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APLICAÇÕES DO GEOPROCESSAMENTO COMO FERRAMENTA PARA O
PLANEJAMENTO TERRITORIAL: UMA PROPOSTA CARTOGRÁFICA PARA O BAIXO
VALE DO RIBEIRA - SP
Tábata Caroline Afonso PISTORI, Universidade de São Paulo, e-mail: tabata.pistori@usp.br Katiúcia de SOUSA-SILVA, Universidade de São Paulo, e-mail: katiucia.silva@usp.br
Resumo: As análises integradas em Geografia possuem uma aplicação voltada para o ordenamento do território e, conseqüentemente, para o planejamento e uso racional dos recursos naturais, considerando as potencialidades e fragilidades dos sistemas ambientais. A Geomorfologia se insere nesse contexto, ao compreender que a dinâmica da natureza é fundamental para adequar as práticas econômicas e sociais às especificidades do espaço. Em associação com as técnicas de cartografia digital, a Geomorfologia Aplicada identifica tais particularidades, objetivando a redução de impactos. O objetivo deste trabalho é apresentar o mapeamento digital elaborado para o Baixo Vale do Ribeira - localizado no sudeste do Estado de São Paulo - o qual resultou em duas cartas-síntese: as cartas de fragilidade e de zoneamento ambiental. A área em questão apresenta uma diversidade de sistemas ambientais (planície marinha, planície fluvial, escarpas da Serra do Mar associadas a morros litorâneos, além de Unidades de Conservação), o que implica na necessidade de um mapeamento que atue como base para a ocupação e uso da terra. Para o desenvolvimento das cartas-síntese e outros Modelos Digitais de Elevação (que atuaram como base cartográfica para as mesmas), foram utilizadas cartas topográficas (escala 1:50.000) e imagens de satélite (LANDSAT 7 ETM+). Para estabelecer as classificações das cartas geomorfológica e de fragilidade, foram adotados os Índices de Dissecação do Relevo e a Taxonomia de Relevo, segundo metodologia adaptada de Ross (1992, 1994). Logo, a documentação cartográfica é um importante auxiliar no reconhecimento do espaço, a qual pode contribuir para a elaboração de medidas mais eficazes de planejamento territorial e sustentabilidade. Palavras-chave: planejamento territorial, zoneamento ambiental, carta de fragilidade. Abstract: The integrated analysis on Geography has an application turned about to territorial ordering and, consequently, to the planning and reasonable use of the natural resources, considering the potentialities and fragilities of ambiental systems. Geomorphology inserts himself in this context, comprising that dynamics of the nature is fundamental to adjust the economical and social practices to specifics characteristics of the space. In association with technics of digital cartography, Applied Geomorphology identifies such particularities, objectifying the reduction of impacts. The objective of this paper is presents the mapping elaborated to the region Ribeira’s Low Valley – localized at south-east of São Paulo state – which has resulted in two maps-synthesis: the chart of fragility and the chart of ambiental zoning. The ara in question presents a diversity of ambiental systems (marine plain, fluvial plain, scarps of Serra do Mar associated to coastal hills, beyond Conservation’s Units), that implies to the necessity of a mapping that be a base to the occupation and use of the land. To the development of the maps-synthesis and others Digital Models of Elevation (that was cartographical basis to them), it was utilizated topographics charts (scale 1:50.000) and satellite images (LANDSAT 7 ETM+). To establish the classifications of the fragilities’s charts, it was adopted the Index of Dissection of Relief and the Taxonomy of Relief, as according to methodology of Ross (1992, 1994). Therefore, the cartographical documentation is na important assistant to the recognition of the space, which can contribute to the elaboration of most efficient measures of territorial planning and sustentability. Key words: territorial planning, ambiental zonning, fragility chart.
Introdução
Contexto físico, social e histórico do Vale do Ribeira
Um autêntico desenvolvimento deve levar em conta as potencialidades e as
fragilidades dos recursos naturais. A questão se torna delicada quando pensamos como aliar o
crescimento econômico ao meio ambiente.
