uso de terapias alternativas e complementares
Post on 17-Jan-2016
35 Views
Preview:
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
-
- 2 -
Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao da Universidade do Porto
OPTAR PELO USO DE TERAPIAS ALTERNATIVAS E COMPLEMENTARES:
Representaes Sociais da Medicina Alternativa e/ou Complementar e da
Medicina Oficial/Convencional
Bruno Alexandre Gomes da Silva
Dissertao apresentada na Faculdade de Psicologia e de
Cincias da Educao da Universidade do Porto,
para obteno do grau de Mestre em Psicologia,
Especializao em Psicologia Social, elaborada sob a
Orientao da Professora Doutora Gabrielle Poeschl
2008
-
- 3 -
Resumo
A popularidade da Medicina Alternativa e Complementar (MAC) tem aumentado nos
pases ocidentais, sendo interessante notar que o crescimento da MAC esteja a ocorrer
em pases onde o mtodo cientfico e a cincia ocidental so geralmente aceites como
pilares dos cuidados de sade e a prtica baseada na evidncia seja o paradigma
dominante. A tomada de deciso de utilizao de prticas da MAC torna-se relevante
socialmente se atendermos que implica um pagamento no comparticipado, que
potencialmente contradiz o conselho mdico e que a pessoa que o faz se submete a si
prpria a prticas e produtos que no foram necessariamente testados com rigor.
Utilizando o quadro terico das representaes sociais, esta investigao tem como
objectivo genrico compreender as razes e motivaes que subjazem utilizao das
MACs, articulando-as com os elementos e estrutura das representaes sociais da MAC
e da Medicina Oficial/Convencional (MOC), e da anlise das variaes individuais
ancoradas em realidades colectivas e psicolgicas. A tcnica de recolha de informao
utilizada foi o questionrio. Efectuaram-se anlises descritivas e comparativas dos
dados.
Os resultados mostram que os participantes desta investigao apoiaram a sua tomada
de deciso de usar a MAC no tanto numa insatisfao face MOC e mais em factores
de atractividade para com a MAC. Parece haver menos diferenas relativamente
medicina nos utilizadores MAC do que nos no utilizadores. E as diferenas entre
homens e mulheres parecem provir mais dos no utilizadores MAC do que dos
utilizadores, de entre os quais as mulheres parecem ser mais favorveis do que os
homens s MACs. A crena na eficcia da MAC nas dimenses tratamento e preveno
da doena e promoo da sade maior nos utilizadores da MAC do que nos no
utilizadores. Contudo, e ao contrrio dos no utilizadores, os utilizadores da MAC no
diferenciam a MAC e a MOC na sua eficcia para o tratamento das doenas.
Palavras-chave: representaes sociais, medicina alternativa e complementar, medicina
convencional
-
- 4 -
Abstract
The popularity of Complementary and Alternative Medicine (CAM) has increased in
Western countries, and is interesting to note that the growth of CAM is occuring in
countries where the scientific method and Western science are generally accepted as
pillars of health care and practice based on evidence is the dominant paradigm.
Deciding to use CAM becomes socially relevant given the fact that it involves a
payment, which potentially contradicts the medical advice and that the person who does
it takes the risk to practices and products that were not necessarily rigorously tested.
Using the theoretical framework of social representations, this research aims to
understand the generic reasons and motives that underlie the use of CAM, articulating
them with the elements and structure of social representations of CAM and
Conventional Medicine (CM), and to analyse individual variations anchored in
collective and psychological realities. We used questionnaires for the data collection.
Descriptive and comparative analysis of data was used.
The results show that participants of this research supported its decision-making to use
CAM not so much as a dissatisfaction in CM but on factors of attraction to the CAM.
CAM users seem to identify fewer differences between CAM an CM than CAM non-
users. The differences between men and women seems to come more of the CAM non-
user than the users, from which women seem to be more favourable than men to MACs.
The belief in the efficacy of CAM on the dimensions and treatment of disease
prevention and health promotion is higher in CAM users than in non-users. However,
unlike the non-users, CAM users do not differentiate CAM and CM in its efficacy for
the treatment of diseases.
Keywords: social representations, alternative and complementary medicine,
conventional medicine
-
- 5 -
Rsum
La popularit de la Mdecine Alternative et Complmentaire (MAC) a augment dans
les pays occidentaux, et il est intressant de remarquer que la croissance de la MAC soit
en train de se produire dans des pays o la mthode scientifique et la science
occidentale soient en rgle gnrale accepte comme piliers des soins de sant et que la
pratique base sur l'vidence soit le paradigme dominant. La prise de dcision de
lutilisation des pratiques de la MAC prend une importante relevance socialement, si
nous tenons compte quil implique un paiement non subventionn, qui potentiellement
contredit le conseil mdical et que la personne qui le fait est soumit elle mme des
pratiques et des produits qui ncessairement n'ont pas t expriments avec rigueur.
En utilisant le cadre thorique des reprsentations sociales, cette recherche a pour objet
gnrique comprendre les raisons et les motivations qui porte l'utilisation des MACs,
en les articulant avec les lments et structure des reprsentations sociales de la MAC et
Mdecine Officielle et Classique (MOC), et de l'analyse des variations individuelles
ancres dans des ralits collectives et psychologiques. La technique de collecte
d'informations utilises a t le questionnaire. L'analyse de donnes a consist des
analyses descriptives et comparatives. Les rsultats montrent que les participants de
cette recherche ont soutenu leur prise de dcision d'utiliser la MAC non par raison dune
insatisfaction face la MOC mais plus par des facteurs dattraction envers la MAC. Il
semble y avoir moins de diffrences l'gard de la mdecine dans les utilisateurs de la
MAC que dans les non-utilisateurs. Et les diffrences entre les hommes et les femmes
semblent venir plus des non-utilisateurs MAC que des utilisateurs, parmi lesquels les
femmes semblent tre plus favorables que les hommes aux MACs. La croyance dans
l'efficacit de la MAC dans les dimensions traitement et prvention de la maladie et de
la promotion de la sant est plus grande dans les utilisateurs de MAC que dans les non-
utilisateurs. Nanmoins, et au contraire des non- utilisateurs, les utilisateurs de MAC ne
diffrencient pas la MAC et la MOC dans leur efficacit pour le traitement des
maladies.
Mots-clfs : Reprsentations sociales, mdecine alternative et complmentaire,
mdecine classique
-
- 6 -
AGRADECIMENTOS
Professora Doutora Gabrielle Poeschl pela sua orientao, estmulo, apoio,
permanente disponibilidade e generosidade
Ao Professor Doutor Jos Marques pelo estmulo e pelas aulas cativantes
Aos meus pais e famlia por tudo
Aos meus amigos pelo que nos uneMaria, T, Joo, Marta, Victor, Jorge, Patrcia
A todos os que tornaram a concretizao deste projecto possvel.
-
- 7 -
NDICE
INTRODUO ............................................................................................................ 13
CAPTULO I - A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS.................... 16
1.1. A Teoria das representaes sociais: ascendncia e heurstica ................... 16 1.2. A noo de representao e o conceito das representaes sociais ............. 19 1.3. As Funes das representaes sociais........................................................ 22 1.4. Os Processos scio-cognitivos na formao das representaes sociais ..... 23 1.5.Escolas de pensamento: a teoria do ncleo central e a teoria dos princpios
organizadores das tomadas de posio............................................................. 25
CAPTULO II - MEDICINA OFICIAL/CONVENCIONAL E MEDICINA ALTERNATIVA E/OU COMPLEMENTAR ........................ 29
2.1. Tradies mdicas ocidentais: mgica e racional ........................................ 29 2.2. A Medicina Alternativa e/ou Complementar: a difcil definio ................ 30
2.2.1. Definies por excluso..................................................................... 30 2.2.2. Mudanas na terminologia................................................................. 31 2.2.3. Medicina Alternativa, Complementar ou Integrada?......................... 32 2.2.4. A classificao e hierarquizao das terapias da MAC e seus
contributos.......................................................................................... 34 2.3. O processo de regulamentao da MAC em Portugal: (o)posies,
consensos, princpios e institucionalizaes .................................................... 38 2.4. Porqu utilizar a MAC? ............................................................................... 42
2.4.1. A popularidade da MAC: Utilizao e perfil do utilizador. Dimenso econmica .......................................................................................... 43
2.4.2. Factores contributivos para o crescimento da MAC. De pacientes a consumidores?.................................................................................... 45
2.4.3. MAC e MOC: ps-modernismo, globalizao e prtica baseada na evidncia cientfica............................................................................. 49
2.5. Representaes sociais das MACs............................................................... 51
CAPTULO III - METODOLOGIA DA INVESTIGAO ................................... 54
3.1. Grupos seleccionados .................................................................................. 54 3.2. Questionrio................................................................................................. 55 3.3. Procedimento ............................................................................................... 56 3.4. Desenho experimental ................................................................................. 57 3.5. Tratamento e anlise dos dados ................................................................... 57 3.6. Hipteses de estudo .................................................................................... 60
CAPTULO IV - RESULTADOS ............................................................................... 63
4.1. Terapias da medicina alternativa e complementar....................................... 63
-
- 8 -
4.1.1. Anlise descritiva .............................................................................. 63 4.1.2. Anlise da semelhana....................................................................... 65 4.1.3. Anlise de frequncias....................................................................... 65
4.2. Razes e motivaes evocadas para a utilizao - e no utilizao - das terapias alternativas e complementares ....................................................... 67
4.3. Representao da Medicina Oficial/Convencional e da Medicina Alternativa e/ou Complementar e ancoragem sociolgica ............................................. 71
4.4. Vantagens e Desvantagens da Medicina Oficial/Convencional e da Medicina Alternativa e/ou Complementar................................................................... 76
4.5. Representao da sade e doena ................................................................ 82 4.6. Avaliao subjectiva da eficcia.................................................................. 84
CAPTULO V - CONCLUSES ................................................................................ 90
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 93
Anexos ..106
-
- 9 -
LISTA DE ABREVIATURAS
MAC Medicina Alternativa e/ou Complementar
MOC Medicina Oficial/Convencional
NCCAM National Centre for Complementary and Alternative Medicine
-
- 10 -
NDICE DE QUADROS
QUADRO 1 Distribuio dos sujeitos pelas condies experimentais...57
QUADRO 2 Terapias da Medicina Alternativa e Complementar: Fluidez, Amplitude e Riqueza
dos campos semnticos...64
QUADRO 3 Semelhana dos campos semnticos segundo o ndice de Ellegard...65
QUADRO 4 Terapias da medicina alternativa e complementar: Frequncias de evocao e valores
do qui-quadrado, quando significativos.66
QUADRO 5 Razes e motivaes evocadas para a utilizao das terapias alternativas e
complementares..68
QUADRO 6
Razes e motivaes evocadas para a no utilizao das terapias da medicina
alternativa e complementar70
QUADRO 7 Medicina Oficial/Convencional e Medicina Alternativa/Complementar: Frequncias
de evocao por prtica e sexo do respondente. Valores do qui-quadrado, quando
significativos...73
QUADRO 8
Vantagens da Medicina Oficial/Convencional e Medicina Alternativa/Complementar:
Frequncias de evocao por prtica e sexo do respondente. Valores do qui-quadrado,
quando significativos..77
QUADRO 9
Desvantagens da Medicina Oficial/Convencional e Medicina
Alternativa/Complementar: Frequncias de evocao por prtica e por pertena
sexual. Valores do qui-quadrado, quando significativos80
QUADRO 10 Representao de Sade: Categorias e frequncias de evocao...83
QUADRO 11 Representao de Doena: Categorias e frequncias de evocao.83
-
- 11 -
NDICE DE FIGURAS
FIGURA 1 Eficcia de cada tipo de medicina na preveno da doena (1 = discordo totalmente; 9 =
concordo totalmente)85
FIGURA 2 Eficcia de cada tipo de medicina na promoo da sade (1 = discordo totalmente; 9 =
concordo totalmente)....86
FIGURA 3 Eficcia de cada tipo de medicina no tratamento das doenas (1 = discordo totalmente; 9
= concordo totalmente) ...87
-
- 12 -
INTRODUO
-
- 13 -
INTRODUO
O ser humano provavelmente a nica espcie que procura ajuda fora da sua esfera
familiar para os seus problemas de sade. A fragilidade da vida e vontade de a
combater, tem contribudo para que ao longo da histria humana emerjam formas
diferenciadas de entender as causas da sade e da doena, bem como dos mtodos e
aces considerados eficazes para a alcanar e ultrapassar, respectivamente.
