hortas e criações de animais que lhes eram permitidos
manterem, muitos não conseguiam vender pela impossibilidade de se deslocarem para
os centros urbanos. Os fazendeiros procuravam manter os imigrantes isolados,
restringindo suas saídas da propriedade. Quitar as dívidas ficava praticamente
impossível.
O descontentamento e a consciência que estavam sendo enganados deixaram
muitos deles desesperados, o que resultando algumas vezes em revoltas - como a da
Fazenda Ibicaba, em 1850, de propriedade de Nicolau de Campos Vergueiro -, fugas de
indivíduos sozinhos ou de famílias inteiras. Tais situações passaram a ser recorrentes, e
quando puderam ser denunciadas houve a intervenção de representantes consulares que
cobraram providências do governo.
O governo paulista, diante de tal situação, assume total responsabilidade com os
gastos com o processo imigratório, o que se vai chamar de “imigração subvencionada”,
para tanto foi criada a Sociedade Promotora de Imigração, na década de 1880.
A vida destes colonos, entretanto, não vai sofrer melhoras significativas. Em
muitas fazendas o trabalho era pesado, ocupava toda a família e os momentos de
distração eram raros ou mesmo inexistentes - em algumas fazendas não existiam nem
mesmo uma capela onde os colonos pudessem fazer suas orações (TRENTO, p. 111). Alguns
fazendeiros, habituados ao trato com os escravizados, puniam as faltas dos
trabalhadores imigrantes com castigos físicos, principalmente em fazendas onde
conviviam, lado a lado, imigrantes e escravizados. Isso levou a novas denúncias5. A
rotatividade era constante, na medida em que chegavam novos colonos, outros, quando
tinham condição de partir, iam procurar outra ocupação, principalmente nas cidades. A
esses que partiam das fazendas, se juntavam aqueles que emigraram por conta própria
que prioritariamente preferiam o trabalho urbano ao rural.
Ficar para cumprir
As cidades proporcionaram novas experiências a muitos dos imigrantes, alguns
oriundos das regiões rurais dos seus países de origem, se depararam com um ambiente
novo, algumas vezes inóspito, que levou a um processo de adaptação e a perda ou
modificação dos planos iniciais, entre eles, a não aquisição de um lote de terra próprio
para trabalhar. No caso de grupos familiares, o sacrifício era coletivo, pais, filhos,
jovens e velhos, se dividiam na busca por trabalho para o sustento e manutenção de
todos os seus membros. Já os que originalmente viviam em zonas urbanas, a adaptação
foi, de certa maneira, mais fácil, conheciam a vida citadina e sabiam ou desenvolviam
atividades urbanas nos seus países, como pedreiros, marceneiros, mecânicos etc. A
cidade foi onde alguns “fizeram a América”, e outros conseguiram uma vida remediada,
era um destino a se cumprir. Retornar a terra natal na mesma condição em que partiram
era para muitos inconcebível.
5 As denúncias levaram à promulgação do Decreto Prinetti em 1902, pelo qual o governo italiano proibiu
a emigração subsidiada para São Paulo. Mesmo sendo frequentemente burlada, a medida reduziu
consideravelmente a entrada de italianos [...]. (MATOS, 2002, p. 62).
Algumas cidades (São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente) passavam, desde
o final do século XIX, por um processo de reurbanização pautado dentro de preceitos
que visavam modernizar, embelezar e “higienizar”. Políticos, engenheiros e
profissionais da área da saúde, passaram a ditar as regras de reestruturação das grandes
cidades: casas eram derrubadas, ruas alargadas, praças construídas. Era um trabalho que
demandava mão de obra especializada; foi a oportunidade para muitos imigrantes.
A reurbanização beneficiou principalmente as regiões das cidades onde viviam e
moravam as famílias mais abastadas, enquanto que as populações mais pobres eram
levadas para as regiões periféricas. Segundo o discurso higienista era necessário
preservar as “boas famílias” do convívio com os mais pobres que eram vistos como
indisciplinados, não se cuidavam, viviam em ambientes onde proliferavam a doença e a
imoralidade. Regras de conduta foram criadas que limitavam as atividades da
população, proibindo, entre outras coisas, a circulação em alguns bairros e praças
públicas pelos mais pobres; um paradoxo, já que o processo de reurbanização fora
executado por estes trabalhadores (nacionais e estrangeiros), que agora não podiam
usufruir.
Os bairros populares em São Paulo se localizavam próximos aos rios Tietê e
Tamanduateí, onde os terrenos eram mais baratos, possibilitando a proliferação de um
casario modesto, assim como à margem das linhas férreas onde começaram a ser
implantadas algumas indústrias e se criaram vilas operárias, e a permanência de alguns
cortiços, muito povoados onde as famílias eram obrigadas a dividir espaços comuns
(CARELLI, p. 34). Bairros como, Brás, Bexiga, Barra Funda, Belenzinho, Bom Retiro,
Mooca, Parí, Vila Maria e Santana, povoaram-se de estrangeiros das mais diversas
nacionalidades.
