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autora
ADRIANA APARECIDA FERREIRA MARQUES
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
ÉTICAPROFISSIONAL
Conselho editorial marcos lemos – diretor nacional; solange moura (cursos
ciências sociais aplicadas), regiane burger (cursos exatas), sergio augusto cabral (cursos
saúde) ou luis claudio dallier (cursos educação); roberto paes; gladis linhares; karen
bortoloti; adriana aparecida ferreira marques.
Autora do original adriana aparecida ferreira marques
Projeto editorial roberto paes
Coordenação de produção gladis linhares
Coordenação de produção EAD karen fernanda bortoloti
Projeto gráfico paulo vitor bastos
Diagramação ulisses vittori
Revisão linguística roseli cantalogo couto
Revisão de Conteúdo adriana aparecida ferreira marques
Imagem de capa irochka | dreamstime.com
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
M331e Marques, Adriana Aparecida F.
Ética profissional / Adriana Aparecida F. Marques.
Rio de Janeiro : SESES, 2015.
176 p. : il.
isbn 978-85-60923-60-1
1. Ética profissional. 2. Código de ética. 3. Liberdade. 4. Serviço Social.
I. SESES. II. Estácio.
CDD 360.174
Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento
Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 7
1. Aspectos Filosóficos e Conceituais sobre à Ética Profissional atrelado a Prática Profissional do Assistente Social 9
Objetivos 10
1.1 Aspectos filosóficos e conceituais 11
1.1.1 Liberdade 12
1.1.2 Os valores 15
1.1.3 Fundamentos para a ética profissional 17
1.1.4 Ética no trabalho do assistente social 23
1.2 Cotidianidades e a prática profissional 32
1.2.1 A origem do Serviço Social 32
1.2.2 A gênese da questão social 36
1.2.3 A ética profissional tradicional 40
1.2.4 Início do processo de ruptura com a ética tradicional 42
1.2.5 Rebatimentos no Serviço Social 44
1.2.6 Cotidianidade 47
Atividades 49
Reflexão 50
Referências bibliográficas 52
2. A Ética e as Profissões e o Conservadorismo Profissional 55
Objetivos 56
2.1 A ética e as profissões 57
2.1.1 Etiqueta ou ética? 57
2.1.2 Código de ética profissional dos
assistentes sociais de 1947 59
2.1.2.1 Contextualização 59
2.1.2.2 O código de ética profissional de 1947 62
2.1.3 Código de ética profissional dos assistentes sociais de 1965 63
2.1.3.1 Contextualização 63
2.1.3.2 Código de ética profissional do Serviço Social de 1965 67
2.1.4 Código de ética de 1975 68
2.1.4.1 Contextualização 68
2.1.5 Código de ética profissional do assistente social de 1975 70
2.1.6 Código de ética profissional do assistente social de 1986 71
2.1.6.1 Contextualização 71
2.1.7 Código de ética profissional do assistente social de 1986 73
2.2 Analisando a trajetória da formação do
código de ética profissional do Serviço Social 74
2.2.1 Ética profissional 74
2.2.2 Profissionais Liberais 74
2.3 Serviço Social e Ética 80
Atividades 81
Reflexão 81
Referências bibliográficas 84
3. Ética Profissional no contexto da nova República e a construção de um novo Código de Ética Profissional 85
Objetivos 86
3.1 O debate em torno da ética profissional no
contexto da nova república (86 até 90) 87
3.1.1 Constituição Federal de 1988 - A Constituição Cidadã 87
3.1.2 Anos 80 - Redimensionamento em torno da Ética Profissional 88
3.1.3 A Ética Profissional nos Anos 90 89
3.1.4 Ética e direitos humanos 96
3.1.4.1 Direitos humanos e direitos dos cidadãos 96
3.1.4.2 Diferenças e desigualdades sociais 98
3.1.4.3 Uma ação ética possível 101
3.1.5 Código de ética 1993 106
Atividades 116
Reflexão 116
Referências bibliográficas 117
4. Código de Ética de 1993 – CFESS/CRESS – Direitos e deveres do(a) Assistente Social 119
Objetivos 120
4.1 Importância do Código de Ética de 1993 para a Profissão 121
4.2 Código de ética de 1993 126
Atividades 143
Reflexão 143
Referências bibliográficas 144
5. Projeto Ético Político do Serviço Social 147
Objetivos 148
5.1 Projeto ético político do Serviço Social 149
5.1.1 Projetos societários 149
5.1.2 Os projetos profissionais 151
5.1.3 Pluralismo 152
5.1.4 Percurso do projeto ético-político 154
5.1.5 Dimensões que materializam o projeto ético-político 157
5.1.6 Diversidades de componentes e código de ética 159
5.1.7 A importância da construção do conhecimento 161
5.1.8 Estrutura do projeto ético-político 162
5.1.9 Desafios para o projeto ético-político 164
Atividades 167
Reflexão 167
Referências bibliográficas 169
Gabarito 170
7
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),
Apresentamos nesse material a disciplina de Ética profissional.
O objetivo é proporcionar, uma compreensão dos elementos básicos que com-
põem esse assunto, visando à perspectiva futura da aplicação na sua área de atua-
ção para fortalecimento da sua formação e ação profissional, contribuir para que
conheça e compreenda o conteúdo o Código de Ética profissional do(a) Assistente
Social e o Projeto Ético Político do Serviço Social.
A ética exercida pelo assistente social traz em sua trajetória muitas conquistas e der-
rotas, como também, superação e limites de uma categoria profissional que optou pela
justiça, equidade social, consolidação da democracia como garantia de direitos e da
democratização como processo de socialização da riqueza socialmente construída, de-
fendendo uma nova ordem societária (SANT’ANA, 2000).
Assim, optou-se pelas classes trabalhadoras, por uma sociedade mais justa,
que propicie oportunidades a todos de maneira igualitária, independente das di-
ferenças.
Registro aqui as palavras de Netto (2006) referindo-se ao Projeto Ético-político
do Serviço Social:
[...] este projeto tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético
central – a liberdade de escolha entre alternativas concretas; daí um compromisso com
a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Consequen-
temente, este projeto se vincula a um projeto societário que propõe a construção de
uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero. A partir
destas opções que o fundamentam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos direi-
tos humanos e o repúdio do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o
pluralismo, tanto na sociedade como no exercício profissional.
Este material possibilita um encontro entre a Ética e Serviço Social, portan-
to, para um melhor aproveitamento, oriento que leia os capítulos antes das au-
las e traga suas dúvidas para criarmos uma interação crítica e criativa.
Bons estudos!
Aspectos Filosóficos e Conceituais sobre à Ética Profissional atrelado a Prática
Profissional do Assistente Social
1
10 • capítulo 1
Nesse primeiro capítulo iremos refletir sobre as questões que envolvem a
ética e que refletem nas ações profissionais, suas mudanças de acordo com
a evolução históricas-sociais, no que se refere a moral, liberdade e valores.
Também iremos aprofundar na análise sobre a cotidianidade que se estabe-
lece e reflete na prática profissional, ou seja, como ela se apresentou em sua
evolução para chegarmos até o presente momento histórico.
OBJETIVOS
Esse capítulo pretende discutir e analisar as questões da ética para que o aluno (a) possa reali-
zar a reflexão cotejada com o pensar na prática profissional. Assim, conhecer os fundamentos e
princípios que embasam a ética exercida pelo assistente social, por meio de uma visão histórica,
política e social que aproxime do fazer profissional cada vez mais qualificado e consciente de
sua ação profissional.
O aluno (a) irá conseguir:
• Identificar os fundamentos ontológico-sociais da ética e da moral;
• Relacionar a importância da reflexão ética para o debate em torno da ética profissional do
Serviço Social;
• Compreender a importância da ética para a reflexão da Ética Profissional do Serviço Social;
• Aprender aspectos conceituais e filosóficos em torno da definição de Ética e Moral;
• Analisar a constituição dos valores morais como algo determinante da vida social e por fim,
relacionar a ética à ontologia do ser social;
• Identificar as especificidades do cotidiano e sua relação com a prática profissional do
Serviço Social;
• Situar o Serviço Social frente à questão da discriminação e à discussão das diferenças.
capítulo 1 • 11
1.1 Aspectos filosóficos e conceituais
Segundo Valls (1986, p.7), a ética pode ser entendida:
[...] como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente até teoló-
gica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas. Mas também chamamos de ética
a própria vida, quando conforme aos costumes considerados corretos. A ética pode ser
o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização de um tipo de
comportamento.
A ética seria apenas um comportamento adequado aos costumes e valores
de determinada época, determinada região e determinado contexto. O que se
considera ético entre os índios, por exemplo, devido aos seus costumes e a sua
realidade muitas vezes pode não ser considerado ético na sociedade capitalista
contemporânea.
O mesmo raciocínio pode-se aplicar ao Ocidente em relação ao Oriente.
Costumes regidos principalmente por crenças religiosas, tornam-se opostos e
ambíguos.
Assim sendo, o que seria ético ou não ético, por exemplo, tratando-se de um
homicídio, em um assalto a vítima acaba atentando contra a vida do agressor
– legítima defesa – correto, e em uma situação inversa, onde o assaltante tira a
vida da vítima. Partindo do princípio que em ambas situações ocorreu um ho-
micídio, tirou-se a vida de alguém, não importa de quem. O que é ético ou não.
O contexto, a situação faz a ética?
Não são apenas os costumes que variam, mas também os valores que os acompanham,
as próprias normas concretas, os próprios ideais, a própria sabedoria, de um povo a
outro. (VALLS, 1986, p. 13)
Ao questionarmos a existência ou não de uma ética absoluta, pode-se suge-
rir que talvez o cristianismo tenha-a trazido, válida acima de todas as fronteiras
do tempo e do espaço. Mas dentro do próprio cristianismo Max Weber mostra
que essa ética não era unânime, pois os protestantes, principalmente os cal-
vinistas, sempre valorizaram muito mais o trabalho e a riqueza, enquanto os
católicos valorizavam mais a abnegação, ao espírito de pobreza e de sacrifício.
12 • capítulo 1
Não seria exagerado dizer que o esforço de teorização no campo da ética se debate
com o problema da variação de costumes. E os grandes pensadores éticos sempre
buscaram formulações que explicassem, a partir de alguns princípios mais universais,
tanto a igualdade do gênero humano no que há de mais fundamental, quanto as pró-
prias variações. Uma boa teoria ética deveria atender à pretensão de universalidade,
ainda que simultaneamente capaz de explicar as variações de comportamento, carac-
terísticas das diferentes formações culturais e históricas. (VALLS, 1986, p. 16)
Os autores que mais se destacaram neste sentido foram o filósofo grego
Sócrates (470-399 a.C.) e o alemão prussiano Kant (1724-1804).
O que são valores?
Como expôs Vasques (1983), não existem valores em si, como entidades ideais ou irre-
ais (ou bens) que possuem valor. O valor não é propriedade dos objetos em si, mas pro-
priedade adquirida graças à sua relação com o homem como ser social. Mas, por sua vez,
os objetos podem ter valor somente quando dotados de certas propriedades objetivas.
1.1.1 Liberdade
A liberdade é inerente a ética, se o homem não for livre para agir conforme seus
preceitos, ou mesmo se não for livre para formulá-los, não há sentido ético em
sua vivência pessoal ou coletiva. A liberdade é um princípio ético fundamental em
busca de uma sociedade mais justa, mais humana, uma vida melhor para todos.
CONEXÃOPara uma maior reflexão sobre ética e liberdade, acesse:
http://www.fflch.usp.br/df/site/publicacoes/discurso/pdf/D22_Ser_Parte_e_Ter_Parte.pdf
Há a possibilidade de cumprir, obedecer ou não as normas; as regras e nor-
mas morais visam de certa forma conduzir a vida em sociedade, mas a liber-
dade também se faz presente quando se opta por viver ou não da maneira que
estabelece o senso comum.
capítulo 1 • 13
Assim, Valls (1986, p.49) afirma:
Todas as doutrinas éticas se articulam entre dois extremos que tornam a ética impossí-
vel. Se alguém afirma que o determinismo é total, então não há mais ética. Pois a ética
se refere às ações humanas, e se elas são totalmente determinadas de fora para den-
tro, não há espaço para a liberdade, como a autodeterminação, e, consequentemente,
não há espaço para a ética.
Dentre as formas de determinismo temos o fatalismo onde, tudo que acon-
tece, tinha que acontecer. Segundo os orientais “estava escrito”. Se atribuirmos
à fatalidade ou ao destino, a todos nossos passos, atos, omissões, então não te-
mos liberdade e nem optamos pelo nosso presente ou futuro. Tudo o que acon-
tecer já estava decidido, determinado.
Para Johnson (1997), em termos gerais, o determinismo é um modo de pensar que
supõe que tudo é, de modo previsível, causado por alguma coisa. Mais especificamente,
determinismo descreve qualquer teoria que explique o mundo em termos de alguns
fatores estreitamente definidos, com exclusão de todos os demais.
Ainda segundo Johnson (1997), o determinismo social atribui à vida social
exclusivamente aos sistemas sociais, assim nega aspectos biológicos da exis-
tência humana. Dentro desta perspectiva o homem tem pouco ou nenhum con-
trole ou livre arbítrio diante de fatores biológicos ou sociais.
“Quando uma objetividade total domina o sujeito, não há mais espaço para
a liberdade e consequentemente nem para a ética”. (VALLS, 1986, p.50).
Assim como não está tudo determinado, nem tudo que se aspira é possível,
estamos sujeitos a impedimentos sociais, políticos e econômicos. Não há uma
liberdade total para se fazer o que quiser, a ética muitas vezes nos condiciona e
nos limita visando o convívio social.
[...] alguns pensadores do idealismo também acentuaram de tal maneira o poder da
vontade, acima de todos os condicionamentos naturais, materiais, sociais, econômicos
14 • capítulo 1
e psicológicos [...] pressupondo um sujeito puramente racional, infinito, acima e livre do
aqui e agora, um espírito tão poderoso que não se identifica mais com o homem real e
concreto (VALLS, 1986, p.50).
Para Hegel, filósofo alemão (1770-1831):
Em certas passagens expõe a história de uma liberdade que seria sobre-humana, mas
não se pode negar sua importância em relação a liberdade, explica por exemplo, porque
num Estado em que apenas um homem é livre ninguém é livre, nem mesmo o tirano.
Num Estado de direito, o exterior, ou seja, as leis e as organizações sociais, garantem a
liberdade, ou melhor, as liberdades individuais e o bem comum. Pois não basta que eu me
sinta livre, é preciso que eu me saiba realmente livre, num Estado organizado que garanta
a liberdade de todos e de cada um. Hegel mostra que a liberdade não pode ser apenas
exterior, nem apenas interior, e que ela se desenvolve na consciência e nas estruturas. A
liberdade aumenta com a consciência que se tem dela, embora a simples “consciência da
liberdade” ainda não seja a liberdade efetiva, isto é, real (VALLS, 1986, p.53).
Tanto o determinismo absoluto quanto o libertarismo absoluto, são dois
extremos que fazem com que a ética se movimente entre eles, mas ambos são
falsos.
A ética se preocupa, podemos dizê-lo agora, com as formas humanas de resolver as
contradições entre necessidade e possibilidade, entre tempo e eternidade, entre o in-
dividual e o social, entre o econômico e o moral, entre o corporal e o psíquico, entre
o natural e o cultural e entre a inteligência e a vontade. Essas contradições não são
todas do mesmo tipo, mas brotam do fato de que o homem é um ser sintético, ou, dito
mais exatamente, o homem não é o que apenas é, pois ele precisa tornar-se um ho-
mem, realizando em sua vida a síntese das contradições que o constituem inicialmente
(VALLS, 1986,p. 56).
A ética se diferencia da moral; a primeira visa uma vida melhor para todos,
um bom convívio social, já a segunda tem um caráter mais regulador, funda-
mentado na obediência de normas e regras bem como na obediência de costu-
mes culturais e religiosos.
capítulo 1 • 15
CONEXÃOPara um maior aprofundamento sobre a liberdade e autonomia no Serviço Social, acesse:
http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v6n2_carla.htm
1.1.2 Os valores
Em nossas vidas formulamos cons-
tantemente juízos de valor ao afir-
marmos que este lápis é ruim, pois
sempre quebra a ponta; este livro
não é bom, mas tem um valor sen-
timental grande, pois alguém que
gosto me presenteou; acho que
fulano agiu mal em determinada
situação.
Estas situações retratam os ju-
ízos de valores formulados, assim
descobrimos em nossa realidade conteúdos que mobilizam nossa atração ou
repulsa.
[...] o mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de tal
modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua, diante de
estranhos; como, quando e quanto falar em determinadas circunstâncias; como andar,
correr, brincar; como cobrir o corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza;
que direitos e deveres temos. Conforme atendemos ou transgredimos certos padrões,
nossos comportamentos são avaliados como bons ou maus. (ARANHA, 1986, p.302)
Assim as pessoas podem nos recriminar ou nos elogiar, nós próprios po-
demos nos alegrar ou sentir remorsos por uma ação praticada; isso quer dizer
que o resultado de nossos atos está sujeito à sanção, ou seja à recompensa e à
punição nas mais diversas intensidades.
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16 • capítulo 1
Podemos considerar a moral como o conjunto de regras que determinam o
comportamento dos indivíduos na sociedade. Segundo Aranha (1986), exterior
e anterior ao indivíduo, há uma moral constituída, que orienta seu comporta-
mento por meio de normas. Em função da adequação ou não à norma estabele-
cida, o ato será considerado moral ou imoral.
O mundo do trabalho influência diretamente as formas de organização da
sociedade, assim ao alterar as relações de trabalho, novos valores e condutas
nascem, alterando o comportamento coletivo.
Na antiguidade o trabalho era restrito aos escravos, na idade média ele pas-
sa a ser restrito aos servos, em ambos os casos a classe dominante se dedicava
ao ócio e a uma vida contemplativa. Com o surgimento da burguesia surgem
novas relações de trabalho, nascendo novos valores, havendo a valorização do
trabalho e a crítica ao ócio.
Aranha (1986), afirma que o homem, ao mesmo tempo em que é herdeiro, é
criador de cultura e só terá uma vida autêntica se diante da moral constituída,
for capaz de propor uma moral constituinte, isto é, a que se faz dolorosamente
e por meio das experiências vividas.
Nessa perspectiva, a moral não pode recusar a ambiguidade fundamental, justamente
a que determina o seu caráter histórico. Toda moral está situada num tempo e reflete
um mundo em que a nossa liberdade se acha situada. Diante desse passado que con-
diciona nossos atos, podemos nos colocar à distância para reassumi-lo ou recusá-lo.
A historicidade do homem não reside na sua mera continuidade no tempo, mas é a
consciência ativa do futuro, pela qual se torna possível a criação original por meio de
um projeto de ação que tudo muda (ARANHA, 1986, p. 305).
Segundo Aranha (1986), a instauração do mundo moral exige do homem
uma consciência crítica, a qual pode-se chamar de consciência moral, trata-
se do conjunto de exigências das prescrições que reconhecemos como válidas
para orientar a nossa escolha; é essa consciência que vai discernir o valor dos
nossos atos.
Ato Moral – deve ser livre, consciente, intencional e responsável.
capítulo 1 • 17
1.1.3 Fundamentos para a ética profissional
O Serviço Social brasileiro teve, em sua origem, o conservadorismo1, na inter-
venção profissional. O assistente social era influenciado pelo aporte dogmáti-
co da Igreja Católica, segundo Martinelli (2005, p. 117), na “[...] Sociedade de
Organização da Caridade, que convivia com uma prática assistencial que tinha
origens no século XVII, com S. Vicente de Paulo”.
O modo de ser do assistente social resultava de uma identidade que não
estava em sua luta histórica, portanto, não era uma identidade profissional
construída pela categoria, senão atribuída pela classe dominante. Segundo
Martinelli (2005, p. 118):
Todo o esforço da classe dominante dirigia-se a um objetivo por ela considerado cru-
cial: bloquear o desenvolvimento da consciência de classe do proletariado e sua organi-
zação política. Os serviços assistenciais e beneficentes estrategicamente criados pela
burguesia procuravam atuar como sérios obstáculos, trazendo para o movimento ope-
rário a falsa representação de um Estado paternal, bom e protetor. [...] sua prática era
uma expressão do poder hegemônico da classe dominante, sua identidade era aquela
atribuída pela sociedade burguesa constituída: uma estratégia de controle social e de
difusão do modo capitalista de pensar.
A sociedade representada pela classe dominante – em três instâncias, a saber: o Esta-
do, a Igreja e a burguesia – demarcou, no espaço e no tempo, seu território ideológico. A
preocupação também era deter o avanço do Partido Comunista Brasileiro e suas ideias
revolucionárias, assim como as manifestações dos operários em prol de melhores con-
dições de vida.
A ética do assistente social estava voltada para a permanência, para imutabilidade social,
portanto, era um técnico em assuntos sociais cujas ações somente reproduziam a lógica
da classe dominante que era delongar o status quo na sociedade de maneira geral.
Fonte: MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
1 A sociedade representada pela classe dominante – em três instâncias, a saber: o Estado, a Igreja e a burguesia – demarcou, no espaço e no tempo, seu território ideológico. A preocupação também era deter o avanço do Partido Comunista Brasileiro e suas ideias revolucionárias, assim como as manifestações dos operários em prol de melhores condições de vida.A ética do assistente social estava voltada para a permanência, para imutabilidade social, portanto, era um técnico em assuntos sociais cujas ações somente reproduziam a lógica da classe dominante que era delongar o status quo na sociedade de maneira geral. Fonte: MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
18 • capítulo 1
Política ou tecnicamente, o assistente social era apenas um “fantoche” cuja
corda de manipulação era a ideologia incutida na sociedade e, portanto, pre-
sente nele. A diferença estava em sua função como um agente da realidade so-
cial. No entanto, suas atribuições eram pré-incorporadas pelos profissionais,
haja vista, ter ainda muita influência da benesse ou da caridade apoiada pela
moral religiosa arraigada no seio da sociedade. Assim, o Estado foi tido como
uma instituição protetora e cuidadosa para com “os necessitados”.
A intervenção do Estado manifestou o poderio hegemônico da classe domi-
nante e sua identidade longe de ser construída coletiva e historicamente pe-
los pares era atribuída pela mesma classe dominadora. Os donos do capital,
a Igreja e o Estado viram, nos primeiros assistentes sociais, uma estratégia de
permanência do status quo2 da sociedade na medida em que agiam em prol
dos pobres.
A ética praticada pelos primeiros assistentes sociais surge a partir da Ação
Católica imersa nos interesses do Governo Provisório e do Estado Novo e dos
empresários. O assistente social tinha uma “missão” doutrinária a cumprir. E
tal modo de ser profissional está vinculado às ideologias implícitas da própria
Igreja.
A formação profissional do assistente social estava voltada para aspectos
biológicos, sociológicos, moralistas e doutrinários. Esta ética profissional preo-
cupava com os desajustamentos dos indivíduos ou grupos. Segundo Iamamoto
e Carvalho (2005, p. 221): "O assistente social deveria ser uma pessoa da mais ín-
tegra formação moral, que a um sólido preparo técnico alie o desinteresse pessoal,
uma grande capacidade de devotamento e sentimento de amor ao próximo [...]"
O assistente social deveria ser dotado de outras tantas qualidades inatas,
cuja enumeração é bastante longa: devotamento, critério, senso prático, des-
prendimento, modéstia, simplicidade, comunicatividade, bom humor, calma,
sociabilidade, dentre outras.
A adesão do assistente social ao projeto hegemônico da classe dominante pro-
porcionou ao próprio profissional uma identidade atribuída e não construída pela
categoria profissional. A visão de mundo é naturalizada3 pela classe dominante e o
assistente social a incorpora em sua prática diante da realidade social.
2 (da expressão in statu quo res erant ante bellum) é uma expressão latina que designa o estado atual das coisas, seja em que momento for. Emprega-se esta expressão, geralmente, para definir o estado de coisas ou situações. Dicionário de Sociologia.3 O Serviço Social é situado no processo de reprodução das relações sociais; fundamentalmente é uma atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle social e na difusão da ideologia da classe dominante. Junto à classe trabalhadora porém, participa também, ao lado de outras instituições sociais, das respostas legítimas de sobrevivência desta classe face às suas condições de vida, dadas historicamente (IAMAMOTO, 2005, p.115).
capítulo 1 • 19
O primeiro Código de Ética do Assistente Social foi promulgado em 1947,
momento que a ética é entendida como normas a serem seguidas pelo profis-
sional. É percebida como Ética do Aperfeiçoamento, pois, esta é norteada pelas
regras a serem seguidas para uma determinada ação. Essa ética do assistente
social que percebe no Código de Ética a própria normatização de seu agir, não
vislumbra a questão social na sociedade, pois está justamente nesta categoria
a condição necessária de fazermos a passagem dos princípios éticos dispostos
no Código de Ética e o modo de ser exigido na intervenção profissional, diante
da questão social.
A Ética do Aperfeiçoamento revela a falsa consciência que acreditava que o
desenvolvimentismo traria a resolutividade das mazelas sociais. No entanto, ao
cooptar com as ideologias do progresso industrial, o Serviço Social continuou
reproduzindo em suas ações, as intenções do modo de produção econômico.
A ética profissional estava direcionada a uma prática alicerçada pelos costumes morais
advindos da Igreja e da sociedade conservadora. Portanto, o perfil do assistente social
pertencia a um modo de ser imutável, perene, perfeito e não contraditório. O modo de
ser do assistente social do início do Serviço Social brasileiro estava alicerçado na ética
do aperfeiçoamento, pois o mesmo não tinha a inquietude da transformação social.
As técnicas do assistente social estavam no Desenvolvimento e Organização de
Comunidade advindas dos modelos dos E.U.A. Segundo Wanderley (1998, p. 27)
“[...] o I Seminário para Professores de Desenvolvimento de Comunidade, pro-
movido pela ABESS (1963), propôs o estudo da disciplina desenvolvimento de
Comunidade (DC), pautando-a nas peculiaridades conjunturais [...]”.
As ideologias do desenvolvimentismo não apenas atingiram o Brasil, mas
parte dos estados latino-americanos. Com isso, o Serviço Social (latino-ameri-
cano) se viu em diversos seminários e congressos para discutir a melhor práti-
ca profissional para contribuir com tal desenvolvimento. Foi dessa forma que
tais encontros ficaram denominados como “Movimento de Reconceituação”
(IAMAMOTO, 2009. p. 21-22), que tinha a pretensão de repensar a prática do as-
sistente social, assim como o compromisso ético e, também, os fundamentos
teóricos mais próximos da nossa realidade, não advindos do exterior. Tal movi-
mento foi um momento ímpar na história do Serviço Social latino-americano,
porque trouxe a possibilidade da mudança da ética profissional, pois, existiam
20 • capítulo 1
assistentes sociais que propuseram uma intervenção ligada a ética da mobili-
dade, que nós denominamos aqui pela vertente de “intenção de ruptura” com o
conservadorismo (PAULO NETTO, 2005, p. 247).
O alicerce da prática profissional do assistente social esteve pautada na mo-
ral e não a ética. O aporte doutrinal da igreja que regia a sociedade era, enquan-
to moral, o mesmo que influenciava o modo de ser do assistente social.
O Serviço Social e a sociedade brasileira, de modo geral, vivendo sob o início
do autoritarismo ditatorial, se veem diante de tamanha repressão e persegui-
ção. Segundo Fausto (2007, p. 596), o Comunismo:
[...] é tratado sob diferentes aspectos, segundo o setor organizado. De um lado, a clas-
se dominante tenta criar um vasto e intenso “movimento feminino”, capaz de exprimir,
através de campanhas cívicas e manifestações públicas, uma oposição, “maciça” à as-
censão popular. Nesse nível, o anticomunismo se caracteriza, sobretudo, como a defesa
das instituições sociais fundamentais: a família, a religião, a propriedade.
Movimentos contra o Comunismo são deflagrados para a defesa e reprodu-
ção do status quo da sociedade: da família, da religião e da propriedade. Ora, o
receio do Governo, da igreja e da elite brasileira era perder poder em seus pró-
prios espaços, a saber: a igreja, com a perda dos fiéis pelo ateísmo advindo dos
Comunistas; o Governo, pela “desestrutura familiar”, afirmando que a família
nuclear4 é a primeira e única forma de estrutura familiar; por fim, a igreja, o
Governo e as elites e suas preocupações com os bens e propriedades.
O Governo dos militares manteve-se no poder por Atos Institucionais, ou
seja, decretos não democráticos. Por meio desses atos, o Executivo cassava
mandatos e suprimia direitos políticos, decretava e aprovava emendas consti-
tucionais (MACHADO, 2008).
Inserido no período ditatorial, o Serviço Social também viveu o Movimento
de Reconceituação, que ficou caracterizado pelo momento em que a catego-
ria profissional também pensou novas práticas de atuação. No entanto, este
movimento favoreceu a permanência do conservadorismo. José Paulo Netto
(2005, p. 154; 157; 159) afirma três vertentes que repercutiram no Movimento
de Reconceituação:
4 É um grupo de pessoas, ligados por descendência (demonstrada ou estipulada) a partir de um ancestral comum, matrimônio ou adoção. Dicionário de Sociologia.
capítulo 1 • 21
A primeira direção conforma uma perspectiva modernizadora para as concepções pro-
fissionais [...] o núcleo central desta perspectiva é a tematização do Serviço Social como
interveniente, dinamizador e integrador, no processo de desenvolvimento. [...] a direção
que condensa a renovação compatível com o segmento do Serviço Social mais imper-
meável às mudanças pode designar-se como a perspectiva de reatualização do con-
servadorismo. [...] a terceira direção identificada no processo de renovação do Serviço
Social no Brasil é a perspectiva que se propõe como intenção de ruptura com o Serviço
Social tradicional.
Podemos dizer que o modo de ser do assistente social, nesse período, tam-
bém tinha três realidades: a primeira, é o modo de ser direcionado pela pers-
pectiva modernizadora; a segunda, é a ética profissional voltada para a reatu-
alização do conservadorismo; por último, é o modo de ser com intenção de
ruptura com as práticas tradicionais e conservadoras.
No entanto, essas três realidades estão consubstanciadas nas duas éticas
profissionais que aqui trabalhamos: a ética do aperfeiçoamento e a ética da mo-
bilidade. Tanto a perspectiva modernizadora, quanto a reatualização do conser-
vadorismo refletem o modo de ser expresso na ética do aperfeiçoamento, pois
são vertentes e modo de ser reprodutores do status quo da sociedade. Já a verten-
te de “intenção de ruptura” está direcionada para a ética da mobilidade, pois é a
única vertente que não coadunou com o modo de ser conservador e demonstrou
a necessidade da categoria em romper com o conservadorismo na profissão.
Não foi diferente na década de 1980 que proporcionou à categoria do Serviço
Social aprofundamentos em relação a ética da mobilidade, o modo de ser do as-
sistente social voltado para princípios do exercício pleno da democracia. Para
tanto, Iamamoto (2006, p. 185) diz a respeito que:
Os rumos assumidos pelo amplo debate efetuado na década de 1980 apontaram, ain-
da, para o privilégio – ainda que a não exclusividade – de uma teoria social crítica, des-
veladora dos fundamentos da produção e reprodução da “questão social”. [...] Portanto,
de um perfil profissional comprometido com valores ético-humanistas: com os valores
de liberdade, igualdade e justiça, como pressupostos e condição para a autoconstrução
de sujeitos individuais e coletivos, criadores da história.
22 • capítulo 1
É pertinente a citação de Iamamoto, pois nos possibilita vislumbrar o que
se passava na década de 1980. O Brasil vivia um período de redemocratização,
e o Serviço Social permeou esta realidade brasileira. Sem a teoria social críti-
ca advinda do método dialético de Marx o assistente social não seria capaz de
adentrar e entender as multifaces da questão social.
Entende-se a ética profissional como modo de ser que perpassa a forma-
ção profissional que constituiu o assistente social por diversas dimensões que
interferem em sua orientação ao longo da vida. O assistente social vivencia as
relações sociais no cotidiano profissional e, portanto, no percurso histórico
de sua própria formação humana. Está aí a dificuldade de apreendermos sua
práxis profissional (VÁZQUEZ, 1968), ou seja, o exame da vida profissional não
deve ser desvinculado de sua história pessoal. Isso porque está na trajetória de
sua formação humano-social o seu próprio modo de ser enquanto profissional.
O impedimento de se adentrar na práxis5 do assistente social e, portan-
to, perceber as nuanças de sua intervenção está relacionada ao esquecimen-
to de seu próprio costume. O modo de ser não se resume à ação profissional,
senão também em sua ação enquanto humano que é daí o humano-genérico
(LUKÁCS, 1979).
O modo de ser do assistente social não está a esmo, no espaço vazio e distan-
te do cotidiano das relações sociais. Ao contrário, sua ética profissional é inseri-
da na história e só ela é capaz de autoconstruir o sujeito envolvido no processo,
portanto, sua ética, o Ser da mobilidade, aquele que proporciona a mutabilida-
de das coisas transforma os comodismos e a realidade socioeconômica, o devir
de ideologias conservadoras em ideologias progressistas, do analfabetismo ao
alfabetismo, enfim, da negligência de direitos à efetivação dos mesmos. Desse
modo, a ética do aperfeiçoamento começa a se desvaler para dar espaço à éti-
ca da mobilidade, pois na medida em que se avança no debate acerca da teoria
social crítica, se progride também no aprofundamento da realidade social do
sistema capitalista.
5 A práxis é uma atividade teórico prática em que a teoria se modifica constantemente com a experiência prática, que por sua vez se modifica constantemente com a teoria. A práxis é entendida como a atividade de transformação das circunstâncias, as quais nos determinam a formar ideias, desejos, vontades, teorias, que, por sua vez, simultaneamente, nos determinam a criar na prática novas circunstâncias e assim por diante, de modo que nem a teoria se cristaliza como um dogma e nem a prática se cristaliza numa alienação. Pode-se dizer que o conceito de práxis é uma relação entre teoria e prática coerente com a ideia de Marx de uma sociedade sem exploração, uma livre associação de produtores.
capítulo 1 • 23
1.1.4 Ética no trabalho do assistente social
A ética constitui-se em um instrumento para a crítica da moral do seu tempo e
transforma-se em possibilidade para a construção de um novo projeto de socie-
dade, quando disponibiliza a oportunidade de escolha dos indivíduos, baseada
na liberdade e na consciência ética.
A reflexão ética se dá em um espaço específico de reflexão sobre o modo de
ser constitutivo do homem como ser ético, racional, capaz de escolher valores
e ações que conduzam à liberdade, entendida como um bem a ser construído e
garantido a todos os homens.
Segundo Barroco (2006, p. 54):
A reflexão ética é construída, historicamente, no âmbito da filosofia, tendo por objeto a
moral supõe a suspensão da cotidianeidade; não tem por objetivo responder às suas
necessidades imediatas, mas sistematizar a crítica da vida cotidiana, pressuposto para
uma organização da mesma para além das necessidades voltadas exclusivamente ao
“eu”, ampliando as possibilidades de os indivíduos se realizarem como individualidades
livres e conscientes. Dentro dessa perspectiva, a ética assume diferentes característi-
cas, a partir de sua natureza, uma vez que busca atender a diferentes demandas oriun-
das da sociedade sobre a qual volta seu olhar e debruça seu interesse.
Dessa forma, a ética busca explicar como ocorrem e em que condições se
manifestam os fatos, as ações e os processos éticos. A ética estuda os fenôme-
nos e fatos éticos, que explicam ou justificam leis, regras e normas que atuam
no relacionamento e no procedimento humano.
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24 • capítulo 1
Já na perspectiva filosófica, como filosofia moral, a ética pode ser definida
como o ramo da filosofia que estuda e avalia a conduta e o caráter humanos a
partir dos juízos de valor elaborados por determinada sociedade. Enquanto ati-
vidade filosófica, ao estudar as normas e as leis, a ética procura explicar porque
ocorrem ou como devem ocorrer as relações sociais entre os homens, estudan-
do os princípios que possibilitam a distinção do bem e do mal, do certo e do
errado, do correto e do incorreto.
A ética especulativa procura as causas geradoras dos fenômenos éticos, por meio das
quais possa quantificar e avaliar estes fenômenos, atribuindo-lhes juízos de valores
moral, ou seja, valor segundo os costumes e tradições socialmente construídos.
Já a ética descritiva pretende descobrir e descrever os fenômenos sociais que dão
suporte às leis, que sustentam as crenças e os credos, procurando estabelecer as
relações causais entre eles.
Fonte: BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos
A ética, em sua natureza normativa, apresenta-se como base para a ética
profissional, uma vez que, mais do prescrever regras e leis, busca enunciar as
normas que assegurem que a sociedade atinja seus objetivos. Apoia-se em ra-
zões morais decorrentes dos costumes e das experiências anteriores.
Conceitualmente, a ética profissional é definida como “um modo particu-
lar de objetivação da vida ética” (BARROCO, 2006, p.67), ou seja, consiste na
aplicação da ética geral no campo das atividades profissionais, tendo em vista
que o profissional deve estar imbuído de determinados princípios ou valores
próprios do ser humano para vivê-los nas suas atividades de trabalho; valores
estes que agregam ainda os valores pessoais, familiares e culturais que formam
o homem. Estruturalmente, a ética profissional exige a deontologia6, o estudo
dos deveres específicos que orientam o agir humano no seu campo profissional
e a diceologia7, que consiste no estudo dos direitos do profissional ao exercer
suas atividades.
6 Conjunto de princípios e regras de conduta — os deveres — inerentes a uma determinada profissão. Assim, cada profissional está sujeito a uma deontologia própria a regular o exercício de sua profissão, conforme o Código de Ética de sua categoria. Neste caso, é o conjunto codificado das obrigações impostas aos profissionais de uma determinada área, no exercício de sua profissão. São normas estabelecidas pelos próprios profissionais, tendo em vista não exatamente a qualidade moral mas a correção de suas intenções e ações, em relação a direitos, deveres ou princípios, nas relações entre a profissão e a sociedade. Dicionário de Sociologia7 Dikeos em grego significa direito – será a moral dos direitos. Do código de Ética do Profissional. Dicionário de Sociologia
capítulo 1 • 25
Assim como a ética é intrínseca à natureza humana, a ética profissional se
explica pelo fato de a pessoa fazer parte de um grupo que desenvolve determi-
nado agir na produção de bens ou serviços demandados pela sociedade na qual
está inserida. Sendo assim, se espera que o profissional interiorize e vivencie os
princípios éticos definidos pela categoria profissional, os quais estarão suscetí-
veis a questionamentos e conflitos com os valores pessoais de cada profissional.
Barroco (2006) menciona que as determinações da ética profissional in-
fluenciam, assim como antecedem a escolha profissional, uma vez que a atu-
ação enquanto profissional requer um posicionamento e o consequente com-
promisso deste com os princípios eleitos como fundamentais pela categoria
profissional. O surgimento das profissões, dentro da divisão sociotécnica do
trabalho, em resposta às necessidades sociais e às formas de organização de
cada sociedade, traz dentro de si os valores morais, as normas e princípios éti-
cos legitimados socialmente, os quais são sistematicamente confrontados com
a expectativa da própria categoria profissional em relação ao seu papel frente
ao cotidiano.