No caso da Medicina Alternativa e Complementar (MAC), a sua popularidade tem
aumentado nos pases ocidentais, sendo interessante notar que o crescimento da MAC
esteja a ocorrer em pases onde o mtodo cientfico e a cincia ocidental so geralmente
aceites como pilares dos cuidados de sade e a prtica baseada na evidncia seja o
paradigma dominante.
Embora se reconhea que a deciso de consultar um terapeuta da MAC ou de comprar
um produto natural ou medicamento MAC no um fenmeno novo, o facto de a
deciso de recorrer a este tipo de medicina j no estar restrita a um pequeno grupo de
entusiastas e se ter tornado popular levanta interrogaes e tornam-no um objecto com
elevado relevo social. A tomada de deciso de utilizao de prticas da MAC torna-se
ainda mais significativa, e com extenso relevo social, se atendermos que implica um
pagamento no comparticipado, que potencialmente contradiz o conselho mdico e que
a pessoa que o faz se submete a si prpria a prticas e produtos que no foram
necessariamente testados com rigor.
Neste contexto, procuramos compreender as razes e motivaes que subjazem
utilizao das MACs, articulando-as com os elementos e estrutura das representaes
sociais da MAC e da Medicina Oficial/Convencional (MOC), e da anlise das variaes
individuais ancoradas em realidades colectivas e psicolgicas.
Espera-se que o ampliar dos conhecimentos neste campo possa reforar a compreenso
dos diversos agentes, directa ou indirectamente envolvidos com a MAC, sobre os
-
- 14 -
utilizadores das terapias alternativas e complementares, assim como fornecer
indicadores que favoream a comunicao entre os profissionais de sade e os
utilizadores de MAC sobre a sua prtica da MAC, e contribuir para o aprofundamento
do debate sobre as melhores prticas para proteco dos vrios direitos dos cidados,
envolvidos nesta temtica.
A estrutura do nosso trabalho constituda por cinco captulos. No captulo I
enquadramos a Teoria da Representaes sociais referindo, a sua ascendncia e
heurstica, as funes das representaes sociais, os processos de formao das
representaes sociais e as escolas de pensamento.
No captulo II procuramos definir o objecto do nosso estudo e contextualizamos a sua
insero como objecto social polmico. Apresentamos vrias definies e taxinomias da
MAC e seus contributos, uma breve recenso histrica at ao presente do processo de
regulamentao em Portugal, estudos e indicadores de popularidade e alguns factores
explicativos do crescimento da MAC.
O captulo III descreve a metodologia utilizada na realizao do estudo emprico e os
objectivos da investigao.
O captulo IV diz respeito investigao emprica propriamente dita. Apresenta-se os
resultados de acordo com as partes do questionrio e objectivos do estudo.
Por ltimo, o captulo V expe as concluses finais do trabalho.
-
- 15 -
CAPTULO I
A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS ...no hesito em afirmar, ainda hoje, que considero sempre a verdade como o ethos do conhecimento e
do meu trabalho
Moscovici, 1994
-
- 16 -
CAPTULO I
A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS
1.1. A Teoria das representaes sociais: ascendncia e heurstica
Independentemente das eras histricas da humanidade e das formas predominantes de
olhar o indivduo, a sociedade e a relao entre ambos, o entendimento do
comportamento individual e colectivo dos seres humanos permanece como um desafio
constante s teorias emergentes historicamente. Numa era em que assistimos a um
constante questionar das nossas realidades e certezas enquanto indivduos inseridos
numa sociedade clere nas suas mudanas, somos levados a interrogar-mo-nos sobre as
verdades que a/nos norteiam, a multiplicidade de valores e crenas que permeiam os
diferentes ambientes sociais, bem como sobre as situaes interaccionais decorrentes
entre o plo individual e societal.
Quase metade de um sculo passou desde a publicao do livro de Moscovici
(1961,1976) sobre as representaes sociais da psicanlise, o que representou uma
viragem na forma como se passou a investigar e a entender os fundamentos do
conhecimento social. Com a sua obra, Moscovici renovou a ideia de que os indivduos e
os grupos, as organizaes e as sociedades possuem a capacidade de pensar e construir a
realidade social onde esto inseridos o que representou para a psicologia social uma
nova forma de perspectivar o comportamento individual e colectivo.
Frequentemente o estabelecimento de um conceito ocorre numa cincia e o
desenvolvimento da teoria processa-se em outra cincia (Jodelet, 1986). Por exemplo, a
noo de gene emergiu da gentica e o seu desenvolvimento terico elaborou-se na
biologia molecular. Similarmente, o conceito de representaes colectivas estabeleceu-
se na sociologia no final do sculo XIX (Durkheim, 1898, 1996), aps o que se seguiu
um longo perodo onde permaneceu no esquecimento, at Moscovici (1961, 1976) o ter
-
- 17 -
reabilitado e elaborado a teoria das representaes sociais. , portanto, a partir dos
trabalhos do socilogo Emile Durkheim que Moscovici desenvolve o conceito das
representaes sociais. Para Durkheim (1898, 1996) existiam duas fontes de influncia
sobre o modo de actuar e pensar dos indivduos: a conscincia individual e a
conscincia colectiva sendo a primeira organizada por representaes individuais e a
segunda por representaes colectivas (Poeschl, 2003). A partir da combinao das
sensaes - fenmeno mais elementar da vida social - produzir-se-iam ideias e
crenas complexas, ou seja, as representaes individuais. Da organizao social e das
interaces entre os indivduos no interior dessa organizao produzir-se-iam valores
que se sobreporiam s conscincias individuais e que gerariam uma conscincia
colectiva (Marques, 2004). Impregnando, assim, de forma inconsciente, as
representaes individuais, as representaes colectivas, entendidas como as crenas, os
valores e os sentimentos comuns aos membros de uma sociedade, determinariam a
forma como os indivduos pensam, sentem, representam o mundo e comunicam entre si
(Poeschl, 2003). As representaes colectivas surgem, assim, envoltas num
determinismo social que no reconhece aos indivduos a capacidade de espontaneidade
e criao. Transmitidas e impostas pela sociedade, independentemente das condies
concretas em que os indivduos se encontrem, e exercendo uma presso extensvel no
tempo e no espao sobre a conscincia individual, as representaes colectivas
permitiriam, desta forma, que os indivduos pensassem e agissem uniformemente, o que
conduz constatao de que, na perspectiva de Durkheim, o conceito de representao
colectiva esttico, ope o pensamento individual ao pensamento social (Poeschl, 1992,
2003) atribuindo ao colectivo um primado sobre o indivduo (Herzlich, 1972).
Embora exista uma continuidade entre o estudo das representaes colectivas de
Durkheim e o estudo moderno de Moscovici sobre as representaes sociais, existem
diferenas que distinguem os conceitos. Uma diferena tem origem no pluralismo das
sociedades modernas e na rapidez com que as mudanas culturais, polticas e
econmicas nela se processam e as distinguem das sociedades estudadas por Durkheim
(Farr, 1994). Pelo facto de o estatismo caracterstico das representaes colectivas no
dar conta deste dinamismo social, Moscovici (1961,1976) prope o estudo das
representaes sociais, salientando a possibilidade das suas diversas origens e
caracterizando-as como dinmicas e em constante adaptao. Uma segunda diferena
encontra-se no mbito epistemolgico da histria da psicologia social, e emerge da
-
- 18 -
sntese entre o nvel individual e colectivo que o conceito de representaes sociais
capaz de produzir. Como afirma Marques (2004),
Os estudos de Moscovici sobre as representaes sociais, conciliaram as
perspectivas inicialmente divergentes de Durkheim e Tarde, num s modelo
capaz de aliar a influncia do colectivo sobre o indivduo e o papel
construtivo do indivduo na formao de crenas e valores colectivos
(Marques, 2004, p. 51).