No Brás, a sucessão monótona de pequenas habitações com um só
pavimento, sem jardim na frente e em geral geminadas, só é entrecortada por
fachadas de fábricas ou de galpões. Todas essas casas miseráveis, sem
nenhuma característica particular de estilo, são construídas segundo o mesmo
modelo. Elas têm cinco metros de largura por vinte e cinco de profundidade.
A fachada compreende uma janela e uma porta, que se abre para um corredor
de acesso aos quartos. Ao fundo se acha a cozinha, depois um pequeno pátio
com um tanque, um varal de roupa e um local para fazer a higiene e as
necessidades (CARELLI, p. 35).
Na cidade esses estrangeiros desenvolveram os mais diversos ofícios e se
entregavam a qualquer trabalho, concorrendo com os nacionais, iam de varredores de
rua e carregadores; passando por vendedores ambulantes, motorneiros de bonde e
empregados domésticos; a alfaiates, costureiras, mecânicos e, até mesmo, profissionais
liberais (médicos, engenheiros etc.). Na indústria, compunham grande parte do
operariado - na de tecidos chegavam a 80% do seu efetivo (MATOS, 2002, p. 66).
Pressionados pela necessidade, moldam e se transformam, buscando a melhor
oportunidade. É neste particular que as mulheres se destacaram, antes donas de casa,
voltadas somente para o trabalho doméstico, passaram a lavar, passar, costurar,
cozinhar, para o sustento da família.
Foi também, nestes ambientes de carências e dificuldades, nos centros urbanos,
na ausência dos poderes públicos, que se desenvolve redes de auxílio entre os iguais,
entre os próprios necessitados. A princípio entre vizinhos dos bairros populares e
moradores dos cortiços, muito próximos geograficamente, dividindo muitas vezes o
mesmo quintal, o mesmo tanque de roupa ou, até, o mesmo banheiro. Homens e
mulheres, velhos e moços, pessoas de diversas etnias, acodem uns aos outros.
Posteriormente, criam-se, entre algumas comunidades estrangeiras, sociedades
recreativas e de mútuo-socorro: hospitais, clubes, casas de cultura etc., voltadas para
grupos determinados ou atendendo a todos que necessitassem ou procurassem. São
mantidas pelos seus membros através de mensalidades e doações, por aqueles que
tinham possibilidades, mas não abandonavam os mais necessitados, os que nada tinham.
Foi o caso, entre outras, da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência,
fundada em 1859, idealizada por dois “caixeiros” portugueses, e que tiveram como
objetivo “fundar uma sociedade portuguesa de beneficência, onde seus associados
tivessem um hospital próprio, onde fossem acolhidos e recolhidos nas suas doenças e
necessidades” (AVELINO, p. 27).
Esta população de migrantes, cada vez mais numerosa, cada vez mais atuante e
cada vez mais entrelaçada na sociedade nacional, sentindo-se na necessidade e na
obrigação de reivindicar, junto às autoridades, por melhorias de vida, não somente nas
questões ligadas a saúde, como dito anteriormente, mas também ligadas a educação, ao
trabalho, a moradia etc.
Alguns estrangeiros que emigraram para o Brasil já traziam consigo a vivência
nas lutas sócias e políticas, tinham a experiência associativa, sindical; eram ligados ao
comunismo, socialismo e, principalmente, ao anarquismo. A estes se juntavam outros,
nacionais e estrangeiros, muitas vezes sem nenhuma prática nas lutas sociais, indivíduos
que outrora toleraram a exploração, pois acreditavam ser isso necessário para um futuro
melhor, mas chegaram ao limite.
O poder público e os patrões, que acreditaram a principio que o imigrante iria
renovar, “branquiar” a nossa sociedade mestiça, viam, em princípios do século XX, o
estrangeiro como um elemento perturbador, perigoso que vinha para trazer a discórdia a
sociedade brasileira6. E mais do que isso, uma gente ingrata, que tinha sido bem
recebida, tinham trabalho, e se voltavam agora contra os seus benfeitores.
O Estado, com o objetivo de garantir a ordem pública e a segurança nacional,
criou todo um aparato legal com o objetivo de limitar e combater esses “marginais” e
suas “idéias estrangeiras” (anarquismo, comunismo, socialismo), como a Lei Adolfo
Gordo, de 1907, que tratavam da expulsão de estrangeiros7, e mais adiante a criação das
polícias políticas estaduais8. As autoridades passaram a proferir discursos de
preocupação e desconfiança em relação aos estrangeiros.