Diante dessa realidade, pode-se depreender que a ética profissional por ser
perpassada por conflitos e contradições que refletem no seu interior o embate
entre as instâncias específicas da profissão e as instâncias mais gerais da vida
social, deve possuir a capacidade de transformar-se, baseada tanto nas normas
específicas de cada profissão, como nas demandas da sociedade que rebatem
no exercício profissional. Para tanto, são construídos os códigos de ética pro-
fissional que, inseridos no campo desta, têm seus objetivos voltados para a ela-
boração dos princípios ético-filosóficos e legais, a orientação quanto à conduta
profissional no exercício da profissão, a fiscalização e o disciplinamento no que
diz respeito às ações profissionais.
Por não esgotarem o conteúdo e as exigências de uma conduta ética de vida ou no
decorrer da ação profissional, não necessitam expressar a forma mais adequada de
agir numa circunstância particular, uma vez que contém as diretrizes filosóficas, éticas
e legais definidas pela categoria profissional como fundamentais para sua inserção na
sociedade.
No que diz respeito à conduta profissional, estabelecem parâmetros vari-
áveis e relativos que demarcam aquilo que a categoria considera adequada na
26 • capítulo 1
perspectiva ética; no que concerne aos atos praticados pelo profissional, garan-
tem que os interesses dos usuários sejam amparados e respeitados, conforme
o Projeto Ético Político da profissão.
Segundo Korte (1999), os Códigos de Ética por si só não têm o poder de tor-
nar melhores os profissionais, nem tão pouco garantir os direitos dos usuários
de seus serviços, na verdade, têm a função de apresentar princípios e orienta-
ções para o comportamento do profissional.
É necessário que o profissional adote uma postura durante o exercício da
profissão baseada na reflexão ética, que lhe permita extrapolar a prescrição li-
teral contida no Código de Ética profissional, passando a compreender e viven-
ciar a razão básica das determinações nele apresentadas.
Tendo em vista que os Códigos de Ética profissional são elaborados e base-
ados em valores morais e princípios éticos socialmente aceitos visando atender
demandas da sociedade em determinado momento histórico, os mesmos de-
vem ser sistematicamente revistos e promulgados a partir da realidade social
de cada época e lugar. Segundo Barroco (1999, p. 143), no interior da categoria
do Serviço Social, a ética profissional constitui-se em:
[...] uma dimensão da profissão vinculada organicamente às dimensões teórica, técnica,
política e prática. A esfera teórica trata das orientações filosóficas e teórico-metodoló-
gicas que servem de base às concepções éticas profissionais, com seus valores, princí-
pios, visão de homem e sociedade. A esfera prática diz respeito: a) ao comportamento
prático individual dos profissionais relativo às ações orientadas pelo que se considera
bom/mau, aos juízos de valor, à responsabilidade e compromisso social, à autonomia
e consciência em face das escolhas e das situações de conflito; b) ao conjunto das
ações profissionais em sua organização coletiva, direcionada teleologicamente para a
realização de determinados projetos com seus valores e princípios éticos. A esfera nor-
mativa expressa no Código de Ética profissional, exigido por determinação estatutária,
de todas as profissões liberais. Trata-se de um código moral que prescreve normas, di-
reitos e deveres e sanções determinadas pela profissão, orientando o comportamento
individual dos profissionais e buscando consolidar em determinado projeto profissional
com uma direção social explícita.
O Serviço Social, enquanto categoria profissional tem priorizado, no de-
correr de sua trajetória histórica no Brasil, a discussão e a reflexão acerca dos
capítulo 1 • 27
princípios filosóficos e as perspectivas éticas que embasam a visão de Homem
e mundo norteadora de sua compreensão da realidade e, consequentemente,
sua ação profissional.
Sendo assim, a elaboração e consequentes reformulações de seus Códigos
de Ética profissional têm buscado responder à expectativa social para sua ação
profissional, assim como atender às instâncias mais específicas da profissão,
o que, muitas vezes, pode significar o enfrentamento de confrontos e confli-
tos internos. Uma vez que, enquanto sujeito coletivo, a categoria profissional é
composta por sujeitos individuais que, ao discutir a fundamentação ético-filo-
sófica da profissão, trazem consigo diferentes motivações, interesses e valores,
que se fazem presentes na atuação profissional.
Partindo desse pressuposto, torna-se fundamental que os princípios eleitos
pela profissão sejam incorporados consciente e criticamente pelo conjunto da
categoria, assim como pelos indivíduos que a compõem.
Para tanto, é necessário que estes conceitos sejam trabalhados sistemati-
camente no decorrer da formação profissional e sejam incluídos nas agendas
de discussões da categoria, para que sejam retomados cotidianamente pelos
profissionais durante sua atuação na sociedade.
Os temas abordados pela ética e pela ética profissional têm sido alvo do in-
teresse da categoria, sendo esta uma diretriz do processo de revisão e reformu-
lação dos códigos de ética, uma vez que se reconhece a necessidade de consi-
derar a realidade social dos profissionais e indicar posicionamentos concretos
que respondam a essa realidade, visando garantir a adesão da categoria de for-
ma hegemônica aos preceitos contidos no Código de Ética.
No que se refere aos Códigos de Ética Profissional do Serviço Social a análise
da sua formulação e sistemáticas revisões revelam que, desde o surgimento da
profissão, houve a preocupação concreta dos profissionais em definir e socializar
a perspectiva ético-filosófica que fundamentava o exercício profissional na épo-
ca; desde então a categoria tem procurado refletir, debater e apresentar à socie-
dade os princípios que orientam a conduta profissional dos assistentes sociais.
Pode-se observar que as diretrizes contidas nos Códigos de Ética dos
Assistentes Sociais foram sistematicamente examinadas em diferentes mo-
mentos da história da profissão, objetivando seguir as transformações ocorri-
das na sociedade brasileira, uma vez que, estes Códigos de Ética devem atender
às demandas enfrentadas pelos profissionais no exercício cotidiano.
Levando-se em conta a trajetória histórica da profissão no Brasil e, conse-
quentemente, os aspectos ideológicos que alicerçaram a profissão, pode-se
28 • capítulo 1
observar que, em um primeiro momento, os princípios filosóficos que funda-
mentaram a compreensão da realidade e a consequente postura profissional
dos assistentes sociais orientaram o exercício profissional de forma distorcida,
visando atingir uma suposta e inatingível neutralidade; no entanto, apesar de
serem passíveis de crítica procuraram responder às demandas apresentadas
pela sociedade, naquele dado momento histórico.
A análise das características dos Códigos de Ética do Serviço Social no Brasil
permite que sejam observados diversos e diferentes aspectos tanto na sua cons-
trução, quanto na forma como é sugerida sua aplicação contudo, estes aspectos
não podem ser analisados de forma desconectada com o momento histórico,
político e econômico vivenciado pelo país de cada fase.
A Resolução CFESS 493/2006 estabelece parâmetros para as condições fí-
sicas e técnicas para o trabalho profissional, como espaço físico, iluminação,
ventilação adequada para atendimento a portas fechadas, espaço para arquiva-
mento de material reservado.
O Artigo 7º da Resolução 493/06 prevê:
O Assistente Social deve informar por escrito à entidade, instituição ou órgão em que
trabalha ou presta serviços, sob qualquer modalidade, acerca das inadequações cons-
tatadas por este, quanto às condições éticas, físicas e técnicas do exercício profissio-
nal, sugerindo alternativas para melhoria dos serviços prestados.
O parágrafo primeiro estabelece que o profissional deve comunicar ao
CRESS de sua jurisdição caso a instituição não regularize a situação; no pará-
grafo segundo, consta que o profissional será notificado para tomar as provi-
dências cabíveis, não podendo se omitir ou ser conivente com a irregularidade.
No contexto contemporâneo, é recorrente, na literatura do Serviço Social,
o registro dos desafios postos à efetivação dos rumos éticos e políticos do tra-
balho dos assistentes sociais, dentre os quais a defesa dos princípios éticos na
cotidianidade do trabalho, evitando que se transformem em indicativos abstra-
tos e descolados do processo social. Os aspectos constitutivos do ethos profis-
sional relacionam-se a uma discussão mais ampla sobre a ética.
Como destaca Konder (2010), se não enxergarmos o todo, podemos atribuir
um valor exagerado a uma verdade limitada (transformando-a em mentira),
prejudicando a nossa compreensão de uma verdade mais geral.
capítulo 1 • 29
Como observa Marilena Chauí (1995, p. 13), “em nossa cultura e em nossa
sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem direito de existir
se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de utilidade imediata”.
Como romper a barreira do imediatismo?
Como fazer uma síntese da realidade que contemple o maior número de elementos
que a compõe?
Para a dialética marxista, “o concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determi-
nações; é a unidade na diversidade”. O que Marx (1848) demonstra com esta afirma-
ção é que cada indivíduo, instituição, sociedade, fenômeno é uma síntese composta de
singularidades, ou seja, uma unidade na diversidade.
Conforme aponta Valls (1995), até parece em primeira instância que a ética
é uma daquelas coisas que todo mundo sabe o que é. Porém, quando alguém
pergunta, evidencia-se, muitas vezes, a dificuldade de explicá-la.
Assim, tem-se a perspectiva da realidade como construção. A questão da
verdade, por esse motivo, deve ser também relativizada temporalmente. Aquilo
que hoje é tomado como verdadeiro amanhã poderá deixar de sê-lo. Os indiví-
duos nascem em uma sociedade constituída de um sistema normativo e costu-
mes introjetados e a partir de instituições como a família e a escola que o pro-
cesso de sociabilidade se realiza, ou seja, há assimilação de referências morais
que orientam escolhas e julgamentos de valor.
Silva (2004), destaca que o conhecimento de alguns pontos fundamentais
sobre a ética não é apenas uma questão acadêmica ou restrita a alguns momen-
tos em que a sociedade mais acaloradamente, por exemplo, os problemas éti-
cos na política, mas é também uma necessidade para a convivência social.
Como devo me comportar? Será que o que estou fazendo é correto?
Esses questionamentos éticos revelam as contradições que fazem parte das nossas
vidas. O ser humano, diferentemente dos outros animais, não se comporta segundo
seus instintos. O modo como conduzimos as nossas vidas e constituímos o nosso ser
depende, portanto, da forma que damos à nossa existência e solucionamos os proble-
mas que surgem na relação com as outras pessoas.
30 • capítulo 1
Os homens são seres morais e as comunidades humanas sempre criaram
sistemas de valores e normas morais para possibilitarem a convivência social
(SILVA, 2004, p. 49). A reprodução da vida social coloca necessidades de intera-
ção entre os homens, modo de ser constitutivos da cultura, produtos do traba-
lho, tais como a linguagem, os costumes, os hábitos, as atividades simbólicas,
religiosas, artísticas, políticas. Cabe ressaltar, entretanto, que ao mesmo tem-
po, pela capacidade de criar valor, os homens qualificam positiva ou negativa-
mente suas relações de acordo com o conjunto de necessidades e possibilida-
des históricas.
A origem etimológica revela que o termo moral vem do latim mores, que significa cos-
tumes, e ética surge do grego ethos, modo de ser ou modo de vida.
Em decorrência da condição de existência do homem enquanto ser social,
as relações só existem regimentadas por normas valorativas de comportamen-
to, determinadas historicamente, a partir das quais o homem, consciente e
responsável, escolhe a forma ideal de suas ações que, embora individualizadas
na internalização dos valores, têm dimensão social. A ética enquanto reflexão
filosófica sobre a moral nos traz recursos possíveis para apreensão crítica das
raízes, princípios e juízos que a regulam (PAIVA, 2005, p. 123).
A moral reproduz um papel no espaço de sociabilidade, portanto ela é uma
necessidade histórica. Não é o caráter normativo da moral que determina que
uma ação seja realizada somente através da singularidade voltada ao eu, mas
o caráter pragmático, imediato da vida cotidiana que exige a repetição, tendo
em vista a necessidade de responder imediatamente às situações. Os conceitos
guardam significados históricos mais abrangentes relativos à vida prática e à sua
compreensão. Para os filósofos gregos que viveram a experiência da pólis, ethos
significa razão e ao domínio humano sobre a natureza (BARROCO, 2004, p. 11).
A ética profissional se objetiva através de ações conscientes e críticas. O as-
sistente social deve pensar a problemática da ética não somente como questão
teórico–política mais ampla, mas também como uma questão que atinge dire-
tamente o seu cotidiano profissional.
Nessa perspectiva, entende-se, como destaca Barroco (2004), que a Ética
numa perspectiva histórica é central no processo de formação profissional do
Assistente Social - é uma dimensão da profissão vinculada organicamente às
dimensões teórica, técnica, política e prática.
capítulo 1 • 31
É na relação com os usuários, nos limites da sociedade capitalista, que a
ética profissional se objetiva através de ações críticas, reflexivas e conscientes,
da ampliação do espaço profissional, no compartilhamento de saberes com
diferentes profissionais e no acompanhamento sistemático das entidades e
dos movimentos sociais organizados. Isso se torna viável através de uma ação
ético-política articulada ao projeto coletivo, adquirindo maiores possibilidades
de respaldo nos momentos de enfrentamento e resistência.
Leonardo Boff (1999, p.15), nos faz lembrar que “os seres todos da nature-
za são sujeitos de direitos, pois tudo que existe e vive precisa ser cuidado para
continuar a existir e viver”. Para ele, a ótica do cuidado funda uma nova ética,
compreensiva a todos e capaz de inspirar valores e atitudes fundamentais para a
humanidade.
A ética é uma capacidade humana posta pelo ser social que possibilita o agir
consciente e livre diante das escolhas de valor. É preciso que a ética apreen-
da criticamente os fundamentos dos conflitos morais e desvele o sentido e as
determinações de suas formas alienadas; a relação entre a singularidade e a
universalidade dos atos ético-morais, respondendo aos conflitos sociais, resga-
tando os valores genéricos e ampliando a capacidade de escolha consciente dos
indivíduos, sobretudo, que possibilite a indagação radical sobre as possibilida-
des de realização da liberdade, seu principal fundamento.
Quando tudo o mais parece perder o nexo e o sentido, a ética comparece para fa-
zer vislumbrar, para além do imediato, da turbulência, da tragicidade e da fatalidade, a
confiança no poder da organização, na capacidade criativa e na resistência à dor e ao
sofrimento (PESSANHA, 1992, p. 29).
Se é evidente que a sociedade, para existir, precisa de regras morais que a re-
gulem, também não podemos deixar de considerar a capacidade que o homem
tem de questionar essas regras, o que possibilita a transformação da socieda-
de. Somente ao homem é possível a capacidade de escolher, avaliar, de projetar
seus futuros, de reinventar novos valores.
A liberdade ética pressupõe um sujeito ético-moral aptos à tomada de deci-
sões com autonomia de acordo com o que considera bem ou mal. A liberdade
resulta, pois de um projeto de ação. Assim, uma ação moral consciente dá-se a
partir do respeito ao outro e a responsabilidade em relação aos resultados das
ações para outros indivíduos, grupos e sociedade como um todo.
32 • capítulo 1
O aprendizado sobre a realidade social realiza-se não em uma simples
relação direta com ela, sendo antes mediado pelos conhecimentos gerados,
preservados e transmitidos na cultura, os quais ordenam e dão sentido a essa
relação. É através da recepção, geração e transferência do conhecimento sobre
si mesmo e o mundo que o homem constrói e reconstrói o seu projeto de vida.
A cultura se localiza no cerne da concepção de conciência: a conciência dire-
tamente relacionada a um estado de coisas existentes e também condição para
a possível transformação desses estados de coisa” (BARROCO, 2004, p.19).
É com base nessa concepção de ética como algo inerente ao ser humano
e como possibilidade de transformação e liberdade de escolhas que devemos
conduzir a nossa reflexão em torno da Ética Profissional e o Serviço Social.
Heller (1983, p. 39) refere-se à liberdade e ao valor moral da seguinte forma:
Toda pessoa tem a liberdade de não reconhecer nenhum valor moral. Mas isso não
ajuda a ser livre (...) A liberdade é sempre liberdade para algo e não apenas liberdade
de algo (...) O próprio conceito de liberdade contém o conceito de dever, o conceito de
regra, de reconhecimento, de intervenção recíproca. Com efeito, ninguém pode ser livre
se, em volta dele, outros não são.
1.2 Cotidianidades e a prática profissional
1.2.1 A origem do Serviço Social
O Serviço Social é criado a fim de atender as demandas sociais que incidem so-
bre o enfrentamento da questão social, assim passa a ser necessário ao Estado
e às classes dominantes, no contexto do capital monopolista. Tais determina-
ções são universais, mas só existem pela mediação de suas formas históricas
particulares. Desse modo, pode-se visualizar determinadas tendências éticas
históricas no Serviço Social em nível mundial, mas que se apresentam de mo-
dos específicos em cada contexto e momento histórico.
Em sua gênese, o Serviço Social contribui para a reprodução das “relações
sociais” capitalistas tendo como mediações ético-morais nesse processo:
capítulo 1 • 33
I. Função ideológica da moral;
II. Tratamento moral da questão social, tendo em vista os interesses de
legitimação do Estado burguês, e a presença de projetos sociais conservadores,
dentre eles com muita relevância o da Igreja Católica;
III. A existência de profissões potencialmente adequadas a tal tratamento.
No capitalismo monopolista, o enfrentamento moral das sequelas da “questão social”
é uma forma de resposta a processos objetivamente constituídos na (re)produção do
capital e do trabalho, significando a despolitização de seus fundamentos objetivos, ou
seja, do seu significado sócio-econômico e ídeo-político. Em suas determinações ético
-políticas, é uma forma de moralismo sustentada ideologicamente pelo conservadoris-
mo moral (BARROCO, 2008, p. 74).
O fazer profissional é limitado dentro dos padrões daquilo que era consi-
derado “correto”, por isso há a reprodução da alienação moral: na repetição
acrítica dos valores, na assimilação rígida dos preceitos e padrões de compor-
tamento, no pensamento ultrageneralizador, no preconceito, no conformismo,
na discriminação (BARROCO, 2008).
O conservadorismo moral na gênese do Serviço Social no Brasil, está evidenciado na
formação profissional, no projeto social da Igreja Católica e na cultura brasileira como
um todo, na sua influência positivista.
No cenário de transformações instituídas pelo capitalismo, no Brasil, o Serviço Social
recusa a ordem burguesa, tratada como formação capaz de trazer o progresso, mas, si-
multaneamente, os ‘desajustes’, isto é a ‘desintegração da família’, da comunidade, dos
valores tradicionais. Essa visão ‘anticapitalista’ funda uma análise moralista da realidade
social; permite que as relações de trabalho não sejam avaliadas pelas suas contradi-
ções fundantes e sim pelas suas consequências morais (BARROCO, 2008, p.75).
34 • capítulo 1
Assim:
Nesse contexto, institui-se a ideias de um ‘círculo vicioso’ que, partindo da entrada
dos trabalhadores (homens, mulheres e crianças) na fábrica desencadeia uma série
de ‘desajustamentos’: a propagação de ‘doenças’, como o ‘alcoolismo’; o abandono das
funções prioritárias da mulher, no ‘lar’, a ruptura dos laços comunitários e familiares. O
resultado é a ‘decadência econômica e social’, a desordem moral (PINHEIRO, 1985,
p.15-6 apud BARROCO, 2008, p.75).
Dessa forma, a moralização da realidade mostra sua face político-ideológi-
ca, e sua identidade com o projeto conservador. Tratava-se de ‘ajustar’ os ‘de-
sajustados’, indivíduos que estavam fora da ‘harmonia’ do sistema. Trata-se de
valores morais e pressupostos teórico-políticos encontrados no positivismo e
no neotomismo. Tal influência não se dava específica e exclusivamente no bojo
da profissão, mas na cultura brasileira como um todo, em seus valores, normas
de conduta e deveres. Este reflexo é sentido de forma ainda mais acentuada na
profissão devido a característica de ser uma profissão predominantemente ‘fe-
minina’ de origem católica.
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A origem social das mulheres que ingressam nas primeiras Escolas de Serviço Social
vincula-se ao pensamento católico e às classes dominantes; como mulheres e católi-
cas, são influenciadas pelos padrões da moral conservadora. As determinações postas
por esta origem social e de gênero influem na formação de um perfil potencialmente
adequado a atividades educativas de cunho moralizador (BARROCO, 2008, p.76).
capítulo 1 • 35
Assim a ação moral era extremamente necessária ao assistente social, pois
na falta de uma moral solidificada em princípios cristãos, certamente a ação
seria falha, desta forma as profissionais de serviço social ‘devem estar aptas
para agir com firmeza e perseverança na tarefa de reeducar as classes baixas’
(CARVALHO, in IAMAMOTO & CARVALHO, 1982, p. 230-1 apud BARROCO,
2008, p. 76).
Na formação da gênese profissional este aspecto conservador adquire gran-
de relevância, pois esta educação moral é internalizada no processo de for-
mação dos indivíduos. Essa educação moral tem como base o positivismo e o
pensamento católico, ambos se opõem à ideias liberais e socialistas, negam
qualquer forma de independência da mulher, privam pela família tradicional e
uma conduta moral rígida e muitas vezes repressiva.
No pensamento positivista há a necessidade de um tratamento moral dos
conflitos e das contradições sociais. O conservadorismo é expresso na defesa
da ordem e da autoridade, aliado à ideia de uma sociedade naturalmente har-
mônica; neste viés as lutas sociais são vistas como “desordem” que a educação
moral pode superar, buscando a coesão social.
Esse aspecto ideológico conservador defende a família nos moldes tradi-
cionais, bem como a propriedade privada e a preservação do papel da mulher,
cujas virtudes são assim consideradas pela Igreja Católica:
O ideal feminino e seu destino natural – alheamento do mundo, perene sofrimento e
renúncia – configura-se através de virtudes como pureza, bondade, paciência, abnega-
ção... Cabem à mulher papéis assimétricos em relação ao homem na família e no ca-
samento. Desde a infância, prepara-se a menina para a obediência e a submissão aos
seus irmãos e ao pai. A justificativa para a situação assimétrica entre os sexos é vista
em termos morais e religiosos (AZZI, 1987, p. 93-4 apud BARROCO, 2008, p. 78).
A formação moral da mulher lhe confere determinadas “virtudes”, assim
ela é educada para assumir determinados papéis que a limitam. Educada para
assumir a responsabilidade na educação moral dos filhos, e potencialmente
preparada para trabalhar em determinadas profissões tidas como femininas,
que exigem um perfil moral adequado e não necessariamente qualidades téc-
nicas e intelectuais.
36 • capítulo 1
Socializada para aceitar uma rígida hierarquia de papéis sociais, legitimadora da autori-
dade e superioridade masculinas, da repressão sexual e da internalização de normas de
comportamento reprodutoras do moralismo característico do ethos conservador, a mulher
tem limitadas opções profissionais: pode dedicar-se a uma profissão que não ponha em
questão seus valores e princípios, ou seja, voltar-se às atividades que tidas como “próprias
da mulher”, não demandem uma ruptura com seu papel social (BARROCO, 2008, p. 79).
1.2.2 A gênese da questão social
A questão social teve suas primeiras expressões na segunda metade do sécu-
lo XIX, na Europa, em especial na Inglaterra, ligada diretamente com a emer-
gência da classe operária, que devido às suas péssimas – senão desumanas –
condições de vida passaram a exercer seu lado político, reivindicando direitos
sociais. Tais reivindicações são expressão de lutas com caráter revolucionário,
combatidas no âmbito da sociedade moderna. Assim evidenciam a consciência
de classe, adquirida em um percurso de conquistas e derrotas, são marcos as
revoluções proletárias de 1848 e a reação conservadora da burguesia.
A organização política dos trabalhadores é construída na vida cotidiana, em face da
alienação e das respostas que possibilitam suspender a cotidianidade alienada. Nes-
te processo vivido em suas contradições, a práxis política se afirma como mediação
e forma de objetivação de valores éticos voltados à liberdade e coesão dos sujeitos
coletivos. Constrói-se um ethos fundado na oposição ao individualismo burguês e ao
conservadorismo moral, um modo de ser cujos valores decorrem da vivência coletiva
em torno de necessidades e interesses comuns, donde a valorização do companheiris-
mo, da solidariedade, da resistência, da lealdade, da liberdade (BARROCO, 2008, p.80).
Os trabalhadores organizados em torno de um ideal vinculado ao projeto
socialista, utilizam seu potencial emancipatório, fortemente combatido pela
burguesia liberal e também pelos representantes conservadores – nobreza,
igreja e intelectuais – que se interessavam em restaurar o passado feudal.
Dessa forma o conservadorismo é um projeto político opositor ao
Iluminismo, ao liberalismo e às ideias socialistas que, valoriza o passado, a
capítulo 1 • 37
tradição a hierarquia fundada na ordem, negando assim a razão, a democracia,
a liberdade, a indústria, a tecnologia, o divórcio, enfim toda e qualquer mani-
festação de desenvolvimento.
Frente às crises econômicas e político-ideológicas evidenciadas no capita-
lismo monopolista, o conservadorismo não pretendia derrubar a ordem bur-
guesa e sim reformá-la trazendo os valores conservadores e tradicionais de
volta, caracterizando uma identidade com a burguesia, tendo como inimigo co-
mum o proletariado, e como objetivo comum a proteção à propriedade privada.
Para Barroco (2008, p. 82), “a consideração moral da ‘questão social’ é uma
proposta político-ideológica oculta pelo discurso ético”. Há uma ênfase exces-
siva na moral, na educação moral, onde os movimentos operários são tidos
como “desordem social”, combatendo esta “desordem” conserva-se a “ordem”.
Assim, é interessante para o Estado e para as classes dominantes, manter
esta “ordem”, e passa-se a dar respostas sistemáticas a fim de garantir a repro-
dução da força de trabalho e o controle da situação.
Estamos afirmando que o tratamento moral da ‘questão social’ é uma resposta política de
várias forças sociais ao potencial emancipador das lutas proletárias; uma reação de caráter
conservador que perpassa pelas estratégias do Estado capitalista, pelo projeto social da
Igreja Católica e pelo Serviço Social, no contexto de sua origem. (BARROCO, 2008, p.83)
Iamamoto (2008) afirma que a gênese da questão social advém do caráter
coletivo da produção contraposto a apropriação privada da atividade humana,
ou seja, o trabalho, envolvendo as condições necessárias para sua realização
bem como os seus frutos, sendo inseparável da emergência do trabalhador que
é “livre” para vender sua força de trabalho como forma de sobrevivência.
A questão social pode ser entendida como as desigualdades e lutas sociais.
Assim, a questão social condensa o conjunto das desigualdades e lutas sociais, produ-
zidas e reproduzidas no movimento contraditório das relações sociais [...] As configura-
ções assumidas pela questão social integram tanto determinantes históricos objetivos
que condicionam a vida dos indivíduos sociais, quanto dimensões subjetivas, fruto da
ação dos sujeitos na construção da história (IAMAMOTO, 2008, p. 156).
38 • capítulo 1
Por parte da Igreja Católica há uma reação ao mesmo tempo anticomunis-
ta e antiliberal, ou seja, a Igreja se coloca como uma terceira alternativa. Esta
dimensão político-ideológica, que tenta intervir na questão social é exposta na
Encíclica Rerum Novarum, onde se defende a desigualdade social como algo
“natural” e necessária à reprodução da “ordem harmônica”. Assim visa-se o
“bem comum”, um projeto que visa assegurar um consenso entre as classes,
devido à naturalidade da desigualdade.
A moral se apresenta como um dos elementos viabilizadores da reforma cristã, pois
entende-se que, através da reatualização dos valores tradicionais, de modos de vidas
reprodutores das funções básicas da família e da mulher, seja possível manter a ordem
social necessária ao ‘bem comum’. Na medida em que a conservação da família tradi-
cional é pressuposto para a manutenção da propriedade privada, a mulher como ‘es-
teio moral’ da família, apresenta-se como um elemento-chave do projeto social cristão
(BARROCO, 2008, p. 84).
Enfrentamento moral da questão social também é realizado pelo Estado
Que busca um consenso social e o controle e
a reprodução da força de trabalho.
Netto (1992) afirma que a classe proletária, cresce politicamente reivindi-
cando direitos, exigindo assim um redimensionamento das funções políticas
do Estado; dessa forma as respostas dadas em função das necessidades eco-
nômicas de acumulação e valorização do capital são dirigidas à mecanismos
de intervenção extra-econômico onde há a preservação e controle contínuos da
força de trabalho, tanto a empregada quanto a excedente.
Esta articulação política e econômica do Estado busca o consenso necessá-
rio à sua legitimação, o que se concretiza “mediante a generalização e a institu-
cionalização dos direitos e garantias cívicas e sociais” (NETTO, 1992, p.22 apud
BARROCO, 2008, p.85).
capítulo 1 • 39
O Estado através da mediação ético-moral entre indivíduos e sociedade, deixa aparen-
temente de exercer suas funções coercitivas, burocráticas e impessoais para tornar-se
um espaço de relações “humanas”. Assim através de um discurso ético universalizante
fragmenta as necessidades das classes trabalhadoras, transformando direitos em be-
nefícios, subordina os indivíduos a várias formas de discriminação, responsabilizando-os
pela sua condição social, despolitiza lutas, restringe suas escolhas, contribuindo para
a reprodução de uma moralidade subalternizada e alienada (BARROCO, 2008, p. 86).
Assim, o Estado responde às necessidades do capital conciliando simulta-
neamente parte das demandas e reivindicações das classes trabalhadoras.
É neste contexto que as “sequelas” da questão social passam a ser objeto
de intervenção sistemática do Estado, materializando-se em políticas sociais. O
Estado reproduz a articulação entre coerção e consenso, controlando assim as
classes trabalhadoras ao mesmo tempo em que atende às necessidades do ca-
pital. A moral nestas condições funciona como instrumento que favorece o con-
senso, identificados em projetos populistas, corporativistas e assistencialistas.
Faz parte do ideário liberal reconhecer a necessidade de atendimento das
carências sociais, realizando o encaminhamento de soluções que visam repor
as oportunidades para os que não puderam ou não “souberam aproveitá-las”.
Neste mesmo ideal dá-se excessiva importância ao individualismo que favo-
rece a valorização da subjetividade e de uma moralidade individualizada em
torno da singularidade do “eu”. Tal postura permite que a alienação perpas-
se as várias esferas da vida social, sendo fragmentada em instâncias abstratas,
desvinculadas das relações de poder, de classe e de trabalho, assim cada uma
das esferas sociais subdividem-se em esferas autônomas, cada qual com uma
referência de valor.
As Políticas Sociais ao reiterar a ideia de resolução moral dos conflitos, res-
ponsabilizam seus usuários duplamente: primeiro o Estado é visto como prove-
dor de benefícios e não direitos, ao mesmo tempo em que a classe subalterna é
responsável pelos desdobramentos da sua condição.
Dessa forma, a questão social é fragmentada, dividindo-se em “problemas”
isolados, e as classes as quais ela se destina são tratadas a partir dos indivíduos
que as compõem, tomados individualmente e pior, responsabilizados pessoal-
mente por sua continuidade.
40 • capítulo 1
Assim, no âmbito do enfrentamento da “questão social”, a justificação ideológica do Es-
tado em face das desigualdades e das reivindicações das classes trabalhadoras pode, ao
mesmo tempo, responsabilizar os indivíduos e despolitizar suas reivindicações, trazendo
sua solução para o campo moral. Com isso se redefine a relação entre público e privado:
o intimismo do privado é trazido para o público, que adquire uma aparência ‘humanitária’,
os problemas sociais deixam de ser político-econômicos para se transformar em “proble-
mas” de ordem moral; são atendidos publicamente, mas tal atendimento se reveste de
conteúdos ‘privados’: a emotividade, a remissão ao eu (BARROCO, 2008, p.89).
O capitalismo cria condições para que a moral se objetive nos indivíduos
sociais, numa existência isolada das relações sociais e do meio, os quais produ-
zem os sujeitos éticos.
1.2.3 A ética profissional tradicional
Em sua origem a dimensão ética das Escolas de Serviço Social, através das dis-
ciplinas de Filosofia e Ética têm como base princípios éticos, da filosofia neoto-
mista8, positivista e conservadora.
Assim a “autorrealização da pessoa humana” supõe a moralidade ou a
“consciência reta” ao obedecerem às leis morais, os homens se aproximam de
Deus, fonte de todos os valores universais, os homens devem se habituar a fazer
o “bem”.
Para se adquirir este hábito – disposição para fazer o bem – é necessário
que haja uma educação moral formadora dos “bons costumes” que evitem as
“paixões” ao mesmo tempo em que se exalte as “virtudes”. Cabe à instituições
responsáveis pela ordem moral e espiritual da sociedade – família e Igreja – de-
sempenharem ações que busquem levar os homens a cumprir sua função, sua
natureza. Neste contexto, a mulher é considerada como agente moral responsá-
vel pela socialização dos filhos, nos moldes da educação cristã.
8 Com base teológica, o princípio da existência de Deus confere uma hierarquia aos valores morais, sendo estes subordinados às “leis naturais” que provém das leis divinas. A natureza humana é considerada a partir de uma “ordem universal imutável”, onde cada ser tem uma função inerente a si, sendo esta necessária à “harmonia” social e ao “bem comum”.
capítulo 1 • 41
Os valores sociais do neotomismo perdem sua abstração na medida em que indicam o
significado do ‘bem inerente à consciência moral’: trata-se de reprodução de valores e
princípios dados pela fé, mas que, traduzidos pela Igreja Católica, adquirem uma direção
político-ideológica determinada. No contexto que estamos analisando são traduzidos
em sua Doutrina Social e no projeto político-ideológico de recristianização da socieda-
de, em face da ‘questão social’ (BARROCO, 2008, p. 92-3).
Barroco (2008) afirma ainda que nesse contexto institui-se um ethos profis-
sional o qual se divide em várias dimensões que compõem a ética profissional
do Serviço Social – sua prática moral, sua moralidade, sua sustentação filosófi-
ca e sua expressão formal: o Código de Ética.
Nesses parâmetros, o assistente social deve ser um exemplo de “integrida-
de” moral concebida a partir do conservadorismo ético, o qual se expressa em
normas de conduta que abrangem inclusive sua vida pessoal, com imposição
de normas de comportamento.
A ação profissional é tida como uma “vocação” a ser exercida por indivíduos
dotados de um perfil ético-moral dado por “qualidades inatas”, daí a considera-
ção de seus componentes como elementos da “natureza feminina”
Na implementação de programas educativo-assistenciais formulados pelo
empresariado e pelo Estado e viabilizados por profissionais entre eles o assis-
tente social tem a moral como elemento funcional, ou seja, trata-se de uma
ação moralizadora.
A ação profissional tem por objetivo eliminar os “desajustes sociais” através
de uma intervenção moralizadora de caráter individualizado e psicologizante;
os “problemas sociais” são concebidos como um conjunto de “disfunções so-
ciais”, julgadas moralmente segundo uma concepção de “normalidade” dada
pelos valores cristãos.
A prática profissional tem tendência ao “ajustamento social”, à psicologi-
zação da questão social, transformando suas expressões em “patologias”, as-
sim o Serviço Social não viabiliza o que eticamente é de sua responsabilidade
– atender às necessidades dos usuários, realizar objetivamente seus direitos.
Concomitantemente ao “moralizar” a questão social transforma a moral em
moralismo, o que reproduz uma ética profissional preconceituosa, negando
seu discurso humanitário.
42 • capítulo 1
O rebatimento da ação profissional na realidade social adquire objetividade ético-po-
lítica na medida em que contribui para o ocultamento dos elementos que fundam a
‘questão social’ e para a reprodução de um ethos fortalecedor do deslocamento da
base material de constituição das desigualdades sociais para a esfera moral. A moral
adquire um sentido negativo, isto é, deixa de objetivar-se como espaço de realização
de escolhas vinculadas à liberdade, como possibilidade de mediação entre as esferas e
dimensões da vida social, para tornar-se um instrumento de alienação favorecedor da
legitimação da sociabilidade burguesa reificada (BARROCO, 2008 p. 95).
A formação profissional, “em todos os ramos da moral”, é tida como exigência ética,
tendo em vista “cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de Deus, os
direitos naturais do homem, inspirando-se sempre, em todos os atos profissionais, no
bem comum e nos dispositivos de lei, tendo em mente o juramento prestado diante do
testemunho de Deus” (ABAS, 1948, p. 40-1 apud BARROCO, 2008, p. 96).
1.2.4 Início do processo de ruptura com a ética tradicional
A ética tradicional reflete perspectivas morais da sociedade burguesa, a moral
conservadora em sua articulação com a cristã e a positivista. Correspondendo
a um ethos rigidamente fundado na defesa da autoridade, da ordem e da tra-
dição, o conservadorismo moral é uma forma de alienação moral: reproduz o
preconceito e se opõe à liberdade. Ontologicamente considerado, é uma força
social inscrita na dinâmica das possibilidades de conquista e perda relativa da
liberdade, ao longo da história (BARROCO, 2008).
A ruptura com costumes e valores de ordem moral é sempre relativa a con-
dições históricas favorecedoras de questionamentos que remetem à vida coti-
diana, explicitando conflitos e contradições e possibilitando novas alternativas
e escolhas. Dada a dinâmica da sociedade, tais possibilidades estão potencial-
mente presentes na vida social; no entanto, determinados momentos históri-
cos são particularmente propiciadores de sua expressão. A década de 1960 é um
desses momentos.
capítulo 1 • 43
Na década de 1960, há, em âmbito mundial, uma agitação social, em que
questionamentos, contestações e mudanças de posturas são o foco. Este perí-
odo é caracterizado em especial, por movimentos da juventude e das mulheres
que questionavam os valores e normas impostos pela sociedade conservado-
ra. Tal postura também é expressa por movimentos brasileiros que passam a
questionar o conservadorismo moral, o poder, a autoridade, a hierarquia, en-
tre outros.
Neste período alargam-se as bases sociais de emancipação feminina, haven-
do sua entrada de forma mais expressiva no mercado de trabalho, na educação
superior, na vida pública e na defesa de direitos sociais e políticos, a mulher
passa a querer conquistar e exercer a sua cidadania. Configurando-se assim,
uma determinada intervenção ético-moral explicitada pela recusa dos papéis
ditos “femininos”, o que implica um papel mais autônomo e menos submisso
na sociedade. Criam-se novas alternativas e possibilidades de escolha, instau-
rando uma consciência cívica valorizando a participação e a liberdade.
O primeiro e talvez mais importante exemplo dessa nova consciência de gênero foi a
revolta das mulheres tradicionalmente fiéis nos países católicos romanos contra doutri-
nas impopulares da Igreja, como foi mostrado notadamente nos referendos italianos em
favor do divórcio (1974) e de leis de aborto mais liberais (HOBSBAWM, 1995, p.306
apud BARROCO, 2008, p.101).
Em relação aos movimentos da juventude os eventos de maio de 1968 na
França foram marcados por questionamentos das formas convencionais de
sociabilidade, apontando para posicionamentos de valor fortalecedores de
uma atitude ética crítica; a desobediência civil, a transgressão das normas,
entre outros aspectos, podem gerar uma superação do hábito de reprodução
cotidiana do preconceito e do moralismo, contribuindo assim, para o enfren-
tamento de conflitos e para a instituição de novos papéis e referenciais éticos
(BARROCO, 2008).
Neste contexto há um espaço fértil para a explicitação de conflitos éticos,
derivados das situações de questionamentos morais, no âmbito da vida coti-
diana. Assim abri-se espaço para uma maior criticidade em relação as contradi-
ções sociais permitindo a superação dos juízos provisórios típicos do moralis-
mo e contribuindo para a articulação entre a moral e as demais esferas da vida
social, entre a singularidade e o humano-genérico.