O papel construtivo do sujeito no modelo de Moscovici possibilita a articulao com a
perspectiva de Mead (1934) quanto ao entendimento dos seres humanos enquanto
construtores da realidade que interpretam cognitivamente/simbolicamente as
ocorrncias exteriores a noo de construo corresponde ao estatuto epistemolgico
do conceito de representao atribudo por Moscovici, (Vala, 2004) e na importncia
atribuda interaco social como indissocivel da construo da sociedade e do
indivduo. De facto, para Moscovici (1989) a interaco central na qualificao de
uma representao como social, ...ce que permet de qualifier de sociales les
reprsentations, ce sont moins leurs supports individuels ou groupaux que le fait
quelles soient labores au cours de processus dchanges et dinteractions (Codol
1982, p.2 cit in Moscovici 1989, p. 82), e atravs das comunicaes estabelecidas no
decorrer das interaces sociais que os processos de troca ocorrem, podendo o
individual tornar-se social ou vice-versa. Ao ultrapassar a polmica da mtua
exclusividade entre as explicaes psicolgicas de Tarde e sociolgicas de Durkheim, e
ao demarcar-se da questo de quem produz uma representao, a teoria das
representaes sociais delineou uma nova perspectiva que incide mais em saber
porque so construdas as representaes sendo que o ...adjetivo social hace, de
esta forma, saliente la funcin de estas representaciones y la pone por encima de
cualquir outra consideracin (Poeschl, 2003, p. 447). Entendida desta forma, a teoria
das representaes sociais destaca um nvel de anlise que entende os indivduos nas
suas pertenas sociais e em actividades de comunicao, e a representao na sua
eficcia social e funcionalidade (Vala, 2004).
-
- 19 -
1.2. A noo de representao e o conceito das representaes sociais
A noo de representao pode ser entendida a partir de duas perspectivas (Vala, 2004).
A primeira explicita-a como o reflexo interno (reproduo mental) do mundo e dos
outros exteriores a ns, distinguindo claramente entre sujeito e objecto; a segunda
considera-a como uma construo onde sujeito e objecto se encontram interligados.
Conhecer um objecto entendido como um acto activo de reconstruo - no de
reproduo - onde a representao se assume, simultaneamente, como processo que
permite a integrao do objecto no nosso universo interior e como o produto que resulta
da transformao desse mesmo objecto, atravs de uma actividade cognitiva que tem
por base os nossos saberes e experincias (Poeschl, 2003). O objecto reconstri-se
segundo um duplo processo figurativo e conceptual, atravs da qual a actividade
cognitiva torna o objecto tangvel numa figura e o remete para uma constelao
conceptual, fornecendo-lhe significao (Valentim, 1997). nesta segunda perspectiva
(sobre a representao como processo e produto desse processo) que se enquadra o
conceito das representaes sociais.
As representaes sociais tm a sua origem na vida quotidiana, resultando das
interaces sociais, estando-lhes associado um processo dinmico e de permanente
adaptao que reflecte a influncia da sociedade no pensamento dos indivduos e o
inverso. As representaes sociais so, deste modo, entendidas por Moscovici
(1961,1976) como um conjunto de expresses simblicas e comportamentos que se
articulam entre os indivduos e o contexto social em que estes se inserem. O processo de
elaborao contnua do conhecimento acerca dos objectos sociais desenvolve-se no seio
de grupos sociais que, pelas suas caractersticas particulares daro lugar a contedos
representacionais especficos. Deste modo, Moscovici (1981) definiu as representaes
sociais como um conjunto de proposies, conceitos e explicaes, originado na vida
quotidiana, no decorrer das comunicaes interindividuais, e que se estrutura de acordo
com as normas, crenas e prticas dos grupos sociais. Por seu lado, Jodelet (1986),
destacando a funo das representaes sociais, define-as como ...uma forma de
conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, que tem um objectivo prtico e
concorre para a construo de uma realidade comum a um conjunto social. (p.474).
-
- 20 -
As representaes sociais correspondem a representaes de objectos sociais
importantes que so sempre representaes de qualquer coisa para algum.
Distinguindo-se dos valores e das ideologias, que so sistemas simblicos muito
abrangentes e genricos, inseridos em padres de pensamentos mais perenes, as
representaes sociais no existem sem sujeito e sem objecto especfico (Valentim,
1997). A partir da necessidade de clarificao e contextualizao do(s) objecto(s) de
estudo da Teoria das representaes sociais, com base nos distintos tempos da
contextualidade das prticas sociais, Moscovici (1988) distinguiu trs tipos de
representaes sociais: hegemnicas, emancipadas e polmicas. As primeiras
correspondem s representaes que podem ser partilhadas por todos os membros de
um grupo altamente estruturado partido, cidade ou nao sem que tenham sido
produzidas pelos grupos, prevalecendo implicitamente em todas as prticas simblicas
ou afectivas. Assumem-se como coercivas e uniformes, reflectindo a homogeneidade e
estabilidade associadas ao conceito de representaes colectivas. Por sua vez, as
representaes emancipadas designam as representaes que emergem da circulao de
ideias e conhecimentos pertencentes a subgrupos que esto em contacto. Cada um dos
subgrupos cria a sua representao e partilha-a, assumindo estas um certo grau de
autonomia e uma funo de complementaridade, como no caso das representaes da
doena mental, em que as experincias e conceitos dos mdicos, profissionais
paramdicos e leigos se associam com as da populao. Por ltimo, s representaes
sociais que so elaboradas atravs do conflito e da controvrsia social, e que a sociedade
no seu todo no partilha, Moscovici designa-as por polmicas. Entendidas no contexto
de uma oposio ou luta entre grupos, so determinadas por relaes antagonistas e
planeadas para serem mutuamente exclusivas. Segundo Moscovici (1988, p. 221):
Estas distines enfatizam a transio do conceito de representao colectiva como
uma viso uniforme para uma viso diferenciada das representaes sociais, a qual
est mais prxima da nossa realidade. Os contrastes entre diferentes espcies de
relaes sociais so mais significativos do que aquele entre o elemento social e
individual. Isto precisamente o que eu quis realar pela escolha que fiz das
palavras. Uma representao muda inquestionavelmente de uma esfera para outra
quando toma forma, e o ponto de vista do observador joga uma parte importante.
Mas estas transformaes so um sintoma crucial do estado da sociedade.
-
- 21 -
Nas representaes sociais controversas, as diferenas de implicao numa
problemtica, de acesso informao e de presso para o consenso dentro dos grupos,
reflectem-se nas diferentes representaes elaboradas pelos grupos que se relacionam
com o mesmo objecto social. Cada representao apresentar, segundo Moscovici
(1961,1976) trs dimenses: a informao, o campo representacional e a atitude. A
informao corresponde soma da quantidade de informao que um grupo detm
acerca de um objecto social e do seu grau de qualidade. O campo representacional diz
respeito organizao dos elementos da representao e engloba as afirmaes, os
julgamentos e as relaes com grupos ou indivduos. A atitude refere-se orientao
global, positiva ou negativa, relativamente ao objecto da representao, tal como
manifestada explcita ou implicitamente na tomada de posio face ao objecto social. A
atitude a mais frequente, e ser muito provavelmente a primeira das trs dimenses,
como evidenciam os casos em que est presente, apesar da informao ser reduzida e o
campo representacional estar pouco estruturado (Poeschl, 2003).
Paralelamente influncia das variveis mencionadas anteriormente, a estrutura das
representaes sociais tambm traduz a influncia de diferentes processos de
comunicao. Ao analisar trs tipos de publicaes ligadas a trs grupos da sociedade
francesa, respectivamente, imprensa comunista, catlica e jornais e revistas de
circulao nacional direccionados para o grupo urbano/liberal, Moscovici (1961, 1976)
verificou que diferentes processos de comunicao conduzem a diferentes formas de
representao da psicanlise. O autor identificou trs processos de comunicao:
difuso, propagao e a propaganda. Doise (1989 cit in Poeschl, 2003) resume-os da
seguinte forma: a) o processo de difuso, caracterstico dos jornais e revistas de
circulao nacional oferecia escassa ou nenhuma resistncia psicanlise. As
comunicaes limitavam-se a veicular a informaes recebidas de especialistas e o seu
objectivo era a criao de um saber comum ao pblico a que se destinavam; b) a
propagao correspondia forma de comunicao do meio catlico e caracterizava-se
por um nvel intermdio de resistncia psicanlise. Dado que o grupo catlico teria
uma crena a propagar, procuraria produzir uma viso do mundo organizada atravs da
acomodao dos outros saberes ao seu quadro de referncia; c) a propaganda, era o
processo de comunicao transmitido pela imprensa comunista e apresentava um nvel
forte de resistncia psicanlise. O objecto social psicanlise era inserido no interior
-
- 22 -
das relaes sociais conflituosas, fazendo-se salientar a incompatibilidade existente
entre a viso do mundo do grupo e a dos defensores da psicanlise.
Quando, numa comunicao real ou simblica, o indivduo se identifica com um dos
seus grupos de pertena, as representaes sociais que so especficas aos diferentes
grupos sociais (ou atributos do grupo), podem ser encaradas, tambm, como formas
organizadas de representaes individuais (Poeschl, 2001). No entanto, como salienta
Poeschl (2003, p. 446):
...qualquier objeto no es objeto de representationes sociales y que tampoco todos los
grupos son relevantes para evidenciar diferencias de representationes. La
importancia que la teoria das representationes sociales atribuye a los contenidos
implica que es esencial identificar los grupos que vehiculam una representatin
determinada, situar su contenido en el espacio y en el tiempo y en un contexto
sociohistrico concreto. En efecto, las representationes sociales se generan para
desempear funciones especficas.