Considerando que a persistência das causas perturbadoras da paz
internacional, tais como a luta de classes e de ideologias político-sociais,
como a sua inevitável repercussão no país, constitui advertência para que nos
acautelemos contra tais fatores de intranqüilidade e insegurança;
Consideremos que, para isso, se torna mister definir e esclarecer melhor a
orientação da polícia de segurança política e social;
Considerando que esta orientação se faz sentir mais necessário na
fiscalização da entrada, permanência e saída de estrangeiros, no Estado
(FONTE, p. 44).
Presos e expulsos, estes indivíduos, tidos como perigosos, deixavam suas
famílias acéfalas sem o pai e o marido. Entregues a própria sorte, esposas e filhos
6 “Neste enfoque político-ideológico da (des) ordem, os estrangeiros tiveram um papel de destaque. Não
exclusivo como as autoridades quiseram fazer parecer, interessadas em justificar a repressão através da
tese de uma conspiração estrangeira que, por importação, atingia o território brasileiro; mas muito
expressivo, principalmente na base da militância, concentrada em setores ocupacionais nos quais os
imigrantes se faziam significativamente presentes”. (MENEZES, p. 95). 7 A “Lei Adolpho Gordo” foi “promulgada como uma medida complementar à Constituição Federal,
objetivando disciplinar as regras que permitiam a expulsão de estrangeiros pelo poder Executivo”.
(BONFÁ, p. 79). 8 Em São Paulo, a Delegacia de Ordem Política e Social foi criada em 1924.
passaram por necessidades e muitos eram estigmatizados, tendo que procurar outros
lugares para viverem e trabalharem; algumas famílias se reencontraram com seus pais,
aqui ou no exterior, outras, entretanto, não quiseram ou não puderam, e tiveram que se
remodelar.
A preocupação e a vigilância sobre o estrangeiro não se limitou somente aos
chamados crimes de opinião, mas também aos crimes comuns (assalto, assassinato,
contrabando, prostituição, tráfico de drogas etc.). Estes crimes, que não se limitavam
somente aos estrangeiros, eram motivados e se proliferavam, em parte, pela
desigualdade social, exploração e, em certos casos, pela ausência de atitudes punitivas
contra alguns elementos contraventores.
Dentre os crimes comuns, o que talvez estivesse ligado mais a imigração foram
o tráfico e exploração de mulheres para a prostituição (o lenocínio). Toda uma rede bem
engendrada que atuava na Europa e tinha ramificações nas Américas do Norte e do Sul
– principalmente Argentina, Uruguai e Brasil -, traziam mulheres, na sua maioria do
Leste Europeu, para servirem como prostitutas. Algumas sabiam para que vinham,
muitas destas já atuavam como prostitutas em seus países; outras, entretanto, iludidas
com falsas promessas de uma vida melhor, acreditando no sonho de “fazer a América”,
eram trazidas sem idéia do destino que as esperava. O número de mulheres que vieram
nessas condições é difícil de calcular (RAGO, p. 250).
A exploração de mulheres nos negócios do sexo não era uma atividade nova,
mas havia adquirido uma caracterização diferenciada ao longo do século
XIX, à medida que o capitalismo e a expansão européia haviam redesenhado
o mundo e a vida urbana, promovendo a exploração dos prazeres. Neste
contexto, a mulher, transformada em simples mercadoria, vendida através de
fotos estampadas em cartões de visitas, tornou-se um dos produtos que a
Europa exportou para os outros continentes à época do imperialismo: um
novo tráfico de escravos que desafiava os lavores tornados sagrados pela
ordem capitalista, explicitando todo um mundo de contradições (MENEZES,
p. 153-154).
Para estas que desconheciam seus destinos era montado todo um esquema, que
envolviam homens e mulheres (os caftens), alguns de origem judaica. Estas mulheres
eram buscadas em regiões miseráveis, onde homens, bem vestidos, trazendo presentes e
com um discurso bem montado, propunham casamento e uma vida melhor na América
às filhas de famílias pobres; os casamentos eram arranjados e as moças partiam com
seus “maridos”, emigrando para a Argentina, Uruguai, Brasil, ou outro local de destino.
Outras eram cooptadas nos navios, as que viajavam desacompanhadas, abordadas por
outras mulheres que lhes prometiam casa, comida, e um trabalho “honesto”. Todas ao
chegarem se depararam com outra realidade: eram levadas para prostíbulos com outras
mulheres vivendo sob severa vigilância, ou exploradas individualmente pelo cáften com
quem passavam a viver.
