supremo tribunal federal · de crimes do colarinho branco, o que, todavia, não impede a repressão...
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Ação Penal 470 Plenário
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VOTO
ITEM III DA DENÚNCIA
ORIGENS DOS RECURSOS EMPREGADOS NO
ESQUEMA CRIMINOSO
O Senhor Ministro Luiz Fux: Senhor Presidente,
Senhores Ministros, Senhor Procurador-Geral da República,
eminentes advogados.
Preliminarmente incumbe-me cumprimentar a todos
pela competência demonstrada nas atuações orais e escritas
o que exacerba sobremodo a difícil função de julgar um
processo materialmente complexo porquanto composto de
mais de 235 volumes, centenas de apensos, mais de 500
depoimentos, cuja digitalização posto não comportar num
hard disk de inúmeros computadores, mereceu um HD à
parte que contém mais de 40 gigabytes de documentos.
A complexidade que o caso sub judice encerra, pelo
seu caráter múltiplo (37 réus), e as teses minuciosamente
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defendidas pelas partes e por mim anotadas uma a uma,
inclusive as veiculadas nas sustentações orais
brilhantemente realizadas por ambas as partes, de um lado
o PGR competente e combativo de outro um verdadeiro
pool da inteligência jurídica da advocacia penal brasileira,
atributo extensivo aos advogados dativos, impuseram-me
uma metodologia expositiva que fosse aplicável à votação
de cada réu no que concerne às teses jurídicas comuns.
Assim, v. g., restaram constantes alegações sobre carência
probatória, ausência de contraditório na coleta da prova,
ausência de tipicidade por força da inexistência de ato de
oficio no crime de corrupção, além das vicissitudes
apontadas em relação aos delitos que compõem o mosaico
penal do caso sub judice.
Em face dessas nuances, permiti-me, preliminarmente
traçar premissas teóricas sobre os temas acima indicados
para depois, sem o vezo da repetição, analisar fatos, provas
incidência da norma penal e conclusão.
Assim explicitado o modo como me proponho a votar
a presente ação penal, iniciou, então pelas premissas
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teóricas para ao depois adentrar nos capítulos até então
enfrentados, na ordem de votação.
Os graves fatos noticiados nestes autos foram
inicialmente revelados pelo 29º denunciado (Roberto
Jefferson) na CPMI dos Correios em 2005. O
aprofundamento das investigações conduziu ao
depoimento da secretária do 5º denunciado (Marcos
Valério), Sra. Fernanda Karina Ramos Somaggio, que restou
por revelar as inúmeras operações suspeitas praticadas pelo
referido réu e pelas suas empresas de publicidade, em
especial a SMP&B e a DNA.
Em síntese, a tese defendida pela acusação pode ser
identificada com a gênese do denominado "esquema do
mensalão" nas palavras do discurso de defesa do 29º
denunciado (Roberto Jefferson) na Câmara dos Deputados,
ocorrido em 14/09/2005.
A expressão “mensalão” foi, assim, empregada para
designar a suposta mesada recebida por parlamentares da
Câmara dos Deputados oriunda de pagamentos feitos por
uma suposta quadrilha integrada por um núcleo político,
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publicitário e financeiro. O propósito dos pagamentos seria
o de obter o apoio político ao governo federal e necessário,
sobremaneira, para a aprovação de matérias sensíveis e
deliberadas no Congresso Nacional no período de 2003 e
2004 a que se refere a denúncia.
Os recursos destinados ao suposto pagamento dos
congressistas volúveis à recompensa seria, em linhas gerais,
obtido através de empréstimos contraídos pelo PT e por
empresas d0 5º denunciado (Marcos Valério) com o Banco
Rural e Banco BMG. Os referidos empréstimos seriam,
segundo a compreensão do parquet, forjados e as aludidas
instituições realizavam, na prática, a disponibilização dos
recursos sem exigir a sua restituição. A acusação também
sustenta que os valores necessários para o preenchimento
dos objetivos do esquema era fruto de dinheiro desviado
dos cofres públicos e destinado ao pagamento de políticos e
de campanhas eleitorais.
Na apresentação dos fatos e da dinâmica dos ilícitos
supostamente perpetrados, a denúncia partiu de uma
premissa de que havia diversos núcleos, grupos de pessoas
com funções específicas no suposto “mensalão”. Essa
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formatação em grupos de réus e de ilícitos originou um
texto dividido por itens. Há, na denúncia, um total de 8
(oito) itens, cada qual, com exceção do primeiro que veicula
a introdução da peça inicial acusatória, correspondente a
um contexto fático abrangente de diversos réus e ilícitos.
O eminente relator optou por iniciar os trabalhos com
o julgamento do item III da denúncia que retrata, dentre
outros crimes, a prática de supostos ilícitos pelo ex-
presidente da Câmara dos Deputados, o 15º denunciado
(João Paulo Cunha), na contratação de uma agência de
publicidade do 5º denunciado (Marcos Valério). De acordo
com o aludido item III, intitulado Desvio de Recursos
Públicos, encartado às fls. 5.659 e seguintes do volume 27, o
15º denunciado (João Paulo Cunha), o 5º denunciado
(Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e o
7º denunciado (Cristiano Paz) teriam participado de
diversos ilícitos envolvendo o desvio de recursos da
Câmara dos Deputados para o favorecimento da agência de
publicidade contratada pelo referido órgão. Os crimes
imputados aos réus no item III.1 da denúncia são os de
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peculato, corrupção ativa, corrupção passiva e de lavagem
de dinheiro.
Em linhas gerais, de acordo com a versão do
Ministério Público, o 5º denunciado (Marcos Valério)
possuía empresas de publicidade que já mantinham
contratos com o Banco do Brasil, Ministério do Trabalho e
Eletronorte. Em decorrência de sua proximidade com a
agremiação partidária ocupante do poder no governo
federal, o 5º denunciado (Marcos Valério) teria, segundo a
acusação, conseguido renovar essas avenças, manter um
contrato com o Ministério dos Esportes e vencer uma
licitação feita pelos Correios em 2003 para prestar serviços
de publicidade.
O estreito vínculo com integrantes da cúpula do
governo federal também teria, segundo a peça vestibular,
gerado resultados positivos ao conseguir a conta de
publicidade da Câmara dos Deputados, órgão de estatura
constitucional presidido, na época dos fatos, pelo 15º
denunciado (João Paulo Cunha), cuja campanha à
presidência havia sido realizada por uma das empresas do
5º denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon
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Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz). A acusação
noticia a ocorrência de diversas irregularidades na execução
do contrato de publicidade com a Câmara dos Deputados,
v. g., a excessiva subcontratação dos serviços e a ausência
de comprovação da prestação dos serviços cobrados.
No item III da denúncia, há relato do parquet de que o
modus operandi do desvio de recursos públicos ocorria
pela simulação de mútuos entre empresas do grupo do 5º
denunciado (Marcos Valério) e terceiros, pela ausência de
contabilização de serviços e operações financeiras; pela
emissão de notas fiscais falsas para justificar o pagamento
de serviços sem a devida contraprestação, além de outras
práticas ilícitas envolvendo, v. g., a Câmara dos Deputados,
o Banco do Brasil, a DNA Propaganda Ltda. e a Companhia
Brasileira de Meios de Pagamento – VISANET.
No contexto da peça acusatória, há relato de que o 5º
denunciado (Marcos Valério), em nome do 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz),
ofereceu a vantagem indevida de R$ 50.000,00 (cinquenta
mil reais) ao 15º denunciado (João Paulo Cunha), tendo em
vista sua condição de Presidente da Câmara dos
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Deputados, com a finalidade de receber tratamento
privilegiado para a sua agência de publicidade. A referida
quantia teria sido sacada pela Sra. Márcia Regina no Banco
Rural em 04 de setembro de 2003, um dia após a reunião do
15º denunciado (João Paulo Cunha) com o 5º denunciado
(Marcos Valério), e, segundo o parquet, o modo como o
saque ocorreu teve o intuito de ocultar a origem dos
recursos.
O MPF também destaca que a empresa SMP&B teria
participado do contrato de publicidade com a Câmara dos
Deputados apenas para intermediar subcontratações,
recebendo honorários de 5% só para fazer isso, o que
caracterizaria um ilícito.
Antes de adentrarmos a análise da dinâmica dos fatos
pertinentes ao item III, revela-se necessário abordar
algumas premissas teóricas concernentes aos crimes
imputados aos réus. Essa análise teórica é feita com o
escopo precípuo de enfrentar os principais argumentos e
teses invocados pelas partes. Serão enfrentados, outrossim,
temas comuns na acusação e nas defesas de diversos dos
acusados na presente Ação Penal, sob os aspectos do
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Direito Penal e do Direito Processual Penal, evitando-se a
cansativa repetição de fundamentos ao longo do voto.
PREMISSAS TEÓRICAS
INTRODUÇÃO: PROVA DA INFRAÇÃO PENAL EM
CRIMES DO COLARINHO BRANCO
A tônica das sustentações escritas e orais se calca na
prova de delitos de sofisticada atuação delitual, nos quais
nem sempre os elementos de convicção usuais do vetusto
processo concebido como actus ad minus trium personarum
são satisfatórios prima facie. Aliás, é dessa constatação que a
história penal inaugura a pré-compreensão dos
denominados crimes do colarinho branco.
Os “crimes do colarinho branco” constituem um
conceito relativamente novo, que apenas alcançou
reconhecimento no ano de 1939, nos Estados Unidos, em
um discurso do sociólogo Edwin Sutherland na American
Sociological Society, que criticou criminólogos da época por
atribuírem a criminalidade à pobreza ou a condições
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psicopáticas e sociopáticas. A noção de white collar crime é
particularmente importante por evidenciar a necessidade
de considerar as infrações praticadas por indivíduos
ocupantes de posições de poder como crimes e não apenas
ofensas civis. Opõe-se aos blue-collar crimes, que são delitos
perpetrados por integrantes de estratos sociais mais
desfavorecidos.
A definição de Sutherland, que enfatizava mais o
sujeito que o delito praticado – sendo, por isso, mais
adequada a expressão “criminosos do colarinho branco” –,
foi substituída posteriormente por uma concepção voltada
para o fato. Assim, o Bureau of Justice Statistics (BJS) dos
Estados Unidos utiliza o seguinte conceito de white collar
crime: “crime não violento dirigido ao ganho financeiro,
cometido mediante fraude”. Observa-se, portanto, que não
há um rol delimitado de delitos que compõem a categoria
de “crimes do colarinho branco”, o que, todavia, não
impede a repressão e a punição aos autores desse tipo de
infrações. Dentre os delitos que podem se amoldar ao
conceito, incluem-se os crimes tributários (tax crimes), as
fraudes bancárias (bank fraud), os crimes de corrupção
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(public corruption) e a lavagem de dinheiro (money
laundering), todos de relevantíssimo interesse para a
presente causa (PODGOR, Ellen S. White Collar Crime in a
nutshell. Minnesota: West Publishing Co., 1993. p. 1-4).
Na Alemanha, utiliza-se a denominação
Wirtschaftsstrafrechts para designar o Direito Penal
Econômico, que se ocupa dos aqui cognominados crimes do
colarinho branco, sendo certo que não há uma lei que
regulamente o tema de maneira uniforme (KUDLICH,
Hans; OGLAKCIOGLU, Mustafa Temmuz.
Wirtschaftsstrafrecht. Heidelberg: Hüthig Jehle Rehm, 2011;
MANSDÖRFER, Marco. Zur Theorie des
Wirtschaftsstrafrechts. Heidelberg: Hüthig Jehle Rehm,
2011; HELLMANN, Uwe; BECKEMPER, Katharina.
Wirtschaftsstrafrecht. Stuttgart: Kohlhammer, 2008). Klaus
Tiedemann, expoente do Direito Penal Econômico alemão,
afirma que esse ramo engloba todas as infrações que
atingem bens jurídicos coletivos ou supraindividuais da
vida econômica (TIEDEMANN, Klaus. Poder económico y
delito. Trad. Amelia Mantilla Villegas. Barcelona: Ariel,
1985. p. 16).
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Os crimes do colarinho branco, em essência, são
condutas puníveis na esfera penal, e não apenas civilmente
irregulares; são proibições relevantíssimas para o seio
social, e não apenas restrições formais e circunstanciais.
Cuida-se, nas palavras de Abanto Vásquez, da proteção dos
bens jurídicos mais importantes contra as ações perigosas
mais graves em uma sociedade, motivo pelo qual a
tendência da legislação e da doutrina penal dominante é a
de recrudescer o tratamento penal conferido a condutas que
afetem negativamente interesses sociais econômicos
(ABANTO VÁSQUEZ, Manuel A. Derecho Penal
Económico – consideraciones jurídicas y económicas. Lima:
IDEMSA, 1997. p. 37).
O desafio na seara dos crimes do colarinho branco é
alcançar a plena efetividade da tutela penal dos bens
jurídicos não individuais. Tendo em conta que se trata de
delitos cometidos sem violência, incruentos, não atraem
para si a mesma repulsa social dos “crimes do colarinho
azul” (Go directly to jail: white collar sentencing after the
Sarbanes-Oxley Act. In: Harvard Law Review, vol. 122,
2008-2009. p. 1742 e ss.). A inoperância das instituições
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causa um nefasto efeito sistêmico, que, fomentado pela
impunidade, causa pobreza atrás de pobreza, para o
enriquecimento indevido de alguns poucos. O fato
delituoso é tanto mais grave na medida em que a cada
desvio de dinheiro público, mais uma criança passa fome,
mais uma localidade desse imenso brasil fica sem
saneamento, o povo sem segurança e sem educação e os
hospitais sem leito.
A dificuldade de repressão também se deve,
conforme aponta o argentino Fernando Horacio Molinas, ao
fato de que o delito econômico é, aparentemente, uma
operação financeira ou mercantil, uma prática ou
procedimento como outros muitos no complexo mundo dos
negócios. A ilicitude não se constata diretamente, sendo
necessário, não raras vezes, lançar mão de perícias
complexas e interpretar normas de compreensão
extremamente difícil. As manobras criminosas são
realizadas utilizando complexas estruturas societárias, que
tornam muito difícil a individualização correta dos diversos
autores e partícipes. Além disso, é comum o apelo à
chamada “moral de fronteira”, apresentando o fato criminal
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como uma prática inevitável, generalizada, conhecida e
tacitamente tolerada por todos, de modo que o castigo seria
injusto, passando-se o autor do fato por vítima do sistema
ou de ocultas manobras políticas de seus adversários
(MOLINAS, Fernando Horacio. Delitos de “cuello blanco”
en Argentina. Buenos Aires: Depalma, 1989. p. 22-23 e 27).
A dignidade humana dos réus é importante, como aqui se
destacou, mas não podemos olvidar a dignidade da
sociedade brasileira, atingida no seu âmago por esse flagelo
da corrupção.
Essas sutilezas que marcam a identidade dos crimes
do “colarinho branco” constituem razões que devem
informar a lógica probatória inerente à sua persecução.
O DIREITO PROBATÓRIO EM DELITOS
ECONÔMICOS
Com efeito, a atividade probatória sempre foi
tradicionalmente ligada ao conceito de verdade, como se
constatava na summa divisio que por séculos separou o
processo civil e o processo penal, relacionando-os,
respectivamente, às noções de verdade formal e de verdade
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material. Na filosofia do conhecimento, adotava-se a
concepção de verdade como correspondência.
Nesse contexto, a função da prova no processo era
bem definida. Seu papel seria o de transportar para o
processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos
litigantes. Daí dizer-se que a prova era concebida apenas
em sua função demonstrativa (cf. TARUFFO, Michele.
“Funzione della prova: la funzione dimostrativa”, in Rivista
di Diritto Processuale, 1997).
O apego ferrenho a esta concepção gera a
compreensão de que uma condenação no processo só pode
decorrer da verdade dita “real” e da (pretensa) certeza
absoluta do juiz a respeito dos fatos. Com essa tendência,
veio também o correlato desprestígio da prova indiciária, a
circumstancial evidence de que falam os anglo-americanos,
embora, como será exposto a seguir, o Supremo Tribunal
Federal possua há décadas jurisprudência consolidada no
sentido de que os indícios, como meio de provas que são,
podem levar a uma condenação criminal.
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Contemporaneamente, chegou-se à generalizada
aceitação de que a verdade (indevidamente qualificada
como “absoluta”, “material” ou “real”) é algo inatingível
pela compreensão humana, por isso que, no afã de se obter
a solução jurídica concreta, o aplicador do Direito deve
guiar-se pelo foco na argumentação, na persuasão, e nas
inúmeras interações que o contraditório atual,
compreendido como direito de influir eficazmente no
resultado final do processo, permite aos litigantes, com se
depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabral (Il
principio del contraddittorio come diritto d'influenza e dovere di
dibattito. Rivista di Diritto Processuale, Anno LX, Nº2, aprile-
giugno, 2005, passim).
Assim, a prova deve ser, atualmente, concebida em
sua função persuasiva, de permitir, através do debate, a
argumentação em torno dos elementos probatórios trazidos
aos autos, e o incentivo a um debate franco para a formação
do convencimento dos sujeitos do processo. O que importa
para o juízo é a denominada verdade suficiente constante
dos autos; na esteira da velha parêmia quod non est in actis,
non est in mundo. Resgata-se a importância que sempre
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tiveram, no contexto das provas produzidas, os indícios, que
podem, sim, pela argumentação das partes e do juízo em
torno das circunstâncias fáticas comprovadas, apontarem
para uma conclusão segura e correta.
Essa função persuasiva da prova é a que mais bem se
coaduna com o sistema do livre convencimento motivado ou
da persuasão racional, previsto no art. 155 do CPP e no art.
93, IX, da Carta Magna, pelo qual o magistrado avalia
livremente os elementos probatórios colhidos na instrução,
mas tem a obrigação de fundamentar sua decisão,
indicando expressamente suas razões de decidir.
Aliás, o Código de Processo Penal prevê
expressamente a prova indiciária, assim a definindo no art.
239: Considera-se indício a circunstância conhecida e provada,
que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias.
Sobre esse elemento de convicção, Giovanni Leone
nos brinda com magistral explicação:
Presunção é a indução da existência de um
fato desconhecido pela existência de um
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fato conhecido, supondo-se que deva ser
verdadeiro para o caso concreto aquilo que
ordinariamente sói ser para a maior parte
dos casos nos quais aquele fato acontece.
(...)
A presunção é legal (praesumptio iuris seu
legis) se a ilação do conhecido ao
desconhecido é feita pela lei; por outro
lado, a presunção é do homem (praesumptio
facti, seu hominis, seu iudicis) se a ilação é
feita pelo juiz, constituindo, portanto, uma
operação mental do juiz.
(…)
No Direito Processual Penal não existem,
de regra, ficções e presunções legais (…).
Existe, ao contrário, a possibilidade de
inclusão, no processo penal, como em
qualquer outro processo, das presunções
hominis.
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A expressão máxima da
presunção hominis é dada pela prova
indiciária.
(Tradução livre do texto: Presunzione è
"l'induzione della esistenza di un fatto ignoto
da quella di un fatto noto, sul presupposto che
debba essere vero pel caso concreto ciò che
ordinariamente suole essere vero per la maggior
parte dei casi in cui quello rientra".(...)La
presunzione è legale (praesumptio iuris seu
legis) se la illazione dal noto all'ignoto è fatta
dalla legge; ovvero dell'uomo (praesumptio facti,
seu hominis, seu iudicis) se la illazione è fatta
dal giudice, costituendo pertanto una operazione
mentale del giudice.(...)Nel diritto processuale
penale nonesistono, di regola, finzioni e
presunzioni legali (...). Trovano invece
possibilità di inserimento nel processo penale,
come in ogni altro processo, le presunzioni
hominis.L'espressione massima della
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presunzione hominis è data dalle prove
indiziarie. )
(LEONE, Giovanni. Trattato di Diritto
Processuale Penale. v. II. Napoli: Casa
Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p. 161-
162).
