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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
DOUTORADO EM HISTRIA
JOS VIEIRA DA CRUZ
DA AUTONOMIA RESISTNCIA DEMOCRTICA:
MOVIMENTO ESTUDANTIL, ENSINO SUPERIOR E A SOCIEDADE
EM SERGIPE, 1950-1985
Salvador Abril/2012
2
JOS VIEIRA DA CRUZ
DA AUTONOMIA RESISTNCIA DEMOCRTICA:
MOVIMENTO ESTUDANTIL, ENSINO SUPERIOR E A SOCIEDADE
EM SERGIPE, 1950-1985
Tese submetida apreciao do Programa de Ps-
graduao e Pesquisa em Histria da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial para
obteno do ttulo de doutor, na rea de
concentrao em Histria Social.
Pesquisador: Jos Vieira da Cruz
Orientador: Prof. Dr. Muniz Gonalves Ferreira
Salvador Abril/2012
3
C957d Cruz, Jos Vieira da.
Da autonomia resistncia democrtica: movimento estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985. / Jos Vieira da Cruz; orientador Muniz Gonalves Ferreira. Salvador: PPGH/UFBA, 2012.
527 f.: il.
Inclui bibliografia
Tese submetida para apreciao do Programa de Ps-Graduao e Pesquisa em Histria da Universidade Federal da Bahia, como requisito. parcial para obteno do ttulo de doutor, na rea de concentrao em Histria Social.
1. Movimento estudantil. 2. Ensino superior. 3. Sociedade civil.
4. Ditadura civil-militar Sergipe. I. Ferreira, Muniz Gonalves. (orientador). II. Universidade Federal da Bahia (UFBA). III. Titulo
CDU : 371.899 378(813.7)(091) 981.088
4
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
DOUTORADO EM HISTRIA
DA AUTONOMIA RESISTNCIA DEMOCRTICA:
MOVIMENTO ESTUDANTIL, ENSINO SUPERIOR E A SOCIEDADE
EM SERGIPE, 1950-1985
Pesquisador: Jos Vieira da Cruz
Orientador: Prof. Dr. Muniz Gonalves Ferreira
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A meus avs, Crescncio e Valera (in memorian) e Ciro e
Conceio (in memorian), ouvindo vocs aprendi que existem
outras histrias;
A meus pais, Jos Inveno, seu Inveno (in memorian), e a
Gracelina, dona Celina, pela retido e exemplo de vida;
A meus irmos Jorge Vieira e Vilma Vieira, pelo apoio e incentivo;
A meus sobrinhos Vincius, Larissa, Joo Lus, Leonardo, Pedro,
Gabriel e Arthur, pela alegria que representam em nossa famlia;
minha esposa Aldair, pela pacincia, compreenso e apoio no
curso desta jornada;
E memria daqueles que no hesitaram em organizar-se para lutar
por seus direitos e ideais.
6
Agradecimentos
A elaborao de uma tese no uma empreitada fcil e nem rpida. E no curso
desta caminhada, para fazer jus s pessoas que estiveram ao meu lado ou prximas
prestando seu apoio, incentivo e amizade, preciso ao menos registrar o meu agradecimento
como forma de reconhecimento. E esta tarefa por si s tambm no fcil. Afinal, foram
tantas pessoas, em muitas ocasies, que mencion-las envolve o risco de esquecer algum
ou no dimensionar a importncia que cada uma delas teve ou tem. Mas, mesmo assim,
sob a guilhotina desse risco, preciso agradecer...
Aos meus familiares avs, pais, irmos, sobrinhos e minha esposa , a quem
tambm dedico este trabalho, pela pacincia, estmulo e apoio que sempre depositaram em
mim. Sem vocs nada disso teria sentido nem seria possvel!
Aos colegas e amigos que estimularam na deciso de iniciar esta nova etapa
acadmica e profissional, em particular, ao prof. Fernando S, pelas primeiras orientaes
e estmulos; ao prof. Jos Maria, pela orientao no mestrado; e aos professores Rogrio
Proena, Paulo Neves, Lourival Santos, Fbio Maza, Liberato, Romero Venncio, Ruy
Belm, Afonso Nascimento, Vernica Nunes, Lenalda Santos, Terezinha Oliva, Sharyse
Piropo, Jos Carlos Reis, Ronaldo Aguiar, Ricardo Bechelli, Josefa Eliana, Mnica
Cristina, Ester Mambrini e Clia Cardoso, pelo incentivo.
Aos (as) companheiros (as) e amigos (as) de viagens, e-mails, telefonemas e
conversas de todas as horas: Magna Menezes, Joceneide Cunha, Sheyla Farias, Pedro
Abelardo, Dnio, Jos Mrio, Andra Ribeiro, Cristina Valena e Eugnia Vieira.
Aos colegas de trabalho e amigos Maria Zelita, Jason, Antonio Bittencourt, Maria
Ione, Fabiana Dias, Nbia Lira e Vnia pela compreenso e flexibilidade nos momentos
em que foi necessrio refazer horrios e compromissos para cumprimento de atividades no
decorrer deste doutorado.
Secretaria Municipal de Educao de Aracaju e Secretaria de Educao do
Estado de Sergipe pela licena para estudos de carter remunerado, necessrias para a
viabilizao dessa pesquisa. Neste sentido, fica o agradecimento s autoridades que tm o
discernimento e a sensibilidade tanto de interpretar como de fazer cumprir a lei em favor
da qualificao dos profissionais de ensino que atuam na rede pblica estadual e na rede
pblica municipal.
7
Soraia, pela recepo atenciosa dispensada, seja na secretaria do PPGH/UFBA
seja na secretaria do IFCH e pela amizade.
Aos funcionrios da Biblioteca da UFS; da Biblioteca da UNIT, da biblioteca
Epifnio Dria; do Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe; do Arquivo Pblico de
Sergipe; do Instituto Dom Luciano Duarte, do Arquivo Nacional, da Biblioteca Nacional,
do Arquivo do Poder Judicirio de Sergipe, do Arquivo Central da Universidade Federal de
Sergipe, neste ltimo caso, em particular a pessoa de sua diretora, Zenilde.
A Adilson Oliveira Almeida, pela atenta e criteriosa reviso gramatical do texto
desta tese. E a Amlia Berger, pela reviso do abstract.
Ao meu cunhado Adeilton Smith, pelo suporte tcnico, prontido e eficincia com
que solucionou os problemas com os equipamentos e os programas de informtica
utilizados nesta pesquisa.
Aos estudantes do curso de Histria da Universidade Tiradentes que participaram
e que participam, sob minha orientao, do projeto Vozes de um passado presente:
estudantes, artistas, intelectuais e militantes polticos em Sergipe na segunda metade do
sculo XX. O dilogo e a convivncia com vocs enriqueceram os caminhos desta
pesquisa e tm contribudo para alargar o conhecimento das fontes sobre Sergipe no
perodo em discusso. Agradeo a todos vocs!
Aos colegas PPGH/UFBA, Bruno, Fernando Medeiros, Andra Bandeira,
Halisson Barreto, Jacira, Jamile, Sheyla, Izabel, Cristiane, Patrcia, Joceneide, Pedro,
Joaquim Tavares e Luizo, pelo convvio nas disciplinas e/ou nos encontros em Salvador,
em Aracaju, em So Lzaro e nos eventos pelo Brasil afora.
Aos entrevistados Jos Alexandre Felizola Diniz, Zelita Rodrigues Correia dos
Santos, Agla Fontes Dvila de Alencar, Clodoaldo de Alencar Filho, Guido Azevedo,
Lus Antonio Barreto, Ivan Macedo Valena, Jos Silvrio Leite Fontes, Jos Carlos
Mesquita Teixeira, Jos Maria do Nascimento, Jos Roberto dos Santos, Joo Augusto
Gama da Silva, Dlson Menezes Barreto, Araci Bispo do Nascimento, Jackson S
Figueiredo, Wellington Dantas Mangueira Marques, Joo Bosco Rolemberg Crtes,
Antonio Bittencourt Jnior, Carlos Roberto da Silva, Edvaldo Nogueira, Jos Franco
Azevedo, Silvana Nascimento Barros, Antonio Fernandes Viana de Assis, Josu Modesto
dos Passos Sobrinho, Ruy Belm de Arajo, Milton Alves, Laura Maria Ribeiro Marques,
Afonso Nascimento, Jos Luciano Gis de Oliveira, Jos Ibar Costa Dantas, Domingos
Flix de Santana Neto, Irineu Silva Fontes Jnior, Antonio Alves do Amaral, Josia Maria
8
de Oliveira Ramos, Rosalvo Alexandre de Lima Filho, Maria de Lourdes Rodrigues
Correia, Iara Viana de Assis, Tnia Soares de Souza e Ana Maria Santos Rolemberg
Crtes, pela desprendida ateno com que nos receberam ou receberam os integrantes do
projeto Vozes de um passado presente, contribuindo substancialmente para o
enriquecimento deste trabalho e de outras pesquisas.
Ao professor Jos Afonso Nascimento, pela indicao de fontes importantes a
respeito do Centro Acadmico Silvio Romero, pelos dilogos oportunos e pelo constante
incentivo.
Ao professor Jos Ibar Costa Dantas, intelectual devotado pesquisa, pela
indicao de fontes, pela disponibilizao de seu acervo bibliogrfico, pelas constantes
interlocues na construo desta tese e, sobretudo, pela sua amizade e ateno.
Aos professores do PPGH/UFBA: Antnio Guerreiro, Lina Aras, Israel de
Oliveira, Gabriela dos Reis, Evergton Sales, Conceio Espinheiro, Maria Hilda, Lucileide
Cardoso, Lgia Bellini, Carlos Zacarias e Dilton Oliveira, pelas discusses, sugestes e
ateno.
Aos membros da banca de qualificao, professora Lucileide Costa Cardoso, aos
professores Antnio Maurcio Freitas Brito e Muniz Gonalves Ferreira, pelas crticas
construtivas, ponderaes e sugestes ao corpus desta tese.
Aos membros da banca de defesa dessa tese, s professoras Lucileide Costa
Cardoso, Sandra Regina Barbosa da Silva Souza e Clia Costa Cardoso, aos professores
Antnio Maurcio Freitas Brito, Antnio Fernando de Arajo S, Eurelino Teixeira Coelho
Neto e Muniz Gonalves Ferreira, por aceitarem o convite, pela leitura e pelas
contribuies ao corpus desta tese.