Práticas econômicas predatórias caracterizam a relação do homem com a natureza, num
panorama ambiental em escala global. A situação se torna delicada quando em países
subdesenvolvidos, onde extensas áreas se estruturam para atender interesses também em escala global,
como áreas monocultoras agroexportadoras, silvicultoras, extrativistas, além de grandes complexos
industriais, todos provocando grandes danos ambientais, muitos deles irreversíveis.
A natureza numa perspectiva sistêmica é considerada dinâmica, com funcionalidade
independente da ação humana, isto é, a convergência de forças endógenas (energia do interior da terra)
e exógenas (energia solar e atmosférica) produzindo diferentes espaços. Porém, quaisquer tipos de
contato com atividades humanas causam impactos, que desestabilizam sua funcionalidade. Essas
atividades ao se apropriarem do território e seus recursos naturais, causam grandes alterações na
paisagem natural com um ritmo muito mais intenso que aquele que a natureza imprimi (ROSS, 1994.
p. 64).
Justificando a importância do conhecimento integrado a cerca da paisagem:
“O conhecimento das potencialidades dos recursos naturais passa pelo levantamento
de dados do solo, relevo, rocha e minerais, águas, clima, flora e fauna. Enfim de todas as
componentes do estrato geográfico que dão suporte a vida animal e do homem. Para análise da
fragilidade, entretanto exige-se que esse conhecimento setorizado seja avaliado de forma
integrada, calcada sempre no princípio de que a natureza apresenta funcionalidade intrínseca
entre as suas componentes físicas e bióticas” (ROSS, 1994, p. 65).
Se os espaços produzidos possuem diferenças entre si, merecem atividades de uso e ocupação
compatíveis com suas características ambientais, isto é, que explorem de modo mais racional as
potencialidades e respeitem, sobretudo, as suas fragilidades, evitando que se desestabilizem ainda mais
a dinâmica do local. O zoneamento é proposto nesse sentido ao indicar o melhor uso para a área e sua
capacidade.
A área de estudo e aplicação do método localiza-se na região dos municípios de: Registro,
Pariqüera Açu e Jacupiranga no Vale do Ribeira, situado no sudeste do estado de São Paulo.
De acordo com ROSS (2002), o Vale do Ribeira se encontra estruturado em 5 sistemas
ambientais. Partindo do ponto de vista morfoestrutural, existem dois conjuntos onde se desenvolveram
as diferentes unidades morfoesculturais. São elas a Faixa de Dobramentos do Atlântico e a Depressão
Tectônica do Baixo Ribeira.
A Faixa de Dobramentos do Atlântico é caracterizada pela elevada altitude e complexidade
estrutural e litológica, devido ao intenso tectonismo sob o qual esteve submetida, reativado na
epirogênese do Jura - Cretáceo e Cenozóico. Assim, na geologia dominam formações pré-cambrianas
cristalinas e cristalofilianas: faixas de migmatitos, micaxistos, com intrusões de piroxênios e quartzo-
feldspáticos, ocupando a faixa da serra costeira. Assim, esta faixa se subdivide em três unidades
morfoesculturais: Planalto e Serra de Paranapiacaba, Serra do Mar e Morros Litorâneos, Planalto de
Guapiara e Planalto do Alto Ribeira-Turvo. Na área de estudo predominam as unidades de morros e
colinas.
Já a Depressão Tectônica do Baixo Ribeira ou Baixada do Ribeira é composta litologicamente
por sedimentos arenosos inconsolidados de origem marinha. As planícies interiores são compostas por
depósitos fluviais recentes e depósitos aluviais e colúvio-aluviais não selecionados pleistocênicos das
formações Pariqüera-Açu e Sete Barras, que sustentam níveis mais altos de terraços e topos de
algumas baixas colinas posicionadas próximo ao eixo fluvial do Ribeira (ROSS, 2002).
Está subdividida em três unidades morfoesculturais: Depressão Tectônica do Baixo Ribeira,
Planície Costeira Cananéia-Iguape e Planícies e Terraços Fluviais do Baixo Ribeira. Na área de estudo
temos a predominância das colinas e morros baixos da Depressão tectônica do Baixo Ribeira e
planícies marinha e fluviais.
A ocupação do Vale do Ribeira é bastante antiga. Os dois núcleos urbanos mais tradicionais
da região, Iguape e Cananéia, datam do início da colonização do país, no século XVI, e foram
importantes sítios para ancoradouros no caminho do Prata.