44 • capítulo 1
1.2.5 Rebatimentos no Serviço Social
No entanto, os rebatimentos deste contexto não se fazem visíveis neste período
da década de 1960/1970, dentro do Serviço Social, no que tange a questiona-
mentos em relação à moral tradicional e em relação a uma prática mais crítica.
Não podemos afirmar que os agentes profissionais, individualmente, não tenham sido
influenciados pelo ethos peculiar à geração 68; o que estamos salientando é que a
oposição ao moralismo, à família tradicional, à repressão sexual, aos costumes em ge-
ral, típica dessa geração, não aparece na literatura profissional ou em debates coletivos
da época. Na medida em que estas questões estão relacionadas ao ethos tradicional
do Serviço Social, entendemos que esse é um ponto a ser considerado, sobretudo
porque a militância política não envolve necessariamente uma crítica à vida cotidiana;
ao contrário o que observamos em suas formas tradicionais é uma desconsideração de
tais questões, tidas como ‘secundárias’, o que pode gerar novas formas de moralismo
(BARROCO, 2008, p.103).
De acordo com Barroco (2008, p.103), a construção de uma nova moralidade
nos anos 1960 se dá:
• Dimensão da vida cotidiana – espaço da singularidade, do enfrentamen-
to dos conflitos éticos e de questionamentos em face do papel “feminino”, do
preconceito e do moralismo, o que propicia uma reflexão crítica, capaz de me-
diatizar os questionamentos empíricos;
• Dimensão das intervenções práticas – participação cívica e política – , ca-
paz de vincular a profissão a projetos sociais democráticos, permitindo a am-
pliação de uma consciência ético-política e a construção de uma moralidade
fundada na liberdade.
• Nas décadas de 1960 e 1970, a América Latina se destaca como um espa-
ço de potenciais manifestações político-revolucionárias. Na década de 1960, há
uma crise mundial do sistema capitalista, que vinha se manifestando desde a
Segunda Guerra e, por outro lado, a política desenvolvimentista amplia as ba-
ses de implementação do capitalismo monopolista, agravando as contradições
sociais com rebatimento direto nas condições de vida da população, acirrando
as lutas sociais, tendo assim uma trajetória marcada por lutas populares e por
movimentos de resistência.
capítulo 1 • 45
No contexto político, os governos latino-americanos traçam estratégias
para o enfrentamento, vinculando-se à política intervencionista norte-ameri-
cana, que viabiliza consecutivos golpes militares e a repressão aos movimentos
populares. Trata-se de uma política de intervenção socioeconômica, com estra-
tégias de controle ideológico, a fim de solidificar o sistema capitalista e afastar
qualquer influência socialista.
Tal cenário também potencializa o movimento cristão, que, gerado a partir
de 1950, devido às mudanças internas na Igreja Católica, se desdobra em am-
plas mobilizações de apoio à lutas populares, o chamado “Movimento Cristão
de Libertação”, tendo como participante a juventude estudantil católica, a clas-
se trabalhadora e membros da comunidade eclesial de base.
Esta aproximação – Igreja e juventude – possibilita um movimento mili-
tante, que recusa a ordem social burguesa, entendida como um sistema so-
cial injusto. É nessa perspectiva que se iniciam as tentativas de vinculação
entre o pensamento cristão e o marxismo, com a Teologia da Libertação9 e a
Conferência dos Bispos Latino-americanos. O marxismo passa a ser usado à luz
da ética cristã, como referência analítica da realidade latino-americana, tendo
em vista a superação da pobreza e das desigualdades sociais.
Assim assumi-se a expressão “esquerda cristã”, que passa a influenciar uma
parcela expressiva de assistentes sociais, por meio de escolas, do movimento
juvenil ou mesmo pela participação no “bloco católico”.
A histórica vinculação entre Serviço Social e Igreja Católica, passa a contar
com novas bases de legitimação, o que possibilita a construção de uma crítica
ao ethos tradicional (BARROCO, 2008.).
Em nível mundial, o Serviço Social evidencia um processo de erosão das ba-
ses de sustentação de suas formas tradicionais. No contexto latino-americano,
inicia-se o Movimento de Reconceituação – um processo heterogêneo, baseado
em um questionamento crítico sobre a prática e a teoria tradicionais, em espe-
cial relacionado ao papel profissional. Tal movimento permite a aproximação
com posicionamento ético-político potencialmente negador do tradicionalis-
mo profissional, permitindo a apreensão das contradições sociais de forma
mais ampla.
9 Desenvolvido no Brasil por Leonardo Boff, movimento de reorganização das práticas religiosas católicas, que foram adaptadas ao meio popular e redefinidas algumas concepções. Passou-se a preconizar que os indivíduos deveriam lutar pela justiça social, e não serem passivos diante as injustiças. O cotidiano das pessoas passou a ser discutido à luz dos ensinamentos da Bíblia. Alguns princípios de análise marxista relativos às estruturas de dominação influenciaram e foram incorporados à Teologia da Libertação.
46 • capítulo 1
No Brasil:
O processo de erosão de bases do Serviço Social tradicional é sinalizado no fim da
década de 50, no cenário do desenvolvimentismo, quando quadros jovens da profis-
são, vinculados ao trabalho com comunidades questionam a histórica subalternidade da
profissão, reivindicando um novo padrão cultural e teórico, tendo em vista as mudanças
sociais em curso. Essa ‘crise’ do Serviço Social tradicional que se desdobra posterior-
mente já indica uma transformação na intencionalidade desses profissionais que se
identificam como ‘agentes de mudanças’ (BARROCO, 2008, p. 108).
Fatores desencadeantes do processo de erosão das bases:
• envolvimento profissional com outras profissões;
• contato com movimentos sociais organizados;
• processo de laicização;
• crítica interna das ciências sociais;
• participação estudantil.
Entretanto, tempos revolucionários também foram anos de ditaduras, ao
mesmo tempo em que se expandiam e se desenvolviam, os movimentos orga-
nizados sofriam violenta repressão, mostrando assim a dinâmica entre afirma-
ção e negação da liberdade.
Desenvolve-se novas demandas para a profissão consolidando a sua ne-
cessidade de renovação, abre-se espaço para diferentes projetos profissionais,
mesmo que limitado em seu potencial político o ethos de ruptura começa a se
desenvolver no Serviço Social, em especial na academia.
Mas, concomitantemente – ainda na dinâmica de afirmação e negação da li-
berdade – a ditadura também fortalece o conservadorismo com a reatualização
do ethos profissional conservador, há movimentos contrários ao rompimento
da tradição com a defesa dos valores conservadores.
Nessa perspectiva, o clima favorecedor de rupturas coexiste com reações
conservadoras; é nesse movimento entre a construção do novo e a luta pela
conservação do instituído que podemos situar as condições socioculturais para
a transformação ou conservação dos valores sociais inscritos na ética profissio-
nal tradicional (BARROCO, 2008, p.112).
capítulo 1 • 47
CONEXÃOPara um maior aprofundamento desta realidade, acesse: http://www.cress-es.org.br/cress/
imagens/Etica%20e%20politica.pdf
1.2.6 Cotidianidade
Para a cotidianidade, Lukács (apud NETTO, 2010), apresenta as seguintes de-
terminações: Heterogeneidade, Imediaticidade e Superficialidade extensiva.
Quanto a Heterogeneidade, o cotidiano se constitui pela interseção das
atividades que compõem o conjunto das objetivações do ser social – um uni-
verso no qual simultaneamente se movimentam fenômenos e processos de
natureza compósita (linguagem, trabalho, interação, jogo, vida política e vida
privada, etc..)
Quanto à imediaticidade, os homens agem na vida cotidiana e essa ação
significa responder ativamente, ou seja, existe uma relação direta entre pensa-
mento e a ação.
Assim, quanto a superficialidade, apesar de na vida cotidiana mobilizar o
homem, este responde ao somatório dos fenômenos que comparecem em cada
situação precisa, sem considerar as relações que os vinculam para não gerar
uma ação sem consciência de fato.
Para o autor, o trabalho criador, a arte e a ciência seriam três formas privi-
legiadas de objetivação, nas quais os procedimentos homogeneizadores supe-
ram a cotidianidade.
Os indivíduos podem ter perspectivas diversas sobre a mesma situação,
uma vez que apresentam sistemas de crenças e valores diferentes, resultantes
de experiências e modelos de vida diferentes ou interesses e objetivos diferen-
tes. Enfim, a vida em sociedade pressupõe a construção valores que definem
o que é “bom” ou “mal”, o que é “certo”, o que é “errado”. O que ocorre é que,
para além das diferenças culturais e religiosas, muitas vezes, o que é instituído
como “bom” por uma pessoa, ou seja, o “moralismo” instituído acaba prejudi-
cando de alguma forma outra pessoa ou grupos, tal como os preconceitos.
48 • capítulo 1
CONEXÃOO conceito de práxis nos adverte para a necessidade de observarmos a articulação da fala
com a ação, a articulação do ‘discurso’ com a intervenção transformadora.
http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/119/117
É importante compreender alguns conceitos e consequências do mo-
ralismo. Confira o que Konder (2010, p. 23) expõe a experiência histórica do
moralismo:
A experiência histórica mostra que o moralismo, independente das inten-
ções daqueles que o cultivam, é inócuo. Não é através dele que se conseguem
fortalecer valores autenticamente humanos, desprezados pelo cínico. O mora-
lismo reduz a questão moral a um problema de linguagem. Mas os olhos dos
outros não se iludem: os ouvidos dos zeladores dos costumes (dos “ethos”) po-
dem se distrair ouvindo o discurso cínico, porém, o olhar vigilante dos descon-
fiados investiga o tempo todo se o que os indivíduos dizem é confirmado pelo
que fazem. Acrescenta o autor: “(...) Às vezes é muito difícil pegar o cínico em
sua fala, seu discurso, sua argumentação. Como não acredita no que diz, o cíni-
co pode dizer qualquer coisa.
É preciso que você tenha clareza de como se formam os preconceitos e juí-
zos de valor e como eles interferem negativamente sobre a prática profissional,
pois o assistente social pode, em seu cotidiano profissional, não perceber que
está reproduzindo juízos de valor.
Exemplos para nossa análise:
Certamente, você observou a construção de novos arranjos familiares, como
os casais homoafetivos. O STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu no dia
05/05/11, em decisão unânime, a equiparação da união homossexual à heteros-
sexual. O presidente do Supremo, Cezar Peluzo, deu o décimo e último voto a
favor da união gay, após cerca de cinco horas de sessão.
A presidente do Conselho Federal de Serviço Social - CFESS, Sâmya Ramos,
subiu no trio e reafirmou o apoio da instituição: “Quero dizer aos/às compa-
nheiros aqui presentes que os/as assistentes sociais estão nessa luta por uma
sociedade livre de qualquer discriminação ou desrespeito aos direitos de gays,
lésbicas, travestis, bissexuais e transexuais”.
capítulo 1 • 49
Os idosos também ainda são vistos de forma muito preconceituosa pela so-
ciedade. Eles aparecem, aos olhos de muitas pessoas, como um ser assexuado e
de forma infantilizada. É preciso garantir à pessoa idosa, como está previsto no
Estatuto de Idoso, o direito de chegar à longevidade com dignidade.
Carlos Montaño (2007), em seu livro A natureza do serviço social, afirma que
a prática social, a vida cotidiana, as relações socioeconômicas, a participação
social (no sentido mais amplo) são determinadas pelo senso comum, de aliena-
ção, de cultura dominante, o que provoca uma confusão, ou melhor, a identifi-
cação de uma com a outra, subordinando a teria e a prática.
[...] a prática - entendida [...] num sentido estritamente utilitário – contrapõe-se abstra-
tamente à teoria [...]. Em vez de formulações teóricas, temos assim o ponto de vista do
“senso comum” [...], temos toda uma rede de preconceitos, verdades estereotipadas e
em alguns casos, superstições de uma concepção irracional (mágica ou religiosa) do
mundo. Vázquez (apud MONTAÑO, 2007).
Observarmos assim que, atrelada a uma visão de senso comum, o profissio-
nal não consegue, segundo o autor, ultrapassar o aparente, o superficial das si-
tuações, cria assim armadilhas às quais o(a) Assistente Social deve estar atento,
pois o profissional trabalha com situações singulares, isto é, situações que, a
princípio, podem parecer exclusivas daquele(s) sujeito(s) que está(ão) sendo o
alvo da intervenção do(a) Assistente Social. E, nesse sentido, ele (o(a) Assistente
Social) até pode produzir um conhecimento prático dessa situação imediata
que aparece no dia a dia do seu trabalho, entretanto, nem tudo que aparece é o
que realmente é.
ATIVIDADES
01. O que são valores?
02. A ética profissional se objetiva através de ações conscientes e críticas?
03. Porque podemos afirmar que a ética deve apreender criticamente os fundamentos dos
conflitos morais e desvelar o sentido e as determinações de suas formas alienadas?
04. Como Heller (1983, p. 39) refere-se à liberdade e ao valor moral?
50 • capítulo 1
REFLEXÃO
Bruxos, vampiros e avatares
Lya Luft - http://veja.abril.com.br/170210/bruxos-vampiros-avatares-p-18.shtml
“A tecnologia abre territórios fascinantes, e ameaça nos controlar: se pensarmos
um pouco, sentiremos medo”
Cibernéticos e virtuais, nadamos num rio de novidades e nos consideramos moderníssi-
mos. Um turbilhão de recursos trazidos pela ciência, pela tecnologia, nos atrai ou confunde.
Se somos mais velhos, nos faz crer que jamais pegaremos esse bonde – embora ele seja
para todos os que se dispuserem a nele subir, não necessariamente para ser campeões ou
heróis.
A tecnologia abre territórios fascinantes, e ameaça nos controlar: se pensarmos um pou-
co, sentiremos medo. O que mais vem por aí, quanto podemos lidar com essas novidades,
sem saber direito quais são as positivas, quanto servem para promover progresso ou para
nos exterminar ao toque do botão de algum demente no poder? Exageradamente entregues
a esses jogos cada dia inovados, vamos nos perder da nossa natureza real, o instinto? Vira-
mos homens e mulheres pós-modernos, sem saber o que isso significa; somos cibernéticos,
somos twitteiros e blogueiros, mas não passamos disso. E, se não formos muito equilibrados,
vamos nos transformar em hackers, e o mundo que exploda.
Sobre a sensação de onipotência que esse mundo novo nos confere, lembro a história
deliciosa do aborígine que, contratado para guiar o cientista carregado de instrumentos refi-
nados, lhe disse: “Você e sua gente não são muito espertos, porque precisam de todas essas
ferramentas simplesmente para andar no mato e observar os animais”.
Não vamos regredir: a civilização anda segundo seu próprio arbítrio. Mas, como quase
todas as coisas, seus produtos criam ambiguidade pelo excesso de aberturas e pelo receio
diante do novo, que precisa ser domesticado, para se tornar nosso servo útil. As possibili-
dades do mundo virtual são quase infinitas. Sua sedução é intensa. Tão enganador quanto
fascinante, no que tange à comunicação. Imenso, variado, assustador, rumoroso, ameaçador,
e frio, porque impessoal. Nesse mundo difuso somos quase onipotentes, sem maior respon-
sabilidade, pois cada ação nem sempre corresponde a uma consequência – e ainda pode-
mos nos esconder no anonimato. Criam-se sérias questões morais e éticas não resolvidas
nesse território: através da mesma ferramenta que nos abre universos e nos comunica com
o outro, caluniamos e somos caluniados, ameaçamos e somos ameaçados, nos despersona-
lizamos, nos entregamos a atividades estranhas, algumas perversas; espiamos, espreitamos,
capítulo 1 • 51
maldizemos amigos e desconhecidos, odiamos celebridades, cortamos a cabeça de quem se
destaca porque se torna objeto de inveja e ressentimento, escutamos mensagens sombrias
e cumprimos, talvez, ordens sinistras.
Relacionamentos pessoais começam e terminam, bem ou mal, nesse campo virtual –
não muito diferente do mundo dito real, dos bares, festas e trabalho, faculdade e escola.
Para as crianças, esse universo extenso e invasivo pode ser uma grande escola, um mestre
inesgotável, um salão de jogos divertido em que elas imediatamente se sentem à vontade,
sem os limites dos adultos. Mas pode ser a estrada dos pedófilos, a alcova dos doentes, ou a
passagem sobre o limite do natural e lúdico para o obsessivo e perverso.
Como quase tudo neste mundo nosso, duplo é o gume: comunicar-se é positivo, mas
sinais feitos na sombra, sem verdadeiro nome nem rosto, podem acabar em fantasmáticas
perseguições e males. Singularmente, mas de maneira muito significativa, enquanto estamos
velozes e espertos no computador, criando mundos virtuais, e jogando jogos cada vez mais
complexos, buscamos o nevoeiro desse anonimato e, na época das maiores inovações, cur-
timos voar com bruxos em suas vassouras, namorar vampiros e inventar avatares que vão de
engraçados a sinistros.
Estimulante, múltiplo, tão rico, resta saber o que vamos fazer nesse novo mundo – ou
o que ele vai fazer de nós. Quando soubermos, estaremos afixados nele como borboletas
presas com alfinete debaixo da tampa de vidro ou vaga-lumes em potes de geleia vazios,
naquelas noites de verão quando a infância era apenas aquela, inocente, que ainda espia
sobre nossos ombros.
Lya Luft é escritora.
LEITURAGAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia (Sofies verden em norueguês), 1991.
O livro foi escrito originalmente em norueguês, mas já foi traduzido para mais de 50
línguas, teve sua primeira edição em português em 1995, que atualmente encontra-se em
sua 70ª reimpressão. O livro traz um conteúdo que nos remete a um guia básico de filosofia.
BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. São
Paulo: Cortez, 2008.
52 • capítulo 1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do
trabalho. São Paulo: Cortez/Unicamp, 1995.
BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo: Cortez,
2008.
_________. Considerações sobre a ética na pesquisa a partir do código de ética profissional do
assistente social. In: Revista Pucviva. Ética em Pesquisa. N.27. São Paulo, 2004. Disponível em
<http://www.apropucsp.org.br/revista/r27_r14.htm> .Acesso em: out. 2010.
DUPAS, Gilberto. Ética e Poder na Sociedade da Informação. 2º Edição. 1º reimpressão. São Paulo:
Editora Unesp, 2000.
DUPAS, G. Ética e poder na sociedade da informação: de como a autonomia das novas
tecnologias obriga a rever o mito do progresso. 2ª.ed. – São Paulo: Editora Unesp, 2001.
FALEIROS, V.P. Metodologia e Ideologia do Trabalho Social. 4º Edição. São Paulo: Cortez Ed. 1983
HELLER, Agnes. O quotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. Tradução e prefácios Moncada, L.C. Coimbra: Armenio
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IAMAMOTO, Marilda. Serviço Social em tempo de capital fetiche: Capital financeiro, trabalho e
questão social. 3ª ed., São Paulo: Cortez, 2008.
IAMAMOTO, M. e CARVALHO, R. de, Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma
interpretação histórico-metodológica. 6ª ed. São aulo: Cortez, 1988.
_______________. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. 7ª ed. SãoPaulo: Cortez,
2004.
JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático de linguagem sociológica. Tradução, Ruy
Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
LUKÁCS, Georges. A consciência de classe In: BERTELLI, Antônio Roberto; PALMEIRA, Moacir G.
Soares; VELHO, Otávio Guilherme C. A. (Org.). Estrutura de classes e estratificação social. 3. ed. Rio de
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______. Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. Tradução de Carlos
Nelson Coutinho. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.
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capítulo 1 • 53
SILVEIRA, Ubaldo. Nominata: códigos, resoluções, diretrizes curriculares e gerais e lei de
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VALLS, Álvaro L. M., O que é ética. Ed. Brasiliense. Coleção Primeiros Passos. São Paulo. 1986.
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WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Thomson Pioneira, 2008.
54 • capítulo 1
A Ética e as Profissões e o
Conservadorismo Profissional
2
56 • capítulo 2
Nesse capítulo iremos dar continuidade a construção da análise da ética pro-
fissional visando o entendimento desse conteúdo para a prática profissional
do(a) assistente social. Vamos Identificar as especificidades dos aspectos éti-
cos das profissões; relacionar os projetos profissionais aos projetos societá-
rios; e reconhecer a importância do Código de Ética Profissional como parâ-
metro para o exercício profissional.
OBJETIVOS
• Identificar as especificidades dos aspectos éticos das profissões; relacionar;
• Os projetos profissionais aos projetos societários e reconhecer a importância do Código de
Ética Profissional como parâmetro para o exercício profissional;
• Enfatizar a importância do estudo da Ética profissional em Serviço Social;
• Atentar para as implicações éticas nas suas diferentes manifestações cotidianas;
• Desenvolver o discernimento crítico sobre a relação entre Estado, o modo de produção
capitalista e o projeto ético-político da profissão, nos diferentes momentos históricos do
Serviço Social;
Conteúdo que possibilite:
• identificar as implicações dos projetos societários sobre os projetos profissionais;
• relacionar os aspectos éticos em torno das profissões;
• compreender o que é um Código de Ética Profissional;
• econhecer a importância do Código de Ética Profissional como parâmetro para o exercício
profissional e assim, o significado da ética para o Serviço Social;
• identificar o posicionamento ético-político do Serviço Social ao longo da sua história no
Brasil;
• caracterizar o conservadorismo e a renovação profissional nos diferentes momentos do
Serviço Social frente à questão da ética profissional;
• identificar a trajetória de construção do ethos profissional do Serviço Social que caracteri-
zou o conservadorismo e a renovação profissional no serviço Social.
capítulo 2 • 57
2.1 A ética e as profissões
2.1.1 Etiqueta ou ética?
Para iniciar o estudo sobre o Código de Ética do Serviço Social, temos que deixar claro
que o nosso Código de Ética não pode ser entendido como um manual de etiqueta e
cortesia profissional entre os(a) assistentes sociais, onde se estabelecem os deveres
para com os colegas, as responsabilidades que os prendem a posições assumidas
junto a Associação de classe. O Código de Ética é muito mais do que isto, pois ele é o
“Direito Positivo”, ou seja, é a norma codificada que a categoria assume como aspectos
fundamentais de sua intervenção, portanto cada código revela o momento histórico, em
que foi elaborado (SILVEIRA, 2010).
Nesse texto que se segue, buscar-se-á oferecer didaticamente a oportuni-
dade de conhecer os Códigos de Ética da profissão desde seu surgimento, no
Brasil até os dias de hoje, contextualizando-os com o momento histórico em
que foram promulgados e com os fundamentos teórico-metodológicos do
Serviço Social.
“Os princípios e diretrizes norteadores da prática profissional estão expres-
sos nesses Códigos sob a forma de direitos, deveres e atribuições, agrupados
em títulos e capítulos”. Mas, na leitura crítica e reflexiva da introdução e di-
retrizes de cada um dos Códigos é possível apreender a estruturação legal e a
fundamentação teórica da profissão do(a) assistente social.
A defesa intransigente da dignidade da vida humana e da organização e par-
ticipação das classes populares, também se evidenciam no decorrer de décadas
do exercício da profissão e aparecem claramente nos vários códigos de ética
elaborados pela categoria.
O primeiro Código de Ética profissional dos Assistentes Sociais foi promul-
gado em 1947, o qual trata dos deveres fundamentais do Assistente Social; dos
deveres para com o beneficiário do Serviço Social; deveres para com os colegas e
dos deveres para com a organização onde trabalha. Cria-se o Conselho de Ética
Profissional da Associação Brasileira dos Assistentes Sociais (ABAS) – Secção de
São Paulo tendo promulgado seus Estatutos.
58 • capítulo 2
No início da década de 1960 inicia a Reconceituação do Serviço Social em
termos de América Latina e no Brasil o que leva à necessidade de elaborar seu
novo Código de Ética “alicerçado nos direitos fundamentais do homem e nas
exigências do bem-comum, princípios estes reconhecidos pela própria filosofia
do Serviço Social”. (cf. Introdução ao Código de Ética Profissional do Assistente
Social de 08 de maio de 1965), tendo em vista um novo contexto.
Esse Código (1975) tinha a preocupação de garantir o respeito aos direitos humanos e
de fidelidade ao interesse social. Define que “o valor central que serve de fundamento
do Serviço Social é a pessoa humana”, mas numa concepção personalista, referendada
nos princípios de autodeterminação, participação e subsidiariedade. Isso, naquele de-
terminado contexto, foi importante, mas a realidade brasileira exigia muito mais.
O Serviço Social, na década de 1970, aprofunda sua reconceituação ten-
do em vista dois documentos (Documento de Araxá em 1967 e Documento
de Teresópolis em 1970) que constituíram “marcos históricos” dessa profis-
são. Assim, torna-se necessário a reformulação dos procedimentos e normas
e a explicitação dos princípios norteadores, tendo em vista os conteúdos fun-
dantes da profissão. Em 1975, é promulgado então o terceiro Código de Ética
Profissional, onde se defende, dentre outros, que a regulamentação do exercí-
cio de determinada profissão pressupõe atender ao mais elevado e marcante
interesse social antes de corresponder aos reclamos da classe.
E o Serviço Social acompanhou essa exigência, avançou em sua práxis e se
fez necessário um novo Código que respondesse ao novo momento históri-
co: o Código de Ética Profissional promulgado em 1986. Esse Código de Ética
Profissional foi elaborado e divulgado entre os profissionais, fundamentado
numa outra concepção filosófica, que acompanhava as transformações ocorri-
das no seio da sociedade brasileira e no próprio Serviço Social, como se verifica
na introdução do mesmo:
A sociedade brasileira no atual momento histórico impõe modificações profundas em to-
dos os processos da vida material e espiritual. Nas lutas encaminhadas por diversas orga-
nizações nesse processo de transformação, um novo projeto de sociedade se esboça, se
constrói e se difunde uma nova ideologia (conf. Introd. Código de Ética Profissional, 1986).
capítulo 2 • 59
Sem dúvida, o Código de 1986 refletia as necessidades e anseios da catego-
ria dos assistentes sociais naquele momento, mas a realidade brasileira mudou
rapidamente e o Serviço Social brasileiro acompanhou essas transformações.
Levando em conta todo o contexto internacional e nacional, é possível per-
ceber que após a publicação do Código de 1986 muitos fatos marcaram a reali-
dade brasileira, provocando transformações sociais e políticas profundas que
suscitaram novos paradigmas e o aprofundamento do Projeto Ético-Político do
Serviço Social.
É neste contexto que nasce o atual Código de Ética Profissional, cujas justificativas e
princípios se encontram alicerçados na prática profissional e nos fundamentos teóri-
co-metodológicos da atualidade. Explicitando os valores e princípios éticos do Serviço
Social, mesmo neste tempo onde – aos olhos do mundo – a ética está em crise e apa-
rentemente, escassa, o Código de Ética reflete a coerência do Projeto Ético-Político da
profissão, no Brasil.
2.1.2 Código de ética profissional dos assistentes sociais de 1947
2.1.2.1 Contextualização
No contexto internacional: a partir do final do século XIX, e a igreja católica vai
chamar a atenção do mundo sobre a situação operária, começando uma inter-
venção mais clara e definida em resposta aos problemas vividos essencialmente
pelos operários na Europa, com a promulgação da Encíclica Rerum Novarum.
Quarenta anos depois, em 1931, o papa Pio XI promulga a Encíclica
Quadragésimo Anno, que analisa vários pontos, como: direito a propriedade,
relação capital e trabalho, liberação do proletariado, salário justo, mas detém
sobretudo na necessidade de restauração da ordem social. Ou mais especifica-
mente, reconstruir a sociedade a partir de bases cristãs, o que implica, segundo
o documento: mudança da moral e dos costumes e a recristianização da socie-
dade. A restauração dos costumes e a reforma social passam a ser bandeiras
dos cristãos nessa época, apesar do posicionamento de não questionamento
das estruturas.
60 • capítulo 2
Esse conteúdo doutrinário influenciará sobremaneira o surgimento do ser-
viço social no Brasil e a matriz filosófica presente no primeiro Código de Ética
profissional do Serviço Social.
Ao final da Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1942), em 1945, foi cria-
da a ONU (Organização das Nações Unidas), que nasce voltada principalmente
para resolver os problemas dos países arruinados pela Segunda Guerra Mundial.
Trata-se de desenvolver um trabalho de reconstrução e resolver os problemas
de abastecimento desses países. Ao mesmo tempo, foram necessárias medidas
para reorganizar e vitalizar o sistema econômico internacional, sobre o plano
de pleno emprego nos países industrializados. Os problemas dos países pobres
também começam a aparecer exigindo esforços para o oferecimento de assis-
tência técnica e financeira também aos países subdesenvolvidos.
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Há também a instauração de uma nova ordem econômica internacional,
com a criação de um vasto e forte sistema de comércio livre e a existência de
câmbio livre. Para custodiar o desenvolvimento dessa ordem econômica, fo-
ram criadas duas instituições que até hoje desempenham um papel prepon-
derante no curso dos acontecimentos econômicos mundiais. São elas: o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), conhecido comu-
mente como Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
capítulo 2 • 61
No Brasil: o governo de Getúlio Vargas se inicia em 1930 com a marca do
populismo, que se consolida, sobretudo após a Segunda Guerra e vai conti-
nuar presente nos governos seguintes (Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e
de Goulart). A industrialização começa a se impor de maneira hegemônica no
país, a partir da década de 1930. O governo centralizado se impõe e com ele
a burguesia industrial através do Estado Novo. Outro instrumento, tanto do
Estado como da burguesia, é o nacionalismo.
Esse projeto de industrialização autônoma, através de um Estado forte
e centralizador, teve como exigência para sua realização uma aliança com as
massas populares e com o movimento operário, ou seja, a cooperação de classe
é vital para o populismo. Essa cooperação vem no bojo da ideologia corpora-
tivista do Estado Novo com seu controle sobre os sindicatos via Ministério do
Trabalho, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), do sindicato único por
categoria, lei do salário mínimo, etc.
O fim do Estado Novo, que Getúlio Vargas chamou de Estado Nacional e que
segundo ele, tratava-se da modernização do Estado em defesa da nova ordem
social, ocorreu em 1945. Mas o fim da ditadura da Era Vargas não representou
final do seu populismo. Assim, Vargas é projetado como uma figura simbólica
como o “pai dos pobres” por décadas seguintes. Autoritarismo, centralismo e
corporativismo foram características daquele regime que em nome da “segu-
rança nacional”, retirou o poder do Legislativo e o Judiciário, que ficou concen-
trado no presidente da República, cujo mandato fora ampliado, além de serem
nomeados interventores para os estados. Vargas impôs uma nova Constituição
em 1937. Na realidade, uma Carta outorgada de clara inspiração nas constitui-
ções de regimes fascistas europeus. Vargas, em 1945, pressionado pela socieda-
de começou a fazer concessões, tentando com isso, continuar no poder. Nesse
ano, concedeu anistia ampla, mandou libertar os comunistas, permitiu a volta
dos exilados e decretou um Ato adicional, que marcava eleições diretas e livres
em todo o país, em que saiu vitorioso o general Eurico Gaspar Dutra.
Na profissão – é neste contexto que surge o Serviço Social. Nasce ligado à
atuação da Igreja Católica, a serviço de sua ideologia. Além da ligação de sua
prática, há a ligação do ponto de vista teórico e filosófico. A visão “do homem” e
da sociedade é baseada na doutrina católica e tem como sustentação filosófica
o neotomismo.
62 • capítulo 2
Numa primeira fase do Serviço Social no Brasil, o que importa é a formação doutrinária
e moral; o aspecto técnico só passará a ter significação com a influência americana.
A ideologia que fomentará essa formação doutrinária é a reconstrução da sociedade
em bases cristãs. [...] Dizendo não ao laicismo, ao liberalismo, ao comunismo, os cató-
licos pretendem uma nova ordem onde a família, o Estado, a economia, a política e os
costumes tenham por base o evangelho e que a sociedade seja organizada em bases
corporativas (AGUIAR, 1982, p.33).
A formação ético-profissional do assistente social, nesta linha, deve levar
em conta os vários aspectos da vida do homem, tais como: aspectos físicos, psi-
cológico, econômico, jurídico-social e, sobretudo, moral.
2.1.2.2 O código de ética profissional de 1947
O neotomismo foi o inspirador da visão da pessoa humana e de mundo que
impregna o primeiro Código de Ética Profissional do Serviço Social, logo na in-
trodução traz os conceitos sobre moral e ética fundantes do exercício profissio-
nal daquele tempo, como apresentado a seguir:
I – “Moral ou ética, pode ser conceituada como a ciência dos princípios e das normas
que se devem seguir para fazer o bem e evitar o mal”.
II – “A moral aplicada a uma determinada profissão recebe o nome de ética profissional;
relacionada está com o Serviço Social, pode ser chamada de Deontologia do Serviço
Social”.
III – “A importância da Deontologia do Serviço Social provém do fato de que o Serviço
Social não trata apenas de fator material, não se limita à remoção de um mal físico,
ou a transação comercial ou monetária: trata com pessoas humanas desajustadas ou
empenhadas no desenvolvimento da própria personalidade”.
IV – “A observância dos princípios da Deontologia do Serviço Social exige da parte do
Assistente Social, uma segura formação em todos os ramos da Moral”
(Cf. Introdução do Código de Ética profissional dos Assistentes Sociais de 1947).
Esse Código vai tratar dos deveres fundamentais do assistente social; dos
deveres para com o beneficiário do Serviço Social; deveres para com os colegas
e dos deveres para com a organização onde trabalha.
capítulo 2 • 63
Nota-se que é impregnado pela doutrina cristã, pois, a primeira obrigação
do assistente social é a obediência a Deus.
É dever do Assistente Social:
1. Cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de Deus, os direitos naturais
do homem, inspirando-se sempre, em todos seus atos profissionais, no bem comum e
nos dispositivos da lei, tendo em mente o juramento prestado diante do testemunho de
Deus (conf. Código de Ética de 1947).
E, nessa mesma linha, estabelece como dever para com os beneficiários:
É dever do Assistente Social:
1. Respeitar o beneficiário do Serviço Social a dignidade da pessoa humana,
inspirando-se na caridade cristã.
Na promulgação do Código de Ética de 1947, foi instituído também o
Conselho de Ética Profissional da Associação Brasileira dos Assistentes Sociais
(ABAS) – Secção de São Paulo e promulgado seus Estatutos. (Resolução nº1, de
29 de setembro de 1947).
2.1.3 Código de ética profissional dos assistentes sociais de 1965
2.1.3.1 Contextualização
No contexto internacional: após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos
passaram a assumir o comando – a grande potência mundial capitalista. A Se-
gunda Guerra Mundial foi substituída pela chamada “Guerra Fria”, um conflito
ideológico, político e econômico marcado pelos antagonismos e hostilidade
entre dois blocos: o de países capitalistas, liderados pelos Estados Unidos, e o
de países socialistas, liderados pela União Soviética. Cada bloco contava com
vários países membros, articulados entre si com ajuda financeira e militar.
O estabelecimento do socialismo em alguns países – e o temor por seu avan-
ço pelo mundo – levou os países capitalistas europeus e os Estados Unidos a
criarem em 1949, uma aliança militar: a Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN). Em contrapartida, a União Soviética e seus aliados criaram o
64 • capítulo 2
Pacto de Varsóvia, firmado em 1955 na capital da Polônia. Nesse contexto, tan-
to os Estados Unidos como a União Soviética passaram a produzir grande quan-
tidade de armamentos e a atuar e interferir em diferentes regiões do planeta.
Mantendo sempre presente a ameaça de uma avassaladora guerra nuclear, os
dois blocos se antagonizaram por três décadas.
Em 1961 é construído o Muro de Berlim que divide a cidade, símbolo da
Guerra Fria. Na Coreia e no Vietnã, situados na Ásia, os comunistas contaram
com a ajuda da União Soviética, travando guerra com os Estados Unidos a fim
de controlar o poder em seus países. Em 1945, com a rendição do Japão ao final
da Segunda Guerra Mundial, a Coreia foi dividida em duas zonas de ocupação:
a norte-americana, ao sul, e a soviética, ao norte, dando origem, em 1948, a dois
Estados distintos: a Coreia do Norte (socialista) e Coreia do Sul (capitalista).
Já no Vietnã, antiga colônia francesa, o conflito entre forças nacionalistas e a
metrópole resultou no estabelecimento da independência pela Conferência de
Genebra (1954), quando também se definiu que o território vietnamita seria
temporariamente dividido até a realização de eleições. O Vietnã do Norte pas-
sou então a ter um governo comunista, apoiado pela União Soviética, enquanto
o Vietnã do Sul aliava-se aos Estados Unidos e aos países capitalistas. Em con-
sequência disto, ocorreu a Guerra no Vietnã que perdurou por dez anos com a
vitória dos socialistas.
No contexto religioso:
• Mater et Magistra – (15 de maio de 1961 do Papa João XXIII) sobre o recen-
te desenvolvimento da questão social à luz da doutrina cristã.
• Concílio Vaticano II – (1962/65) que realizou uma profunda reforma na
Igreja Católica e trouxe uma nova visão de igreja para todo mundo ocidental.
• Pacem in Terris – (30 de abril de 1963 do Papa João XXIII) sobre a paz
entre todos os povos que deve fundamentar-se na verdade, na justiça, no amor
e na liberdade.
Na América Latina:
• A fundação (1956) e o desenvolvimento do CELAM (Conferência Episcopal
Latino Americana) vai dar novos rumos para a igreja na América Latina, que es-
timulou o surgimento da Igreja Popular e o clero católico progressista, neste
continente.
capítulo 2 • 65
• Em 1959 ocorre a Revolução Cubana, onde Fidel Castro com apoio da
União Soviética enfrenta o poderio Norte-Americano.
• O “perigo do comunismo” fez com que os Estados Unidos realizassem
projetos para diminuir a miséria, voltando-se para os países subdesenvolvidos,
visando a manutenção e expansão do poderio econômico ocidental. Nessa li-
nha, foi instituída no continente a Aliança para o Progresso. Segundo Aguiar
(1982, p.82):
A Aliança para o Progresso passou a ter existência a partir de 17 de agosto de 1961
através da ‘Carta Del Este’. Na ‘Declaração aos povos da América’ os países america-
nos se comprometeram a realizar programas para atacar os problemas sociais, a fim de
conseguir aumento substancial e contínuo da renda per capita, para, no menor prazo
possível, aproximar o nível de vida dos países latino-americanos dos níveis dos países
industrializados. O objetivo da Aliança para o Progresso foi desenvolver um magno
esforço cooperativo que acelerasse o desenvolvimento econômico e social dos países
latino-americanos participantes.
No Brasil: Juscelino Kubitschek (JK) assume a presidência em 1956 e inicia
um período marcante na história brasileira – o desenvolvimentismo, enfati-
zando o desenvolvimento pela industrialização. Esse desenvolvimentismo se
caracterizou também pela internacionalização da economia e por manter, in-
ternamente, o mesmo esquema montado por Vargas. Conseguiu mobilizar as
massas por meio de uma política conciliatória e obteve um grande surto indus-
trial com a entrada de capital estrangeiro.
Jânio Quadros, que sucede JK na presidência, estava também preocupado
com o desenvolvimento brasileiro. Inicia seu governo dentro do modelo neoli-
beral, assumindo depois, posições do nacionalismo-desenvolvimentista.