No mesmo sentido, Nicola Malatesta, para quem,
pela prova indiciária, alcança-se determinada conclusão
sobre um episódio através de um processo lógico-
construtivo; mais precisamente: “o indício é aquele argumento
probatório indireto que deduz o desconhecido do conhecido por
meio da relação de causalidade” (MALATESTA, Nicola
Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal. Trad.
J. Alves de Sá. Campinas: Servanda Editora, 2009, p. 236).
Assim é que, através de um fato devidamente
provado que não constitui elemento do tipo penal, o
julgador pode, mediante raciocínio engendrado com
supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela
ocorrência de circunstância relevante para a qualificação
penal da conduta.
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Aliás, a força instrutória dos indícios é bastante para a
elucidação de fatos, podendo, inclusive, por si próprios, o
que não é apenas o caso dos autos, conduzir à prolação de
decreto de índole condenatória. (cf. PEDROSO, Fernando
de Almeida. Prova penal: doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 90-91).
Neste sentido, este Egrégio Plenário, em época
recente, decidiu que “indícios e presunções, analisados à luz do
princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros,
indutivos e não contrariados por contraindícios ou por prova
direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente” (AP 481,
Relator: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em
08/09/2011). Idêntica a orientação da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal, cabendo a referência aos
seguintes julgado:
“O princípio processual penal do favor rei
não ilide a possibilidade de utilização de
presunções hominis ou facti, pelo juiz, para
decidir sobre a procedência do ius puniendi,
máxime porque o Código de Processo Penal
prevê expressamente a prova indiciária,
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definindo-a no art. 239 como “a
circunstância conhecida e provada, que, tendo
relação com o fato, autorize, por indução,
concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias”. Doutrina (LEONE,
Giovanni. Trattato di Diritto Processuale
Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott.
Eugenio Jovene, 1961. p. 161-162).”
(HC nº 111.666, Relator: Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, julgado em 08/05/2012)
CONDENAÇÃO - BASE. Constando do
decreto condenatório dados relativos a
participação em prática criminosa, descabe
pretender fulminá-lo, a partir de alegação
do envolvimento, na espécie, de simples
indícios.
(HC 96062, Relator: Min. Marco Aurélio,
Primeira Turma, julgado em 06/10/2009)
Em idêntico sentido: HC nº 83.542, Relator: Min.
Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em
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09/03/2004; HC nº 83.348, Relator: Min. Joaquim Barbosa,
Primeira Turma, julgado em 21/10/2003.
As digressões ora engendradas se justificam porque,
nesses delitos econômicos e sofisticados, unem-se as forças
das provas diretas e dos indícios.
No Direito Comparado, no qual se abeberam nossos
juristas, também se perfilha entendimento semelhante.
Assim é que a utilização da prova indiciária para embasar a
sentença penal condenatória é admitida, v. g., em Portugal,
cujo Supremo Tribunal de Justiça já decidiu:
“IV - A prova nem sempre é directa, de
percepção imediata, muitas vezes é baseada em
indícios.
V - Indícios são as circunstâncias conhecidas e
provadas a partir das quais, mediante um
raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém
a conclusão, firme, segura e sólida de outro
facto; a indução parte do particular para o geral
e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma
força que a testemunhal, a documental ou outra.
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VI - A prova indiciária é suficiente para
determinar a participação no facto punível se da
sentença constarem os factos-base (requisito de
ordem formal) e se os indícios estiverem
completamente demonstrados por prova directa
(requisito de ordem material), os quais devem
ser de natureza inequivocamente acusatória,
plurais, contemporâneos do facto a provar e,
sendo vários, estar interrelacionados de modo a
que reforcem o juízo de inferência.
VII - O juízo de inferência deve ser razoável,
não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar
a lógica da experiência e da vida; dos factos-base
há-de derivar o elemento que se pretende provar,
existindo entre ambos um nexo preciso, directo,
segundo as regras da experiência.”
(Portugal, Supremo Tribunal de Justiça,
Processo nº 07P1416, nº convencional
JST000, nº do documento
SJ200707110014163, relator Armindo
Monteiro, data do acórdão 11/07/2007)
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Consectariamente, o quadro probatório dos autos,
composto das provas orais, documentais e periciais são
suficientes para lastrear uma decisão justa e atenta às
garantias penais e processuais.
Advirta-se que a presunção de não culpabilidade
somente atua como um peso em favor do acusado no
momento da prolação da sentença de mérito. É dizer: se,
para a sentença absolutória, existe um relaxamento na
formação da convicção e na fundamentação do juiz, na
sentença condenatória, deve o magistrado romper esta força
ou peso estabelecido pelo ordenamento em sentido
contrário. Em suma: a presunção de não culpabilidade pode
ser ilidida até mesmo por indícios que apontem a real
probabilidade da configuração da conduta criminosa. A
condenação, na esteira do quanto já exposto, não necessita
basear-se em verdades absolutas, por isso que os indícios
podem ter, no conjunto probatório, robustez suficiente
para que se pronuncie um juízo condenatório.
O critério de que a condenação tenha que provir de
uma convicção formada para “além da dúvida razoável”
não impõe que qualquer mínima ou remota possibilidade
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aventada pelo acusado já impeça que se chegue a um
juízo condenatório. Toda vez que as dúvidas que surjam
das alegações de defesa e das provas favoráveis à versão
dos acusados não forem razoáveis, não forem críveis diante
das demais provas, pode haver condenação. Lembremos
que a presunção de não culpabilidade não transforma o
critério da “dúvida razoável” em “certeza absoluta”.
Nesse cenário, caberá ao magistrado criminal
confrontar as versões de acusação e defesa com o contexto
probatório, verificando se são verossímeis as alegações de
parte a parte diante do cotejo com a prova colhida. Ao
Ministério Público caberá avançar nas provas ao ponto
ótimo em que o conjunto probatório seja suficiente para
levar a Corte a uma conclusão intensa o bastante para que
não haja dúvida, ou que esta seja reduzida a um patamar
baixo no qual a versão defensiva seja “irrazoável”,
inacreditável ou inverossímil.
Nesse contexto, a defesa deve trazer argumentos
devidamente provados que infirmem as ilações articuladas
pela acusação. A simples negativa genérica é incapaz de
desconstruir o itinerário lógico que leva prima facie à
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condenação. Como é de sabença geral, a prova do álibi
incumbe ao réu, nos termos do que dispõe o art. 156 do
Código de Processo Penal (“A prova da alegação incumbirá a
quem a fizer [...]”). Assim também a remansosa
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sendo de
rigor consignar os seguintes arestos:
EMENTA: - PENAL. PROCESSUAL
PENAL. HABEAS CORPUS. JÚRI:
SOBERANIA. CF, ART. 5º, XXXVIII. CPP,
ART. 593, III, d. ÁLIBI: ÔNUS DA PROVA.
CPP, ART. 156. I. - A soberania dos
veredictos do Tribunal do Júri não exclui a
recorribilidade de suas decisões, quando
manifestamente contrárias à prova dos
autos (CPP, art. 593, III, d). Provido o
recurso, o réu será submetido a novo
julgamento pelo Júri. II. - Cabe à defesa a
produção de prova da ocorrência de álibi
que aproveite ao réu (CPP, art. 156). III. -
HC indeferido.
Ação Penal 470 Plenário
29
(HC 70742, Relator Min. Carlos Velloso,
Segunda Turma, julgado em 16/08/1994, DJ
30-06-2000)
EMENTA: HABEAS CORPUS - ALIBI -
CIRCUNSTANCIA INVOCADA APÓS A
CONDENAÇÃO - CONTRADIÇÃO COM
OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA -
IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DESSA
MATÉRIA EM SEDE DE HABEAS
CORPUS - ALEGAÇÃO DE
CERCEAMENTO DE DEFESA -
INOCORRENCIA - ORDEM DENEGADA.
- O álibi, enquanto elemento de defesa,
deve ser comprovado, no processo penal
condenatório, pelo réu a quem seu
reconhecimento aproveita. - O habeas
corpus não constitui sede processualmente
adequada ao reconhecimento do álibi se
este se revela incompatível com a prova
produzida, sob o crivo do contraditório, no
procedimento penal. - É licita a audiência
Ação Penal 470 Plenário
30
de instrução quando, ausente o Advogado
constituído, que fora regularmente
intimado de sua realização, vem o réu a ser
assistido por defensor dativo designado
pelo Juiz processante.
(HC 68964, Relator Min. Celso de Mello,
Primeira Turma, julgado em 17/12/1991, DJ
22-04-1994)
A lição é idêntica em sede doutrinária. Tratando do
álibi, preleciona Damásio de Jesus que “[q]uem alega deve
prová-lo, sob pena de confissão” (Código de Processo Penal
anotado. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 187).
Ora, se a prova deve ser compreendida em sua
função persuasiva, é na argumentação do processo que se
deve buscar o convencimento necessário aos magistrados
para o teste probatório às alegações das partes. E um
conjunto probatório seguro, cuja elaboração, decorrente do
debate processual, seja apta a reconstruir os fatos da vida e
apontar para a ocorrência dos fatos alegados pelo
Ministério Público, é o suficiente para extirpar qualquer
Ação Penal 470 Plenário
31
“dúvida razoável” que as alegações de defesa tentavam
impingir na convicção do julgador.
Isso é especialmente importante em contextos
associativos, no qual os crimes ou infrações administrativas
são praticados por muitos indivíduos consorciados, nos
quais é incomum que se assinem documentos que
contenham os propósitos da associação, e nem sempre se
logra filmar ou gravar os acusados no ato de cometimento
do crime. Fato notório, e notoria non egent probatione, todo
contexto de associação pressupõe ajustes e acordos que são
realizados a portas fechadas.
Neste sentido, por exemplo, a doutrina norte-
americana estabeleceu a tese do “paralelismo consciente”
para a prática de cartel. Isso porque normalmente não se
assina um “contrato de cartel”, basta que se provem
circunstâncias indiciárias, como a presença simultânea dos
acusados em um local e a subida simultânea de preços, v. g.,
para que se chegue à conclusão de que a conduta era ilícita,
até porque, num ambiente econômico hígido, a subida de
preços, do ponto de vista de apenas um agente econômico,
seria uma conduta irracional economicamente. Portanto, a
Ação Penal 470 Plenário
32
conclusão pela ilicitude e pela condenação decorre de um
conjunto de indícios que apontem que a subida de preços
foi fruto de uma conduta concertada.
No mesmo diapasão é a prova dos crimes e infrações
no mercado de capitais. São as circunstâncias concretas,
mesmo indiciárias, que permitirão a conclusão pela
condenação. Na investigação de insider trading (uso de
informação privilegiada e secreta antes da divulgação ao
mercado de fato relevante): a baixa liquidez das ações; a
frequência com que são negociadas; ser o acusado um
neófito em operações de bolsa; as ligações de parentesco e
amizade existentes entre os acusados e aqueles que tinham
contato com a informação privilegiada; todas estas e outras
são indícios que, em conjunto, permitem conclusão segura a
respeito da ilicitude da operação.
AS PROVAS COLHIDAS EM INVESTIGAÇÕES
PRELIMINARES E O CONTRADITÓRIO
O contraditório e a prova representam binômio
inseparável, o que foi objeto de todas as sustentações. Nesse
contexto, há que se enfrentar o tema da eficácia das provas
Ação Penal 470 Plenário
33
colhidas em procedimentos preliminares de investigação,
como Comissões Parlamentares de Inquérito e inquéritos
policiais.
As CPIs são comissões temporárias do Legislativo
nacional, destinadas à apuração de dados relativos a fatos
determinados e relevantes, com o fito de posterior
promoção da responsabilidade cível, criminal e política de
eventuais envolvidos. De acordo com a doutrina do insigne
jurista Luís Roberto Barroso, a fórmula “poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais”, constante
do art. 58, § 3º, da Constituição, “atribui às comissões
parlamentares de inquérito competências instrutórias amplas, que
incluem a possibilidade de (i) determinar diligências, (ii) convocar
testemunhas (que têm o dever de dizer a verdade, sob pena de
crime de falso testemunho), (iii) ouvir indiciados (quando estes
não optem pelo silêncio), (iv) requisitar documentos públicos, (v)
determinar a exibição de documentos privados, (vi) convocar
ministros de Estado e outras autoridades públicas, (vii) realizar
inspeções pessoais, transportando-se aos locais necessários”
(Temas de Direito Constitucional. V. I. São Paulo: Renovar,
2001. p. 138).
Ação Penal 470 Plenário
34
O inquérito policial é um procedimento
administrativo pré-processual que tem por objetivo colher
elementos aptos à formação da opinio delicti do órgão
acusador sobre a autoria e a materialidade do crime, seja
pela sua configuração, seja pela sua não ocorrência.
Precisamente em razão desse viés unilateral, como
preleciona Bruno Bodart, “a participação do investigado no
procedimento pré-processual não se fundamenta no princípio do
contraditório” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Inquérito
policial, democracia e Constituição – modificando
paradigmas. In: Revista Eletrônica de Direito Processual,
vol. III, ano 2, jan.-jul. 2009, Rio de Janeiro. p. 133).
Os elementos amealhados no curso desses
procedimentos preliminares, todavia, não ficam
permanentemente alijados da apreciação judicial em futuro
processo.
A uma, porque estes elementos podem ser
confirmados, sob o crivo do contraditório, no curso do
processo penal, adquirindo, desse modo, a eficácia
necessária para embasar um decreto condenatório. É o caso,
deveras comum, da testemunha que ratifica em juízo todas
Ação Penal 470 Plenário
35
as declarações prestadas em sede preliminar, oportunidade
na qual o réu exerce em plenitude o seu direito de defesa. A
prova, para todos os efeitos, passa a ser processual, na
esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal
(v. HC nº 83.348, Relator: Min. Joaquim Barbosa, Primeira
Turma, julgado em 21/10/2003).
A duas, em razão da expressa exceção contida na
parte final do art. 155 do Código de Processo Penal, que
autoriza que o magistrado fundamente a sua decisão nos
elementos informativos colhidos na investigação quando
cuidar-se de “provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
Por fim, há que se ter em mente que o mesmo art. 155
do CPP apenas proíbe que o juiz fundamente ”sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação”, não impedindo a utilização de elementos pré-
processuais quando acompanhados e corroborados por
provas produzidas em juízo. Esta também a pacífica
jurisprudência deste Pretório Excelso, como se nota a partir
dos seguintes julgados:
Ação Penal 470 Plenário
36
“Os elementos colhidos no inquérito policial
podem influir na formação do livre
convencimento do juiz para a decisão da
causa quando complementados por outros
indícios e provas obtidos na instrução
judicial. Precedentes.”
(HC 104669, Relator: Min. Ricardo
Lewandowski, Primeira Turma, julgado em
26/10/2010)
“Os elementos do inquérito podem influir na
formação do livre convencimento do juiz
para a decisão da causa quando
complementam outros indícios e provas que
passam pelo crivo do contraditório em
juízo.”
(HC 102473, Relator: Min. Ellen Gracie,
Segunda Turma, julgado em 12/04/2011 –
assim tb. RE 425734 AgR, Relator: Min. Ellen
Gracie, Segunda Turma, julgado em
04/10/2005)
Ação Penal 470 Plenário
37
Superadas as questões prejudiciais probatórias, passo
às premissas teóricas referentes aos delitos em espécie.
LAVAGEM DE DINHEIRO
Incluindo as condutas narradas em seu item III, a
exordial acusatória imputa, no total, a prática de crimes de
lavagem de dinheiro a 36 (trinta e seis) dos 40 (quarenta)
denunciados. As acusações envolvem a interpretação e
aplicação dos incisos V, VI e VII do art. 1º da nº 9.613/98.
De proêmio, alerto que a recente alteração da Lei nº
9.613/98, operada pela Lei nº 12.683/2012, em vigor desde o
dia 10 de julho de 2012, não tem o condão de afetar este
julgamento. É que se trata de legislação destinada a alargar
o tipo penal da lavagem de dinheiro para abranger a
ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos
ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de
qualquer tipo de infração penal. Não houve alteração das
penas cabíveis, de modo que as imputações lançadas na
exordial acusatória devem continuar sendo regidas pela
redação pretérita.
Ação Penal 470 Plenário
38
A lavagem de dinheiro, entendida como a prática de
conversão dos proveitos do delito em bens que não
podem ser rastreados pela sua origem criminosa, é prática
combatida no mundo todo. Não se deve perder de vista que
a atividade de lavagem de recursos criminosos é o grande
pulmão das mais variadas mazelas sociais, desde o tráfico
de drogas, passando pelo terrorismo, até a corrupção que
desfalca o Erário e deixa órfãos um sem-número de
cidadãos que necessitam dos serviços públicos (v. SATOW,
Joe Tadashi Montenegro. Segurança Pública. Núria Fabris,
2011). Saber de onde vem o dinheiro é, muitas vezes, o
único diagnóstico para identificar a prática de um crime e
o seu autor.
Além disso, conforme descreve Oliveira Ascensão, a
respeito do Direito Português, o branqueamento de capitais
(como é denominada a lavagem de dinheiro naquele país) é
um mal por si, pois o seu combate previne o
envenenamento de todo o sistema econômico-financeiro
(ASCENSÃO, J. Oliveira. Repressão da lavagem do
dinheiro em Portugal. In: Revista da EMERJ, v. 6, n. 22,
2003. p. 37). Estima-se que a lavagem de dinheiro envolva,
Ação Penal 470 Plenário
39
hoje, até 5% do PIB mundial, ou seja, até dois trilhões de
dólares – alguns dados chegam ao absurdo montante de
10% do PIB global (NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque da
pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia
global. Trad. Sérgio Lopes. Jorge Zahar Editor Ltda, 2006. p.
130). A repressão à lavagem de dinheiro visa a prevenir a
contaminação da economia por recursos ilícitos, a
concorrência desleal, o zelo pela credibilidade e pela
confiança nas instituições.
Sendo assim, a dissimulação ou ocultação da
natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade dos proveitos criminosos desafia censura
penal autônoma, para além daquela incidente sobre o
delito antecedente, tal como ocorre com a ocultação do
cadáver (art. 211 do Código Penal) subsequente a um
homicídio – não se opera a consunção de um crime pelo
outro.
Em sede doutrinária, o entendimento é idêntico:
“Com relação ao concurso de crimes, o
entendimento é de que há concurso
Ação Penal 470 Plenário
40
material com o crime antecedente. Então, o
agente que pratica o crime de lavagem de
dinheiro oriundo de atividade criminosa,
responde em concurso material pelo crime
de lavagem e pelo crime antecedente que
deu origem criminosa aos bens, valores ou
direitos. Essa não seria uma hipótese de
progressão criminosa, porque a autonomia
dos crimes está expressa na própria lei.”
(BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes
Federais. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010. p. 594)
No Direito norte-americano, a doutrina costuma
distinguir três fases da lavagem de dinheiro (money
laundering). A primeira fase é a da “colocação” (placement)
dos recursos derivados de uma atividade ilegal em um
mecanismo de dissimulação da sua origem, que pode ser
realizado por instituições financeiras, casas de câmbio,
leilões de obras de arte, dentre outros negócios
aparentemente lícitos. Após, inicia-se a segunda fase, de
“encobrimento”, “circulação” ou “transformação”
Ação Penal 470 Plenário
41
(layering), cujo objetivo é tornar mais difícil a detecção da
manobra dissimuladora e o descobrimento da lavagem. Por
fim, dá-se a “integração” (integration) dos recursos a uma
economia onde pareçam legítimos (REUTER, Peter;
TRUMAN, Edwin M. Chasing Dirty Money: The Fight
Against Money Laundering. Washington: Peterson
Institute, 2004).
Uma vez que qualquer dessas fases tenha sido levada
a efeito, resta consumado o crime do art. 1º da nº 9.613/98,
não havendo que se cogitar da completude do ciclo para o
aperfeiçoamento do delito. Suficiente, portanto, para fins
de condenação, a prova da autoria e materialidade de uma
das etapas da lavagem de dinheiro.