Durante o ciclo paulista da cana-de-açúcar, a Baixada do Ribeira apresentou dinamismo
econômico superior ao da Baixada Santista, com participação de 3,4% da população da Província e de
3,9% dos escravos. Posteriormente, no período 1600-1697, o Vale do Ribeira viveu um ímpeto de
desenvolvimento pela mineração do ouro, interiorizando sua ocupação. Nessa época, foi fundado o
primeiro núcleo no interior, então denominado Xiririca, hoje Eldorado Paulista. Durante essa fase, a
região esteve voltada para a agricultura direcionada à produção de alimentos destinados ao contingente
da mineração. Nesse processo, pela rica rede hidrográfica, drenada pelo Ribeira de Iguape e que
estabelecia a comunicação do interior com o mar, ganhou destaque e desenvolveu-se a cidade de
Iguape, por causa de sua estratégia posição, na confluência do mais importante canal de comunicação
com o mar, assumindo a hegemonia econômica da região. Porém, com posterior surgimento da
mineração nas Minas Gerais, cuja rentabilidade motivou a arregimentação da mão-de-obra de outras
regiões, o ciclo da mineração no Vale do Ribeira entrou em decadência. Após 1700, a região estuarino-
lagunar destacou-se pela construção naval, fornecendo embarcações para outras partes do país,
inclusive para a capital do Império, o Rio de Janeiro.
A agricultura de subsistência, subsidiária da mineração, deu lugar a uma economia de
mercado de diversos produtos agrícolas, destacando-se a mandioca e o “arroz de Iguape”, que, por sua
importância no comércio exterior, tornou-se fator da economia regional, à semelhança do que
representou a cafeicultura no planalto. Sendo assim, no século XVIII, o vale do Ribeira liderava a
produção de arroz do país. A decadência da rizicultura está relacionada à abolição da escravatura, pela
impossibilidade de reposição da mão-de-obra escrava nos arrozais. Isso diminuiu sua competitividade
diante da economia do café, que, em fins do século XIX e início do século XX, drenou toda a mão-de-
obra da Província. A região regrediu e a agricultura reduziu-se à de subsistência.
Até o século XIX, o transporte dependeu, basicamente, da navegação fluvial no Ribeira de
Iguape, sendo o canal do Valo Grande, no município de Iguape, construído para facilitar o escoamento
da safra de arroz. Dos 119 engenhos de beneficiamento de arroz da Província de São Paulo, cem
localizavam-se no Vale do Ribeira, ou seja, 84,1% o que demonstra sua importância na rizicultura do
estado na época.
Inúmeras tentativas de estabelecimentos de colônias de imigrantes europeus foram feitas no
século XIX, sob o patrocínio do Estado. Porém, sem o sucesso esperado, a mão-de-obra acabou
migrando para o planalto e abandonando a região.
O renascimento econômico da região deu-se no início do século XX, principalmente devido à
mão-de-obra de imigrantes japoneses, que chegaram ao Brasil a partir de 1902, por iniciativa da
Sociedade Nacional de Agricultura no Estado de São Paulo, com o intuito de aumentar a produção e
alimentar o contingente humano (que crescia vertiginosamente por causa da urbanização) e ao início
da industrialização que ocorria na capital paulista, na esteira das riquezas capitais geradas pelo café.
A região de terras baixas foi explorada com técnicas primitivas, quer da policultura
introduzida e praticada na região por colonos eslavos ou italianos de Pariqüera-Açu, quer da
monocultura do chá, freqüentemente nas pequenas elevações e compartimentos serranos onde houve
influência da colonização japonesa, nos arredores de Registro (PETRONE, 1965).
No estabelecimento da infra-estrutura para a construção da ferrovia (década de 1920) e a
rodovia (década de 1960), que colocaram o Vale do Ribeira em contato com o planalto e com o porto
da cidade de Santos, a hegemonia econômica deslocou-se de Iguape para Registro, e o porto de Iguape
foi desativado por causa do crescente assoreamento. Isso se deu também pela posição privilegiada de
Registro em relação às vias do vale do Ribeira e devido à infra-estrutura proporcionada pelos vultosos
investimentos que lhe foram destinados, por representar o centro da colonização nipônica.