A prostituição, nos grandes centros, é sabido, não se compunha unicamente por
mulheres estrangeiras, havia brasileiras brancas, negras e mestiças. Mas havia uma
demanda por prostitutas estrangeiras, certo fetiche por essas mulheres, pelo exotismo
que elas possuíam (ou se acreditava que elas possuíam). Toda uma hierarquia era
formada a partir das preferências da clientela: no topo vinham as francesas e na base as
oriundas do Leste Europeu (as “polacas”) (MENEZES, p. 158), entre elas, portuguesas,
espanholas, alemãs, italianas etc.
As autoridades policiais os perseguiam, e muitos caftens e prostitutas foram
presos e deportados (RAGO, p. 252-253). Em São Paulo, na década de 1930, foi criada
a Delegacia Especializada de Costumes (subordinada ao Departamento de Ordem
Política e Social) para combater a prostituição e fazer a vigilância de pensões e casas de
cômodo, que muitas vezes eram fachada para prostíbulos.
Entregues a própria sorte, essas mulheres foram algumas vezes renegadas pelas
suas colônias. A comunidade judaica, por muito tempo, proibiu que elas frequentassem
os cultos e as suas atividades, e fossem inclusive enterradas em cemitérios judaicos.
Algumas prostitutas criaram associações de mútuo socorro - aos moldes de outras
associações estrangeiras – com o objetivo de ampará-las na velhice àquelas que não
possuíssem família, e inclusive a criação de cemitérios próprios para as de origem
judaica.
Considerações Finais
O senso comum tem uma visão dos processos de deslocamento humano, como
algo iniciado por um acontecimento, seja ele econômico, político, religioso etc., que de
alguma maneira pressionou os indivíduos a saírem donde viviam, contrariando, muitas
vezes, as suas vontades, e depois de várias etapas e dificuldades atingiram seus
objetivos. Mas todos alcançaram seus objetivos? Qual foi o preço pago para isso? Todos
tinham realmente necessidade ou consciência do que estavam fazendo?
Há diversos relatos de migrantes e de seus descendentes que contam que não
atingiram seus objetivos, principalmente entre aqueles que almejavam angariar riquezas,
prosperar em um novo país. A grande maioria conseguiu uma vida estável, e só as
gerações seguintes, dos filhos e netos, muitas vezes através do trabalho e do estudo
conseguiram uma ascensão social. O imigrante rico, o empresário de sucesso - o caso
dos “brasileiros de torna viagem”, portugueses que enriqueceram e retornaram as suas
vilas de origem - são casos raros.
Quantos conseguiam realizar o seu sonho? Em 1.000 emigrantes, 10
enriqueciam, 100 eram remediados, os restantes sobreviviam, segundo uma
estimativa do Rio de Janeiro, a principal zona de fixação dos emigrantes
portugueses (PEREIRA, p. 46).
O corte dos laços com a terra natal, com a família, com as tradições, com a
língua, enfim, com toda uma vida estruturada, transformará vidas e deixará marcas
profundas nas pessoas, principalmente nas mulheres, crianças e idosos, normalmente
aqueles que muitas vezes não opinaram sobre a partida. Não raro há histórias de
mulheres, esposas que deixaram seus países por imposição do “chefe da família” que
assim decidiu, subjugadas pela autoridade masculina; ou crianças, que não entendendo
nada são arrancadas do seu mundo; ou ainda idoso, que impossibilitados de ficarem sós,
são levados embora para um lugar onde nem sempre conseguem se adaptar.
Sobre as mulheres há ainda que salientar, além das consequências do tráfico para
a prostituição, o envio de mulheres – órfãs na sua maioria - para o Brasil desde o início
da colonização com o objetivo de formar famílias com homens que não conheciam; ou
aquelas que eram prometidas pelos pais e vinham para se encontra com os noivos que
para aqui haviam emigrado anteriormente. Mulheres que passaram a viver em
companhia de homens que talvez não amavam (e possivelmente nunca amassem), em
um lugar novo longe da suas famílias.
Não se pode deixar de referenciar ainda um dos processos de deslocamento
humano mais violento de que se tem idéia, o tráfico negreiro, processo esse que
literalmente arrancou milhares de pessoas de suas terras e os transportou como cargas
que foram vendidas nas Américas sem nenhum tipo de escolha, diferente de outros
processos de migração.
Enfim, todo deslocamento humano demanda uma adaptação, um aprendizado e
uma renúncia, o agricultor passa a trabalhar atrás de um balcão de loja, a dona de casa
torna-se uma operária, a criança dependente é agora o “arrimo de família”. Em seu
trabalho sobre expatriados e exilados, Peter Burke fala de “desprovincialização”, uma
mudança imposta que quebra os paradigmas aprendidos e/ou criados pelos migrantes
em seus locais de origem (BURKE, p.34) Não houve uma vida de um migrante que não
sofreu alguma troca para o bem ou para o mal.
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