Bem por isso, ao contrário do que sustentaram as
defesas dos réus, não se pode exigir da acusação a
demonstração de que os recursos retirados de um
mecanismo de lavagem de dinheiro equivalem, com exata
perfeição, aos bens de origem criminosa injetados na
economia regular. É que o dinheiro lícito e o ilícito não
reagem como água e óleo. Bens fungíveis que são, uma
vez reunidos em uma mesma economia, fica impossível
Ação Penal 470 Plenário
42
dissociar qual a parte advinda da atividade delituosa.
Afinal, é exatamente nesta tarefa de gerar a
impossibilidade de distinção que reside a atividade de
lavagem.
O elemento intencional necessário para a tipificação
do delito em comento é o dolo genérico, isto é, a vontade
consciente e dirigida à realização de uma ou algumas das
fases da lavagem de dinheiro. Rodolfo Tigre Maia, tecendo
considerações sobre o art. 1º da nº 9.613/98, lembra que
“[a]os moldes da lei portuguesa que inspirou o dispositivo, não se
exige qualquer outro elemento subjetivo (dolo específico da
doutrina tradicional) ou especial fim de agir, como requer, por
exemplo, o tipo de ‘branqueamento’ da legislação francesa (...) e,
no Direito brasileiro, na receptação ou no favorecimento” (MAIA,
Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (Lavagem de ativos
provenientes de crime) – Anotações às disposições
criminais da Lei n. 9.613/98. 2ª ed. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 89).
Não se reclama que o órgão acusador comprove o
elemento anímico, sob pena de se lhe incumbir de um
mister impossível, verdadeira prova diabólica.
Ação Penal 470 Plenário
43
Exatamente no intuito de evitar a impunidade, a segunda
das quarenta recomendações do Grupo de Ação
Financeira sobre a Lavagem de Dinheiro (GAFI),
organismo internacional que estabelece padrões e
desenvolve e promove políticas de combate a essa espécie
de criminalidade, indica: “Os países deveriam assegurar que:
a) A intenção e o conhecimento requeridos para provar o crime de
branqueamento de capitais estão em conformidade com as normas
estabelecidas nas Convenções de Viena e de Palermo, incluindo a
possibilidade de o elemento intencional ser deduzido a
partir de circunstâncias factuais objectivas” (grifo nosso).
Deveras, basta, para o reconhecimento do dolo,
ainda que na sua modalidade eventual, que se comprove
que, pelas condições materiais em que praticado o delito,
há motivos suficientes para se inferir que o agente
desejava ocultar ou dissimular a natureza, origem,
localização, disposição, movimentação ou propriedade do
numerário, em relação ao qual, também pelas
circunstâncias objetivas dos fatos provados, conclua, o
magistrado, que o réu sabia ou devia saber ser
proveniente, direta ou indiretamente, de crime. Conforme
Ação Penal 470 Plenário
44
já decidiu esta Corte: “O dolo eventual compreende a hipótese
em que o sujeito não quer diretamente a realização do tipo penal,
mas a aceita como possível ou provável (assume o risco da
produção do resultado, na redação do art. 18, I, in fine, do CP).
(...) Faz-se imprescindível que o dolo eventual se extraia das
circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que
não se exige uma declaração expressa do agente” (HC
97252, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Segunda Turma,
julgado em 23/06/2009).
Outra não é a lição de Klaus Tiedemann, que
transcrevemos na íntegra:
“Na linha dos mais recentes acordos
internacionais, que devem ter uma especial
importância para o mundo anglo-
americano, há que se esclarecer, todavia,
que é sim admissível deduzir dolo a partir
das circunstâncias do fato. Não é que com
isso se retome a teoria do dolus ex re, mas
sim que isso se deriva da admissibilidade
processual da prova indiciária.”
Ação Penal 470 Plenário
45
(Tradução livre do trecho: “en la línea de los
más recientes acuerdos internacionales, que han
de tener una especial importancia para el mundo
anglo-americano, hay que aclarar todavía que sí
es admisible deducir dolo (etc) a partir de las
circunstancias del hecho. No es que con ello se
retome la teoría del dolus ex re, sino que esto se
deriva de la admisibilidad procesal de la prueba
indiciaria.” TIEDEMANN, Klaus.
Eurodelitos: El derecho penal económico en
la Unión Europea. Cuenca: Ediciones de la
Universidad de Castilla-La Mancha, 2004.
p. 15)
Outra objeção reiteradamente veiculada nas razões
de defesa dos acusados diz respeito à eficácia do inciso VII
do art. 1º da Lei nº 9.613/98. Alegam os réus, em suma, que
a inexistência de um crime intitulado “organização
criminosa” no ordenamento pátrio impediria a
aplicabilidade desta hipótese de lavagem de dinheiro.
O argumento, contudo, não resiste a uma análise mais
atenta, pois fundado em premissas equivocadas. Ao
Ação Penal 470 Plenário
46
contrário do que sustentam os defensores, a Lei nº 9.613/98
em momento algum prevê, como delito antecedente à
lavagem de dinheiro, um “crime de organização
criminosa”. Nem parece razoável acreditar que tenha sido a
intenção do legislador fazer referência a um crime que ele
mesmo não criou.
Em verdade, pune-se, por meio do inciso VII da
referida Lei, a lavagem de dinheiro que tenha como
antecedente o crime “praticado por organização criminosa”,
algo absolutamente distinto da figura delitiva suscitada
pela defesa. Por exemplo, sabe-se que o crime de roubo (art.
157 do CP) não era contemplado no rol de crimes
antecedentes da Lei nº 9.613/98, antes da sua recente
alteração pela Lei nº 12.683/2012. Entretanto, a ocultação ou
dissimulação da origem, natureza, localização, disposição
ou propriedade de ativos provenientes de crimes de roubo
praticados por uma organização criminosa configura,
indubitavelmente, o delito de lavagem de dinheiro.
Por essa razão, é perfeitamente possível considerar
como antecedente da lavagem o crime, seja qual for a sua
natureza, praticado por uma organização criminosa. A
Ação Penal 470 Plenário
47
expressão “organização criminosa” é prevista não como
objeto, ou seja, como o crime antecedente em si, tratando-
se, isso sim, do sujeito ativo responsável pela consecução
do delito antecedente.
O art. 1º, VII, da Lei nº 9.613/98, no que concerne à
concepção do termo organização criminosa, é
complementado por duas normas, uma de maior
abrangência e outra de espectro mais restrito. São elas o
artigo 2 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional e o art. 288 do Código Penal.
Assim, conforme já reconhecido por este Pretório
Excelso, o conceito de “organização criminosa”, para fins de
complementação do tipo previsto na Lei de Lavagem de
Dinheiro, pode ser extraído da Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional,
cognominada “Convenção de Palermo”, promulgada pelo
Decreto nº 5.015 de 12 de março de 2004 (Inq nº 2786,
Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno,
julgado em 17/02/2011). Eis o que dispõe o seu artigo 2:
Artigo 2
Ação Penal 470 Plenário
48
Terminologia
Para efeitos da presente Convenção,
entende-se por:
a) "Grupo criminoso organizado" - grupo
estruturado de três ou mais pessoas,
existente há algum tempo e atuando
concertadamente com o propósito de
cometer uma ou mais infrações graves ou
enunciadas na presente Convenção, com a
intenção de obter, direta ou indiretamente,
um benefício econômico ou outro benefício
material;
b) "Infração grave" - ato que constitua
infração punível com uma pena de privação
de liberdade, cujo máximo não seja inferior
a quatro anos ou com pena superior;
c) "Grupo estruturado" - grupo formado de
maneira não fortuita para a prática
imediata de uma infração, ainda que os
seus membros não tenham funções
Ação Penal 470 Plenário
49
formalmente definidas, que não haja
continuidade na sua composição e que não
disponha de uma estrutura elaborada;
Frise-se que este Supremo Tribunal Federal tem
longeva jurisprudência no sentido de reconhecer aos
tratados e convenções internacionais devidamente
internalizados ao ordenamento brasileiro o mesmo status
conferido às leis ordinárias (RE nº 80.004, Relator: Min.
Xavier de Albuquerque, Tribunal Pleno, julgado em
01/06/1977; ADI nº 1.480 MC, Relator: Min. Celso de Mello,
Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997).
A integração da norma penal em branco, no caso, é
feita por diploma que também tem caráter legal, não
havendo que se cogitar de qualquer afronta ao princípio da
legalidade. Klaus Tiedemann assevera que as normas
penais em branco (Blankettstrafgesetze) são o meio típico e
mais importante à disposição da técnica legislativa no
Direito Penal econômico (TIEDEMANN, Klaus – Tecnica
legislativa nel Diritto Penale Economico. Trad. Claudia
Kaufmann. In: Rivista Trimestrale di Diritto Penale
Dell’economia, ano XIX, n. 1-2, jan.-jun. 2006, CEDAM. p.
Ação Penal 470 Plenário
50
2). Abanto Vásquez alerta que essa técnica da norma penal
“em branco” e, portanto, lex dixit quam voluit, é a adequada
para conseguir o objetivo final: a proteção suficiente dos
bens jurídicos que o legislador considere importantes
(ABANTO VÁSQUEZ, Manuel A. Derecho Penal
Económico – consideraciones jurídicas y económicas. Lima:
IDEMSA, 1997. p. 24).
Além do conceito previsto na Convenção de Palermo,
o art. 1º, VII, da Lei de Lavagem de Dinheiro também é
complementado pelo art. 288 do Código Penal, que prevê a
quadrilha ou bando, modalidade de organização criminosa
há muito conhecida no Direito Penal brasileiro, nos
seguintes termos: “Associarem-se mais de três pessoas, em
quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”. Sobre o
tema, afirma Rodolfo Tigre Maia, fazendo menção ao
idêntico posicionamento de Mirabete, que, para
determinar-se a presença de uma organização criminosa,
“bastará – tão somente – a presença dos requisitos
tradicionalmente exigíveis para o crime descrito no art. 288 do
Código Penal, desde que associados à efetiva prática de pelo menos
Ação Penal 470 Plenário
51
um crime” (MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro. 2ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 78).
Portanto, não procede a alegação de que o inciso VII
do art. 1º da Lei nº 9.613/98 era desprovido de eficácia antes
da internalização da Convenção de Palermo no
ordenamento pátrio – a complementação da norma já era
realizada, embora com espectro mais restrito, pelo art. 288
do Código Penal.
Ao acolher, no rol de delitos originários da lavagem
de dinheiro, cláusula abrangente de todos os delitos
perpetrados por organizações criminosas, posicionou-se a
lei brasileira na vanguarda da repressão mundial a esta
sorte de ilícitos. Como é sabido, as legislações de combate à
lavagem de dinheiro podem ser classificadas
historicamente em três gerações. A primeira diz respeito às
leis que previam somente o tráfico de drogas como delito
antecedente do branqueamento de capitais. A geração
subsequente é composta pelos diplomas que listam
diversos crimes que podem figurar como antecedentes da
lavagem. Por fim, na terceira geração de leis, qualquer
Ação Penal 470 Plenário
52
delito é apto a constituir antecedente da prática da lavagem
de dinheiro.
Oliveira Ascensão, a respeito da evolução legislativa,
ressalta manifestar-se “orientação internacional no sentido de
estender a incriminação ao branqueamento de capitais com origem
noutras actividades criminosas” (ASCENSÃO, J. Oliveira.
Repressão da lavagem do dinheiro em Portugal. In: Revista
da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003. p. 42).
A própria Convenção de Palermo exige de todos os
Estados-Partes, no seu art. 6º, n. 2, “a”, a extensão do crime
de lavagem de dinheiro ao maior número possível de
infrações subjacentes. Na Suíça, onde recentemente foi
aprovado um novo Código Penal, são antecedentes da
lavagem de dinheiro as infrações punidas com pena
privativa de liberdade superior a três anos (BERNASCONI,
Paolo. La criminalità economica nel nuovo codice penale
svizzero. In: Rivista Trimestrale di Diritto Penale
Dell’economia, ano XX, n. 1-2, jan.-jun. 2007, CEDAM. p.
10).
Ação Penal 470 Plenário
53
Ressalte-se, ainda, que a Lei nº 9.613/98, conforme já
indicado, foi recentemente alterada pela Lei nº 12.683/2012
para alinhar-se às legislações de terceira geração, em um
claro sinal de que a lavagem de dinheiro, seja qual for a
origem dos ativos, é prática reprovável e não tolerada pela
ordem jurídica brasileira.
Desta feita, proclamar a não incidência do inciso VII
do art. 1º da Lei nº 9.613/98 é caminhar na contramão da
história, restringindo indevidamente a imputação do crime
de lavagem de dinheiro, quando, na realidade, a norma
penal existente, devidamente complementada pela
Convenção de Palermo e pelo art. 288 do Código Penal,
permite a identificação de todos os elementos da sua
fattispecie.
CORRUPÇÃO PASSIVA, ATO DE OFÍCIO E “CAIXA
DOIS”
Ao tipificar a corrupção, em suas modalidades passiva
(art. 317, CP) e ativa (art. 333, CP), a legislação
infraconstitucional visa a combater condutas de inegável
ultraje à moralidade e à probidade administrativas, valores
Ação Penal 470 Plenário
54
encartados na Lei Magna como pedras de toque do regime
republicano brasileiro (art. 37, caput e § 4º, CRFB). A
censura criminal da corrupção é manifestação eloquente da
intolerância nutrida pelo ordenamento pátrio para com
comportamentos subversivos da res publica nacional. Tal
repúdio é tamanho que justifica a mobilização do arsenal
sancionatório do direito penal, reconhecidamente encarado
como ultima ratio, para a repressão dos ilícitos praticados
contra a Administração Pública e os interesses gerais que
ela representa.
Consoante a legislação criminal brasileira (CP, art.
317), configuram corrupção passiva as condutas de
“solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la,
mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal
vantagem”. Por seu turno, tem-se corrupção ativa no ato de
“oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público,
para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”
(CP, art. 333). Destaque-se o teor dos dispositivos:
Corrupção passiva
Ação Penal 470 Plenário
55
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la,
mas em razão dela, vantagem indevida, ou
aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,
e multa.
§1º - A pena é aumentada de um terço, se,
em conseqüência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa
de praticar qualquer ato de ofício ou o
pratica infringindo dever funcional.
§2º - Se o funcionário pratica, deixa de
praticar ou retarda ato de ofício, com
infração de dever funcional, cedendo a
pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou
multa.
Corrupção ativa
Ação Penal 470 Plenário
56
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem
indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar
ato de ofício:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,
e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de
um terço, se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou omite
ato de ofício, ou o pratica infringindo dever
funcional.
Sobressai das citadas normas incriminadoras o nítido
propósito de o legislador punir o tráfico da função pública,
desestimulando o exercício abusivo dos poderes e
prerrogativas estatais. Como evidente, o escopo das normas
é penalizar tanto o corrupto (agente público), como o
corruptor (terceiro). Daí falar-se em crime de corrupção
passiva para a primeira hipótese, e crime de corrupção
ativa para a segunda.
Ação Penal 470 Plenário
57
Ainda que muitas vezes caminhem lado a lado, como
aspectos simétricos de um mesmo fenômeno, os tipos
penais de corrupção ativa e passiva são intrinsecamente
distintos e estruturalmente independentes, de sorte que a
presença de um não implica, desde logo, a caracterização de
outro. Isso fica evidente pelos próprios verbos que integram
o núcleo de cada uma das condutas típicas. De um lado, a
corrupção passiva pode configurar-se por qualquer das três
ações do agente público: (i) a solicitação de vantagem
indevida (“solicitar”), (ii) o efetivo recebimento de
vantagem indevida (“receber”) ou (iii) a aceitação de
promessa de vantagem indevida (“aceitar promessa”). De
outro lado, a corrupção ativa decorre de uma dentre as
seguintes condutas descritas no tipo de injusto: (i) o
oferecimento de vantagem indevida a funcionário público
(“oferecer”) ou (ii) a promessa de vantagem indevida a
funcionário público (“prometer”).
Assim é que, se o agente público solicita vantagem
indevida em razão da função que exerce, já se configura
crime de corrupção passiva, a despeito da eventual resposta
que vier a ser dada pelo destinatário da solicitação. Pode
Ação Penal 470 Plenário
58
haver ou não anuência do terceiro. Qualquer que seja o
desfecho, o ilícito de corrupção passiva já se consumou
com a mera solicitação de vantagem. De igual modo, se o
agente público recebe oferta de vantagem indevida
vinculada aos seus misteres funcionais, tem-se
caracterizado de imediato o crime de corrupção ativa por
parte do ofertante. O agente público não precisa aceitar a
proposta para que o crime se concretize. Trata-se, portanto,
de ilícitos penais independentes e autônomos.
Essa constatação implica, ainda, outra.
Note-se que em ambos os casos mencionados não
existe, para além da solicitação ou oferta de vantagem
indevida, nenhum ato específico e ulterior por qualquer
dos sujeitos envolvidos. A ordem jurídica considera
bastantes em si, para fins de censura criminal, tanto a
simples solicitação de vantagem indevida quanto o seu
mero oferecimento a agente público. É que tais
comportamentos já revelam, per se, o nítido propósito de
traficar a coisa pública, cujo desvalor é intrínseco, justificando
a apenação do seu responsável.
Ação Penal 470 Plenário
59
Um exemplo prosaico auxilia a compreensão do tema.
Um policial que, para deixar de multar um motorista
infrator da legislação de trânsito, solicita-lhe dinheiro,
incorre, de plano, no crime de corrupção passiva. O agente
público sequer necessita deixar de aplicar a sanção
administrativa para que o crime de corrupção se consume.
Basta que solicite vantagem em razão da função que exerce.
De igual sorte, se o motorista infrator é quem toma a
iniciativa e oferece dinheiro ao policial, aquele comete
crime de corrupção ativa. O agente público não precisa
aceitar a vantagem e deixar de aplicar a multa para, só
após, o crime de corrupção ativa se configurar. Ele se
materializa desde o momento em que houve a oferta de
vantagem indevida para determiná-lo a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício.
Isso serve para demonstrar que o crime de corrupção
(passiva ou ativa) independe da efetiva prática de ato de ofício.
A lei penal brasileira, tal como literalmente articulada, não
exige tal elemento para fins de caracterização da corrupção.
Em verdade, a efetiva prática de ato de ofício configura
circunstância acidental na materialização do referido ilícito,
Ação Penal 470 Plenário
60
podendo até mesmo contribuir para sua apuração, mas
irrelevante para sua configuração.
Um exame cuidadoso da legislação criminal brasileira
revela que o ato de ofício representa, no tipo penal da
corrupção, apenas o móvel daquele que oferece a peita, a
finalidade que o anima. Em outros termos, é a prática possível
e eventual de ato de ofício que explica a solicitação de
vantagem indevida (por parte do agente estatal) ou o seu
oferecimento (por parte de terceiro).
E mais: não é necessário que o ato de ofício pretendido
seja, desde logo, certo, preciso e determinado. O
comportamento reprimido pela norma penal é a pretensão
de influência indevida no exercício das funções públicas,
traduzida no direcionamento do seu desempenho,
comprometendo a isenção e imparcialidade que devem
presidir o regime republicano.
Não por outro motivo a legislação, ao construir
linguisticamente os aludidos tipos de injusto, valeu-se da
expressão “em razão dela”, no art. 317 do Código Penal, e
da preposição “para” no art. 330 do Código Penal. Trata-se
Ação Penal 470 Plenário
61
de construções linguísticas com campo semântico bem
delimitado, ligado às noções de explicação, causa ou
finalidade, de modo a revelar que o ato de ofício, enquanto
manifestação de potestade estatal, existe na corrupção em
estado potencial, i.e., como razão bastante para justificar a
vantagem indevida, mas sendo dispensável para a
consumação do crime.
Voltando ao exemplo já mencionado, pode-se dizer
que é a titularidade de função pública pelo policial que
explica a solicitação abusiva por ele realizada ao motorista
infrator. Não fosse o seu poder de aplicar multa (ato de
ofício), dificilmente sua solicitação seria recebida com
alguma seriedade pelo destinatário. Da mesma forma, é a
simples possibilidade de deixar de sofrer a multa (ato de
ofício) que explica por que o motorista infrator se dirigiu ao
policial e não a qualquer outro sujeito. Em ambos os casos,
o ato de ofício funciona como elemento atrativo ou
justificador da vantagem indevida, mas jamais pressuposto
para a configuração da conduta típica de corrupção.