A incorporação da região no contexto global do sistema capitalista ocorreu de forma muito
lenta, ao contrário do restante do estado. A estrada de ferro até Juquiá foi construída entre 1900 e
1920. A produção de banana em moldes mercantis deu-se na década de 1920. Na década de 1930,
observou-se um lento processo de recuperação da economia. Nas últimas décadas, os arrozais
tradicionais cederam lugar à bananicultura nas áreas planas ribeirinhas e, naquelas de influência
japonesa, boa parte das colinas foram ocupadas pela teicultura. Mais recentemente, a expansão da
fronteira agrícola regional passou a incorporar novas terras, avançando sobre as matas primitivas. As
estradas vicinais expandiram-se na década de 1960.
Os dois principais cultivos da ocupação agrícola no vale do Ribeira são a bananicultura,
estabelecida graças aos promissores mercados de São Paulo, Montevidéu e Buenos Aires; e a
teicultura, pela forte demanda externa do chá, ao lado da abertura da rodovia BR-116 (Rodovia Régis
Bittencourt) determinaram a estrutura agrária e as relações socioeconômicas predominantes na região,
nas áreas de ocupação mais antigas.
Nos últimos anos, a região lagunar de Iguape e Cananéia está sendo objeto de intensa
atividade do comércio imobiliário com fins de lazer e turismo, o que tende a oferecer sérios riscos ao
ambiente natural se não for convenientemente orientada. Essa atividade pode colocar em risco os
núcleos tradicionais de pescadores, agricultores e extrativistas que sobrevivem com técnicas
rudimentares de produção. Ao mesmo tempo que o turista põe em risco, ele ajuda o pescador a
sobreviver. Entre as populações tradicionais da região estão os caboclos, índios e descendentes dos
escravos, os quilombolas.
Pelas limitações do relevo e condições de clima e solo, essa região ficou preservada da
ocupação cafeeira, atividade que incorporou rapidamente as terras paulistas na economia de mercado.
Hoje, surpreendente, ainda apresenta o maior percentual da cobertura florestal do estado, um dos
últimos redutos da mata atlântica, que, no Congresso mundial sobre Parques nacionais realizado na
Indonésia, em 1982, foi considerada como um dos ecossistemas mais representativos e ameaçados do
planeta. Petrone (1965) denomina essa região de “Sertão do Litoral”, para caracterizar o seu
alheamento do processo produtivo como um todo e o seu alto grau de preservação da cobertura
florestal natural.
Com exceção da mineração, as demais atividades econômicas sempre se desenvolveram no
vale do Ribeira, do estado de São Paulo, nas terras baixas, e no estado do Paraná, na alta bacia do
Ribeira. A bacia do rio Ribeira do Iguape é uma das regiões de colonização mais antigas, tanto do
estado de São Paulo como do Paraná. A incipiente ocupação de Cerro Azul no Paraná, que nasceu com
a mineração, foi reforçada na segunda metade do século XIX, pela iniciativa do governo imperial, de
estruturar um núcleo de colonização de imigrantes europeus.
Contudo, destaque-se que todo o trecho paranaense da região do vale do Ribeira permaneceu
isolado dos diferentes ciclos econômicos que predominaram no Brasil, mantendo apenas atividades
complementares de produção de alimentos, para serem consumidos na região dos Campos Gerais e
Curitiba. Por causa dessa situação, cristalizou-se na região uma estrutura agrária com predomínio da
grande propriedade.
No início dos anos de 1960, com a construção do sistema viário ligando o vale a São Paulo,
Curitiba e Santos, o baixo vale ganhou revitalização. A partir desse momento, passou por um processo
de total redefinição na ocupação do território, tornando-se a terra o fator econômico de maior
significação na abertura de novas fronteiras, quer pela ação governamental, quer pela iniciativa
privada.