No posso deixar de agradecer, em especial, ao professor Dr. Muniz Ferreira, pela
confiana depositada ao nos aceitar como orientando, pela ateno, profissionalismo e
segurana com que conduziu a orientao para construo desta tese.
Evidentemente, os agradecimentos constantes neste registro s pessoas que
contriburam para o bom andamento desta tese, no me eximem de assumir eventuais
lacunas, falhas ou erros que porventura ela possa vir a ter. Afinal, todo trabalho de
pesquisa um contnuo exerccio de interpretao e escrita, um work in progress. Mas,
enfim, obrigado a todos que me acompanharam at este novo ponto de partida!
9
CRUZ, Jos Vieira da. Da autonomia resistncia democrtica: movimento estudantil,
ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985. Salvador: PPGH/UFBA, 2012 (Tese
de doutorado).
RESUMO
Esta tese sobre o movimento estudantil, o ensino superior e a sociedade em Sergipe, no perodo de 1950 a 1985, busca compreender como parte da intelectualidade, dos profissionais, dos artistas e dos polticos, com formao superior obtida no estado, passou a renovar e/ou a reproduzir as disputas pelo poder poltico local. As discusses a respeito dessas experincias, analisadas a partir de fontes escritas e orais, permitem abordar dois perodos histricos distintos, mas que se inter-relacionam. Por esta razo, a presente tese encontra-se dividida em duas partes. Na primeira, Autonomia e participao em tempos de nacionalismos e reformas, abrangendo o perodo de 1950 a 1964, focalizado como os estudantes organizaram-se para garantir sua autonomia poltica e, tambm, a luta que travaram, juntamente com a Igreja Catlica e outros segmentos da sociedade, para criao de uma universidade no estado. J na segunda parte, Do ilusrio transitrio resistncia democrtica, iniciada com o golpe civil-militar de 1964 e estendida at o perodo da redemocratizao em 1985, so enfatizados as experincias desses estudantes no cenrio de interveno, controle e vigilncia por parte da ditadura civil-militar brasileira que passou a restringir as garantias do estado de direito e do exerccio das liberdades democrticas da sociedade e, consequentemente, dos estudantes e de suas entidades representativas. Em torno desses dois eixos, a partir da discusso das noes de classe, juventude, intelligentsia, intelectuais, sociedade civil e hegemonia, entre outras, discutir-se-, inicialmente, como a historiografia tem abordado o tema e a forma de atuao desses estudantes dentro e fora dos grandes centros urbanos do pas. Essa anlise tende a revelar singularidades e inter-relaes com os estudos j produzidos, no se restringindo aos clssicos quatro primeiros anos posteriores ao golpe de 1964, nem a interpretaes centralistas, uniformes e invariveis, muito menos noo exclusivamente econmica e poltica do processo social no qual os estudantes so, geralmente, relacionados. Em lugar disso, ela procura compreender o contexto e as temporalidades em que esse movimento e seus participantes vivenciaram suas diferentes experincias sociais, culturais e polticas. Palavras-chave: movimento estudantil, ensino superior, sociedade civil, ditadura civil-militar, Sergipe.
10
CRUZ, Jos Vieira da. Da autonomia resistncia democrtica: movimento estudantil,
ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985. Salvador: PPGH/UFBA, 2012 (Tese
de doutorado).
ABSTRACT
This thesis about the students movement, higher education and society in the State of Sergipe, Brazil, from 1950 to 1985, aims at understanding how part of the intellectuals, professionals, artists and politicians who have obtained their university degrees in the state of Sergipe began to renovate and/or reproduce the dispute for local political power. Discussions about those experiences, which were analysed through written and oral sources, led the approach of two different but interrelated historical periods. For this reason, the present thesis is divided into two parts. The first one, "Autonomy and participation in times of nationalism and reforms", which covers the period between 1950 and 1964, focuses on how students organized themselves to ensure their political autonomy, and also on their struggle, along with the Catholic Church and other segments of society to create a university in the state. The second part, "From the illusory transitional to the democratic resistance", focuses on the period between the civil-military coup, in 1964, and the period of re-democratization, in 1985. It emphasizes students experiences in the scenario of intervention, control and surveillance that was established by the Brazilian civil-military dictatorship, which imposed restrictions to the guarantee of the state of rights and to societys exercise of democratic freedom, consequentely, to students and their representative entities (unions). Around those two axes, this thesis presents, initially, how historiography has been approaching the performance of those students inside and outside the major urban centers, based on discussions of notions of class, youth, intelligentsia, intellectuals, civil society and hegemony, among other categories. This analysis tends to reveal peculiarities and interrelations with studies already conducted, without getting limited to the classic first four years after the 1964 coup or to closed, uniform and invariable interpretations, even less to the view that is exclusively centered on the economic and political sense of social process, to which students are usually related. Instead, it seeks to understand the context and time frames in which this movement and its participants lived their social, cultural and political experiences. Keywords: student movement, higher education, civil society, civil-military dictatorship, Sergipe
11
SUMRIO
Agradecimentos...................................................................................... Resumo................................................................................................... Abstract.................................................................................................. Lista de siglas......................................................................................... Lista de grficos..................................................................................... Lista de imagens..................................................................................... Lista de quadros comparativos .............................................................. Lista de tabelas.......................................................................................
06 09 10 13 16 17 18 19
Introduo
Movimento estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe... Definio do objeto de estudo, problema, hipteses e objetivos........... Justificativa do tema e definies de conceitos...................................... Historiografia, universitrios e o movimento estudantil........................ Alargando o olhar sobre o movimento estudantil.................................. Metodologia, fontes escritas e orais....................................................... Estrutura da tese.....................................................................................
20 20 26 35 41 56 68
PARTE I
Autonomia e participao em tempos de nacionalismos e reformas................................................................................................
72
Captulo I O surgimento do movimento estudantil universitrio em Sergipe.. 1.1. Deslocar-se no era mais preciso.................................................... 1.2. As primeiras instituies de ensino superior .................................. 1.3. Um perfil dos primeiros estudantes................................................ 1.4. A Unio dos Estudantes de Sergipe (UES).................................... 1.5. O Academus versus o I Congresso dos Estudantes de Sergipe...... 1.6. A UEES e os novos rumos do ME em Sergipe...............................
73 73 77 83 92 98
106 Captulo II Tempos da JUC e da reforma universitria .....................................
2.1. A JUC, a Igreja e a luta por uma universidade em Sergipe............ 2.2. A UEES, a Campanha da Legalidade e a imprensa estadual.......... 2.3. A Reforma Universitria e seus ecos em Sergipe........................... 2.4. I Seminrio Estadual sobre a Reforma Universitria (I SERU)...... 2.5. A greve por um tero e as razes do modelo de cogesto............ 2.6. O II SERU e a Declarao de Santo Amaro das Brotas..................
116 116 125 138 144 151 168
Captulo III A UEES, o IBAD e os movimentos de cultura e educao popular. 3.1. Os estudantes, as eleies de 1962, o IBAD e a postura da UEES. 3.2. Os estudantes, a UEES e os movimentos populares de cultura...... 3.3. Os estudantes, a UEES e o Restaurante Universitrio.................... 3.4. Os estudantes, a segunda UNE-volante e o CPC da UEES............ 3.5. O congresso dos estudantes universitrios de Sergipe de 1963...... 3.6. Os estudantes, a UEES e o golpe civil-militar de 1964..................
174 174 178 184 186 189 191
12
PARTE II Do ilusrio transitrio resistncia democrtica.............................. 193
Captulo IV O golpe, a sociedade e o (des)compasso do ME em Sergipe............. 4.1. A FMP, o golpe de 1964 e suas desventuras.................................. 4.2. O golpe de 1964 e a deposio de Seixas Dria............................ 4.3. O golpe contra os sindicatos e os trabalhadores............................. 4.4. A represso ao ME e aos movimentos de cultura popular............. 4.5. Relato do crcere, o apoio da famlia e da maonaria.................... 4.6. A marcha com Deus, o CES e a expulso dos secundaristas.........
194 194 197 204 209 216 220
Captulo V A Lei Suplicy, a interveno na UEES e a DEE de Sergipe............. 5.1. A Lei Suplicy, a interveno no ME e reao estudantil................ 5.2. UEES: aderir, resistir, fechar ou sofrer interveno........................ 5.3. A DEE de Sergipe, a falta de recursos e a atuao do MEC........... 5.4. A tumultuada segunda eleio da DEE de Sergipe......................... 5.5. A polmica sobre o modelo da universidade de Sergipe................ 5.6. A criao da FUFSE e a extino da DEE de Sergipe....................
227 227 234 238 251 260 265
Captulo VI Liberdade sem democracia: a reao dos DAs Lei Suplicy....... 6.1. A reorganizao dos diretrios acadmicos aps o golpe............... 6.2. A Lei Suplicy, a FCFS e a reforma do estatuto do DAJF............... 6.3 A rejeio Lei Suplicy e a revolta dos estudantes da FAFI.......... 6.4. A reao da FAFI e a polmica nos jornais.................................... 6.5. Os estudantes e os significados dos ofcios do monsenhor Duarte. 6.6. A advertncia disciplinar, o fim do DAJF e os novos diretrios....
271 271 278 285 288 291 297
Captulo VII (Re)organizao das tendncias, os protestos de 1968 e o DCE....... 7.1. (Re)organizao das tendncias: POLOP, AP e PCB..................... 7.2. A morte de Edson Lus, a UFS e os protestos de maio de 1968..... 7.3. A priso de Vladimir e as greves estudantis do CES e da UFS...... 7.4. A disputa, a eleio e a posse do primeiro DCE/UFS..................... 7.5. O cotidiano cultural, os preparativos para Ibina e as prises........ 7.6. As famlias, a maonaria, as autoridades e o regresso de Ibina....
304 304 328 341 352 360 369
Captulo VIII O novo ciclo repressivo, reabertura do DCE e a luta pelas Diretas 8.1. O AI-5 e o novo ciclo repressivo.................................................... 8.2. A UFS e a cassao dos direitos polticos dos estudantes............... 8.3. Estudantes vigiados e o papel da ASI/AESI na UFS...................... 8.4. Esvaziamento, fechamento e eclipse do DCE/UFS....................... 8.5. A passagem do eclipse, o DCE e a Operao Cajueiro............... 8.6. Diretas para o DCE, Reitor e Presidente.........................................