1.3. As Funes das representaes sociais
No estudo sobre a representao social da psicanlise em diversos grupos da sociedade
francesa, Moscovici (1961,1976) observou que os conceitos no familiares da teoria
psicanaltica eram transformados em algo familiar, apresentando uma dimenso
cognitiva de compreenso e explicao que permitia que as pessoas comunicassem
sobre a psicanlise e aplicassem os conceitos psicanalticos a outros objectos sociais. A
par da funo de transformao de conceitos abstractos em saberes ou conhecimentos
familiares - permitindo a criao de um saber comum que possibilita a comunicao - ,
outra funo das representaes sociais, identificada por Moscovici (1961,1976), a de
adaptao dos conceitos s normas e aos valores dos grupos de modo a justificar os
comportamentos, formas de pensamento e as relaes mantidas com outros grupos.
Posteriormente obra de Moscovici, Mugny e Carugati (1985) verificaram, atravs do
estudo das representaes sociais da inteligncia, que a representao era formada e
estruturada de forma a permitir a manuteno ou a aquisio de uma identidade social e
pessoal positiva.
-
- 23 -
Outra das funes identificadas, prende-se com o facto de as representaes sociais
permitirem a orientao das atitudes, dos comportamentos e das relaes entre grupos.
De acordo com Poeschl (2003), a forma como cada um dos grupos se apropria de um
dado objecto social modulada pelas relaes existentes entre os grupos, e o modo
como cada grupo integra e utiliza o objecto influi nas relaes sociais. Jodelet (2005) foi
uma das investigadoras que estudou esta funo, mostrando como as diferentes
representaes da doena mental elaboradas pelas pessoas de uma pequena comunidade
rural francesa influem nas prticas adoptadas para com os doentes psiquitricos.
1.4. Os Processos scio-cognitivos na formao das representaes sociais
Moscovici (1961, 1976) refere os dois processos que esto na base da formao das
representaes sociais: a objectivao e a ancoragem. Estes so processos scio-
cognitivos atravs dos quais os indivduos e os grupos constroem o conhecimento face a
um objecto social. So processos articulados, simultneos, que permitem entender como
a transformao que faz dos conhecimentos que circulam pela sociedade adquiram
novos significados, dotando-os, deste modo, de uma funcionalidade prtica -
possibilitam a comunicao e a aco social (Jodelet, 1986). atravs da construo de
uma imagem (objectivao) e do seu significado que o indivduo vai comunicar a sua
representao. Essa actividade construtiva vai-se estruturando medida que o indivduo
vai adquirindo informao sobre o objecto, utilizando critrios de seleco da
informao e de classificao de objectos no familiares que, no se podem separar das
ancoragens a que os indivduos se referenciam.
O processo de objectivao traduz a forma como um esquema conceptual adquire
materialidade, ou seja, como se torna real, e exprime a forma como se organizam os
elementos constitutivos da representao (Vala, 2004). Segundo Jodelet (1986), a
objectivao desenvolve-se em trs fases. A primeira fase consiste na seleco das
ideias, palavras, e dos elementos que circulam acerca do objecto social. O tipo de
informao por que se opta determinado de acordo com critrios culturais e
normativos. Na segunda fase efectua-se a organizao das informaes seleccionadas,
que Jodelet designa por esquematizao estruturante e Moscovici (1961, 1976) como
ncleo figurativo. As informaes so organizadas num padro de relaes estruturadas
-
- 24 -
possuidoras de uma dimenso figurativa ou imagtica, o esquema figurativo, que d
visibilidade ao objecto (materialidade), podendo ser projectado para o exterior,
permitindo, deste modo, o processo de comunicao relativamente ao que ele
representa. Por ltimo, na fase da naturalizao, elaboram-se categorias naturais
constitudas pelo ncleo figurativo, por outras palavras, os conceitos tornam-se
categorias naturais adquirindo materialidade. O conceito abstracto torna-se uma
categoria concreta (objectiva e observvel) e, assim, o que era percepo torna-se
realidade (Vala, 1993).
A ancoragem tem um papel fundamental na formao de diferentes representaes
acerca do mesmo objecto social, e entendido como um processo que permite a algo
de no familiar e perturbador, que excita a nossa curiosidade, de ser incorporado na
nossa rede de categorias (Moscovici, 1981, p.193 cit in Poeschl, 2003, p. 450).
Corresponde incorporao de novos elementos de saber numa rede de categorias mais
familiares (Doise, 1990), na qual, as categorias sociais de pertena dos indivduos
desempenham um papel determinante. O objecto social reconstrudo no interior dos
grupos sociais, de acordo com as suas caractersticas, saberes e experincias, dando
origem a representaes diferentes em funo dos grupos. Segundo Vala (1993), a
ancoragem permite a insero das representaes sociais na dinmica social, implicando
tambm a transformao das representaes j constitudas, o que se traduz numa
reduo do novo ao velho e na reelaborao do velho tornando-o novo.
Tal como a objectivao, o processo da ancoragem pode ser decomposto em trs fases:
seleco, conotao e esquematizao (Vergs, 1989). Na fase de seleco, alm de se
seleccionar um pequeno nmero de elementos que simplificam o objecto associam-se,
por analogia, estes elementos a outros j existentes na nossa rede de categorias,
fornecendo, assim, ao novo objecto uma significao. Na segunda fase, conotao, os
elementos seleccionados na fase anterior formam uma rede de significados mais ampla
(por exemplo, associao do objecto a um grupo social) que definem o objecto. No
entanto, ao ser integrado no pensamento do grupo, tanto o objecto integrado como as
categorias que com eles se relacionam so modificadas (Poeschl, 2003). Por ltimo, na
fase da esquematizao, o objecto ancorado transforma-se numa linguagem comum,
num cdigo; a representao transforma-se num instrumento que permite classificar as
pessoas e os acontecimentos, e elaborar tipologias para avaliar e posicionar pessoas e
-
- 25 -
grupos (Jodelet, 1986). De acordo com Vergs (1989), as fases constitutivas da
ancoragem ocorrem em situaes sociais especficas, ou por outras palavras, so trs
processos cognitivos integrados em dois processos sociais: a experincia prtica dos
indivduos, definida em funo da sua posio social; e o trabalho realizado pela
sociedade sobre as significaes, quer ao nvel do debate ideolgico e cultural, quer nos
termos das matrizes culturais de interpretao transmitidas por um conjunto de
instituies que visam manter as estruturas sociais.
De seguida abordaremos as duas Escolas de pensamento mais representativas dos
trabalhos sobre as representaes sociais: a escola de Provena e a Escola de Genebra.
Se a Escola de Provena coloca a sua nfase na vertente cognitiva das representaes
sociais e realiza os seus trabalhos com base no processo da objectivao, a Escola de
Genebra focaliza-se os seus estudos na ancoragem e o aspecto social o que merece
mais ateno.
1.5. Escolas de pensamento: a teoria do ncleo central e a teoria dos princpios
organizadores das tomadas de posio
Na perspectiva da Escola de Provena (Teoria do ncleo central) uma representao
social formada por vrios elementos, constituindo dois sistemas: um sistema central e
um sistema perifrico (Abric, 1994). A representao social entendida como um
conjunto organizado de cognies sobre um objecto, compartilhado pelos membros de
um grupo em relao com ele e que se organiza em torno dos elementos centrais. Deste
modo, na organizao da representao ...no apenas os elementos da representao
so hierarquizados, mas alm disso toda a representao organizada em torno do seu
ncleo central, constitudo por um ou mais elementos que do representao o seu
significado (Abric, 1994, p.19). O sistema central, constitudo pelo ncleo central,
apresenta, assim, caractersticas de coerncia e consensualidade, funcionando como
elemento gerador - do sentido e valor dos outros elementos organizador dos laos
que unem os elementos da representao - e estabilizador da representao, pois o que
define a estrutura e a sua significao. O ncleo central determinado por dois factores:
a natureza do objecto representado e a relao que o grupo mantm com esse objecto.
-
- 26 -
Assim, segundo Abric (1987 cit in Poeschl, 2003) o ncleo central contm em si
elementos normativos que orientam os julgamentos, os esteretipos e as opinies do
grupo, e elementos funcionais que orientam, justificam e implicam os comportamentos.
De acordo com Poeschl (2003), luz da formulao inicial de Moscovici, o sistema
central constitudo pelos elementos, que seleccionados atravs da objectivao,
formam o esquema figurativo. Por seu turno, o sistema perifrico flexvel e adaptativo.
Os elementos perifricos promovem a adaptao ao contexto e tm a funo de
proteco do ncleo central de uma representao, bem como, prescrevem prticas e
permitem a integrao de variaes individuais.