Atualmente, no Alto Ribeira, a agricultura é desenvolvida predominantemente em
minifúndios com produção de subsistência, ao lado de latifúndios reservados a reflorestamento e
pecuária. A produtividade e a produção são comprometidas pelas condições do relevo montanhoso,
que dificultam a prática agrícola tecnificada, e pelo elevado número de produtores com problemas de
posse legal das terras, fato que impede o acesso aos créditos agrícolas. Os principais produtos
produzidos no Vale do Ribeira como um todo são a banana, o chá, o arroz, o feijão, o milho e cítricos,
além do palmito, em parte obtido pelo extrativismo ilegal.
Na porção média da bacia (região de Cerro Azul - Adrianópolis), a produção mineral esteve,
até pouco tempo, concentrada na exploração de chumbo (e prata associada) e do calcário para cimento,
em conjunto com outras substâncias, em menor escala e envolvendo investimentos mais modestos,
como corretivos de solos, cal e, secundariamente, barita e minério de ferro. A partir de 1988, contudo,
essa situação sofreu uma radical modificação decorrente da descoberta de grandes e importantes
depósitos de fluorita na porção média da bacia. O estado do Paraná passou a ser, em poucos anos,
detentor das maiores reservas desse bem material no país. Um grande depósito foi identificado e
dimensionado nesses últimos anos, no Baixo Ribeira, na região de Cajati.
As atividades industriais na bacia do rio Ribeira do Iguape estão voltadas basicamente para o
gênero de produtos derivados de madeira e da transformação mineral. Particular destaque deve ser
dado aos municípios de Apiaí e Rio Branco do Sul, onde se localizam fábricas de cimento, atividade
bastante representativa em termos regionais. Jacupiranga, Registro, Apiaí e Rio branco do Sul são
municípios com maior número de estabelecimentos e de pessoal ocupado na atividade industrial.
O setor terciário restringe-se ao comércio varejista de pequeno porte, que tem na sub-região
polarizada por Registro e, em menor grau por Apiaí, a principal área da bacia. Os serviços são
representados pelas oficinas de reparação, manutenção e confecção, e pela atividade de transporte.
A região do Ribeira possui mais de 2,1 milhões de hectares de florestas, equivalendo a 21%
dos remanescentes de Mata Atlântica do País. Além de possuir 170 mil hectares de restinga e 17 mil
hectares de manguezais, todos extremamente bem conservados, além de muitas formações
espeleológicas (ALVES, 2004, p.45-46). Este patrimônio natural está preservado pela legislação, que
tenta frear a pressão pelo uso e ocupação do frágil ambiente. A lei nº 4.771, de 15 de setembro de
1965, institui o Código Florestal. A lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação19-SNCU, dividindo essas unidades em dois grupos: Unidades de Proteção
Integral e Unidade de Uso Sustentável (relação abaixo). Essa legislação articula as Ucs nas três escalas
do poder: federal, estadual e municipal. As legislações incidentes na área de estudo, são regidas pelo
Código Florestal e pelo Sistema Nacional de Conservação que estabelece Unidades de Conservação -
Uc’s, entre as quais se incluem as Estações Ecológicas, Parques Estaduais e Áreas de Proteção
Ambiental - APA's. De acordo com CAPOBIANCO (apud ALVES, 2004; p. 50), a Mata Atlântica
passou a ser considerada Patrimônio Nacional, pela Constituição de 1988 e o Vale do Ribeira passou a
integrar a Reserva da Biosfera. Poucas áreas não são Unidades de Conservação. Na década de 1980, a
sociedade civil e os movimentos ambientalistas, como SOS Mata Atlântica, pressionaram o Estado.
Segundo os dados do Instituto Sócio Ambiental (2008), existem na região do Ribeira vinte e quatro
Unidades de Conservação, integrais ou parciais. Logo, conhecer a legislação que incide na área
abordada é essencial para a produção de um zoneamento que legalmente respeite a natureza e a
sociedade.
Metodologia
Para a confecção de cartas de fragilidade e zoneamento ambiental, foram utilizadas as bases
cartográficas digitais Para este estudo, foram utilizadas: a folha Pariquera-Açu (topografia, hidrografia
e sistema viário), em escala 1:50000 (IBGE, 1984), no intervalo de coordenadas UTM 7282000N a
72640000N; e seis bandas espectrais da imagem do satélite LANDSAT 7 ETM+, imageadas no ano
2000. A escala de impressão adotada é de 1:100000. A partir desses dados, foram elaborados alguns
Modelos Digitais de Elevação, que foram utilizados como base para o desenvolvimento dos dois
mapas-sínteses propostos: a carta de fragilidade e a carta de zoneamento ambiental.