Não se pode perder de mira que a corrupção passiva é
modalidade de crime formal, assim compreendidos
Ação Penal 470 Plenário
62
aqueles delitos que prescindem de resultado naturalístico
para sua consumação, ainda que possam, eventualmente,
provocar modificação no mundo exterior, como mero
exaurimento da conduta criminosa. O ato de ofício, no
crime de corrupção passiva, é mero exaurimento do ilícito,
cuja materialização exsurge perfeita e acaba com a simples
conduta descrita no tipo de injusto.
Em síntese: o crime de corrupção passiva configura-se
com a simples solicitação ou o mero recebimento de
vantagem indevida (ou de sua promessa), por agente
público, em razão das suas funções, ou seja, pela simples
possibilidade de que o recebimento da propina venha a
influir na prática de ato de ofício. Já o crime de corrupção
ativa caracteriza-se com o simples oferecimento de
vantagem indevida (ou de sua promessa) a agente público
com o intuito de que este pratique, omita ou retarde ato de
ofício que deva realizar. Em nenhum caso a materialização
do ato de ofício integra a estrutura do tipo de injusto.
Antes que se passe à análise das particularidades do
caso sub examine, mister enfrentar uma construção muitas
vezes brandida da tribuna que, não fosse analisada com
Ação Penal 470 Plenário
63
cautela, poderia confundir o cidadão e embaraçar a correta
compreensão do ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se
do argumento – improcedente, já adianto – de que, fosse o
ato de ofício dispensável no crime de corrupção passiva, os
Ministros do Supremo Tribunal Federal seriam todos
criminosos por receberem com alguma frequência livros e
periódicos de editoras e autores do meio jurídico. Noutras
palavras, a configuração do crime de corrupção passiva, tal
como articulado por alguns advogados, dependeria da
demonstração da ocorrência de um certo e determinado ato
de ofício pelo titular do munus público.
A estrutura do raciocínio é típica dos argumentos ad
absurdum, amplamente conhecidos e estudados pela lógica
formal. Assume-se como verdadeira determinada premissa
e dela se extraem consequências absurdas ou ridículas, o
que sugere que a premissa inicial deva estar equivocada.
Ocorre que, in casu, a reductio ad absurdum não tem o
condão de infirmar a conclusão quanto à desnecessidade de
efetiva prática de ato de ofício para configuração do crime
de corrupção passiva.
Ação Penal 470 Plenário
64
Com efeito, a dispensa da efetiva prática de ato de
ofício não significa que este seja irrelevante para a
configuração do crime de corrupção passiva. Consoante
consignado linhas atrás, o ato de ofício representa, no tipo
penal da corrupção, o móvel do criminoso, a finalidade que o
anima. Daí que, em verdade, o ato de ofício não precisa se
concretizar na realidade sensorial para que o crime de
corrupção ocorra. É necessário, porém, que exista em
potência, como futuro resultado prático pretendido, em
comum, pelos sujeitos envolvidos (corruptor e corrupto). O
corruptor deseja influenciar, em seu próprio favor ou em
benefício de outrem. O corrupto “vende” o ato em resposta
à vantagem indevidamente recebida. Se o ato de ofício
“vendido” foi praticado pouco importa. O crime de
corrupção consuma-se com o mero tráfico da coisa pública.
Nesse cenário, é indispensável, para caracterizar a
corrupção passiva, que o agente público, ao receber a
vantagem indevida, saiba para que ele está recebendo (para
praticar certo e específico ato de ofício). Os Ministros desta
Casa recebem livros que nunca solicitaram e de que muitas
vezes nunca ouviram falar. Do recebimento do livro não se
Ação Penal 470 Plenário
65
pode esperar que haja qualquer comportamento ou
favorecimento. Pelo contrário, é possível que o livro seja
utilizado justamente em sentido contrário àquele
pretendido, como forma de rebater as ideias nele lançadas,
apontando divergência de entendimentos.
Daí o engano da tese suscitada pela defesa. Os
Ministros do Supremo Tribunal Federal não cometem
qualquer crime simplesmente porque não mercanciam sua
função pública em troca de livros e periódicos jurídicos. De
fato, tais bens não tem o condão de influenciar o exercício
da prestação jurisdicional em qualquer sentido. Em outras
palavras, falta, na comparação esdrúxula sugerida da
tribuna, um ajuste mínimo de vontade entre o agente
público e a editora/autor do livro no sentido de influenciar,
de alguma maneira, o exercício da função pública.
Ressalte-se, ademais, que é totalmente despropositada
a comparação entre vultosos valores em pecúnia e alguns
poucos exemplares de livros. Se os réus da presente ação
penal tivessem recebido livros e periódicos jurídicos talvez
não estivessem figurando no polo passivo deste feito. A
práxis demonstra que é o dinheiro – e não os livros – que
Ação Penal 470 Plenário
66
são usados para “comprar” agentes públicos, subvertendo
os valores republicanos da nação brasileira.
Por fim, não se pode deixar de conceder que, embora
contra-intuitivo, o crime de corrupção passiva pode, sim, se
configurar a partir da entrega de livros ao agente público,
desde que demonstrado, por indícios robustos, que a
concessão do material foi motivada pela obtenção de algum
favorecimento no exercício da função pública.
PECULATO
A tutela jurídica da moralidade e da probidade
administrativas também se reflete na legislação
infraconstitucional pela tipificação do peculato como ilícito
criminal. Consoante o magistério de Damásio de Jesus, a
aludida figura típica consubstancia “modalidade especial de
apropriação indébita cometida por funcionário público ratione
officii. É o delito do sujeito que arbitrariamente faz sua ou desvia,
em proveito próprio ou de terceiro, a coisa móvel que possui
em razão do cargo, seja ela pertencente ao Estado ou a particular,
ou esteja sob sua guarda ou vigilância”. (JESUS, Damásio E.
de., Direito Penal, v.4. Parte especial: Dos crimes contra a
Ação Penal 470 Plenário
67
administração pública, 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 119-
122).
O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é
a confiança pública no escorreito e impessoal desempenho
das funções estatais, justificando a apenação daqueles que,
subvertendo essas finalidades, desviem ou apropriem-se de
dinheiro, valor ou qualquer bem cuja posse lhes tenha sido
atribuída em razão do exercício de munus público. Nesse
sentido, “sendo o crime de peculato um crime contra a
Administração Pública e não contra o patrimônio, o dano
necessário e suficiente para a sua consumação é o inerente à
violação do dever de fidelidade para a mesma administração,
associado ou não ao patrimonial” (MIRABETE, Júlio Fabbrini,
Código penal interpretado, 6. ed. - São Paulo: Atlas, 2007, p.
2372).
O caput do artigo 312 do Código Penal brasileiro
criminaliza a conduta caracterizadora do peculato próprio,
que pode assumir duas distintas modalidades, quais sejam,
peculato-apropriação (1ª parte do dispositivo) e o peculato-
desvio (2ª parte do dispositivo).
Ação Penal 470 Plenário
68
O peculato-apropriação configura-se quando o
funcionário público apropria-se de dinheiro, valor ou
qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que
tem a posse em razão do cargo. O núcleo da conduta típica
é a apropriação indevida do bem possuído ratione officii.
Apropriação, por seu turno, significa assenhoramento, de
sorte que o agente público age como se o bem fosse seu,
retendo-o, consumindo-o ou dele dispondo.
O peculato-desvio, por seu turno, caracteriza-se
quando o agente estatal imprime à coisa destinação
diversa da exigida ou esperada, em proveito próprio ou
de outrem. O proveito a que se refere a lei tanto pode ser
material como moral, auferindo o agente qualquer
vantagem ainda que não de natureza econômica. Note-se
que, nesta hipótese, o núcleo da conduta típica é o desvio
de finalidade no emprego da coisa, cuja destinação in
concreto passa a diferir daquela para a qual foi confiada, em
proveito do próprio agente do Estado ou de terceiro.
Em ambas as hipóteses, é relevante destacar que o
dinheiro, a coisa ou o bem apropriado ou desviado não
precisa ser público para que o crime de peculato se
Ação Penal 470 Plenário
69
configure. Em verdade, o relato normativo é de clareza
meridiana ao reportar-se a “dinheiro, valor ou qualquer outro
bem móvel, público ou particular” (sem grifos no original). O
que figura indispensável é que o objeto tenha sido confiado
ao agente público em razão da sua qualidade. Daí por que a
caracterização do delito independe da natureza do bem, se
pública ou privada, bastando que se comprove que o agente
o possuía em razão das suas funções.
É nesse exato sentido a remansosa jurisprudência
desta Corte, cujos acórdãos, há pelo menos três décadas, já
registram a desnecessidade da natureza pública do bem
para a configuração do crime de peculato:
EMENTA. Penal. Peculato. Dinheiro
apreendido e, em seguida, apropriado por
agentes policiais, no exercício da função.
Delito configurado, já que, para a
realização do tipo do art. 312, caput, basta a
posse da coisa em razão do cargo, ainda que
a sua propriedade seja de particular. (HC nº
56.430-SP, rel. Min. Décio Miranda, Segunda
Ação Penal 470 Plenário
70
Turma, DJ de 07.11.1978, p. 8824 – sem grifos
no original).
EMENTA. Peculato. Configuração.
Irrelevância de serem particulares os bens
apropriados ou desviados, desnecessidade
de previa prestação de contas. Habeas
corpus denegado. (HC nº 56.998, rel. Min.
Xavier de Albuquerque, Primeira Turma, DJ
de 08.06.1979, p. 115 – sem grifos no
original).
As palavras pedagógicas do i. Min. Xavier de
Albuquerque merecem transcrição, in verbis:
“No peculato, a lesão patrimonial se
configura ainda quando a coisa apropriada,
ou desviada, pertença ao patrimônio
particular, como na hipótese destes autos. É
o que diz o art. 312 caput quando se refere a
‘valor ou qualquer outro bem móvel, público
ou particular’ ... (Grifamos). O que importa é
que a apropriação ou o desvio tenha por
Ação Penal 470 Plenário
71
objeto bens possuídos ‘em razão do cargo’.
E, no caso, isso igualmente se deu”.
Outra conclusão relevante para a presente causa é a
de que o crime de peculato se configura ainda que o
desvio de finalidade ocorra de forma escamoteada ou
disfarçada. É o que se dá quando o agente público emprega
dinheiro, bens ou valores sob sua posse com a justificativa
formal de satisfazer necessidade de interesse público, sendo
que, sob o ângulo material, acabam por satisfazer interesse
particular, próprio ou de terceiro.
Comprovado o desvio em proveito próprio,
configurado estará o crime de peculato. Daí se concluir que
a forma pode, em um primeiro momento, camuflar a
realidade, mascarando o desvio da finalidade subjacente
ao emprego de dinheiro, bens ou valores cuja posse tenha
sido confiada a agentes estatais.
Aliás, uma análise mais detida da legislação penal
brasileira revela que dificilmente o peculato-desvio
caracteriza-se de plano, pelo emprego direto e imediato de
recursos sob custódia estatal em proveito particular,
Ação Penal 470 Plenário
72
próprio ou de terceiros. Caso isso ocorra, configura-se o
peculato-apropriação.
Em verdade, no peculato-desvio comumente nota-se
uma aparência de regularidade, traduzida na pretensa
realização do interesse público, seguida da sua efetiva e
concreta subversão, representada pelo desvio em proveito
particular, próprio ou de terceiro. Mister, portanto,
aprofundar a análise e perquirir sobre a real e efetiva
utilidade proporcionada pelos recursos utilizados pelo
funcionário público. Só após é que se pode afirmar a
configuração ou não do crime de peculato, aí entendido na
sua modalidade desvio.
Estabelecidas essas premissas teóricas, procedo à
análise das imputações feitas aos agentes.
Ação Penal 470 Plenário
73
DAS IMPUTAÇÕES
III.1 – CÂMARA DOS DEPUTADOS
JOÃO PAULO CUNHA (15º DENUNCIADO)
Da imputação de corrupção passiva (art. 317 c/c art. 327, §
2º, CP)
O acervo probatório afiança a tese ministerial, no
sentido de que o 15º denunciado (João Paulo Cunha),
exercendo o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados,
recebeu vantagem indevida na data de 4 de setembro de
2003, qual seja, o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),
como peita para beneficiar a empresa SMP&B Comunicação
em licitação pública (concorrência nº 11/03 da Câmara dos
Deputados, contrato nº 2003/204.0).
O recebimento da quantia, por intermédio de sua
esposa, foi confessado pelo próprio acusado, em seu
interrogatório (fls. 14.335).
Ação Penal 470 Plenário
74
Em oportunidades anteriores, o 15º denunciado (João
Paulo Cunha) havia negado o recebimento de qualquer
quantia, alegando que sua esposa comparecera ao Banco
Rural para tratar de pendências referentes a cobrança de
empresa de televisão por assinatura (informações prestadas
ao Conselho de Ética, fls. 10.697 do volume nº 50).
Entretanto, após a busca e apreensão de documentos que
evidenciaram o recebimento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil
reais) pela Sra. Márcia Regina Milanésio Cunha, passou o
15º denunciado (João Paulo Cunha) a sustentar que a verba
sacada fora enviada pelo 3º denunciado, com vistas ao
custeio de despesas da campanha da agremiação política a
que pertence à prefeitura de Osasco/SP. A divergência entre
as versões milita em favor da versão acusatória,
corroborada pelos demais elementos dos autos.
A fls. 325 do Apenso 07 consta o recibo assinado por
Márcia Regina Milanésio Cunha, referente ao saque de
cheque da empresa SMP&B.
A relação existente entre os réus envolvidos no
episódio foi explicitada pelo Ministro Relator e pelas provas
produzidas.
Ação Penal 470 Plenário
75
A testemunha Virgílio Guimarães confirmou, a fls.
20.085 e segs., as suas declarações de fls. 8.588 e segs.,
oportunidade em que relatou ter apresentado o 5º
denunciado (Marcos Valério) ao 15º denunciado (João Paulo
Cunha), bem como que o 5º denunciado (Marcos Valério)
participou, em 2002, da programação visual da propaganda
da campanha do 15º denunciado (João Paulo Cunha) à
Presidência da Câmara dos Deputados. O 15º denunciado
(João Paulo Cunha), no seu interrogatório de fls. 15.435,
noticiou a realização de reunião em hotel de São Paulo, na
qual estiveram presentes, além dele próprio, o 5º
denunciado (Marcos Valério), o 4º denunciado (Silvio
Pereira) e o Sr. Luís Costa Pinto. Disse também que, já como
Presidente da Câmara dos Deputados, participou de várias
reuniões com o 5º denunciado (Marcos Valério).
A especial intimidade verificada entre o 5º
denunciado (Marcos Valério) e o 15º denunciado (João
Paulo Cunha) resultou notória do episódio em que o
primeiro presenteou o segundo com uma caneta mont blanc,
bem como da oportunidade em que custeou uma viagem de
sua secretária ao Rio de Janeiro, incluindo passagens aéreas
Ação Penal 470 Plenário
76
e hospedagem. Os fatos foram confirmados pelo 5º
denunciado (Marcos Valério), em seu interrogatório de fls.
16.363, pela secretária do 15º denunciado (João Paulo
Cunha) (fls. 6.009/6.010) e pelo próprio 15º denunciado
(João Paulo Cunha) no interrogatório de fls. 14.337.
A conexão entre o recebimento da vantagem indevida
e a interferência na função pública exercida pelo 15º
denunciado (João Paulo Cunha) exsurge evidente.
Em primeiro lugar, constata-se que o montante foi
recebido ilicitamente na data de 4 de setembro de 2003,
enquanto que o edital da aludida concorrência foi
publicado 12 (doze) dias depois, data peculiarmente
próxima. Além disso, no dia 3 de setembro de 2003, véspera
do recebimento dos valores, houve uma reunião entre o 15º
denunciado (João Paulo Cunha) e o 5º denunciado (Marcos
Valério) na residência oficial da Câmara dos Deputados,
conforme assumido pelo próprio 15º denunciado (João
Paulo Cunha), em seu interrogatório de fls. 15.432. Não
fosse o bastante, conforme argutamente apontado pelo
Ministro Relator, na data de 12 de setembro de 2003, três
dias antes da assinatura do Edital de Concorrência nº
Ação Penal 470 Plenário
77
11/2003, a empresa Graffiti, do grupo econômico do 5º
denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz), obteve um
empréstimo de R$ 9.975.400,00 (nove milhões, novecentos e
setenta e cinco mil e quatrocentos reais), posteriormente
repassado à agremiação partidária a que pertence o 15º
denunciado (João Paulo Cunha), em uma sucessão de
acontecimentos, minudentemente explicitados pelo Relator,
que não se pode atribuir ao mero acaso.
Documentos comprovaram, também, uma reunião
entre o 15º denunciado (João Paulo Cunha), o 5º
denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado (Cristiano
Paz), na data de 16 de julho de 2003 (fls. 1.074). Essa reunião
precedeu em apenas alguns dias o ato da Presidência da
Câmara dos Deputados, assinado pelo 15º denunciado (João
Paulo Cunha) em 08 de agosto do mesmo ano, que deu
início ao procedimento licitatório.
O 15º denunciado (João Paulo Cunha) confirmou em
seu interrogatório (fls. 14.334) que, como Presidente da
Câmara dos Deputados, assinou o ato de nomeação da
Comissão Especial de licitação, responsável pela
Ação Penal 470 Plenário
78
contratação da SMP&B Comunicação. Desse modo, resta
afastado o argumento da defesa, no sentido de que o
acusado não teria poderes para interferir no certame
licitatório.
Cumpre referir que o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) foi apresentado, na antessala do Gabinete do
15º denunciado (João Paulo Cunha), ao Diretor da
Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados, Sr.
Márcio Marques de Araújo, aproximadamente em abril de
2003, de acordo com as declarações deste último (fls.
40.810). Márcio Marques de Araújo foi nomeado para o
cargo em fevereiro de 2003, justamente pelo 15º denunciado
(João Paulo Cunha), e posteriormente integrou a comissão
responsável pelo contrato administrativo ora questionado.
Outro dado que descredita as alegações defensivas
reside na circunstância de que a empresa SMP&B já havia
participado de licitação anterior para contratação com a
Câmara dos Deputados, oportunidade em que obteve
apenas o último lugar, tendo sido desclassificada por não
alcançar a nota mínima na avaliação técnica (fls. 568 e segs.
do volume nº 3 do apenso nº 84).
Ação Penal 470 Plenário
79
Conclui-se, assim, que o 15º denunciado (João Paulo
Cunha) recebeu vantagem indevida em razão das funções
exercidas na Presidência da Câmara dos Deputados.
O 15º denunciado (João Paulo Cunha) deduziu, em
sua defesa, que o valor recebido foi destinado ao custeio de
pesquisas eleitorais em Osasco/SP. A afirmação não infirma
a configuração do delito. A uma, porque o praeceptum iuris
do art. 317 do Código Penal contém o elemento subjetivo
especial do tipo “para si ou para outrem”, de modo que o
valor ilicitamente auferido pode também ser revertido para
destinações outras que não a imediata composição do
acervo econômico do agente, sem que com isso se desnature
a figura da corrupção passiva. A duas, porque, fosse o caso
de quantia pertencente ao Partido dos Trabalhadores e
licitamente revertida às suas atividades políticas, deveria
ter sido obtida e empregada nos estritos termos da
legislação eleitoral em vigor. De acordo com o art. 26, II, da
Lei nº 9.504/97, “São considerados gastos eleitorais, sujeitos a
registro e aos limites fixados nesta Lei: propaganda e publicidade
direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação, destinada a
conquistar votos”. Não observada a legislação pertinente,
Ação Penal 470 Plenário
80
considera-se que a vantagem percebida pelo agente é
indevida, configurando-se o delito do art. 317, caput, do
Código Penal.