Saindo do nacionalismo desenvolvimentista, o governo seguinte (João
Goulart) constitui uma tentativa socialista no Brasil, frustrada pela divisão da
própria esquerda e pela ação dos militares. O governo de Goulart termina com
o golpe militar em 31 de março de 1964, iniciando-se assim um novo modelo
de dominação inspirado na Doutrina e na Ideologia da Segurança Nacional. O
novo modelo de dominação imposto não é um fenômeno isolado, mas estão
intimamente ligados aos processos históricos já iniciados na década de 1960
e ocorre também em outros países da América Latina. A característica mais
66 • capítulo 2
marcante desse modelo é a interdependência consonante com os interesses
econômicos do capitalismo ocidental e a estrutura de poder autocrático que,
com a pseudo justificativa de combater o comunismo e a subversão, acaba se
constituindo objetivamente num instrumento de liquidação das expressões
políticas.
Na profissão: Há uma busca de se vincular estreitamente o serviço social
ao processo de desenvolvimento nacional. A década de 1960 foi considerada
a “década do desenvolvimento”. Nessa fase, os assistentes sociais começam a
tomar consciência da realidade brasileira e realizam um esforço de integração
no processo de desenvolvimento nacional.
A ideologia desenvolvimentista marcou o Serviço Social e este se liga ao mo-
vimento de desenvolvimento de comunidade, com forte influência norte-ame-
ricana. Segundo Aguiar (1982, p.69):
Temos diferentes posturas dos assistentes sociais nesses períodos. A primeira postura,
que sempre esteve presente, é a que tem uma visão acrítica da realidade, que vê a
comunidade como uma unidade consensual, onde não há lugar para as contradições.
A segunda postura é marcada por uma visão mais ampla das questões de desenvol-
vimento por mudanças estruturais da sociedade. Mas as mudanças são no sentido de
melhorar o próprio sistema capitalista. Essa postura aconteceu a partir de 1960. A
terceira postura é assumida por profissionais que se comprometeram com as classes
subalternas e se colocaram a seu serviço. Percebem os antagonismos dentro da so-
ciedade e assumem a luta de transformação das estruturas. Esta postura aconteceu
basicamente de 1960 a 1964.
De qualquer forma, o Serviço Social nesse ou em qualquer outro momento, não se isola
de uma ideologia. Dentro da teoria nacional-desenvolvimentista o Estado é o propulsor
do desenvolvimento. Aceita-se o conflito, porém institucionalizado e controlado. E o
Serviço Social deve fazer com que a população aceite o desenvolvimento proposto pelo
Estado. Pelo desenvolvimento de comunidade busca-se o consenso e a integração,
com o objetivo desenvolvimentista de melhora de condições de vida.
capítulo 2 • 67
Segundo Faleiros (1983, p.36):
[...] a ideologia desenvolvimentista é uma manifestação, uma ‘outra face’ da ideologia
dominante que se apresenta com as ideias de modernização, de democratização, de
melhoria, de desenvolvimento, de técnica e de planificação.
As elaborações teóricas nascidas no seio do capitalismo, a concepção ideo-
lógica conservadora da sociedade e o início do movimento de reconceituação
do Serviço Social, vão fundamentar o segundo Código de Ética Profissional.
2.1.3.2 Código de ética profissional do Serviço Social de 1965
O caráter do documento é eminentemente técnico e exime a conotação católica
que havia no código anterior, defendendo o respeito as posições religiosas, po-
líticas e filosóficas daqueles a quem se destina seu trabalho e se refere a todos
os profissionais de diferentes credos e princípios filosóficos, como se explicita
na introdução:
• a formação da consciência profissional é fator essencial em qualquer pro-
fissão e que um Código de Ética constitui valioso instrumento de apoio e orien-
tação para os assistentes sociais;
• o Serviço Social adquire no mundo atual uma amplitude técnica e científi-
ca, impondo aos membros da profissão maiores encargos e responsabilidades;
• só à luz de uma concepção de vida, baseada na natureza e destino do ho-
mem, poderá, de fato, o Serviço Social desempenhar a tarefa que lhe cabe na
complexidade do mundo moderno;
• um Código de Ética se destina aos profissionais de diferentes cre-
dos e princípios filosóficos, devendo ser aplicável a todos. Código de Ética
Profissional do Assistente Social – Aprovado em 08.05.1965 – Rio de Janeiro,
07 de maio de 1965. Conselheiros: Helena Iracy Junqueira, Maria Augusta de
Luna Albano, Arlette Braga, Nair Cruz de Oliveira, Aberlado Vieira de Araújo,
Nair de Souza Motta).
68 • capítulo 2
Outro aspecto relevante na leitura desse Código é a defesa do desenvolvi-
mento e o dever do assistente social de colaborar com a integração social, que
estão implícitos no capítulo I (dos deveres fundamentais).
Chama a atenção também para regras de comportamento: boa higiene,
perfeita organização do local de trabalho, pontualidade, assiduidade, cortesia,
dentre outras.
O Código contém XI capítulos com os seguintes conteúdos:
No Primeiro trata-se da Profissão; no segundo, dos deveres fundamentais;
no terceiro, do segredo profissional; no quarto, dos deveres para com as pesso-
as, grupos e comunidades atingidos pelo Serviço Social; no quinto, dos deve-
res para com os empregadores; no sexto, dos deveres para com os colegas; no
sétimo, das associações de classe; no oitavo, do trabalho em equipe; no nono,
da responsabilidade e da preservação da dignidade profissional; no décimo, da
aplicação e observância do código; no décimo primeiro, das disposições gerais.
CONEXÃOVerifique o link e leia o código de ética profissional do Serviço Social na íntegra:
http://www.cfess.org.br/legislacao.php
2.1.4 Código de ética de 1975
2.1.4.1 Contextualização
Contexto Mundial: está marcado pelo desenvolvimento da ideologia capitalis-
ta. Na América Latina, por volta de 1973, o processo de instauração de um novo
modelo de dominação, alcança seu momento mais intenso. Esse modelo foi
imposto por diversos golpes de Estado.
Recordemos brevemente as datas principais:
• Brasil: 31/03/1964 – golpe de Estado e 13/12/68 – Ato Institucional n.º 5 –
radicalização da ditadura militar.
• Bolívia: 21/06/1974 – golpe de Estado de Hugo Banzer e 09/11/74 – radica-
lização da ditadura.
capítulo 2 • 69
• Uruguai: 27/06/73 – golpe militar com cobertura civil.
• Chile: 11/09/1973 – golpe de Estado de Augusto Pinochet.
• Peru: 29/08/1975 – golpe de Estado de Francisco Morales e 16/07/76 – ra-
dicalização da ditadura militar.
• Equador: 13/01/1976 – golpe de Estado da Alfredo Poveda Burdano.
• Argentina: 24/03/76 – golpe de Estado de Vedela.
É dentro desse contexto que se deu a militarização violenta do Estado.
Surgiram os Estados autoritários ou o reforço dos aparatos repressivos do
Estado no continente latino-americano com inspiração na Doutrina e na
Ideologia da Segurança Nacional.
As características ideológicas desse regime são: autoritarismo (governo for-
te e centralizado), elitismo (econômico e técnico), liberalismo, individualismo
(com ênfase na possibilidade individual de ascensão social), internacionaliza-
ção econômica, política e cultural, concentração de renda, arrocho salarial e
pauperização da população.
Em 1968, a Conferência de Medellín inicia um amplo e profundo movimen-
to de igreja. O compromisso político dos cristãos no movimento popular e a
Teologia da Libertação surgida desse compromisso político impõem-se como
um fato significativo e dinamizador, o surgimento de comunidades cristãs de
base, que terão uma atuação marcante nas mudanças ocorridas nas décadas
seguintes, sobretudo no Brasil.
Na profissão: após o Golpe de 1964 até meados de 1967, o Serviço Social
mantém o discurso nacional-desenvolvimentista. As experiências mais com-
prometidas se desarticulam e continua a postura de é preciso reformas, mas
não estruturais. O projeto de desenvolvimento é de dependência e para que
o sistema funcione é preciso integrar a população no projeto governamental,
através da política social que tem como função eliminar os obstáculos ao cres-
cimento econômico, tais como a resistência cultural, criando condições para a
eficácia do mesmo. Ela tem a função de fazer a economia funcionar dentro dos
padrões capitalistas.
Em 1967, houve a realização do Seminário de Teorização do Serviço Social
em Araxá, e em 1970 em Teresópolis, que marcam definitivamente uma nova
fase: a Reconceituação do Serviço Social, o que levou a necessidade do Serviço
Social de elaborar seu terceiro código de Ética.
70 • capítulo 2
2.1.5 Código de ética profissional do assistente social de 1975
Na introdução do documento, o Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS)
tratou dos pressupostos para o exercício profissional e do valor fundamental
para o Serviço Social, como transcrito a seguir:
A regulamentação do exercício de determinada profissão pressupõe:
1. tratar-se de profissão organizada;
2. interessar à defesa da sociedade.
Constitui ponto pacífico exigir-se que uma profissão satisfaça os seguintes requisitos
essenciais:
1. Conjunto de conhecimentos organizados, constantemente ampliado e aprimorado, e
de técnicas especiais baseadas no mesmo;
2. Facilidade de formação sistemática nesse conjunto e em suas aplicações práticas;
3. Identificação da profissão e qualificação para ingresso;
4. Agremiação constituída de número apreciável de membros credenciados para o
exercício profissional e capaz de influir na manutenção de padrões convenientes;
5. Código de ética profissional.
A essência de um Código de Ética Profissional é a garantia de respeito aos direitos
humanos e de fidelidade ao interesse social. O valor central que serve de fundamento
do Serviço Social é a pessoa humana. Reveste-se de essencial importância uma con-
cepção personalista que permita ver a pessoa humana como centro, objeto e fim da
vida social (Conf. Introd. Código de Ética Profissional, 1975).
Define ainda na introdução, quais são os valores compreendidos como es-
senciais para a plena realização da pessoa humana:
1. bem comum considerado como conjunto das condições materiais e morais concretas
nas quais, cada cidadão, poderá viver humana e livremente;
2. justiça social, que compreende tanto o que os membros devem ao bem comum,
como o que a comunidade deve aos particulares em razão desse bem.
Os postulados versados nessa Introdução justificam porque o Serviço Social, no dina-
mismo de sua atuação, exige contínua referência aos princípios de:
capítulo 2 • 71
I – Autodeterminação – que possibilita a cada pessoa, física ou jurídica, o agir respon-
sável, ou seja, o livre exercício da capacidade de escolha e decisão;
II – Participação – que é presença, cooperação, solidariedade ativa e co-responsabilida-
de de cada um, nos mais diversificados grupos que a convivência humana possa exigir;
III – Subsidiariedade – que é elemento regulador das relações entre os indivíduos, ins-
tituições ou comunidades, nos diversos planos de integração social.
Com base nestes princípios e valores, são explicitados os direitos e deveres do
Assistente Social, no Código de Ética Profissional de 1975.
2.1.6 Código de ética profissional do assistente social de 1986
2.1.6.1 Contextualização
No contexto mundial, o eixo de discussão não é mais Leste x Oeste (países ca-
pitalistas x países socialistas), mas Norte e Sul, ou seja, países ricos do Norte
contra países pobres do Sul. A Queda do Muro de Berlim estava próxima (1989),
e consequentemente a desintegração da União Soviética (1991). Dentro deste
contexto, já se desenvolvia a mundialização do capitalismo. Um dos fatores
a se considerar é a financeirização do mundo ou a mundialização do capital,
em que o capital, independentemente de ética, leis e governos, existe para ge-
rar mais capital. Há uma nova forma de economia, a economia transnacional
cujo funcionamento depende das prioridades do capital privado altamente
concentrado.
CONEXÃOVerifique o link e leia o código de ética profissional do Serviço Social na íntegra:
http://www.cfess.org.br/legislacao.php
Na América a ditadura militar, em muitos países já estava fora do poder
político, embora mantivesse o controle do mesmo. No Brasil, havia um claro
movimento de redemocratização e de fortalecimento das instituições da socie-
dade civil.
72 • capítulo 2
Na profissão: foi de 1970 a 1980 que o Serviço Social desatou de forma defi-
nitiva as amarras com a concepção funcionalista e conservadora de sua atuação
através da recusa e da crítica ao conservadorismo profissional.
A crise da ditadura militar (1985), a mobilização da classe operária e a de-
mocracia política foram fundamentais para o desenvolvimento do Projeto
Ético-Político do Serviço Social.
Na década de 1980 o surgimento das demandas democráticas e populares
reprimidas – mobilização de trabalhadores, movimentos sindicais, organiza-
ção de trabalhadores rurais, ingresso na cena política de estudantes, mulheres,
minorias sociais – que geraram profundas transformações políticas e sociais. A
categoria descobre-se como classe trabalhadora e segmentos ativos da catego-
ria vincularam ao movimento social dos trabalhadores.
Fortalece-se o pluralismo político na profissão a luta de ideias e a produ-
ção teórica. Acumula massa crítica considerável, que permite estabelecimento
de uma interlocução fecunda com as ciências sociais, criar e revelar quadros
intelectuais respeitados no conjunto da categoria e em outras áreas do saber.
Utiliza matrizes teóricas e metodológicas compatíveis com o rompimento do
conservadorismo político. A quebra do monopólio do conservadorismo políti-
co significou também a quebra, na profissão, do monopólio do conservadoris-
mo teórico e metodológico.
Na reforma curricular de 1982, houve empenho para adequar a formação
profissional, em nível de graduação, às novas condições postas, seja pelo en-
frentamento da questão social ou pelas exigências intelectuais que a massa crí-
tica poderia atender.
Há uma maior exigência profissional para responder com eficácia e compe-
tência às demandas tradicionais e emergentes da sociedade brasileira, enfim, a
construção de um novo perfil profissional.
Sem dúvida, cresce a participação efetiva – com propostas e discussões, dos
segmentos de profissionais em diversos eventos, oficinas, fóruns de debates,
encontros, congressos, promovidos pelas entidades representativas do Serviço
Social (ABESS – que hoje é a ABEPSS; CEDEPSS; CFESS; CRESS).
O Projeto Ético-Político da profissão passa a vincular-se a um projeto socie-
tário que tem raízes efetivas na vida social brasileira.
Nessa efervescência, é que se faz necessário à elaboração de um novo
Código de Ética Profissional, que depois de ampla discussão que culminou no
XV Encontro Nacional CFAS/CRAS, foi aprovado em 09/05/1986.
capítulo 2 • 73
2.1.7 Código de ética profissional do assistente social de 1986
Considerando que o Código antigo já não refletia a realidade e os interesses da
categoria e reafirmando o compromisso por uma prática profissional vincula-
da às lutas e interesses da classe trabalhadora, o novo Código afirma, logo na
introdução, que:
A sociedade brasileira no atual momento histórico impõe modificações profundas em
todos os processos da vida material e espiritual. Nas lutas encaminhadas por diver-
sas organizações nesse processo de transformação, um novo projeto de sociedade
se esboça, se constrói e se difunde uma nova ideologia. Inserindo neste movimento,
a categoria de Assistentes Sociais passa a exigir também uma nova ética que refli-
ta uma vontade coletiva, superando a perspectiva a-histórica, onde os valores são
tidos como universais e acima dos interesses de classe. A nova ética é resultado da
inserção da categoria nas lutas da classe trabalhadora e consequentemente de uma
nova visão da sociedade brasileira. Neste sentido, a categoria, através de suas orga-
nizações, faz uma opção clara por uma prática profissional vinculada aos interesses
desta classe.
Nessa mesma linha, o Código de Ética de 1986 destaca, em caráter intro-
dutório, os princípios e diretrizes que dão indicações da prática profissional
articulada às lutas da classe trabalhadora. Dentre elas: o apoio, participação
nos movimentos sociais e organizações da classe trabalhadora e o pioneirismo
em tratar da devolução das informações colhidas nos estudos e pesquisas aos
sujeitos sociais envolvidos.
Sem dúvida, o código de 1986 foi fundamental para a categoria dos assistentes so-
ciais, mas a realidade brasileira mudou rapidamente e houve necessidade de outra
normatização Ética para o Serviço Social brasileiro.
74 • capítulo 2
2.2 Analisando a trajetória da formação do código de ética profissional do Serviço Social
Na visão de Simões (2005, p. 60), “a conduta profissional das pessoas não pode ser
apreendida enquanto algo isolado dos valores morais de determinada sociedade”.
2.2.1 Ética profissional
Serviço Social é um profissional liberal? É importante você saber que, embora
seja regulamentado como uma profissão liberal, o assistente social não dispõe
de ampla autonomia como veremos mais adiante.
O Código de ética do SS recebeu influências políticas na profissão do ser-
viço social durante toda sua regulamentação no Brasil – 1950,1957-1962-1965,
assim foi construindo seu Projeto Ético-político do Serviço Social.
2.2.2 Profissionais Liberais
Vamos começar observando a concepção de conduta profissional na visão de
Simões (2005, p. 60). Ela afirma que “a conduta profissional das pessoas não
pode ser apreendida enquanto algo isolado dos valores morais de determinada
sociedade”.
Exemplo de Simões, (2005, p. 60):
A relação de trabalho de um camponês era econômica, mas era simultane-
amente religiosa e moral (o próprio ciclo econômico pressupunha nexos mo-
rais sem os quais não funcionava). Se um camponês não cumprisse a palavra
de honra, que é um valor moral, furava o ciclo. Se um trabalhador falhasse no
trabalho, esta falha não era apenas uma ‘justa causa’ como é hoje, ou restrita
a uma questão trabalhista, mas ele estava errando com a própria comunidade.
Era simultaneamente um ato imoral e assim por diante. Não havia um moral
do trabalho, uma lei especificamente do trabalho. Observamos assim que a re-
lação que o camponês tinha com o trabalho extrapolava a esfera das atividades
laborativas, ou seja, não havia uma separação entre as relações de trabalho e a
vida comunitária.
capítulo 2 • 75
A partir de quais aspectos podemos pensar a moral profissional dos profis-
sionais liberais?
A inserção dos profissionais liberais na divisão social do trabalho não é a
mesma que a de um operário de uma linha de produção. Esse aspecto possi-
bilita uma maior autonomia invocada pelo próprio trabalhador. Como desta-
ca Simões (2006), o trabalho desses profissionais depende do “discernimento
das pessoas”, pois é um trabalho de uma pessoa que não se desenvolveu se
fragmentando.
O Assistente Social pode ser um profissional liberal?
Portanto, voltamos a afirmar que, embora seja regulamentado como uma
profissão liberal, o assistente social não dispõe de ampla autonomia. Como
afirma Iamamoto (2001, p. 23):
O assistente social não tem a tradição de ser um profissional liberal. É um trabalhador
especializado, que vende a sua capacidade de trabalho para algumas entidades em-
pregadoras, predominantemente de caráter patronal, empresarial ou estatal, que de-
mandam essa força qualificada e a contratam. Esse processo de compra da força de
trabalho em troca de um salário faz com que o Serviço Social embarque no universo da
mercantilização, no universo do valor.
O Código de Ética do Serviço Social, ao lado de outros aspectos do Projeto
Ético Político, se constitui como referência para o exercício profissional, mas,
conforme Iamamoto (2007, p. 77), sua aplicabilidade se depara com alguns
desafios.
O Código de Ética nos indica um rumo ético-político, um horizonte para o
exercício profissional. O desafio é a materialização dos princípios éticos na co-
tidianidade do trabalho, evitando que se transformem em aplicativos abstratos,
descolados do processo social. Afirma como valor ético central o compromisso
com a nossa parceira inseparável, a liberdade. Implica a autonomia, emanci-
pação e plena expansão dos indivíduos sociais, o que tem repercussões efetivas
nas formas de realização do trabalho profissional e nos rumos a ele impressos.
O Código de Ética Profissional. In: Serviço Social e Ética: convite a uma nova
práxis, ressalta que:
76 • capítulo 2
Quando nos referimos a um Código de Ética, estamos tratando de uma dimensão da éti-
ca profissional que remete para o caráter normativo e jurídico que regulamenta a profis-
são no que concerne às implicações éticas de sua atuação” (PAIVA et al., 2006, p. 171).
Através da linha do tempo, vamos relembrar o conteúdo que já vimos, sobre
as influências políticas na profissão do serviço social e sua regulamentação no
Brasil.
No Brasil dos anos 50, com o projeto de governo de Juscelino Kubitscheck
voltado para uma aceleração do crescimento econômico, ocorre uma grande
concentração de pessoas nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, atraídas
pelas ofertas de trabalho nas grandes indústrias. O projeto de JK voltava-se para
o crescimento econômico do Brasil e a abertura da economia ao capital estran-
geiro. O que, entretanto, não implicou em melhorias das condições sociais nas
quais se encontravam os trabalhadores. Para pagar a dívida adquirida externa-
mente, foi preciso aumentar a inflação, que reduzia o salário dos trabalhado-
res, logo, afetando as suas condições de reprodução.
Os problemas sociais se agravavam e eram visualizados nas desigualda-
des sociais e os trabalhadores começam a se organizar para reivindicarem ao
governo melhores condições de vida e trabalho. Nesse contexto, criam-se os
Conselhos de Fiscalização das profissões, regulamentados pelo Estado quando
este reconhece as profissões e ofícios considerados liberais. Para normatizar e
fiscalizar o exercício profissional, todas as profissões consideradas “liberais”
são portadoras de uma deontologia no sentido de regular as ações operativas
da profissão. Assim, cabe às entidades representativas dessas profissões, por
determinação estatutária, a elaboração de um Código de Ética profissional
(VINAGRE, 2006, p. 139).
Assim, os projetos profissionais referem-se às profissões, não a qualquer
profissão, mas àquelas que, reguladas juridicamente, supõem uma formação
teórica e/ou técnica interventiva, em geral de nível acadêmico superior.
capítulo 2 • 77
FORMAÇÃO
Os projetos profissionais apresentam uma autoimagem de uma profissão, elegem va-
lores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções,
formulam os requisitos ( teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, pres-
crevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da
sua relação com os usuários dos seus serviços, com as outras profissões e com as
organizações e instituições sociais, privadas e públicas ( dentre estas e também desta-
cadamente com o Estado, ao qual coube, historicamente o reconhecimento jurídico dos
estatutos profissionais) (NETTO,1999, p. 96).
ESTRUTURA
Os projetos profissionais são estruturas dinâmicas que respondem às alterações no
sistema de necessidades sociais sobre o qual opera, às transformações históricas, eco-
nômicas e culturais, ao desenvolvimento teórico e prático da própria profissão e ainda
às mudanças na composição social da categoria.
CONTEXTO
Tais como os códigos de éticas das profissões, não podem ser desvinculados do con-
texto sociocultural.
SOCIEDADE
Os projetos societários determinam os projetos profissionais.
78 • capítulo 2
CONSENSO
Os projetos profissionais comportam um pacto, um consenso mínimo entre seus mem-
bros sobre os parâmetros para o exercício profissional.
Os projetos profissionais pressupõem componentes imperativos, obrigatórios para to-
dos exercerem a profissão, o que se materializa, por exemplo, na constituição dos có-
digos de éticas profissionais.
COMPONENTES
É importante destacar, entretanto, que mesmo os componentes imperativos são objeto
de debate passíveis de discussão no interior de uma categoria profissional, tais como
incongruências dos princípios.
A seguir, destacamos as características centrais dos projetos societários:
COLETIVIDADE
Os projetos societários caracterizam-se por ser coletivos, projetos macroscópicos que
apresentam uma imagem da sociedade a ser construída, que reclamam determinados
valores para justificá-las e que privilegiam certos meios, materiais e culturais para con-
cretizá-la” (NETTO,1999, p. 93).
DIMENSÃO
Apresentam uma dimensão política, envolvendo relações de poder.
capítulo 2 • 79
FLEXIVEL
São flexíveis e mutáveis – incorporam novas demandas e aspirações, transformam-se
segundo as conjunturas históricas e políticas.
CLASSE SOCIAL
Tem em seu núcleo a marca da classe social a cujos interesses atendem.
CLASSES DIFERENCIADAS
Coexistem em uma mesma sociedade projetos societários que atendem a classes di-
ferentes.
INTERESSES
A história revela que os projetos societários que atendem aos interesses das classes
trabalhadoras e subalternas, mesmo num quadro de democracia política, os fazem de
maneira menos favorável do que os projetos societários. Esta condição desfavorável
de um projeto questionador, voltado para o interesses das classes trabalhadoras, deve
levar em conta os limites condições institucionais do mercado, os limites postos para
atuação profissional (NETTO, 1999).
80 • capítulo 2
CONSONÂNCIA
A história revela que os projetos profissionais nem sempre estão em consonância com
os projetos societários.
Como destaca Netto (1999, p. 12):
Embora seja frequente a sintonia entre projeto societário hegemônico e o projeto de
uma categoria profissional, podem ocorrer situações de confronto entre eles.
As divergências entre projeto societários e projetos profissionais não se es-
gotam no interior de uma determinada categoria profissional. Alternativas de
encaminhamento demandam uma análise do movimento social e afirmação
da aliança com outras categorias profissionais.
Destacamos ainda que os elementos éticos de um projeto profissional não
se restringem a uma relação de deveres e direitos, mas envolvem ainda escolhas
teóricas, ideológicas e políticas das categorias e dos profissionais.
2.3 Serviço Social e Ética
A essência está em reconhecer o significado da ética para o Serviço Social; iden-
tificar o posicionamento ético-político do Serviço Social ao longo da sua histó-
ria no Brasil e caracterizar o conservadorismo e a renovação profissional nos
diferentes momentos do Serviço Social frente à questão da ética profissional.
Ao longo desse tempo, grande influência que os valores morais da Igreja
Católica tem sobre o que eles consideravam como o trabalho a ser desenvolvido
pelas assistentes sociais, assim temos:
Neotomismo: Visão a histórica e idealista de homem. A partir desta visão
idealista e a histórica de homem, o assistente social deve intervir com base nes-
se princípio, no sentido de alcançar o bem-estar do homem e a justiça social.
São Tomás, após analisar a existência de Deus, define a pessoa humana como:
capítulo 2 • 81
• Substância individual de uma natureza racional.
• Duas substâncias incompletas: a alma e o corpo.
A partir desta visão idealista e a histórica de homem, o assistente social deve
intervir com base nesse princípio, no sentido de alcançar o bem-estar do ho-
mem e a justiça social.
Poderia, então, o bem comum o fim almejado dentro dessa visão de harmo-
nia, onde os conflitos têm que ser eliminados?
Fica clara a necessidade de uma ação que deveria corrigir essas disfunções,
adaptando o homem ao seu meio, para poder alcançar esse ideal do bem co-
mum e da justiça social. Também fica subjacente uma perspectiva de neutrali-
dade e de harmonia na relação com a instituição, onde a autoridade e o estado
não são questionados. Até porque tem como pressuposto que o poder institu-
cional e estatal decorrem de uma autoridade divina e, portanto, não cabem ser
questionados (SILVA, 2005, p. 141).
Na realidade brasileira, os primeiros códigos de ética profissionais podem
ser considerados exemplos dessa afirmativa, salvo os revistos nos anos 80 e 90
nos quais as classes trabalhadoras ascendem como valor ético-político, orien-
tando o posicionamento dos setores organizados da categoria.
ATIVIDADES01. Explique a visão Neotomista em relação à atuação do(a) assistente social:
02. O Código de Ética Profissional. In: Serviço Social e Ética: convite a uma nova práxis: ideia
central da importância para nossa atuação profissional. Explique essa ideia.
REFLEXÃO
Ética e crise dos projetos de transformação social.
José Paulo Neto
[...]
Falar em vontade política implica, hoje, necessariamente, falar na sua fundação teórica, Polí-
tica não é teoria, mas supõe um conhecimento teórico capaz de embasá-la. Esta notação, no
82 • capítulo 2
caso de uma vontade política socialista, coloca o problema das possibilidades teóricas atuais
– e chegamos aqui à tão propalada “crise do marxismo”, que seria um capítulo particular da
também propalada “crise dos paradigmas”. Na mídia e na universidade, o que hoje tem largo
curso não é só a tematização do “fracasso do socialismo” ou do “colapso do comunismo”:
é, também, a tese da falência do marxismo. Eu, que já assisti a vários enterros de Marx e a
muitos funerais de sua obra, não me impressiono com esse alarido. Mas é preciso dizer algo
sobre ele.
A crise terminal do “socialismo real” deve ser claramente distinguida de crises no campo
teórico da tradição marxista (tradição, ela mesma, muito diferenciada, cortada por leituras,
interpretações e desenvolvimentos diversos e até colidentes). Por um lado, há a considerar
que o próprio “socialismo real” foi objeto de críticas radicais elaboradas no interior mesmo
desse bloco heterogêneo que é o que chamamos de marxismo. Por outro, e mais importante,
o desenvolvimento da tradição marxista foi sempre, um desenvolvimento dinamizado a partir
de crises. No interior dessa tradição teórica, desde a última década do século XIX sucedem-
se crises – num movimento que tem implicado a sua ampliação, o seu enriquecimento e a sua
renovação. Como diz o professor Hobsbawm, não temos a “crise do marxismo” – o que temos
são “crises no marxismo”. O que hoje testemunhamos é mais uma crise no interior desta
tradição: o colapso do “socialismo real”, a meu juízo, implica o colapso das concepções que
foram o seu corolário ideológico, didaticamente reunidas naquilo que a autocracia stalinista
consagrou como “marxismo-leninismo”. Esse monstrengo ideológico – com o qual Marx e
Lenin têm pouco a ver – realmente não resistiu à derrocada do socialismo burocrático. Mas
reduzir a ele a tradição marxista, na sua riqueza, ou identificar a ele a obra de Marx – eis aqui
operações que só podem ser realizadas no marco da ignorância ou da má-fé.
Não vejo, franca e diretamente, nenhuma alternativa teórica de análise crítica do capita-
lismo e da ordem burguesa da teoria social de Marx. Não vislumbro qualquer possibilidade de
crítica radical do capitalismo e da ordem burguesa sem o respaldo do legado marxiano. É evi-
dente, e não há por que perder tempo com esta observação, que Marx não é suficiente para
que possamos compreender o presente. Marx morreu há mais de cem anos, o capitalismo e
a ordem burguesa se alteraram profundamente, nosso mundo é diverso do que ele viveu e
conheceu. Mas Marx é absolutamente necessário para a compreensão atual da ordem bur-
guesa: é o desenvolvimento criativo do referencial teórico-crítico elaborado por ele que pode
nos abrir a via para dar conta dos processos estruturais contemporâneos da nossa socieda-
de. Inclusive na análise do fracasso das experiências do “socialismo real”, a contribuição da
teoria social de Marx é insubstituível, como o prova a superficialidade gritante da maioria dos
estudos que nos têm sido oferecidos por críticos não-marxistas.
Finalizando, sugiro, a partir das reflexões feitas, quatro pontos que podem nortear o de-
bate que certamente será travado:
capítulo 2 • 83
1. Todo processo de transformação social, [...] tem implicações ético-morais – na medida
em que constitui um novo marco sócio-histórico, propicia a emergência de novos padrões
morais. Mas os processos de transformação social, não têm somente implicações éticas; eles
têm igualmente, motivações morais que remetem à ética: a recusa de determinada moralida-
de pode abrir o caminho para que indivíduos e grupos sociais se vinculem a projetos de trans-
formação social. Cabe observar, porém, que motivações puramente morais são bases frágeis
para mobilizar no sentido de transformação social; frequentemente, os sujeitos políticos que
se movem à base de requisições morais mergulham no moralismo ou se perdem no volun-
tarismo. E um e outro, como nos indica a experiência histórica, em geral desembocam, por
razões diferentes e ao cabo de algum tempo, na resignação – a velha resignação que Comte,
com a sabedoria dos conservadores, sabia ser a melhor garantia para qualquer ordem social.
2. É inquestionável a crise contemporânea dos dois principais projetos de transformação
social que marcaram o século XX: o socialismo reformista e o socialismo revolucionário, bem
como dos paradigmas que fundavam a sua concepção de transição para além da ordem bur-
guesa. Tal crise não demarca, porém, um “fim da história”, antes assinalando uma conjuntura
em que as objetivas demandas socialistas não encontraram, ainda, o suporte de uma vontade
política que as direcione;
3. A crise do “socialismo real” feriu de morte uma vertente da tradição marxista, aquela
que legitimou, ideológica e acriticamente, as suas experiências – o assim chamado marxis-
mo-leninismo. Mas a teoria social de Marx, desenvolvida diferencialmente em várias direções,
permanece o referencial teórico-crítico que possibilitando a análise substantiva da ordem
burguesa, pode fundar uma nova vontade política socialista;
4. Finalmente, sugeriria que nos detivéssemos um pouco sobre a relevância da teoria so-
cial. Por duas razões: primeiro, porque ela é absolutamente fundamental para a renovação e
recriação de projetos de transformação social na perspectiva socialista; segundo, porque ela
é absolutamente fundamental para inserir a discussão ético moral num quadro abrangente,
mais amplo que puras reflexões referidas a categorias e especificações profissionais – um
quadro, enfim, em que se possa pensar, para além de imperativos compulsórios de dever,
uma ética da liberdade.
LEITURABARROCO; M.L.S. Ética - fundamentos sócio-históricos. Volume 4. Editora Cortez, 2010.
Conselho Federal de Serviço Social - CFESS, Maria Lucia Silva Barroco e Sylvia Helena Ter-
ra. Código de ética do/a Assistente Social comentado. Editora Cortez, 2012.
84 • capítulo 2
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo: Cortez,
2008.
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assistente social. In: Revista Pucviva. Ética em Pesquisa. N.27. São Paulo, 2004. Disponível em
<http://www.apropucsp.org.br/revista/r27_r14>. Acesso em: out. 2010.
BARROCO; M.L.S. Ética - fundamentos sócio-históricos. Volume 4. Editora Cortez, 2010.
Conselho Federal de Serviço Social - CFESS, Maria Lucia Silva Barroco e Sylvia Helena Terra. Código
de ética do/a Assistente Social comentado. Editora Cortez, 2012.
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das novas tecnologias obriga a rever o mito do progresso. 2ª.ed. – São Paulo: Editora Unesp, 2001.
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WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Thomson Pioneira, 2008.
Ética Profissional no contexto da
nova República e a construção de
um novo Código de Ética Profissional
3
86 • capítulo 3
Nesse capítulo vamos tratar sobre os pressupostos históricos, teóricos e po-
líticos para o redimensionamento do debate em torno da ética profissional
no período da Nova República, reconhecendo o significado que o processo
de ampliação da cidadania e construção de um novo projeto societário teve
na criação de novos valores éticos profissionais e que caracterizou o contexto
sociopolítico do Brasil no período da Nova República;
Também vamos relacionar as particularidades do debate ético-profissio-
nal que antecedeu o Código de Ética profissional de 1993, a importância do
Código de Ética Profissional como parâmetro para o exercício profis sional;
relacionar os princípios FUNDAMENTAIS do Código de Ética profissional de
1993.
OBJETIVOS
• Os pressupostos históricos, teóricos e políticos para o redimensionamento do debate em
torno da ética profissional no período da Nova República;
• Significado que o processo de ampliação da cidadania e construção de um novo projeto
societário teve na criação de novos valores éticos profissionais;
• Relacionar as particularidades do debate ético-profissio nal que antecedeu o Código de
Ética profissional de 1993;
• A importância do Código de Ética Profissional como parâmetro para o exercício profis-
sional;
• Os princípios FUNDAMENTAIS do Código de Ética profissional de 1993.
capítulo 3 • 87
3.1 O debate em torno da ética profissional no contexto da nova república (86 até 90)
Época da história decisiva para o redimensionamento em torno da Ética Pro-
fissional. A ética profissional se objetiva através de ações críticas, reflexivas e
conscientes, da ampliação do espaço profissional no compartilhamento de
saberes com diferentes profissionais e no acompanhamento sistemático das
entidades e dos movimentos sociais organizados.
O Serviço Social realizou uma análise comparativa sobre os aspectos filo-
sóficos, históricos e sociais presentes nos Códigos de Ética do Serviço Social;
identificando as mudanças introduzidas pelo Código de Ética de 1986; e reco-
nheceu a presença do conservadorismo nos códigos de ética que antecederam
o de 1986.
As principais mudanças que ocorreram em torno da Ética profissional do
Serviço Social a partir dos anos 80 foi que o Código de Ética de 1986, juntamen-
te com o currículo de 1982, permitiu uma reinterpretação das possibilidades de
ruptura para a construção do Código de Ética Profissional de 1993, promulga-
ção da nova constituinte em 1988.
3.1.1 Constituição Federal de 1988 - A Constituição Cidadã
O Serviço Social nesse momento, em 1992, com olhar para a população que esta-
va indignada por sucessivos escândalos envolvendo o presidente num esquema
de corrupção e tráfico de influências, sai às ruas e protesta contra Collor, resul-
tando na aprovação pelo Congresso Nacional do impeachment do presidente.
Caracterizou o contexto sociopolítico do Brasil no período da Nova
República; com as mudanças introduzidas pela Constituição de 1988, princi-
palmente nos avanços na área dos direitos o serviço Social, se viu diante da ne-
cessidade de uma nova reformulação de seu código de ética profissional.
Pensar no combate à pobreza nos anos 30, na preocupação com a questão
social, ou seja, no “combate” à pobreza nesse momento é pensar a interven-
ção estatal na relação capital-trabalho via políticas sociais como uma tentati-
va de frear a organização da classe trabalhadora, já que esta representava uma
ameaça para o capitalismo que se implantava. “Simultaneamente ao esvazia-
mento das entidades sindicais, o Estado desencadeia uma ação normativa e
88 • capítulo 3
assistencial como meio de canalizar o potencial de mobilização dos trabalha-
dores urbanos e manter rebaixados os níveis salariais” (IAMAMOTO, 1992:93).
O tratamento dispensado pelo Estado aos setores mais pauperizados da po-
pulação não divergiu em muito do período anterior. Subjacente à “ideologia de
outorga” (VIANNA, 1978, p. 31), com objetivo de complementar toda a Política
Social a ser implementada, foram criadas grandes instituições sociais que inte-
gravam a política compensatória em relação às mazelas do trabalhador e de sua
família, incluindo a criança e o adolescente.
3.1.2 Anos 80 - Redimensionamento em torno da Ética Profissional
O crescimento e a diversificação dos novos movimentos sociais, no início da dé-
cada de 80, além de ter impulsionado o processo de redemocratização do país,
também trouxe para o debate político questões, que até então eram relegadas
a um nível de discussão mais localizada, menos abrangente. Esse período foi
marcado, portanto, pela organização de parcelas da sociedade civil na luta pela
conquista de seus direitos.
Os direitos que constam de nossas leis foram importados e sempre se mos-
traram inoperantes. Porém, verifica-se atualmente a ocorrência, entre nós, de
um processo de construção coletiva de um conjunto de direitos que está sen-
do realizado pelos movimentos sociais. E isso não através de uma codificação
completa e acabada de uma realidade existente, mas como o reverso de uma
definição cumulativa de carência que são definidas como inaceitáveis.
Isto é, parece que estamos vivendo um processo de construção de uma nova
cidadania, definida por um conjunto de direitos, tomados como autoevidentes,
que é pressuposto da atuação política e fundamento de avaliação da legitimida-
de do poder” (DURHAM,1984, p. 29).