Carta de fragilidade
Para diagnosticar a suscetibilidade de ocorrência de erosão e inundações na área de estudo, foi
elaborada a carta de fragilidade, utilizadando a metodologia adaptada de Ross (1990, 1992) apud Ross
(1994). Segundo Ross (1990, 1992) a carta geomorfológica é um produto intermediário necessário à
construção da carta de fragilidade. Este produto cartográfico foi feito por meio do cruzamento de
dados da carta clinográfica, geomorfológica e de uso da terra. Para isso, foi utilizada uma matriz com
base em parâmetros como: relevo (morfologia e morfometria), solos (latossolos argilosos, argissolos,
espodossolos e gleissolos), uso da terra e vegetação (mata primária, mata secundária/pastagem,
agricultura de ciclo longo, agricultura de ciclo curto e solos expostos) e clima (tempo e volume de
chuva), que podem ser visualizadas nas tabelas 1, 2 e 3. Esta matriz, com escala de 1 a 5 para cada
parâmetro, indica o grau de fragilidade do terreno.
Classes de
Fragilidade Tipos de Solos1
Muito Fraco (1) Latossolo roxo, latossolo vermelho escuro e
vermelho-amarelo – textura argilosa
Fraco (2) Latossolo amarelo e vermelho-amarelo – textura
média/argilosa
Médio (3)
Latossolo vermelho-amarelo, Terra roxa, Terra
Bruna, Podzólico vermelho-amarelo – textura
média/argilosa
Forte (4) Podzólico vermelho-amarelo – textura
média/arenosa Cambissolos
Muito Forte (5) Podzolizados com cascalho, Litólicos e Areias
quartzosas
1 A denominação dos solos na carta foi atualizada de acordo com a nova classificação de solos da
EMBRAPA, no entanto a tabela encontra-se com as denominações antigas.
Muito Fraco (1) < 20m 11 12 13 14 15Fraco (2) 20 a 40m 21 22 23 24 25Médio (3) 40 a 80m 31 32 33 34 35Forte (4) 80 a 160m 41 42 43 44 45
Muito Forte (5) >160m 51 52 53 54 55
Dimensão interfluvial média (classes)
Graus de entalhamento dos vales (classes)
Muito Baixa (1) >3.750m
Baixa (2) 1.750 a 3750m
Média (3) 750 a 1.750m
Alta (4) 250 a 750m
Muito Alta (5) < 200m
Tabela 1 – Matriz dos índices de dissecação do relevo. Fonte: Ross, J. L. S., Análise Empírica da Fragilidade dos Ambientes Naturais In:Revista do Departamento de Geografia nº8. FFLCH-USP, São Paulo,
1994.
Tabela 2 – Índices de fragilidade dos solos. Fonte: Ross, J. L. S., Análise Empírica da Fragilidade dos Ambientes Naturais In:Revista do Departamento de Geografia nº8. FFLCH-USP, São Paulo, 1994.
Graus de Proteção Tipos de Cobertura Vegetal
Muito Alta (1) Florestas/matas naturais, florestal cultivadas com
biodiversidade.
Alta (2)
Formações arbustivas naturais com estrato herbáceo denso,
formações arbustivas densas (mata secundária, cerrado
denso, capoeira densa) mata homogênea de pinus densa,
pastagens cultivadas com baixo pisoteio de gado, cultivo de
ciclo longo, como o cacau.
Média (3)
Cultivo de ciclo longo em curvas de nível/terraceamento
como café, laranja com forrageiras entre ruas, pastagens
com baixo pisoteio, silvicultura de eucaliptos com sub-
bosques de nativas.
Baixa (4)
Culturas de ciclo longo de baixa densidade (café, pimenta
do reino e laranja com solo exposto entre ruas), culturas de
ciclo curto (arroz, trigo, feijão, soja, milho, algodão com
cultivo em curvas de nível/terraceamento).