Da imputação de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII,
Lei nº 9.613/98)
Também há provas da autoria e da materialidade do
delito de lavagem de dinheiro, consistente na utilização da
estrutura ilícita de pagamentos por meio do Banco Rural
para o recebimento dos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)
configuradores da corrupção passiva. A esposa do 15º
denunciado (João Paulo Cunha) compareceu à agência do
Banco Rural no Shopping Brasília e recebeu a quantia em
espécie, conforme admitido pelo próprio acusado em juízo
(fls. 14.335).
Malgrado tenha refutado a origem ilícita dos
recursos, a versão apresentada pelo réu está em dissonância
com as provas dos autos, na medida em que o cheque
sacado estava em nome da SMP&B Propaganda e o
dinheiro foi recebido por interposta pessoa, em espécie. O
recibo assinado pela Sra. Márcia Regina Milanésio Cunha
Ação Penal 470 Plenário
81
consta a fls. 325 do Apenso nº 07. O registro dos dados da
esposa do 15º denunciado (João Paulo Cunha) foi realizado
informalmente, não tendo sido repassado aos órgãos
públicos de controle pertinentes. Todos os dados foram
obtidos coercitivamente, mediante cumprimento de
mandado de busca e apreensão.
Não é óbice ao reconhecimento da configuração do
crime da lavagem de dinheiro o fato de ter o 15º
denunciado (João Paulo Cunha) também praticado o crime
antecedente, de corrupção passiva. Os tipos penais são
independentes e tutelam bens jurídicos distintos, não
havendo consunção de um pelo outro.
O crime do art. 317 do Código Penal tutela a
moralidade administrativa, consumando-se com o
recebimento, solicitação ou aceitação de promessa de
vantagem indevida, pelo funcionário público, para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da
função ou antes de assumi-la, mas em razão dela. Por sua
vez, o delito previsto no art. 1º da Lei nº 9.613/98 protege a
administração da justiça – sendo certo que a lavagem de
bens, direitos ou valores, dificulta a aplicação da lei penal,
Ação Penal 470 Plenário
82
por escamotear a materialidade do crime ou a sua autoria –
e a ordem econômica – reduzindo a confiança de
investidores no mercado financeiro e gerando a
concorrência desleal. Por isso, há incidência conjunta de
ambos os tipos penais, em concurso material.
No mesmo sentido, o Plenário desta Corte já teve a
oportunidade de decidir: “Não sendo considerada a lavagem de
capitais mero exaurimento do crime de corrupção passiva, é
possível que dois dos acusados respondam por ambos os crimes,
inclusive em ações penais diversas” (Inq nº 2.471, Relator: Min.
Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em
29/09/2011).
O recebimento dos valores por interposta pessoa é
suficiente para mascarar a origem, a localização e a
disposição do capital, pois, consoante a jurisprudência da
Casa, “o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação,
visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de
requintada "engenharia financeira" transnacional, com os quais
se ocupa a literatura” (RHC nº 80.816, Relator: Min.
Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em
18/06/2001, DJ 18-06-2001).
Ação Penal 470 Plenário
83
Alega o 15º denunciado (João Paulo Cunha), em sua
defesa, que a retirada do montante disponibilizado pela
estrutura de lavagem de dinheiro criada através do Banco
Rural não configuraria crime, na medida em que, conforme
alega, os valores já estariam lavados. A afirmativa não
procede.
A uma, porque a retirada do dinheiro por interposta
pessoa constitui, por si só, mecanismo destinado à
dissimulação da propriedade e da natureza dos valores
provenientes de crime. Vale dizer: o fato de a Sra. Márcia
Regina Milanésio Cunha ser jornalista, conjugado com a
sua identificação no recibo de fls. 325 do Apenso 07, foi
precisamente o artifício para a dissimulação da origem e
da natureza dos valores, fazendo parecer um normal
recebimento de verbas pagas por uma empresa de
publicidade a uma pessoa do ramo.
Nada obstante, sequer o registro do sacador foi
realizado de forma regular. A sistemática empreendida
pelos agentes formalizava a operação como se o sacador
fosse o próprio emitente do cheque. A adesão do agente a
semelhante sistemática, promovendo a retirada de elevada
Ação Penal 470 Plenário
84
quantia em espécie para burlar a fiscalização dos órgãos de
controle, atrai a incidência do delito de lavagem de
dinheiro.
Resulta dos elementos reunidos ao longo do processo
que o acusado dirigiu sua conduta finalisticamente à
dissimulação da origem dos valores provenientes dos
crimes de peculato e gestão fraudulenta, cometidos por
meio de uma organização criminosa (quadrilha),
configurando o tipo penal previsto no art. 1º, incisos V, VI e
VII, da Lei nº 9.613/98, verbis:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza,
origem, localização, disposição, movimentação
ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
V - contra a Administração Pública, inclusive a
exigência, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, de qualquer vantagem, como
condição ou preço para a prática ou omissão de
atos administrativos;
VI - contra o sistema financeiro nacional;
Ação Penal 470 Plenário
85
VII - praticado por organização criminosa.
Das imputações de peculato (art. 312 c/c art. 327, § 2º, CP,
duas vezes)
A exposição exauriente do voto do Relator legou
prova inequívoca da configuração do delito de peculato
desvio, por duas vezes, com a majorante em razão de o
agente tê-lo praticado no exercício de cargo de direção na
Administração.
O 15º denunciado (João Paulo Cunha) desviou em seu
proveito o valor de R$ 252.000,00 (duzentos e cinquenta e
dois mil reais), pertencente à Câmara dos Deputados, no
bojo da execução do contrato nº 2004/204.0, estabelecido
com a SMP&B Comunicação. Os valores dizem respeito à
contratação da empresa IFT Consultoria em Comunicação
& Estratégias, de propriedade de Luís Costa Pinto, em
30/01/2004 e em 30/06/2004. Em ambas as ocasiões, a
contratação foi autorizada pelo 15º denunciado (João Paulo
Cunha), no âmbito do contrato administrativo mantido com
a empresa SMP&B.
Ação Penal 470 Plenário
86
O Laudo de nº 1947/2009-INC dá conta de que a
subcontratação da empresa IFT Consultoria em
Comunicação & Estratégias foi irregular, na medida em que
as duas outras concorrentes no processo seletivo sequer
assinaram as propostas. Além disso, o mesmo laudo
comprova que a IFT Consultoria em Comunicação &
Estratégias não prestou os serviços para os quais foi
contratada, conclusão a que também chegou a Secretaria de
Controle Interno da Câmara dos Deputados, após
realização de auditoria (fls. 40.841 e segs.).
Não ilide essa conclusão o fato de que as notas fiscais
apresentadas pela IFT Consultoria em Comunicação &
Estratégias receberam o “atesto”, na medida em que metade
delas foi subscrita pelo Diretor da Secretaria de
Comunicação da Câmara dos Deputados, Sr. Márcio
Marques de Araújo, e o restante por subordinados a ele (cf.
Laudo de nº 1947/2009-INC). A fls. 40.809, Márcio Marques
de Araújo relata que foi nomeado em fevereiro de 2003 pelo
15º denunciado (João Paulo Cunha) para o cargo de Diretor
da Secretaria de Comunicação; no exercício deste cargo,
integrou a comissão de licitação e, na fase contratual,
Ação Penal 470 Plenário
87
requisitou a realização dos serviços, atestou o seu
respectivo cumprimento, bem como fiscalizou a gestão do
contrato.
Em verdade, como se depreende das provas
produzidas, a subcontratação do serviço teve o intuito de
permitir que Luís Costa Pinto, que realizou a assessoria de
imprensa da campanha do 15º denunciado (João Paulo
Cunha) para o cargo de Presidente da Câmara, continuasse
a prestar o mesmo trabalho em favor do acusado, agora
com custeio pela Câmara dos Deputados. O intuito
subjacente restou claro no interrogatório do 15º denunciado
(João Paulo Cunha) (fls. 14.338), que admitiu que o Sr. Luís
Costa Pinto participou consigo de reuniões para tratar das
eleições municipais de 2004.
A prova oral consistente na testemunha Flávio Elias
Pinto, servidor da Secretaria de Comunicação da Câmara
dos Deputados que integrou a comissão de licitação,
afirmou que Luís Costa Pinto “era um assessor de imprensa do
presidente, um assessor de comunicação social do
presidente” (fls. 42.215), evidenciando que a contratação
Ação Penal 470 Plenário
88
teve por objetivo único a prestação de serviços de cariz
pessoal ao 15º denunciado (João Paulo Cunha).
Conforme destacado pelo Ministro Relator, a
primeira contratação da empresa IFT, de propriedade do sr.
Luís Costa Pinto, ocorreu já na gestão do 15º denunciado
(João Paulo Cunha) na Presidência da Câmara dos
Deputados, no âmbito do contrato publicitário com a
agência Denison Brasil Ltda., e não na gestão anterior, como
sustentado pela defesa. Outro dado relevante é o de que a
DNA Propaganda, de propriedade do 5º denunciado
(Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e
do 7º denunciado (Cristiano Paz), havia custeado, em época
anterior à subcontratação ora questionada, os serviços
prestados por Luís Costa Pinto ao 15º denunciado (João
Paulo Cunha). Em suas declarações de fls. 42.331, Luís
Costa Pinto relatou ter participado de reuniões com o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) e com o 7º denunciado
(Cristiano Paz).
Desse modo, restou caracterizado o delito do art. 312,
caput, do Código Penal, na sua modalidade “desvio”,
considerando o valor pago à IFT por serviços prestados
Ação Penal 470 Plenário
89
para atender a interesses particulares do 15º denunciado
(João Paulo Cunha), que atingiu a quantia de R$ 252.000,00
(duzentos e cinquenta e dois mil reais).
Quanto ao segundo peculato, configurou-se com o
desvio de montante relacionado ao contrato estabelecido
entre a Câmara dos Deputados e a SMP&B Comunicação
(nº 2003204.0). Houve indevida subcontratação da
execução integral do objeto contratual pela SMP&B
Comunicação, que auferiu a remuneração por uma
atividade não prestada.
A prova da materialidade do crime encontra-se no
Laudo de nº 1947/2009-INC, no qual se conclui que “a
participação percentual da SMP&B na prestação de serviços de
criação ou de produção em relação às peças de publicidade e
propaganda foi ínfima”. A conclusão está em consonância
com o relatório de auditoria da 3ª Secretaria de Controle
Externo do Tribunal de Contas da União (fls. 22 do volume
nº 01 do apenso nº 84) e com o parecer da Secretaria de
Controle Interno da Câmara dos Deputados (fls. 40.826-
verso).
Ação Penal 470 Plenário
90
A autoria é evidenciada pelos documentos de fls.
37.461/37.523, nos quais consta que o 15º denunciado (João
Paulo Cunha) autorizou as subcontratações. A prova oral
restou uníssona, inclusive o depoimento de Márcio
Marques de Araújo, Diretor da Secretaria de Comunicação
à época, no sentido de que os processos de contratação
eram encaminhados ao Presidente da Câmara dos
Deputados para aprovação, e que a Presidência tinha
consciência do objeto subcontratado pela empresa SMP&B
(fls. 40.811). Deveras, os gastos da Câmara dos Deputados
com a execução do contrato com a SMP&B foram
drasticamente reduzidos após o término do mandato do 15º
denunciado (João Paulo Cunha), revelando que o indevido
dispêndio de dinheiro público resultou de suas
irregulares determinações.
O voto do Relator indicou, com minudências, todas as
autorizações concedidas pelo 15º denunciado (João Paulo
Cunha) e as comissões percebidas pela empresa do 5º
denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz) –
merecendo relevante destaque o fato de que houve, certa
Ação Penal 470 Plenário
91
feita, falsificação da assinatura de proposta de suposta
concorrente consultada para a cotação de preços necessária
à subcontratação; em outras diversas ocasiões, a empresa
SMP&B recebeu honorários sobre campanhas
desenvolvidas por servidores públicos, eventos delituosos
que, somados aos demais, de acordo com o Laudo nº
1947/2009-INC, geraram o desvio do valor de R$
1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete mil, oitocentos e
cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos).
A adequação típica é perfeita, em vista dos termos do
art. 312 do CPC, in fine, verbis: “Apropriar-se o funcionário
público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público
ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo,
em proveito próprio ou alheio”. O denunciado, com efeito,
detinha o poder de dispor dos valores desviados através da
contratação irregular, em função do exercício do cargo de
Presidente da Câmara dos Deputados.
A argumentação da defesa, no sentido de que o
Tribunal de Contas emitiu parecer pela regularidade do
contrato firmado entre a Câmara dos Deputados e a
SMP&B Comunicação, não procede. É que o aludido
Ação Penal 470 Plenário
92
parecer contrapõe-se à inequívoca prova dos autos,
suplantado que foi pelo laudo pericial produzido. Sob esse
enfoque, forçoso destacar as lições da doutrina gravitadas
em torno do crime de peculato:
“A consumação do peculato está sujeita a
prazos e a tomada de contas?
Não. A tomada de contas constitui um ato
regulamentar que a Administração realiza
quando se torna necessário, não vinculando
a consumação do crime. Desde que
apurado o desfalque, o delito poderá ser
demonstrado por qualquer meio. Os prazos
e a tomada de contas servirão apenas para
melhor demonstrar a prática delituosa, não
condicionando o momento consumativo do
delito.
A aprovação de contas pelo órgão
competente impede a existência do crime?
Não. Caso contrário, a aprovação de contas
constituiria requisito do delito. E a norma
Ação Penal 470 Plenário
93
do art. 312, como vimos, não a contém
como elementar.”
(JESUS, Damásio de. Direito Penal. 4º Vol.
12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 129)
Afiança esta conclusão o art. 21, II, da Lei nº 8.429/92,
que dispõe no sentido de que a aplicação das sanções por
improbidade administrativa independe “da aprovação ou
rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal
ou Conselho de Contas”. Se a rejeição das contas não é
pressuposto sequer da condenação por improbidade
administrativa, também não pode constituir requisito do
tipo penal, reprimenda de gravidade superior. No mesmo
sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
sendo oportuno transcrever os seguintes arestos:
EMENTA: I. Denúncia: cabimento, com
base em elementos de informação colhidos
em auditoria do Tribunal de Contas, sem
que a estes - como também sucede com os
colhidos em inquérito policial - caiba opor,
para esse fim, a inobservância da garantia
Ação Penal 470 Plenário
94
ao contraditório. II. Aprovação de contas e
responsabilidade penal: a aprovação pela
Câmara Municipal de contas de Prefeito
não elide a responsabilidade deste por atos
de gestão. III. Recurso especial: art. 105, III,
c: a ementa do acórdão paradigma pode
servir de demonstração da divergência,
quando nela se expresse inequivocamente a
dissonância acerca da questão federal
objeto do recurso.
(Inq 1070, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em
24/11/2004, DJ 01-07-2005 PP-00006 EMENT
VOL-02198-01 PP-00142 RTJ VOL-00194-02
PP-00445)
EMENTA: - "Habeas corpus". Recurso
ordinário. - Improcedencia das alegações de
inepcia da denuncia e da falta de justa
causa. - Não e o "habeas corpus" o meio
processual idoneo ao exame aprofundado
de prova. - A aprovação de contas pelo
Ação Penal 470 Plenário
95
Tribunal de Contas da União não impede
que o Ministério Público apresente
denuncia, se entender que há, em tese,
crime em ato que integra a prestação de
contas aquele órgão de natureza
administrativa. Recurso ordinário a que se
nega provimento.
(RHC 71670, Relator(a): Min. MOREIRA
ALVES, Primeira Turma, julgado em
11/10/1994, DJ 20-10-1995 PP-35263 EMENT
VOL-01805-02 PP-00406)
Acrescem a tudo quanto foi exposto as informações
veiculadas no processo de cassação do 15º denunciado (João
Paulo Cunha) na Câmara dos Deputados, no sentido de que
normalmente os contratos desta Casa Parlamentar são
executados pelo órgão fiscalizador e pela Diretoria-Geral,
sendo que o contrato objeto da presente análise foi o único
no qual houve um expediente da Secretaria de
Comunicação à Presidência propondo a subcontratação de
empresas ou a realização de serviços diretamente pela
SMP&B Comunicação, seguindo-se um despacho do
Ação Penal 470 Plenário
96
Presidente autorizando a subcontratação ou o serviço e a
despesa correspondente (fls. 10.703/10.704).
Ante o exposto, é imperioso concluir que o 15º
denunciado praticou, por duas vezes, o crime de peculato-
desvio (art. 312, caput, do Código Penal), ambos com a
causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do
Código Penal.
MARCOS VALÉRIO (5º DENUNCIADO)
Da primeira imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
As provas dos autos demonstraram que o acusado,
em conluio com o 6º e o 7º denunciados (Ramon Hollerbach
e Cristiano Paz), para assegurar que a empresa SMP&B
Propaganda, da qual era sócio, fosse beneficiada na
concorrência nº 11/03 da Câmara dos Deputados, contrato
nº 2003/204.0, dentre outras benesses, ofereceu e pagou ao
15º denunciado (João Paulo Cunha) a vantagem indevida
consistente no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),
na data de 4 de setembro de 2003. A fls. 325 do Apenso 07
consta o recibo assinado pela esposa do 15º denunciado
(João Paulo Cunha), constando como sacado do cheque a
Ação Penal 470 Plenário
97
SMPB Propaganda Ltda., de propriedade dos 5º, 6º e 7º
denunciados (Marcos Valério, Ramon Hollerbach e
Cristiano Paz).
O 15º denunciado (João Paulo Cunha), em seu
interrogatório de fls. 14.334 e segs., admitiu conhecer o 5º
denunciado (Marcos Valério) e o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach), bem como noticiou diversas reuniões
realizadas com o 5º denunciado (Marcos Valério), antes e
após assumir o cargo de Presidente da Câmara dos
Deputados.
Reforça a autoria delitiva o interrogatório do 15º
denunciado (João Paulo Cunha), no qual este confirmou
que o 5º denunciado (Marcos Valério) “passou na residência
oficial da Câmara dos Deputados na véspera da retirada dos
cinquenta mil reais” (fls. 15.432).
É oportuno rememorar a estreita relação entre o 5º
denunciado (Marcos Valério) e o 15º denunciado (João
Paulo Cunha), revelada, ad exemplum, com o fato de o
publicitário ter presenteado o segundo com uma caneta
mont blanc, bem como custeado uma viagem de sua
Ação Penal 470 Plenário
98
secretária, incluindo passagens aéreas e hospedagem, ao
Rio de Janeiro. Os fatos foram confirmados pelo 5º
denunciado (Marcos Valério), em seu interrogatório de fls.
16.363, pela secretária do 15º denunciado (João Paulo
Cunha) (fls. 6.009/6.010) e pelo próprio 15º denunciado
(João Paulo Cunha) no interrogatório de fls. 14.337, mercê
da robusta prova especificada no voto do relator, o qual
acolho na íntegra para concluir configurado o delito do art.
333 do Código Penal.
Da imputação de peculato (art. 312 do CP)
A instrução probatória ainda revelou a prática, pelo
5º denunciado, do delito de peculato, na modalidade
“desvio”. Ocorre peculato-desvio quando o funcionário
altera o destino do dinheiro, valor ou outro bem móvel,
público ou particular, de que tem a posse (ou detenção) em
razão do cargo. In casu, houve a contratação da SMP&B
Comunicação, pertencente aos 5º, 6º e 7º denunciados
(Marcus Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz), pela
Câmara dos Deputados, através do Contrato nº 2003204.0.
Todavia, o objeto contratual foi subcontratado na sua quase
totalidade, tendo sido auferido dinheiro público sem a
Ação Penal 470 Plenário
99
necessária contrapartida, configurando-se, com isso, o
desvio.
Malgrado a atividade publicitária possa ser dividida
em produção e criação, tal distinção em nada obsta a
configuração em peculato. É que, através dos custos
internos da Agência de publicidade, é possível constatar
aquilo que efetivamente foi produzido pela contratada e o
que foi terceirizado. Neste sentido, engendro rápido
remissão ao Laudo nº 1947/2009-INC que concluiu
taxativamente que (item 29), verbis:
“28. Dessa forma, os gastos comprovados
com os serviços de criação, além de outros
serviços prestados pela própria SMP&B, (...)
totalizaram R$ 17.091,00 (valor bruto).