375 375 378 388 400 407 415
Consideraes A dialtica de um passado/presente.................................................... 438 Locais e sites de pesquisa.......................................................................
Fontes..................................................................................................... Bibliografia............................................................................................. Anexos....................................................................................................
451 453 476 512
13
Lista de siglas
ADESG Associao dos Estagirios da Escola Superior de Guerra
ADP Ao Democrtica Parlamentar
AESI Assessoria Especial de Segurana e Informao
AESS Associao dos Estudantes Secundaristas de Sergipe
AP Ao Popular
APES Arquivo Pblico do Estado de Sergipe
ARENA Aliana Renovadora Nacional
ASD Aliana Social Democrtica
ASI Assessoria de Segurana e Informao
CASR Centro Acadmico Silvio Romero
CCBS Centro de Cincias Biolgicas e da Sade
CCET Centro de Cincias Exatas e Tecnolgicas
CCSA Centro de Cincias Sociais Aplicadas
CECH Centro de Educao e Cincias Humanas
CES Colgio Estadual Sergipense
CHESF Companhia Hidreltrica do So Francisco
CNA Campanha Nacional de Alfabetizao
CNBB Conferncia Nacional dos Bispos
CNE Conselho Nacional dos Estudantes
CONDESE Conselho de Desenvolvimento de Sergipe
CONSU Conselho Superior Universitrio
CPC Centro Popular de Cultura
CPC da UEES Centro Popular de Cultura da Unio Estadual dos Estudantes de Sergipe
CPC da UNE Centro Popular de Cultura da Unio Nacional dos Estudantes
DA Diretrio Acadmico
DAACL Diretrio Acadmico Dr. Augusto Csar Leite
DAAMB Diretrio Acadmico Dr. Antnio Milito de Bragana
DAJF Diretrio Acadmico Jackson de Figueiredo
DAJR Diretrio Acadmico Joo Ribeiro
DAMK Diretrio Acadmico Maria Kiehl
DCE Diretrio Central dos Estudantes
14
DEE Diretrio Estadual dos Estudantes
DEES Diretrio Estadual dos Estudantes de Sergipe
DEMEC Delegacia de Ensino do Ministrio da Educao
DES/MEC Diretoria de Ensino Superior do Ministrio da Educao
DNE Diretrio Nacional dos Estudantes
DSI Diviso de Segurana e Informao
DUAC Departamento Universitrio de Ao Comunitria
EQS Escola de Qumica de Sergipe
ESS Escola de Servio Social
FAFI Faculdade de Filosofia
FCE Faculdade de Cincias Econmicas
FCES Faculdade de Cincias Econmicas de Sergipe
FCFS Faculdade Catlica de Filosofia de Sergipe
FDS Faculdade de Direito de Sergipe
FMP Frente de Mobilizao Popular
FMS Faculdade de Medicina de Sergipe
FUFSE Fundao Universidade Federal de Sergipe
IBAD Instituto Brasileiro de Ao Democrtica
IDLD Instituto Dom Luciano Duarte
IES Instituio de Ensino Superior
IHGSE Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe
IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
IPM Inqurito Policial Militar
JEC Juventude Estudantil Catlica
JOC Juventude Operria Catlica
JUC Juventude Universitria Catlica
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LIC Liga de Intelectuais Catlicos
LUC Liga Universitria Catlica
MAC Movimento Anticomunista
MCP Movimento de Cultura Popular
MDB Movimento Democrtico Brasileiro
MEB Movimento de Educao de Base
15
MEC Ministrio de Educao e Cultura
MERDA Movimento Estudantil Revolucionrio Didtico e Artstico
MPF Ministrio Pblico Federal
PCB Partido Comunista Brasileiro
PDS Partido Democrtico Social
PDT Partido Democrtico Trabalhista
PFL Partido da Frente Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro
POLOP Poltica Operria
PSD Partido Social Democrtico
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
SEI Servio Estadual de Informaes
SEI Sociedade de Estudos Interamericanos
SERU Seminrio Estadual sobre Reforma Universitria
SNI Sistema Nacional de Informao
SNRU Seminrio Nacional sobre a Reforma Universitria
SUOF Sociedade Unio dos Operrios e Ferrovirios
TESE Tribunal Eleitoral Sergipano dos Estudantes
UDN Unio Democrtica Nacional
UEES Unio Estadual dos Estudantes de Sergipe
UES Unio dos Estudantes de Sergipe [Universitrios]
UFS Universidade Federal de Sergipe
UIE Unio Internacional dos Estudantes
UNE Unio Nacional dos Estudantes
USAID United States Agency for International Development
USES Unio Sergipana dos Estudantes Secundaristas
16
Lista de grficos
Grfico 01: Estudo comparativo das faixas de idade dos universitrios
matriculados nas instituies de ensino superior de Sergipe, 1957 a
1964.......................................................................................................
513
Grfico 02: Estudo comparativo dos estudantes matriculados em razo do gnero
nas instituies de ensino superior de Sergipe, 1957 e
1964.......................................................................................................
513
Grfico 03: Estudo comparativo dos estudantes matriculados em razo do gnero
nos cursos ofertados pelas instituies de ensino superior de Sergipe,
1957 a 1964............................................................................................
514
Grfico 04: Estudo comparativo da matrcula das instituies de ensino superior
em Sergipe, 1957 a 1964........................................................................
514
Grfico 05: Estudo comparativo das matrculas nas instituies de ensino superior
de Sergipe em relao a instituies de ensino secundrio de origem,
1957 a 1964............................................................................................
515
Grfico 06:
Estudo comparativo do domiclio dos universitrios matriculados nas
instituies de ensino superior de Sergipe, 1957 a 1964.......................
515
17
Lista de imagens
Imagem 01: Painel Carro de boi, pintado por Jordo de Oliveira, em 1962.
[Foto: Lineu Lins]..................................................................................
82
Imagem 02: Painel Salinas, pintado por Jordo de Oliveira, em 1962. [Foto:
Lineu Lins].............................................................................................
82
Imagem 03: Reproduo do emblema da UEES, impresso nos ofcios da
instituio..............................................................................................
110
Imagem 04: Ato pblico promovido pela UEES na rua Joo Pessoa, Centro, nas
proximidades do palcio Olmpio Campos, sede do governo do
estado de Sergipe...................................................................................
157
Imagem 05: esquerda, foto da faixa da campanha ao governo de Sergipe do
candidato Leandro Maciel, colocada frente do IHGSE, e direita,
foto da faixa do candidato ao governo de Pernambuco, Joo Cleofas...
175
Imagem 06: Ensaio geral da pea Eles no usam Black-tie pelo grupo do
TEGEBE, no auditrio do Colgio Estadual de Sergipe, em 15 de
maro de 1963........................................................................................
182
Imagem 07: Apresentao do CPC da UEES no I Festival de Cultura Popular,
promovido pela Secretaria de Educao de Sergipe, na gesto de Lus
Rablo Leite, em julho de 1963.............................................................
188
Imagem 08: Primeira pgina da edio especial da Gazeta de Sergipe..................... 202
Imagem 09: Manchete noticiando a greve dos universitrios seguida de foto em
que a maioria dos estudantes aparece de costas.....................................
346
Imagem 10: Manchete noticiando a indeciso dos universitrios seguida de foto
em que os veculos da polcia militar cercam o CES.............................
367
Imagem 11 BENEDITO, MOUZAR [roteirista] e TACUS [ilustrador]. ABC do
Calouro: guia prtico tira-dvidas [histria em quadrinhos]. In:
DCE. Jornal do Calouro: publicaes do DCE e dos DAs. Aracaju:
FUFSE, n 2, 1978, p.1..........................................................................
416
Imagem 12 BENEDITO, MOUZAR [roteirista] e TACUS [ilustrador]. [Charge
sem denominao]. In: DCE. Jornal do Calouro: publicaes do
DCE e dos DAs. Aracaju: FUFSE, n 2, 1978,
p.4...........................................................................................................
417
18
Lista de quadros comparativos Quadro 01: Diretoria da UES gesto de janeiro de 1953 a setembro de 1953...... 516
Quadro 02: Diretoria da UEES gesto de setembro de 1953 a setembro de
1954.........................................................................................................
516
Quadro 03: Diretoria da UEES gesto de setembro de 1955 a setembro de
1956.........................................................................................................
517
Quadro 04: Diretoria da UEES gesto de setembro de 1958 a setembro de
1959.........................................................................................................
517
Quadro 05: Diretoria da UEES gesto de setembro de 1959 a setembro de
1960.........................................................................................................
518
Quadro 06: Diretoria da UEES gesto de setembro de 1960 a setembro de
1961.........................................................................................................
518
Quadro 07: Manifesto ao povo sergipano contra o IBAD subscrito por entidades
civis em 1962.........................................................................................
519
Quadro 08: DEE de Sergipe primeira gesto, eleio indireta de
1965.........................................................................................................
520
Quadro 09: Instituies de ensino superior em Aracaju/Sergipe, 1948 a
1968.......................................................................................................
521
Quadro 10: Relao dos estudantes que participaram do XXX Congresso da UNE
por curso e por tendncia poltica..........................................................
521
19
Lista de tabelas
Tabela 01: Estudo comparativo do estado de origem dos universitrios
matriculados nas instituies de ensino superior de Sergipe, 1957 a
1964..........................................................................................................
522
Tabela 02: Estudo comparativo da cidade de origem dos universitrios
matriculados nas instituies de ensino superior de Sergipe entre 1957
a 1964.......................................................................................................
522
Tabela 03 Estudo comparativo dos estudantes matriculados em razo do gnero
nas instituies de ensino superior de Sergipe, 1957 a 1964...................
523
Tabela 04 Comparativo entre homens e mulheres matriculados nos cursos
ofertados pelas instituies de ensino superior de Sergipe, 1957 a 1964
523
Tabela 05 Estudo comparativo de matrculas nas instituies de ensino superior
de Sergipe em relao a instituies de ensino secundrio de origem
no perodo, 1957 a 1964...........................................................................