Nesse contexto é que podemos pensar as bases sociopolíticas para a matu-
ridade intelectual e profissional dos assistentes sociais, e, consequentemente,
um redimensionamento do debate em torno da ética profissional. Isso pode ser
constatado através da constituição de uma nova moral profissional e de uma
nova ética no interior do Serviço Social. Verifica-se essa tendência através dos
seguintes aspectos apresentados:
• Reformulação do Código de Ética, em 1986 - oposição ao conservadoris-
mo presente nos Códigos que os antecederam.
capítulo 3 • 89
• Serviço Social passa a ser visto dentro de um contexto amplo de revisão
de valores.
• Questionamento dos princípios da neutralidade.
• Explicitação da dimensão política da prática profissional.
• Perspectiva de intenção de ruptura que articula projetos sociais de trans-
formação mais geral.
• Compromisso com as classes trabalhadoras.
• Debate em torno do projeto de transformação mais geral para além das
práticas profissionais, que se estendam para os movimentos sociais, sindicatos
e partidos políticos.
• Questionamento do Código de Ética como lócus ideal para a transforma-
ção social.
3.1.3 A Ética Profissional nos Anos 90
Nos últimos anos, o avanço da reflexão ética tem propiciado uma leitura crítica
dos fundamentos filosóficos da ética profissional contribuindo para que, no
campo da produção teórica do Serviço Social, seja reforçada a possibilidade de
superação de uma visão ética e abstrata de homem como a do Neotomismo.
A partir desta nova visão ética sobre o homem, este passa a ser visto como
um ser resultante de relações sociais que não existem separadas dos indivídu-
os reais, isto é, que não se pode compreender o indivíduo isolado das relações
sociais, tampouco tomar as relações sociais independente dos indivíduos que a
realizam (NETTO, 2005, p. 167).
Este período revela-se como um momento de amadurecimento teórico-prá-
tico da profissão, buscando expressá-lo no plano do debate ético profissional.
O posicionamento ético-político e profissional observados nas entidades da
categoria desde a década de 90, nas conjunturas das últimas décadas no país,
resultou numa redefinição do papel das entidades e do processo de fiscalização
do exercício profissional, dentre outros.
O Código de Ética de 1986, juntamente com o currículo de 1982, permitiram
uma reinterpretação das possibilidades de ruptura, apresentaram-se como
marcos de um mesmo projeto que pressupõem o compromisso ético-político
com as classes subalternas e a explicitação da direção social da formação e da
prática profissional. Este código aponta para a necessidade de uma nova ética
90 • capítulo 3
profissional que reflita a vontade coletiva, superando uma visão acrítica, em
que os valores são tidos como universais e acima dos interesses de classe.
Quais mudanças no cenário político do Brasil no contexto da Nova República (1986 -1990)
contribuíram para um redimensionamento dos valores éticos do Serviço Social? Quais os
novos enfoques e tendências são incorporados pelo Serviço Social neste período?
A nova ética é então definida como resultado da inserção da categoria nas
lutas da classe trabalhadora e, consequentemente, de uma nova visão da so-
ciedade brasileira. A categoria, por meio de suas organizações, faz uma opção
clara por uma prática profissional vinculada ao interesse de classe (BARROCO,
2008:176).
Nos anos 90 as consequências socioeconômicas e ideopolíticas das profun-
das transformações operadas pelo capitalismo internacional forçam uma rees-
truturação em termos neoliberais, descortinando um cenário cruel. Trata-se de
direitos humanos e das possibilidades de objetivação da ética.
Estas questões servirão como fio condutor para a compreensão do processo
de revisão dos valores éticos que passam, a partir da década de 80, a informar a
prática do Serviço Social.
Ocorrem situações importantes, como:
• Retirada dos militares da cena política, como atores de frente;
• Na segunda metade dos anos 80 – manifestação de sinais de falência do
padrão do Estado intervencionista;
• Lançamento das bases de minimização do Estado;
• Crise estrutural se expressa pela profunda e prolongada crise – econômico
– político – social;
• Dívida externa crescente;
• Níveis inflacionários insuportáveis;
• Crise econômica, marcada pela recessão profunda;
• Esforço de democratização da sociedade, com forte expressão da dívida
externa, ao mesmo tempo em que se dá todo um esforço de democratização da
sociedade, com forte pressão pelo resgate da dívida social e pela participação
popular na constituinte;
• Arrocho salarial, com a generalização da miséria atingindo grandes con-
tingentes da população brasileira;
capítulo 3 • 91
• Dívida social aprofunda-se em áreas essenciais como Saúde e Educação;
• Crise econômica é tratada pelos choques econômicos, com propostas de
alteração da moeda nacional e congelamento dos preços e salários;
• A classe trabalhadora é sempre a mais atingida devido à crescente desva-
lorização dos salários em face do incremento desordenado do salário;
• Reorganização sociopolítica mundial – a queda do Muro de Berlim e o
fracasso do socialismo real;
• Descrédito da população nos partidos políticos;
• Empobrecimento da classe média;
• Processo de redemocratização política.
A promulgação da nova constituinte em 1988 é um palco de uma intensa
luta política na qual as classes sociais atuam organizadamente, ainda que em
condições bastante desiguais, claramente desfavoráveis aos trabalhadores,
proletários e excluídos (SILVA, 2007:46). É um cenário de perdas, os direitos
historicamente conquistados são desmantelados, tanto em seus aspectos ma-
teriais quanto subjetivos. Recorde-se que, no Brasil, o emprego da noção de ci-
dadania como plena de direitos foi resultado de um embate árduo por ocasião
da Constituinte.
Uma nação que traz em sua história um “Brasil Novo” – Fernando Collor
foi o primeiro presidente eleito pelo povo na Nova República e a Questão social
marcada pelo processo de transição negociado do regime militar para um go-
verno civil de caráter liberal.
Sobre este período no cenário político brasileiro, Iamamoto (1987:40)
afirma que:
Para enfrentar a complexidade da conjuntura, a estratégia do Estado é garantir a transi-
ção política sem radicalização, procura atrair para o campo legal e institucional as lutas
e reivindicações dos trabalhadores, tentando despojá-las de seu conteúdo de classe,
buscando institucionalizar o conflito social.
Sobre a inserção do Serviço Social neste cenário, Silva (2007:46) afirma
que “apesar das marcas conservadoras da transição, é todavia possível vis-
lumbrar que a transição política por que passa o país, com a superação do
autoritarismo militar e a instauração de um regime democrático, ainda que
92 • capítulo 3
precário, configura um espaço político – profissional diferenciado também
para o Serviço Social.”
Os anos 80 marcam a travessia para a maioridade intelectual e profissional dos as-
sistentes sociais, para a sua cidadania acadêmico-política. Essa maturação foi decidi-
damente condicionada pela inserção da categoria profissional nas lutas mais amplas
pela conquista e aprofundamento da democratização da vida social: do estado e da
sociedade no país, no horizonte da socialização da política e da economia (IAMAMOTO,
2005:90).
Situações que avançavam no cenário econômico social:
• Privatização do patrimônio público e publicizando agências executivas;
• Investimentos em políticas públicas substituindo por convênios e
terceirização;
• Callor adota princípios neoliberais e abre o mercado para exportação de
produtos;
• Tecnologicamente as empresas estrangeiras eram mais desenvolvidas/
avançadas que as nacionais.
• Em 1992, a população indignada por sucessivos escândalos envolvendo
o presidente num esquema de corrupção e tráfico de influências sai às ruas e
protesta contra Collor, resultando na aprovação pelo Congresso Nacional do
impeachment do presidente.
Com as mudanças introduzidas pela Constituição de 1988, principalmente
nos avanços na área dos direitos o serviço Social, se viu diante da necessidade
de uma nova reformulação de seu código de ética profissional.
Assim, é na relação com os usuários, nos limites da sociedade capitalista,
que a ética profissional se objetiva através de ações críticas, reflexivas e cons-
cientes, da ampliação do espaço profissional no compartilhamento de saberes
com diferentes profissionais e no acompanhamento sistemático das entida-
des e dos movimentos sociais organizados. Isso se torna viável através de uma
ação ético-política articulada ao projeto coletivo, adquirindo maiores possibili-
dades de respaldo nos momentos de enfrentamento e resistência.
capítulo 3 • 93
Com as mudanças introduzidas pela Constituição de 1988, principalmente
nos avanços na área dos direitos o serviço Social, se viu diante da necessidade
de uma nova reformulação de seu código de ética profissional.
Assim, é na relação com os usuários, nos limites da sociedade capitalista,
que a ética profissional se objetiva através de ações críticas, reflexivas e cons-
cientes, da ampliação do espaço profissional no compartilhamento de saberes
com diferentes profissionais e no acompanhamento sistemático das entida-
des e dos movimentos sociais organizados. Isso se torna viável através de uma
ação ético-política articulada ao projeto coletivo, adquirindo maiores possibili-
dades de respaldo nos momentos de enfrentamento e resistência.
Os projetos profissionais (inclusive o projeto ético-político do Serviço
Social) apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a
legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, for-
mulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício,
prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as
balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com as outras profis-
sões e com as organizações e instituições sociais, privadas e públicas.
O autor enfatiza que, no projeto, há componentes imperativos e indicativos.
Os primeiros são os componentes obrigatórios para todos os que exercem a
profissão (em geral, são objetos de regulação estatal), e os indicativos são aque-
les em torno dos quais não há um consenso mínimo que garanta o seu cum-
primento rigoroso e idêntico para todos os membros da categoria profissional.
É fato que o Serviço Social, enquanto profissão inscrita na divisão sócio téc-
nica do trabalho, desde a sua gênese sofre as determinações da sociedade capi-
talista. O avanço do neoliberalismo, a desresponsabilização do Estado frente às
políticas sociais incidirão sobre as condições devidas do trabalhador assistente
social, assim como em sua prática voltada para o enfrentamento das expres-
sões da questão social.
Marilda Iamamoto afirma sobre as limitações impostas pelo capitalismo
em seu livro Serviço Social na Contemporaneidade:
O momento em que vivemos é um momento pleno de desafios. Mais do que nunca
é preciso ter coragem, é preciso ter esperança para enfrentar o presente. É preciso
resistir e sonhar. É necessário alimentar os sonhos e concretizá-los dia a dia no horizon-
te de novos tempos mais humanos, mais justos, mais solidários. Esses novos tempos
94 • capítulo 3
reafirmam, pois, que a acumulação de capital não é parceira da equidade, na rima com
a igualdade. exaltação da linguagem do mercado e do consumo, que se presencia na
mídia e no governo, corre paralela ao processo de crescente concentração de renda, de
capital e de poder (IAMAMOTO,1999, p. 17).
É nesse contexto, marcado pelas limitações do capitalismo e tensionado
por situações de conflitos, que a ética profissional é construída. É preciso que o
assistente social esteja atento para que não haja uma defasagem entre a inten-
ção ética e o resultado da ação, o que pode levar a julgamento de valor acerca
das implicações objetivas da prática profissional. As implicações ética do agir
profissional demandam um compromisso que é o da categoria representada
pelas suas entidades e pelo código de ética e do direito de responsabilização
por parte dessa problemática.
Para Barroco (1999, p. 132):
As condições adversas da prática profissional impõem limites à ética profissional, ge-
rando, muitas vezes, sentimentos de impotência desmotivadores da intervenção éti-
co-política desejada. Essa questão, entretanto, não é exclusiva do Serviço Social: seu
enfrentamento demanda uma articulação com outras profissões e com o conjunto dos
trabalhadores, pois se trata de uma questão política.
• Influência: Teórico-Metodologica para a formação de uma nova ética
profissional;
• Conquista da hegemonia da corrente filosófica marxista, sem descon-
siderar a existência de outros projetos teórico-metodológicos (garantia do
pluralismo);
• Na área da prática profissional, verifica-se uma ruptura com o conserva-
dorismo profissional e a incorporação das perspectivas teóricas mais críticas;
• Crítica e busca de ruptura com o “marxismo vulgar”;
O Serviço Social contrapôs-se à interpretação dualista e passou a explicitar,
como expôs Iamamoto (2005: 92):
capítulo 3 • 95
O caráter contraditório da profissão e do papel profissional no âmbito das relações de
classe e frente às políticas públicas e empresariais contribuindo para uma politização
das ações profissionais, não mais no marco do militantismo, como foi predominante-
mente no movimento de reconceituação, mas no sentido de compreender a profissão
no âmbito das relações de poder de classe, e, em especial, com o poder do Estado (...)
O Serviço Social passou da mera negação e denúncia do tradicionalismo profissional
ao trato efetivo de seus dilemas e impasses, tanto no campo teóricos como na prática
quotidiana.
Importantes alterações no código de Ética:
• No Código de 1993 mantém-se a concepção de homem e sociedade do
Código de 1986;
• Permanece a ruptura com o mito da neutralidade profissional;
• Projeto profissional destina-se à constituição de uma nova ordem social,
com a superação da pobreza, das injustiças e desigualdades sociais;
Você percebeu que a ênfase dada à democracia e liberdade como valores éticos cen-
trais se relacionaram à uma nova cena política do Brasil? Não podemos compreender
o Código de 1993 isoladamente dos aspectos históricos, sociais e políticos que o de-
terminaram. O que você pensa sobre isso?
É importante que você compreenda que o que está se denominando como
redimensionamento do debate ético-profissional compreende as respostas dos
profissionais do Serviço Social às implicações ético-políticas de sua intervenção
profissional, a não neutralidade do profissional, mas o engajamento, o compro-
misso com a transformação social, com uma sociedade mais igualitária e justa.
De que forma este compromisso se materializa?
No cotidiano profissional, onde as contradições do capitalismo são coloca-
das ao Serviço Social e demandam um posicionamento do profissional ético
político.
A coerência entre a dimensão profissional e a vida social no seu significa-
do mais amplo é, pois, fundamental, para que os valores contenham maiores
possibilidades de realização. É nesse sentido que o Código de Ética assume
96 • capítulo 3
importância fundamental, pois ele pode ser o instrumento legítimo para o es-
tabelecimento de normas que busquem garantir (dentro de seus limites) o res-
paldo à prática profissional (PAIVA, 2005:172).
3.1.4 Ética e direitos humanos
3.1.4.1 Direitos humanos e direitos dos cidadãos
Os direitos humanos são universais e naturais, ou seja, referem-se às pessoas
humanas em sua universalidade e são denominados naturais porque existem
antes de qualquer lei; dizem, portanto, respeito à dignidade intrínseca da na-
tureza humana. Não precisam estar prescritos em lei para serem exigidos, reco-
nhecidos, protegidos e promovidos.
Entre eles, deve ser garantido: o direito à vida (portanto, abomina-se a escra-
vidão, o trabalho infantil, o preconceito, a discriminação de toda ordem quanto
a: classe social, nível de instrução, raça, sexo, religião, cor etc. bem como cas-
tigos cruéis e degradantes). Assim, os criminosos, por exemplo, têm direito ao
reconhecimento de sua dignidade como pessoa humana, isto é, têm direito a
advogado, a julgamento imparcial e não podem ser torturados.
O ser humano, como ser histórico que é, cria seu mundo à sua volta e seus
valores como a liberdade, sendo esta um direito de todos, desde o mais rico ao
mais pobre, pois faz parte de sua natureza: a natureza humana.
Tendo como denominador comum a liberdade e consequentemente o res-
peito a ela, as sociedades humanas devem ser constituídas e organizadas sobre
o reconhecimento desse anseio mundial; devem formar uma sociedade “huma-
nizada”, observando esse valor intrínseco do homem. A dignidade só é possível
com a liberdade, porque somente o homem livre é digno, pois terá reconhecida
sua honradez, a sua nobreza de ser humano.
Quando se fala em dignidade da pessoa humana está-se referindo, por exem-
plo, a não humilhação de qualquer natureza, como citar um aspecto referente à
cor da pessoa, ou a seu sotaque, pois a humilhação não afeta uma propriedade,
mas a pessoa em si mesma. Em se falando de sotaque, há que se lembrar da plu-
ralidade ético-cultural – um valor a ser trabalhado – hoje cada vez mais presente
nas escolas devido à migração interna da população pauperizada.
Isso ocorreu a partir da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, da
Organização das Nações Unidas (ONU), que os inseriu na agenda internacional
como um tema global.
capítulo 3 • 97
Já os direitos do cidadão não são universais nem naturais; são políticos,
isto é, estão ligados a um determinado tipo de sociedade, de um determinado
Estado, portanto, de uma específica ordem jurídico-política, o que não impede
que, em muitos casos, coincidam com os direitos humanos. Cidadania diz res-
peito à Constituição de cada país que define e garante quem é cidadão, quais
são seus direitos e deveres em função de uma série de variáveis: idade, sexo,
estado civil, condição física e mental, dentre outras.
Há três gerações e a possibilidade de se concretizar uma quarta: a primeira
diz respeito aos direitos civis, liberdades consagradas no século XVIII, com o
advento do liberalismo, são eles: liberdade de locomoção, propriedade, segu-
rança, acesso à justiça, opinião, crença religiosa, integridade física.
A segunda geração refere-se aos direitos sociais do século XIX e meados do
século XX; estes se subdividem em direitos de caráter social mais amplo, como:
direito à educação, saúde, habitação e os direitos ligados ao mundo do trabalho:
salário digno, horário de trabalho, seguridade social, férias, previdência, etc.
A terceira geração diz respeito aos direitos coletivos da humanidade, os de-
nominados direitos sem fronteiras, direitos de solidariedade planetária, que
abordam: defesa ecológica, meio ambiente, paz, desenvolvimento sustentá-
vel, autodeterminação dos povos, partilha do patrimônio científico, cultural e
tecnológico.
É preciso atualizar-se frente às novas tecnologias e novos campos de sabe-
res, pois, atualmente, pode-se pensar em uma quarta geração que poderá surgir
em função de novas descobertas científicas e novas abordagens decorrentes da
diversidade cultural e das mudanças políticas em constante movimento pelo
planeta.
Frente a esse quadro em que foram pontuadas as carências de toda ordem
das classes destituídas – educação em valores, saúde, emprego, salário digno –
como fica a questão da igualdade entre os seres humanos?
Trata-se de um aprofundamento da tutela, que deixa de levar em conta apenas os des-
tinatários genéricos, objeto do processo de generalização – o ser humano, o cidadão
– e passa a cuidar do ser situado, datado historicamente, o que vem ao encontro sobre
o fato de sempre ter-se que refletir a respeito de que o indivíduo tem o “direito a ter
direitos”, em quaisquer situações em que se encontre, por exemplo: racismo, interesses
econômicos em jogo, o desejo de poder, o prestígio nacional, os conflitos sociais, as
lutas de classes ou as ideologias.
98 • capítulo 3
3.1.4.2 Diferenças e desigualdades sociais
Parte-se da premissa de que igualdade não é sinônimo de uniformidade nem
de homogeneidade; subentende o direito à diferença. Diferença supõe uma
relação horizontal (homem é diferente de mulher biologicamente), enquanto
que desigualdade acarreta uma valoração de superior e inferior (discriminar
um dos gêneros como inferior ao outro, por exemplo). Diferenças sociais di-
zem respeito àquelas de base natural (homem x mulher) ou produto de uma
construção cultural (costumes, mentalidades, crenças).
Diante da lei, das oportunidades de emprego, por exemplo, da justiça, igual-
dade significa isonomia. Daí, examinando-se os aspectos socioeconômicos, de-
fende-se aqui que o trabalhador deveria trabalhar com um salário digno, como
condição de vida digna, daquele mínimo que garanta a vida com dignidade e
que está explícito na segunda geração dos direitos humanos.
Desigualdades sociais referem-se a um juízo de superioridade e inferiori-
dade entre grupos e classes sociais, o que acarreta preconceitos. Ainda pode
referir-se a privilégios de determinados grupos sociais (classe hegemônica no
poder, com concentração de renda) e a subgrupos que não detêm os mesmos
direitos, não podem igualar-se aos demais (restante da maioria da população).
CONEXÃONeste link http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8437.htm você encontrará a Lei 8437
na íntegra.
A luta, no que respeita aos direitos sociais básicos: saúde, moradia, empre-
go, segurança, educação de qualidade vem-se configurando como inexequível;
por um lado, devido ao fato de o Estado não agir com ética política e por outro
lado, ao pouco esclarecimento da maioria da população destituída de educação
e que, por isso mesmo, não se consegue fazer representar politicamente em um
governo democrático, nem sequer reivindicar esses direitos.
A atual Constituição brasileira disponibilizou instrumentos jurídicos para
se exigir da Administração Pública a concretização de seu direito subjetivo,
dentre eles, o mandado de segurança coletiva – Lei 8.437/92 – que pode ser utili-
zado por partidos políticos, sindicatos, entidades de classe ou associações com
capítulo 3 • 99
mais de um ano de funcionamento e legalmente constituídos e destina-se a coi-
bir atos ilegais de autoridades públicas, que por omissão ou ação lesem direito
líquido e certo do impetrante. Só que não basta o instrumento jurídico para
garantir o direito do cidadão, é necessária a consciência ética dos governantes
para efetivar a viabilização dos direitos e a reivindicação da sociedade civil para
sua real garantia.
A democracia se configurou na sociedade moderna, embora ainda não ple-
namente efetivada devido a diversos fatores ideológicos, por meio do sufrágio
universal que representa um avanço sobre o elitismo dos que se consideravam
acima dos outros e os impediam de uma cidadania ativa ou reagiam contra os
que não se conformavam com a limitação de direitos da cidadania.
A democracia é o governo em que a palavra é livre e não uma doutrina oficial; há dis-
sociação atual entre o conceito de cidadania e o de sujeito, presente na cena pública.
Hoje, falta a palavra. Isso é tão evidente que, nas campanhas eleitorais, contrata-se um
“marketeiro” e, no lugar do debate de ideias, de projetos, investe-se na imagem, nos
sons, nas cores dos candidatos.
O problema é que as campanhas, assim, são feitas sem “palavras sérias”. Essas pa-
lavras comporiam o único fio capaz de religar educação e democracia, tornando-as
termos compatíveis e praticamente verificáveis. A democracia é o regime de governo
do povo para o povo, segundo a lei. Isso significa fala, debate, confronto de ideias; isso
significa que a democracia deve ser a defesa do interesse geral.
Mas o interesse geral não é a mesma coisa que a soma dos interesses par-
ticulares. E essa distinção, entre soma dos interesses individuais e interesse
geral ou interesse público (res publica = coisas do povo), que é um dos pilares
da noção de democracia e também do conceito de república, merece especial
atenção.
Nesse contexto, sustentar que a solução para a democracia está na igual-
dade de chances resulta num princípio de desigualdade. Pergunta-se: de quais
chances se tratam? Esse discurso se baseia numa suposta igualdade na partida
e numa desigualdade na chegada.
Os direitos do homem se ampliam da esfera das relações econômicas inter-
pessoais para as relações dos chamados direitos públicos subjetivos que carac-
terizam o Estado de direito.
100 • capítulo 3
Estado de Direito significa que nenhum indivíduo, presidente ou cidadão
comum, está acima da lei. Os governos democráticos exercem a autoridade por
meio da lei e estão eles próprios sujeitos aos constrangimentos impostos pela lei.
As leis devem expressar a vontade do povo, não os caprichos de reis, dita-
dores, militares, líderes religiosos ou partidos políticos autonomeados. Os ci-
dadãos, nas democracias, devem estar dispostos a obedecer às leis da sua so-
ciedade, porque estas são as suas próprias regras e regulamentos. A justiça é
alcançada quando as leis são criadas pelas próprias pessoas que devem a elas
obedecer. Bobbio (2000, p. 61) ressalta:
É com o nascimento do Estado de Direito que ocorre a passagem final do ponto de
vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No estado despótico, os indivíduos
singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem,
em relação ao soberano, direitos privados. No Estado de direito, o indivíduo tem, em
face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de
direito é o Estado dos cidadãos.
Dessa feita, a educação para a cidadania é o único modo de fazer com que
um súdito transforme-se em cidadão. No cidadão, a democracia brota do pró-
prio exercício da prática democrática, uma vez que os direitos sejam declarados
e reconhecidos como próprios do cidadão, ou seja, constituintes da cidadania
ativa.
Nessa atividade, alguns princípios precisam ser seguidos. As sociedades de-
mocráticas necessitam empenhar-se nos valores da tolerância, da cooperação
e do compromisso. As democracias precisam reconhecer que chegar a um con-
senso requer compromisso e que isso nem sempre é realizável. A intolerância é
em si uma forma de violência e um obstáculo ao desenvolvimento do verdadei-
ro espírito democrático.
Analisando, então, as relações de poder, hoje, os cidadãos querem saber,
dentre outros aspectos sobre o do processo de decisão por meio da transparên-
cia dos atos do governo e exercer uma fiscalização do exercício do porque se
sabem fonte de soberania. Para isso, são necessárias ações éticas de todos os
cidadãos.
capítulo 3 • 101
3.1.4.3 Uma ação ética possível
A partir das duas óticas – ética de princípios e ética da responsabilidade – pode-
se entender que a política brasileira parece oscilar entre o determinismo irres-
trito de quem dita as regras da economia e a irresponsabilidade de quem faz
política.
Falar em duas éticas exige analisar a perspectiva do poder: a ética da res-
ponsabilidade é pouco compreendida em função de que, tacitamente, a mais
aceita seja a ética de princípios ou valores. Quando se fala em ética da respon-
sabilidade, primordial se torna imprescindível entender que vem a ser a ação
política, posto que a ética da política é a da responsabilidade, por isso, não se
pode governar baseando-se em questões de foro íntimo, individual, portanto,
em princípios, pois estes não apontam a direção a seguir, não dão conta de re-
solver os dilemas que se apresentam ao governante.
A ética do político se obriga a ser mais exigente que a de princípios por dois
fatores: a) exige criatividade e corre maiores riscos, não se trata da aplicação de
um modelo já existente; b) não basta ser honesto, precisa parecer honesto, ou
seja, forçosamente, precisa-se entender a crucial diferença entre ser e parecer,
entre aparência e essência, em que a aparência constitui-se em uma exigência
adicional. Nesse ponto entra a lógica da responsabilidade no campo político:
o indivíduo – para agir politicamente – deve cuidar também da aparência de
seus atos.
Para que os princípios praticados alcancem os objetivos, para regerem uma
ética, há que haver um quadro institucional que os torne eficazes. Nessa pers-
pectiva, a condição de quem atua na política não é a de quem está inserido nela,
mas a de quem formula as leis, normas e regras, de quem elabora esse quadro
institucional. Assim, não entender a ética da responsabilidade implica não en-
tender o que é ação política, cujo maior equívoco consiste em pensá-la como
contrária à ética de princípios. A ética da responsabilidade torna-se mais exi-
gente do que a ética de princípios ou valores, uma vez que, por pautar-se por re-
sultados, terá enorme dificuldade, por exemplo, em lidar com a derrota, deven-
do preveni-la. O que ocorre na prática política hodierna é o erro de tratar a ética
da responsabilidade com irresponsabilidade, na qual, por exemplo, entende-se
o convívio com o outro a partir de uma negação, principalmente, quando este é
estranho e a relação está determinada pelo poder.
102 • capítulo 3
Esse erro caracteriza-se por três aspectos: a) não são levados em conta os
valores, mas a aparência externa dos atos; b) a intenção imediata se desvanece
no ato em si, posto que seus resultados só aparecem a médio e longo prazos; c)
não se perdoa o fracasso, ressaltando-se a intenção.
Sob essa ótica, a confusão entre as duas éticas resulta, hoje, na indefinição
dos limites entre o que é público e o que é privado. Em se tratando das polí-
ticas públicas praticadas no Brasil, para que a ética da responsabilidade seja
realmente efetivada, importa subordinar essa responsabilidade a um valor
superior: característica crucial que devem ter aqueles que pretendem mudar o
mundo, o que trata-se de um ideal ainda por atingir.
Não se pode perder de vista, então, que, para ocorrer a transformação so-
cial, há que se incitar governantes e sociedade civil a se lembrarem de que deve
haver dignidade e exigências elevadas também na ética política. Dessa forma,
vale lembrar que a atualidade de Maquiavel, bastante ampliada a partir do sé-
culo XX está em ressaltar, que o caráter imprevisto e criativo de uma atividade
não tem como se pautar por normas prévias. A política não é mais, essencial e
exclusivamente, o que se refere ao poder. Ela se tornou tudo aquilo que, sem
ter metro prévio, exige uma ação criativa. Agir politicamente é moldar a própria
vida sem seguir regra anterior.
Nesse sentido, essas reflexões levam a insistir na necessidade de se buscar a
efetivação do Estado de Direito que se encontra ainda incipiente no Brasil. Parte
dessa responsabilidade cabe a nós, profissionais que lidam com cidadãos, to-
mar a política em nossas mãos, uma vez que a emancipação social acontecerá
mediante ação e educação políticas: encontra-se em jogo a ação tendo em vista
o educando que se pretende formar. Para que se forme o cidadão ativo, tem-se
que encarar a ação – o agir do educador – não com densidade ontológica, para
estudá-la de um ponto de vista objetivo, descritivo, mas como ação política, so-
mando-se as duas éticas: a de princípios e a da responsabilidade exigente.
As contingências sócio-históricas atuais exigem do cidadão comum que dê
conta de desafios que outrora cabiam aos príncipes, aos estadistas. Como não
há “verdades reveladas”, cabe a cada um de nós inovar, criar um mundo novo,
articulando o pessoal e o social, o ético e o político, o privado e o público.
Para isso, os cidadãos precisam aprender a pensar criticamente sobre os va-
lores vigentes na sociedade atual, esperando-se, com isso que tirem conclusões
compatíveis com os valores democráticos; isso engloba o respeito ao próximo,
o autorrespeito e a manutenção da autoestima.
capítulo 3 • 103
Desde pequenos, por força da transmissão familiar e cultural, os seres hu-
manos intuem que certos atos, geralmente, são desaprovados e que outros têm
a aprovação social. Isso faz com que a vivência de valores, que de certa forma
envolve o pensar por si mesmo sobre assuntos eticamente aceitos, seja muito
difícil de ocorrer.
Não se pode, simplesmente, condenar o ato sem refletir sobre o porquê da
ação considerada incorreta e suas consequências. Para apropriar-se dos valores
aceitos, é necessário que esse aprendizado seja significativo aos cidadãos, ou
seja, investigar a situação que induziu o ato, relacionando-a com uma série de
condicionantes.
O fato é que todos os atos éticos têm que ter razões, e que é bom pensar
nas razões antes de agir, caso contrário, pode-se enfrentar a censura. Isso fere a
autoestima, isto é e deve ser o principal impedimento. Se valores ou virtudes es-
pecíficas são inculcados sem que sejam propiciadas condições para lidar com
os conflitos entre tais valores, os cidadãos sentem desamparados e vulneráveis.
Viver é estar em conflitos e essa tensão precisa ser vivenciada. Equipado com
a compreensão do consenso da comunidade, o cidadão estará em melhor situa-
ção para captar que a ética e a lógica são partes tradicionais da Filosofia; o racio-
cínio ético isto é, o raciocínio logicamente válido é indispensável aos que estão
tentando descobrir meios de resolver os problemas com que se defrontam.
Não se trata somente de formulação de um argumento lógico com premis-
sas e conclusão. O diálogo prevalece durante a análise, extraindo-se diferentes
pontos de vista. Durante uma discussão, surgem vários argumentos, sendo ne-
cessário deliberar sobre todos eles. À medida que a discussão evolui, muitos da-
dos antes encarados como problemáticos são resolvidos aqui; a analogia com
um júri é apropriada – e os cidadãos podem sobreviver a um julgamento que
todos respeitam.
Equipando os cidadãos com ferramentas e procedimentos para explorar os
temas éticos, possibilita-se um modo compatível com o processo democrático
porque ajuda a prepará-los para a cidadania, ao mesmo tempo em que aguça
e fortalece seu raciocínio e seu julgamento. Cidadãos voltados para a inves-
tigação racional provavelmente serão mais racionais quando pensam por si
mesmos, pois tiveram mais oportunidades de internalizar a racionalidade do
grupo, que nunca exerceram sua autonomia de pensamento e são, geralmente,
presos das ideologias e preconceitos vigentes.
104 • capítulo 3
Essa abordagem investigativa procura incentivar os cidadãos a desenvolver
o clima de respeito pelas atitudes e opiniões da classe como um todo, de modo
que cada um possa internalizar as atitudes mais positivas que os membros do
grupo praticam reciprocamente.
Muitas formas de conduta que abrem caminho para sérias dificuldades de
ajustamento começam como vícios intelectuais: credulidade, juízos precipita-
dos, racionalização, pensamento ansioso e fanatismo. Valores necessitam, en-
tão, ser o ponto de partida de uma discussão que dê sustentação aos diferentes
saberes.
A sociedade atual não vive uma comunidade de valores, como por exemplo,
a necessidade da liberdade coletiva; hoje o que impera é a liberdade individual,
em que a modernidade inscreve o direito à diferença no cerne do poder políti-
co, em que o conflito é aceito como norma.
Ocorre que os problemas sociais são de uma complexidade tamanha que é
impossível mudar totalmente o mundo, mas é possível mudá-lo, aos poucos,
num ponto ou em outro, vivenciando-se valores, desde cedo. Para isso, tem-se
que entender que os conflitos são sociais e não como apregoa a mídia: étnicos,
de gênero, ou de inclusão X exclusão.
A tradição brasileira tem sido a de fazer política social que não perturbe a es-
trutura social vigente, o status quo; isso acarreta exclusão social com propostas
paliativas, na maioria das vezes, tipicamente assistencialistas. Destaca-se que a
maior pobreza não é a material, mas sim, a intelectual, a falta de conhecimen-
to, pois é a ignorância que mantém os seres humanos à mercê dos interesses
dos grupos sociais que detêm o poder.
As crises são elementos essenciais na constituição do pensamento comple-
xo, pois exigem novas estratégias, novas ações para novas saídas de um sistema
já falido. É um eterno repensar, reflexionar com e no meio em que o sujeito está
inserido, pois não há certezas, nem verdades.
As ações humanas devem visar ao interesse coletivo, ao bem comum e to-
dos os indivíduos precisam ter espaço público para participar de forma ativa,
enquanto cidadãos nas sociedades ditas democráticas. Por um lado, no caso do
funcionamento cotidiano das escolas parece que não se busca a igualdade de
oportunidades diante da diversidade; os aspectos sociais, políticos e econômi-
cos não são considerados. Parece uma teoria com conceitos macros de aceita-
bilidade da realidade sem a possibilidade de transformação, ocorrendo apenas
evoluções, isso, quando as conjunturas sociais as possibilitam.
capítulo 3 • 105
É importante, então, destacar que são direitos humanos, também, interde-
pendentes e indivisíveis, englobando inúmeras facetas da existência humana,
incluindo questões sociais, políticas e econômicas. Entre as mais aceitas estão:
todas as pessoas devem ter a oportunidade de trabalhar, ganhar a vida e susten-
tar a sua família; as crianças merecem uma proteção especial: devem receber,
pelo menos, o ensino fundamental, alimentação adequada e cuidados de saú-
de. O indivíduo deve ter assegurado seus direitos de liberdade de se organizar,
denunciar, discordar e participar plenamente na vida pública de sua sociedade
e, para isso, é necessário o trabalho com valores.
Ocorre falta ética política dos governantes quanto às condições de vida
digna da população. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), somente 5 mil famílias chegam a se apropriar de mais de 40% de toda a
riqueza nacional, embora o país registre mais de 51 milhões de famílias. Como
explicar tal situação que remonta à estabilidade secular no padrão excludente
de repartição da renda e riqueza no Brasil?
Isso vem ao encontro da preocupação com a satisfação das necessidades
básicas do ser humano – alimentação, sono, abrigo – necessárias para que ele
almeje os outros níveis de necessidades – segurança, necessidades sociais, de
autoestima e de autorrealização – de cada pessoa realizar o seu próprio poten-
cial e de se autodesenvolver continuamente: ter liberdade para efetuar escolhas
ao longo da vida e responsabilizar-se por elas; esse aspecto torna necessária a
apropriação e a vivência de valores.
É possível que nunca antes os valores tenham estado em disputa na história
da humanidade. Um dos efeitos da globalização que mais chamam a atenção é
o fato de ela trazer à tona a extraordinária pluralidade de valores e culturas. Se
hoje os valores encontram-se em crise, em mudança, não se trata somente de
uma crise relativa ao significado dos valores e da capacidade de o indivíduo se
governar, exercer resistência e fixar um rumo para sua vida.
Tudo passa pela linguagem ideológica profundamente introjetada no ser
humano por unir o fazer crer da persuasão, o fazer amar da sedução ao fazer
agir das ideologias políticas. Nesse sentido, o sujeito crê-se livre como se ele
próprio pudesse escolher seu caminho, seus valores. Sem perceber, ele se vê re-
petindo paradigmas culturais inculcados pela sociedade em que está inserido.
Vale mencionar que cada cultura abarca indivíduos e grupos que distin-
guem entre o que é justo do que é injusto e fazem suas avaliações de acordo
com essa distinção. Assim, todos os valores, dentro dos diferentes contextos
106 • capítulo 3
culturais, são suscetíveis de serem avaliados, desvalorizados e reavaliados. Isso
significa que os valores evoluem e que eles podem ser moldados em comum,
debatidos e negociados entre atores potencialmente muito diferentes.
Já se observou que, em um mundo governado pela lei da oferta e da deman-
da, o conceito de valores morais e estéticos tende a se aproximar do modelo do
mercado acionário. O fenômeno da moda, do consumismo sem necessidades
reais, por exemplo, invade nosso conceito de valores.
Verifica-se, por exemplo, que, quanto ao consumo, há nas indústrias uma
estratégia de obsolentismo programado, ou seja, não se implementam de uma
só vez nos celulares (para se citar um dado atual como exemplo) todos os recur-
sos que podem ser disponibilizados. Isso é feito com intervalos de cerca de seis
em seis meses, incitando a população a novas aquisições, a querer sempre o
último modelo, às vezes, até pelo design e não tanto pelas novas utilidades que
propiciam os aparelhos.
A Filosofia questiona os valores praticados em cada sociedade. Enquanto a moral
abrange um conjunto de valores e padrões de conduta social instituídos historicamente
por uma sociedade para garantir a integridade física e psíquica de seus membros e a
conservação do grupo social, a ética refere-se a uma reflexão sobre os valores morais
que norteiam o comportamento humano, sobre seus fundamentos e sua legitimidade.
A sociedade moderna cria a sociedade civil segundo a lógica do lucro e dos
interesses pessoais; enquanto os fenômenos naturais ocorrem por necessida-
de, o ser humano age por finalidade. Portanto, a ética e a política têm o mesmo
fundamento: a liberdade.
3.1.5 Código de ética 1993
Levando em conta todo o estudo do contexto internacional e nacional, é possí-
vel perceber que após a publicação do código de 1986 alguns fatos marcaram a
realidade brasileira, tais como: a globalização e o projeto neoliberal do capita-
lismo, onde as desigualdades são acirradas, cresce o desemprego estrutural, e
o Estado se isenta das responsabilidades sociais.
As transformações ocorridas a partir do final do século XX no mundo
do trabalho e na organização do Capital, particularizadas em função das
capítulo 3 • 107
circunstâncias socioeconômicas locais, trazem elementos comuns que afetam
profundamente categorias profissionais, a classe trabalhadora coletivamente e
também, em nível pessoal, fragilizam o sujeito que vive do trabalho.
