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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA INSTITUCIONAL
BEATRIZ CYSNE COIMBRA
RELAES DE TRABALHO EM UMA UNIVERSIDADE: ATIVIDADE DOS SERVIDORES TCNICO-ADMINISTRATIVOS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO
VITRIA 2014
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BEATRIZ CYSNE COIMBRA
RELAES DE TRABALHO EM UMA UNIVERSIDADE: ATIVIDADE DOS SERVIDORES TCNICO-ADMINISTRATIVOS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Psicologia Institucional
do Centro de Cincias Humanas e Naturais
da Universidade Federal do Esprito Santo
como requisito parcial para a obteno do
Grau de Mestre em Psicologia Institucional,
na rea Subjetividade e Clnica.
Orientadora: Profa. Dr. Maria Elizabeth
Barros de Barros.
VITRIA 2014
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BEATRIZ CYSNE COIMBRA
RELAES DE TRABALHO EM UMA UNIVERSIDADE: ATIVIDADE DOS SERVIDORES TCNICO-ADMINISTRATIVOS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia
Institucional do Centro de Cincias Humanas e Naturais da Universidade Federal
do Esprito Santo como requisito parcial para a obteno do Grau de Mestre em
Psicologia Institucional, na rea Subjetividade e Clnica.
Vitria, 1 de julho de 2014.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________ PROFESSORA DOUTORA MARIA ELIZABETH BARROS DE BARROS
Universidade Federal do Esprito Santo Orientadora
_________________________________________________ PROFESSORA DOUTORA DULCINEA SARMENTO ROSEMBERG
Universidade Federal do Esprito Santo
_________________________________________________ PROFESSOR DOUTOR RAFAEL DA SILVEIRA GOMES
Universidade Federal do Esprito Santo
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Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)
Coimbra, Beatriz Cysne, 1965- C679r Relaes de trabalho em uma universidade : atividade dos
servidores tcnico-administrativos da Universidade Federal do Esprito Santo / Beatriz Cysne Coimbra. 2014.
110 f. : il. Orientador: Maria Elizabeth Barros de Barros. Dissertao (Mestrado em Psicologia Institucional)
Universidade Federal do Esprito Santo, Centro de Cincias Humanas e Naturais.
1. Trabalho - Anlise. 2. Clnica da atividade. I. Barros, Maria
Elizabeth Barros de, 1951-. II. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias Humanas e Naturais. III. Ttulo.
CDU: 159.9
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Fonte: Foto produzida por Roberto
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1 Todas as fotos nesta dissertao foram produzidas pelos servidores tcnico-administrativos
participantes da pesquisa e foram utilizados nomes fictcios para denomin-los, por motivo de sigilo.
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Da a tripla definio de escrever: escrever lutar, resistir; escrever vir-a-ser; escrever cartografar, eu sou um cartgrafo (DELEUZE, 2005, p. 53).
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Fonte: Foto produzida por Eurico Quero-quero ( Vanellus chilensis;Aves; Charadriidae) espdriidaehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ch.
Aos servidores tcnico-administrativos da Universidade Federal do Esprito Santo.
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AGRADECIMENTOS
A realizao deste sonho foi percorrida pelo carinho e apoio de muitos coraes,
fortalecendo-me e tornando mais leve e alegre a composio desta pesquisa.
queles que foram parte sensvel desse trajeto, meus singelos agradecimentos.
A Deus por ter iluminado meu caminho durante essa trajetria acadmica no me
deixando desistir, apesar dos percalos inerentes ao processo de pesquisa.
querida orientadora prof. Dr. Maria Elizabeth Barros de Barros pela confiana
em mim depositada e por caminhar ao meu lado semeando conhecimentos e
experincias inesquecveis com sua alegria e energia contagiante. Sem suas
intervenes, seria impossvel a concluso desta pesquisa.
Querida Josy Campos por sua contribuio e acompanhamento durante a
realizao deste trabalho. Sem voc eu no teria conseguido.
Aos queridos professores Dr. Rafael Gomes e Dr. Dulcina Rosemberg por
fazerem parte desta Banca e por seus ensinamentos.
Aos meus queridos filhos, Thiago e Yasmin, minha inspirao de vida, minha
fora, que me apresentaram a existncia do mais puro amor que pode haver na
vida.
A minha querida me Lda, um exemplo de fora, coragem e determinao, que
sempre me incentivou e no me deixou desistir deste sonho, mesmo quando
parecia ser quase impossvel realiz-lo. Ao meu querido pai Norberto (in
memoriam), pelos seus ensinamentos de vida.
Ao meu amor, Luiz Guilherme, pela fora, incentivo e pacincia com minhas
ausncias durante este percurso e por ter me mostrado a beleza das pequenas
coisas da vida.
querida Prof. Antnia Celeste pelo encontro de almas entre me e filha, por
seu enorme corao, onde sempre cabe mais um, por seu carinho e amizade e
pela acolhida durante todos esses anos de uma adorvel convivncia.
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querida tia do corao,Prof. Inocncia Barcellos pelo carinho e pelas
importantes intervenes em minha vida.
Aos meus queridos irmos, Norberto e Gisele, pelo amor, companheirismo e
incentivo nesta jornada. s irms do corao, mbar e Carmem Jlia, pelo
carinho e amizade sincera durante esta convergncia de vidas.
s filhas do corao, Gabriela, Iang Sol e Lidiane, um amor singelo e sincero em
um adorvel encontro de almas.
Ao meu querido amigo de f e irmo camarada, Antnio Srgio, por ter me
sussurrado ao p do ouvido que possvel sonhar e me incentivado a ir ao
encontro deste sonho.
Ao querido amigo Ueberson, por ter entrelaado minhas mos e me apresentado
o caminho da pesquisa.
Aos queridos companheiros do PFIST/Nepesp, Luzimar Luciano, Ueberson
Ribeiro, Jsio Zamboni, Janana Mariano, Janana Brito, Fbio Hebert, Danielle
Vasconcellos, Cynthia Perovano, Juliana Valado, Clver Manolo, Ozilene, Jlia
Alano, Tatiane Aguiar, Roberta Gaier, Martha Reisen, Amanda, Geane e
Fernanda pelos ensinamentos, pelos adorveis encontros e pelas mediaes na
minha vida durante esta jornada.
Aos queridos colegas, Jsio Zamboni e Tatiane Aguiar Francisco, parceiros que
me acompanharam durante o trabalho de campo produzindo um olhar
estrangeiro, auxiliando-me a desvencilhar da pele de tcnico-administrativa
durante a pesquisa.
Aos professores do Mestrado, Maria Elizabeth Barros de Barros, Ana Lcia
Coelho Heckert, Ana Paula Figueiredo Louzada, Rafael da Silveira Gomes,
Heliana de Barros Conde Rodrigues, Gilead Marchezi Tavares, Leila Aparecida
Domingues Machado, Maria Cristina Campello Lavrador e Luciana Vieira Caliman
pelos ensinamentos.
s queridas amigas, Ana Paula Mattedi e Luzimar Luciano, que, com um jeitinho
meigo e determinado, sempre me incentivaram.
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Aos queridos colegas do Mestrado, Ellen Honorato, Joo Jos Gomes, Paula
Maria Valdetaro, Ivana Carneiro, Ana Cristina Segatto, Fernando Pinheiro,
Anselmo Clemente, Rafaela Gomes, Janice do Carmo, Myrian Santiago, Lvia
Pignaton, Ricardo Meneses, Thalita Calmon, Valeska Campos, Nathlia
Domitrovic, Luiz Emil Theodor Wentz Neto (Teo) e Renata Junger, companheiros
de jornada que me proporcionaram um grande aprendizado.
Ao querido professor Valter Bracht, pelo incentivo ao estudo acadmico e por ter
possibilitado a minha insero no grupo de estudos PFIST/Nepesp,liberando-me
todas as segundas-feiras para participar dos encontros do grupo, os quais
alimentaram minha alma e me proporcionaram muitos conhecimentos.
querida professora Zenlia Figueiredo, Diretora do Centro de Educao Fsica e
Desportos, pelo carinho e incentivo na realizao deste trabalho.
Ao querido professor Amarlio Ferreira Neto, pelo incentivo ao estudo acadmico
desde o incio da minha carreira administrativa na Ufes.
companheira Marlene Ramos, colega querida, que muito me auxiliou no
percurso preparatrio para a entrada no Mestrado, sempre com um sorriso no
rosto.
s queridas Snia Fernanda e Slvia, secretrias do Programa de Ps-Graduao
em Psicologia Institucional, pelo carinho e amizade.
Aos queridos amigos professores Rosely Pires, Sandra Soares e Felipe Quinto
pelo carinho e incentivo.
Universidade Federal do Esprito Santo pela oportunidade da realizao deste
estudo.
Aos servidores tcnico-administrativos da Universidade Federal do Esprito Santo
e, em especial, aos sujeitos que participaram da minha pesquisa e auxiliaram na
composio deste trabalho.
Aos colegas do Centro de Educao Fsica e Desportos pelo carinho e torcida.
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RESUMO
Trata-se esta de uma pesquisa de interveno realizada com servidores tcnico-
administrativos, da Universidade Federal do Esprito Santo, ocupantes do cargo
de assistente em administrao, cujo objetivo principal foi analisar o trabalho sob
o ponto de vista da atividade. A metodologia utilizada se baseou no referencial
terico-metodolgico da Clnica da atividade, proposta por Yves Clot e seus
colaboradores. Nesse percurso, a oficina de fotos foi utilizada como um
procedimento de anlise da atividade. Para esse estudo foram tambm utilizados,
como referncia de pesquisa, autores que postulam esse mesmo enfoque terico
metodolgico. Articulando-se a estes, foram alados estudos de pesquisadores
brasileiros que trabalham com a temtica nos campos da psicologia, da sade, da
educao, das clnicas do trabalho, dentre outros. O grupo associado foi
composto por 10 funcionrios de diferentes setores da Universidade, entre os
quais, trs se dispuseram a fotografar cenas do cotidiano do trabalho. Tais fotos
foram escolhidas, confrontadas e analisadas pelo grupo de trabalhadores. Os
trabalhadores ao se confrontarem com as situaes de trabalho fotografadas
viabilizaram um debate profcuo, conduzindo o grupo a pensar criticamente as
atividades e os processos de trabalho que desenvolvem. A pesquisa indica que os
trabalhadores procuram se reinventar e elaborar maneiras outras para enfrentar
situaes de trabalho que os desafiam, buscando modos diversos de atuar, o que
se faz a partir da ampliao do poder de agir.