Muito Baixa a Nula
(5)
Áreas desmatadas e queimadas recentemente, solo exposto
por arado/gradeação, solo exposto ao longo de caminhos em
estradas, terraplenagens, culturas de ciclo curto sem práticas
conservacionistas.
A combinação das variáveis citadas anteriormente resultou em áreas de diferentes
fragilidades. Essas variáveis foram ordenadas em classes e quantificadas, de modo que cada classe
correspondesse a um número que indica o grau de fragilidade. Sendo assim, os números de 1 a 5
correspondem, respectivamente, aos graus de fragilidade: muito fraca, fraca, média, forte e muito forte.
A variável clima foi determinada previamente com índice 3. A partir dos índices de dissecação, têm-se
as classes de fragilidade:
– Muito Fraca: 11 – índice 1
– Fraca: 21, 22, 12 – índice 2
– Média: 31, 32, 33, 13, 23 – índice 3
– Forte: 41, 42, 43, 44, 14, 24, 34, - índice 4
– Muito Forte: 51, 52, 53, 54, 55, 15, 25, 35, 45 – índice 5
Tabela 3 – Índices de fragilidade do uso do solo e coberturas vegetais. Fonte: Ross, J. L. S., Análise Empírica da Fragilidade dos Ambientes Naturais In:Revista do Departamento de Geografia nº8. FFLCH-USP,
São Paulo, 1994.
Assim, a chave de leitura da carta de fragilidade está na combinação de dados da Matriz de
Dissecação (códigos inseridos em sobreposição ao mapa), e a classificação do grau de fragilidade,
identificada por cores, no Índice de Fragilidade.
Carta de Zoneamento:
A carta de zoneamento foi criada a partir de diagnósticos acerca das potencialidades e
fragilidades de recursos na área de estudo. Para isso, foi feita uma classificação dos compartimentos
geomorfológicos baseadas em variáveis sócio-ambientais (relevo, solos, vegetação, uso da terra,
aspectos econômicos, sociais e jurídicos, etc), com posterior proposição de recomendações de
ocupação e uso da terra adequadas à aquelas parcelas do terreno.
O resultado final do zoneamento está dividido em duas grandes áreas: Zonas Produtivas e
Zonas Não-Produtivas. As primeiras correspondem às zonas de Colinas Baixas, Colinas Médias e Área
Urbana. Já as Zonas Não-Produtivas correlacionam-se com a área de Morros, Planície Fluvial do Rio
Jacupiranga, a Planície Fluvial do Rio Pariquera-Açu e a Planície Marinha.
Em associação ao mapa, foi proposta uma série de condutas, baseadas nos parâmetros de Ross
(2006), as quais poderiam ser aplicadas às zonas destacadas, com o intuito de reduzir impactos em
áreas de fragilidade ambiental e potencializar as opções de uso da terra nas zonas produtivas.
Resultados e discussão
Em se tratando das cartas temáticas propostas neste trabalho, é possível estabelecer uma série
de relações entre seus produtos com a análise integrada, de modo a reconhecer padrões naturais e
sociais e, acima de tudo, propor medidas mais racionais de uso de acordo com estes padrões.
A carta de fragilidade mostra que tantos os morros quanto a planície marinha possuem um
índice de fragilidade baixo, caracterizado como “muito fraco” a “fraco” (ainda que a chave de leitura
da matriz indique, por exemplo, fragilidade de relevo = 5, ou seja, alto). Isto ocorre devido à
preservação de vegetação primária e secundária (mata paludosa na planície costeira, Mata Atlântica
secundária nos morros e matas-galeria na planície fluvial do rio Pariquera-Açu) nestas regiões. A
manutenção da vegetação original pode ser decorrente das condições inapropriadas para ocupação do
solo, como altas declividades nos morros (>20%) e terrenos pantanosos e alagadiços na planície
marinha e planície fluvial do rio Pariquera-Açu, ainda que possuam baixas declividades (<2%),
levando estas áreas a ter pouco interesse para a especulação imobiliária. Já a área de colinas baixas e
médias e a planície do rio Jacupiranga possuem índices de fragilidade de grau médio a alto. No
primeiro caso, isto se deve ao cultivo de chá e pelo avanço da pecuária e no segundo, à produção de
banana, em substituição aos arrozais tradicionalmente cultivados na margem deste curso d’água.