Considerando que esse valor se refere ao
ressarcimento de 20% de seus custos
internos, esses totalizaram R$ 85.455,00
(valor dos serviços prestados, observados
como limite máximo desses valores os
previstos na tabela de preço do Sindicato
das Agências de Propaganda do Distrito
Ação Penal 470 Plenário
100
Federal). Os gastos com serviços
terceirizados, excluindo-se as veiculações,
totalizaram R$ 3.687.300,13 sem distinção
entre "criação" e "produção".
29. Assim, o percentual dos serviços
prestados pela própria SMP&B (R$
85.455,00) com relação aos serviços
terceirizados (R$ 3.687.300,13) corresponde
a 2,32%.”
Ante a parcela irrisória de serviços prestados
efetivamente pela empresa do 5º denunciado (Marcos
Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º
denunciado (Cristiano Paz), restou inegavelmente
descumprido o item 9.7 do Edital de Concorrência nº
11/2003, segundo o qual apenas seria lícita a “execução
parcial do objeto desta Concorrência, desde que mantida a
preponderância da atuação da CONTRATADA na execução
do objeto como um todo”.
Nos termos da conclusão dos peritos (Laudo nº
1.947/2009, fls. 34.933-34.940), a SMP&B Comunicação
Ação Penal 470 Plenário
101
recebeu da Câmara dos Deputados a quantia de R$
1.092.479,22 (um milhão, noventa e dois mil, quatrocentos e
setenta e nove reais e vinte e dois centavos), mas a
remuneração líquida pelos serviços diretamente prestados
é de apenas R$ 14.621,41 (quatorze mil, seiscentos e vinte e
um reais e quarenta e um centavos). O montante desviado,
portanto, é de R$ 1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete
mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um
centavos).
Conforme dito alhures, o voto do Relator indicou,
com minudências, todas as autorizações concedidas pelo
15º denunciado (João Paulo Cunha) e as comissões
percebidas pela empresa do 5º denunciado (Marcos
Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º
denunciado (Cristiano Paz), sendo certa a prova de que, em
determinado caso, houve falsificação da assinatura de
proposta de suposta concorrente consultada para a cotação
de preços necessária à subcontratação; e que, em outras
diversas ocasiões, a empresa SMP&B recebeu honorários
sobre campanhas desenvolvidas por servidores públicos.
Ação Penal 470 Plenário
102
A condição de funcionário público, necessária para a
caracterização do crime do art. 312 do Código Penal, é
estendida ao 5º denunciado (Marcos Valério) a partir do 15º
denunciado (João Paulo Cunha), com o qual atuou em
conluio, em razão do art. 30 do mesmo diploma, que
determina a comunicação das condições de caráter pessoal
quando elementares do crime.
RAMON HOLLERBACH (6º DENUNCIADO)
Da imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
Em concurso com o 5º e o 7º denunciados (Marcos
Valério e Cristiano Paz), como indicam os elementos
probatórios produzidos, o 6º acusado (Ramon Hollerbach),
para assegurar que a empresa SMP&B Propaganda, da qual
era sócio, fosse beneficiada na concorrência nº 11/03 da
Câmara dos Deputados, contrato nº 2003/204.0, ofereceu e
pagou ao 15º denunciado (João Paulo Cunha), por
intermédio do 5º denunciado (Marcos Valério), a vantagem
indevida consistente no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta
mil reais), nas condições e sob a forma já mencionadas, com
a intermediação da esposa do parlamentar denunciado, na
Ação Penal 470 Plenário
103
data de 4 de setembro de 2003. A fls. 325 do Apenso 07
consta o recibo assinado pela esposa do 15º denunciado
(João Paulo Cunha), constando como sacado do cheque a
SMPB Propaganda Ltda.
Cumpre referir que o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach), à semelhança dos demais integrantes desse
tópico, foi apresentado, na antessala do Gabinete do 15º
denunciado (João Paulo Cunha), ao Diretor da Secretaria de
Comunicação da Câmara dos Deputados, Sr. Márcio
Marques de Araújo, conforme declarações deste último (fls.
40.810), responsável pelo contrato administrativo ora
questionado.
Em suas alegações finais, a defesa do 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) sustentou a inexistência de elementos
probatórios nos autos conducentes à condenação pleiteada
pelo Parquet federal. Mais que isso, afirmou que a denúncia
limitara-se a descrever genericamente as condutas
praticadas pelo acusado, inexistindo qualquer
individualização de suas ações.
Ação Penal 470 Plenário
104
A tese defensiva, concessa venia, não merece ser
acolhida.
Demarque-se, ab initio, que a caracterização da autoria
do delito prescinde da realização, por parte do agente, de
todos os elementos objetivos do tipo penal. Como é sabido,
não apenas pela prática do verbo nuclear da fattispecie
criminal se verifica a autoria do delito.
O contexto probatório assenta a inequivocidade de
que as condutas praticadas pelo 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) e narradas na exordial acusatória, amoldam-se
ao crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal).
Com efeito, a moderna dogmática jurídico-penal
apregoa que os coautores são aqueles que, possuindo
domínio funcional do fato, desempenham uma
participação importante e necessária ao cometimento do
ilícito penal.
Nas palavras de Claus Roxin, principal artífice desta
teoria do domínio funcional do fato: “se pone de manifiesto
que entre las dos regiones periféricas del dominio de la acción y de
la voluntad, que atienden unilateralmente sólo al hacer exterior o
Ação Penal 470 Plenário
105
al efecto psíquico, se extiende um amplio espacio de actividad
delictiva, dentro del cual el agente no tiene ni otra classe de
dominio y sin embargo cabe plantear su autoria, esto es, los
supuestos de participación activa em la realización del delito em
los que la acción típica la lleva a cabo outro.” (ROXIN, Claus.
Autoría y Dominio del hecho em Derecho Penal. 7ª ed.
Barcelona: Marcial Pons, 2000, p. 305).
Em outras palavras, a atuação do coautor detém uma
função específica na execução do ilícito penal que possui
reflexos para o seu aperfeiçoamento, de sorte que a não
colaboração compromete o êxito do ilícito. Como bem
observa Johannes Wessels, “todo colaborador é aqui,
como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da
resolução comum para o fato e da realização comunitária
do tipo, de forma que as contribuições individuais
completam-se em um todo unitário e o resultado total
deve ser imputado a todos os participantes” (WESSELS,
Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, p. 121).
No mesmo sentido o magistério do Professor Titular
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Batista,
Ação Penal 470 Plenário
106
quando preleciona que o domínio funcional do fato seria
aquele que “não se subordina à execução pessoal da conduta
típica ou de fragmento desta, tampouco deve ser pesquisado na
linha de uma divisão aritmética de um domínio “integral” do fato,
do qual tocaria a cada coautor certa fração. Considerando-se o fato
concreto, tal como se desenrola, o co-autor tem reais interferências
sobre o seu Se e o seu Como; apenas, face à operacional fixação de
papéis, não é o único a tê-las, a finalisticamente conduzir o
sucesso.” (BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. Uma
investigação sobre os problemas da Autoria e da
Participação no Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro:
Liber, 1979. p. 77. Grifo nosso).
É exatamente o critério do domínio funcional do fato
que demarca a fronteira entre a coautoria e a participação: na
coautoria, a natureza da contribuição deve ser de tal sorte
relevante que, sem ela, o fato punível não poderia ter sido
realizado. (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José
Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. vol
1. 7ª ed. São Paulo: RT, 2007. P. 577). Disso se depreende
que, ínsitas a esta modalidade de coautoria, encontram-se a
Ação Penal 470 Plenário
107
divisão de tarefas e a distribuição funcional dos papéis para
a consecução de um fato típico específico.
À luz da teoria da coautoria funcional, pode-se
considerar como autor do crime mesmo aquele que não
realizou diretamente qualquer dos elementos objetivos do
tipo. Revela-se suficiente, para fins de imputação, que a
conduta atribuída ao agente na divisão prévia de tarefas
contribua de forma determinante para o sucesso da
empreitada criminosa. Assim, não se exige do coautor
funcional a prática da conduta descrita no núcleo do tipo
penal, mas tão somente que a fração do ato executório por
ele praticada seja indispensável, diante das singularidades do
tipo penal e do caso concreto, para a consecução do
resultado delituoso.
No caso específico, a parcela de contribuição
atribuída ao 6º denunciado (Ramon Hollerbach) para o
êxito das pretensões criminosas do grupo, revelou-se
imprescindível à consumação do crime de corrupção passiva.
Senão vejamos.
Ação Penal 470 Plenário
108
Como visto, as relações entre o 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) e o 15º denunciado (João Paulo Cunha)
se estreitaram quando a SMP&B Propaganda, empresa em
que aquele acusado figurava como sócio – os demais eram o
5º denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado
(Cristiano Paz) –, foi contratada para realizar a campanha
do 15º denunciado (João Paulo Cunha) à Presidência da
Câmara Baixa do Poder Legislativo.
Consta dos autos, a informação de que, ao longo do
ano de 2003, o 15º denunciado (João Paulo Cunha)
frequentemente se reunia com o 5º denunciado (Marcos
Valério) e com os seus sócios – o 7º denunciado (Cristiano
Paz) e o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) – para debater
assuntos atinentes às eleições municipais de 2004. Em seu
depoimento, de fls. 1.876/1.879, vol. 9, o 15º denunciado
(João Paulo Cunha) ratificou a veracidade de tais
informações. Na ocasião, afirmou: “ter se encontrado com o
Sr. MARCOS VALÉRIO, uma vez, no ano de 2003, em um hotel
da cidade de São Paulo/SP, onde se encontrava presente o Sr.
LUÍS COSTA PINTO, e foram tratados assuntos referentes às
campanhas eleitorais municipais do ano de 2004; Que ressalta que
Ação Penal 470 Plenário
109
um desses encontros ocorreu durante o café da manhã e que o Sr.
MARCOS VALÉRIO estava acompanhado de uma pessoa, do
qual não se recorda a identidade (...) Que não pode pormenorizar
os assuntos tratados nos mencionados encontros, todavia sustenta
que foram tratados assuntos de campanhas eleitorais de 2004.”.
O 15º denunciado (João Paulo Cunha), no seu
depoimento de fls. 15.434/15.436, reiterou que sua relação
com o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) remonta à sua
campanha para a Presidência da Câmara dos Deputados, e
que, desde então, a relação com o acusado e com os demais
sócios da SMP&B Propaganda foram se tornando mais
comuns e mais estreitas. O parlamentar declarou:
“(...) Que, na campanha para Presidente da
Câmara, conheceu o Sr. RAMON
HOLLERBACH; Que conheceu CRISTIANO
PAZ na sede da SMP&B em Belo Horizonte; (...)
Que o Sr. Luís Costa Pinto participou, com
o réu e terceiros, sobre as eleições
municipais de 2004; Que lembra de uma
reunião em São Paulo, em um hotel, em que
estavam presentes o Sr. Luís Costa Pinto,
Ação Penal 470 Plenário
110
MARCOS VALÉRIO, Sílvio Pereira e o Sr.
Antônio dos Santos [secretário do PT em São
Paulo]; Que a intenção de MARCOS VALÉRIO
com Luís Costa Pinto, e mais o representante de
outra empresa de publicidade de Minas Gerais,
era a criação de uma empresa, visando prestar
assessoria nas eleições municipais para
candidatos; Que, depois que foi eleito
Presidente da Câmara, teve várias reuniões
com MARCOS VALÉRIO, para discutir a
situação política do País; Que no início de
2003 as reuniões eram mais frequentes e
depois foram ficando mais escassas; (...) Que
a única vez que o PT repassou valores para o réu
foi os R$ 50.000,00 mencionados; Que não
ocorreu em nenhuma outra ocasião; (...)”
A propósito, em uma dessas reuniões, ocorrida no
ano de 2003, estavam presentes o 5º denunciado (Marcos
Valério), o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º
denunciado (Cristiano Paz), conforme o depoimento
prestado pelo 15º denunciado (João Paulo Cunha) (fls.
Ação Penal 470 Plenário
111
1.877) e as declarações de Luís Costa Pinto (fls.
42.317/42.346). Em determinado trecho do depoimento, o
15º denunciado (João Paulo Cunha) informou “(...) ter se
encontrado com o Sr. MARCOS VALÉRIO, uma vez, no ano de
2003, em um hotel na cidade de São Paulo/SP, onde se encontrava
presente o Sr. Luís Costa Pinto e foram tratados assuntos
referentes às campanhas municipais do ano de 2004”.
A seu turno, Luís Costa Pinto afirma que na reunião
estiveram presentes: “(...) desde o Marcos Coimbra, do Vox
Populi, até o Paulo Vasconcelos, que é ex-publicitário da Vitória
Comunicação (...) e os publicitários da DNA e da SMP&B
(...)”. Em seguida, relata que os representantes das agências
de publicidade DNA e SMP&B Propaganda eram o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado
(Cristiano Paz).
A prova dos autos ainda demonstra que, em abril de
2003, antes do recebimento da propina de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais), o 15º denunciado (João Paulo Cunha)
recebeu, em seu Gabinete na Câmara dos Deputados, o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach), em ocasião em que
inexistia qualquer avença entre as empresas do 6º
Ação Penal 470 Plenário
112
denunciado (Ramon Hollerbach) e a Câmara dos
Deputados, razão pela qual deve ser repudiado o
argumento de defesa, segundo o qual as atividades do 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) seriam apenas internas e
burocráticas. Este fato é devidamente comprovado pelas
informações de Márcio Araújo Marques, de fls.
40.809/40.811-verso, que, à época, era Diretor da Secretaria
de Comunicação da Câmara dos Deputados (SECOM).
Nesse encontro, o 6º denunciado (Ramon Hollerbach)
foi apresentado a Márcio Marques de Araújo na antessala
do Gabinete do 15º denunciado (João Paulo Cunha), em
abril de 2003, de acordo com as declarações deste último
(de fls. 40.810). A relevância desta informação é facilmente
explicada: após a reunião, desencadeou-se todo o
procedimento que culminaria na contratação da SMP&B
Propaganda, empresa na qual o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) figurava como um dos sócios, para prestar
serviços institucionais à Câmara dos Deputados.
Em suma: dias após o encontro acima mencionado,
precisamente em 07 de maio de 2003, Márcio Marques de
Araújo assinou um ofício dirigido Diretor de Material e de
Ação Penal 470 Plenário
113
Patrimônio da Câmara dos Deputados, no intuito de
providenciar a abertura de procedimento licitatório para a
contratação de agência de publicidade para prestar os
serviços à Câmara. (doc. fls. 423, Apenso nº 84, vol. 3).
Como comprovado, a empresa escolhida no certame foi
justamente a SMP&B Propaganda.
Importante frisar que Márcio Marques de Araújo
participou da Comissão Especial de Licitação, que procedeu
à escolha da SMP&B Propaganda. Mais: o Diretor do
SECOM atribuiu, inclusive, a maior nota à empresa dentre
todos os 5 (cinco) membros da Comissão.
Com efeito, os estreitos laços estabelecidos pelo 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) com o 15º denunciado
(João Paulo Cunha) e o Diretor do SECOM (Márcio
Marques de Araújo) propiciaram o ambiente para a
consumação do esquema criminoso. É o que consta do
depoimento de Márcio Marques de Araújo, afirmando que
o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) frequentava com certa
regularidade a Câmara dos Deputados mesmo antes da
assinatura do contrato entre a Casa Legislativa e a SMP&B
Propaganda, em 31/12/2003.
Ação Penal 470 Plenário
114
É dizer: a atuação do 6º denunciado foi determinante
para o êxito da empreitada criminosa. O lobby feito perante
o 15º denunciado (João Paulo Cunha) estreitou os vínculos
entre este e a empresa SMP&B, de modo a direcionar o
resultado do procedimento licitatório que culminou com a
contratação irregular da agência de publicidade.
Outrossim, também, não assiste razão à tese de
defesa, segundo a qual 6º denunciado (Ramon Hollerbach)
não desempenhava funções de gestão na SMP&B
Propaganda.
Isto porque, consoante o depoimento do 5º
denunciado (Marcos Valério), verifica-se que a divisão de
tarefas na SMP&B Propaganda possuía caráter meramente
formal. A fls. 16.357, o 5º denunciado (Marcos Valério)
categoricamente aduz que "havia uma divisão de tarefas
apenas no plano formal, sendo, de fato, a empresa administrada,
em conjunto, pelo interrogando, Ramon e Cristiano; diz que a
empresa era ‘tocada a três mãos’; prova disto é que havia a
necessidade de aprovação, em conjunto, dos três em decisões
administrativas, havendo, outrossim, a necessidade de ao menos
duas assinaturas nos cheques emitidos pela SMP&B.”.
Ação Penal 470 Plenário
115
Essa informação é corroborada, ainda, no depoimento
do contador das empresas de Marcos Valério, Marco
Aurélio Prata (fls. 3.597). Segundo Marco Aurélio Prata,
“todos os três sócios, a saber, CRISTIANO, RAMON e
MARCOS VALÉRIO, participavam das decisões administrativas
da SMP&B COMUNICAÇÃO e DNA PROPAGANDA”.
A presente imputação, ao fim e ao cabo, decorre da
efetiva vontade do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) em
cooperar no cometimento do delito, o que se comprova,
dentre outras razões acima expostas, pelas assinaturas nos
documentos que repassam verbas indevidas a
parlamentares e pela sua participação em reuniões com o
15º denunciado (João Paulo Cunha) e os seus demais sócios,
o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado
(Cristiano Paz).
Mister ressaltar, no ponto probatório alcançado,
que, embora não se mencione que o 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) tenha oferecido pessoalmente a
vantagem indevida ao 15º denunciado (João Paulo
Cunha), impõe-se concluir que a fração do ato executório
que lhe cabia foi indispensável e essencial para a
Ação Penal 470 Plenário
116
consumação da corrupção ativa (art. 333 do Código Penal),
de modo que lhe deve ser imputada a prática do ilícito em
coautoria com o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 7º
denunciado (Cristiano Paz).
Da imputação de peculato (art. 312 do CP)
O 6º denunciado (Ramon Hollerbach) também
concorreu, juntamente com o 5º e o 7º denunciados (Marcos
Valério e Cristiano Paz), para a prática do delito de
peculato, consubstanciado no desvio de verbas públicas no
montante de R$ 1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete mil,
oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos)
referente aos serviços pagos e não prestados pela SMP&B
Comunicação no bojo da execução do Contrato nº
2003204.0, firmado com a Câmara dos Deputados, nos
termos indicados pelo Laudo nº 1947/2009-INC.
Conforme já repisado, foi violada a cláusula
contratual que proibia a subcontratação integral do objeto
pactuado. Uma parcela ínfima do serviço foi de fato
exercida pela empresa SMP&B. As provas da configuração
do delito foram oportunamente descritas, cabendo a
Ação Penal 470 Plenário
117
menção aos documentos de fls. 37.461/37.523 e ao
testemunho de Márcio Marques de Araújo (fls. 40.811).
Abstenho-me, também, de repetir a minuciosa análise
empreendida pelo Ministro Relator em cada uma das
subcontratações operadas, ocasião em que Sua Excelência
apontou inúmeras fraudes e ilicitudes.
A condição de funcionário público, necessária para
a caracterização do crime do art. 312 do Código Penal, é
estendida ao 6º denunciado (Ramon Hollerbach) a partir
do 15º denunciado (João Paulo Cunha), com o qual atuou
em conluio, em razão do art. 30 do mesmo diploma, que
determina a comunicação das condições de caráter pessoal
quando elementares do crime.
CRISTIANO PAZ (7º DENUNCIADO)
Da imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
De acordo com as provas dos autos, o 7º denunciado
(Cristiano Paz), em conluio com o 5º e o 6º denunciados
(Marcos Valério e Ramon Hollerbach), ofereceu e pagou ao
15º denunciado (João Paulo Cunha) a vantagem indevida
Ação Penal 470 Plenário
118
consistente no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais),
na data de 4 de setembro de 2003, com vistas a assegurar
que a empresa SMP&B Propaganda, fosse beneficiada na
concorrência nº 11/03 da Câmara dos Deputados, da qual
resultou a assinatura do contrato nº 2003/204.0.