A Escola de Genebra (Teoria dos princpios organizadores) define as representaes
sociais enquanto princpios geradores de tomadas de posio relacionadas com
posies especficas no conjunto das relaes sociais, organizando os processos
simblicos intervenientes nessa relaes Doise (1985, p. 246 cit in Poeschl, 2003) ou
de forma muito geral ...como princpios organizadores das relaes simblicas entre
indivduos e grupos (Doise, 2002, p. 67). Concretizando, os estudos das representaes
sociais devem analisar as regulaes efectuadas pelo metassistema das relaes sociais
simblicas no sistema cognitivo dos indivduos (Doise, 1990). Para esta escola, os
princpios organizadores da representao social situam-se na articulao entre as
dinmicas sociais e as dinmicas cognitivas individuais, salientando-se o efeito da
vivncia individual, das ideologias e da posio do grupo na estrutura social, na
elaborao e expresso das representaes. Assim, o estudo das representaes sociais
preconizado recorre a trs hipteses importantes (Doise, 2002). A primeira hiptese
considera que os membros de uma dada populao partilham certas opinies comuns
acerca de um objecto social. As representaes sociais formam-se nas relaes de
comunicao, que por sua vez pressupem um quadro de referncia comum. Assim, o
estudo das representaes sociais consistir, em primeiro lugar, na identificao dos
elementos da base comum aos indivduos e grupos estudados, e na descrio da sua
organizao (objectivao). Dado que a teoria no exclui que os indivduos de uma
mesma populao que partilham quadros de referncia comuns possam diferir entre si
nas relaes que estabelecem com as representaes, porque as suas inseres sociais ou
situaes sociais nunca so totalmente idnticas, a segunda hiptese remete para a
natureza das diferenas de posio individuais no campo da representao. Como
consequncia, torna-se necessrio proceder anlise das dimenses face s quais os
-
- 27 -
indivduos adoptam posies diferentes. Por ltimo, na terceira hiptese, a teoria
considera que as diferenas individuais so ancoradas em realidades colectivas. A
ancoragem tem sido estudada de trs maneiras diferentes: ao nvel psicolgico,
psicossociolgico e sociolgico (Doise, 1992). Estes trs nveis de ancoragem, no
significam, no entanto, que existam trs tipos de ancoragem, mas sim trs maneiras de
analisar o modo como o funcionamento cognitivo influenciado pelo metassistema das
regulaes sociais (Poeschl, 2003). A ancoragem psicolgica reala as ligaes entre as
variaes das tomadas de posio num campo de representaes e as variaes em
termos de crenas, valores, experincias pessoais e de atitudes. A ancoragem
psicossocial evidencia que as diferenas observadas nas representaes sociais podem
ser explicadas por ancorarem nas percepes que os indivduos elaboram das suas
relaes entre si e entre grupos e categorias que os implicam. Por outras palavras, no
estudo da ancoragem psicossocial, salienta-se que a ligao entre representaes
sociais e grupos sociais mediada pelas relaes sociais que so salientes aquando da
evocao de um objecto implicativo (Doise, Clmence & Lorenzi-Cioldi, 1992). A
ancoragem sociolgica permite identificar as ligaes entre posies ou pertenas
sociais e as modulaes nas tomadas de posio num campo de representaes,
explicando as diferenas observadas nas representaes pela ancoragem em grupos ou
categorias sociais especficas. As pertenas sociais partilhadas possibilitam interaces
e experincias especficas, as quais modulam as tomadas de posio de natureza
simblica.
Se as representaes dos objectos sociais so sempre representaes de algo para
algum, moldadas pelas relaes entre os grupos e pelos processos de comunicao que
se usam para falar destes objectos, parece muito provvel que existam vrias
representaes da medicina alternativa e complementar. No captulo seguinte
abordamos algumas das problemticas que opem, entre outros, os defensores da
medicina alternativa e complementar e da medicina oficial/convencional.
-
- 28 -
CAPTULO II
MEDICINA OFICIAL/CONVENCIONAL E MEDICINA
ALTERNATIVA E/OU COMPLEMENTAR
The increasing use of complementary and alternative medicine within industrialised, advanced
Western nations presents itself as something of an enigma.
Ian D. Coulter & Evan Willis, 2004
-
- 29 -
CAPTULO II
MEDICINA OFICIAL/CONVENCIONAL E MEDICINA ALTERNATIVA E/OU
COMPLEMENTAR
2.1. Tradies mdicas ocidentais: mgica e racional
Na histria da cultura ocidental identificam-se, tradicionalmente, duas tradies
mdicas: a mgica e a racional (Carvalho, 2004). Na primeira, a atribuio da doena a
causas sobrenaturais predominante nas sociedades ditas primitivas e na Antiguidade
pr-clssica circunscreve o agente causador da doena ao universo dos espritos e dos
seres transcendentes, e cuja cura adviria da aco de algum especialmente habilitado a
intervir neste mundo. Com a atribuio da doena a causas orgnicas assiste-se ao
nascimento da medicina racional. Resultado do trabalho e da sistematizao elaborada
por Hipcrates de Cs, a medicina racional afirma-se na Antiguidade Clssica e
desenvolve-se com forte impacto a partir do sculo XVI, com a descoberta da circulao
sangunea (William Harvey, 1578-1657) e a concepo dualista do ser humano de
Descartes (1596-1650). A concepo do corpo humano semelhana de uma mquina,
acompanhar o crescimento e desenvolvimento da medicina ocidental at actualidade,
permitindo suportes tericos e prticos que nos possibilitaram assistir aos incrveis
avanos nos conhecimentos sobre o funcionamento do nosso corpo, assim como na
utilizao de medicamentos, cirurgias, prteses, entre outras descobertas.
Durante o perodo compreendido entre o incio do sculo XIX e a actualidade, dois
paradigmas regeram a medicina ocidental: o clssico e o do sculo XX (Bates, 2002). O
paradigma clssico, dominante no incio do sculo XIX, correspondeu ao perodo da
prtica da medicina herica, uma distante descendente da tradio Hipocrtica-
Galnica. Em meados do sculo XIX comea a emergir um novo modelo mdico, a
medicina moderna - tambm denominada de cientfica ou biomdica -, que
-
- 30 -
acabaria por dominar indiscutivelmente todas as prticas mdicas, durante quase todo o
sculo XX. no final do sculo XX que o recurso a terapias alternativas e
complementares emerge como fenmeno de relevncia social.
2.2. A Medicina Alternativa e/ou Complementar: a difcil definio
2.2.1. Definies por excluso
A tentativa de compreenso da Medicina Alternativa Complementar (MAC) confronta-
se com uma dificuldade imediata que advm do facto de no possuir uma definio
uniforme. As definies mais correntes entendem a MAC de forma negativa, ou seja,
pelo o que no quando comparada com a Medicina Oficial Convencional (MOC).
Assim, para Eisenberg et al. (1993) a MAC definida como o conjunto de sistemas
teraputicos que no so ensinados nas instituies de formao mdica e, para Jonas
(1997), que tambm no esto disponveis, geralmente, nos hospitais. A British Medical
Association (BMA, 1993) definia-a como formas de tratamento que usualmente no
so utilizadas pelos profissionais de sade ortodoxoscompetncias que no fazem
parte do curriculum da formao graduada dos cursos de medicina. Contudo,
medida que a MAC includa no currculo das escolas mdicas e na prtica mdica a
distino torna-se problemtica. Para a Organizao Mundial da Sade (OMS, 2002) a
MAC corresponde a formas de cuidados de sade que no se encontram inseridas nos
sistemas nacionais de sade e que no fazem parte da tradio do pas.
De acordo com o National Centre for Complementary and Alternative Medicine
(NCCAM, 2006, p. 2)
A MAC constituda por diversos sistemas, prticas e produtos mdicos e de
cuidados de sade que actualmente no so considerados parte da medicina
convencional. () Embora exista evidncia cientfica que comprova a validade de
algumas terapias da medicina alternativa e complementar, para a maioria ainda no
foram encontradas respostas - quanto sua segurana e adequao face s condies
ou doenas para as quais so utilizadas - atravs de estudos cientficos credveis
(traduo nossa)
Para o Office of Alternative Medicine (OAM) dos Estados Unidos a MAC
-
- 31 -
um conjunto amplo de recursos que abrangem todos os sistemas, modalidades e
prticas de cuidados de sade, bem como as respectivas teorias e crenas
subjacentes, que no se encontram inscritos no sistema de sade politicamente
dominante de uma sociedade em particular em um dado momento histrico. A MAC
constituda por todas as prticas e teorias autodefinidas pelos seus terapeutas como
prevenindo ou tratando a doena ou promovendo a sade e o bem-estar. As
fronteiras entre as MACs, e destas com o sistema vigente, nem sempre so precisas
ou fixas. (OConnor et al., 1997) (traduo nossa)
Todas estas definies realam a tendncia para definir a MAC como o que est
excludo da MOC, embora no sejam iguais entre si. A definio da OAM sugere que a
excluso ou incluso de determinadas prticas de cuidados nos sistemas de sade
principalmente uma questo poltica, que varia de tempos a tempos e de cultura em
cultura. Se consideradas conjuntamente, torna-se possvel entender que o modo como
estas definies operam no corresponde necessariamente viso dos terapeutas da
MAC. Implicam que a MOC seja predominante e que o processo de incorporao de
uma terapia da MAC se estabelea atravs dos critrios utilizados pela medicina
convencional. A segunda frase na definio proposta pela OAM visa acautelar a posio
dos elementos envolvidos na prtica teraputica das MACs.
2.2.2. Mudanas na terminologia
A anlise histrica da semntica em medicina atribui linguagem um papel
fundamental na luta pela autoridade e competncias por parte da comunidade mdica
(Jutte, 2001). No contexto do sculo XIX, quando a profisso mdica tentava
estabelecer a sua credibilidade, o desenvolvimento de critrios lingusticos para definir
as fronteiras entre o que era medicina oficial e cincia foi um instrumento essencial para
a sua afirmao (Jutte, 1995). Tanto no passado, como no presente, a anlise semntica
do discurso mdico reconhece aos meios lingusticos a capacidade para vigiar e manter
as fronteiras da sua profisso e para mudar as prticas mdicas e disciplinares. A
utilizao de rtulos discriminatrios , neste contexto, utilizada para descrever o
competidor ou o outro no mercado dos cuidados mdicos. A utilizao de termos com
conotao negativa e de oposio, tais como no convencional ou no ortodoxa,
-
- 32 -
surge como consequncia natural, alicerada no valor atribudo cincia e na defesa
contra a fraude mdica, real ou imaginada (Jutte, 2001).
At meados dos anos 50 do sculo passado, o campo de conhecimento das MACs era
entendido de modo geral como charlatanismo pela comunidade mdica ocidental
(Reilly, 2001). Aps a escrita do livro Fringe Medicine de Brian Inglis (Iglis, 1964),
assinala-se o incio de mudanas no relacionamento entre os dois campos, surgindo
como dominante no final da dcada de 70 o termo alternativa. Nos finais dos anos 80
surge a designao de medicina complementar. Estas mudanas terminolgicas
reflectem mudanas atitudinais que foram ocorrendo e em 1987, Reilly (2001) prope
que o termo medicina alternativa e complementar seja mantido at que o debate
terminolgico seja clarificador p. 24. No incio dos anos 90, comea a ser
desenvolvido o conceito de medicina integrada e no final dessa mesma dcada emerge
a denominao de medicina integradora1.