524
Tabela 06 Estudo comparativo entre ano de nascimento dos estudantes e ano de
entrada na universidade (idade dos alunos / quantidade / percentual).....
524
20
Introduo Movimento estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe
Definio do objeto de estudo, problemas, hipteses e objetivos
Esta tese pesquisa o movimento estudantil, o ensino superior e a sociedade em
Sergipe, no perodo de 1950 a 1985. Em torno desse campo de estudo e dessa delimitao
de espao-tempo, busca-se compreender os significados da militncia estudantil no
processo de formao poltica, intelectual e cultural daqueles que compartilharam essas
experincias.
No obstante a relevncia desse campo de estudo e a contribuio das pesquisas j
desenvolvidas, assunto a ser tratado nos prximos tpicos, ainda no havia sido elaborada
uma viso de conjunto acerca dos significados do movimento estudantil universitrios em
Sergipe no perodo de 1950, momento em que surgem os primeiros rgos de
representao estudantil, e 1985, quando, aps o intercurso da ditadura civil-militar, a
visibilidade e a centralidade da atuao poltica dos universitrios passam a ser
compartilhadas com outros atores e outros movimentos sociais, inclusive sob a mediao
de diferentes clivagens sociais que no apenas o de classe ou o de frao desta, como a
princpio a historiografia tratava o tema.
Assim, partindo desse recorte temporal, 1950 a 1985, e filtrando os excessos de
uma bibliografia especializada que tem atribudo a essa participao estudantil uma
perspectiva romntica e mtica, aspectos devidamente criticados por Martins Filho1, os
significados da atuao do movimento estudantil, em meio ao cenrio poltico e cultural
brasileiro durante o perodo enfocado, tm estimulado o debate e a produo acadmica em
torno desse tema.
Essa produo acadmica, entretanto, como ser discutida, tem enfrentado, em
termos historiogrficos, pelo menos, trs impasses: o primeiro observado em relao aos
debates acerca da condio de classe dos estudantes a partir de um enfoque
socioeconmico; o segundo configura-se em torno da persistncia de uma tradio de
estudos que tendem a generalizar a atuao dos estudantes universitrios brasileiros
tomando como norte apenas os acontecimentos ocorridos no eixo Rio-So Paulo, apesar do
1 MARTINS FILHO, Joo Roberto. Movimento estudantil e a ditadura militar. So Paulo: Papirus, 1987.
21
crescente desenvolvimento de pesquisas dentro e fora desse eixo2; e o terceiro impasse
concentra-se na persistncia de estudos que tendem a enfocar a importncia social do
movimento estudantil nos primeiros quatro anos posteriores ao golpe civil-militar de 1964,
deixando pouco visitados os perodos anteriores ao golpe e posteriores ao AI-5.
Em torno dessa problematizao, o escopo desta pesquisa suscita alguns
questionamentos. O primeiro discute o limite da noo de classe, visto pelo prisma da
determinao econmico-social como condio suficiente para entender a participao
poltica e cultural dos estudantes no contexto histrico em estudo. O segundo dirigido
persistncia de uma historiografia que, tomando como referncia apenas os grandes centros
urbanos e uma ou outra entidade estudantil, caracteriza a atuao dos estudantes e de seus
movimentos, independentemente do tempo e do lugar em que foi tecida, a partir de
parmetros gerais e invariveis. E o terceiro questionamento relaciona-se concentrao
de pesquisas no perodo dos anos de 1964 a 1968.
Frente a essa problematizao, torna-se necessrio estudar os significados da
histria do movimento estudantil universitrio no perodo de 1950 a 1985, fora dos grandes
centros urbanos e culturais do pas, como So Paulo, Rio de Janeiro e Braslia, e mesmo
fora de centros urbanos e culturais regionais como Minas Gerais, Rio Grande do Sul,
Pernambuco ou Bahia. Esse tipo de questionamento pode ajudar a compreender
singularidades e inter-relaes acerca da atuao estudantil, tanto dentro como fora desses
centros urbanos e culturais.
Dentro desse horizonte de discusses, esta pesquisa tem como foco estudar a
histria do movimento estudantil universitrio em Sergipe no perodo de 1950 a 1985. Em
torno desta proposta de estudo, ganham forma trs hipteses de investigao. A primeira
sugere a possibilidade de uma melhor compreenso dos significados atinentes s
experincias e s expectativas dos processos sociais dos quais os estudantes universitrios
em Sergipe tomaram parte no perodo em discusso.
A segunda sustenta a possibilidade de elaborao de um estudo sobre as
experincias desses universitrios, particularmente a partir de seus rgos de
representao, embasado no exame de fontes escritas produzidas pelos ou sobre esses
estudantes no perodo em apreo, assim como atravs das experincias registradas em
entrevistas realizadas com alguns dos estudantes que atuaram de forma militante ou no no
2 MARTINS FILHO, Joo Roberto. 1968 faz 30 anos. Campinas/SP: Mercado das Letras; So Paulo, SP: Editora da Universidade de So Carlos, 1998.
22
perodo. Desta forma, a partir do dilogo com essas fontes tanto escritas quanto orais e
com a bibliografia disponvel, possvel analisar os diferentes significados dos processos
sociais dos quais esses estudantes fizeram parte.
E a terceira, e ltima hiptese, sinaliza que o descortinar de uma histria do
movimento estudantil universitrios em Sergipe no perodo de 1950 a 1985 transcende os
recortes de temporalidade dos convencionais marcos polticos, ainda que se sirva deles,
para revelar peculiaridades acerca da formao, reproduo e/ou renovao de fraes da
intelligentsia cultural e poltica do estado nas quatro primeiras dcadas da segunda metade
do sculo XX.
A gestao dessa intelligentsia a partir da dcada de 1950 parece ampliar a
interpretao elaborada por Luciano Martins para os intelectuais e polticos brasileiros da
primeira metade do sculo XX. Estes, segundo sua discusso, pareciam ser dotados de um
sentido de misso e, ao mesmo tempo, desprovidos de utopia3. Aqueles, isto a
intelligentsia poltica e cultural formada a partir da segunda metade do mencionado sculo,
sob o prisma interpretativo desta pesquisa, alm de compreenderem o sentido poltico de
sua formao, portando de sua misso profissional, tambm parecem deixar transparecer,
tanto em seus discursos como em suas aes, os debates e as utopias nacionalistas,
reformistas, populares e de resistncia ideolgica.
Desta forma, ao menos em parte, os estudos sobre movimento estudantil ou sobre
a participao poltica e cultural dos estudantes universitrios a partir da dcada de 1950,
reservada a devida crtica s vises romnticas e mticas sobre eles, parecem transparecer
no apenas o carter de misso como tambm o da busca de uma utopia
transformadora4.
Srgio Miceli, por sua vez, ao analisar as relaes dos intelectuais e as classes
dirigentes do pas, toma como ponto de interpretao a discusso sobre a tradio de
cooptao dos intelectuais pelo Estado. Esta relao, segundo o autor, em parte
fundamenta-se na seduo que o poder estatal exerce sobre esses intelectuais que, embora
no hesitem em dizer que s tm compromisso com as suas ideias, na prtica no escapam
3 MARTINS, Luciano. A gnese de uma intelligentsia: os intelectuais e a poltica no Brasil 1920 a 1940. In: Revista Brasileira de Cincias Sociais. Nmero 4, vol. 2, junho de 1987, pp. 65-87. 4 Ver: RIDENTI, Marcelo Siqueira. Em busca do povo brasileiro: artistas da revoluo, do CPC era da tv. So Paulo: Record, 2000, pp. 19-60.
23
a cooptao como um dado estrutural da sociedade brasileira5. A partir dessa discusso, a
formao de novos quadros intelectuais, em particular a partir dos efetivos estudantis das
universidades, terminaria por contribuir para a reproduo e/ou renovao da intelligentsia
a servio das classes dirigentes do pas, leitura um tanto estruturalista.
Sob outro prisma, tanto a discusso a respeito da formao da intelligentsia
brasileira na primeira metade do sculo XX, abordada por Martins6, como da tradio de
subordinao dos intelectuais s classes dirigentes do pas, descritas por Miceli7, ambos,
por vezes, tm esbarrado na dificuldade em si precisar a definio desse campo de
conhecimento e, sobretudo, de seus conceitos-chave: inteligncia, intelligentsia ou
intelectuais.
Nesse sentido, do ponto de vista terico, a necessidade de compreender o papel
dos estudantes universitrios, em particular suas experincias e expectativas em relao ao
poder sejam durante o perodo em que eles so estudantes ou na fase de insero
profissional, poltica, cientfica, artstica ou cultural na sociedade , exige a busca de uma
delimitao conceitual que comporte a complexidade dessa discusso e da problemtica a
ela relacionada. Dentro dessa perspectiva, esta tese dialoga com a definio de intelectual
formulada por Jean-Franois Sirinelli8, que se reveste de uma dimenso polimorfa, isto ,
com muitas formas, e polifnica, ou seja, constitudo por uma simultaneidade de vozes,
razo pela qual essa temtica configura-se como uma contnua histria em construo9.
Inserido nesse horizonte terico e conceitual, a formao dos estudantes
universitrios em Sergipe e suas experincias e expectativas polticas, culturais e sociais,
fomentadas entre 1950 e 1985, podem ser compreendidas tambm a partir da relao com a
intelligentsia do estado ou de suas relaes, enquanto intelectuais em formao, com as
classes dirigentes locais e nacionais, no sentido empregado tanto por Sirinelli10 como por
Antonio Gramsci11.
5 Ver a respeito em: MICELI, Srgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). So Paulo, Difel, 1979; em: MICELI, Srgio. Intelectuais Brasileira. So Paulo: Cia. das Letras, 2008; e em: GRAIEB, Carlos. Sob as asas do poder: entrevista com Srgio Miceli. In: Revista Veja on-line. Edio 1710, 25 de julho de 2001. Disponvel em: < http://veja.abril.com.br/250701/entrevista.html >. Acessado em 28/10/2011. 6 MARTINS, Luciano. Op. cit. 7 MICELI, Srgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945).Op. cit. 8 SIRINELLI, Jean-Franois. Os intelectuais. In: RMOND. Ren. Por uma histria poltica. Traduo de Dora Rocha. 2 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003, pp. 231-270. 9 Op. cit., pp. 241-248. 10 SIRINELLI, Jean-Franois. Os intelectuais. Op. cit. 11 Ver a esse respeito em: GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organizao da cultura. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1978c.