A defesa do 7º denunciado (Cristiano Paz), em suas
alegações finais, também enfatiza a inexistência de provas
nos autos que amparem o pedido de condenação pela
prática de corrupção ativa, art. 333, do Código Penal, feito
pelo Parquet federal. Sustenta que tal imputação não se
releva idônea, na medida em que não houve
individualização da conduta, limitando-se a denúncia a
mencionar genericamente o nome do acusado.
A tese defensiva, porém, não merece ser acolhida.
Nos termos expostos alhures, a defesa desconsidera a
moderna teoria da coautoria funcional, sem a qual seria
impossível a responsabilização penal dos agentes nos
chamados crimes societários. Ante a divisão de tarefas
observada no plano fático, a conduta de um dos sujeitos
ativos do delito pode ser orientada a uma atividade que não
Ação Penal 470 Plenário
119
configura diretamente a conduta descrita no tipo penal. A
consumação do crime, no entanto, resulta da conjugação de
esforços, praticando, cada um dos coautores, uma conduta
relevante para o atingimento do objetivo criminoso.
É assaz relevante fixar essa premissa, porquanto a
relação entre o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 15º
denunciado (João Paulo Cunha) não se restringe ao apoio
político para a campanha à Presidência da Câmara dos
Deputados, conforme também já repisado.
Na verdade, ao longo do ano de 2003, o 7º
denunciado (Cristiano Paz) manteve contato com o 15º
denunciado (João Paulo Cunha), o que se comprova ante a
análise do depoimento do 15º denunciado (João Paulo
Cunha) e das informações contidas no Apenso nº 43, vol. 1.
Em seu depoimento de fls. 1.876/1.879, o 15º
denunciado (João Paulo Cunha), afirmou “que um desses
encontros ocorreu durante o café da manhã e que o Sr. Marcos
Valério estava acompanhado de uma pessoa, do qual não se
recorda a identidade; (...)”. Em juízo, o 15º denunciado (João
Paulo Cunha) confirmou que teve reunião com o 5º
Ação Penal 470 Plenário
120
denunciado (Marcos Valério) em 03 de setembro de 2003.
Os documentos de fls. 78 do volume nº 01 do Apenso nº 43
dão conta de que o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 5º
denunciado (Marcos Valério) voltaram juntos de Brasília
para Belo Horizonte no dia 3 de setembro de 2003.
Também consta dos autos a informação de que, em
16 de julho de 2003, o 7º denunciado (Cristiano Paz), na
companhia do 5º denunciado (Marcos Valério), encontrou-
se com o 15º denunciado (João Paulo Cunha), conforme
documento de fls. 1.074, de modo que resta incontroversa
a sua participação, juntamente com seus sócios na
empresa SMP&B (o 5º denunciado – Marcos Valério – e o
6º denunciado – Ramon Hollerbach), na empreitada
criminosa.
Isto significa que o 7º denunciado (Cristiano Paz)
não apenas tinha completa ciência do oferecimento de
vantagem em troca de benefícios junto à Câmara dos
Deputados (i.e., a assinatura do contrato com a respectiva
Casa Legislativa) como também atuou decisivamente,
praticando atos materiais, para a consumação do ilícito.
Vale dizer, os diversos encontros com o 15º denunciado
Ação Penal 470 Plenário
121
(João Paulo Cunha) não eram despidos de qualquer
interesse econômico, mas, ao revés, visavam à troca de
favores pouco republicanos.
Em termos técnicos, embora o 7º denunciado
(Cristiano Paz) possa não ter realizado exclusivamente todos
os elementos objetivos do tipo, não se pode negar a sua
autoria, uma vez que, na divisão prévia de tarefas para o
cometimento do ilícito penal, a sua conduta atribuída foi
imprescindível ao atingimento do fato punível. Trata-se de
um coautor funcional, porquanto a realização dos ilícitos
somente pode ser viabilizada mediante a cooperação
comunitária no fato. Assim, não se deve exigir do 7º
denunciado (Cristiano Paz) a prática da conduta descrita no
núcleo do tipo penal, mas tão somente que a fração do ato
executório por ele praticada seja indispensável, diante das
singularidades do tipo penal e do caso concreto, para a
consecução do ilícito penal.
Por outro lado, a defesa afirma também que a farta
documentação acostada aos autos aponta no sentido de que
o 7º denunciado (Cristiano Paz) não desempenhava funções
nos setores administrativos e financeiros na SMP&B
Ação Penal 470 Plenário
122
Propaganda. A única participação do 7º denunciado
(Cristiano Paz), conforme propugnado, seria nos casos em
que a sua assinatura fosse exigida contratualmente, o que
somente ocorreria em hipóteses relacionadas a alguns
documentos esparsos.
Isto, porém, não é que se depreende do conjunto
probatório acostado aos autos.
Conforme leitura atenta do depoimento do 5º
denunciado (Marcos Valério), verifica-se que a divisão de
tarefas na SMP&B Propaganda possuía caráter meramente
formal. A fls. 16.357, o 5º denunciado (Marcos Valério)
categoricamente aduz que "havia uma divisão de tarefas
apenas no plano formal, sendo, de fato, a empresa
administrada, em conjunto, pelo interrogando, Ramon e
Cristiano; diz que a empresa era ‘tocada a três mãos’; prova
disto é que havia a necessidade de aprovação, em conjunto, dos
três em decisões administrativas, havendo, outrossim, a
necessidade de ao menos duas assinaturas nos cheques emitidos
pela SMP&B.”.
Ação Penal 470 Plenário
123
Tal informação é corroborada, ainda, no depoimento
do contador das empresas de Marcos Valério, Marco
Aurélio Prata (fl. 3.597). Segundo Marco Aurélio Prata,
“todos os três sócios, a saber, CRISTIANO, RAMON e
MARCOS VALÉRIO, participavam das decisões administrativas
da SMP&B COMUNICAÇÃO e DNA PROPAGANDA.”.
Diante do robusto acervo probatório, é incontroversa
a prática de corrupção ativa pelo 7º denunciado (Cristiano
Paz), razão pela qual entende-se pela sua condenação pelo
prática do crime de corrupção ativa, art. 333 do Código
Penal.
Da imputação de peculato (art. 312 do CP)
Reconhece-se, também, a prática de peculato pelo 7º
denunciado (Cristiano Paz), em concurso com o 5º e o 6º
denunciados (Marcos Valério e Ramon Hollerbach). Na
qualidade de Presidente da SMP&B Comunicação, o 7º
denunciado (Cristiano Paz) detinha o controle sobre todas
as atividades efetivamente praticadas pela empresa, não
podendo furtar-se à responsabilidade penal pelo
recebimento de verbas do Erário sem a correspondente
Ação Penal 470 Plenário
124
prestação dos serviços. Assim, deve ser penalizado pelo
desvio de R$ 1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete mil,
oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos)
dos cofres públicos, referente aos serviços pagos e não
prestados no bojo da execução do Contrato nº 2003204.0,
firmado com a Câmara dos Deputados, nos termos
indicados pelo Laudo nº 1947/2009-INC.
A defesa do 7º denunciado (Cristiano Paz), em suas
alegações finais, procura deslegitimar a imputação
ministerial argumentando, inicialmente, que a contratação
pela Câmara dos Deputados da SMP&B Comunicação foi
precedida de idôneo procedimento de licitação
(Procedimento Licitatório nº 11/03), na qual a empresa
sagrou-se vencedora em certame que possuía outras sete
participantes.
Este argumento fora exaustivamente examinado no
tópico concernente à imputação de corrupção ativa e não
merece ser retomado. Insta ressaltar, tão somente, que o
aludido procedimento licitatório restou absolutamente
viciado em razão do direcionamento do certame para
atingir o resultado anteriormente acordado entre o 5º
Ação Penal 470 Plenário
125
denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach), o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 15º
denunciado (João Paulo Cunha).
A defesa alega, ainda, ser impossível falar,
tecnicamente, em subcontratação, uma vez que as
agências de publicidade contratam serviço de terceiros,
que seriam simples fornecedores. Na verdade, segundo
consta das alegações finais do 7º denunciado (Cristiano
Paz), enquanto alguns serviços são prestados diretamente
pela agência de publicidade (e.g., serviços de criação de
materiais publicitários), outros são supervisionados pela
agência, mas executados pelos fornecedores e pelos
veículos por ela contratados, com a prévia autorização dos
clientes (e. g., execução e distribuição de materiais
publicitários/promocionais ou a organização e coordenação
dos eventos realizados pelo anunciante ou por ele
patrocinados). Fundamenta, ademais, sua tese em Acórdão
proferido pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão nº
430/2008, proferido no Processo nº TC – 012.040/2005-0 doc.
01, de suas Alegações Finais), que assentou a regularidade
Ação Penal 470 Plenário
126
tanto os serviços contratados quanto os valores pagos a
título de honorários à SMP&B Comunicação.
Do minucioso exame do contrato e das cláusulas
editalícias do certame, chega-se à conclusão oposta àquela
sustentada pela defesa do 7º denunciado (Cristiano Paz).
O contrato nº 2003204.0, celebrado entre a Câmara
dos Deputados e a SMP&B Propaganda, estipulava:
"Cláusula segunda. Os serviços objeto do presente Contrato
serão executados com rigorosa observância do disposto no
Edital de Concorrência nº 11/ 03 e seus Anexos, bem como
da Proposta Técnica e da Proposta de Preço da
CONTRATADA, com as modificações que tenham decorrido do
procedimento previsto no Título 7 do edital” (fls. 76, Apenso 84,
Vol. 1).
A seu turno, o Edital nº 11/2003, acostado a fls. 433,
Apenso 84, vol. 2, dispunha que: "A CONTRATADA poderá
subcontratar outras empresas, para a execução parcial do
objeto desta Concorrência, desde que mantida a
preponderância da atuação da CONTRATADA na execução
do objeto como um todo e haja anuência prévia, por escrito, da
Ação Penal 470 Plenário
127
CONTRATANTE, após avaliada a legalidade, adequação e
conveniência de permitir-se a subcontratação, ressaltando-se que a
subcontratação não transfere responsabilidades a terceiros nem
exonera a CONTRATADA das obrigações assumidas, nem
implica qualquer acréscimo de custos para a CONTRATANTE”.
De fato, o Edital nº 11/2003 autorizou a
subcontratação do serviço, desde que, por razões óbvias, a
delegação fosse apenas parcial. Deste modo, deveria a
empresa vencedora do certame manter a preponderância
da realização dos serviços, como forma de garantir a lisura
do procedimento de escolha que, ao final, selecionou a
empresa que apresentou mais expertise para a execução
dos serviços ofertados.
Não obstante isso, a SMP&B Comunicação
descumpriu flagrantemente a avença firmada, na medida
em que operou a subcontratação integral da execução do
objeto contratado. Neste ponto, pouco importa se a
expressão mais técnica é “subcontratação” ou “contratação
de fornecedores”. O relevante para o equacionamento da
controvérsia consiste em saber se a empresa contratada
manteve ou não a preponderância dos serviços pactuados.
Ação Penal 470 Plenário
128
Se sim, faz jus à remuneração. Do contrário, não deve haver
a contraprestação por descumprimento da avença.
In casu, porém, verifica-se que apenas 0,01% do
objeto pactuado ficou a cargo diretamente da empresa
SMP&B Comunicação. Todo o restante – leia-se, 99,9% –
dos serviços fora subcontratado. Independentemente do
termo que se emprega (subcontratação ou contratação de
fornecedores), certo é que a SMP&B Comunicação
descumpriu a avença firmada com a Câmara dos
Deputados, porquanto não manteve a preponderância da
execução do objeto contratual. Nada obstante isso, os
pagamentos previstos no contrato foram autorizados à
SMP&B Comunicação (cf. doc. de fls. 37.461 e segs.).
Ainda que se adira à tese defensiva (no sentido de
que há distinção entre os serviços prestados diretamente
pela agência de publicidade e os serviços que podem ser
terceirizados), o que se admite apenas para fins de
argumentação, o percentual de serviços prestados por
“fornecedores” é da ordem de 97,68%. Vale dizer, a SMP&B
Propaganda não detinha a preponderância da execução do
objeto pactuado. Esses percentuais restam demonstrados
Ação Penal 470 Plenário
129
por meio das perícias técnicas realizadas, consubstanciadas
no Laudo nº 1.947/2009-INC.
De acordo com o mencionado Laudo nº 1.947/2009-
INC, os valores pagos à SMP&B Comunicação relativos ao
contrato firmado com a Câmara dos Deputados
ultrapassam um milhão de reais. Para ser mais exato, o
desvio foi de R$1.077.857,81 (um milhão, setenta e sete mil,
oitocentos e cinquenta e sete reais e oitenta e um centavos),
conforme a Tabela nº 06 do Laudo nº 1.947/2009-INC.
Curioso que, após a saída do 15º denunciado (João Paulo
Cunha), em 15 de fevereiro de 2005, a remuneração da
empresa SMP&B Propaganda pela execução dos serviços
prestados à Câmara dos Deputados sofreu drástica
redução, perfazendo R$ 65.841,36 (sessenta e cinco mil,
oitocentos e quarenta e um reais e trinta e seis centavos), no
ano de 2005. (documento subscrito pelo Diretor-Geral da
Câmara dos Deputados de fls. 582, Apenso 84, vol. 2).
Em suma, escorreita a conclusão a que chegou o
Relator, de que a empresa SMP&B Comunicação atuou
aqui, com a anuência de seus sócios, dentre os quais se
Ação Penal 470 Plenário
130
inclui o 7º denunciado (Cristiano Paz) como uma simples
destinatária de honorários.
Consoante mencionado, apenas 0,01% (ou seja, R$
17.091,00) dos valores pagos à SMP&B Comunicação
corresponde aos serviços por ela executados.
Ora, a coautoria no delito é incontroversa. Não há
como negar que o 7º denunciado (Cristiano Paz) e os seus
sócios – o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) – tinham completa ciência da prática
delituosa que se valia de sua empresa como veículo para o
desvio das verbas.
Além da inequívoca ciência da utilização de sua
empresa como o canal para o desvio das verbas, o 7º
denunciado (Cristiano Paz), na condição de Presidente da
SMP&B Comunicação, anuiu com tal prática delituosa.
Vale dizer, sem o seu consentimento e o dos demais
sócios a empreitada criminosa restaria inviabilizada,
razão pela qual deve ser a ele imputado o crime de
peculato, consoante art. 312 do Código Penal.
Ação Penal 470 Plenário
131
Adite-se a isso que o mencionado Acórdão do TCU
(Acórdão nº 430/2008, proferido no Processo nº TC –
012.040/2005-0 doc. 01, de suas Alegações Finais), no qual a
defesa busca se fiar para legitimar as subcontratações,
distancia sobremodo da análise do conjunto probatório
acostados autos. A partir da leitura do Acórdão, constata-se
que a decisão da Corte de Contas fundamentou-se em
esclarecimentos prestados pelo então Diretor-Geral da
Câmara dos Deputados – Sérgio Sampaio Contreiras de
Almeida. A propósito, tal fato precisamente diagnosticado
no voto do e. Min. Relator Joaquim Barbosa.
A condição de funcionário público, necessária para
a caracterização do crime do art. 312 do Código Penal, é
estendida ao 7º denunciado (Cristiano Paz) a partir do 15º
denunciado (João Paulo Cunha), com o qual atuou em
conluio, em razão do art. 30 do mesmo diploma, que
determina a comunicação das condições de caráter pessoal
quando elementares do crime.
Ação Penal 470 Plenário
132
III.2 e III.3 – BANCO DO BRASIL – BÔNUS DE VOLUME
E VISANET
HENRIQUE PIZZOLATO (17º DENUNCIADO)
Da primeira imputação de peculato (art. 312, caput, c/c art.
327, § 2º, CP)
As provas dos autos demonstram, de forma
inequívoca, que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), em
concurso de agentes com o 5º denunciado (Marcos Valério),
o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach), cometeu o delito de peculato, consubstanciado
no desvio do montante de R$ 2.923.686,15 (dois milhões,
novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e seis reais
e quinze centavos) pertencentes ao Banco do Brasil S.A., no
período entre 31/03/2003 e 14/06/2005.
O 17º denunciado (Henrique Pizzolato), na condição
de Diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil,
assinou o contrato entre esta Sociedade de Economia Mista
e a empresa DNA Propaganda. Deste contrato consta
expressamente a obrigação da DNA Propaganda de
Ação Penal 470 Plenário
133
“transferir, integralmente, ao BANCO os descontos especiais
(além dos normais, previstos em tabelas), bonificações,
reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras vantagens“
(fls. 48/49 do volume 1 do apenso 83). Ocorre que o
necessário repasse jamais ocorreu, gerando um indevido
locupletamento da empresa DNA Propaganda, em
detrimento do patrimônio do Banco do Brasil S.A.
Há prova pericial no sentido de que o valor relativo
aos “Bônus de Volume-BV deveriam ter sido restituídas pela
DNA Propaganda Ltda. ao Banco do Brasil, por força contratual”
(Informação Técnica nº 063/2010, fls. 38.525). Outra não foi a
conclusão da 2ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal
de Contas da União (fls. 30.864 e segs.), órgão esse que
também observou que as bonificações de volume foram
embutidas no preço final, na medida em que o Banco
poderia ter adquirido os produtos e serviços por valor
inferior.
Improcede a alegação da defesa de que, em outros
contratos, pretéritos, firmados por outras empresas e pela
própria DNA Propaganda com o Banco do Brasil S.A., o
valor relativo ao bônus de volume não foi repassado ao
Ação Penal 470 Plenário
134
anunciante. Tais fatos, ainda que verdadeiros, não ilidem a
cristalina previsão do contrato que regeu a relação ora
questionada.
A defesa sustenta a aplicabilidade, ao caso, do art. 18
da Lei nº 12.232/2010, que assim dispõe: “É facultativa a
concessão de planos de incentivo por veículo de divulgação e sua
aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultantes
constituem, para todos os fins de direito, receita própria da
agência e não estão compreendidos na obrigação estabelecida no
parágrafo único do art. 15 desta Lei”.
O argumento, contudo, não é de ser acolhido.
A uma, porque o caso sub judice não versou sobre
“planos de incentivo por veículo de divulgação”, girando a
discussão em torno das “vantagens obtidas em negociação de
compra de mídia diretamente ou por intermédio de agência de
propaganda, incluídos os eventuais descontos e as bonificações na
forma de tempo, espaço ou reaplicações que tenham sido
concedidos pelo veículo de divulgação”, valores que, nos termos
do art. 15, parágrafo único, do mesmo diploma, “pertencem
ao contratante” – é dizer, ao Banco do Brasil S. A.
Ação Penal 470 Plenário
135
A duas, ainda que se tratasse de norma pertinente à
hipótese, não poderia retroagir para alterar a avença
anterior à sua vigência, sendo certo que a Constituição
determina que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito
(art. 5º, XXXVI).
Demais disso, como bem ressaltado pelo Ministro
Relator e pelo Ministro Revisor, houve o desvio de valores
relativos a bônus de volume por serviços que não
guardaram qualquer pertinência com a seara da
publicidade e comunicação, no montante total de R$
2.504.274,88 (dois milhões, quinhentos e quatro mil,
duzentos e setenta e quatro reais e oitenta e oito centavos).
Ante a clareza da cláusula contratual, não há como
sustentar que a ausência de fiscalização do seu
cumprimento decorreu de simples negligência, restando
evidente que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) dirigiu
a sua conduta finalisticamente à apropriação dos valores
pelo 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado
(Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon Hollerbach).
Também não convence a argumentação da defesa no
sentido de que a estrutura decisória do Banco do Brasil S.