Palavras-Chave: Anlise do trabalho. Clnica da atividade. Poder de agir.
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ABSTRACT
This work is an interventional research conducted with the technical and the
administrative staff of the Federal University of Espirito Santo who work as
administrative assistants. The research aims at analyzing the work from the point
of view of the activity. The methodology was based on the theoretical and
methodological framework of the Clinic of Activity, proposed by Yves Clot and his
collaborators. Along the way, a photo workshop was used as a procedure for
analyzing their working activity. As a reference for this research, authors that
postulate the same theoretical and methodological approach were also used.
Furthermore, studies of Brazilian researchers working on the theme in the fields of
psychology, health, education, clinical work, among others were articulated here.
The associated group was composed of 10 workers from different sectors of the
University, and three of them were willing to shoot scenes from their daily work.
Photos were chosen, confronted and analyzed by these group of workers. When
they were faced with the work situations photographed, they promoted a fruitful
debate, leading the group to think critically about the activities and work processes
that they perform. The research indicates that workers seek to reinvent and
develop other ways to cope with work situations and that challenge them to search
different ways of working, which is based on their expanding power of action.
Keywords: Work analysis. Activity clinical. Power to act.
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RSUM
Il sagit dune recherche intervention ralise auprs des employs Techniciens en
gestion de lUniversit Fdrale de lEsprito Santo qui occupent le poste
dAssistants en Gestion. Le but principal de la prsente tude est danalyser le
travail sous le point de vue de lactivit. La mthodologie utilise sest base sur le
rfrentiel thorique/mthodologique de la Clinique de lActivit propose par
Yves Clot et ses collaborateurs. Dans ce parcours lAtelier de Photos a t utilis
comme un procd danalyse de lactivit. cette fin, ont t, galement utiliss,
en tant que rfrence de recherche, des auteurs qui postulent cette mme
focalisation thorique/mthodologique. En rapport avec ces derniers, on a exploit
des tudes de chercheurs brsiliens qui travaillent la thmatique dans le champs
de la psychologie, de la sant, de lducation, des cliniques du travail, parmi
dautres. Le groupe associ tait compos de dix fonctionnaires de diffrents
secteurs de lUniversit dont trois se sont disposs photographier des scnes du
quotidien du travail. Telles photos ont t choisies, confrontes et analyses par le
groupe de travailleurs. Les situations de travail photographies, a rendu possible
un dbat profitable, menant le groupe penser, de faon critique, aux activits et
aux procds de travail quils dveloppent. La recherche indique que les
travailleurs essaient de se rinventer et de trouver dautres moyens de faire face
aux situations de travail qui les dfient, cherchant de divers moyens de se
comporter ce qui est fait partir de laugmentation de leur pouvoir dagir.
Mot-Cl: Analyse de travail. Clinique de activit. Pouvoir dagir.
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SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................. 16
2 CAMPO PROBLEMTICO DA PESQUISA .................................................... 21
2.1 DE QUE ATIVIDADE FALAMOS? ....................................................................... 24
2.2 UM S FUNCIONRIO E MUITAS PRESCRIES ................................................. 29
2.3 TORNAR-SE-SER FUNCIONRIO PBLICO ........................................................ 37
3 UM ENCONTRO: TRAANDO ALGUMAS PISTAS ....................................... 43
3.1 OFICINA DE FOTOS ........................................................................................ 49
3.2 FOTOS: UM DISPOSITIVO PARA AN LISE DA ATIVIDADE .................................... 52
3.3 OLHARES EM FOCO: ANALISANDO A ATIVIDADE ............................................... 56
3.4 FOTOGRAFIAS: PRODUZINDO RESSONNCIAS ................................................. 62
3.5 O PODER DE AGIR DOS TRABALHADORES O PROBLEMA DA UNIVERSIDADE O
TCNICO-ADMINISTRATIVO? .......................................................................... 75
4 UMA OUTRA FASE DA DEVOLUTIVA E VALIDAO DA PESQUISA ....... 83
4.1 O REENCONTRO COM O GRUPO ASSOCIADO .................................................... 83
4.2 UM REENCONTRO PRODUZINDO RESSONNCIA ................................................ 87
4.3 NOVAS PICADAS SENDO DELINEADAS ............................................................. 91
5 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................. 94
6 REFERNCIAS ................................................................................................ 98
APNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .... 103
ANEXO A DESCRIO DOS CARGOS DO PCCTAE .................................. 104
ANEXO B DESCRIO DE ATIVIDADES TPICAS DO CARGO DE
ASSISTENTE EM ADMINISTRAO .......................................... 108
ANEXO C REIVINDICAES CONQUISTADAS APS GREVES NOS
LTIMOS DEZ ANOS ................................................................... 109
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Fonte: Foto produzida por Eurico A maior riqueza de um homem sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou eu no aceito. No agento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa vlvulas, que olha o relgio, que compra po s 6 horas da tarde, que vai l fora, que aponta lpis, que v a uva etc. etc. Perdoai. Eu penso renovar o homem usando borboletas (BARROS, 2010a, p. 374).
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1 INTRODUO
Em um outono com um intenso cu azul, ventos fortes, mais aquecidos pela
despedida do vero, promoviam uma dana frentica entre as rvores e seu
assobio, que se misturava ao canto dos pssaros no CampusUniversitrio de
Goiabeiras. Em meio a esse cenrio buclico uma pesquisa foi sendo delineada:
Edna: Arquivo um negcio muito srio. Voc no pode descartar nada
pela sua cabea como se fosse uma folha qualquer. Aquela folha
assinada faz parte da histria do setor. Ento, teria que fazer uma
classificao, criar uma tabela de temporalidade, selecionar permanente,
temporrio e corrente todos os anos para no acumular.
Selma: Na realidade, falta um funcionrio exclusivo para trabalhar no
arquivo, ento, no tendo outra opo, tem que dar uma aspirada para
voc entrar.
Sumara: D-me vontade de chorar.
Roberto: Primeiro vai ficar chateado porque no consegue encontrar
nada. A, pega uma pasta e outra, porque no condiz com a realidade
das caixas.Quando voc chega l, j est toda pinicando, pega a pasta e
a deixa sobre a mesa e fala assim: um dia desses, tarde, eu vou dar
uma olhada para ver se acho o documento. Ou seja, vai ser uma caixa
de quinze em quinze dias.
Edna: Para economizar trabalho l na frente, voc tem que se dispor a
arrumar aquilo ali e ficar um tempo alm do seu horrio de trabalho. Foi
o que eu fiz. Foram duas semanas saindo alm do meu horrio para
poder organizar aquilo ali. O que facilitou para todo mundo.
Selma: Ou ir diretamente chefia e dizer: Olha eu preciso de algum.
Estes so excertos de dilogos dos trabalhadores tcnico-administrativos da Ufes,
durante a anlise dos seus processos de trabalho, a partir de um olhar para uma
foto. Uma tarefa de arquivamento de um documento gerou uma controvrsia
demonstrando que cada trabalhador tem um jeito singular de exercer sua
atividade, que no gesto mecnico, tambm criao, e cada sujeito imprime
sua marca ao exerc-la. Seguindo os preceitos de Clot (2008), o coletivo de
trabalhadores na clnica da atividade criado a partir do debate de opinies, das
polmicas. Para o autor [...] a controvrsia a fonte do coletivo, no o contrrio.
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17
No o coletivo sendo a fonte, mas a controvrsia sendo a fonte do coletivo
(CLOT, 2008, p. 66).
Esta pesquisa foi proposta no intuito de analisar o trabalho de servidores pblicos
tcnico-administrativos da Universidade Federal do Esprito Santo (Ufes),
ocupantes do cargo de assistente em administrao, sob o ponto de vista da
atividade. Teve como propsito avaliar quais alianas foram entrelaadas por
esses trabalhadores para lidar com imprevistos que se apresentam no mundo do
trabalho diante do prescrito2 e as relaes compartilhadas no percurso do labor
com vistas ampliao do poder de agir 3 , promovendo transformao no
institudo em ambientes laborais. Para tanto, aliei-me ao aporte terico-
metodolgico da clnica da atividade, proposta por Yves Clot e seus
colaboradores, por acreditar que tal abordagem pudesse dar visibilidade ao liame
inventivo do trabalhador. Empreguei o dispositivo imagtico recorrendo
fotografia apresentada por Cludia Osrio e seu grupo de pesquisa para disparar
a anlise coletiva das atividades dos trabalhadores, sob o ponto de vista da
atividade.
O primeiro captulo, inicialmente, discorre sobre minha trajetria como tcnico-
administrativa na Ufes, desvendando como foi realizada a primeira insero no
campo investigativo da pesquisa por meio da qual foi traado um panorama da
situao dos tcnico-administrativos da Universidade. Em seguida, ressalta outro
procedimento investigativo realizado por meio de conversas com os servidores e
em seguida, salienta algumas questes referentes ao servidor pblico no Brasil.
2Prescrio no trabalho um conceito da ergonomia criado por Alain Wisner (1994) considerado
como tarefa, ou seja, o que definido pelas organizaes de trabalho para ser realizado pelo trabalhador. Para Telles e Alvarez (2004, p. 67) O trabalho prescrito inclui, portanto, dois componentes bsicos: as condies determinadas de uma situao de trabalho (as caractersticas do dispositivo tcnico, o ambiente fsico, a matria-prima utilizada, as condies socioeconmicas etc.) e as prescries (normas, ordens, procedimentos, resultados a serem obtidos etc.). 3[...] o conceito dePoder de Agir diz respeito atividade. A tarefa, por si s, no suficiente. At
mesmo sob coao externa, o poder de agir se desenvolve ou se atrofia na caixa preta da atividade de trabalho. Ele avalia o raio de ao efetivo do sujeito ou dos sujeitos em sua esfera profissional habitual, o que se pode tambm designar por irradiao da atividade, seu poder de recriao (CLOT, 2010, p. 15).