24
Para o mencionado pensador socialista, vinculado ao Partido Comunista Italiano,
nascido na ilha de Sardenha, as discusses sobre os intelectuais e o papel destes junto a
sociedade configuram-se como um tema diversificado e complexo. Neste sentido, Antonio
Gramsci compreende que, no obstante todas as pessoas serem intelectuais, apenas
algumas exercem funes de organizadores da cultura e da poltica. Essas funes, por sua
vez, podem ser configuradas tanto a partir do trabalho de estruturao ou de transformao
da sociedade. Desta forma, entre as diversas interpretaes atribudas a esse pensador a
respeito do papel dos intelectuais, possvel alargar a compreenso do intelectual engajado
para compreend-lo como mediador entre a sociedade global e os diferentes projetos de
modernidade que ela tem assumido, sobretudo no ltimo sculo12.
Esta compreenso, articulada ao papel dos estudantes enquanto intelectuais em
formao em relao poltica, cultura e sociedade, tambm dialoga com as
definies gramsciana de hegemonia, configurao de relaes de poder e direo13, e de
sociedade civil, esfera no estatal formada pelo conjunto da sociedade no pertencente
sociedade poltica, mas que interage com ela na constituio do Estado14.
Em Sergipe, a esse respeito, verifica-se que, no sem razo, parte do atual
segmento poltico e intelectual do estado parece ter partilhado das experincias culturais e
das disputas polticas ocorridas no movimento estudantil universitrio no perodo estudado
por esta tese. Dentro dessa perspectiva, alguns desses ex-estudantes que vieram a compor
as mencionadas fraes dirigentes do estado foram entrevistados pelo jornalista Osmrio
Santos, numa srie de reportagens biogrficas posteriormente reunidas em livro. Esta obra,
embora no tenha um carter historiogrfico e um critrio seletivo preciso para sua
composio, evidencia a presena de alguns desses estudantes entre aqueles que figuram
no cenrio partidrio e institucional do estado15.
Evidentemente, a presena de letrados, com curso superior, no campo da esfera
poltico-partidria e institucional no algo novo e nem recente na histria da humanidade,
12 Ver mais informaes a respeito em: AGGIO, Alberto. A classicidade de Gramsci e o tema dos intelectuais. In: Revista Anos 90, Porto Alegre, v. 17, n 32, 2010, pp. 75-91. 13 Ver a respeito em: GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal, 1978; e em: ALVES, Ana Rodrigues Cavalcanti. O conceito de hegemonia: de Gramsci a Laclau e Mouffe. In: Lua Nova. So Paulo, n 80, pp. 71-96, 2010, pp. 71-96. 14 A respeito das discusses sobre sociedade civil fundamentada nas reflexes de Antonio Gramsci, ler: GRAMSCI, Antonio. Concepo dialtica da histria. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1978a; Maquiavel, a poltica e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1978b; e ainda: LAHUERTA, Milton. Intelectuais e resistncia democrtica. In: Gramsci e o Brasil, 2001. Disponvel em:< http://www.acessa.com/gramsci/?id=23&page=visualizar>. Acessado em 10/09/2011. 15 SANTOS, Osmrio. Memrias de polticos de Sergipe no sculo XX. Aracaju: Grfica J. Andrade, 2002.
25
do pas e de Sergipe, como se pode observar nos estudos de Chartier16, Sirinelli17,
Carvalho18, Gomes19, Miceli20, Martins21, Silva22, Barreto23, entre outros. Contudo, no
objetivo desta tese configurar-se como um estudo sobre a formao da intelligentsia ou da
elite poltica e intelectual de Sergipe na segunda metade do sculo XX, em particular nas
suas ltimas dcadas, isto se constituiria numa tarefa muito maior que as pretenses deste
estudo. Desta forma, nosso intuito utilizar essa discusso como uma possibilidade, ou fio
condutor, para interpretar as fontes e as discusses historiogrficas arroladas no curso desta
pesquisa.
Nesse sentido, um dos fios condutores deste estudo, enfocado, sobretudo na
primeira parte dessa tese, ser buscar compreender como, em meio aos horizontes
nacionalistas, reformistas e dos movimentos populares que pululavam na dcada de 1950 e
nos primeiros anos da dcada de 1960, os estudantes universitrios, por meio de suas
entidades representativas, lutaram a favor da criao de uma universidade no estado. Essa
luta mobilizaria tambm as atenes da Igreja Catlica, do governo do estado e de parcelas
da intelligentsia de Sergipe.
Dessa forma, o objetivo de estudar a histria do movimento estudantil
universitrio nas quatro primeiras dcadas da segunda metade do sculo XX em Sergipe
visa compreender a importncia da atuao cultural e poltica desses estudantes no perodo
de 1950 a 1985. Esta finalidade reforada pelo interesse de compreender as experincias
de autonomia poltica vivenciadas pelo movimento estudantil universitrio no estado, nos
primeiros anos que seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial at os acontecimentos
que culminaram com o golpe civil-militar de 1964.
E, na segunda parte desta tese, buscamos compreender como diante das restries
impostas s experincias de autonomia poltica do movimento estudantil e de seus
16 CHARTIER, Roger. A Histria cultural: entre prticas e representaes. Traduo Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1990, p. 225. 17 SIRINELLI, Jean-Franois. Os intelectuais. Op. cit. 18 CARVALHO, Jos Murilo de. A construo da ordem: a elite poltica imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980, p. 69. 19 GOMES, ngela de Castro. A Repblica, a Histria e o IHGB. Belo Horizonte: Argumentum, 2009, pp. 25-28. 20 MICELI, Srgio. Intelectuais Brasileira. Op. cit. 21 MARTINS, Luciano. A gnese de uma intelligentsia: os intelectuais e a poltica no Brasil 1920 a 1940. Op. cit. 22 SILVA, Eugnia Andrade Vieira da. A formao intelectual da elite sergipana (1822-1889). So Cristvo: NPGED/UFS, 2004, pp.14-40. 23 BARRETO, Raylane Andressa Dias Navarro. A formao de padres no Nordeste do Brasil (1894-1933). Natal: EDUFRN, 2011.
26
participantes, uma parcela dos estudantes universitrios, mesmo sendo alvos do controle,
vigilncia e represso dos rgos de segurana e informao, conseguiu reorganizar o
movimento estudantil; encontrar formas de reagir s intervenes impostas as suas
entidades representativas, a cassao de seus direitos polticos e a represso poltica
imposta pela ditadura civil-militar; e, aps um perodo de relativo eclipse, encampar o
caminho da resistncia democrtica.
Alm desses objetivos, a presente pesquisa busca contribuir com os estudos a
respeito da histria do movimento estudantil universitrio brasileiro pensado a partir da
diversidade de contextos e temporalidades em que ele constitudo e parte constitutiva.
Colaborando assim para o estudo de uma histria sobre movimento estudantil ocorrida
tanto dentro como fora dos centros culturais nacionais e regionais do pas, seja no sentido
de discutir suas singularidades seja no de analisar suas inter-relaes com os
acontecimentos polticos nacionais nos quais os estudantes brasileiros, por vezes, tomam
parte.
Justificativa do tema e definies de conceitos
A sesso de instalao do [XIV] Congresso [da UNE], realizou-se s 21 horas do dia 28 [de julho de 1951], tendo, nessa ocasio, usado da palavra em nome da delegao sergipana, o colega Luiz Otvio de Arago, cujo discurso foi uma verdadeira profisso de f democrtica, deixando patente a posio da bancada, como intransigente defensora dos interesses da classe24.
A notcia da participao da delegao sergipana e do discurso de Otvio de
Arago na sesso de instalao do XIV Congresso Nacional da UNE, realizado em 1951,
na cidade do Rio de Janeiro, publicado no jornal Academus, rgo oficial do Centro
Acadmico Silvio Romero instituio representativa dos estudantes da ento Faculdade
de Direito de Sergipe , ressaltou, entre outros aspectos, a verdadeira profisso
democrtica e a intransigente defesa dos interesses da classe como valores exaltados
pelos estudantes de Sergipe naquele conclave.
24 ALENCAR. J. C. Fontes de. A delegao do C.R.S.A. e os trabalhos do Congresso Rio, 28 de julho a 6 de agosto de 1951 [reportagem]. In: Academus. Ano I, n 1, setembro de 1951, p.6. No ttulo dessa reportagem a sigla do Centro Acadmico Silvio Romero encontra-se impresso como CRSA, quando deveria ser CASR.
27
O enfoque na defesa da democracia e no interesse de classe, no obstante os
diferentes significados e contradies que as duas discusses frequentemente evidenciam25,
revelam, em certa medida, dois focos de ateno presentes nos debates sobre o movimento
estudantil ou a ele relacionado, sobretudo no perodo associado s quatro primeiras
dcadas da segunda metade sculo XX. Por um lado, esses dois enfoques tocam em
questes importantes sobre o horizonte de expectativas e de experincias desses estudantes,
de seus movimentos e de suas instituies representativas; por outro, apresentam um ponto
de vista interpretativo de interesse histrico e historiogrfico26.
As experincias e as expectativas dos estudantes universitrios no decurso da
segunda metade do sculo XX apontadas de modo preliminar no discurso do
representante de Sergipe no XIV Congresso da UNE , no se constituem por si em uma
histria concreta passada, presente ou futura27, mas revelam generalizaes que
precisam ser conhecidas e analisadas em razo do tempo, do lugar e do contexto social nas
quais elas se constituram e foram constitudas, a exemplo dos desdobramentos e das inter-
relaes do movimento estudantil universitrio em cada um dos diferentes estados
brasileiros em diferentes temporalidades histricas28.