A reviso da literatura efectuada permitiu identificar uma grande diversidade de termos
para a designao da MAC e da MOC, que sero entendidos como similares, salvo raras
excepes, como no caso da medicina tradicional e popular, dado entendermos ser a
opo mais adequada luz dos objectivos deste trabalho. Assim, encontraram-se para a
MAC conceitos tais como: medicina alternativa; medicina complementar; medicina ou
terapias no convencionais; medicina no ortodoxa; medicina holstica; medicina
tradicional; medicina popular; medicina suave; medicina paralela; medicina integrada;
medicina integradora. Para a MOC encontraram-se, entre outras, as seguintes
denominaes: medicina convencional; medicina oficial; medicina ortodoxa;
biomedicina; medicina cientfica; medicina moderna; medicina aloptica. A utilizao
do singular ou plural tambm intermutvel.
2.2.3. Medicina Alternativa, Complementar ou Integrada?
A distino entre os termos alternativa ou complementar no aceite por todos os
autores, mas a maioria da literatura estabelece uma clara distino entre a medicina
1 Termo com sentido idntico a medicina integrada, termo pela qual conhecida nos EUA.
-
- 33 -
alternativa e a medicina complementar (BMA, 1993; Relatrio Lannoye, 1997). Esta
diferenciao assenta na possibilidade de se poder qualificar de alternativo um
tratamento mdico ou cirrgico que pode ser aplicado em vez de um outro tratamento e
de complementar um tratamento realizado como suplemento de outro tratamento
(Relatrio Lannoye, 1997, p. 2). Deste modo, o contexto preciso em que a terapia
utilizada determinar se a sua utilizao , no caso especfico, alternativa ou
complementar. No entanto, um sistema mdico ou disciplina teraputica alternativa
envolvendo um diagnstico e teraputicas baseadas numa grelha de trabalho diferente
da medicina convencional pode de igual modo ser complementar. Neste sentido, por
vezes, a designao medicina alternativa e complementar substituda por medicina no
convencional, realando-se que os sistemas mdicos e disciplinas teraputicas
abrangidos por esta denominao tm em comum o facto de a sua validade no ser
reconhecida, ou s o ser parcialmente (Relatrio Lannoye, 1997). Esta realidade de
mltiplas definies espelha a complexidade da convivncia conjunta e de
harmonizao de dois sistemas de pensamento e prticas distintas.
Tentativas de aproximar ambos os sistemas tm vindo a ser desenvolvidos sobre a
designao de medicina integrada ou integradora. Nela denota-se a importncia
atribuda utilizao conjunta de terapias da MAC, ou de alguns dos seus conceitos,
com a medicina convencional. Segundo Rees e Weil (2001), a medicina integrada
descreve a prtica mdica que desenvolve planos de tratamento que incorporam
selectivamente na sua aco elementos da medicina alternativa e complementar
conjuntamente com mtodos de diagnstico e tratamento ortodoxos. Deste novo modo
de encarar os diferentes sistemas resultam pelo menos duas consequncias: a) o reforo
da ligao da MAC com as prticas baseadas na evidncia; b) a medicina integrada
dever ser diferente da medicina complementar. Para Rees e Weil (2001 p. 119) a
medicina integrada
...is not simply a synonym for complementary medicine. Complementary medicine
refers to treatments that may be used as adjuncts to conventional treatment and are
not usually taught in medical schools. Integrated medicine has a larger meaning and
mission, its focus being on health and healing rather than disease and treatment. It
views patients as whole people with minds and spirits as well as bodies and includes
these dimensions into diagnosis and treatment. It also involves patients and doctors
-
- 34 -
working to maintain health by paying attention to lifestyle factors such as diet,
exercise, quality of rest and sleep, and the nature of relationships.
Por seu lado, a necessidade de aumentar o envolvimento da MAC com as prticas
baseadas na evidncia cientfica, est expressa de forma incisiva na definio especfica
do NCCAM (2006, p. 2) sobre medicina integradora () Integrative medicine
combines mainstream medical therapies and CAM therapies for which there is some
high-quality scientific evidence of safety and effectiveness.
A designao medicina integrada evidencia que um longo caminho foi percorrido,
nomeadamente nos pases anglo-saxnicos, desde a designao atribuda MAC de
charlatanice, ou mesmo de medicina alternativa quando esta ltima, tambm,
contribua para a formao de esteretipos negativos e para a hostilidade entre os
terapeutas da MAC e os mdicos. Contudo, a sua utilizao no consensual entre
todos os terapeutas da MAC (Stone & Katz, 2005a ).
2.2.4. A classificao e hierarquizao das terapias da MAC e seus contributos
As taxonomias para a categorizao das diferentes terapias da MAC no so estanques,
e assim como a nomenclatura da MAC, mudam com periodicidade em funo do
aparecimento de novas terapias e de novos modelos classificativos. O tipo de
classificao mais frequente tem por base o critrio do tipo de interveno. O NCCAM
(2006), agrupa a MAC em quatro domnios, se bem que reconhea que possam existir
certas justaposies, e em sistemas mdicos integrais, que compreendem todos os
domnios. Por sistemas mdicos integrais, so entendidos sistemas que constituem um
todo completo de teoria e prtica, que podem ter origem na cultura ocidental ou em
outras culturas. Assim, a homeopatia e a naturopatia constituem exemplos de sistemas
mdicos integrais desenvolvidos na cultura ocidental, e a medicina tradicional chinesa e
Ayurvedica de sistemas formulados em culturas no ocidentais. Os quatro domnios
considerados incluem as: terapias mente-corpo; prticas biolgicas; tcnicas
manipulativas e terapias energticas. O primeiro domnio utiliza um conjunto de
tcnicas com o objectivo de estimular a capacidade de processos mentais para
influenciar funes e sintomas corporais (ex: meditao; musicoterapia; arteterapia;
-
- 35 -
danaterapia). As prticas biolgicas correspondem utilizao de substncias que se
encontram na natureza, como ervas, alimentos e vitaminas (ex: suplementos dietticos;
produtos das ervanrias). Por seu turno, as tcnicas manipulativas colocam a sua nfase
na manipulao ou movimento de uma ou mais partes do corpo (ex: osteopatia;
quiroprtica; massagem). O quarto e ltimo domnio, as terapias energticas, incluem a
utilizao de campos de energia e compreendem dois tipos: as terapias do biocampo que
procuram influenciar os campos de energia que supostamente rodeiam e penetram o
corpo humano, mediante a aplicao de presso ou a manipulao do corpo atravs a
colocao das mos nesses campos ou atravs deles (ex: reiki; toque teraputico; chi
gong); as terapias bioelectromagnticas implicam o uso no convencional de campos
electromagnticos, tais como campos magnticos e campos de corrente alternada.
A sistematizao do NCCAM constituiu um avano construtivo ao fornecer uma
imagem coerente de um campo bastante vasto, embora no esteja isenta de crticas
(Jones, 2005). Uma dessas crticas diz respeito sobreposio de categorias,
nomeadamente entre sistemas mdicos alternativos e terapias mente-corpo e
energticas. Esta sobreposio resulta primariamente da incluso da categoria sistemas
mdicos alternativos, que contrariamente s outras categorias, no indica um
mecanismo de aco teraputica. Uma outra limitao apontada refere-se ausncia de
uma distino entre as terapias mente-corpo, psicolgicas e no locais ou espirituais. Na
tentativa de minorar estas dificuldades, Jones (2005) elaborou uma categorizao de
prticas (convencionais, alternativas, complementares ou tradicionais) em funo do seu
mecanismo de aco teraputico primrio. Esta sistematizao, que parte do pressuposto
que todos os sistemas, terapias, modalidades e tcnicas, podem ser organizados em
funo de mecanismos de aco teraputica primria, prope seis categorias:
bioqumica; biomecnica; mente-corpo; energtica; psicolgica (simblica) e no-
local. Nesta taxinomia cada uma das prticas termo utilizado na sua acepo
colectiva, englobando conceitos tais como modalidades, tcnicas, sistemas e como
sinnimo de terapias est includa na categoria que corresponde ao seu mecanismo de
aco teraputica primrio, evitando deste modo a confuso de classificar as prticas em
todas as categorias em que sero possivelmente teraputicas. Em cada categoria esto
estabelecidas subdivises. O mecanismo de aco teraputica entendido como um
termo geral que exprime a variedade de meios quantitativos ou qualitativos atravs dos
quais um processo teraputico iniciado (para os clientes/pacientes melhorarem algo
-
- 36 -
tem de acontecer). Esta sistematizao foi utilizada para a categorizao das respostas
dos participantes no estudo emprico2. A categoria das prticas bioqumicas inclui as
terapias cuja influncia ocorre atravs da aco qumica ao nvel molecular, celular ou
gentico (ex: produtos naturais; naturopatia; produtos sintticos). s prticas
biomecnicas correspondem as terapias cuja influncia teraputica - tipo fsico - ocorre
a partir do nvel da estrutura tecidular (ex: osteopatia; quiroprtica; reflexologia;
massagem; treino fsico; cirurgia). Por seu turno, as terapias mente-corpo so aquelas
cujo processo teraputico resulta da modificao intencional de processos e estados
emocionais e/ou cognitivos com o intuito de proceder alterao de estados e processos
fisiolgicos (ex: meditao; aromaterapia; biofeedback). As prticas energticas, por
seu lado, englobam as terapias que utilizam uma fonte de energia ou a designada
energia vital para dar incio a um processo teraputico (ex: acupunctura; reiki;
homeopatia; tratamento por ultrasons). No que se refere s terapias psicolgicas
(simblicas), esto includas as prticas que empregam as referncias simblicas
(significados) das palavras, dos movimentos, das imagens, dos sons e da msica para
induzir mudanas construtivas nos processos emocionais e cognitivos das pessoas (ex:
hipnoterapia; terapia de grupo). Por ltimo, as prticas no-locais designam as
terapias cujo processo teraputico tm o seu locus de casualidade no divino, religioso ou
em princpios humanistas. Com origem em experincias humanas transcendentes no
existe uma explicao cientfica que permita compreender o seu mecanismo teraputico
(ex: algumas prticas xamanistas; cura distncia, meditao transcendental).