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O segundo captulo descreve a terceira insero no campo emprico efetivada por
meio de cinco encontros com o grupo associado 4 , este formado por dez
servidores tcnico-administrativos ocupantes do cargo de assistente em
administrao da Ufes. No primeiro desses encontros foi feita a apresentao da
pesquisa e escolhidos, pelo prprio grupo, quais trabalhadores iriam produzir as
fotografias. No segundo encontro o grupo selecionou as fotografias que seriam
utilizadas para a anlise. Nos demais encontros, foi realizada a anlise do
trabalho por meio da atividade dialgica, mediante a oficina de fotos que, no
decorrer deste trabalho, foi feita por todo o grupo recorrendo ao olhar para a
fotografia em foco. Esse movimento permitiu que os trabalhadores discutissem os
processos de trabalho, as relaes efetivadas no desenvolvimento da atividade,
os modos de fazer a atividade laboriosa e de ser servidor pblico, antepondo o
gnero a servio da ao, revelando a recriao estilstica do trabalhador. [...] o
estilo participa da renovao do gnero, o qual, no limite, nunca se pode dar por
acabado (CLOT, 2007, p. 40). Durante esse percurso, muitas histrias foram
vivenciadas, produzindo outros modos de pensar a relao com o trabalho.
Algumas sugestes foram suscitadas pelos trabalhadores e promoveram um
fortalecimento do gnero profissional, evocando transformaes no trabalho que
desenvolvem.
O terceiro captulo refere-se a um momento de devolutiva e validao da
pesquisa junto com o grupo associado, o que aconteceu quatro meses aps o
ltimo encontro. Os sujeitos da pesquisa sabiam desse tempo que seria
empregado para a anlise e a escrita da pesquisa porm, s vezes, quando me
deparava com alguns deles no campus universitrio, eles verbalizavam que
sentiam falta das nossas conversas. Esclarece, primeiramente, como a devolutiva
da pesquisa foi desenvolvida junto com os trabalhadores em cada um dos
encontros com um olhar para as fotografias produzidas, o que gerava debates
que geravam controvrsias sobre o viver-trabalhar. Em seguida, por meio de
4 Grupo Associado Grupo de trabalhadores que participaram da pesquisa. Clot (2007, p. 136)
denomina de [...] meio associado que o coletivo que remete ao trabalho de anlise e de co-nalise.No caso desta pesquisa o grupo associado foi formado por dez servidores tcnico-administrativos.
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relatos dos trabalhadores sobre as formas de enfrentar os desafios que lhes so
impostos, evidencia sinais da ampliao do poder de agir desses trabalhadores, o
sentido que o trabalho tem para cada um deles e as formas engendradas para
lidar com o imprevisto que se anuncia no dia a dia do labor.
Este estudo foi marcado por dilogos entre pesquisador e os servidores que se
dedicaram a conversar sobre o trabalho dos servidores tcnico-administrativos da
Ufes. A direo metodolgica escolhida possibilitou analisar o trabalho
considerando o modo singular como o trabalhador atualiza a atividade em uma
experincia. Como indicam Barros, Passos e Eirado (2014), tomar o trabalho
como atividade obriga a uma aposta metodolgica em que a pesquisa e a
interveno no se separam. Ao retomarmos a mxima socioanaltica no
conhecer para transformar, mas transformar para conhecer a realidade
entendemos que investigar a experincia em sua potncia ontogentica (criao e
modificao da realidade) desafia o pensamento a superar o modelo da
representao, apostando no carter criador de uma pesquisa. Conhecer no
representar a realidade de dado objeto, mas lanar-se em uma experincia de
criao de si e do mundo. Nesse sentido, conhecer a experincia do trabalho,
requer que se faa do trabalho de pesquisa uma escuta da experincia do
trabalho, uma pesquisa pensada no a partir do modelo da representao
(BARROS; PASSOS; EIRADO, 2014).
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Fonte: Foto produzida por Eurico
da vida que se trata, do arrepio que percorre a pele, do olhar que vagueia por outros sons, do ouvido que escreve outras palavras, das mos que sentem a textura de outras paisagens (LEILA DOMINGUES, 2010).
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2 CAMPO PROBLEMTICO DA PESQUISA
A proposta desta pesquisa emerge de minha atividade profissional como
servidora tcnico-administrativa da Ufes, ocupando cargo de administradora
porm, exercendo por vinte anos a funo de secretria administrativa do Centro
de Educao Fsica e Desportos (CEFD) da supracitada Universidade.
Ao longo desses anos como servidora federal, recordo de muitas histrias que
podem ser contadas: conflitos polticos ocorridos na Universidade, amizades
duradouras, casamentos desfeitos, vidas reconstrudas, colegas que se
aposentaram, colegas que chegaram, passagem de cinco diretores pelo CEFD,
enfim, uma vivncia construda a partir das situaes mais comezinhas aos
eventos pungentes. Entretanto, h um fato que tem se tornado marcante e
recorrente: a insatisfao e o desnimo de vrios colegas tcnico-administrativos
em suas diferentes funes, sobretudo, os servidores com mais tempo de servio
na Ufes. comum esses servidores comentarem que no se importam com o que
se passa na instituio, que a eles o que realmente interessa o salrio no final
do ms e, ainda, criticarem aqueles que trabalham com maior dedicao.Diante
desse cenrio, fui convocada a pensar como tais relaes tm se produzido e o
que tem contribudo para o desinvestimento dos servidores tcnico-
administrativos no trabalho. Encontrei nesse panorama o elemento propulsor para
o desenvolvimento desta pesquisa afinal, no so casos pontuais e particulares
de servidores, mas uma tendncia marcante de uma parcela significativa da
categoria. Assim, ciente de minha preocupao com as condies de trabalho e
sade do funcionrio tcnico-administrativo da Ufes, um amigo e ex-aluno do
curso de Educao Fsica da Ufes, convidou-me para participar do Programa de
Formao e Investigao sobre a Sade do Trabalhador (PFIST) do Ncleo de
Estudos e Pesquisas em Subjetividade e Poltica (Nepesp) ligado ao Curso de
Psicologia da Ufes e coordenado pela prof. Dr. Maria Elizabeth Barros de
Barros.
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22
Ingressei no PFIST/Nepesp no primeiro semestre de 2009, a princpio fazendo
parte de um grupo de estudos sobre a obra de Michel Foucault. No segundo
semestre do mesmo ano juntei-me, de fato, ao grupo de pesquisa. Fiquei muito
entusiasmada, pois se tratava de um grupo potente marcado pela diversidade,
composto por profissionais de diferentes reas, estudantes de iniciao cientfica,
mestrandos e doutorandos e, ainda, por outros pesquisadores que j haviam
passado por ali e voltavam para dar continuidade s pesquisas.
Celebramos bons encontros todas s segundas-feiras, sempre preenchidos pelo
nimo das conversas e o cheirinho do caf da manh. Os lanches compartilhados
eram um mote-contnuo de estmulos pesquisa. Como prazeroso rememorar
as aulas da Heliana Conde sobre O careca ( como ela apelida Michel
Foucault), realizadas na Associao de Docentes da (Adufes), mas s vezes
tambm na casa da Juliana Valado e Ana Segatto, as laranjas do quintal da
Jana Brito, descascadas pelo Jsio (o nico que conseguia descasc-las sem as
ferir), enquanto discutamos o trabalho a partir da clnica da atividade
protagonizada por Clot e colaboradores do seu grupo de pesquisa no
Conservatoire Nationale des Arts et Mtiers de Paris (CNAM)
Eram encontros permeados pelas intervenes sempre bem vindas de Jana
Mariano e Jsio Zamboni, pela serenidade de Luzimar e de Dulci, pelo estilo zen
de Fbio Hebert, pela quiche de Ana Paula Mattedi e pelas panquecas de Rafael.
Tambm no posso deixar de mencionar os encontros na casa de Jair para
estudar a obra de Spinoza com Ricardo Teixeira, os cheiros e sabores
maravilhosos dos almoos regados pluralidade das conversas engenhosas.
Registro, ainda, o aprendizado que se podia capturar durante as qualificaes e
defesas de mestrado e doutorado dos colegas e a fora e a sagacidade de Beth
Barros que transformava uma simples interveno em uma notvel aula,
deixando-me ainda mais entusiasmada. As idas Serra com o meu amigo
Ueberson, com sua alegria e senso crtico, visitando as escolas para a entrega
dos questionrios com o intuito de viabilizar a investigao sobre a sade dos
docentes do municpio da Serra, o tema principal das nossas pesquisas no
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PFIST. Tais caminhos percorridos contriburam sobremaneira no desenvolvimento
deste trabalho de pesquisa.
O meu primeiro encontro com a Ergonomia Francofnica e a Ergologia aconteceu
quando assistia a uma aula ministrada pelos professores Beth Barros e Rafael
Gomes para alunos do mestrado em Psicologia Institucional e para doutorandos
em Educao. Foi nessa ocasio que me encantei com a abordagem de Yves
Clot, psiclogo do trabalho e pesquisador do Conservatoire Nationale des Arts et
Mtiers de Paris (CNAM) e Daniel Faita, a abordagem terico- metodolgica
denominada Clnica da atividade, uma das clnicas do trabalho de linhagem
francesa. Essa abordagem me indicava um caminho interessante para pensar as
questes relativas ao trabalho que desenvolvamos na Ufes.
A experincia adquirida diariamente com o grupo PFIST/Nepesp foi salutar ideia
que se esboava em meus pensamentos. Ao estudar autores que at ento me
eram desconhecidos, abriram-se novos espaos para o desenrolar desta
pesquisa. Conhecer tericos como Michel Foucault, Gilles Deleuze, Yves
Schwartz, Georges Canguilhem, Baruch de Spinoza e, alm disso, conhecer as
pesquisas na rea de sade do trabalhador desenvolvidas pelo referido grupo,
influenciaram o percurso deste estudo.
O objetivo posto foi, portanto, promover a anlise coletiva do trabalho sob o ponto
de vista dos servidores tcnico-administrativos da Ufes, buscando conhecer as
alianas tecidas por esses servidores ao enfrentarem os imprevistos que
constituem qualquer realidade de trabalho; conhecer as formas de organizao e
gesto do trabalho; analisar as relaes que se efetivam no desempenho das
funes de servidores tcnico-administrativos, possibilitando a ampliao da
potncia de agir dos trabalhadores com vistas transformao do seu trabalho.
Foi empregada a fotografia, como dispositivo imagtico, para disparar o processo
dialgico
O momento de explorao, de sobrevoar o campo de pesquisa se efetivou a partir
de uma conversa com a orientadora do trabalho, a qual sugeriu que a
investigao fosse realizada em apenas um dos setores da Universidade, que foi
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24
o Departamento de Ateno Sade. Era um momento de muita dvida, no incio
da pesquisa, quando eu me perguntava a todo instante: qual caminho a ser
trilhado? Como trabalham os funcionrios tcnico-administrativos da Ufes? Quais
so os modos de gesto que esto em curso na instituio? Essas questes nos
conduziram a alguns caminhos que relato a seguir.