Nesse sentido, enfatizar, enquanto discurso, a importncia da defesa da
democracia como uma verdadeira profisso de f ou da defesa intransigente dos
interesses de classe por parte dos estudantes, por si s no basta para compreender os
significados e as singularidades que esses enfoques alcanaram em diferentes lugares,
temporalidades e contextos sociais. Desta forma, do ponto de vista desta pesquisa,
preciso avaliar os registros das experincias e expectativas vividas pelo movimento
estudantil universitrio de Sergipe, nas primeiras dcadas da segunda metade o sculo XX,
como objeto de estudo apreciado a partir daquilo que Edward Carr classificou como um
contnuo processo de interpretao das fontes frente a um dilogo interminvel entre o
passado e o presente 29, um dilogo que se renova a cada informao avaliada e a cada
25 Ver a respeito em: SANTOS, Boaventura de Souza. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002; e em: WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovao do materialismo histrico. So Paulo: Boitempo, 2003. 26 Ver a respeito em: KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuio semntica dos tempos histricos. Traduo de Wilma Patrcia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-RIO: 2006, pp. 161-190. 27 Op. cit., p. 306. 28 Destaco a respeito desse ponto de vista: MARTINS FILHO, Joo Roberto. 1968 faz 30 anos. Op. cit. 29 CARR, Edward Hallet. Que histria?Traduo de Lcia Maurcio de Alverga, reviso Maria Yedda Linhares. 3 ed. So Paulo: Paz Terra, 1982, p.65.
28
interpretao verificada e discutida. Afinal, como colocou Marc Bloch, a essncia das
aes dos homens e das mulheres no tempo uma grande varivel, e as causas dessa
varivel na histria, como em outros domnios, no so postuladas. So buscadas30,
portanto, continuamente (re)interpretadas.
Assim, por um lado, preciso compreender o sentido da defesa dos valores
democrticos, feito pelo representante de Sergipe no citado Congresso, como uma
expresso de um momento histrico marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, pelo
fim da ditadura do Estado Novo e pelo incio das implicaes polticas provocadas pela
Guerra Fria, particularmente entre os defensores dos ideais capitalistas e comunistas31. Por
outro lado, necessrio discutir como a defesa desses valores fez-se presente na luta desses
estudantes por uma universidade no estado, e, sobretudo na criao e organizao das
entidades estudantis ocorridas no perodo entre 1950, quando elas comeam a surgir no
estado, e 1964, quando ocorre o golpe civil-militar e a subordinao dessas entidades Lei
Suplicy; e, por fim, como, a partir da mencionada data num horizonte de represso
poltica e de cerceamento de direitos , os estudantes passaram a repensar suas estratgias
e terminaram por reafirmar a defesa da democracia contra mais um perodo autoritrio que
havia sido instalado no pas, desta feita a ditadura civil-militar de 1964 a 1985.
Diante do exposto, no obstante a democracia ter se tornado um cnone para a
poltica no Ocidente32, o Brasil e vrios outros pases da Amrica Latina, algumas poucas
dcadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial, viveria os transtornos relativos
instalao de ditaduras polticas distanciando-se dos valores democrticos e das garantias
estabelecidas pelo estado de direito33. Nesse sentido, compreender como uma parte da
sociedade brasileira, em particular os estudantes universitrios, lidou com essa questo
ajuda a pensar como nesse novo perodo de ditadura a democracia, enquanto valor poltico
universal foi discutida no pas.
J o enfoque sobre a defesa dos interesses da classe, tambm presente no
discurso do representante de Sergipe no XIV Congresso da UNE, suscita a discusso a
30 BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia a histria, ou, o ofcio do historiador. Traduo de Andr Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001, p. 159. 31 Ver a respeito em: DANTAS, Jos Ibar Costa. Os partidos polticos em Sergipe (1889-1964). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, pp. 153-307. 32 SANTOS, Boaventura de Souza. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Op. cit. 33 FICO, Carlos, FERREIRA, Marieta de Moraes, ARAJO, Maria Paulo, QUADRAT, Samatra Viz (Orgs). Ditadura e democracia na Amrica Latina: balano histrico e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2008.
29
respeito do uso da definio classe social como conceito apropriado ou no para
apreender os significados dos interesses dos estudantes universitrios, ou, em uma acepo
mais especfica, interesses polticos dos estudantes enquanto segmento da sociedade34. Este
ltimo sentido, do uso da palavra classe enquanto discurso poltico em defesa dos
interesses dos estudantes, mas que uma definio conceitual de carter sociolgico, parece
melhor se aproximar dos significados histricos relacionados ao apropriado pelos
estudantes no perodo em estudo, sobretudo na dcada de 1950, como ser apreciado no
curso dessa tese.
No tocante ao uso do conceito classe social como uma das palavras-chave para
se estudar o movimento estudantil, alternam-se argumentos favorveis e contrrios a sua
utilizao. Entre os argumentos contrrios, alega-se a dificuldade de seu uso em razo de
os estudantes ainda no estarem inseridos no mercado de trabalho e suas condies sociais
de origem no serem suficientes para definir essas prticas associativas nos moldes de uma
cultura de classe. Uma segunda restrio, por um lado, aponta para os riscos de certo
determinismo econmico e sociolgico implcitos ao uso de uma ou de outra conceituao;
por outro lado, no obstante as dificuldades quanto associao dos estudantes enquanto
classe social, para alguns estudiosos dentre os quais Martins Filho , ao menos at a
dcada de 1970, a origem da classe social dos estudantes se constituiu em fio condutor para
os estudos sobre o tema35.
Outra linha de argumentao desloca-se, do debate acerca da centralidade ou no
do conceito de classe social para se estudar o movimento estudantil, para o campo de
discusses acerca do confronto de gerao, da sociologia da juventude e das diferentes
dimenses da cultura e do cotidiano relacionados aos jovens e aos grupos juvenis. Essa
outra linha, a partir de um perspectiva descentralizada, fragmentada e pluriclassista, discute
as mobilizaes, os protestos e as discusses relacionadas (s) identidade(s) cultural(ais)
da(s) juventude(s), dos jovens e de suas redes sociais, sobretudo no campo sociolgico,
antropolgico e educacional36.
34 A definio de conceito utilizada nesta tese consiste em: Ao de formular uma ideia por meio de palavras; definio, caracterizao. In: FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo dicionrio da lngua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 445. E ainda sobre a discusso metodolgica acerca da definio de conceitos, ver: LAKATOS, Eva Mari, MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia cientfica. 2 ed. So Paulo: Altas, 1991, pp. 102-112. 35 MARTINS FILHO, Joo Roberto. 1968 faz 30 anos. Op. cit., pp. 8-20. 36 Destaco a respeito: BOURDIEU, Pierre. A juventude apenas uma palavra. In: Questes de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, pp. 112-121; ABRAMO, Helena Wendel. Consideraes sobre a tematizao social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educao, n 5, Mai/Jun/Jul/Ago de
30
Adotar qualquer um desses argumentos ou restries para compreender a histria
dos estudantes, assim como de seus movimentos, significaria reconhecer a prevalncia da
teoria sobre o fenmeno histrico que se prope teorizar37, ou de uma teoria ou
paradigma sobre os demais, no lugar de coloc-los em um campo de dilogos38. No caso
do uso do conceito classe social, no obstante os seus possveis sentidos polticos e/ou
econmicas, ele se faz presente em diversos trabalhos fomentados em torno da histria do
movimento estudantil no Brasil. Por essa razo, para se avanar neste campo de
conhecimento, faz-se necessrio discutir este conceito, uma vez que ele encontra-se
presente nos discursos do movimento estudantil e, ainda, observar como ele trabalhado e
ressignificado pela historiografia.
Assim, problematizar o uso desse conceito ou de suas diferentes definies no
significa negligenciar a possibilidade de discuti-lo39. A elaborao de uma histria do
movimento estudantil universitrio ou de seu debate historiogrfico deve tomar como
ponto de partida o todo social que envolve os estudantes, seus movimentos e suas
entidades representativas, como por exemplo, o contexto que envolveu a expanso do
ensino superior e a dinmica poltica da sociedade brasileira na segunda metade do sculo
XX.
Dessa forma, ainda que esse conceito venha acompanhado de outras clivagens,
como a discusso de gnero, gerao, faixa etria, debate raciolgico, condio social de
origem, posio poltica ou religiosa, faz-se necessrio dimensionar as diferentes relaes
de poder e, consequentemente, os diferentes nveis de disputa tecida no fazer-se da histria
desses estudantes em meio ao todo econmico, poltico, cultural e social do qual eles
fazem parte.
1997, pp. 25-36; GROPPO, Lus Antnio. Juventude: ensaios sobre sociologia e histria das juventudes modernas. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000; e ainda: MISCHE, Ann. De estudantes a cidados: redes de jovens e participao poltica. In: Revista Brasileira de Educao. N6, set/out/nov/dez, 1997, pp. 134-150. 37 THOMPSON, E. P. A misria da teoria ou um planetrio de erros. Traduo Walten Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, p. 270. 38 BARROS, Jos DAssuno. Teoria da histria: princpios e conceitos fundamentais. V. I, Petroplis: Vozes, 2010, p. 83. 39 A respeito da atualizao dos usos da categoria classe social, sobretudo no campo da histria social do trabalho ver: SAVAGE, Mike. Classe e histria do trabalho. In: BATALHA, Cludio H. M, SILVA, Fernando Teixeira da, FORTES, Alexandre (Org.). Cultura de classe: identidade e diversidade na formao do operariado. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004, pp. 25-48; e os trabalhos de: NEGRO, Antonio Luigi. Imperfeita ou refeita? O debate sobre o fazer-se da classe trabalhadora inglesa. In: Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 16, n 31 e 32, 1996, pp. 40-61, e do mesmo autor: NEGRO, Antonio Luigi. Um certo nmero de ideias para uma histria social ampla, geral e irrestrita. In: MALERBA, Jurandir, ROJAS, Carlos Aguirre. (Orgs). Historiografia contempornea em perspectiva. Bauru: EDUSC, 2007, pp. 69-96.
31
Dentro dessa perspectiva, a compreenso acerca de classe estudantil, enquanto
classe social, assim como da juventude universitria, enquanto uma faixa de idade
constituda por pessoas que estudam em cursos de ensino superior, uma construo social
historicamente definida pelos estudantes e pela sociedade em cada poca. Neste ltimo
sentido, por um lado, embora a categoria juventude universitria esteja associada aos
estudantes que cursam o ensino superior, transpondo, por vezes, convencionais limites de
idade, ela no por si s suficiente para compreender as experincias construdas,
partilhadas e disputadas pelos universitrios, sobretudo no campo das relaes de poder;
por outro lado, ela pode ajudar a analisar meandros do processo cultural em que os
estudantes estavam envolvidos e que o conceito classe social no capaz de
dimensionar.