Embasada na reunião dessas informações, a carta de zoneamento situa estes compartimentos de
acordo com suas fragilidades e potencialidades sócio-ambientais, de forma a identificar as variáveis
que atribuem a estes setores características particulares e a propor medidas e recomendações de uso da
terra mais adequadas aos seus recursos disponíveis. Destaca-se a importância de utilizar práticas
preservacionistas e conservacionistas em todas as zonas, ainda que estas possuam alguma categoria de
uso “privado”, como plantações, pastagens para a pecuária e equipamentos urbanos. Considerando as
características da dinâmica natural e sistemática das planícies, é notável que as mesmas estão sujeitas à
cheias ou inundações, o que dificulta a instalação de sistemas viários ou cidades. Contudo, as
potencialidades que um curso d’água oferece, no que se refere às atividades como a pesca, navegação e
o lazer e/ou turismo, podem equilibrar a não-prática de atividades consideradas mais lucrativas, porém
menos adequadas àquele ambiente natural. No caso das áreas urbanas, em razão do alto grau de
degradação ambiental que sua instalação acarreta, recomenda-se a conservação de alguns aspectos
naturais que atuam como paliativos para a iminência de alguns eventos naturais, tais como as
inundações (especialmente na área de estudo). Logo, espera-se a reduzida impermeabilização do solo
para drenagem da água vinda das cheias e das precipitações e a manutenção de áreas verdes.
Considerações finais
O Zoneamento propõe as diretrizes gerais e específicas definidas pela discussão do governo
com os diversos agentes da sociedade. Julgamos que um bom zoneamento articulado com o
conhecimento da dinâmica natural e associado a sustentabilidade ambiental, mais que isso, um
“zoneamento ideal” deve estabelecer prioridades, isto é, que à promoção do desenvolvimento
sustentável amplie a justiça social .
Infelizmente tais diretrizes podem ser usadas para a segregação dos espaços e ou concessão de
vantagens desleais a importantes agentes econômicos, como o estabelecimento de áreas turísticas
excludentes; concessão do direito de explorar determinada área quando essa deveria ser preservada,
esse é o caso mais comum no Brasil, onde políticos concedem à exploração dos recursos naturais em
troca de apoio político e econômico.
De acordo com CORRÊA (1993), os usos das terras são expressões sócio-econômicas do
território, que revelam a apropriação da natureza e da ordem imposta a ela. Atendo-se a essa questão
são realizados estudos ambientais, visando a minimização dos impactos e a otimização dos usos da
terra. A geografia como um todo e a geomorfologia em especial, tem um papel de destaque nesses
estudos, por trabalhar com a paisagem numa visão que tende a compreensão dos fenômenos que a
compõem, em sua totalidade.
Referências Bibliográficas: ALVES, H. P. F. Análise dos fatores associados às mudanças na cobertura da terra no Vale do Ribeira através da integração de dados censitários e do sensoriamento remoto. (dissertação de mestrado). UNICAMP. Campinas, 2004. CORRÊA, Roberto L. O espaço urbano. 2 ed. São Paulo: Editora Ática, 1993.
PETRONE, P. A Baixada Santista: aspectos geográficos. Universidade de São Paulo. São Paulo, 1965. ROSS, J. L. S. Geomorfologia, ambiente e planejamento. São Paulo: Ed. Contexto, 1990.
ROSS, J. L. S. O registro cartográfico dos fatos geomórficos e a questão da taxonomia do relevo. Revista do Departamento de Geografia, nº 6. FFLCH-USP, São Paulo, 1992.
ROSS, J. L. S. Análise empírica da fragilidade dos ambientes naturais e antropizados. Revista do Departamento de Geografia, nº 8. FFLCH-USP, São Paulo, 1994.
ROSS, J. L. S. A morfogênese da bacia do Ribeira do Iguape e os sistemas ambientais. GEOUSP-Espaço e Tempo, n° 12, São Paulo, 2002.
ROSS, J. L. S. Ecogeografia do Brasil: subsídios para planejamento ambiental. São Paulo: Editora Oficina de Textos, 2006.
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