2.1 DE QUE ATIVIDADE FALAMOS?
A Ufes possui um setor denominado: Departamento de Ateno Sade
anteriormente denominado Secretria de Assuntos Comunitrios (SAC). Esse
setor responsvel pelos servios de assistncia sade, nas reas de ateno
e vigilncia sade e servio mdico e abriga tambm o centro de recreao. O
servio de ateno em sade mental surgiu na SAC em 2006, quando duas
psiclogas e uma psiquiatra foram contratadas via concurso. O servio social j
existia anteriormente e o trabalho dessas psiclogas era de acolhimento e
orientao a servidores e estudantes, bem como acompanhamento dos
servidores afastados em licenas mdicas, atendimento individual e em grupo,
controle dos exames peridicos e organizao de campanhas de sade.
Entretanto, com o pagamento da sade suplementar pelo Governo Federal e a
criao do Subsistema Integrado a Sade do Servidor (SIASS), os rumos do
trabalho desse setor mudaram um pouco. A Ufes passou a ser unidade de
referncia no Estado do Esprito Santo para os rgos federais em percia e, a
partir disso, comeou a dar apoio aos peritos (orientaes, avaliaes e alguns
acompanhamentos). Alm disso, foi instituda uma norma operacional em sade
mental, que orientou a equipe a deixar de exercer o papel de assistncia, de
atendimento propriamente dito, visto que o Governo Federal passou a pagar uma
parte do plano de sade. Assim, assistncia sade dos servidores passou a ser
realizada por meio do plano de sade, uma vez que estes so obrigados por lei a
oferecerem 40 sesses anuais de psicoterapia.
Aps a criao da Pr-Reitoria de Gesto de Pessoas e Assistncia Estudantil
(Progepaes) e as mudanas na antiga SAC que, como j dito, passou a se
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denominar Departamento de Assistncia Sade, duas psiclogas foram
convidadas para assumirem cargos de chefia em outros setores e uma assistente
social se afastou para licena mdica. Tais mudanas foram feitas de forma
repentina e o servio hoje tem seu foco na promoo, preveno e apoio
percia.
A entrada no campo aconteceu a partir de uma conversa com as psiclogas e a
assistente social do servio mencionado, dando incio primeira fase do processo
investigativo. Tais profissionais, por pertencerem ao quadro da instituio locus da
pesquisa, seriam informanteschave para que as questes relacionadas situao
dos trabalhadores pudessem ser pesquisadas no sentido de transformar para
compreender o atual estado de coisas na Universidade. Qual o estado da arte? O
intento foi a aproximao com questes disparadoras que pudessemlevar
anlise do trabalho pelos prprios servidores tcnico-administrativos em seu
ambiente laboral.
Essa conversa serviu de disparador e foi usada como orientao na construo
do caminho da pesquisa. Os depoimentos das profissionais, ressaltados a seguir,
foram, naquele momento, basilares, uma vez que levantaram questes-diretrizes
importantes que se sobrepuseram a algumas inquietaes que me levaram ao
mestrado,quais sejam: Como andam os processos de trabalho na Universidade?
Que efeitos tm produzido? Como anda a sade5 dos servidores da Ufes ? Quais
so suas demandas? Que estratgias tm sido criadas para lidar com as
adversidades do trabalho nessa Instituio Federal de Ensino Superior?
A Psicloga A, no dia 2 de outubro de 2014, concedeu o seguinte depoimento:
No incio, os servidores tinham resistncia, vinham com certa
desconfiana por conta da presena da junta mdica e por ser psicloga
da Universidade, para no serem prejudicados. Depois, houve aumento
da demanda, s que no uma coisa especfica, uma queixa do
5[...] a sade um poder de ao sobre si e sobre o mundo, adquirido junto dos outros. Ela est
ligada atividade vital de um sujeito, quilo que ele consegue, ou no, mobilizar de sua atividade pessoal no universo das atividades do outro; e, inversamente, quilo que ele chega, ou no, a utilizar das atividades do outro em seu prprio mundo. Portanto, se a sade encontra sua origem na preservao do que o sujeito se tornou, ela descobre seus recursos naquilo que ele poderia ter sido (CLOT, 2010, p. 111).
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26
trabalho, so queixas diversas, inclusive do trabalho, que denominamos
de poliqueixosos. s vezes o paciente vem com encaminhamento do
mdico. [No meio da conversa ela comentou sobre sua sala mofada].
Muitas vezes, reclamam pela falta de sentido no trabalho. Um exemplo
so os funcionrios novos admitidos na Ufes para o cargo de auxiliar
administrativo ou assistente em administrao, que um cargo de nvel
fundamental e o servidor possui especializao. Isso para a
Universidade muito bom por sua competncia e o mesmo consegue ter
um bom salrio equiparado com o mercado, com estabilidade, mas com
o tempo vai se cansar do trabalho que est fazendo, um trabalho
repetitivo, burocrtico para uma pessoa que tem uma formao a mais.
Alm disso, o quanto que a gente estimular ou permitir para ele daquilo
poder haver desvio de funo, que outra complicao para a
Instituio. A pessoa tem uma super qualificao para o trabalho que
no exige aquilo dela, e se acomoda e, por outro lado, h uma
insatisfao com a atividade que desenvolve. Ainda no conseguimos
direcionar os cargos de nvel superior com as atividades. Estou numa
funo temporria, tentando dar conta, e se pensar que ser
permanente, tambm adoeo. Outra coisa que ouo dos servidores
antigos que o que os mantm na Universidade so os colegas, eles
conseguem fazer boas relaes, so poucos amigos que podem contar,
mas tm uma relao bacana.
A Psicloga B, no dia 24 de outubro de 2013, relatou:
O servidor procura o servio psicolgico com reclamaes de
adoecimento no trabalho relacionado chefia, que no deixa de ser
tambm um processo relacionado ao trabalho. Entretanto, quando o
servidor chega ao nosso servio porque j foi esgotada a questo com
a chefia. No meu olhar, entendo que o trabalho fundamental nesse
processo deles estarem falando do adoecimento. Lgico que muitas
vezes enxergamos que h morbidade, questes familiares, ou individuais
que influenciam tambm, mas o trabalho est intrnseco, faz parte desse
sujeito e ele adoece. At na relao que constri com o trabalho, apesar
de no considerar que seja somente o trabalho. Entretanto, existem
muitos servidores que superam esse adoecimento e percebem que a
melhora imediata quando muda de setor. Quando a pessoa tem que
estar no setor, se reinventar, mudar a forma dela enxergar e lidar com a
relao no trabalho, a o processo costuma ser mais longo. No meu olhar
de psicloga, sinto que na Universidade o trabalho no tem sentido para
muitas pessoas, e a falta de sentido no trabalho que traz o
adoecimento. Muitas vezes as pessoas ficam aqui trabalhando por oito
horas, e esse trabalho no tem sentido para ela e ela vai adoecendo.
Discuto muito e falo: que trabalho esse que adoece, em vez de falar
que a pessoa n cego... Ser que a gente no pode fazer uma anlise
de outra maneira? Acho que a maioria das pessoas adoece porque o
trabalho vazio de sentido. O funcionrio no tem a noo do papel dele
ali, lgico, isso muito mais grave no tcnico-administrativo, mas
vemos no docente tambm. s vezes o docente nos procura com
problemas de relacionamento com os pares e chefias. muito distante
para o tcnico, qual o valor do trabalho dele diante desta lgica da
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Universidade, que tem uma desqualificao, sobretudo diante do
docente. Somos todos servidores, mas acho que essa uma relao
que foi criada l atrs, acho que no tem a ver com o hoje, pois os
tcnicos que entram atravs de concurso pblico possuem uma outra
postura e esto trazendo um outro tipo de problema. Voc tem um
funcionrio super qualificado para um cargo de auxiliar em
administrao, voc pega essa pessoa que possui doutorado e a funo
tirar cpias xerogrficas, fazer memorando e quem produziu isso foi a
lgica da sociedade, a lgica do trabalho. As pessoas esto fazendo
qualquer concurso para garantir estar nesse local, ter um meio de vida.
Elas entram felizes da vida, mas o dia a dia fica sem sentido e no
permitido o desvio de funo na Universidade. No ltimo concurso
passou um candidato psiclogo para trabalhar na creche, falamos: timo,
a creche precisa de um psiclogo, mas ele passou para o cargo de
assistente de creche, cuja funo trocar fralda, dar banho em criana e
com o tempo ser da mesma forma. Sou crtica ao atendimento
individualizado, que muito bom para o servidor que consegue ser
atendido, mas pssimo para a Instituio como um todo. No momento o
Servio possui trs psiclogos e se todo mundo atendesse 40 horas por
dia, o que impossvel, atenderamos somente 40 servidores. O
universo da Universidade abrange servidores tcnico-administrativos,
docentes e discentes. Acredito que enquanto psicloga da Diviso a
gente deveria fazer um trabalho preventivo nos setores, com outro tipo
de abordagem. Sempre fui defensora do planto a semana toda, pois
caso acontecesse alguma coisa pontual o planto ajudaria. Atualmente,
os plantes ocorrem nas teras-feiras. Entretanto, a Universidade ainda
possui um bom atendimento. Somente o Ministrio da Sade, o INSS e
as Universidades possuem um atendimento psicolgico como o nosso.
As profissionais mostraram um quadro preocupante apresentado pelos
funcionrios tcnico-administrativos da Ufes. Mesmo tendo algum conhecimento
da realidade vivida na Universidade, a conversa me deixou mais inquietada ainda
pelos seguintes problemas destacados: adoecimento no trabalho por conta de
chefia; sensao de falta de sentido no trabalho; no compreenso do seu papel
em meio lgica da Universidade e a individualizao dos problemas. Que
trabalho esse que adoece tanto? Um aspecto importante destacado foi que a
maioria dos tcnicos de nvel mdio, contratados a partir de concurso pblico,
possui qualificao superior ao exigido para cargo que ocupam o que provoca
descontentamento. Ento, como reinventar-se diante desse embarao que se
anuncia?