J o uso do conceito classe pelos universitrios no significa uma condio
econmica comum, nem que estes tenham optado pelo vis revolucionrio da luta de
classe, mas que ao menos viam na condio de classe estudantil algum sentimento de
pertencimento em torno do qual foram ou so construdos, partilhados e disputados
interesses polticos e identidades culturais.
Esse interesse ou identidade, entretanto, ao menos para o perodo estudado por
esta tese, parece no ter sido constitudo a partir do deslocamento do conceito de classe em
favor de outros campos de reivindicaes como: gnero, raa, entre outros deslocamentos e
mediaes culturais40, pelo menos at o final da dcada de 1970 e meados da de 1980.
Desta forma, o conceito de classe social ou de frao de classe, ainda que no estritamente
econmica, parece persistir entre os militantes do movimento estudantil e entre alguns dos
estudiosos que se debruaram sobre o tema no mencionado perodo.
A esse respeito, como j foi dito, Martins Filho observou que a condio de classe
mdia constituiu-se, no horizonte dos debates do perodo populista e no decurso da
ditadura civil-militar, em um importante fio condutor para esse campo de estudo em razo
das restries de acesso de alguns setores da sociedade condio de estudante
universitrio41.
40 Ver a respeito em HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. Traduo de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 5 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, pp.7-22. E ainda em: HALL, Stuart. Da dispora: Identidades e Mediaes Culturais. Traduo Adelaide La Guardi Resende et al. Belo Horizonte: Editora da UFMG; Braslia: Representaes da UNESCO no Brasil, 2003. 41 Esta posio tambm parece ser compartilhada por SAES, Dcio. Razes sociais e o carter do movimento estudantil. In: Cara a Cara. Ano I, n 2, 1978, pp. 189-196.
32
Neste sentido, ele identifica um primeiro momento, vinculado insero do
movimento estudantil universitrio nas campanhas reformistas do final do perodo
populista (1962-1964); um segundo momento, no qual se verifica a resistncia estudantil
ao projeto educacional e poltico-repressivo imposto pela ditadura civil-militar (1964-
1968); e um terceiro momento, iniciado com o golpe dentro do golpe, simbolizado pelo
Ato Institucional n 5, que silencia os movimentos de massa e que comea a ser rompido
com a distenso poltica iniciada pelo governo do presidente Geisel42.
No obstante ter atribudo aos estudantes universitrios o papel de porta-voz das
expectativas das camadas mdias brasileiras diante do processo poltico de crise do
populismo e de enfretamento da ditadura civil-militar, Martins Filho observa alguns sinais
de diferenciao entre estratgias de atuao dos estudantes dos anos de 1960 e de 1970, e
os estudantes do final dos anos 1980, quando parece comear a surgir o que ele denomina
de uma nova gerao estudantil. Esta nova gerao tende a assumir um carter
pluriclassista pautada na defesa da transparncia e do combate a corrupo na gesto
pblica gerao tambm conhecida como caras pintadas. A participao deles nos
protestos de rua culminou com o movimento Fora-Collor e o impeachment do Presidente
Fernando Collor de Melo43.
Dessa forma, o envolvimento dos estudantes em torno da luta contra a ditadura
civil-militar parece ter mantido o sentido poltico do uso do conceito de classe para os
participantes do movimento. Este sentido manteve-se, inclusive, diante do surgimento de
diversas tendncias e/ou agrupamentos polticos nas fileiras do movimento estudantil
durante a dcada de 197044. Aps o incio do processo de redemocratizao do pas, outros
movimentos j presentes no movimento estudantil, mas ainda no efetivamente projetados,
comeam a ganhar fora e visibilidade, como a luta das mulheres por igualdade de direitos,
o movimento negro, o movimento ambiental, as questes voltadas profissionalizao45,
42 MARTINS FILHO, Joo Roberto. 1968 faz 30 anos. Op. cit., pp. 8-20. 43 Op. cit. 44 Ver a esse respeito em: PELLICCIOTTA, Mirza Maria Balfi. Uma aventura poltica: as movimentaes estudantis da dcada de 70. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1997 (Dissertao de mestrado); e em: MLLER, Anglica. A resistncia do movimento estudantil brasileiro contra o regime ditatorial e o retorno da UNE cena pblica (1969-1979). Paris: Centre d Histoire Sociale Du XXme Sicle/ Universidade de Paris I/Panheon Sorbone; So Paulo: FFLCH/USP, 2010, (Tese de doutorado). 45 Ver a respeito em: MACHADO, Otvio Luiz. Formao profissional, ensino superior e a construo da profisso de engenheiro pelos movimentos estudantis de engenharia: experincia a partir da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco (1958-1975). Recife: UFPE, 2008 (Dissertao de mestrado).
33
as demandas cotidianas da juventude por cultura, lazer e participao poltica, entre
outros46.
A interpretao da teia de significados possveis a respeito dos estudantes e dos
movimentos a eles relacionados deve ser buscada, portanto, luz do contexto histrico em
que esses movimentos e experincias ocorreram. Os estudantes universitrios, assim, so
percebidos, no corpo desta tese, como sujeitos histricos constitudos e constituidores de
experincias e de expectativas partilhadas e disputas atravs de suas prticas sociais,
polticas e culturais em meio ao tempo e ao lugar em que tais sujeitos se encontram
inseridos47.
Partindo desse ponto de vista terico e metodolgico, a presente tese busca
descortinar como os estudantes universitrios de Sergipe externaram suas experincias e
expectativas polticas, culturais e sociais no intercurso de tempo entre o incio dos anos
1950, quando eles criaram e organizaram suas primeiras entidades representativas,
passando pela resistncia ditadura civil-militar, e meados dos anos 1980, quando, no
curso do processo de transio democrtica, os estudantes, alm de passarem a dividir
espaos com outros e novos movimentos sociais, atuaram tambm em torno de lutas
descentralizadas e comearam a destinar mais ateno para a questo da formao
profissional e do mercado48.
Estudar o movimento estudantil, o ensino superior e a sociedade em Sergipe entre
os anos de 1950 e 1985 tm, portanto, o objetivo de compreender as experincias polticas,
culturais e sociais vivenciadas por esses militantes em dois perodos histricos distintos: o
primeiro situa-se entre os anos posteriores ao final da ditadura do Estado Novo at a
46 Ver a respeito: SOUSA, Janice Tirelli Ponte de. Reinvenes da utopia: a militncia poltica dos jovens dos anos 90. So Paulo: Hacker, 1999; e ainda: RIBEIRO, Marcos Mesquita. Identidade, cultura e poltica: movimentos estudantis na contemporaneidade. So Paulo: PUC, 2006 (Tese de doutorado), e ainda em: MISCHE, Ann. De estudantes a cidados: redes de jovens e participao poltica. Op. cit. 47 Esta perspectiva postulada no campo da histria cultural sobre a histria dos jovens, ver a respeito em: LEVI, Giovanni & SCHMITT, Jean-Claude. Histria dos Jovens: da antiguidade era moderna. Traduo Cludio Marcandes, Nilson Moulin e Paulo Neves. V. I, So Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 7-17. No campo da sociologia histrica sobre a juventude, ver em: Lus Antnio. Juventude: ensaios sobre sociologia e histria das juventudes modernas. Op. cit., 2000. E, ainda, no campo da sociologia educacional sobre os jovens e a juventude, ver em: ABRAMO, Helena Wendel. Consideraes sobre a tematizao social da juventude no Brasil. Op. cit. 48 Ver a respeito em: DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participao poltica no Brasil ps-70. Rio de Janeiro: Relum-Dumar/ANPOCS, 1995; em: MELUCCI, Alberto. A inveno do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Traduo Maria do Carmo Bomfim. Petrpolis, 2001; em: MISCHE, Ann. De estudantes a cidados: redes de jovens e participao poltica. Op. cit.; e ainda na tese sobre o discurso do protagonismo dos jovens a partir de 1990 de: SOUZA, Regina Magalhes. O discurso do protagonismo juvenil. So Paulo: PPGS/USP, 2006 (Tese de doutorado).
34
deflagrao do golpe civil-militar de 1964; e o segundo vislumbra os anos de transcurso da
ditadura civil-militar ocorrida no Brasil, entre 1964 e 1985.
Em relao ao primeiro recorte temporal, 1950 a 1964, alguns acontecimentos
histricos delimitam o contexto social do perodo, como o sentimento de que aps o fim da
Segunda Guerra Mundial, o mundo estaria mais propenso a valorizar a democracia em vez
de ditaduras, como ocorreu no incio da dcada de 195049; de exaltao dos debates
nacionalistas e populares nas dcadas de 1950 e de 196050; e das polarizaes ideolgicas
em torno das reformas de base e do consequente golpe civil-militar de 196451. Em torno
desse contexto, esta pesquisa discute como os estudantes universitrios em Sergipe
organizaram suas entidades de representao poltica e seus movimentos reivindicatrios
em meio aos debates sobre o trabalhismo52, sobre o populismo53, sobre o nacionalismo54 e
sobre os movimentos de educao e cultura popular55.