No Brasil esse processo inicia-se no governo Collor, que sob um discurso
modernizador e em prol dos descamisados, impôs um arrocho inusitado dos
salários, o aumento violento do desemprego, cortes expressivos na área social,
desestruturação da máquina federal e esquemas de corrupção nunca vistos. A
gestão Collor serviu para consolidar as metas do neoliberalismo, cujos pressu-
postos são:
• o mercado como regulador da economia e livre da intervenção estatal;
• um Estado mínimo para o social e máximo para o capital;
• flexibilização do mercado de trabalho;
• desregulamentação das leis trabalhista;
• desarticulação do poder dos sindicatos;
• implantação de uma política de estabilidade monetária;
• proteção ao capital financeiro.
Em 1992 com o Impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, a
política adotada em seu governo continuou nos governos posteriores e os pro-
blemas sociais permaneceram ainda neste milênio.
O texto constitucional de 1988 definiu alguns direitos sociais básicos e os
princípios de organização das políticas sociais, que representam avanço no que
diz respeito aos direitos e instituições sociais. No campo das políticas sociais,
destacam-se as definições sobre a organização, objetivos e orçamentos da segu-
ridade social, composta do tripé: previdência, saúde e assistência social, uma
concepção ampla de proteção social que reconhece direitos sociais básicos de
toda a população e não apenas dos contribuintes diretos, destacando-se:
• a igualdade dos planos previdenciários para trabalhadores urbanos e ru-
rais, com acesso à previdência a todos que contribuam;
• a saúde como direito de todos e dever do Estado, com acesso universal aos
serviços públicos de saúde organizados em um sistema único (SUS), em que as
instituições privadas têm participação complementar;
• a garantia de benefício de um salário-mínimo para idosos e portadores de
deficiência no âmbito da assistência social, entendida como direito de quem
dela necessitar, independente de contribuição individual.
108 • capítulo 3
A promulgação da Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990 dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências; lei fundamental
para a revisão de práticas e concepções sobre a realidade das crianças e adoles-
centes, resultando em um marco histórico na sociedade brasileira, em espe-
cial, nas políticas sociais.
Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei n. 8.742, de 07/12/93) que es-
tabelece a assistência social como política pública, direito do cidadão e dever
do Estado, além de garantir a Universalidade dos direitos sociais.
CONEXÃOPara saber mais notícias sobre o Código de Ética, acesse:
http://www.cfess.org.br/noticias/codigodeetica
Na profissão: há um alargamento da prática profissional onde novas áreas
e campos de intervenção se configuraram e vêm se configurando até hoje, se
legitimado tanto pela produção de conhecimentos dela extraída, quanto pelo
reconhecimento do trabalho profissional pelos seus usuários. Apesar disso,
não se pode afirmar que estão suprimidas no Serviço Social as tendências con-
servadoras ou neoconservadoras.
A partir de 1993 há uma maior preocupação com a ética no Serviço Social,
que coroa o processo de construção do Projeto Ético-Político da profissão.
O atual Código de Ética, na sua introdução, faz diversas referências ao
Código de 1986 e sobre a necessidade de revisá-lo, sobretudo em função da
nova ordenação jurídica trazida pela Constituição de 1988 e também pelo ama-
durecimento do Projeto profissional. Explica que:
A revisão do texto de 1986 processou-se em dois níveis. Reafirmando os seus valores
fundantes – a liberdade e a justiça social –, articulou-os a partir da exigência demo-
crática: a democracia é tomada como valor ético-político central, na medida em que é
o único padrão de organização político-social capaz de assegurar a explicitação dos
valores essenciais da liberdade e da equidade. É ela, ademais, que favorece a ultrapas-
sagem das limitações reais que a ordem burguesa impõe ao desenvolvimento pleno da
capítulo 3 • 109
cidadania, dos direitos e garantias individuais e sociais e das tendências à autonomia
e à autogestão social. Em segundo lugar, cuidou-se de precisar a normatização do
exercício profissional de modo a permitir que aqueles valores sejam retraduzidos no
relacionamento entre assistentes sociais, instituições/organizações e população, pre-
servando-se os direitos e deveres profissionais, a qualidade dos serviços e a responsa-
bilidade diante do usuário (CFESS, 1993).
Contudo, reafirma que o projeto profissional do Serviço Social se conecta ao
projeto social que supunha a erradicação de todos os processos de exploração,
opressão e alienação.
O Código de Ética estabelece, portanto, os princípios fundamentais do exer-
cício profissional, reafirmando o compromisso ético-político do Serviço Social
com a classe que vive do trabalho, com a democracia e com a cidadania.
Os princípios fundamentais que permeiam as diretrizes, atribuições e
prerrogativas do exercício profissional apresentados pelo Código de Ética do
Assistente Social de 1993, são os seguintes:
Princípios do Código de ética de 1993:
1º PRINCÍPIO
Liberdade constitui-se como um valor ético central do Serviço So-
cial e se fundamenta em uma concepção de homem como sujeito
livre, resgatando dessa forma o indivíduo como sujeito com direito
à liberdade.
Firmamos em reconhecer a liberdade como valor ético central, o que implica desenvol-
ver o trabalho profissional para reconhecer a autonomia, emancipação e plena expan-
são dos indivíduos sociais, reforçando princípios e práticas democráticas (IAMAMOTO,
2006, p.141).
110 • capítulo 3
Como destaca Paiva e Sales (apud. BONNETTI, 2005, p.82): "O princípio da
liberdade no sentido coletivo significa que a liberdade de cada um requer a ple-
na realização de todos."
Sobre a relação do Serviço Social com a liberdade, essas autoras afirmam
que o assistente social comprometido com a construção e a difusão da liber-
dade não sucumbe, mas faz da necessidade o campo da criação e do sonho da
liberdade como realidade. Quando o assistente social incorpora em seu coti-
diano o compromisso de lutar contra o preconceito, enquanto força cerceadora
da liberdade. Conforme Chauí:
A liberdade é a capacidade para darmos um sentido novo ao que parecia fatalidade,
transformando a situação de fato numa realidade nova; criada por nossa ação. Essa for-
ça transformadora que torna real o que era somente possível e que se achava apenas
latente como possibilidade, é o que faz surgir (...) um movimento antirracista, uma luta
contra a discriminação sexual ou de classe social, uma resistência à tirania e a vitória
contra ela (CHAUÍ, 1994, p.357).
As condições objetivas que envolvem o cotidiano profissional do Serviço
Social impõe limites à liberdade do assistente social. A escassez de recursos,
falta de condições de trabalho, burocracia, hierarquia podem dificultar ou até
mesmo impedir que o assistente social trabalhe na perspectiva da garantia de
direitos e conduzi-lo a uma visão fatalista, como denomina Iamamoto (2006,
p.145) da sua intervenção profissional:
No espaço da ética tal contexto é especialmente limitador, tendo em vista a negação
de projetos emancipatórios, o fortalecimento de atitudes discriminatórias, antidemocrá-
tica, espaço para a reprodução do preconceito e do moralismo conservador (BARRO-
CO,1999, p.129).
capítulo 3 • 111
2º PRINCÍPIO
Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo.
Esse princípio, tal como foi formulado, aparece primeira vez no Código de
Ética profissional para chamar a atenção da categoria profissional acerca do
compromisso com os direitos humanos, o que pressupõe a luta contra todo
tipo de abuso da autoridade, torturas, violência doméstica, grupos de exter-
mínio, isto é, o posicionamento dos assistentes sociais frente a questão dos
direitos humanos. O senso comum, informado pela ideologia dominante faz
vista grossa às várias e sutis formas de violação dos direitos humanos; que a
possibilidade de romper com o conservadorismo, justificador da desigualdade,
acena para permanente crítica e autocrítica aos comportamentos e pensamen-
tos reprodutores do paradigma da crueldade e da desumanização. Trata-se de
empreendermos uma recusa e um combate nos espaços institucionais e nas
relações cotidianas, diante de todas as situações que ferem a integridade dos
indivíduos e que se submetem ao sofrimento e à dor física e à humilhação.
3º PRINCÍPIO
Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primor-
dial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, so-
ciais e políticos das classes trabalhadoras.
Prevê que a ampliação e consolidação da cidadania, assim como a liberda-
de e a defesa intransigente dos direitos humanos devem ser buscados cotidia-
namente pelo assistente social, através da viabilização no lócus da intervenção
dos direitos dos usuários.
A materialização dos direitos se explicitam através das políticas sociais,
programas e benefícios através dos quais os profissionais do Serviço Social são
mediadores, assumindo desta forma um significado muito importante para a
plena realização da cidadania.
É importante ressaltar, entretanto, que o compromisso do assistente social
com a cidadania não se restringe à área da assistência social através do repas-
se de cestas básicas, leite, cadastro em programas sociais, dentre outros. Não
desconsiderando a importância que a assistência social tem para a ameniza-
ção das sequelas sociais decorrentes da situação de exclusão social em que se
112 • capítulo 3
encontra grande parte da população brasileira, a cidadania deve ser apreendida
como universalização dos direitos sociais, políticos e civis.
Trabalhar na perspectiva da garantia de direitos não é algo fácil, principal-
mente em um país no qual se observa diariamente a violação de direitos bási-
cos, tais como alimentação, educação, saúde, habitação e outros. Além dessa
questão, o assistente social também se depara com a falta de recursos e condi-
ções para a potencialização dos interesses e direitos dos usuários.
4º PRINCÍPIO
Defesa do aprofundamento da democracia como socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida.
Posicionamento do serviço Social em torno de um conceito mais ampliado
de democracia e cidadania, relacionado à socialização da riqueza socialmente
produzida.
Com apoio e recursos críticos e criativos, o Serviço Social pode investir
numa tendência de autodesenvolvimento dos indivíduos sociais, capaz de con-
ferir nova direção social às suas atividades – de planejamento, formulação e
implementação das políticas socais - incluindo aquelas partilhadas com outros
profissionais (PAIVA e SALES apud. BONETTI,I. 2005, p. 190).
5º PRINCÍPIO
Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure
universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos progra-
mas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática.
Compreende o posicionamento do Serviço Social em relação a uma socie-
dade mais justa, menos desigual.
Nega a neutralidade profissional e defende o posicionamento do Serviço
Social em relação à equidade social e justiça social através de uma intervenção
social que assegure a universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos
programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática.
Refere-se ao compromisso do assistente social em conscientizar os usuários
acerca dos direitos, benefícios, programas, serviços e políticas a ele destinados.
Implica no total apoio da categoria profissional à população em prol do
acesso a universalidade do atendimento de seus direitos.
capítulo 3 • 113
Como dificuldade para implementação desse princípio, o assistente social
pode se deparar com a questão dos critérios de elegibilidade através dos quais
tem que se escolher dentre os usuários aqueles que mais necessitam dos servi-
ços oferecidos pela instituição. Tal tarefa não é nada fácil num país como Brasil
onde grande contingente da população apresenta um quadro de carência múl-
tipla, como sinaliza Paiva e Sales (apud. BONETTI, 2005, p.191):
O assistente social, como profissional que trabalha na perspectiva da garantia de direi-
tos deve propor e implementar os programas e políticas sociais que contribuam para
inclusão de um número sempre crescente de cidadãos.
6º PRINCÍPIO
Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incenti-
vando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmen-
te discriminados e à discussão das diferenças.
Este princípio é novo em relação aos Códigos que o precederam;
• destaca-se pela forma não conservadora de tratar a questão das diferenças;
• revela a preocupação do assistente com a liberdade de fazer escolhas, se-
jam elas em torno da orientação sexual, etnia, classe social, etc.
Como o assistente social pode evitar em sua prática profissional a reprodu-
ção de preconceitos e discriminação decorrentes do senso comum?
O assistente social, em sua prática profissional, deve evitar valores, pré-noções, precon-
ceitos sobre os usuários, os quais devem ser respeitados por mais diferentes que sejam
suas ideias, valores, interesses pessoais e aparência física. A categoria profissional
também deve incentivar, propor e participar de debates e outros movimentos cujo foco
seja o respeito à diversidade.
114 • capítulo 3
7º PRINCÍPIO
Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissio-
nais democráticas existentes e suas expressões teóricas e compro-
misso com o constante aprimoramento intelectual.
Este princípio compreende o debate profissional que se inicia na década
de 80 quando, através da interlocução do Serviço Social com diferentes linhas
de pensamento, se observa uma disputa entre diferentes perspectivas teórico-
metodológicas pela hegemonia em relação à orientação e direção do Projeto
Ético-Político.
PLURALISMO ECLETISMO
Refere-se ao debate entre diferentes
posições, perspectivas teóricas. É com
base no pluralismo que se pode dimen-
sionar a repercussão e influência dife-
renciada de cada perspectiva teórica
sobre a prática profissional. Os profissio-
nais têm a liberdade de utilizar a teoria
que, a seu ver, melhor se adéqua a uma
determinada situação.
É a mistura de fragmentos de teorias, o
que deslegitima o processo de conheci-
mento de uma determinada realidade.
8º PRINCÍPIO
Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de cons-
trução de uma nova ordem societária, sem dominação/exploração
de classe, etnia e gênero.
Implica no posicionamento do Serviço Social frente às barbáries do capita-
lismo; significa lutar e participar da reinvenção concreta de uma nova socieda-
de, baseada na justiça social; pressupõe a participação da categoria profissio-
nal nos fóruns de discussão, formulação e controle das políticas públicas.
capítulo 3 • 115
9º PRINCÍPIO
Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais
que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos
trabalhadores.
Atuação profissional comprometida com a transformação social tem que
estar conectadas às demandas colocadas no dia a dia profissional.
Este princípio reforça a exigência de um novo perfil para o assistente social,
ou seja, um profissional que seja propositivo e engajado nos movimentos em
defesa da cidadania e de uma sociedade mais democrática.
Conscientização dos assistentes sociais acerca do significado que sua atu-
ação tem nos espaços que extrapolam a esfera do Serviço Social, mas que têm
como objetivo comum a luta em defesa dos direitos da classe trabalhadora.
O assistente social precisa se aliar aos movimentos, grupos, instituições que
lutam pela classe trabalhadora.
10º PRINCÍPIO
Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população
e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência
profissional.
Ruptura com a burocracia e o tecnicismo inócuo.
Reconhecimento da necessidade de investimento na capacitação profissional.
Viabilização do compromisso com os usuários supõe que este profissional
do Serviço Social construa modos de intervenção que possibilitem a participa-
ção dos usuários nas decisões e qualidade dos serviços sociais.
Investimento na interiorização de novos valores éticos – profissionais sus-
citadores de novas posturas e projetos de intervenção voltados para as reais ne-
cessidades dos usuários.
11º PRINCÍPIO
Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar,
por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião.
Assegura direitos para os assistentes sociais e, também, exige o respei-
to com as diferenças dos usuários e outros profissionais; retoma a crítica do
116 • capítulo 3
preconceito pela substantivação da dimensão do direito, o exercício do Serviço
Social e a relação com os que integram a vida profissional cotidiana a partir do
que são; nega as verdades absolutas, as avaliações dicotomizadas – maquineís-
ta de certo ou errado, bem ou mal, como contratendência necessária ao comba-
te à discriminação.
Famílias de fazendeiros ou camponeses, homem ou mulher, negro ou índio ou branco,
evangélico ou umbandista, brasileiro ou estrangeiro, homo ou hetero, jovem ou idoso,
portador de deficiência ou não, enfim, um indivíduo como outro qualquer, com manias,
atributos, Características que o particularizam exclusivamente, mas que em nada justi-
ficam qualquer tipo de exclusão ou privilégio, que extrapolem o âmbito estrito da com-
petência profissional (BONETTI,2005, p. 206).
ATIVIDADES
01. Segundo Iamamoto, o que podemos afirmar sobre a importância dos anos 80 para a
trajetória da profissional do Assistente Social?
02. O que Marilda Iamamoto afirma sobre as limitações impostas pelo capitalismo em seu
livro Serviço Social na Contemporaneidade?
03. Quantos princípios fundamentais tem o código de ética do Serviço Social (1993) e quais
são eles?
REFLEXÃOOs direitos humanos, expressão que encerra concepções heterogêneas e até antagônicas,
são tomados enquanto um campo epistemológico e de luta social estratégica, no horizonte
de construção de uma ordem social libertária, no contexto de um campo de disputa de pro-
jetos societários. Os direitos são construções históricas fruto de lutas protagonizadas por
classes e grupos populares contra a exploração, a repressão, a tortura, o arbítrio, a violência,
a discriminação, a desproteção social, a degradação ambiental e contra a dependência eco-
nômica e política de povos e países. Nesse sentido, os direitos humanos constituem direitos
capítulo 3 • 117
conquistados coletivamente, podendo ser considerados como patrimônio da humanidade.
Será que o Serviço Social está realmente contribuindo para que estes direitos sejam res-
peitados? Será que os Assistentes sociais reconhecem em sua prática profissional, seu
comprometimento com o projeto ético político da profissão, segundo o código de ética do
Serviço Social?
LEITURALEI N. 8.662, de 7 de junho de 1993, que dispõe sobre a profissão de Assistente Social e
dá outras providências.
Conselho Federal de Serviço Social - CFESS, Maria Lucia Silva Barroco e Sylvia Helena
Terra. Código de ética do/a Assistente Social comentado. Editora Cortez, 2012.
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118 • capítulo 3
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Código de Ética de 1993 – CFESS/CRESS – Direitos e deveres do(a)
Assistente Social
4
120 • capítulo 4
Nesse capítulo vamos continuar estudando o Código de Ética de 1993,
possibilitando relacionar as atribuições do conjunto CRESS/CFESS, subsi-
diar a compreensão do rebatimento das questões éticas na prática profissio-
nal, identificar os direitos e deveres dos assistentes sociais em relação aos
usuários e outros profissionais, reconhecer a importância do Código de Éti-
ca Profissional enquanto parâmetro para o exercício profissional, subsidiar
a compreensão do rebatimento das questões éticas na práti ca profissional,
identificar os direitos e deveres dos assistentes sociais em relação aos usuá-
rios, outros profissionais e as instituições e reconhecer aspectos relaciona-
dos à questão do sigilo profissional e às penalidades previstas para exercício
ilegal da profissão.
OBJETIVOS
• Compreender o rebatimento das questões éticas na prática profissional;
• Conhecer os direitos e deveres dos assistentes sociais em relação aos usuários e outros
profissionais, aspectos relacionados à questão do sigilo profissional e as penalidades previs-
tas para exercício ilegal da profissão;
• Relacionar as atribuições do conjunto CRESS/CFESS;
• Por fim, identificar os direitos e deveres dos assistentes sociais em relação aos usuários,
outros profissionais e as instituições.
capítulo 4 • 121
4.1 Importância do Código de Ética de 1993 para a Profissão
O neoliberalismo enfraqueceu o Estado em relação às políticas públicas e so-
ciais. Contrapondo à corrente econômica do neoliberalismo que apenas des-
mantela o Estado em seus deveres para com os cidadãos, o Serviço Social ins-
tituiu em 13 de março de 1993 o quinto e atual Código de Ética do Assistente
Social. Assim, no tripé que fundamenta o Projeto Ético-Político da profissão se
encontra a Lei nº 8.662/1993 que regulamenta a profissão e que recebeu nova
Resolução (nº 594/2011) (BRASIL, 2011), onde foi inserida a lei das trinta horas
de jornada de trabalho, duramente conquistada pela Categoria, por meio do
Conjunto CFESS/CRESS e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
CONEXÃOhttp://www.cfess.org.br/arquivos/Cartilha_CFESS_Finalgrafica.pdf
As Diretrizes Curriculares aprovadas pela ABEPSS em 1996 romperam com
a formação acadêmica engessada pelo formalismo, ocorrendo a integração dos
alunos, da comunidade e dos docentes. De maneira que tal currículo propor-
cionou a não fragmentação do ensino, da pesquisa, da extensão e da gestão.
Estas Diretrizes Curriculares só foram formuladas devido aos empenhos de
inúmeros profissionais que se sensibilizaram e participaram de várias oficinas
que ocorreram em todo Brasil. As Diretrizes Curriculares, a partir de 1996, dire-
cionaram a base comum para o curso de serviço social sendo válida para todo
território nacional. A formação visa a ontologia do Ser social e sua relação de
totalidade no trabalho profissional sempre tendo como referência a formação
teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, buscando uma forma-
ção humana, crítica e social.
O modo de Ser do assistente social está voltado, a partir do Projeto Ético
Político do Serviço Social, para a ética da mobilidade. Tal ética é verificada na
defesa intransigente da liberdade como valor central, também na defesa dos
direitos humanos, da cidadania, da equidade, da justiça social, da diversida-
de, do pluralismo, da universalidade de acesso aos bens e serviços das políticas
122 • capítulo 4
sociais e da nova ordem societária. Enfim, o modo de ser deste profissional está
direcionado contra qualquer forma de preconceito e discriminação.
O Código de Ética de 1993 foi fruto do amadurecimento da categoria profissio-
nal. Tal Código supriu os limites que apresentava o Código de Ética de 1986. Alguns
acontecimentos marcaram o aprofundamento do atual Código: em 1991 ocorreu
um I Seminário Nacional sobre Ética, em 1992 ocorreu o II Seminário Nacional
sobre Ética, o VII CBAS, o XII Encontro Nacional de Estudantes de Serviço Social e
o XX encontro Nacional do conjunto CFESS e CRESS (BRASIL, 2011).
O Código de Ética de 1993 é um instrumento normativo do Serviço Social
e têm compromisso ético-político com valores universais que proporcionam a
emancipação do cidadão.
O Código de Ética de 1993 completou maioridade no ano de 2011. Para co-
memorar os dezoito anos de promulgação desse aparato normativo, o CFESS
fez algumas alterações pertinentes, por meio, das Resoluções nº 290/94,
293/94, 333/96 e 594/11 (BRASIL, 2011). A última alteração (Resolução 594/11)
do Código de Ética do Assistente Social (BRASIL, 2011, p. 13) diz respeito à ade-
quação de linguagem de gênero:
As correções formais dizem respeito à incorporação das novas regras orto-
gráficas da língua portuguesa, assim como à numeração sequencial dos prin-
cípios fundamentais do Código e, ainda, ao reconhecimento da linguagem de
gênero, adotando-se em todo o texto a forma masculina e feminina, simulta-
neamente. Essa última expressa, para além de uma mudança formal, um posi-
cionamento político, tendo em vista contribuir para negação do machismo na
linguagem, principalmente por ser a categoria de assistentes sociais formada
majoritariamente por mulheres.
O Código de Ética também sofreu alterações em algumas terminologias já
ultrapassadas. O décimo primeiro princípio fundamental na nova reformula-
ção ficou assim definido (BRASIL, 2011, p. 24):
Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de
inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, iden-
tidade de gênero, idade e condição física.
capítulo 4 • 123
Houve a substituição de “opção sexual” para “orientação sexual” e a inclu-
são de “identidade de gênero”. Tais alterações revelam que a categoria profis-
sional está atenta na luta por efetivação de direitos. E tal efetivação ocorre se
reafirmamos os valores e princípios democráticos em vista da liberdade e da
plena emancipação do cidadão.
No entanto, a Resolução 594/11 que foi instituída pelo Conjunto CFESS/
CRESS não se atentou para a nomenclatura “opção” do oitavo princípio. Aqui
não se trata de discutir “gênero”, mas de aprofundar em uma realidade que a ca-
tegoria vivencia na contemporaneidade, a saber: a hegemonia do Projeto Ético
Político. O oitavo princípio do Código de Ética de 1993 (BRASIL, 2011, p. 24)
enuncia assim: “Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de
construção de uma nova ordem societária, em dominação, exploração de clas-
se, etnia e gênero”, uma defesa explícita ao anticapitalismo e ao antimoralismo.
O oitavo princípio se inicia com a nomenclatura “opção”, ou seja, o assis-
tente social deve fazer uma opção por um projeto que tem vínculo na constru-
ção de uma nova ordem societária onde não tenha dominação, exploração de
classe, de etnia e de gênero. Tal princípio, ao expressar o termo “opção” deter-
mina que o assistente social escolha o projeto ali positivado. Entretanto, esta
escolha advém do seu processo histórico enquanto ser humano que é. E nem
sempre em apenas quatro anos de formação acadêmica o profissional está apto
a se posicionar politicamente.
Portanto, ao invés do Código de Ética mencionar a nomenclatura “opção”
poderia, em seu lugar, inserir o termo “orientação”, pois, sabemos que a ética
profissional transcende a formação acadêmica e penetra no processo histórico
do próprio assistente social.
Tal crítica não se faz pelo não concorde acerca do oitavo princípio, ao con-
trário, haja vista ser para nós um princípio muito aceito e defendido no sentido
de querer uma nova ordem societária e, portanto, a superação da ordem vigen-
te. No entanto, a ética do profissional só se transforma no processo histórico
e este se faz presente também na própria escolha. Logo, não só inviável, mas
também ingênuo, de nossa parte, acreditar que o profissional, recém-formado,
“opte” a favor de um projeto que defende outra sociedade sem relacionar o seu
próprio modo de ser.
O termo “opção” demonstra uma atitude imediata de escolha diante do que
se espera por parte da categoria profissional, enquanto o outro termo, a “orien-
tação” (arte de se orientar), demonstra um percurso mediato de escolhas. Como
124 • capítulo 4
esperar de um recém-formado um “optar” imediato (mesmo que para um pro-
jeto) se a própria categoria profissional demorou mais de vinte anos para ini-
ciar a estrutura do seu Projeto Ético-Político? Como esperar de um profissional
assistente social, que é um formador de opinião, uma atitude imediata ante a
uma complexidade que é o embate entre o modo de produção capitalista e ou-
tro mundo possível?
Se entendermos e defendermos a nomenclatura “opção” como uma atitude
imediata de escolha, teremos a mesma ética profissional de meados da década
de 1970 quando, o Serviço Social teve uma militância fervorosa de seus profis-
sionais e um repúdio às instituições estatais.
A categoria de Serviço Social conseguiu na década de 1990, já no Estado
Democrático de Direito, a hegemonia do Projeto Ético-Político. No entanto,
imerso nesse projeto hegemônico, muitos são os debates e enfrentamentos po-
líticos que se voltam para o poder.
A hegemonia do Projeto Ético-Político do Serviço Social deve ser mais bem
entendida para também entendermos a ética da mobilidade que se faz presen-
te no seio da profissão.
Não podemos definir hegemonia como uma classe social sobre outra, isso
porque ela ocorre em inúmeros ambientes das relações sociais. Também não
podemos concordar que a hegemonia do Projeto Ético-Político tenha domina-
ção diante dos grupos de assistentes sociais que não coadunam com tal proje-
to. Discutir ética profissional do assistente social é entender o embate político
e ideológico que a categoria proporciona.
Para entender melhor o conceito de hegemonia presente em nossa catego-
ria profissional, faz-se necessário explicar outros conceitos, tais como supre-
macia, direção, dominação e coerção. Podemos afirmar que a hegemonia do
Projeto Ético-Político tem supremacia porque conquistou a autoridade advinda
dos assistentes sociais, portanto, sua supremacia constitui a hegemonia. Na se-
quência, a supremacia conquistada historicamente pela categoria profissional
lhe dá o direito, por eleição do Conjunto CFESS/CRESS, de exercer a direção,
deliberando democraticamente. Assim sendo, a hegemonia do Projeto Ético-
Político não tem a dominação arbitrária e vertical, portanto, não tem postura
coerciva e está estreitamente relacionada à hegemonia gramsciana1 (mesmo
1 As ideias marxistas de Gramsci eram ideias particulares da realidade italiana de investigar o Capitalismo e propor novas alternativas, por meio do Socialismo. Para isso ele não só valorizou o Estado, mas também a sociedade civil em busca da hegemonia. Somente com a hegemonia de ideias concretas (com uma visão de Estado Ampliado e não Restrito) é que o povo subjugado e explorado chegaria ao poder por intermédio dos intelectuais orgânicos. (GRAMSCI, 1978b; 1978d).
capítulo 4 • 125
não concordando com algumas práticas políticas que o CFESS tem em face da
categoria profissional que seriam ações do Sindicato, que ainda não temos).
A ética da mobilidade coaduna com o valor central do Projeto Ético Político
que é a liberdade, também defende a autonomia, a emancipação e a expansão
dos indivíduos sociais; defende os direitos humanos; sustenta a ampliação e
consolidação da cidadania; busca a garantia dos direitos civis e sociais; defen-
de a participação política e a democracia; defende também a socialização da
riqueza produzida; prima pela gestão democrática, equidade e justiça social;
incentiva o respeito à diversidade eliminando os preconceitos; garante o plu-
ralismo de ideias; tem compromisso com a formação profissional; defende a
construção de uma nova ordem societária respeitando o processo histórico; é
contra a dominação, exploração de classe, etnia e gênero; está aberto às articu-
lações com outras categorias profissionais; é contra qualquer forma de discri-
minação seja por classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orienta-
ção sexual, identidade de gênero, idade e condição física.
O modo de ser do assistente social, que na contemporaneidade é constituí-
do na ética da mobilidade, pode perder esta hegemonia devido aos núcleos, às
vezes não percebidos – por se declarar marxistas, porém são marxistas mecani-
cistas e ortodoxos – que com uma “linguagem” aparente de intenção de ruptu-
ra com o conservadorismo, reproduz o mesmo, com outra roupagem: aquele
imbricado num materialismo ortodoxo, portanto, autocrático e que não res-
ponde às demandas da categoria profissional. O Projeto Ético-Político, assim
como o ethos da mobilidade do assistente social, tem o risco de perder a hege-
monia na contemporaneidade não só por vertentes conhecidas como conserva-
doras como o Neotomismo, o Positivismo, o Funcionalismo, o Personalismo,
a Fenomenologia e a Teoria dos Sistemas; mas justamente dentro do próprio
materialismo, com interpretações do marxismo ortodoxo e ultrapassado, que
ao invés de aglutinar profissionais apenas desune e fortalece grupos conserva-
dores da própria categoria.
A superação de correntes como o humanismo cristão e o liberalismo já é
conhecida e divulgada, mas falar na superação hoje do marxismo anti-huma-
nista é entender como que o conservadorismo adentra contemporaneamente
na profissão.
126 • capítulo 4
CONEXÃOPara acesso a Lei de regulamentação da profissão:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6683.htm
Para acesso as Diretrizes Curriculares:
www.abepss.org.br/briefing/graduacao/Lei_de_Diretrizes_Curriculares_1996.pdf
A ética da mobilidade se faz presente no Projeto Ético-Político por meio
do tripé da Lei nº 8.662/1993 (de regulamentação da profissão); do Código de
Ética do Assistente Social (Resolução CFESS 293/1993) (BRASIL, 2008) e das
Diretrizes Curriculares de 1996 (BRASIL, 1996, online). Essa construção só foi
levada a efeito devido ao envolvimento de inúmeros assistentes sociais. No
entanto, as forças antagônicas sempre vieram à tona, porém, a hegemonia do
Projeto Ético-Político prevaleceu. Portanto, foi fruto do debate coletivo o que
confere legitimidade à categoria profissional.
A permanência do Projeto Ético-Político é um dever de todos aqueles profis-
sionais que acreditam na construção coletiva e na gestão democrática. A ética
da mobilidade sempre se fará presente de forma hegemônica na categoria pro-
fissional do Serviço Social quando os princípios fundamentais do nosso Código
de Ética do Assistente Social forem respeitados e vivenciados.
CONEXÃOPara acesso ao Código de ética em vigência com as alterações:
www.cfess.org.br/arquivos/CEP_1993.pdf
4.2 Código de ética de 1993
Código de ética de 1993 - Como futuro profissional do serviço Social, é importante
que você já comece a dimensionar a importância deste importante documento que
normatiza o exercício profissional. Este é um documento que você precisa ter sempre
disponível para elucidação de qualquer dúvida que tenha em seu cotidiano profissional.
capítulo 4 • 127
Vamos estudar os artigos que compõe o Código de ética de 1993:
Art.1º - Compete ao Conselho Federal de Serviço Social:
d) zelar pela observância dos princípios e diretrizes deste Código, fisca-
lizando as ações dos Conselhos Regionais e a prática exercida pelos profissio-
nais, instituições e organizações na área do Serviço Social;
e) introduzir alteração neste Código, através de uma ampla participação
da categoria, num processo desenvolvido em ação conjunta com os Conselhos
Regionais;
f) como Tribunal Superior de Ética Profissional, firmar jurisprudência na
observância deste Código e nos casos omissos.
Parágrafo único - compete aos Conselhos Regionais, nas áreas de suas res-
pectivas jurisdições, zelar pela observância dos princípios e diretrizes deste
Código e funcionar como órgão julgador de primeira instância.
A Lei de Regulamentação Profissional foi aprovada em 27 de agosto de 1957, poste-
riormente regulamentada pelo Decreto 994, de 15 de maio de 1962, através do qual
foi determinado no artigo 6º, que a disciplina e fiscalização do exercício profissional
caberiam ao CFESS e aos CRESS.
As primeiras experiências de fiscalização remontam a meados dos anos 80
e tinham como preocupação principal a organização administrativa financeira,
entendida como suporte fundamental às ações de fiscalização. A partir da su-
peração desta lógica pelos CRESS, novas demandas da categoria são identifica-
das como: discutir as condições de trabalho e a necessidade de articulação do
Serviço Social com outros sujeitos coletivos.
Na cartilha “Orientação profissional: informações básicas para o assistente
social”, lançada pelo CRESS 7ª Região/ RJ (2008, p.12) encontramos a seguintes
definições para o CFESS e o CRESS:
• CFESS: Conselho Federal de Serviço Social: É instituído por lei com a fi-
nalidade de orientar, disciplinar, normatizar e fiscalizar o exercício da profis-
são, atribuições de natureza pública. É, portanto, dotado de personalidade jurí-
dica de direito público na forma de autarquia. Sua diretoria é composta por 18
assistentes sociais de todo o Brasil, eleitos para um mandato de três anos, sem
128 • capítulo 4
remuneração, sendo permitido um, a reeleição, com garantia de renovação de
2/3 de seus membros. Tem sede em Brasília.
O CFESS possuí autarquia com personalidade jurídica de direito público
vinculada ao CRESS, com autonomia administrativa e financeira e jurisdição
estadual. Tem como atribuições, dentre outras: organizar e manter o registro
profissional dos assistentes sociais; fiscalizar e disciplinar o exercício da profis-
são de assistente social; zelar pela observância do Código de Ética Profissional
funcionando como Tribunal Regional de Ética Profissional e aplicar as sanções
previstas no Código.
Política Nacional de Fiscalização
A atribuição principal do CFESS e do CRESS é a fiscalização do exercício
profissional do assistente social. Entretanto, a fiscalização, enquanto atividade
– fim do conjunto CFESS/CRESS, não se constituiu somente de ações e instru-
mentos punitivos.
Na defesa de um exercício profissional de qualidade, a ação fiscalizadora
deve se constituir também de uma dimensão pedagógica que permita ampliar a
divulgação e a apreensão do Código de Ética que regulamenta o exercício profis-
sional do assistente social. (Orientação profissional: informações básicas para o
assistente social. 2.ed. Conselho Regional de Serviço Social 7ª. Região –RJ).
O CFESS é uma instância de recurso, então todos os processos Éticos são
iniciados na instância regional. Quando há uma denúncia ética, essa denún-
cia chega ao Conselho, ela é protocolada aqui na nossa secretaria; esta encami-
nha para a Comissão Permanente de Ética que analisa a denúncia. Em sendo
procedente, ou seja, algo que diz respeito ao exercício da profissão, a própria
Comissão emite um relatório, submete este ao Conselho Pleno que é a reunião
que envolve todos os conselheiros. O CP acolhe ou não a denúncia ética. Feito
isso, a denúncia foi acolhida, ela volta para a CP que forma uma Comissão de
Instrução. Essa CI é composta por seis assistentes sociais da base e é esta CI
que instrui todo o processo até se obter o relatório conclusivo. Após “o relatório
conclusivo, marca-se o julgamento para a aplicação da penalidade”.
Dos Direitos e das Responsabilidades Gerais do Assistente Social
Art. 2º - Constituem direitos do assistente social: Garantia e defesa de
suas atribuições e prerrogativas, estabelecidas na Lei de Regulamentação da
Profissão e dos princípios firmados neste Código;
capítulo 4 • 129
O assistente social em seu exercício profissional deve exercer atividades que
estejam em consonância com as atribuições previstas na Lei de Regulamentação
da Profissão.
Livre exercício das atividades inerentes à profissão: O assistente social tem
autonomia para exercer as atividades previstas para a profissão, isto é, o res-
paldado no Código de Ética e na Lei de Regulamentação pode negar a realizar
atividades que não esteja em consonância com as atribuições previstas pela
profissão.
Participação na elaboração e gerenciamento das políticas sociais e na for-
mulação e implementação de programas sociais. O debate em torno do perfil
que se deseja para o profissional do Serviço Social na contemporaneidade tem
sinalizado a necessidade de: evitar o fatalismo, a crença de que diante de de-
terminada situações não se tem nada para fazer; romper com o estigma da exe-
cução, pois o assistente social não é um mero executor das políticas, projetos e
programas sociais; o profissional deve ser propositivo.
Inviolabilidade do local de trabalho e respectivos arquivos e documentação,
garantindo o sigilo profissional. O material escrito produzido pelo assistente
social (laudos, pareceres técnicos, sínteses informativas, estudos sociais, re-
latórios, e outros) não podem ser adulterados. A lacração do material técni-
co é regulamentado por resolução do CFESS e deve ocorrer quando o setor de
Serviço Social deixar de funcionar. O último profissional a exercer a profissão
na instituição deve providenciar, junto ao CRESS, a lacração do material téc-
nico, garantindo assim o caráter confidencial da intervenção profissional (ver
resolução CFESS n. 513/2007).
O assistente social tem o direito de ter condições de trabalho que não com-
prometam a qualidade dos serviços prestados à população. A instituição em
que o assistente social atua deve manter um espaço físico que garanta o sigilo
profissional, resguardando desta forma a dignidade, privacidade do usuário,
assim como a confiabilidade deste no profissional do Serviço Social.
Desagravo público por ofensa que atinja a honra profissional;
O Serviço Social, visando à qualidade dos serviços prestados à população,
resguarda o direito do assistente social e capacitar continuamente através da
participação em cursos, fóruns, seminários e outras atividades voltada para o
enriquecimento da intervenção profissional. Aprimoramento profissional de
forma contínua, colocando-o a serviço dos princípios deste Código:
130 • capítulo 4
“É o instrumento normatizado pela Resolução CFESS n.443/2003 que pode ser utili-
zado pelo assistente social, devidamente inscrito no CRESS de seu âmbito de atuação
que, no exercício de suas atribuições e funções profissionais, for ofendido em sua hon-
ra profissional. O assistente social ofendido poderá representar perante o Conselho
Regional onde esteja inscrito para apuração dos fatos contra quem der ensejo ou causa
à violação cartilha (“Orientação profissional: Informações básicas para o assistente so-
cial”, lançada pelo CCRESS 7ª Região/ RJ (CFESS/CRESS, 2008, p.12).
Pronunciamento em matéria de sua especialidade, sobretudo quando se
tratar de assuntos de interesse da população:
Sempre que achar necessário prestar orientações ou se manifestar em rela-
ção à determinada situação de violação de direitos da população, o assistente
social tem o direito de fazê-lo.
Ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo obrigado a prestar
serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou fun-
ções. O assistente social é quem tem autonomia para decidir sobre quais ser-
viços, instrumento e técnicas se relacionam a sua intervenção profissional. Tal
direito nem sempre é garantido. Muitos profissionais e outros atores presentes
em determinadas áreas de atuação tentam interferir no trabalho do assistente
social, atribuindo-lhe funções, serviços ou direcionando sua intervenção. Caso
isso ocorra, o assistente social precisa explicar a estes profissionais sobre espe-
cificidades dos instrumentos, técnica, serviços, atribuições do Serviço Social e
da autonomia que o profissional tem em escolhê-los e aplicá-los.
Liberdade na realização de seus estudos e pesquisas, resguardados os direi-
tos de participação de indivíduos ou grupos envolvidos em seus trabalhos. O as-
sistente social pode escolher o tema e o estudo que deseja realizar sem que fira
este Código. Também não deve impedir que a população alvo de sua pesquisa
tenha acesso aos dados pesquisados.
Art. 3º - São deveres do assistente social:
Desempenhar suas atividades profissionais, com eficiência e responsabili-
dade, observando a legislação em vigor.
Em sua intervenção profissional, o assistente social deve ter a capacidade
de decifrar a realidade cotidiana, o que segundo Souza e Azeredo (2004) nos
permite avançar na construção de respostas às demandas colocadas. Este
capítulo 4 • 131
deciframento supõe competências múltiplas e possibilita a construção das
respostas cotidianas. Se não somos capazes de elaborar uma análise profunda
dessa realidade, não podemos pensar em construir alternativas de ação que es-
tejam em consonância com a dimensão emancipatória da nossa prática.
Utilizar seu número de registro no Conselho Regional no exercício da
Profissão. Para exercer a profissão de serviço Social, é necessário concluir gra-
duação em Serviço Social em uma unidade de ensino cujo curso tenha sido ofi-
cialmente reconhecido e proceder a inscrição no CRESS. O registro é requisi-
to da Lei da Regulamentação da Profissão como condição para habilitação ao
exercício da profissão de Serviço Social. Trabalhar sem registro constitui ilega-
lidade, podendo ser caracterizada como contravenção penal sujeita a processo
penal por crime de responsabilidade.
A definição de estratégias e procedimentos no exercício do trabalho deve prerrogativa
dos(as) assistentes sociais, de acordo com sua competência e autonomia profissional.
Isso significa que não cabe ao órgão gestor estabelecer padronização de rotinas e
procedimentos de intervenção, pois o trabalho profissional requer inventividade, inte-
ligência e talento para criar, inventar, inovar, de modo a responder dinamicamente ao
movimento da realidade (CARTILHA CFESS).
Abster-se, no exercício da profissão, de práticas que caracterizem a censura,
o cerceamento da liberdade, o policiamento dos comportamentos, denuncian-
do sua ocorrência aos órgãos competentes.
Sobre este dever, vale relembrar os princípios já abordados no capítulo
anterior:
2º. Princípio: Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbí-
trio e do autoritarismo.
6º. Princípio: Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito,
incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente
discriminados e à discussão das diferenças.
Participar de programas de socorro à população em situação de calamidade
pública, no atendimento e defesa de seus interesses e necessidades. O assisten-
te social não pode se recusar a participar de programas de auxílio, socorro, nos
caso de tragédias, desabamentos, enchentes e outras situações de calamidade
que demande seus serviços.
132 • capítulo 4
Art. 4º - É vedado ao assistente social:
Transgredir qualquer preceito deste Código, bem como da Lei de
Regulamentação da Profissão;
Praticar e ser conivente com condutas antiéticas, crimes ou contravenções
penais na prestação de serviços profissionais, com base nos princípios deste
Código, mesmo que estes sejam praticados por outros profissionais. Neste
caso, o assistente social deve se fundamentar na competência e autonomia
profissional:
Não cabe ao órgão gestor estabelecer padronização de rotinas e procedimentos de
intervenção, pois o trabalho profissional requer inventividade, inteligência e talento para
criar, inventar, inovar, de modo a responder dinamicamente ao movimento da realidade.
Os profissionais devem ter assegurado o seu direito à autonomia no planejamento e
exercício de seu trabalho. (CARTILHA CFESS, 2008).
Compactuar com o exercício ilegal da profissão, inclusive nos casos de esta-
giários que exerçam atribuições específicas, em substituição aos profissionais.
O estagiário encontra-se em processo de formação profissional, não reúne, por-
tanto competência técnica para substitui o profissional.
Permitir ou exercer a supervisão de aluno de Serviço Social em instituições
públicas ou privadas que não tenham em seu quadro assistente social que rea-
lize acompanhamento direto ao aluno estagiário. Os alunos só podem realizar
seu estágio em instituições que tenham em seu quadro a função de assistente
social e profissionais regulamente inscritos para exercer a supervisão.
Assumir responsabilidade por atividade para as quais não esteja capacitado
pessoal e tecnicamente. O profissional deve exercer atividades previstas como
de sua competência na Lei de Regulamentação profissional.
Substituir profissional que tenha sido exonerado por defender os princípios
da ética profissional, enquanto perdurar o motivo da exoneração, demissão ou
transferência. Sempre que um profissional for demitido ou transferido de um
cargo por estar defendendo os interesses dos usuários, outro profissional não
poder assumir a sua função ou cargo.
Pleitear para si ou para outrem emprego, cargo ou função que estejam sen-
do exercidos por colega.
capítulo 4 • 133
Adulterar resultados e fazer declarações falaciosas sobre situações ou estu-
dos de que tome conhecimento e assinar ou publicar em seu nome ou de ou-
trem trabalhos de terceiros, mesmo que executados sob sua orientação.
Das Relações Profissionais: das Relações com os Usuários
Art. 5º - São deveres do assistente social nas suas relações com os usuários:
Contribuir para a viabilização da participação efetiva da população usuária
nas decisões institucionais;
Princípio da democratização: garantir a plena informação e discussão so-
bre as possibilidades e consequências das situações apresentadas, respeitando
democraticamente as decisões dos usuários, mesmo que sejam contrárias aos
valores e às crenças individuais dos profissionais, resguardados os princípios
deste Código;
O princípio da liberdade: democratizar as informações e o acesso aos pro-
gramas disponíveis no espaço institucional, como um dos mecanismos indis-
pensáveis à participação dos usuários. A universalidade de acesso aos bens e
serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como a sua gestão
democrática.
Devolver as informações colhidas nos estudos e pesquisas aos usuários, no
sentido de que estes possam usá-los para o fortalecimento dos seus interesses.
Apresentar para a população o resultado de pesquisas objetivando, sobre-
tudo, a potencialização e a busca de novas alternativas para determinadas
situações.
Informar à população usuária sobre a utilização de materiais de registro au-
diovisual e pesquisas a elas referentes e a forma de sistematização dos dados
obtidos. Esclarecer, ou seja, não omitir para os usuários, os objetivos de uma
pesquisa, entrevistas ou outro material no qual ele tenha participado. Fornecer
à população usuária, quando solicitado, informações concernentes ao trabalho
desenvolvido pelo Serviço Social e as suas conclusões, resguardado o sigilo pro-
fissional. Informar apenas o que não comprometa o sigilo profissional.
Refere-se à questão do sigilo profissional:
Contribuir para a criação de mecanismos que venham desburocratizar a re-
lação com os usuários, no sentido de agilizar e melhorar os serviços prestados;
Propor projetos, mecanismos e estratégias que possam garantir um melhor
acesso dos usuários aos serviços prestados pela instituição;
134 • capítulo 4
Esclarecer aos usuários, ao iniciar o trabalho, sobre os objetivos e a amplitu-
de de sua atuação profissional;
Orientar, esclarecer a população acerca das possibilidades e limites do tra-
balho desenvolvido pelo profissional do Serviço Social.
Art. 6º - É vedado ao assistente social:
Exercer sua autoridade de maneira a limitar ou cercear o direito do usuário
de participar e decidir livremente sobre seus interesses:
O assistente social não deve usar a sua função, cargo ou saber para manter
uma relação de poder como o usuário. Neste caso, o assistente social estaria
comprometendo os princípios de democracia e liberdade. Enquanto profis-
sional, cuja intervenção profissional tem o princípio da liberdade como sua
sustentação, o assistente social deve possibilitar ao usuário a decisão sobre al-
ternativas de enfrentamento ou encaminhamento das questões e uma deter-
minada situação. Ao manter uma posição verticalizada, o assistente social se
distancia do usuário.
Aproveitar-se de situações decorrentes da relação assistente social-usuá-
rio para obter vantagens pessoais ou para terceiros. O profissional do Serviço
Social não deve em seu exercício profissional utilizar da sua função para usu-
fruir de benesses, o que é chamado por alguns como “tráfico de influência”.
Bloquear o acesso dos usuários aos serviços oferecidos pelas instituições,
através de atitudes que venham coagir e/ou desrespeitar aqueles que buscam o
atendimento de seus direitos.
Capítulo II: Das relações com as Instituições Empregadoras e outras.
Capítulo III: Das Relações com Assistentes Sociais e outros Profissionais.
CapítuloIV: Das Relações com Entidades da Categoria e demais Organizações da So-
ciedade Civil.
Capítulo V: Do Sigilo Profissional.
Capítulo VI: Das Relações do Assistente Social com a Justiça.
Art. 7º - Constituem direitos do assistente social:
Dispor de condições de trabalho condignas, seja em entidade pública ou
privada, de forma a garantir a qualidade do exercício profissional. O local de
trabalho do assistente social deve lhe possibilitar um serviço de qualidade para
capítulo 4 • 135
população. Compreende espaços físicos apropriados para se manter o sigilo
profissional: computador para acesso imediato às informações e solicitações;
material de apoio para estudo (biblioteca, acervo de livros, relatórios); viatura
para realização de visita domiciliar; liberação para realização de cursos visando
a capacitação profissional.
A instituição não deve colocar nenhum tipo de obstáculo entre o assistente
social e a população usuária, ou seja, não deve impedir que o assistente conhe-
ça a população usuária da instituição na qual trabalha.
Também deve ter acesso às informações institucionais que se relacionem
aos programas e políticas sociais e sejam necessárias ao pleno exercício das
atribuições profissionais. Este acesso se refere aos recursos, programas, proje-
tos sociais existentes na instituição e devem ser dispostos ao assistente social
para viabilização da sua intervenção profissional.
Integrar comissões interdisciplinares de ética nos locais de trabalho do pro-
fissional, tanto no que se refere à avaliação da conduta profissional, como em
relação às decisões quanto às políticas institucionais. A instituição deve garan-
tir ao assistente social a participação juntamente com os outros profissionais
que integram a equipe técnica de reuniões e discussões acerca de questões
éticas relacionadas a sua intervenção e a aspectos relacionados à garantia de
direitos dos usuários.
Importa ressaltar que o assistente social não realiza seu trabalho isoladamente, mas
como parte de um trabalho combinado ou de um trabalho coletivo que forma uma gran-
de equipe de trabalho. Sua inserção na esfera do trabalho é parte de um conjunto de es-
pecialidades que são acionadas conjuntamente para a realização de fins das instituições
empregadoras, sejam empresas ou instituições governamentais (IAMAMOTO,1999: 64).
Art. 8º - São deveres do assistente social:
Programar, administrar, executar e repassar os serviços sociais assegurados
institucionalmente. O profissional deve desenvolver formas de melhor planejar
e organizar os serviços sociais existentes na instituição e repassá-los para a po-
pulação. O assistente social é tido como o profissional da participação, entendi-
da como partilhamento de decisões, de poder” (IAMAMOTO, 1999:78).
Denunciar falhas nos regulamentos, normas e programas da instituição
em que trabalha, quando os mesmos estiverem ferindo os princípios e dire-
trizes deste Código, mobilizando, inclusive, o Conselho Regional, caso se faça
136 • capítulo 4
necessário. O profissional do Serviço Social não deve ser omisso diante de qual-
quer irregularidade que viole alguns dos princípios do Código de Ética. Diante
de falhas das instituições que possam atingir a qualidade dos serviços prestados
aos usuários, o assistente social deve denunciá-las para os órgãos competentes.
Contribuir para a alteração da correlação de forças institucionais, apoiando
as legítimas demandas de interesse da população usuária. Apesar da sua condi-
ção da sua vinculação a uma entidade empregadora, o profissional do Serviço
Social deve sempre apoiar os direitos dos usuários mesmo que isto implique
num comprometimento dos interesses do empregador.
O trabalho do assistente social, como afirma Iamamoto (199:98), situa-se
predominantemente no campo político-ideológico:
O profissional é requerido para exercer funções de controle social e de reprodução da
ideologia dominante junto aos segmentos subalternos, sendo seu campo de trabalho
atravessado por tensões e interesses de classes. A possibilidade de redirecionar o
sentido de suas ações para rumos sociais distintos daqueles esperados por seus em-
pregadores - como, por exemplo, nos rumos da construção da cidadania para todos; da
efetivação de direitos sociais, civis políticos; da formação de uma cultura pública e da
consolidação da esfera pública – deriva do próprio caráter contraditório das relações
sociais que estruturam a sociedade burguesa.
Empenhar-se na viabilização dos direitos sociais dos usuários, através dos
programas e políticas sociais. Refere-se ao compromisso com a democratiza-
ção do acesso aos usuários aos serviços, programas, projetos e políticas sociais.
Empregar transparências as verbas sob sua responsabilidade e de acordo com
os interesses e necessidades coletivas dos usuários.
Art. 9º - É vedado ao/à assistente social:
Emprestar seu nome e registro profissional a firmas, organizações ou em-
presas para simulação do exercício efetivo do Serviço Social;
Usar ou permitir o tráfico de influência para obtenção de emprego, desres-
peitando concurso ou processos seletivos;
Utilizar recursos institucionais (pessoal e/ou financeiro) para fins partidá-
rios, eleitorais e clientelistas.
capítulo 4 • 137
Art. 10º - São deveres do assistente social:
Ser solidário/a com outros/as profissionais sem, todavia, eximir-se de de-
nunciar atos que contrariem os postulados éticos contidos neste Código;
Repassar ao seu substituto as informações necessárias à continuidade do
trabalho;
Mobilizar sua autoridade funcional, ao ocupar uma chefia, para a liberação
de carga horária de subordinado/a, para fim de estudos e pesquisas que visem o
aprimoramento profissional, bem como de representação ou delegação de enti-
dade de organização da categoria e outras, dando igual oportunidade a todos/as;
Incentivar, sempre que possível, a prática profissional interdisciplinar;
Respeitar as normas e princípios éticos das outras profissões. Ao realizar
crítica pública a colega e outros/as profissionais, fazê-lo sempre de maneira
objetiva, construtiva e comprovável, assumindo sua inteira responsabilidade.
Art. 11 - É vedado ao/à assistente social:
Intervir na prestação de serviços que estejam sendo efetuados por outro
profissional, salvo a pedido desse profissional; em caso de urgência, seguido
da imediata comunicação ao profissional; ou quando se tratar de trabalho mul-
tiprofissional e a intervenção fizer parte da metodologia adotada;
Prevalecer-se de cargo de chefia para atos discriminatórios e de abuso de au-
toridade. Quando for solicitado para substituir um outro profissional, o assis-
tente social só deverá fazê-lo mediante a constatação da necessidade, urgência
da situação;
O assistente social não deve se valer do cargo para exercer uma relação au-
toritária ou discriminar outros profissionais. Em vez de exercer um poder coer-
citivo que o segrega, o assistente social deve buscar o caminho da cooperação
entre a equipe;
Ser conivente com falhas éticas de acordo com os princípios deste Código e
com erros técnicos praticados por assistente social e qualquer outro profissio-
nal. Sempre que se deparar com falhas de outros profissionais que comprome-
tam os princípios do Código de Ética deve-se denunciá-los;
Prejudicar deliberadamente o trabalho e a reputação de outro profissional.
Denúncias feitas ao outro profissional não devem ter como motivação a inten-
ção de prejudicá-lo por motivos pessoais, mas devem ser fundamentadas sem-
pre na qualidade de serviços prestados aos usuários.
138 • capítulo 4
Das Relações com Entidades da Categoria e demais organizações da
Sociedade Civil
Art.12 - Constituem direitos do assistente social:
Participar em sociedades científicas e em entidades representativas e de or-
ganização da categoria que tenham por finalidade, respectivamente, a produ-
ção de conhecimento, a defesa e a fiscalização do exercício profissional;
O assistente social deve estar sempre se capacitando tendo em vista a qua-
lificação do seu trabalho. Também é muito importante que o profissional do
Serviço Social não se limite às práticas cotidianas, mas que procure participar
dos fóruns de discussão da categoria, assim como de sociedades científicas e
entidades representativas voltadas para a produção de conhecimento (artigos,
livros, documentos), defesa e fiscalização profissional.
O assistente social deve estar sempre aliado aos movimentos, grupos e pes-
soas voltadas para a garantia de direitos, equidade e justiça social.
Apoiar e/ou participar dos movimentos sociais e organizações populares
vinculados à luta pela consolidação e ampliação da democracia e dos direitos
de cidadania.
Art. 13 - São deveres do assistente social:
Denunciar ao Conselho Regional as instituições públicas ou privadas, onde
as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar os usuários
ou profissionais. Esta denúncia deve ser muito bem fundamentada para garan-
tir que o direito dos usuários seja garantido sem comprometer o vínculo empre-
gatício do usuário.
Denunciar, no exercício da Profissão, às entidades de organização da cate-
goria, às autoridades e aos órgãos competentes, casos de violação da Lei e dos
Direitos Humanos, quanto a: corrupção, maus tratos, torturas, ausência de con-
dições mínimas de sobrevivência, discriminação, preconceito, abuso de autori-
dade individual e institucional, qualquer forma de agressão ou falta de respeito
à integridade física, social e mental do cidadão. Este dever refere-se à recusa
de qualquer forma de arbítrio e opressão observada no exercício profissional.
Respeitar a autonomia dos movimentos populares e das organizações das
classes trabalhadoras. O apoio aos movimentos populares e dos trabalhadores
deve resguardar a identidade destes movimentos. Isto é, deve respeitar as suas
histórias, singularidades e diferenças.
capítulo 4 • 139
Art. 14 - É vedado ao/à assistente social
Valer-se de posição ocupada na direção de entidade da categoria para obter
vantagens pessoais, diretamente ou através de terceiros/as.
Do Sigilo Profissional
Art. 15º - Constitui direito do/a assistente social manter o sigilo profissional.
Art. 16 - O sigilo protegerá o/a usuário/a em tudo aquilo de que o/a assis-
tente social tome conhecimento, como decorrência do exercício da atividade
profissional.
Parágrafo único: Em trabalho multidisciplinar só poderão ser prestadas in-
formações dentro dos limites do estritamente necessário.
Art. 17 - É vedado ao/à assistente social revelar sigilo profissional.
Art. 18 - A quebra do sigilo só é admissível quando se tratarem de situações
cuja gravidade possa, envolvendo ou não fato delituoso, trazer prejuízo aos in-
teresses do/usuário, de terceiros e da coletividade.
Sigilo profissional: Constitui um direito do assistente social. Protegerá os
usuários em tudo aquilo de que o assistente social tome conhecimento, como
decorrência do exercício da atividade profissional do serviço social. O sigilo só
pode ser quebrado quando o que for relatado pelo assistente social implique
em situação que comprometa o interesse de um grupo.
Exemplo: O assistente social está atendendo a um adolescente que foi encaminhado
para acompanhamento técnico em decorrência de uso de drogas (Art. 16), mas ao
longo da conversa este adolescente acaba lhe revelando que já praticou vários homicídios.
Se o assistente social, ao longo das abordagens realizadas com este adolescente, per-
ceber que ele continuará sendo um risco para a sociedade, poderá revelar o que lhe foi
informado para as medidas cabíveis.
Das Relações do/a Assistente Social com a Justiça
Art. 19 - São deveres do/a assistente social:
Apresentar à justiça, quando convocado na qualidade de perito ou teste-
munha, as conclusões do seu laudo ou depoimento, sem extrapolar o âmbi-
to da competência profissional e violar os princípios éticos contidos neste
Código. O assistente social tem o dever, quando for convocado por autoridade
140 • capítulo 4
judicial, de apresentar esclarecimentos sobre o teor de laudos, relatórios, pa-
receres emitidos, desde que as informações prestadas não firam os princípios
do Código de Ética.
Art. 20 - É vedado ao/à assistente social:
Depor como testemunha sobre situação sigilosa do usuário de que tenha
conhecimento no exercício profissional, mesmo quando autorizado. Mesmo
quando interpelado sobre determinada situação, o assistente social tem o de-
ver de esclarecer para a autoridade judicial que o convocou que o Serviço Social
possui um Código de Ética profissional.
Este código prevê como dever do assistente social não revelar situações que
comprometam o sigilo profissional, exceto em determinadas situações que en-
volvam risco para a coletividade.
Aceitar nomeação como perito e/ou atuar em perícia quando a situação não
se caracterizar como área de sua competência ou de sua atribuição profissio-
nal, ou quando infringir os dispositivos legais relacionados a impedimentos ou
suspeição. O profissional do Serviço Social não deve atuar em áreas cujas atri-
buições e competências não estão previstas no Código de Ética e/ou Lei de regu-
lamentação profissional. Também não pode questionar laudos ou pareceres de
outros profissionais que estejam no exercício legal da profissão.
Da Observância, Penalidades, Aplicação e Cumprimento Deste Código
Art. 21 - São deveres do/a assistente social:
Cumprir e fazer cumprir este Código;
Denunciar ao Conselho Regional de Serviço Social, através de comunicação
fundamentada, qualquer forma de exercício irregular da Profissão, infrações a
princípios e diretrizes deste Código e da legislação profissional;
Denúncias sobre as irregularidade éticas é a comunicação formal de uma
situação em que a atuação profissional de Serviço Social não está em conformi-
dade com Código de Ética e/ou Lei de Regulamentação Profissional;
Denomina-se como infração ética a violação cometida pelo assistente social;
A denúncia pode ser apresentada por qualquer pessoa – assistente social,
usuário, qualquer interessado ou entidade;
A denúncia será encaminhada à Comissão Permanente de Ética que analisa-
rá por escrito pela improcedência ou pela instauração de Processo Disciplinar
Ético.
capítulo 4 • 141
Art. 22 - Constituem infrações disciplinares:
Exercer a Profissão quando impedido/a de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer
meio, o seu exercício ao não inscritos/as ou impedidos/as;
Não cumprir, no prazo estabelecido, determinação emanada do órgão
ou autoridade dos Conselhos, em matéria destes, depois de regularmente
notificado/a;
Deixar de pagar, regularmente, as anuidades e contribuições devidas ao
Conselho Regional de Serviço Social a que esteja obrigado/a;
Participar de instituição que, tendo por objeto o Serviço Social, não esteja
inscrita no Conselho Regional;
Fazer ou apresentar declaração, documento falso ou adulterado, perante o
Conselho Regional ou Federal.
Das Penalidades
Art. 23 - As infrações a este Código
Acarretarão penalidades, desde a multa à cassação do exercício profissio-
nal, na forma dos dispositivos legais e/ ou regimentais.
Art. 24 - As penalidades aplicáveis são as seguintes:
a-multa; b-advertência reservada; c- advertência pública; d- suspensão do
exercício profissional; e- cassação do registro profissional.
Parágrafo único: Serão eliminados/as dos quadros dos CRESS aqueles/as
que fizerem falsa prova dos requisitos exigidos nos Conselhos.
Art. 25 - A pena de suspensão acarreta ao/à assistente Social
A interdição do exercício profissional em todo o território nacional, pelo
prazo de 30 (trinta) dias a 2(dois) anos.
Parágrafo único A suspensão por falta de pagamento de anuidades e taxas
só cessará com a satisfação do débito, podendo ser cassada a inscrição profis-
sional após decorridos três anos da suspensão.
Art. 26 - Serão considerados na aplicação das penas os antecedentes profis-
sionais do/a infrator/a e as circunstâncias em que ocorreu a infração.
Art. 27 - Salvo nos casos de gravidade manifesta, que exigem aplicação de
penalidades mais rigorosas, a imposição das penas obedecerá à gradação esta-
belecida pelo artigo 24º.
142 • capítulo 4
Art. 28 - Para efeito da fixação da pena serão considerados especialmente
graves as violações que digam respeito às seguintes disposições: artigo 3º - alí-
nea c; artigo 4º- alínea a, b, c, g, i, j; artigo 5º - alínea b, f; artigo 6º - alínea a, b,
c; artigo 8º - alínea b; e artigo 9º - alínea a, b, c; artigo 11 - alínea b, c, d; artigo
13 - alínea b; artigo 14; artigo 16; artigo 17; Parágrafo único do artigo 18; artigo
19 - alínea b; artigo 20 - alínea a, b e Parágrafo único. As demais violações não
previstas no “caput”, uma vez consideradas graves, autorizarão aplicação de pe-
nalidades mais severas, em conformidade com o artigo 26.
Art. 29 - A advertência reservada, ressalvada a hipótese e prevista no arti-
go 32 será confidencial, sendo que a advertência pública, suspensão e a cassa-
ção do exercício profissional serão efetivadas através de publicação em Diário
Oficial e em outro órgão da imprensa, e afixado na sede do Conselho Regional
onde estiver inserido/a o/a denunciado/a e na Delegacia Seccional do CRESS da
jurisdição de seu domicílio.
Art. 30 - Cumpre ao Conselho Regional a execução das decisões proferidas
nos processos disciplinares.
Art. 31 - Da imposição de qualquer penalidade caberá recurso com efeito
suspensivo ao CFESS.
Art. 32 - A punibilidade do assistente social, por falta sujeita a processo
ético e disciplinar, prescreve em 5(cinco) anos, contados da data da verificação
do fato respectivo.
Art. 33 - Na execução da pena de advertência reservada, não sendo encon-
trado o/a penalizado/a ou se este/a, após duas convocações, não comparecer
no prazo fixado para receber a penalidade, será ela tornada pública. §1º A pena
de multa, ainda que o/a penalizado/a compareça para tomar conhecimento da
decisão, será publicada nos termos do artigo 29 deste Código, se não for devida-
mente quitada no prazo de 30 (trinta) dias, sem prejuízo da cobrança judicial.
Fontes: Conselho Federal de Serviço Social - CFESS, Maria Lucia Silva Bar-
roco e Sylvia Helena Terra. Código de ética do/a Assistente Social comentado.
Editora Cortez, 2012.
capítulo 4 • 143
ATIVIDADES01. Questionem os profissionais, assistentes sociais, os quais têm contato, sobre o conhe-
cimento do 5º Código de Ética, e que mudanças tiveram na atuação profissional após a
implantação do mesmo.
02. Leia o Código de Ética 1993 e mencione quais as atividades privativas do(a) Assistente
Social.
03. Incluído pela Lei nº 12.317, de 2010, o que diz sobre a carga horária de trabalho do
assistente social?
REFLEXÃOAssim, a história recente da sociedade brasileira, polarizada pela luta dos setores democrá-
ticos contra a ditadura e, em seguida, pela consolidação das liberdades políticas, propiciou
uma rica experiência para todos os sujeitos sociais, é descontruída e reconstruída cons-
tantemente e os valores e práticas até então secundarizados (a defesa dos direitos civis, o
reconhecimento positivo das peculiaridades individuais e sociais, o respeito à diversidade,
etc.) adquiriram novos estatutos/leis, adensando o elenco de reivindicações da cidadania e
promovendo a consciência da população e do Estado.
A categoria profissional repensou as questões do seu compromisso ético-político e da
avaliação da qualidade dos seus serviços, e nestas décadas, o Serviço Social experimentou,
no Brasil, um profundo processo de renovação e de construção de uma nova identidade
profissional.
Com as intercorrência de mudanças ocorridas na sociedade brasileira com o próprio
acúmulo profissional, o Serviço Social se desenvolveu teórica e praticamente, laicizou-se,
diferenciou-se e, apresenta-se como profissão reconhecida academicamente e legitimada
socialmente, mas que ainda caminha dentro do seu processo de crescimento e amadureci-
mento das práticas profissionais em busca da democracia e do reconhecimento de uma so-
ciedade pautada na justiça social consolidada por projetos de qualidade que efetivem esses
direitos sociais.
A dinâmica deste processo que conduziu à consolidação profissional do Serviço Social
materializou-se em conquistas teóricas e ganhos práticos que se revelaram diversamente no
universo profissional e conseguiu ampliar seus conhecimentos e fortalece enquanto cate-
144 • capítulo 4
goria profissional comprometida com a justiça social e com a efetivação dos direitos sociais,
portanto, é com o projeto social que se conecta projeto profissional do Serviço Social - e
traz a atuação ética como pressuposto teórico-político que remete ao enfrentamento das
contradições postas à profissão em todo seu tempo, a partir de uma visão crítica e criativa,
fundamentada teoricamente das derivações ético-políticas do agir profissional.
É um compromisso cada vez maior de todos os profissionais e também do Conselho Fe-
deral de Serviço Social (CFESS) e dos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) que
constituem, em seu conjunto, uma entidade com personalidade jurídica e forma federativa,
com o objetivo básico de organizar, orientar e defender o exercício da profissão dos Assis-
tentes Sociais em todo o território nacional.
LEITURAConselho Federal de Serviço Social - CFESS, Maria Lucia Silva Barroco e Sylvia Helena Ter-
ra. Código de ética do/a Assistente Social comentado. Editora Cortez, 2012.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do
trabalho. São Paulo: Cortez/UNICAMP,1995.
BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo: Cortez,
2008.
_________. Considerações sobre a ética na pesquisa a partir do código de ética profissional do
assistente social. In: Revista Pucviva. Ética em Pesquisa. N.27. São Paulo, 2004.
Conselho Federal de Serviço Social - CFESS, Maria Lucia Silva Barroco e Sylvia Helena Terra. Código
de ética do/a Assistente Social comentado. Editora Cortez, 2012.
CFESS. Projeto ético-político do Serviço Social: 30 anos na luta em defesa da humanidade. CFESS
Manifesta. 30 anos do Congresso da Virada. São Paulo: CFESS.2009. Disponível em: <HTTP://www.
cfess.org.br/arquivos/congresso.pdf>.Acesso em out 2010.
Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. - 9. ed. rev. e
atual. - [Brasília]: Conselho Federal de Serviço Social, 2011.
DUPAS, Gilberto. Ética e Poder na Sociedade da Informação. 2º Edição. 1º reimpressão. São Paulo:
Editora Unesp, 2000.
HELLER, Agnes. O quotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
capítulo 4 • 145
IAMAMOTO, Marilda. Serviço Social em tempo de capital fetiche: Capital financeiro, trabalho e
questão social. 3ed., São Paulo: Cortez, 2008.
IAMAMOTO, M. e CARVALHO, R. de, Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma
interpretação histórico-metodológica. – 6ª ed. São aulo: Cortez, 1988.
_______________. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. 7ª ed. SãoPaulo: Cortez,
2004.
KISNERMAN Natalio. Ética para o Serviço Social. Petrópolis, Vozes, 1983.
146 • capítulo 4
Projeto Ético Político do Serviço
Social
5
148 • capítul0 5
Nesse último capítulo vamos abordar o conteúdo sobre o Projeto Ético Polí-
tico do Serviço Social em busca de sistematizar e analisar os fatores prepon-
derantes para sua elaboração. Tratando-se de uma construção coletiva que
apresenta uma determinada direção social envolvendo valores, compromis-
sos sociais e princípios que estão em permanente discussão, pela dinâmica
viva e contraditória sociedade.
OBJETIVOS
• Identificar o Projeto Ético-Político, enquanto um projeto profissional que propõe a constru-
ção de uma nova ordem social;
• Reconhecer o significado do Projeto Ético-Político do Serviço Social para a intervenção
profissional;
• Relacionar as diferentes dimensões do Projeto Ético-Político do Serviço Social.
capítulo 5 • 149
5.1 Projeto ético político do Serviço Social
O professor e assistente social Marcelo Braz Moraes dos Reis (2008, p. 79) nos
apresenta a seguinte reflexão: “Mas, afinal o que é o Projeto ético – político pro-
fissional do Serviço Social ? Qual a sua posição diante da ordem social ”
Não há dúvidas que o Projeto ético – político do Serviço Social brasileiro está vincu-
lado a um projeto de transformação da sociedade. Esta vinculação se dá pela própria
exigência que a dimensão política da intervenção social impõe. Ao atuarmos no movi-
mento contraditório das classes, acabamos por imprimir uma direção social às nossas
ações profissionais que favorece a um ou outro projeto societário.
Os interesses particulares escolhas de determinados grupos sociais, como o dos assis-
tentes sociais não existem independentemente dos interesses mais gerais que movem
a sociedade. Os projetos societários estão presentes na dinâmica de qualquer projeto
coletivo, inclusive no Projeto ético – político do Serviço Social.
O Projeto Ético-Político é uma construção coletiva que tem como compro-
missos, o reconhecimento da liberdade como valor ético central, a autonomia,
a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Na próxima unidade,
buscar-se-á oferecer didaticamente a oportunidade de conhecer os Códigos de
Ética da profissão desde seu surgimento, no Brasil até os dias de hoje, contex-
tualizando-os com o momento histórico em que foram promulgados e com os
fundamentos teórico-metodológicos do Serviço Social.
5.1.1 Projetos societários
Em sociedade como a nossa, os projetos societários são, simultaneamente, projetos de
classe, ainda que refratando mais fortemente determinações de outra natureza (de gê-
nero, culturais, étnicas, etárias etc.) As transformações atualmente em curso na ordem
capitalista não tem reduzido o peso das classes sociais e seu antagonismo na dinâmica
da sociedade, como constataram, entre outros (ANTUNES (1995); HARVEY (1996).
150 • capítul0 5
Segundo Netto (2006, p.3) os projetos societários são projetos que apresen-
tam uma imagem de sociedade a ser constituída, que reclamam determinados
valores para justificá-la, privilegiando certos meios para concretizá-la; são pro-
jetos coletivos, possuem propostas para a sociedade como um todo, são neces-
sário e simultaneamente projetos de classe. Há uma dimensão política, envol-
vendo relações de poder, mas não político-partidária.
[...] os projetos societários constituem estruturas flexíveis e cambiantes: incorporam
novas demandas e aspirações, transformam-se e renovam conforme as conjunturas
históricas e políticas (NETTO, 2006).
No capitalismo, por razões econômico-sociais e culturais, mesmo havendo
democracia política, os projetos societários que respondem aos interesses das
classes trabalhadoras sempre têm condições menos favoráveis em relação aos
projetos das classes proprietárias e politicamente dominantes.
Projeto ético político está vinculado a um projeto de transformação social esta vinculação
se dá pela própria exigência que a dimensão política da intervenção profissional impõe, dan-
do sempre uma direção social à prática profissional, nunca há neutralidade em nossa ação.
O Projeto Ético Político, é uma projeção coletiva envolvendo sujeitos indivi-
duais e coletivos em torno de uma determinada valorização ética, estando vin-
culado a projetos societários de toda sociedade que se relacionam com diversos
projetos coletivos. Os projetos coletivos se relacionam com as diversas particu-
laridades, envolvem vários interesses sociais, remetem-se ao gênero humano,
presentes no movimento da sociedade.
Os projetos societários podem ser em linhas gerais, transformadores ou conservado-
res. Entre os transformadores há várias posições que têm haver com as formas (as
táticas e estratégias) de transformação social. Assim, temos um pressuposto fundante
do projeto ético-político: a sua relação ineliminável com os projetos de transformação
ou de conservação da ordem social. Dessa forma, nosso projeto filia-se um ao outro de
sociedade não se confundindo com ele (REIS, 2005, p. 328).
capítulo 5 • 151
As demandas sociais (de classes, mescladas por várias outras mediações presentes
nas relações sociais) que se apresentam a nós, encobrem seus reais determinantes e
as necessidades sociais que portam. Tendo consciência ou não, interpretando ou não
as demandas de classes e suas necessidades sociais que chegam até nós em nosso
cotidiano profissional, dirigimos nossas ações favorecendo interesses sociais distintos
e contraditórios (REIS, 2005, p. 329).
O projeto ético político do Serviço Social é bem claro em relação aos seus
compromissos:
[...] tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a
liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas
concretas; daí o compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos
indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto
societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou
exploração de classe, etnia e gênero (NETTO, 1999, p.104-5 apud REIS, 2005, p. 329).
O projeto ético político recusa o sistema vigente e se coloca a favor da cons-
trução de uma nova ordem societária, com princípios a defesa dos direitos hu-
manos, a recusa ao autoritarismo e ao preconceito e o reconhecimento do plu-
ralismo. Tem em sua dimensão política a defesa da equidade e da justiça, da
consolidação da democracia como garantia de direitos civis, políticos e sociais
e da democratização, para o processo de socialização da riqueza socialmente
construída.
5.1.2 Os projetos profissionais
As profissões reguladas juridicamente que pressupõem uma formação teóri-
ca ou teórico-prática, geralmente de nível superior, possuem os seus projetos
profissionais. Estes apresentam a autoimagem da profissão, elegem os valores
que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções,
formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercí-
cio, estabelecem as bases das relações com usuários, com outros profissionais
e com as organizações empregadoras e direcionam o comportamento dos pro-
fissionais (NETTO, 2006).
152 • capítul0 5
Estes projetos são construídos por sujeitos coletivos, ou seja, os profissio-
nais, docentes, estudantes, pesquisadores, seus organismos corporativos, aca-
dêmicos e sindicais, entre outros. Para haver uma legitimidade social é neces-
sário que os profissionais estejam fortemente organizados.
Para Simões (2010), a ética profissional mostra-se como uma resposta cons-
ciente do grupo profissional, relativamente à moral do trabalho, mostrando
seus fundamentos e seus limites:
[...] percebo a ética das profissões, de um lado, como reflexão que o próprio grupo pode
fazer sobre si mesmo relativamente à sociedade, porque ninguém reflete sem estar
dentro de um contexto mais geral – a reflexão depende justamente da relação entre
o particular e o geral, e vice versa, politizando portanto, a atuação profissional – e, por
outro lado, como uma reflexão da própria sociedade, um padrão normativo, de apropria-
ção do conjunto social, pelo qual ganham o respeito e o reconhecimento da dignidade
de todos (SIMÕES, 2010, p. 70).
Os projetos profissionais também são estruturas dinâmicas, que respon-
dem às alterações no sistema de necessidades, sociais no qual a profissão está
inserida e opera, às transformações econômicas, históricas e culturais, ao de-
senvolvimento teórico e prático da própria profissão, assim os projetos profis-
sionais se renovam constantemente.
Ressalta-se que os projetos profissionais também são carregados de dimen-
sões políticas, seja no sentido amplo (referido às suas relações com os projetos
societários), seja em sentido estrito (referido às perspectivas particulares da
profissão), porém nem sempre tais dimensões são explicitadas, especialmen-
te quando apontam para direções conservadoras ou reacionárias, pois um dos
traços mais característicos do conservadorismo consiste justamente em negar
as suas dimensões políticas e ideológicas.
5.1.3 Pluralismo
O sujeito coletivo é composto por um universo heterogêneo, indivíduos diferen-
tes que são o corpo profissional, têm origens, situações, posições e expectativas
sociais diversas, condições intelectuais distintas, comportamentos e preferên-
cias teóricas, ideológicas e políticas variadas, etc. É uma unidade de diversos,
capítulo 5 • 153
onde estão presentes projetos individuais e societários diversos, configurando
assim um espaço plural do qual podem surgir projetos profissionais diferentes.