Alguns estudiosos da temtica pontuam que estar em atividade de trabalho
estar em um campo de permanente conflito. Para cada viela escolhida existem
outras tantas que foram abandonadas. Tais autores foram, ento,importantes
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parceiros na tarefa de analisar as situaes que os depoimentos das profissionais
indicavam e se articularam s questes disparadoras da pesquisa: Como
transformar-compreender os processos de trabalho na Ufes? Dentre esses
autores, destacamos: Amador (2007), Barros (2011), Brito (2004), Clot (2010),
Louzada (2007), Oddone (1981), Osrio (2007), Ronchi (2011) e Schwartz (2007),
que so alguns dos pesquisadores para os quais o sentido do trabalho exerce
uma funo importante no quadro da sade dos humanos, pois define a forma
como os trabalhadores lutam contra os agravos e infidelidades do meio. Indicam
que o combate aos agravos sade ocorre por meio de transformaes dos
processos de trabalho e nas relaes sociais que o enredam.
Como os trabalhadores pesquisados normatizam6 em situao de trabalho para
lidar com o que enfraquece e produz adoecimento? Que alianas so tecidas por
esses servidores? Esses questionamentos me conduziram ao longo da pesquisa
reafirmando as formulaes de Clot (2010, p. 121-122), para o qual o sofrimento
patognico7 provoca amputao do poder de agir e causa um enfraquecimento do
gnero profissional, entendido pelo autor como sendo:
[...] a parte subentendida da atividade e que os trabalhadores de
diversos meio conhecem e observam, esperam e reconhecem apreciam
ou temem; o que lhes comum reunindo-os, sob condies reais de
vida; o que sabem que devem fazer, graas a uma comunidade de
avaliaes pressupostas, sem que seja necessrio re-especificar a tarefa
a cada vez que ela se apresenta. como uma senha conhecida apenas
por aqueles que pertencem ao mesmo horizonte profissional.
Os servidores tcnico-administrativos, ao realizarem as prescries para eles
definidas, tais como redigir atas, arquivar documentos, fazer matrcula de alunos,
boletim de frequncia, marcao de frias, dentre outras, participam dos saberes
acumulados e conduzidos pelo gnero profissional, que se estilizam em cada
movimento realizado pelo trabalhador. Ao se falar de gnero profissional, no
6Achamos [...] que a vida no indiferente s condies nas quais ela possvel, que a vida
polaridade [...] que a vida , de fato, uma atividade normativa [...]. No pleno sentido da palavra normativo o que institui normas (CANGUILHEM, 2011, p. 80). 7Sofrimento patognico: a saber, o sofrimento que emerge quando todas as possibilidades de
adaptao ou de ajustamento organizao do trabalho pelo sujeito, para coloc-la em concordncia com seu desejo, foram utilizadas, e a relao subjetiva com a organizao do trabalho est bloqueada (DEJOURS, 1994, p.127).
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entanto, necessrio falar do estilo, pois so dimenses indissociveis. Na
concepo de Clot (2010) os gneros permanecem vivos devido a criaes
estilsticas.Entretanto, o mesmo no se deve dizer do estilo, uma vez que quando
no h dominao do gnero, no h criao de estilo. Podemos dizer que o
estilo o retrabalho do gnero e sua transformao no momento da ao. O autor
defende a idia de que os trabalhadores, a partir de suas atividades, podem criar
outros possveis, promovendo outros modos de existncia capazes de aumentar a
potncia de agir e enfrentar os desafios que os processos de trabalho colocam.
A partir das pistas que Yves Clot (2010) nos coloca, reafirmamos um dos
principais objetivos deste trabalho de pesquisa: quais so os instrumentos de luta
utilizados por esses servidores para ampliar seu poder de agir? Como enfrentam
as adversidades? Que modos inventam para driblar essas prticas com
premncias?Essas eram questes que orientariam as conversas sobre o trabalho
desses tcnicos na Ufes.
Ento, foi a partir desse primeiro contato com as profissionais do Departamento
de Assistncia Sade da Ufes, que fomos conversar com alguns servidores
tcnico-administrativos ocupantes do cargo de assistente em administrao,
tendo em vista o objetivo da pesquisa e, assim, delinear de forma mais precisa os
caminhos da investigao.
2.2 UM S FUNCIONRIO E MUITAS PRESCRIES
Em uma conversa com a servidora tcnico-administrativa da Ufes, Shirlei,8 fui
surpreendida por uma indagao:
Voc j olhou as atribuies desse cargo de assistente em
administrao? No queira olhar, porque triste... o faz-tudo. As
atividades dos tcnicos so atividades amplas, eles fazem muito. Est
na hora da gente brigar e exigir para nos encaixarmos melhor, porque a
lista de atribuio do tcnico covardia, faz tudo e exige-se tudo. E o
8 Por motivo de sigilo foram utilizados no decorrer do texto nomes fictcios.
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chefe est l. Se restringir isso a... a nossa proposta que isso
funcionasse.
At ento, no havia pensado nas questes colocadas pela servidora. Em seu
depoimento destaca-se a diversidade de atribuies para esses trabalhadores de
acordo com a descrio de cargos do Plano de Carreira do Cargo dos servidores
Tcnico-Administrativos em Educao (PCCTAE), 9 dentre as quais esto:
secretariar reunies; redigir atas, memorandos, portarias, ofcios e outros
documentos utilizando redao oficial; participar da elaborao de projetos
referentes a melhorias dos servios da instituio; executar rotinas de apoio na
rea oramentria e financeira; executar rotinas de apoio na rea de materiais,
patrimnio e logstica; acompanhar processos administrativos; tratar
adequadamente os documentos, procedendo ao registro de entrada e sada de
documentos no Sistema de Protocolo, bem como a triagem, distribuio e
arquivamento de documentos conforme procedimentos; digitar textos e planilhas;
preparar relatrios, formulrio e planilhas.10
Iniciei, ento, a segunda etapa do processo investigativo dando prosseguimento
s conversas com outros servidores interessados em participar da pesquisa,
alguns conhecidos, outros no. Quatro setores da Ufes foram visitados para
divulgao da pesquisa com o objetivo de viabilizar um encontro com um grupo
de servidores ocupantes do cargo de assistente em administrao dispostos a
falar sobre sua atividade laboral na Universidade. Foram agendados encontros
individuais com cada um dos servidores tcnico-administrativos que se
dispuseram a colaborar. A princpio, o servidor discorria livremente sobre o seu
dia a dia no trabalho, mas s vezes era necessrio aquecer o dilogo com
algumas questes de forma a dinamizar a conversa.
Em entrevista, no dia 11 de outubro de 2013, uma Assistente em Administrao,
com 22 anos de servio prestados Ufes, fez o seguinte relato:
9 Descrio dos cargos do PCCTAE, cdigo CBO-4110-10, encontrado no Portal da Ufes.
Disponvel em: . Acesso em:17 ago. 2013 (Ver Anexo A). 10
Maiores detalhes das atribuies dos tcnicos encontram-se no Anexo B.
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Venho para c sem preocupao e no tenho problemas com chefias.
um trabalho como outro qualquer, no desgosto, mas tambm no morro
de amores por ele. Trabalho bem e no sinto presso. O servio
intelectual tranquilo. A internet educou as pessoas a terem retorno
imediato como, por exemplo, acertar um computador, e na poca no
tinha estrutura nenhuma... Nunca tive problema de depresso, somente
quando fui trabalhar em outro campus da Universidade, localizado no
interior do Estado (para acompanhamento de cnjuge). Somente nos
trs dias que fiquei l, pois aquele lugar, sinceramente, tem que ter
interveno. Agora deve estar pior e a Ufes sabendo que aquilo uma
porcaria faz o que? Transforma as pessoas em servos. a caracterstica
da servido, ou seja, a mentalidade da Ufes ainda medieval. Eu falo e
provo. Em vez de resolver o problema l, eles vinculam o cidado
concursado a ficar no local por dez anos. Eu j no estava conseguindo
sair da cama para ir para o servio. Na verdade o que me segurava l
era minha cnjuge, por causa da retaliao que poderia haver com ela.
Eles no sabem a diferena entre um ser humano e uma vassoura velha
e isso aconteceu comigo. Isso com todas as chefias. E a vassoura
velha tem utilidade, mas no pode ser trocada com facilidade. Aquele
troo l est horrvel porque a Ufes daquele jeito, pois se fosse
diferente eles estariam intervindo l e negociando, organizando. Sou feliz
aqui onde estou hoje (aps retorno ao antigo local de trabalho no
campus de Goiabeiras). Basicamente, aqui h tranquilidade nos
relacionamentos humanos, compreendendo que aqui trabalho. Todo
mundo se respeita, embora tenha alguma dificuldade. A desvantagem de
lidar com o professor achar que todo mundo aluno, mas por outro
lado d para negociar, porque ele acredita que liberal, s chegar e
pressionar nesse sentido que fica mais flexvel. Nesse jogo democrtico,
eles ficam de trs a quatro anos na chefia, isso faz com que tenham que
tomar decises mais flexveis.
O relato expressa o conflito enfrentado pelo servidor ao ser confrontado com uma
situao, quando no foi dada a ele outra escolha. No entanto, a partir do
momento em que foi possvel mudar de setor e que a vassoura velha pode varrer
em outro domnio escolhido por ela, a possibilidade de mudana se anunciou
diante do que enfraquece, transformando o vivido.
A Assistente em Administrao, com 27 anos de servios prestados Ufes, em
entrevista realizada no dia 15 de outubro de 2013, relata:
Sinto-me muito sobrecarregada, mas em qualquer setor da Ufes que eu
v, porque j passei por vrios, vou continuar sobrecarregada. Porque
acho que o meu jeito de ser. Eu no saberia dormir sem ter produzido
nada. A minha cabea funciona assim, infelizmente. Perco o sono, lembro
de alguma coisa e tenho que escrever, porque no dia seguinte tenho que
lembrar. Isso quando durmo, preocupada com o servio. Isso tem afetado
muito minha sade. J passei por psiclogo, psiquiatra da Ufes, por conta
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de sobrecarga de trabalho. J mudei de setores vrias vezes e no fui feliz
em todos. Aqui, fao o que gosto, porm, por fazer o que gosto estou
sendo muito sobrecarregada, porque as pessoas ficam esperando que eu
faa. A no pode adoecer, pois tenho que estar sempre atenta a tudo,
porque as pessoas deixam mesmo. J adoeci por conta de chefia e quase
cometi suicdio. Por muito pouco, eu no via alternativa nenhuma, ou saia
da Ufes e no teria dinheiro para criar minha filha, porque sou separada.