Outras formas de classificao da MAC tm sido usadas recorrendo a outros tipos de
critrios. Stone (2002) categorizou as diferentes terapias com base nas questes ticas
que colocavam, tais como os riscos inerentes e potenciais malefcios; Tataryn (2002) em
funo de diferentes conceptualizaes sobre a sade e a doena e Stone e Katz (2005a)
esboaram uma proposta com base no estatuto (e potencial estatuto) regulatrio. A
House of Lords em Inglaterra (2000), apresenta uma classificao e hierarquizao de
algumas terapias com suporte na evidncia cientfica estabelecida.
2 Decidiu-se manter a categoria medicina popular, que no consta nesta taxionomia, devido ausncia de
dados que permitissem a incluso nas categorias propostas e tambm pelo facto de evidenciar que para os
participantes do estudo a MAC no se confunde com a Medicina Popular.
-
- 37 -
Inserida numa estratgia de proteco da sade pblica atravs do fornecimento de
ferramentas que possibilitem aos utilizadores e cidados em geral uma escolha
informada, a House of Lords estabeleceu uma classificao e hierarquizao em trs
grupos, que gerou amplo debate acerca dos critrios mais adequados para a sua
elaborao (Wahlberg, 2007). O primeiro grupo, denominado disciplinas principais,
tambm conhecido como Big Five, distinguia-se por ter provado a sua eficcia no
tratamento de um nmero limitado de doenas pouco graves (osteopatia, quiroprtica,
acupunctura, plantas medicinais e homeopatia). O segundo grupo consistia nas terapias
complementares, entendidas como importante ajuda para muitos pacientes quando
usadas como apoio aos cuidados mdicos convencionais, embora fosse reconhecido que
a muitas delas ainda faltava uma slida base cientfica (ex: tcnica de Alexander;
aromaterapia; hipnoterapias; reflexologia; massagem; yoga). Por ltimo, o grupo das
disciplinas alternativas fora descrito como indiferente aos princpios cientficos da
medicina convencional, no apresentando bases de evidncia credveis. Estas terapias
foram divididas em dois subgrupos: a) sistemas tradicionais bem estabelecidos, como
por exemplo, a medicina Ayurvedica, a medicina tradicional chinesa, a naturopatia e a
antroposofia; b) outras disciplinas alternativas que no apresentam suporte de prtica
baseada na evidncia, tais como a terapia por cristais, iridologia entre outras.
Segundo Stone e Katz (2005a) esta classificao e hierarquizao foi recebida de forma
negativa no campo da MAC. Os acunpunctores classificaram o trabalho como
incompreensvel, na medida em que estariam classificados ao mesmo tempo no grupo
um e no grupo trs, ou seja, simultaneamente num grupo com elevada credibilidade e
noutro sem credibilidade, dado a acupunctura pertencer medicina tradicional chinesa.
No grupo um foi apontado como crtica o facto de se agruparem terapias cujo risco
associado no igual entre si. Assim, se uma m prtica da quiroprtica comporta um
risco elevado para o paciente o mesmo j no se aplica com os tratamentos
homeopticos que tm poucos efeitos secundrios. Quanto crtica dirigida ao grupo
das terapias complementares, foi questionada a aceitao, por parte dos terapeutas, da
no atribuio de competncias de diagnstico e tratamento s suas terapias. Contudo,
foi a constituio do grupo trs que mais preocupao criou, na medida em que juntou
highly respected forms of tradicional medicine that fall outside western medicine
with discredited therapies, which have no evidence of acceptability to the scientific
community (Stone & Katz, 2005a, p. 49). Contudo, e apesar das crticas, o trabalho da
-
- 38 -
House of Lords ao enfatizar a necessidade de evidncia cientfica e a organizao das
classes profissionais e respectivos aspectos regulatrios, esboou uma transformao no
racional subjacente proteco da sade pblica. Ao invs de aconselhar directamente
contra a utilizao das medicinas burlonas ou desencorajar os terapeutas ao exerccio
da sua prtica, a proteco dos utilizadores e cidados em geral foi equacionada em
funo de dois objectivos: a) ajudar na elaborao de uma escolha informada; b)
garantir uma formao adequada dos terapeutas de modo a assegurar a qualidade das
suas competncias (Wahlberg, 2007).
2.3. O processo de regulamentao da MAC em Portugal: (o)posies, consensos,
princpios e institucionalizaes
O incio do processo de regulamentao da MAC em Portugal desenvolveu-se no
comeo deste sculo. Esta iniciativa pode ser entendida como consequncia do aumento
da sua prtica e a necessidade da recorrente de assegurar a qualidade da formao,
creditao e certificao dos respectivos profissionais. Por iniciativa de dois partidos,
primeiro do Bloco de Esquerda e depois do Partido Socialista, foram apresentados dois
projectos de lei que visavam a regulamentao das medicinas no convencionais (MNI
(a), 2001). Em sede da Comisso Parlamentar da Sade realizaram-se nos primeiros
meses do ano de 2001, audincias com vrios intervenientes de entre os quais, as
Ordens dos Mdicos, dos Farmacuticos e dos Enfermeiros, o Instituto Nacional da
Farmcia e do Medicamento (Infarmed) e as associaes profissionais das medicinas
alternativas. Estas audincias estavam inseridas na discusso em especialidade dos
projectos de regulamentao das medicinas no convencionais do Bloco de Esquerda e
do PS. O enquadramento da futura lei foi amplamente debatido e questionado, tendo o
processo gerado acusaes mtuas, nomeadamente, entre a ordem dos mdicos e as
associaes profissionais da medicina alternativa. A ordem dos mdicos exigia que
primeiro fosse definido o acto mdico; o Conselho Regional do Norte (CNR, 2001) no
comunicado Legalizao de Medicinas Alternativas e comparticipao de produtos
homeopticos emitido j aps veto do Presidente da Repblica legislao sobre o
acto mdico, referindo-se proposta dos deputados do Bloco de Esquerda, exprimia a
sua perplexidade face iniciativa de legalizao de prticas sem validade cientfica,
aplicadas apenas por crenas, contraditrias com o materialismo cientfico, e por isso,
-
- 39 -
enganadoras para doentes incautos. [] A perplexidade deste Conselho cresceu ainda
mais quando se apercebeu que aquela iniciativa visava a comparticipao de produtos
homeopticos pelo SNS - Sistema Nacional de Sade - () (CNR, 2001,p.1).
Posteriormente, o Bloco de Esquerda retirou a iniciativa de comparticipao dos
produtos homeopticos, justificando primeiramente a necessidade de regulamentao
das medicinas no convencionais para depois se avanar para os direitos dos
utilizadores (MNI (b), 2001). Segundo notcias publicadas no stio Mdicos na Internet
(MNI (c)(d), 2001) ambos os projectos de lei propunham o reconhecimento abstracto e
geral das medicinas no convencionais e remetiam para fase posterior a investigao e
avaliao da qualidade, segurana e eficcia; para a Ordem dos Farmacuticos tal
posio no era sustentvel, defendendo que primeiro deveria se proceder avaliao
das prticas e que a regulamentao deveria aplicar-se a terapias especficas e no
generalidade das medicinas no convencionais.
A 27 de Maro de 2003 os dois projectos de lei de regulamentao do sector foram
levados a discusso no Parlamento da Repblica. O projecto dos socialistas pretendia
regulamentar quatro terapias no convencionais - acupunctura, homeopatia, osteopatia e
quiroprxia - reconhecendo a especificidade de diagnstico e tratamento, bem como a
autonomia deontolgica e tcnica dos seus profissionais. O diploma do BE ia mais
longe, juntando a estas prticas a naturopatia, a medicina tradicional chinesa e a
fitoterapia (MNI (e), 2003). O Partido Social Democrata mostrou estar disposto a
permitir a aprovao dos diplomas, apesar do anncio do CDS-PP que iria votar contra.
Para o Partido Popular existia a necessidade de se realizar um levantamento exaustivo
sobre a situao destas terapias no pas (Dirio Digital, 2003).
A 22 de Agosto deste mesmo ano publicada em Dirio da Repblica a Lei n45/2003
Lei de Enquadramento das Teraputicas No Convencionais. O termo medicina no
convencional inicialmente proposto foi substitudo pela designao teraputicas no
convencionais definidas como aquelas que partem de uma base filosfica diferente
da medicina convencional e aplicam processos especficos de diagnstico e teraputicas
prprias. Foram reconhecidas como teraputicas no convencionais as praticadas pela
acupunctura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiroprxia,
estabelecendo como seus princpios orientadores:
-
- 40 -
1 O direito individual de opo pelo mtodo teraputico, baseado numa escolha
informada, sobre a inocuidade, qualidade, eficcia e eventuais riscos.
2 A defesa da sade pblica, no respeito do direito individual de proteco da
sade.
3 A defesa dos utilizadores, que exige que as teraputicas no convencionais
sejam exercidas com um elevado grau de responsabilidade, diligncia e
competncia, assentando na qualificao profissional de quem as exerce e na
respectiva certificao.
4 A defesa do bem-estar do utilizador, que inclui a complementaridade com
outras profisses de sade.
5 A promoo da investigao cientfica nas diferentes reas das teraputicas no
convencionais, visando alcanar elevados padres de qualidade, eficcia e
efectividade.
No mbito do presente diploma foi criada uma comisso tcnica consultiva com o
objectivo de estudar e propor os parmetros gerais de regulamentao do exerccio das
teraputicas no convencionais. Integram a comisso representantes dos Ministrios da
Sade, da Educao e da Cincia e Ensino Superior, das teraputicas a regulamentar e,
caso necessrio, peritos de reconhecido mrito, cujas funes cessaro aps a
implementao do processo de credenciao, formao e certificao dos profissionais.
Criada atravs do despacho conjunto n327/2004, foi oficializada pelo despacho
conjunto n 261/2005.
A 14 de Maio de 2002 a ordem dos mdicos cria a Competncia mdica em acupunctura
(ICBAS, 2008). Os mdicos com prtica continuada e regular de acupunctura superior a
trs anos podem ser acupunctores. Em Janeiro de 2005, Jos Faro, Director da Escola
Superior de Medicina Tradicional Chinesa e membro da comisso afirmava que iria
tentar sensibilizar o Estado para a necessidade de aprovar a medicina tradicional chinesa
como um todo e no em algumas das suas vertentes, como a acupunctura e a fitoterapia.