Configurando assim, em um campo de tensões e lutas, a afirmação e con-
solidação de um projeto profissional em seu próprio interior não suprime as
divergências e contradições. Nesse contexto o debate, a discussão, o confronto
de ideias são essenciais, evitando necessariamente os mecanismos coercitivos
e excludentes. Mas sempre existirão segmentos profissionais que proporão
projetos alternativos; por consequência, mesmo um projeto que conquiste he-
gemonia nunca será exclusivo.
A construção e consolidação de um projeto profissional deve ter claro a
consciência de que o pluralismo faz parte da vida social e da própria profissão
e deve ser sempre respeitado.
Netto (2006) chama a atenção:
Mas este respeito, que não deve ser confundido com uma tolerância liberal para com o
ecletismo, não pode inibir a luta de ideias. Pelo contrário, o verdadeiro debate de ideias
só pode ter como terreno adequado o pluralismo que, por sua vez, supõe também os
respeito às hegemonias legitimamente conquistadas.
Embora seja frequente a sintonia do projeto societário hegemônico e o pro-
jeto hegemônico de determinado corpo profissional, podem ocorrer situações
de conflito e mesmo de contradição entre eles. Há a possibilidade de contesta-
ção do projeto hegemônico profissional em relação ao projeto societário hege-
mônico, uma vez que o corpo profissional pode discordar da situação colocada
pelo projeto societário; essa possibilidade se mostra ainda mais sensível àque-
les projetos profissionais que são sensíveis aos interesses das classes subalter-
nas quanto mais essas classes se afirmam social e politicamente.
É evidente que estas divergências não podem ser resolvidas somente no marco do cor-
po profissional. Seu direcionamento positivo exige a análise do movimento social (que é
o movimento das classes e camadas sociais) e o estabelecimento de relações e alianças
com outros corpos profissionais e segmentos sociais (aqui incluídos os usuários dos
serviços profissionais), principalmente àqueles vinculados às classes que dispõem de
potencial para gestar um projeto societário alternativo ao das classes proprietárias e
dominantes (NETTO, 2006, p. 6).
154 • capítul0 5
Netto (2006) também afirma que há de se observar que este enfrentamen-
to dos projetos profissionais com o projeto societário hegemônico tem limites
numa sociedade capitalista e é necessário observar estes limites para não este-
rilizar a sua ação, caindo no messianismo1, onde não se observa os limites pro-
fissionais. Até mesmo um projeto crítico e avançado deve levar em conta esses
limites, cujas linhas mais evidentes se expressam nas condições institucionais
do mercado de trabalho.
5.1.4 Percurso do projeto ético-político
A história do projeto ético-político do Serviço Social, tem seu início no período
de transição entre 1970 – 1980; esse período marca um momento importante
no Serviço Social marcado especialmente pelo enfrentamento e pela denún-
cia do conservadorismo profissional. É neste processo de recusa e crítica que
se encontram as raízes de um projeto profissional novo, as bases do projeto
ético-político.
A denúncia do conservadorismo no Serviço Social se manifestou desde a
segunda metade dos anos 1960, quando o movimento de reconceituação deu
seus primeiros passos, o trânsito dos anos de 1970 e 1980 situou esta problema-
tização num nível diferente na escala em que coincidiu com a crise da ditadura
brasileira, exercida desde 1964, por uma tecnocracia civil sob tutela militar a
serviço do capitalismo.
A teoria social crítica (e, com esta designação, referimo-nos à tradição marxista) já de-
monstrou que a sociedade não é uma entidade de natureza intencional ou teleológica
– isto é: a sociedade não tem objetivos nem finalidades; ela apenas dispõe de existên-
cia em si, puramente factual. No entanto, a mesma teoria sublinha que os membros
da sociedade, homens e mulheres, sempre atuam teleologicamente – isto é: as ações
humanas sempre são orientadas para objetivos, metas e fins. A ação humana, seja
individual, seja coletiva, tendo em sua base necessidades e interesses, implica sempre
um projeto que, em poucas palavras, é uma antecipação ideal da finalidade que se
pretende alcançar, com a inovação dos valores que a legitimam e a escolha dos meios
para lográ-la (NETTO, 2006, p.2).
1 [...] em termos restritos, a crença divina – ou no retorno – de um enviado divino libertador, um messias com poderes e atribuições que aplicará ao cumprimento da causa de um povo ou um grupo oprimido. (NETTO, 2006, p.10).
capítulo 5 • 155
Desde o final da década de 1970, o Serviço Social vem construindo um pro-
jeto profissional comprometido com os interesses das classes trabalhadoras;
o movimento de reconceituação somado ao processo de redemocratização no
Brasil formaram o alicerce para o Serviço Social renovado, através de um pro-
cesso de ruptura teórica, política (inicialmente mais política-ideológica do que
teórico-filosófica) com os quadrantes do tradicionalismo que imperavam na-
quele momento.
A resistência à ditadura, conduzida no plano legal por uma frente de oposição hege-
monizada por segmentos burgueses descontentes, ganhou profundidade e qualidade
novas quando, na segunda metade dos anos setenta, a classe trabalhadora se reinseriu
na cena política, por meio da mobilização dos operários métalo-mecânicos do cinturão
industrial de São Paulo (o ABC paulista). A partir de então, a ditadura – que promovera
a modernização conservadora do país contra os interesses da massa da população,
valendo-se, inclusive, do terrorismo de Estado – foi levada, de derrota em derrota, à
negociação com a qual, culminando na eleição indireta de Tancredo Neves (1985),
concluiu seu ciclo desastroso (NETTO, 2006, p. 9).
Esse processo teve seu marco no III Congresso Brasileiro de Assistentes
Sociais (CBAS), em 1979, na cidade de São Paulo, quando de forma organiza-
da, profissionais viraram uma página na história do Serviço Social brasileiro
ao destituir a mesa de abertura composta por oficiais da ditadura, trocando-a
por nomes advindos do movimento dos trabalhadores. Esse congresso ficou co-
nhecido como o “Congresso da Virada”.
Pode-se considerá-la como, a gênese do projeto ético-político, na segunda
metade da década de 1970. Este projeto avançou nos anos 1980, consolidou-se
na década de 1990 e está em construção, ainda, pois é dinâmico como a socie-
dade, atualmente tencionado pelos rumos neoliberais da sociedade e por uma
nova reação conservadora no seio da profissão (REIS, 2005).
Para Iamamoto (2008, p.223):
O projeto do Serviço Social brasileiro é historicamente datado, fruto e expressão de um
amplo movimento de lutas pela democratização da sociedade e do Estado no País, com
forte presença das lutas operárias que impulsionaram a crise da ditadura do grande
156 • capítul0 5
capital. Foi no contexto de ascensão dos movimentos das classes sociais, das lutas em
torno da elaboração e aprovação da Carta Constitucional de 1988 e pela defesa do
Estado de Direito, que a categoria dos assistentes sociais foi sendo socialmente ques-
tionada pela prática política de diferentes segmentos da sociedade civil e não ficou a
reboque desses acontecimentos. É no quadro dessas profundas modificações por que
passou a sociedade brasileira, que se explica o florescimento de um processo de lutas
democráticas, cuja visibilidade no cenário político só se dá no último quartel da década
de 70. Tal processo condiciona, fundamentalmente, o horizonte de preocupações emer-
gentes no âmbito do Serviço Social brasileiro, exigindo novas respostas profissionais.
Na primeira metade da década de 1980, deflagraram-se na vida social bra-
sileira as demandas democráticas e populares reprimidas por muito tempo, a
mobilização dos trabalhadores urbanos e rurais e seus respectivos órgãos re-
presentativos, o ingresso também na cena política de movimentos populares
(associações de moradores, por exemplo) e democrático (estudantes, mulhe-
res, “minorias”, etc.), a dinâmica da vida cultural (intelectuais), a reafirmação
de uma opção democrática por segmentos da Igreja Católica e a consolida-
ção do papel progressista desempenhado por instituições como a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Tudo
isso inseriu na agenda da sociedade brasileira a exigência de profundas trans-
formações políticas e sociais.
A luta pela democracia na sociedade brasileira, encontrando eco no corpo profissional, criou
o quadro necessário para romper com o quase monopólio do conservadorismo no Serviço
Social: no processo de derrota da ditadura se inscreveu a primeira condição – a condição
política – para a constituição de um novo projeto profissional (NETTO, 2006, p.10).
Na década de 1980 houve avanços referentes à construção de elementos
que possibilitassem um salto na profissão, entre eles o Código de Ética de
1986; nele houve o coroamento da virada histórica promovida pelas vanguar-
das profissionais. Tratou-se da primeira tentativa de tradução não só legítima
como legal (através do órgão de fiscalização profissional – Conselho Federal de
Assistentes Sociais, hoje CFESS) da inversão ético-política do Serviço Social bra-
sileiro, amarrando seus compromissos aos das classes trabalhadoras.
capítulo 5 • 157
Segundo Reis (2005, p.330) tal código trata da:
[...] verdade que soava mais como uma carta de princípios e de compromissos ideo-po-
líticos do que um código de ética, que por si só, exige certo teor prático-normativo. Mas,
por outro lado, ao demarcar seus compromissos, mais que explicitamente, não deixava
dúvidas de ‘qual lado’ estávamos. Nesta mesma década, aferem-se também avanços
em torno do projeto no que tange à produção teórica que dá saltos significativos tanto
quantitativamente quanto qualitativamente, trazendo temas fundamentais ao processo
de renovação tais como a questão da metodologia, as políticas sociais e os movimentos
sociais.
Na década de 1990, já explicita a maturidade profissional através de um nú-
mero significativo de centros de formação que ampliou a produção do conhe-
cimento, bem como uma maturidade político-organizativa da categoria através
de suas entidades e de seus fóruns deliberativos.
Nos anos 2000 existem dois processos interrelacionados: a continuidade do
processo de consolidação do projeto ético-político e as ameaças sofridas diante
do neoliberalismo, que repercutem na profissão sob a forma de um neoconser-
vadorismo profissional.
5.1.5 Dimensões que materializam o projeto ético-político
Os profissionais podem exercer individualmente o projeto ético-político con-
cretizando-o através das próprias ações cotidianas, mas é necessário um con-
junto de mecanismos políticos, instrumentos/documentos legais e referenciais
teóricos que emprestem não só legitimidade, como também, operacionalidade
prático-político e prático-normativo ao projeto.
Assim, segundo Reis (2005), pode-se afirmar que o que proporciona mate-
rialidade ao projeto são três dimensões articuladas entre si:
a) Dimensão da produção de conhecimentos no interior do serviço social;
b) Dimensão político-organizativa da categoria;
c) Dimensão jurídico-política da profissão.
158 • capítul0 5
DIMENSÃO DA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS NO INTERIOR DO SERVIÇO SOCIAL
É a esfera de sistematização das modalidades práticas da profissão, onde se apre-
sentam os processos reflexivos do fazer profissional, especulativos e prospectivos em
relação a ele. Essa dimensão investigativa da profissão tem como parâmetro a afinida-
de com as tendências teórico-críticas do pensamento social. Dessa forma, não cabem
no projeto ético-político contemporâneo, posturas teóricas conservadoras, presas que
estão aos pressupostos filosóficos cujo horizonte é a manutenção da ordem.
DIMENSÃO POLÍTICO-ORGANIZATIVA DA PROFISSÃO
Aqui assenta-se tanto os fóruns de deliberação quanto as entidades representativas
da profissão. Fundamentalmente, o conjunto CFESS/CRESS (Conselhos Federais e
Regionais de Serviço Social) a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa
em Serviço Social) e as demais associações político-profissionais, além do movimento
estudantil representado pelo conjunto de CA’s e DA’s (Centros e Diretórios Acadêmi-
cos das escolas de Serviço Social) e pela ENESSO (Executiva Nacional de Estudantes
de Serviço Social). É através dos fóruns consultivos e deliberativos dessas entidades
representativas que são tecidos os traços gerais do projeto, quando são reafirmados
(ou não) determinados compromissos e princípios. Assim, subentende-se que o projeto
ético-político (como uma projeção) pressupõe, em si mesmo, um espaço democrático,
aberto em construção e em permanente tensão e conflito. Essa constatação indica a
coexistência de diferentes concepções do pensamento crítico, ou seja, o pluralismo de
ideias no seu interior.
DIMENSÃO JURÍDICO-POLÍTICA DA PROFISSÃO
O aparato jurídico-político e institucional da profissão que envolve o conjunto de leis e
resoluções, documentos e textos políticos consagrados no seio profissional. Há nessa
dimensão duas esferas diferenciadas, porém articuladas, são elas: um aparato político-
capítulo 5 • 159
DIMENSÃO JURÍDICO-POLÍTICA DA PROFISSÃO
jurídico de caráter estritamente profissional – atual Código de Ética Profissional, a Lei
de Regulamentação da Profissão (Lei 8.662/93) e as novas diretrizes curriculares, e
um aparato jurídico-político de caráter mais abrangente – conjunto de leis advindas do
capítulo da Ordem Social da Constituição Federal de 1988 que, embora não exclusivo
da categoria, foi fruto de lutas que envolveram os assistentes sociais (LOAS em espe-
cial) e por outro lado, faz parte do cotidiano profissional de tal forma que pode funcionar
como instrumento viabilizador de direitos através das políticas sociais que executamos
e/ou planejamos.
Essas dimensões articuladas entre elas formam o projeto ético-político profissional,
que deve ser compreendido como uma construção coletiva e apresenta uma determi-
nada direção social que envolve valores, compromissos sociais e princípios que estão
em permanente discussão, pela dinâmica viva e contraditória das classes sociais. O
sucesso do Projeto depende de análises precisas das condições subjetivas e objetivas
da realidade para sua realização bem como de ações políticas coerentes com seus
compromissos e iluminadas pelas mesmas análises.
Vale ressaltar que nesse conjunto de leis e resoluções atinentes à profissão e
ao seu projeto ético-político encontram-se realizados, direta ou indiretamente,
valores que contornam o projeto.
5.1.6 Diversidades de componentes e código de ética
O projeto profissional envolve uma série de componentes distintos como um
ideal da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e seus objeti-
vos, conhecimentos teóricos, saberes interventivos, normas, prática, etc., que
devem ser articulados coerentemente.
Tal articulação, necessária para a hegemonia de um projeto profissional, é
extremamente complexa e se realiza a longo prazo, exigindo recursos político
-organizativos, processo de debate e elaboração, investigações teórico-práticas,
entre outros.
160 • capítul0 5
Considerando o pluralismo profissional, o projeto hegemônico de um cor-
po profissional supõe um pacto entre seus membros – uma espécie de acordo
sobre aspectos que sejam imperativos ou indicativos.
O Serviço Social no Brasil tem como componente imperativo a formação acadêmica e
a inscrição na respectiva organização profissional (CRESS). Entretanto, mesmo acer-
ca de componentes reconhecidamente imperativos registram-se divergências, tendo
como exemplo o Código de Ética, que apesar de ser um componente imperativo, é
comum os debates e discrepâncias acerca de alguns de seus princípios e implicações.
IMPERATIVOSsão os componentes compulsórios, obrigatórios para todos os
que exercem a profissão (estes componentes, em geral, são
objeto de regulação jurídico-estatal).
INDICATIVOSsão aqueles em torno dos quais não há um consenso mínimo
que garanta seu cumprimento rigoroso e idêntico por todos os
membros do corpo profissional.
ASPECTOS RELEVANTES DOS COMPONENTES DOS PROJETOS PROFISSIONAIS
Refere-se ao fato de que os projetos profissionais requerem sempre uma fundamen-
tação de valores de natureza explicitamente ética, porém, esta fundamentação, sendo
posta nos Códigos, não se esgota neles, isto é: a valoração ética atravessa o Projeto
profissional como um todo, não constituindo um mero segmento particular dele.
Diz respeito a que os elementos éticos de um Projeto profissional não se limitam a nor-
mativas morais e/ou prescrição de direitos e deveres: eles envolvem, ademais, as op-
ções teóricas, ideológicas e políticas dos profissionais – por isto mesmo, a contempo-
rânea designação de Projetos profissionais como ético-políticos revela toda a sua razão
de ser: uma indicação ética só adquire efetividade histórico-concreta quando se
combina com uma direção político-profissional
capítulo 5 • 161
5.1.7 A importância da construção do conhecimento
Dimensão jurídico-político da profissão:
O aparato jurídico-político e institucional da profissão que envolve um conjunto de leis
e resoluções, documentos e institucional da profissional: o atual Código de Ética pro-
fissional, a Lei de Regulamentação da profissão (lei 8662/93) e as novas diretrizes
curriculares recentemente aprovadas pelo MEC.
Nas décadas de 1970 e 1980, surgem os primeiros cursos de pós-graduação em
Serviço Social, consolidando a produção de conhecimentos desta área, assim, o
corpo profissional começou a operar a sua acumulação teórica. Essa produção
apesar de desigual criou uma massa crítica considerável, permitindo a profis-
são estabelecer uma interlocução fecunda com as ciências sociais e, sobretudo
revelar quadros intelectuais respeitados no corpo profissional e também em
outras áreas do conhecimento.
Observe-se que a expressão massa crítica refere-se ao conjunto de conhecimentos
produzidos e acumulados por uma determinada ciência, disciplina ou área do saber.
O Serviço Social é uma profissão – uma especialização do trabalho coletivo, no marco
da divisão sócio-técnica do trabalho, com estatuto jurídico reconhecido (Lei 8.669, de
17 de junho de 1993); enquanto profissão não é uma ciência nem dispõe de teoria
própria, mas o fato de ser uma profissão não impede que seus agentes realizem estu-
dos, investigações, pesquisas, etc. E que produzam conhecimentos de natureza teórica,
incorporáveis pelas ciências sociais e humanas. Assim enquanto profissão, o Serviço
Social pode se constituir, nos últimos anos, como uma área de produção de conhe-
cimentos, apoiada inclusive por agências públicas de fomento à pesquisa (como, por
exemplo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/ CNPq)
(NETTO, 2006, p.12).
Entrou na agenda do Serviço Social a questão de redimensionar o ensino
com o objetivo de formar profissionais capazes de responder, com eficácia e
competência, às demandas tradicionais e as novas demandas na sociedade
brasileira, em suma a construção de um novo perfil profissional. Destaca-se a
162 • capítul0 5
importância do movimento de vanguarda que à época foi desempenhado pela
Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP), formulando uma pioneira e exitosa proposta de revisão curricular,
que se tornou referência nacional.
Segundo Netto (2006) é nesse processo que foram ressignificadas prático
-interventivas tradicionais e surgindo novas áreas e campos de atuação, con-
figurando-se desde então em uma ampliação da prática profissional, crescen-
temente legitimado, seja pela produção de conhecimentos que a partir dela se
elaboram, seja pelo reconhecimento do exercício profissional por parte dos
usuários. Tal movimento não se deve somente à fatores relacionados especifi-
camente à profissão, mas também e sobretudo:
[...] à conquista de direitos cívicos e sociais que acompanhou a restauração democrática
na sociedade brasileira, como as prática interventivas com determinadas categorias
sociais (crianças, adolescentes, idosos, etc.) só se puderam viabilizar institucionalmente
porque receberam respaldo jurídico legal (NETTO, 2006).
Foram estes os principais componentes que, a partir da quebra do quase
monopólio do conservadorismo na profissão, se conjugaram para propiciar a
construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social no Brasil; foram se ges-
tando ao longo da década de 1980 e estão em processamento até hoje.
5.1.8 Estrutura do projeto ético-político
Na década de 1980, o projeto ético-político teve sua configuração básica na
assimilação de problemáticas diversas e enfrentamento de novos desafios.
Trata-se, assim, de um projeto que também é um processo, em contínuo
desdobramento.
Esse Projeto tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor
ético central. A liberdade concebida historicamente como possibilidade de es-
colha entre alternativas concretas, daí um compromisso com a autonomia, a
emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais.
Segundo Netto (2006), a dimensão política se posiciona a favor da equidade
e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a servi-
ços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da
capítulo 5 • 163
cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos
e sociais das classes trabalhadoras. Correspondentemente, o projeto se declara
radicalmente democrático (considerada a democratização como socialização
da participação política e socialização da riqueza socialmente produzida).
O projeto também implica o compromisso com a competência profissional,
que está ligada ao aperfeiçoamento intelectual do assistente social. A ênfase
numa formação acadêmica qualificada, fundada em concepções teórico-meto-
dológicas críticas e sólidas, capazes de viabilizar uma análise concreta da re-
alidade social, tem na formação a abertura para o estímulo a uma constante
preocupação investigativa.
O projeto prioriza uma nova relação com os usuários dos serviços oferecidos
pelo Serviço Social, sendo um dos aspectos o compromisso com a qualidade
dos serviços prestados à população, na qual o usuário faz parte desse processo,
ou seja, ele participa das decisões institucionais.
Enfim, o projeto assinala claramente que o desempenho ético-político dos
assistentes sociais só se potencializará se o corpo profissional articular-se com
os segmentos de outras categorias profissionais que compartilham de propos-
tas similares e, notadamente, com os movimentos que se solidarizam com a
luta geral dos trabalhadores.
Netto (2006) afirma que dois elementos contribuíram para a conquista da
hegemonia do projeto ético-político:
Crescente envolvimento dos profissionais e estudantes nos fóruns, nos es-
paços de discussão e nos eventos profissionais.
O fato de que as linhas fundamentais deste projeto estão sintonizadas com
tendências significativas do movimento da sociedade brasileira. Assim, este
projeto profissional vinculou-se a um projeto societário que, antagônico ao da
classe dominante, tem raízes efetivas na sociedade brasileira.
O projeto acompanhou a reimplantação e o desenvolvimento da democra-
cia no Brasil.
Existe um antagonismo entre o projeto ético-político e a ofensiva neolibe-
ral que vem promovendo a liquidação dos direitos sociais (denunciados como
“privilégios”), a privatização do Estado, o sucateamento dos serviços públicos e
a implementação sistemática de uma política macro-econômica que penaliza
a massa da população. “Do ponto de vista neoliberal, defender e implementar
este Projeto Ético-Político é sinal de “atraso”, e de “andar na contra-mão da his-
tória” (NETTO, 2006).
164 • capítul0 5
Assim, a preservação e o aprofundamento desse projeto na atualidade acon-
tecem em condições extremamente adversas, dependem também da vontade
majoritária do corpo profissional, mas principalmente do fortalecimento do
movimento democrático e popular, tão pressionado e constrangido nos últi-
mos anos, necessitando se fortalecer.
5.1.9 Desafios para o projeto ético-político
Avanço nos anos 80:
• Código de Ética de 1986.
• Avanço na produção teórica.
• CFAS – Conselho Federal de Serviço Social, hoje CEFESS.
• Constituição de 1988.
Sant’ana (2000) nos traz uma questão de extrema importância quanto aos
desafios do Projeto Ético-Político do Serviço Social, ao afirmar que os setores
de vanguarda, que deram a direção social e estratégica da profissão a partir da
década de 1980, obtiveram êxito ao fazer avançar as discussões e que ainda ga-
rantem atualmente um perfil crítico e transformador, mas, no entanto, tal per-
fil não é assumido de forma majoritária pela base da categoria. Desse modo, há
uma série de descompassos entre o compromisso ético-político da profissão e a
prática cotidiana de grande parcela dos profissionais. “A adesão aos princípios
éticos instituídos pelo Código pressupõe um compromisso político com o seu
projeto transformador, o que nem sempre acontece de fato nos diversos coti-
dianos de atuação profissional” (SANT’ANA, 2000, p. 82).
A prática profissional se depara com antagonismos que dão um caráter
sincrético à ação, tal sincretismo é determinado pelo contexto da ação propria-
mente dita (extremamente variável e complexo), pelo tipo de demanda e pela ex-
pectativa que se tem de uma profissão interventiva, somando-se a esses elementos
as reservas teórico-metodológicas acumuladas pela profissão e o compromisso
ético-político assumido ou não (de forma individual) pelos profissionais.
Em geral, os profissionais utilizam critérios homogeneizados (esquemas
formais abstratos ou modelos pré-estabelecidos) para atender a heterogeneida-
de de situações postas e vivenciadas pelos usuários, provocando atendimentos
pontuais e fragmentados.
capítulo 5 • 165
O sincretismo da prática profissional é decorrente desses elementos pre-
sentes no contexto social e das especificidades dadas pela demanda atendida.
A procura por respaldo teórico para sua ação é efetivada por uma minoria de
profissionais, ou seja, “na prática a teoria é outra”, tal expressão mostra clara-
mente como um grande número de profissionais atuam, desvinculando teoria
e prática, enquanto o ideal seria o contrário, a teoria tem a função de dar bases
a atuação interventiva e mediadora do profissional.
O acúmulo teórico-metodológico da profissão também apresenta, um traço
sincrético, dado pelo ecletismo de posições, em várias situações profissionais
(críticos ou conservadores) demonstram não ter clareza da metodologia pro-
fissional, mesclando referenciais teóricos antagônicos ou confundindo limites
institucionais com limites profissionais.
A posição que se exige do profissional é a de uma postura crítica frente ao
mundo; não se mostra majoritária na profissão, pelo contrário, fica a cargo de
uma minoria que se constituiu como vanguarda, e esse é um dos maiores desa-
fios do projeto ético-político.
Sant’ana (2000) afirma que o compromisso ético-político da profissão vai
além do que determina o Código de Ética Profissional, trata-se de valores e fina-
lidade, significa escolha, compromisso e responsabilidade para a efetiva cons-
trução de uma nova ordem societária. Assumir o projeto ético-político, supõe
que o profissional faça a opção política de contrapor-se ao sistema dominante,
ao neoliberalismo, indo além de sua particularidade (profissional) e constituir-
se como ser humano-genérico.
Diversas contradições e limites estão presentes na ação profissional, oriun-
dos da própria inserção do Serviço Social na divisão sócio-técnica do trabalho
hoje vigente. Porém, é preciso ressaltar que em qualquer espaço institucional é
possível e exequível uma prática comprometida com o projeto ético-político da
profissão, desde que o assistente social tenha um alinhamento teórico político
com tal projeto. O que varia nos diversos espaços de atuação são as estratégias
e os níveis de avanço que esse procedimento pode alcançar, de acordo com os
limites postos pela realidade institucional e o tipo de demanda que o profissio-
nal tem que atender. O fato de a maioria dos profissionais não se comprometer
integralmente com uma prática transformadora é resultado da falta de preparo
e comprometimento por parte destes, que acabam por fazer cumprir os proje-
tos institucionais e nem sempre priorizam a qualidade do atendimento de seus
usuários (SANT’ANA, 2000, p. 89).
166 • capítul0 5
DESAFIOS DA MATERIALIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ÉTICOS NA COTIDIANIDADE DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL
Superação da visão abstrata da ética profissional.
Compreensão de seus fundamentos sócio–históricos que determinam a ética profis-
sional.
Viabilização da ética profissional através da práxis ético-política consciente, pautada
em projetos sociais voltados para a liberdade.
Existência de uma base de sustentação política para realização do Projeto Ético-Político.
Materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho do assistente social
para que não se transformem em indicativos abstratos, descolados do processo social.
Finalizando nosso material, deixo uma afirmação de Iamamoto (1999, p.
78) para reflexão:
O princípio constantes no Código de Ética são focos que vão iluminando os caminhos a
serem trilhados, a partir de alguns compromissos fundamentais acordados e assumidos
coletivamente pela categoria. Então ele não pode ser um documento que se ‘guarda
na gaveta’: é necessário dar- lhe vida por meio dos sujeitos que, internalizando o seu
conteúdo, expressam–no por ações que vão tecendo o novo projeto profissional no
espaço ocupacional cotidiano”.
capítulo 5 • 167
ATIVIDADES01. A partir de quais aspectos os profissionais do Serviço Social podem ser considerados
diferentes? Dê um exemplo.
02. Como equacionar as divergências entre projetos societários e projetos profissionais em
confronto?
03. O que é o Projeto ético – político profissional do Serviço Social? Qual a sua posição
diante da ordem social?
REFLEXÃOComo tecer uma discussão acerca da efetivação do projeto ético-político no trabalho coti-
diano do assistente social, uma discussão que concerne a construção do projeto ético-po-
lítico da categoria, que se consubstanciam nas produções teóricas produzidas no interior
da profissão, bem como os parâmetros jurídicos que regulamentam o exercício e formação
profissional. Faz reflexões baseado na Lei que Regulamenta a profissão, o Código de ética
Profissional entre outras resoluções.
O artigo traz a discussão sobre:
O processo de trabalho ao qual se inserem os assistentes sociais e a expansão dos
espaços sócio ocupacionais na atualidade, elucidando a condição de assalariamento
dos assistentes sociais e a flexibilização destas condições de trabalho. Toda a discus-
são aqui desenvolvida tem como foco afirmar ou refutar a hipótese inicial das pesqui-
sadoras, que o projeto ético político não vem se efetivando no trabalho cotidiano do
assistente social devido às práticas conservadoras que não estão consoantes com os
princípios éticos delineados pelo mesmo.
Portanto, a pesquisa retrata uma reflexão sobre a efetivação do projeto ético-político no
cotidiano de trabalho do assistente social, referenciando as políticas de Assistência, Saúde,
Segurança Pública e Habitação.
O artigo traz uma realidade que se observa na prática da atuação do profissional de Ser-
viço Social em relação de como caminha a efetivação do projeto ético político da profissão:
168 • capítul0 5
“A manutenção desse projeto na sociabilidade contemporânea já é um feito admirável
para uma profissão. O esforço pela adesão contínua da categoria é ainda mais admirável e
necessário”.
Os resultados dessa pesquisa mostraram que os profissionais têm tentado manter o seu
projeto profissional pautado na defesa de valores humano-genéricos, caminhando na contra-
mão de tudo o que gera as acirradas desigualdades sociais. É, portanto essa continua busca
pela efetivação do projeto ético político que garante a qualidade do trabalho do(a) assistente
social e o crescimento crítico e criativo da categoria.
Nosso projeto ético-político é bem claro e explícito quanto aos seus compromissos. Ele
tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liber-
dade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre as alternativas
concretas; daí um compromisso com a autonomia, emancipação e a plena expansão
dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um pro-
jeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e /
ou exploração de classe, etnia e gênero (NETTO, 1999, p. 104-105).
Leia o texto na integra:
http://www.cress-mg.org.br/hotsite/1/paginas/home.php?pg=5
VIANA. D. B.; DIA, R.M. PROJETO ÉTICO – POLÍTICO: QUAIS OS FIOS PARA A SUA CONSOLIDA-
ÇÃO? UMA ANÁLISE DA EFETIVAÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL. III
Simpósio Mineiro de Assistente Sociais. CRESS 6ª Região. Minas Gerais.
LEITURA
Livro: Projeto Ético-Político do Serviço Social: 30 anos na luta em defesa da humanidade.
Autor: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
Ano: 2009
Disponível em: www. cfess.org.br/arquivos/congresso.pdf
capítulo 5 • 169
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CFESS. Projeto ético-político do Serviço Social: 30 anos na luta em defesa da humanidade. CFESS
Manifesta. 30 anos do Congresso da Virada. São Paulo: CFESS.2009. Disponível em: <HTTP://www.
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Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. - 9. ed. rev. e
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BRAZ, Marcelo. A hegemonia em xeque: Projeto ético-político do Serviço social e seus elementos
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IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social em tempo de capital fetiche. Capital financeiro, trabalho
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PEREIRA, Sheila da Silva. O projeto ético-político do serviço social no debate profissional: uma
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TEIXEIRA, Joaquina Barata. BRAZ, Marcelo. O projeto ético-político do Serviço Social. Serviço
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REIS, Marcelo B. M.A. Notas sobre o projeto ético-político do Serviço Social. Coletânea de Leis: um
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NETTO, J. P. A construção do projeto ético-político do Serviço Social. In Revista Serviço Social e Saúde:
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cial_saude/inicio.htm.>
VIANA. D. B.; DIA, R.M. PROJETO ÉTICO – POLÍTICO: QUAIS OS FIOS PARA A SUA
CONSOLIDAÇÃO? UMA ANÁLISE DA EFETIVAÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO
SOCIAL. III Simpósio Mineiro de Assistente Sociais. CRESS 6ª Região. Minas Gerais.
170 • capítul0 5
GABARITO
Capítulo 1
01. Como expôs Vasques (1983), não existem valores em si, como entidades ideais ou
irreais (ou bens) que possuem valor. O valor não é propriedade dos objetos em si, mas pro-
priedade adquirida graças à sua relação com o homem como ser social. Mas, por sua vez, os
objetos podem ter valor somente quando dotados de certas propriedades objetivas.
02. Sim. O assistente social deve pensar a problemática da ética não somente como questão
teórico–política mais ampla, mas também como uma questão que atinge diretamente o seu
cotidiano profissional.
03. Devido a relação entre a singularidade e a universalidade dos atos ético-morais, res-
pondendo aos conflitos sociais, resgatando os valores genéricos e ampliando a capacidade
de escolha consciente dos indivíduos, sobretudo, que possibilite a indagação radical sobre as
possibilidades de realização da liberdade, seu principal fundamento.
04. Toda pessoa tem a liberdade de não reconhecer nenhum valor moral. Mas isso não ajuda
a ser livre (...) A liberdade é sempre liberdade para algo e não apenas liberdade de algo (...)
O próprio conceito de liberdade contém o conceito de dever, o conceito de regra, de reco-
nhecimento, de intervenção recíproca. Com efeito, ninguém pode ser livre se, em volta dele,
outros não são.
Capítulo 2
01. Poderia, então, o bem comum o fim almejado dentro dessa visão de harmonia, onde os
conflitos têm que ser eliminados?
Fica clara a necessidade de uma ação que deveria corrigir essas disfunções, adaptando
o homem ao seu meio, para poder alcançar esse ideal do bem comum e da justiça social.
Também fica subjacente uma perspectiva de neutralidade e de harmonia na relação com a
instituição, onde a autoridade e o estado não são questionados. Até porque tem como pres-
suposto que o poder institucional e estatal decorrem de uma autoridade divina e, portanto,
não cabem ser questionados (SILVA, 2005, p. 141).
capítulo 5 • 171
02. “Quando nos referimos a um Código de Ética, estamos tratando de uma dimensão da
ética profissional que remete para o caráter normativo e jurídico que regulamenta a profissão
no que concerne às implicações éticas de sua atuação.” (PAIVA et al., 2006, p. 171)
Capítulo 3
01. “Os anos 80 marcam a travessia para a maioridade intelectual e profissional dos assis-
tentes sociais, para a sua cidadania acadêmico-política. Essa maturação foi decididamente
condicionada pela inserção da categoria profissional nas lutas mais amplas pela conquista
e aprofundamento da democratização da vida social: do estado e da sociedade no país, no
horizonte da socialização da política e da economia” (IAMAMOTO, 2005:90).
02. O momento em que vivemos é um momento pleno de desafios. Mais do que nunca é pre-
ciso ter coragem, é preciso ter esperança para enfrentar o presente. É preciso resistir e sonhar.
É necessário alimentar os sonhos e concretizá-los dia a dia no horizonte de novos tempos mais
humanos, mais justos, mais solidários. Esses novos tempos reafirmam, pois, que a acumulação
de capital não é parceira da equidade, na rima com a igualdade. Exaltação da linguagem do
mercado e do consumo, que se presencia na mídia e no governo, corre paralela ao processo de
crescente concentração de renda, de capital e de poder (IAMAMOTO,1999, p. 17).
03. São 11.
1º Princípio - liberdade constitui-se como um valor ético central do Serviço Social e se
fundamenta em uma concepção de homem como sujeito livre, resgatando dessa forma o
indivíduo como sujeito com direito à liberdade.
2º. Princípio: Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do auto-
ritarismo.
3º Princípio: Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de
toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes traba-
lhadoras.
4º. Princípio: Defesa do aprofundamento da democracia como socialização da participa-
ção política e da riqueza socialmente produzida.
5º Princípio: Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure univer-
salidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como
sua gestão democrática.
6º Princípio: Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando
o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão
das diferenças.
172 • capítul0 5
7º Princípio: Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais de-
mocráticas existentes e suas expressões teóricas e compromisso com o constante aprimo-
ramento intelectual.
8º.Princípio: Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de
uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero.
9º.Princípio: Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que par-
tilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores.
10º.Princípio Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com
o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional.
11º.Princípio: Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por
questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião
Capítulo 4
01. Sem gabarito, resposta pessoal de cada profissional.
02. Art. 5º Constituem atribuições privativas do Assistente Social:
I - coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, pro-
gramas e projetos na área de Serviço Social;
II - planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social;
III - assessoria e consultoria e órgãos da Administração Pública direta e indireta, empre-
sas privadas e outras entidades, em matéria de Serviço Social;
IV - realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a
matéria de Serviço Social;
V - assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como pós-gra-
duação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de
formação regular;
VI - treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social;
VII - dirigir e coordenar Unidades de Ensino e
Cursos de Serviço Social, de graduação e pós-graduação;
VIII - dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa em Ser-
viço Social;
IX - elaborar provas, presidir e compor bancas de
exames e comissões julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assis-
tentes Sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social;
capítulo 5 • 173
X - coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assun-
tos de Serviço Social;
XI - fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e Regionais;
XII - dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou privadas;
XIII - ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos
e entidades representativas da categoria profissional.
03. A duração do trabalho do Assistente Social é de 30 (trinta) horas semanais. (Incluído
pela Lei nº 12.317, de 2010).
Capítulo 5
01. Eles são diferentes, porque possuem condições intelectuais distintas, comportamentos
e preferências teórico, ideológicas e políticas variadas. Sobre as diferenças teóricas e me-
todológicas, temos o 7º princípio do Código de Ética profissional: “Garantia do pluralismo,
através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões
teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual”.
02. A categoria profissional uma unidade não – indenitária, uma unidade de elementos di-
versos, nelas estão presentes projetos individuais e societários diversos e, portanto, ela é um
espaço plural do qual podem surgir projetos profissionais diferentes (NETTO,1988, p. 96 ).
Nesta discussão sobre a posição que os projetos profissionais ocupam na ordem social,
é preciso que você compreenda que o Projeto Ético-Político do Serviço é um projeto que
nega o conservadorismo, a neutralidade profissional e busca o envolvimento da categoria
profissional com a transformação social.
“Nosso projeto ético-político é bem claro e explícito quanto aos seus compromissos. Ele
tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade
concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre as alternativas concretas;
daí um compromisso com a autonomia, emancipação e a plena expansão dos indivíduos
sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que pro-
põe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e /ou exploração de classe,
etnia e gênero” (Netto, 1999, p. 104-105).
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03. “Não há dúvidas que o Projeto ético – político do Serviço Social brasileiro está vinculado
a um projeto de transformação da sociedade. Esta vinculação se dá pela própria exigência
que a dimensão política da intervenção social impõe. Ao atuarmos no movimento contraditó-
rio das classes, acabamos por imprimir uma direção social às nossas ações profissionais que
favorece a um ou outro projeto societário”.
“Os interesses particulares escolhas de determinados grupos sociais, como o dos as-
sistentes sociais não existem independentemente dos interesses mais gerais que movem a
sociedade. Os projetos societários estão presentes na dinâmica de qualquer projeto coletivo,
inclusive no Projeto ético – político do Serviço Social”.
capítulo 5 • 175
ANOTAÇÕES
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ANOTAÇÕES
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