Foi uma situao muito grave, eu no via nenhuma soluo para o caso e
eles no queriam me liberar do setor. Depois consegui liberao e
infelizmente adoeci. Atualmente minha imunidade abaixa por conta de
condicionador de ar, tenho laudo da junta mdica pericial. J ouvi at que,
onde vou estrago os aparelhos de ar! Sei que brincadeira mas chato,
pois no m vontade minha. Gosto do que fao e quando me defronto
com o problema de ter que trabalhar em ambientes muito gelados penso
muito antes de deixar o setor. Estou lutando contra o que me incomoda,
mas tambm no fao nada para melhorar, porque onde eu for eu vou
querer abraar o mundo. Fico no setor at o meu limite, quando comeo
adoecer o final e j estou em alerta. O que estou fazendo... estou
procurando no me envolver na medida do possvel, tentando amenizar o
trabalho. Vou voltar para a psiquiatra, vou voltar a pedir ajuda mdica.
Esse depoimento vai ao encontro do que foi relatado pelas psiclogas: o
adoecimento11 provocado pelo modo como o trabalho est organizado na Ufes.
Quais os processos de trabalho esto sendo produzidos na Universidade que
provocam adoecimento? Como desmanchar estratgias verticalizadas de gesto?
Em 15 de outubro de 2013, na entrevista, a Assistente em Administrao, com 31
anos de servios prestados Ufes, exps:
Dei a sorte de estar sempre trabalhando com pessoas boas, honestas,
principalmente as chefias imediatas que sempre me incentivaram e
deram oportunidade de desenvolvimento, alm do bom relacionamento
que sempre tive com os colegas. Sinto falta quando no venho trabalhar.
No adoeci por conta de trabalho. s vezes, a gente sofre algum
desapontamento com o colega de trabalho, e s vezes fica de cabea
baixa, so coisas que depois, com o passar do tempo, vai absorvendo e
tirando proveito tambm e sabendo que existem as diferenas, que cada
pessoa pensa de uma maneira e voc no deve e nem pode querer
mudar o pensamento de cada um. Trabalhei em outros setores com
servio puramente administrativo e, no setor atual, envolvi-me mais com
11A doena ainda uma forma de vida, mas uma norma inferior, no sentido que no tolera
nenhum desvio das condies em que vlida, por ser incapaz de se transformar em outra norma. O ser vivo doente est normalizado em condies bem definidas, e perdeu a capacidade normativa, a capacidade de instituir normas diferentes em condies diferentes (CANGUILHEM, 2011, p. 127).
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a parte acadmica, diretamente com o exerccio fim da Universidade que
a educao. Trabalhar com professor e aluno foi uma experincia
diferente e eu soube me dar bem com essa transio do servio
meramente tcnico para passar para o servio ligado educao. Minha
qualificao acadmica me fez superar algum desentendimento de uma
forma positiva, achando que todos ns somos funcionrios pblicos e
cada um tem uma funo. A funo do professor dar aula, o servidor
tcnico-administrativo tem que trabalhar na atividade meio, mas somos
todos funcionrios pblicos. Minha qualificao educacional me faz ter
esse conhecimento. S porque o professor professor ele no melhor
que oservidor tcnico-administrativo, cada um tem sua funo e isso no
me deixa abalar. Eu no permito ser pau mandado. Desenvolvo minha
atividade bem, com folga.No entanto, a dificuldade maior que no de
minha responsabilidade falta de responsabilidade de alguns colegas do
mesmo setor, porque a partir do momento que voc tem que
desenvolver suas atividades e contribuir com as atividades dos outros
colegas, a voc se sobrecarrega. Fora isso, meu servio no de
grande volume,no me atrapalha, fao-o com maior tranquilidade. Se
todo mundo fizesse o mnimo de sua jornada de trabalho, de seu servio,
no sobrecarregaria ningum e nem prejudicaria o atendimento ao
pblico, que quem realmente paga o nosso salrio.
Percebe-se, nessa fala, a insatisfao que acomete alguns servidores tcnico-
administrativos no que diz respeito relao de trabalho com os docentes.
Entretanto, afirma que o trabalho tambm funciona como produtor de sade: No
adoeci por conta do trabalho. De acordo com o relato de uma das psiclogas do
DAS, muito difcilpara o tcnico perceber qual o seu valor na Universidade onde
o servidor vive, de acordo com eles, uma desqualificao por parte dos docentes.
Aliada a essa questo, existe ainda um certo modo viver o trabalho por parte de
alguns servidoresque causa, segundo os tcnicos, um sobretrabalho 12 para
outros que se sentem prejudicados nessas relaes. Por outro lado, o relato
demonstra ainda um servidor que no se deixa imobilizar pelas adversidades
enfrentadas.
Uma Assistente em Administrao, com 3 anos e 8 meses de servios prestados
Ufes, em entrevista no dia 24 de outubro de 2013, narrou:
12
Sobretrabalho conceito criado por Marx (1994) a fora de trabalho retirada do trabalhador. Podendo tambm ser definido como [...] explorao da fora de trabalho humana por uma determinada classe social (forando o sobretrabalho e gerando a mais valia) (BOTECHIA; ATHAYDE, 2008, p. 46).
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Gosto do que fao e, apesar de no ser na minha rea de formao, o
ambiente de trabalho nesse setor muito bom. Eu acordo pensando: Ai
que bom que vou sair de casa para estar algumas horas no Centro! J
fiquei mal no trabalho, mas se passasse do estgio que estava eu diria
que adoeceria, mas conversei com a chefia e resolvi o problema. No
deixei a doena tomar conta de mim. No me sinto sobrecarregada no
trabalho, mas, s vezes, eu gostaria de ter algum para dividir a tarefa,
mas acho que dou conta bem, pois no gosto de ficar parada. Nesse
momento, estou sozinha no setor e estou conseguindo dar conta do
recado por enquanto.Considero-me uma boa funcionria, pois no tenho
cara de dar n cego e isso faz parte de mim. Vejo que as pessoas que
no cumprem com suas obrigaes e s querem o bnus da situao
no so prejudicadas, entendeu? Ento, na verdade, isso acaba quando
se uma boa funcionria, como tenho visto no dia a dia da correria em
geral, as pessoas querem minimizar as dores de cabea; isso j
aconteceu at comigo; tambm, com o prprio colega de trabalho. Tem
tanta coisa para pensar: por exemplo, se um funcionrio comea a
recusar a fazer as coisas, questionar tudo, sempre querendo arranjar
problemas em fazer as coisas e, para no se estressar, voc acaba
isolando aquela pessoa. Foi o que aconteceu comigo, tambm. Eu
percebo, tambm, que os professores, que so as pessoas que esto na
chefia, acabam deixando de lado aquele funcionrio ao qual eles j
recorreram inmeras vezes e no tiveram os problemas solucionados,
no tiveram retorno como eles gostariam que tivessem, e caem em cima
daquele que ele sabe que vai resolver. Hoje, estou sozinha no setor,
houve at uma tentativa de dividir as tarefas e aconteceu isso. A pessoa
sempre ficava enrolando... Enfim criou uma srie de questes, que eu
preferi no pedir mais nada, nem o coordenador. Ento preferi deixar,
seno eu ia adoecer, mesmo.
Nota-se, nesse depoimento, uma tentativa da servidora de no se deixar paralisar
diante dos imprevistos que se apresentavam durante a realizao das prescries
da sua rotina de trabalho, apesar de salientar as dificuldades encontradas no
coletivo de trabalhadores para a realizao das atividades.
A Assistente em Administrao, com 3 anos e 2 meses de servios prestados
Ufes, fez o seguinte relato na entrevista concedida no dia 28 de outubro de 2013:
Sinto-me realizada no servio pblico. o que sempre quis fazer. Nem
me vejo hoje em outra profisso que no seja aqui. Formei-me em
histria e no me vejo hoje em sala de aula. Sou mais realizada aqui no
servio administrativo. Nunca adoeci e no tive nenhum problema
profissional de relacionamento no setor at hoje, graas a Deus! H
perodos que a gente tem muito trabalho. No final do ano passado a
gente ficou muito sobrecarregada, uma doideira. sazonal, depende
do perodo do ano, s vezes fica sobrecarregado, s vezes fica tranquilo
e depende do setor em que voc est.
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possvel perceber por esse depoimento que a servidora se sente potencializada
e satisfeita em seu setor de trabalho e com seus pares, que mostra ter habilidade
em transitar com o coletivo de trabalhadores e que procura criar possveis no
trabalho, modos outros de trabalhar.
A Assistente em Administrao, com 31 anos de servios prestados Ufes, na
entrevista realizada no dia 23 de outubro de 2013, explicou:
Gosto do tipo de servio que eu fao, gosto de atender as pessoas, de
lidar com o ser humano. No adoeci no servio, porque sou uma pessoa
tranquila, procuro tirar por menos: Mas, quando eu entrei na
Universidade, tive uma chefe de Departamento e no sei porque ela agia
dessa forma comigo, no sei...ela tinha cime da antiga chefe que foi
chefe do Departamento por cinco anos, porque at ento, enquanto ela
era professora a gente se dava super bem. No final do ano, dava
presente, elogiava meu trabalho, mas, quando foi chefe comeou a gritar
comigo, com as pessoas que estavam no Departamento. At que um dia
eu no aguentei e falei que ela no poderia gritar comigo, e que eu no
era sua empregada, que era empregada do Governo Federal como ela.
Nesse momento, no houve discusso, mas eu no aguentava mais o
que ela estava fazendo; inclusive, eu j havia avisado na secretaria geral
o que ela estava fazendo comigo e com a outra funcionria. Eu me
coloquei disposio e fui para outro Centro Acadmico. No setor atual,
sou muito feliz. J trabalhei em outro setor muitos anos e tenho certeza
da minha importncia na rea, porque peguei chefias que no sabiam o
andamento do setor. Ento, abracei o meu setor, no sentido de fazer o
meu trabalho e o trabalho do Chefe. Muitas vezes, o funcionrio na
Universidade no valorizado, mas a maioria dos funcionrios da
Universidade faz o papel dele e de Chefe de Departamento, de um
Coordenador de um Colegiado; por ele estar ali e saber o dia a dia, o
trmite dos processos. Ele entende muito mais que um Chefe de
Departamento que entra para ficar numa chefia por dois anos. Eu sinto
que, na Universidade, poderia ter curso para orientar um Chefe de
Departamento, um Coordenador de Colegiado, de como ele pode ser um
bom gestor. Porque, s vezes, um bom professor, mas, na
administrao, pssimo, no entende nada, e, s vezes, atrapalha o
servio do funcionrio, que j sabe a tramitao de tudo, e fica no p do
funcionrio deixando-o estressado, principalmente os funcionrios novos
que esto em estgio probatrio, com medo e se sentindo meio
constrangido diante da atitude de algumas chefias. Quando eu era
secretria de um setor, me sentia muito sobrecarregada, tanto que eu
sa porque estava cansada. Foram anos e anos trabalhando sozinha,
pois as chefias eram s de fachada. S tinha o nome de Coordenador,
pois eu fazia toda a tramitao, inclusive de processos, coisas que o
coordenador tinha que fazer junto a Pr-Reitoria de Graduao e que
no me competia como secretria, sem contar a desvalorizao do
funcionrio. Eu tinha um cargo de secretria s no nome, nunca recebi
gratificao e isso desmotiva o funcionrio. Mas, como eu gostava muito
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do meu servio eu passava por cima disso a e me sentia muito
gratificada pelos alunos. A minha clientela que eu atendia me valorizava.