Pases como a Inglaterra, Austrlia e Estados Unidos, adiantou, reconhecem aquela
terapia como um todo, dando aos seus profissionais o estatuto de mdicos. (MNI,
2005). A 23 de Setembro de 2005, surge uma denncia de Pedro Choy, presidente da
Associao Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APADA), segundo o
qual o futuro das medicinas no convencionais estaria a ser posto em causa pelo lbi
mdico e farmacutico que quer impor a prescrio mdica como condio necessria
para a sua prtica (Rodrigues, 2005). Segundo o presidente da APADA estaria em causa
-
- 41 -
a imparcialidade da comisso tcnica consultiva, que constituda maioritariamente (dos
20 elementos seis representam a medicina no convencional) por representantes da
medicina convencional poderia aprovar o que quisesse. A pretenso de tornar a prtica
dessas terapias sujeita a prescrio mdica ou que os locais onde so aplicadas tenha a
superviso de um mdico, aniquilaria completamente as medicinas no
convencionais porque os mdicos convencionais nunca receitaro tratamentos que se
baseiam em princpios completamente diferentes e que eles no conhecem", segundo
Pedro Choy (Fernandes, 2005).
Em 2006, inicia-se no Instituto Cincias Biomdicas Abel Salazar (ICBAS) o primeiro
curso de ps-graduao em Medicina Tradicional Chinesa (MTC), o primeiro numa
instituio portuguesa de ensino superior pblico, que segundo a Universidade do Porto
surgiu como resultado da contribuio de estudos recentes que permitiram construir
um modelo fisiolgico desta arte clssica de cura e ser ministrado, em parte, por
mdicos alemes que desenvolveram um modelo prprio de medicina integrada. (MNI,
2006). Durante o ano de 2007 a Universidade de vora abre uma ps-graduao em
Medicina Tradicional Chinesa no seguimento de um acordo de cooperao celebrado
entre a Universidade de vora e a Escola Superior de Medicina Chinesa Dr. Pedro Choy
- Plo da Universidade de Chengdu, China (Manso, 2007).
Tendo o processo de regulamentao das terapias no convencionais tido o seu incio h
cerca de cinco anos a concluso dos trabalhos no ainda conhecida. A complexidade
do tema e a multiplicidade de partes envolvidas torna o consenso difcil entre todos os
envolvidos. As posies de defesa ou contra a legalizao da Medicina Tradicional
Chinesa, a sujeio ou no a exames por parte de profissionais em exerccio de
actividade, ou o desacordo entre acupunctores sobre quem deveria ser o representante
da acupunctura na comisso consultiva (JN, 2008), so disso exemplo.
Aps os resultados finais deste processo, considerando e atendendo s vicissitudes
mencionadas, estar cumprido o primeiro processo de regulamentao da MAC em
Portugal. De acordo com a estratgia da Organizao Mundial de Sade (OMS, 2002)
para as Medicinas Tradicionais (MT) / Medicinas Alternativas e Complementares
(MAC) estabelecida em 2002 os objectivos para o futuro devero: promover a
integrao da MT/MAC nos sistemas nacionais de sade, estimular a segurana,
-
- 42 -
eficcia e qualidade da MT/CAM atravs de um aumento dos conhecimentos sobre
MT/MAC e proporcionar guias e normativas para controlos de qualidade; aumentar a
disponibilidade e acessibilidade MT/CAM, segundo seja apropriado, realando o
acesso s mesmas por parte dos cidados de nveis socioeconmicos mais baixos e
fomentar o uso teraputico slido e apropriado da MT/MAC a terapeutas e utilizadores.
Para finalizar, uma pequena nota relativa regulamentao e legalizao dos produtos
base de plantas. Os produtos naturais e plantas medicinais surgem frequentemente
inseridos no campo da MAC e apresentam a especificidade de poderem ser utilizados
sem o recurso a um terapeuta. O recente caso de suspeitas de relao causal entre o
consumo do suplemento diettico Depuralina e reaces adversas graves,
nomeadamente choque anafilctico e hepatotoxicidade (Despacho DGS, 2008) lanou
mais uma vez o debate sobre o seu controlo na comunicao social. Em 2004 surgiu um
projecto de diploma que estabelecia normas restritas apertadas para o fabrico,
rotulagem, publicidade e fiscalizao dos produtos base de plantas que acabou por no
ser submetido a aprovao em Conselho de Ministros, e no qual se explicava a sua
pertinncia pelo aumento nunca antes verificado no seu nmero e variedade e na
salvaguarda da sade pblica. Aguardava-se na altura a aprovao do novo estatuto do
medicamento, que incluiria os frmacos base de plantas, e o projecto de decreto-lei
no avanou (Campos, 2008). Por seu lado, os responsveis das empresas do sector
entendiam data, tal como agora a Associao Portuguesa de Alimentao Racional e
Diettica o entende, que o que est em causa so suplementos alimentares, e no
medicamentos, cuja regulao e comercializao est estabelecida deste 2003 pelo
Decreto-Lei n136/2003 (Cristo, 2008; Campos, 2008). Encontram-se, portanto, sob a
alada do Ministrio da Agricultura e no do INFARMED, instituio que controla os
frmacos da medicina convencional.
2.4. Porqu utilizar a MAC?
A deciso de consultar um terapeuta da MAC ou de comprar um produto natural ou
medicamento MAC no um fenmeno novo. Sharma (1992, 1995) referindo-se
MOC como medicina ortodoxa - definindo-a como o conjunto de conhecimentos e
prticas, sobre o corpo humano que amplamente aceite na sociedade ocidental
-
- 43 -
(convencional), cuja legitimao assenta na afirmao da sua cientificidade e a sua
ortodoxia exprime uma dimenso de autorizao poltica (oficial) afirma que
embora dominante nunca teve o domnio absoluto dos servios mdicos. O que novo
o facto de a sua utilizao j no estar restrita a um pequeno grupo de entusiastas e se
ter tornado popular. A tomada de deciso de utilizao de prticas da MAC torna-se
ainda mais significativa, e com extenso relevo social, se atendermos que implica um
pagamento no comparticipado, que potencialmente contradiz o conselho mdico e que
a pessoa que o faz se submete a si prpria a prticas e produtos que no foram
necessariamente testados com rigor (Coulter & Evan Willis, 2004).
2.4.1. A popularidade da MAC: Utilizao e perfil do utilizador. Dimenso
econmica
A popularidade da MAC no parece ser difcil de demonstrar e alguns indicadores
podem ser levados em conta: o significativo nmero de artigos publicados em jornais e
revistas da comunicao social; o nmero de livros na seco de sade das livrarias; o
aumento no nmero de produtos disponibilizados; as anlises dos contedos de
programas televisivos que expem relatos pessoais de experincias bem sucedidas com
a MAC e as taxas de utilizao e crescimento da MAC (Cant & Sharma, 1999; Spence
& Ribeaux, 2004 ).
Em vrios pases desenvolvidos foram realizados estudos que visaram objectivar a taxa
de utilizao da MAC. Na Austrlia estimava-se que a taxa de utilizao da populao
se cifrava nos 46% (OMS, 1998); na Frana nos 49% (Fisher & Ward, 1994); no
Canad em cerca de 70% (Health Canada, 2001) e nos Estados Unidos nos 42%
(Eisenberg, et al., 1998). O estudo de mbito nacional realizado na Gr-Bretanha por
Thomas, Carr, Westlake e Williams (1991) indicava que cerca de 33% da populao
tinha utilizado uma terapia complementar. Ao nvel da Unio Europeia a 15 pases, a
European Public Health Alliance situou a cifra de utilizadores entre os 40 e 70%.
Hyland, Lewith e Westoby (2003) estimaram que 30% a 90% da populao adulta dos
pases industrializados utilizaria pelo menos uma modalidade da MAC para prevenir ou
tratar diversos problemas de sade. Em Portugal, segundo a Associao Portuguesa de
Acupunctura, cerca de 30 mil pessoas recorriam anualmente a tratamentos de
-
- 44 -
acupunctura e fitoterapia (Negro, 2005). Aquando da discusso da viabilizao do
projecto de lei de regulamentao das terapias no convencionais foi estimado que mais
de trs milhes de portugueses j tinham recorrido s medicinas alternativas (MNI (g),
2003). De acordo com uma sondagem representativa da populao nacional (DN, 2007)
15,5% dos portugueses recorreram a alguma terapia alternativa, ou no convencional
(como a acunpunctura, o ioga, as massagens orientais, o reiki, a meditao ou os
programas de auto-ajuda, entre outros).
A interpretao dos valores avanados e nomeadamente o estabelecimento de
comparaes entre estudos dever contudo ser realizado com bastante precauo e em
alguns casos ser mesmo impossvel de faz-lo. Ernst (2000) procedendo a uma anlise
sistemtica da literatura sobre a prevalncia da utilizao da MAC em vrios pases
identificou vrias limitaes nos estudos que tornam consideravelmente incerta a real
taxa de utilizao na populao em geral. Um dos problemas identificados foi o da
definio da MAC, com a incluso de diferentes terapias que levaram a variaes
considerveis nas taxas de utilizao da MAC (ex: alguns estudos consideraram o
exerccio e a psicoterapia como terapias inseridas no campo da MAC, enquanto outros
no) 3. Outra limitao importante dizia respeito ao perodo temporal considerado para a
avaliao da prevalncia da utilizao. Assim, se em vrios estudos foi avaliado o
perodo de um ano (ex: No ltimo ano qual das seguintes terapias utilizou?) noutros
foi considerado o perodo de vida inteiro da pessoa (ex: J utilizou alguma das
seguintes terapias?). Embora as limitaes acima mencionadas interfiram directamente
nas taxas de utilizao obtidas, os resultados sugerem que a prevalncia de uso da MAC
no meramente residual, que muitas pessoas o fazem.
No que se refere ao tipo de utilizador mais provvel das terapias MAC Ernest (2000),
identificou os seguintes factores como os principais: sexo (mulher); idade (meia-idade);
top related