J no segundo recorte, iniciado a partir de 1964 e estendido at meados de 1985,
este estudo analisa as experincias polticas vivenciadas por esses estudantes no contexto
histrico no qual as restries ao exerccio da liberdade democrtica e da autonomia
poltica da sociedade brasileira mantidas sob a controle dos militares e de parte da
sociedade que apoiou o golpe colocaram os estudantes e suas entidades representativas
como objeto de vigilncia e represso da ditadura civil-militar brasileira56. Este fato no os
49 Destaco a respeito: KONDER, Leandro. Histria dos intelectuais nos anos cinquenta. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. 2 ed. So Paulo: Contexto, 1998, pp. 355-374; e: COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. 50 Destaco a respeito: MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1934-1974). So Paulo: tica, 1977; SODR, Nelson W. A Verdade sobre o ISEB. Rio de Janeiro: Avenir, 1978; e ainda: TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: Fbrica de Ideologias. So Paulo: tica, 1977. 51 Destaco a respeito: RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revoluo, do CPC era da TV. Op. cit., pp. 19-140; ORTIZ, Renato. Cultura brasileira identidade nacional. 5 ed. So Paulo: Brasiliense, 1994; e tambm: TOLEDO, Caio Navarro. 1964: O golpe contra as reformas e a democracia: Revista Brasileira de Histria. So Paulo, V. 24, n 24, 2004, pp. 15-17. 52 Ver a respeito em: GOMES, ngela de Castro. A inveno do trabalhismo. 2 ed. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 1994. 53 Ver a respeito em: FERREIRA, Jorge (Orgs). O Populismo e sua histria: debate e crtica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001. 54 Ver a respeito: CHAU, Marilena. Seminrios: o nacional e o popular na cultura brasileira. 2 ed. So Paulo Brasiliense, 1984. 55 Ver a respeito em: FVERO, Osmar (Org.). Cultura popular e educao popular: memrias dos anos 60. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1983; e em: PAIVA, Vanilda Pereira. Educao popular e educao de adultos. So Paulo: Loyola, 1987. 56 Destaco a respeito: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposio no Brasil (1964-1984). 3 ed. So Paulo: Vozes, 1985; e: FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrneos da Ditadura Militar: espionagem e polcia poltica. Rio de Janeiro: Record, 2001. A respeito de Sergipe, destaco: DANTAS, Jos Ibar Costa. A tutela militar em Sergipe, 1964-1984: partidos e eleies num estado autoritrio. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
35
impediu de, uma vez reorganizados, passar a lutar contra a perda da autonomia poltica de
suas entidades representativas e, juntamente com outros setores da sociedade brasileira,
resistir ao controle imposto pela ditadura, assim como de lutar em favor da
redemocratizao do pas.
Historiografia, estudantes universitrios e o movimento estudantil
a Cincia e as teorias que nestas esto envolvidas colocam-se necessariamente em um campo de dilogos. No se pode avanar no campo cientfico, nem se movimentar no universo terico de um determinado campo de saber, sem se conectar com os diversos autores que j percorreram esse mesmo campo de saber, formulando conceitos e hipteses, propondo questes e sugerindo respostas, ou arriscando demonstraes e procedimentos argumentativos57.
Como j discutido, problematizar o conceito de classe no significa negligenciar a
possibilidade de discuti-lo enquanto campo de conhecimento, sendo, pois, necessrio
dialogar com os estudos j produzidos sobre o tema. A este respeito, ao longo da dcada de
1970 e incio da dcada de 1980, ocorreram intensos debates acadmicos em torno da
questo e dos limites da natureza de classe do movimento estudantil. Entre essas
discusses, cabe ressaltar a carta enviada por Dcio Saes revista Cara a cara, publicada
em 1978, sob o ttulo Razes sociais e o carter do movimento estudantil. Nessa edio,
Saes polemiza com os editores desse peridico sobre as especificidades atinentes ao
movimento estudantil. Para esse estudioso das classes mdias e do sistema poltico no
Brasil, as especificidades das lutas estudantis nem por isso deixam de ser lutas de uma
classe, ou frao de classe 58. Para ele,
no se pode analisar o movimento estudantil no Brasil atual, na Frana de 1978 ou nos EUA de 1964 a partir de um modelo geral da luta estudantil nas formaes sociais capitalistas. No podemos garantir que, em diferentes conjunturas, os mesmos objetivos de classe se exprimem na ao da categoria estudantil59.
57 BARROS, Jos DAssuno. Teoria da histria: princpios e conceitos fundamentais. Op. cit.; p. 83. 58 Op. cit., p.190. 59 SAES, Dcio. Razes sociais e o carter do movimento estudantil. Op. cit., p. 190.
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A reflexo de Dcio Saes, ainda que vinculada ao debate sociolgico e
econmico, discute a importncia do estudo acerca das especificidades histricas s quais
os estudantes e os seus movimentos esto relacionados, observando nestas especificidades
o papel dos estudantes como sujeitos histricos que interagem com a estrutura da
sociedade da qual fazem parte. Esse debate, entretanto, passou por certo refluxo no campo
sociolgico e educacional, deslocando suas atenes para outros conceitos, como gerao,
juventude, identidade e redes60.
No campo historiogrfico, como colocou Emlia Viotti da Costa, esse debate
revelou certo abandono do reducionismo economicista, baseado no conceito de classe
como categoria interpretativa, para esbarrar numa total dialtica invertida61, que a
substitua por um novo tipo de reducionismo, o cultural ou lingustico, to insuficiente e
equivocado quanto o anterior62. Historiografia centrada nas implicaes do processo de
dependncia cultural e nos limites do desenvolvimento de estudos especficos sobre a
realidade latino-americana63.
Segundo Viotti da Costa, por um lado, essa produo tentava evitar as
interpretaes tradicionais baseadas em pressupostas de foras histricas objetivas e
modelos determinados a partir da realidade dos chamados pases centrais: Estados Unidos
e Europa64, por outro lado, desenvolvendo estudos baseados no subjetivismo dos
agentes histricos e nas especificidades de cada lugar e momento, o que tambm no se
mostrava suficiente para estabelecer estudos comparativos e estratgias de ao poltica65.
Era um momento que, segundo a autora, convidava os historiadores a refletirem acerca dos
limites da inverso da dialtica e da necessidade de uma nova sntese capaz de evitar
reducionismos e reificaes66.
60 A esse respeito, destaco: no campo da educao, o trabalho de SPOSITO, Marlia Pontes. Sociabilidade juvenil e a rua: novos conflitos e a ao coletiva na cidade. In: Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, So Paulo, 5 (1-2), pp. 161-178, 1993, e o de ABROMOVAY, Mirian, ANDRADE, Eliane Ribeiro, ESTEVES, Luiz Carlos Gil (Orgs). Juventudes: outros olhares sobre a diversidade. Braslia: Secretaria Nacional da Juventude; Ministrio da Educao; e UNESCO, 2009; no campo da sociologia, os estudos de ABRAMO, Helena Wendel. Consideraes sobre a tematizao social da juventude no Brasil. Op. cit., e o de GROPPO, Lus Antnio. Juventude: ensaios sobre sociologia e histria das juventudes modernas. Op. cit.; e, no campo da psicologia, SOUSA, Janice Tirelli Ponte de. Reinvenes da Utopia: A militncia poltica dos jovens dos anos 90. Op. cit. 61 COSTA, Emlia Viotti da. A dialtica invertida: 1960-1999. In: Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 14, n 27, 1994, p. 12. 62 Op. cit., p. 13 63 Op. cit., p. 23 64 Op. cit., p. 25 65 Op. cit., p. 12 e p. 25. 66 COSTA, Emlia Viotti da. A dialtica invertida: 1960-1999. Op. cit., pp. 25-26.
37
Analisando a literatura produzida a respeito dos estudantes, em particular do
movimento estudantil universitrio no Brasil, luz dessas discusses, pode-se, mesmo que
incorrendo em possveis equvocos, dimensionar trs linhas de interpretao: a primeira
linha est preocupada em relacionar a imagem positiva, que j se fazia, dos estudantes
enquanto sujeitos ilustrados e engajados, valorizando, do ponto de vista de uma filosofia da
prxis, a condio de vanguarda cultural e poltica; a segunda, preocupada em
compreender o papel dos estudantes na sociedade, vinculada condio social de origem
na qual as aes do movimento estudantil e dos movimentos da juventude se relacionam s
estruturas sociais de classe ou de fraes de classe, dimensionadas, sobretudo, a partir de
aspectos socioeconmicos; e, a terceira expressa a posio de educadores, antroplogos e
psiclogos preocupados em analisar os problemas dos estudantes e de diferentes grupos de
jovens a partir das discusses acerca da identidade cultural, do cotidiano escolar, rural e
urbano, e das subjetividades relativas a sujeitos que esto em transio para a fase adulta67.
Considerando a inteno deste trabalho, deter-nos-emos um pouco mais nas duas
primeiras linhas interpretativas que aqui alinhavamos. A primeira construda com base na
influncia do pensamento nacionalista presente no Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB). Sob esta tica foi publicado, em 1961, o livro A questo da universidade, escrito
por lvaro Vieira Pinto, ento presidente do ISEB. Essa obra evidencia o papel
progressista do movimento estudantil na qualidade de foras sociais ascendentes68. Tal
interpretao, frequente no perodo de sua publicao, aglutinava elementos das discusses
relativas cultura nacional e elementos dos debates referentes cultura poltica de
esquerda no pas69.
Tais ideias influenciariam muitos outros estudiosos sobre o tema, como ocorreu
com o jornalista Artur Jos Poerner, autor do livro O poder jovem, em 1968, que optou por
uma interpretao progressista assumida por parte dos estudantes latino-americanos em
reao aos desmandos e conservadorismo de seus governos e a favor dos operrios e
67 Ler a respeito dessa terceira linha de interpretao: NOVAES, Regina, VANNUCHI, Paulo (org.). Juventude e sociedade: trabalho, educao, cultura e participao. So Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo, 2004; e em: ABRAMO, Helena Wendel, BRANCO, Pedro Paulo Martoni (org.). Retratos da juventude brasileira: anlises de uma pesquisa nacional. So Paulo: Editora da Fundao Perseu Abramo, 2005. 68 PINTO, lvaro Vieira. A questo da universidade. 2 ed. So Paulo: Cortez: Autores Associados,1986, p.13. 69 Ver mais informaes a esse respeito em: RUBIM, Antnio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Salvador: Centro Editorial e Didtico da UFBA, 1995.
38
camponeses70. Ainda a respeito desse livro, o historiador Jos Alberto Saldanha Oliveira
utiliza-o como uma fonte importante de interlocuo para discutir o processo de construo
da identidade da Unio Nacional dos Estudantes (UNE), focalizando como o movimento
estudantil utilizou as realizaes atribudas a esta entidade e aos seus participantes para
construir uma autoimagem positiva de si71.
Dentro dessa linha de interpretao, Mendes Jnior, aplicando o critrio do tipo
de atuao, identificou quatro fases desse movimento: a fase de atuao individual, sem a
existncia de qualquer entidade agremiativa, at meados do perodo imperial; a fase de
atuao coletiva, quando surgem as primeiras sociedades intelectuais e culturais, no
perodo imperial; a fase de atuao organizada, iniciada com a fundao da UNE; e a fase
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