As conversas indicam um cenrio de satisfao de alguns servidores, mas
tambm de insatisfao por parte de outros que, por no se sentirem satisfeitos,
procuram um modo de driblar o enfraquecimento produzido nas situaes de
trabalho que poderia acarretar em adoecimento, seja por meio da mudana de
setor ou por meio de uma conversa com a chefia ou, ainda, por meio do desabafo
com o colega. So tentativas, de um modo ou de outro, no gesto de encontrar um
caminho que lhes proporcione prazer ao exercerem suas atividades. Criam
mecanismos pelos quais possam dissolver a nuvem de insatisfao que acomete
muitas vezes os servidores pblicos ao exercerem suas funes. Sobre esse
enfoque, Clot (2007, p. 14) confere o seguinte argumento:
Ningum tem o poder de aniquilar a atividade pessoal do trabalhador. Na
melhor das hipteses ela deslocada ou alienada. Mas possui sua
autonomia e nunca a simples medida das aes exteriores que hoje se
exercem sobre ela. A atividade a apropriao das aes passadas e
presentes de sua histria pelo sujeito.
Clot (2007) afirma que a anlise da atividade, na perspectiva aqui tambm
defendida, ocorre por meio de encontro de experincias compartilhadas entre os
sujeitos que, ao exercerem suas atividades fazem escolhas, improvisam e tomam
decises para viabilizar a tarefa prescrita. Clot (2010) estabelece a necessidade
de ir alm nesses conceitos com a definio de real da atividade como o que se
tenta fazer, o que no foi feito, o que se busca fazer sem conseguir os fracassos
, o que se pensou em fazer. O sonho tambm faz parte dessa atividade, o real
ultrapassa a prpria atividade e o [...] realizado no tem monoplio sobre o real
(CLOT, 2010, p. 104).
Clot (2011) argumenta, ainda, que o trabalho o vis que permitir driblar as
adversidades do trabalho no capitalismo, uma vez que a aposta diante do real, no
domnio do trabalho, no poder ser apreendida. Entretanto, indica que [...] a
perda pelo trabalhador do poder de agir em sua atividade igualmente uma
inatividade (CLOT, 2011, p. 73). Tambm Schwartz (2004) nos ajuda nessa
alegao quando pontua que trabalhar gerir as infidelidades do meio, fazendo
escolhas, correndo riscos.
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2.3 TORNAR-SE-SER FUNCIONRIO PBLICO
A deciso de colocar algumas questes para servidores tcnico-administrativos
visou principalmente um movimento de aproximao com esses trabalhadores.
Afinal, como pensam aqueles que tm essa profisso? Tornar-se, ser servidor
pblico, do que se trata?
Ser funcionrio pblico ter responsabilidade, mas acho que eu,
particularmente, escolhi ser funcionria pblica principalmente por causa
da estabilidade, de saber que eu vou poder ser gente, ou seja, que eu vou
estar num lugar em que vou poder pelos menos me defender dos
problemas que vo acontecer, ter voz e ter vez. Porque muitas vezes numa
empresa privada isso no acontece. Um funcionrio numa empresa privada
tratado como objeto, nem ser humano, uma mquina, que nunca
pode adoecer, nunca pode ter voz, nunca pode ter vez. E, pelo menos aqui,
no servio pblico, eu acho que posso driblar um pouco isso, tornar as
coisas mais leves, assumindo responsabilidades, o dever, e tambm tendo
retorno. Ter uma vida mais leve, sabe... E que as consequncias tambm
no sejam danosas para mim, porque viver para mim no s trabalhar...
trabalhar tambm. Acho que estar num ambiente de trabalho saudvel
melhor ainda, porque ningum quer trabalhar e ficar doente. Eu acho que o
que adoece as pessoas no trabalho so as relaes humanas, porque
trabalhar estar com pessoas, a no ser que voc fique isolado numa sala
(ASSISTENTE EM ADMINISTRAO, 3 anos e 8 meses como servidor
pblico).
Ser funcionrio pblico servir a sociedade, a gente nunca pode perder
isso de linha. s vezes, voc acha que s um emprego e vai l e
trabalha. Mas voc serve a comunidade, a sociedade... o principal isso,
tem que primar pelo atendimento de excelncia, pela boa educao. Tem
que atender as pessoas com ateno, educao e respeito, porque para
elas que a gente trabalha. Elas so nossos chefes acima de tudo, de
chefias, de Reitor. Acho que tem que ter excelncia no atendimento, o
objetivo no servio pblico. Eu me realizo sendo funcionrio pblico
(ASSISTENTE EM ADMINISTRAO, 3 anos e 2 meses como servidora
pblica).
Emprego pblico voc atender o pblico, a comunidade de Vitria [...].
Logo de cara eu gostei do que estava fazendo, eu gosto de lidar com o ser
humano, gosto de atender as pessoas. Coloco-me muito na situao de
uma pessoa que vai atrs, pedindo informaes. Ento, como a
Universidade muito grande as pessoas que no conhecem ficam muito
perdidas aqui dentro. Ento, eu procuro tratar da melhor forma possvel, e
quando chega uma pessoa que s vezes no tem nada a ver com meu
setor, eu procuro orient-la, pois me vejo na situao de ficar perdida
numa cidade que voc no fala o idioma. Ento muito complicado...
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quando no sei, procuro ligar para o setor para orientar, porque gosto de
ser bem atendida aonde eu vou. Ento, eu atendo muito bem os alunos do
Curso, porque sem o pblico, tanto interno quanto externo, eu no teria
trabalho, eu no estaria na Universidade. Ento, meu papel, meu dever,
atender da melhor forma possvel. Eu gosto de ser funcionria pblica, eu
fao jus a minha profisso. s vezes, me envergonho quando vejo algum
falar que foi mal atendido por funcionrio. Isso me deixa extremamente
aborrecida (ASSISTENTE EM ADMINISTRAO, 31 anos como servidor
pblico).
Meu ingresso no servio pblico no foi via concurso, nem tampouco foi
uma atividade planejada, foi questo de oportunidade de emprego. No
entanto, a partir do momento em que assumi essa funo, no me recordo
de ter me arrependido em algum momento. Financeiramente deu-me
respaldo para planejar e concluir diversas etapas de minha vida
profissional e particular. Assim, ser servidor pblico, bem mais que obter
vantagens,ensinou-me a gostar do que fao, ser responsvel e
corresponsvel pelo servio prestado a aqueles que geram os recursos
dessa mquina administrativa. Ser servidor pblico se sentir numa
vitrine, em exposio. ser responsvel pelo errio pblico, pelo
patrimnio pblico. se sentir morador de um condomnio, todos so
responsveis pelos direitos, deveres e bem estar dos demais condminos.
ter em mente: quando voc no trabalha algum est trabalhando para
voc, quando voc desvia uma verba, algum ir pagar por voc. Ser
servidor pblico prestar servio (de qualidade) ao pblico (ASSISTENTE
EM ADMINISTRAO, 31 anos como servidor pblico).
O artigo Servidor pblico: um enfoque para a atualidade, de Eliane Boscardin
(2010), apresenta um prisma histrico de relevncia inegvel, que aqui retomo
brevemente. Sua pesquisa indica que os servidores do Estado na Roma antiga
eram investidos de autoridade e representavam a polis (cidade-estado). Ainda
nessa linha de pensamento, porm num salto histrico e geogrfico, sabido que
com a chegada de Dom Joo VI e a famlia real ao Brasil, em 1808, foi criado o
servio pblico atravs de assessores e pessoas ligadas corte instalada no Rio
de Janeiro. Todavia, antes disso, ainda no Brasil a partir do seu descobrimento, o
funcionrio pblico se fez presente na figura de Pero Vaz de Caminha e dos
Governadores Gerais. O desenvolvimento do Brasil Colonial conferiu importncia
ao trabalho administrativo e, ao longo da histria poltica do Pas, o funcionrio
pblico sempre esteve presente, contribuindo para o avano da mquina
administrativa e o desenvolvimento da nao Brasileira. A denominao
Funcionrio Pblico abrange os servidores do Municpio, do Estado e do
Governo Federal.
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O Decreto nmero 1.713, de 28 de outubro de 1939, foi um dos primeiros
documentos que concretizou as normas referentes aos funcionrios pblicos. Em
1943, o Presidente Getlio Vargas instituiu em 28 de outubro a data para celebrar
o dia do Funcionrio Pblico. No dia 11 de dezembro de 1990, foi designada a Lei
nmero 8.112, responsvel pela alterao do Decreto-Lei 1.713/39, atravs da
qual foi substitudo o termo funcionrio pblico para servidor pblico. A referida
Lei provocou uma inovao por ter aglutinado os servidores pblicos civis das
Autarquias e os das Fundaes Pblicas Federais, pertencentes Administrao
Pblica Indireta, realizando atividades tpicas da administrao como prestao
de servios pblicos. A Constituio Federal de 1988, por meio do artigo 39,
estabelece e define os direitos e deveres dos servidores pblicos.
A implantao de polticas de ajuste e reestruturao do setor pblico teve incio a
partir de 1990 e culminou em medidas restritivas no emprego pblico, sobretudo
em nvel federal, tais como: demisses de funcionrios pblicos no estveis,
incentivo aposentadoria, limitao de novas contrataes, terceirizao de
servios e o plano de demisso voluntria. Tais medidas intencionavam a
conteno de despesas, entretanto, esse corte de pessoal afetou a realizao das
atividades-fim, como a educao e a sade, prejudicando seriamente a qualidade
dos servios pblicos essenciais oferecidos populao brasileira.
Para Gasparini (2012, p. 224), servidor pblico pode ser cognominado como: [...]
uma gama de pessoas fsicas que se ligam, sob regime de dependncia,
administrao pblica direta, indireta, autarquia e fundacional pblica, mediante
uma relao de trabalho de natureza profissional e perene para lhes prestar
servios.
O autor aponta que os servidores pblicos podem ser denominados estatutrios e
celetistas. O regime estatutrio um regime de cargos atravs do qual os
servidores esto ligados administrao pblica direta, autrquica e fundacional
pblica de forma Institucional. Enquanto o regime celetista est ligado
administrao pblica, direta, autrquica e fundacional por meio de um vnculo
contratual. Os servidores pblicos, ao tomarem posse no servio pblico, ocupam
um cargo que definido pela Lei Federal n.3.780/60, no artigo quarto, I como: O
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conjunto de atribuies e responsabilidades cometidas a um funcionrio, mantidas
as caractersticas de criao por lei, denominao prpria, nmero certo e
pagamento pelos cofres pblicos da unio (GASPARINI, 2012, p. 319). Para o
autor, o cargo no dever ser confundido com funo; contudo, todo cargo possui
uma funo, sendo esta apenas uma concesso de atribuies atribuda ao
servidor pblico.
Pelo vis de Romano (2005), a idia de pblico surgiu no sculo XVIII, aps a
Revoluo Americana e Francesa, quando foi outorgada ao poder do Estado a
base para que lhe fosse permitido impor as polticas a serem implementadas e
adotadas pela sociedade civil. A distino entre sociedade civil e Estado tambm
se derivou no sculo XVIII. Para o autor, no sculo XX houve uma recuperao,
por parte do Estado, da Universalidade, pois at ento esta era centrada na
opinio pblica, nas instituies difundidas na sociedade civil, na imprensa e nas
Universidades. No Brasil, o pblico surgiu para constituir uma tica poltica tpica
uma vez que os municpios no possuam recursos para a construo de
benfeitorias de uso comum como estradas, pontes e prdios. Os homens ricos,
que geralmente exerciam a funo de vereadores ou prefeitos, disponibilizavam
dinheiro e mo de obra, geralmente escrava, para a execuo das obras.
Entretanto, uma boa parcela dessa classe social achava natural um emprstimo
por parte dos municpios em caso de dificuldade e essa prtica foi aceita pela
massa com excluso da igreja e dos servios pblicos a favor do Estado laico:
[...] percebe-se um caroo que no se funde no pblico estatal. Em todas as
prticas nacionais mdica, educacional, etc. encontra-se esta realidade da
no-fuso plena entre pblico e estatal (ROMANO, 2005, p. 40).
Sader (2005) aponta que a primazia do pblico assumiu inmeras formas, este
muitas vezes sendo confundido com estatal. O pblico, a nao, a classe e a
comunidade foram evocados para requerer a recusa ao plano individual, muitas
vezes falando em nome do pblico quando na realidade se estava falando em
nome do Estado.
Associando vertente dialogada deste trabalho, o que foi brevemente traado at
aqui a conversa com os servidores e uma breve reviso de literatura sobre a
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constituio do servio pblico no Brasil , buscando ressaltar a importncia do
desenvolvimento do trabalho dessa categoria na sociedade, lanaram-se as
primeiras linhas para o desenvolvimento de uma pesquisa pautada nos princpios
metodolgicos da clnica da atividade, qual seja, analisar coletivamente o trabalho
desenvolvido por servidores tcnico-administrativos da Ufes. A partir desse
objetivo, foi realizado um primeiro encontro com dez servidores tcnico-
administrativos de diversos setores da Ufes, ocupantes do cargo de assistente em
administrao, os quais constituram o grupo associado. Por insistncia e
prudncia da orientadora do trabalho, com o propsito de produzir um olhar
estrangeiro, tambm participaram dos encontros, em alguns momentos, uma
aluna do Curso de Psicologia, bolsista de Iniciao Cientfica e companheira do
PFIST/Nepesp, Tatiane Aguiar e um psiclogo, analista do trabalho e tambm
companheiro do PFIST/Nepesp, Jsio Zamboni.
Esta foi uma importante estratgia metodolgica por se tratar de um grupo de
servidores tcnico-administrativos, que referenciava, reconduzia, ressignificava a
atividade da pesquisa. O grupo se reunia regularmente sempre que era
necessrio repensar os passos seguintes da pesquisa, de forma que as
conversas alimentavam a produo de imagens do campo de trabalho. Tal
estratgia produziu uma interessante aliana e grupalidade que imprimia desvios
na conduo da pesquisa. A maior parte do grupo foi constituda pelos servidores
com os quais mantive contato no primeiro momento da pesquisa, como j
apresentado no incio deste captulo. Entretanto, outros servidores interessados
em fazer parte do estudo juntaram-se ao grupo e os mesmos trabalhavam em
secretarias de Centro, secretarias de Departamentos, setores responsveis por
xerografia, chaves, manuteno de espaos, exames peridicos, aplicao de
provas para concurso.
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Fonte: Foto produzida por Roberto
Acreditar, no mais em um outro mundo, mas na vinculao do homem e do mundo, no amor ou na vida, acreditar nisso como no impossvel, no impensvel que, no entanto, s pode ser pensado: algo possvel seno sufoco (DELEUZE, 1990, p. 205).
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3 UM ENCONTRO: TRAANDO ALGUMAS PISTAS
O primeiro encontro com o grupo associado, composto por trabalhadores tcnico-
administrativos ocupantes do cargo de assistente em administrao da
Universidade Federal do Esprito Santo, aconteceu em uma bela manh de
outono do ms de maio, de sol brilhante e cu azul. Apesar de apreensiva, estava
alegre, pois celebrava a terceira etapa da pesquisa. Esse dia foi muito esperado e
idealizado e, sendo assim, tudo precisava sair a contento e cada detalhe foi
pensado cuidadosamente. Os preparativos para o evento projetaram o
compromisso dedicado a cada pormenor da pesquisa. Assim, uma toalha
rendada, biscoitos sortidos, sucos, bolo, caf fumegante e flores de boas-vindas
colhidas por uma querida amiga promoveram um ambiente de acolhimento e
cordialidade quele momento.
Aos poucos os trabalhadores foram chegando, olhando timidamente ao redor,
surpresos com o panorama atrativo, cumprimentando-se e procurando um lugar
onde pudessem se acomodar. O grupo associado foi constitudo de forma
heterognea, alguns membros tinham longo tempo de servio, outros estavam
beira da aposentadoria, e outros tinham acabado de adentrar a Universidade.
Esses servidores se dispuseram a discutir suas atividades laborais e ali estavam
tomados de muita inquietao.
Ao iniciar o encontro, disse ao grupo o quanto aquele momento era importante
para continuidade do trabalho. Em seguida, passei a palavra aos trabalhadores
para as apresentaes iniciais e apresentei a aluna do Curso de
Psicologia,Tatiane Aguiar, que participaria de alguns encontros a fim de
acompanhar as atividades do grupo. Aps as apresentaes, iniciais o grupo
questionou sobre a escolha dos tcnico-administrativos como foco de estudo, ao
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que expliquei que a Ufes possui um quadro permanente de 2.22213 servidores
tcnico-administrativos, do qual tambm fao parte, e que para o objetivo da
pesquisa foi eleito o cargo de assistente em administrao por esse corresponder
ao maior nmero de servidores, a saber, 488.
Em seguida, apresentei a metodologia que seria utilizada e esclareci que a opo
por trabalhar com a clnica da atividade se deu por acreditar que tal abordagem
pudesse dar visibilidade relao inventiva do trabalhador no trabalho, de forma
que sua relao com os processos laborais no estaria centrada apenas na luta
contra o adoecimento, mas, principalmente, no carter inventivo de novas formas
de vida. Esclareci, ainda, que escolhi utilizar a fotografia como dispositivo
metodolgico e que a escolha desse mtodo, utilizado por Osrio (2011) e seu
grupo de pesquisa prope um procedimento diferenciado quando a fotografia
produzida pelo prprio trabalhador que passa a exercer o papel de protagonista
no processo. Houve muito burburinho nessa hora; entretanto, aps uma
cuidadosa explicao de que o servidor poderia fotografar cenas do seu cotidiano
laboral que lhes parecesse mais interessante, sem nenhum critrio a priori por
parte da pesquisadora, o grupo acolheu a proposta. Em meio a muitas conversas
e inquietaes, aos poucos, o grupo foi entrando na discusso sobre o que
fotografar:
Eurico:14
Tenho vrias fotos de obras do setor, para mostrar a evoluo
das mesmas. Mas, nesse meio, s vezes, tiro fotos de outras coisas que
fazem parte do setor e acho muito legal, tem uma paisagem bacana,
passarinhos.
Eunice: Eu posso tirar, mas no tenho mquina.
Beatriz:Isso a gente arranja.
Selma: Eu, por mim, deixaria livre para fotografar o que quiser.
Sumara: Acho que deveria deixar aberto, cada um tira foto do que
quiser, depois no segundo momento escolhemos e discutimos.
13
Dados retirados do Sistema Integrado de Administrao de Recursos Humanos (SIAPE). Maiores especificaes ver no Anexo A. 14
Foram utilizados nome fictcios por motivo de sigilo.
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Eunice: At porque quem for fotografar vai fotografar seu setor.
Beatriz:No precisa ser o setor, pode fotografar livremente cenas do
cotidiano de trabalho.
Roberto: Acho interessante a pessoa fotografar aquilo que incomoda,
no s do que incomode como tambmdo que tenha um valor positivo,
mas so sempre muito bem-vindas as outras pessoas de fora, que
naturalmente esto vendo uma coisa que bate em relao ao ambiente
em que est.
Beatriz: Vocs acham que a sugesto de Roberto de fotografar o que
ajuda e o que atrapalha uma boa idia? O que voc acha disso
Tatiane?
Tatiane: Acho que a idia de generalizar a pesquisa, do que potencializa
ou desgasta, no interessante. Se for focar nessa ideia, vai ficar
tocando nisso todo o tempo.
Beatriz: Prestem ateno, somos um grupo heterogneo, trabalhamos
em setores heterogneos e podemos definir o que ser fotografado ou
se vamos acatar a sugesto de Roberto de fotografar o que incomoda ou
o que ajuda.
Shirlei: O pessoal tem mania de ver o lado ruim das coisas, tem que
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