Ação Penal 470 Plenário
136
A. não permitiria a realização de determinações
unilateralmente pelo 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
nem lhe incumbiria da fiscalização dos contratos de
publicidade. Além do regimento interno do Banco do Brasil
S. A., que estabelece, dentre as normas e alçadas da
Diretoria de Marketing e Comunicação, a responsabilidade
pela integridade dos controles internos nos processos,
produtos e serviços a cargo da Diretoria, o próprio contrato
impunha ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato) o referido
mister, conforme a cláusula 12.2, in verbis: “A fiscalização dos
serviços será realizada diretamente pela Diretoria de Marketing e
Comunicação do BANCO” (fls. 61 do volume nº 01 do apenso
nº 83).
É de se mencionar que o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato) é filiado ao Partido dos Trabalhadores desde a
sua fundação e participou do Comitê de Campanha do
mencionado partido para as eleições presidenciais, em 2002,
tendo, inclusive, contato com o 3º denunciado (Delúbio
Soares) (cf. interrogatório do 17º denunciado, de fls.
15.948/15.953). No mesmo interrogatório, o 17º denunciado
(Henrique Pizzolato) também demonstrou peculiar
Ação Penal 470 Plenário
137
intimidade com o 5º denunciado (Marcos Valério), em
relação estreita que incluía a prestação de “favores” (fls.
15.980).
A fls. 20.122, a testemunha Danévita Ferreira de
Magalhães, ex-funcionária do Núcleo de Mídia do Banco do
Brasil, confirmou que o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato) e o 5º denunciado (Marcos Valério) possuíam
uma direta ligação. Também a testemunha Fernanda Karina
Somaggio declarou que o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato) e o 5º denunciado (Marcos Valério) realizaram
reuniões, em Brasília e em Belo Horizonte (fls. 19.646 e
segs.). O depoimento de Eduardo Fisher, sócio de outra
empresa de publicidade que contratou com o Banco do
Brasil, deu conta de que as agências publicitárias se
relacionavam com o Banco através do 17º denunciado
(Henrique Pizzolato).
Causa espécie, ainda, o fato, apontado pelo Ministro
Relator, de que o 17º denunciado (Henrique Pizzolato) foi a
única autoridade responsável pela assinatura do contrato
entre o Banco do Brasil S. A. e a empresa DNA Propaganda,
que previa gastos da ordem de R$ 142.000.000,00 (cento e
Ação Penal 470 Plenário
138
quarenta e dois milhões de reais), bem como pela assinatura
da prorrogação do negócio, que atingiu o montante de
gastos de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais) (fls.
53 e 69do volume nº 01 do apenso nº 83). Tantas as
irregularidades do contrato com a empresa DNA, que a
Controladoria Geral da União concluiu, em auditoria
especial, que houve indevida prorrogação do contrato de
publicidade (fls. 31.159 e segs.).
Os recursos destinados à execução do objeto do
contrato com a DNA Propaganda foram consignados na
dotação orçamentária de Publicidade e Propaganda,
conforme a cláusula 5.2 do contrato (fls. 53 do volume nº 01
do apenso nº 83), por isso que o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato), ante a sua omissão em fiscalizar a devolução da
quantia referente ao bônus de volume, foi responsável pelo
peculato-apropriação consumado (art. 312, caput, do Código
Penal).
Da segunda imputação crime de peculato (art. 312 c/c art.
327, § 2º, do CP, quatro vezes, na forma do art. 71 do CP)
O órgão de acusação teve êxito em demonstrar, no
curso do processo, que o 17º denunciado (Henrique
Ação Penal 470 Plenário
139
Pizzolato), no exercício do cargo de Diretor de Marketing e
Comunicação do Banco do Brasil, entre os anos de 2003 e
2004, efetivamente desviou o valor total de R$ 73.851.000,00
(setenta e três milhões, oitocentos e cinquenta e um mil
reais), provenientes do Fundo de Investimento da
Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (Visanet),
composto de recursos do Banco do Brasil S.A., em favor do
5º denunciado (Marcos Valério), do 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) e do 7º denunciado (Cristiano Paz).
Constata-se, da prova colhida, a ocorrência de um
desvio de R$ 23.300.000,00 (vinte e três milhões e trezentos
mil reais) em 19/05/2003; um desvio de R$ 6.454.331,43 (seis
milhões, quatrocentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e
trinta e um reais e quarenta e três centavos) em 28/11/2003;
um desvio de R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de
reais) em 12/03/2004; e um desvio de R$ 9.097.024,75 (nove
milhões, noventa e sete mil e vinte e quatro reais e setenta e
cinco centavos) em 01/06/2004.
Consta a assinatura do 17º denunciado (Henrique
Pizzolato), como Diretor de Marketing e Comunicação do
Banco do Brasil S.A., nos documentos de autorização dos
Ação Penal 470 Plenário
140
repasses de verbas para a DNA Propaganda Ltda. de fls.
5.377 (R$ 23.300.000,00), fls. 5.384 (R$ 35.000.000,00) e fls.
5.388 (R$ 9.097.024,75). Em todos os documentos, consta
que cabe à Diretoria de Marketing e Comunicação
apresentar relatório de acompanhamento de desembolso.
O Ministro Relator apontou, ainda, que o 17º denunciado
(Henrique Pizzolato) prorrogou o contrato entre o Banco do
Brasil S. A. e a empresa DNA Propaganda pouco antes de
autorizar a primeira transferência de recursos do fundo
Visanet.
A Companhia Brasileira de Meios de Pagamento
(Visanet) prestou informações no sentido de que todos os
pagamentos realizados pela Visanet à DNA Propaganda
foram executados por instrução e sob a responsabilidade do
Banco do Brasil, com base na quota que cabia a esta
instituição financeira (fls. 9.619 e segs.).
A argumentação da defesa, que invocou o modelo
segmentado de decisões do Banco do Brasil S. A. para
suscitar a ausência de responsabilidade do 17º denunciado
(Henrique Pizzolato), não encontra esteio na prova dos
autos, máxime porque o relatório de auditoria interna do
Ação Penal 470 Plenário
141
Banco do Brasil concluiu que, para a realização dos repasses
ilícitos, “os Diretores de Marketing e Comunicação e de Varejo
avocaram para si atribuições que deveriam ser exercidas em
colegiados, desconsiderando a segregação de funções estabelecidas
na arquitetura de governança da Empresa”, assim como notou
a “ausência de controles que possibilitassem ao Banco
acompanhar a movimentação financeira da conta creditada,
quanto à aplicação dos repasses efetuados, inclusive em relação ao
estabelecimento formal de cronograma e de condições para
utilização dos recursos repassados” (fls. 29.337/29.336 do
apenso nº 427). De forma incisiva, o relatório afirmou,
quanto ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato), que, “como
Diretor de Marketing e Comunicação, cabia-lhe exigir que a DNA
Propaganda prestasse contas da utilização dos valores a ela
repassados, tanto no que se referia ao ano de 2003 quanto ao de
2004, o que não aconteceu” (fls. 29.302 do apenso nº 427).
O Ministro Relator bem apontou que o então gerente
de varejo do Banco do Brasil S. A., Douglas Macedo, foi
ouvido como testemunha, relatando que a matéria era de
exclusiva competência da Diretoria de Marketing e
Ação Penal 470 Plenário
142
Comunicação, porquanto vinculada ao orçamento deste
setor (fls. 42.677 e 42.842).
Desse modo, houve repasses milionários para a
empresa do 5º denunciado (Marcos Valério), do 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º denunciado
(Cristiano Paz), sem que qualquer serviço tenha sido
prestado em contrapartida. Quanto às notas fiscais
apresentadas, o Laudo nº 3.058/2005-INC dá conta de que
havia “informações suficientes para que se identificasse
incompatibilidade de datas, curto interstício de tempo entre a
aprovação e a execução dos serviços, divergências de ações entre as
descrições de serviços com os JOBs apresentados, faturamento
como custo interno de todo o valor da nota, além de não constar
nos documentos quaisquer comprovantes da efetiva execução dos
serviços pagos”. Essa informação, em cotejo com os demais
elementos dos autos, que apontam estreita relação do 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) com o Partido dos
Trabalhadores e o 5º denunciado (Marcos Valério), denota
que o agente procedeu com dolo.
A fls. 20.122, a testemunha Danévita Ferreira de
Magalhães, ex-funcionária do Núcleo de Mídia do Banco do
Ação Penal 470 Plenário
143
Brasil, confirmou que este setor recebia ordens do 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) e por ele era comandado.
Afirmou, ainda, que competia ao 17º denunciado (Henrique
Pizzolato) aprovar e liberar as verbas para pagamento às
agências, após a conferência de valores, de estratégia e de
tática de mídia.
Não merece prosperar o argumento do réu, no
sentido de que os recursos do fundo Visanet não possuíam
caráter público e, por tal razão, não haveria que se falar em
peculato. Conforme explicitado pelo Laudo Pericial nº
2828/2006-INC, o Fundo de Incentivo Visanet é composto
de recursos distribuídos de acordo com cotas proporcionais
à participação acionária de cada sócio, sendo que os valores
repassados à DNA Propaganda Ltda. foram retirados do
montante que cabia ao Banco do Brasil S.A.
Ademais, a par de ser elemento do tipo do peculato o
desvio ou apropriação “de dinheiro, valor ou qualquer outro
bem móvel, público ou particular” (art. 312, caput, do CP), é
clássica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no
sentido de que pouco importa a natureza dos bens
apropriados ou desviados, bastando que deles pudesse
Ação Penal 470 Plenário
144
dispor o funcionário público em razão das suas funções.
Assim, v. g.:
“PECULATO. CONFIGURAÇÃO.
IRRELEVÂNCIA DE SEREM
PARTICULARES OS BENS
APROPRIADOS OU DESVIADOS,
DESNECESSIDADE DE PREVIA
PRESTAÇÃO DE CONTAS. HABEAS
CORPUS DENEGADO.
(HC 56998, Relator(a): Min. XAVIER DE
ALBUQUERQUE, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 22/05/1979, DJ 08-06-1979 PP-
04535 EMENT VOL-01135-01 PP-00115)”.
Comprovada, portanto, a prática de quatro crimes de
peculato (art. 312, caput, do CP).
Da imputação de corrupção passiva (art. 317 c/c art. 327, §
2º, do CP)
O 17º denunciado (Henrique Pizzolato) recebeu, para
si, em razão da função que exercia no Banco do Brasil S.A.,
a vantagem indevida de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e
seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete
Ação Penal 470 Plenário
145
centavos), em 15 de janeiro de 2004, paga pelo 5º
denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano
Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach).
Tudo resulta evidente das provas dos autos. No seu
interrogatório de fls. 15.980, o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato) afirmou que, em janeiro de 2004, recebeu um
telefonema, em sua linha celular, da secretária do 5º
denunciado (Marcos Valério), informando que este lhe
havia solicitado o favor de buscar “documentos” no Centro
do Rio de Janeiro, os quais queria que fossem entregues ao
PT. O 17º denunciado (Henrique Pizzolato), segundo o seu
relato, solicitou ao contínuo da Previ que buscasse os
“documentos” e os entregasse no seu apartamento.
Não é fidedigna a versão apresentada pelo 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), mormente em razão do
fato de que, ante uma comunicação do 5º denunciado
(Marcos Valério), ordenou a um preposto que buscasse
elevada quantia em dinheiro e a entregasse em sua
residência. Esses fatos, somados aos outros crimes cuja
prática restou comprovada, conduzem à configuração do
delito de corrupção passiva.
Ação Penal 470 Plenário
146
Além disso, a fls. 15.987 do seu depoimento, o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) reconheceu que, pouco
tempo depois do episódio, comprou um apartamento em
Copacabana, tendo pago uma parte com cheque do Banco
do Brasil e a outra parte em espécie. Enquanto a propina foi
paga em 15 de janeiro de 2004, o imóvel foi adquirido em
fevereiro do mesmo ano.
Vale notar que o numerário foi recebido pelo 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) apenas cinco dias antes
da assinatura da Nota Técnica que determinou o repasse de
R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais) à DNA
Propaganda, com recursos do fundo Visanet, em 20/01/2004
(fls. 27.215).
A vantagem indevida foi paga em razão da função
exercida pelo 17º denunciado (Henrique Pizzolato) no
Banco do Brasil S. A., que envolvia a fiscalização e execução
do contrato entre a instituição financeira e a empresa DNA
Propaganda, gerida pelo 5º denunciado (Marcos Valério),
pelo 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e pelo 7º
denunciado (Cristiano Paz).
Ação Penal 470 Plenário
147
Da imputação de Lavagem de Dinheiro (art. 1º, incisos V,
VI e VII, da Lei nº 9.613/98)
Para o recebimento da quantia de R$ 326.660,67
(trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e
sessenta e sete centavos), paga a título de propina pelo 5º
denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano
Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) se valeu da estrutura de
lavagem de dinheiro engendrada por meio do Banco Rural,
com o fito de dissimular a origem, a natureza, a localização
e a propriedade dos valores ilicitamente auferidos.
O montante recebido é oriundo da prática de crimes
contra a Administração Pública, o Sistema Financeiro
Nacional e praticados por organização criminosa, sendo
que há nos autos robusta prova da prática dos delitos
antecedentes. A fls. 153 do apenso 05, consta o comprovante
da entrega do dinheiro, pelo Banco Rural, ao contínuo
enviado pelo 17º denunciado (Henrique Pizzolato), nos
seguintes termos: “Autorizamos a Sr Luiz Eduardo Ferreira da
Silva CI 06806585-3 a receber a quantia de R$ 326.660,67
(trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e
Ação Penal 470 Plenário
148
sete centavos), ref. ao cheque 413170 da Empresa DNA
Propaganda Ltda, que se encontra em nosso poder”. O cheque
sacado foi assinado pelo 7º denunciado (Cristiano Paz),
consoante o documento de fls. 732 do volume nº 03 do
apenso nº 87.
O 17º denunciado (Henrique Pizzolato) recebeu a
propina por interposta pessoa, ordenando que ela se
dirigisse à agência do Banco Rural e transportasse consigo
vultosa quantia em espécie, tudo no afã de obnubilar a
natureza dos valores, sua origem e o seu destinatário.
Consoante repisado alhures, não há óbice ao
reconhecimento do concurso de crimes entre a corrupção
passiva (art. 317 do CP) e a lavagem de dinheiro, máxime
em razão da diversidade de bens jurídicos tutelados num e
noutro delito.
Desse modo, reputo configurado o crime tipificado
no art. 1º, incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613/98.
LUIZ GUSHIKEN (16º denunciado)
Quanto ao 16º denunciado (Luiz Gushiken), as provas
produzidas no curso do processo penal não foram capazes
Ação Penal 470 Plenário
149
de indicar a prática do delito de peculato (art. 312 do
Código Penal), nos termos descritos pela acusação.
Assim, por exemplo, o 5º denunciado (Marcos
Valério), em seu interrogatório de fls. 16.353, afirmou não
conhecer o 16º denunciado (Luiz Gushiken) e que não teve
com ele qualquer reunião.
Em seu interrogatório de fls. 16.726 e seguintes, o 16º
denunciado (Luiz Gushiken) afirmou que jamais
determinou ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato) a
realização de qualquer pagamento. Também disse que não
conheceu o 5º denunciado (Marcos Valério), nem qualquer
dos dirigentes do Banco Rural.
Os depoimentos foram abalizados pela ausência de
provas documentais que os desabonassem. Não por outro
motivo, o Ministério Público, em alegações finais, protestou
pela absolvição do 16º denunciado (Luiz Gushiken).
Ex positis, absolvo o 16º denunciado (Luiz Gushiken),
por inexistir prova de ter o réu concorrido para a infração
penal, na forma do art. 386, V, do Código de Processo
Penal.
5º DENUNCIADO (MARCOS VALÉRIO)
Ação Penal 470 Plenário
150
Da segunda imputação de peculato (art. 312 do CP)
A instrução probatória logrou demonstrar que o 5º
denunciado (Marcos Valério), em concurso de agentes com
o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), o 7º denunciado
(Cristiano Paz) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
praticou o delito de peculato, em razão da apropriação do
valor de R$ 2.923.686,15 (dois milhões, novecentos e vinte e
três mil, seiscentos e oitenta e seis reais e quinze centavos)
pertencentes ao Banco do Brasil S.A., no período entre
31/03/2003 e 14/06/2005.
Conforme cláusula do contrato entre a DNA
Propaganda e o Banco do Brasil S.A., era obrigação da
primeira empresa “transferir, integralmente, ao BANCO os
descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas),
bonificações, reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras
vantagens“ (fls. 48/49 do volume 1 do apenso 83).
Entretanto, a obrigação foi descumprida, tendo a DNA
Propaganda se apropriado dos valores obtidos a título de
bônus de volume no valor de valor de R$ 2.923.686,15 (dois
milhões, novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e
seis reais e quinze centavos), o que restou provado por
Ação Penal 470 Plenário
151
informação prestada pelo Banco do Brasil S.A., a fls. 332 do
volume 2 do apenso 83. Ademais, a ausência de repasse é
fato incontroverso nos autos, admitido por todos os
denunciados envolvidos.
A tese defensiva de que os valores foram retidos
porque pertenciam à DNA Propaganda não convence. A
uma, em razão da expressa previsão contratual, que não dá
margem a equívocos e distorções. A duas, porque a outra
empresa da qual o 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º
denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) eram sócios, a SMP&B Comunicação, no
contrato estabelecido com a Câmara dos Deputados,
repassou a quantia referente aos bônus de volume para o
órgão público, o que denota que os acusados sabiam qual
deveria ser o destino das verbas (informações prestadas
pela Câmara dos Deputados, fls. 40.816).
Ademais, conforme já versado, há prova pericial
afiançando a conclusão de que o Banco do Brasil S. A. fazia
jus aos valores relativos aos bônus de volume (Informação
Técnica nº 063/2010, fls. 38.525).
Ação Penal 470 Plenário
152
A prova oral produzida indica a íntima relação entre
o 5º denunciado (Marcos Valério) e o 17º denunciado
(Henrique Pizzolato) (testemunho de Danévita Ferreira de
Magalhães, fls. 20.122; testemunho de Fernanda Karina
Somaggio, fls. 19.646 e segs.; interrogatório do 17º
denunciado, fls. 15.948 e segs.).
Inaplicável à hipótese o disposto na Lei nº
12.232/2010, que versa sobre contratos com agências de
propaganda, seja porque se trata de legislação posterior,
seja por força da previsão contratual expressa em contrário,
tal como exposto alhures. Por isso mesmo, não se pode
considerar a nova legislação como abolitio criminis, mercê da
sua total impertinência com a seara penal.
Da terceira imputação de peculato (art. 312 do CP, quatro
vezes, na forma do art. 71 do CP)
De acordo com os elementos dos autos, o 5º
denunciado (Marcos Valério), em conluio com o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach), o 7º denunciado
(Cristiano Paz) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
desviou o valor de R$ 73.851.000,00 (setenta e três milhões,
oitocentos e cinquenta e um mil reais), provenientes do
Ação Penal 470 Plenário
153
Fundo de Investimento da Companhia Brasileira de Meios
de Pagamento (Visanet), composto de recursos do Banco do
Brasil S.A.
Conforme constatado pelo Laudo Pericial nº
2828/2006-INC (fls. 77/119 do apenso 142), a DNA
Propaganda Ltda. emitiu notas fiscais inidôneas para o
recebimento das seguintes verbas: R$ 23.300.000,00 (vinte e
três milhões e trezentos mil reais) em 19/05/2003; R$
6.454.331,43 (seis milhões, quatrocentos e cinquenta e
quatro mil, trezentos e trinta e um reais e quarenta e três
centavos) em 28/11/2003; R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco
milhões de reais) em 12/03/2004; e R$ 9.097.024,75 (nove
milhões, noventa e sete mil e vinte e quatro reais e setenta e
cinco centavos) em 01/06/2004. Duas das quatro notas
fiscais nem sequer foram registradas na contabilidade
original da DNA Propaganda Ltda., de acordo com o Laudo
nº 3.058/2005-INC (fls. 8.452/8.472). O mesmo laudo
comprova inúmeras incongruências na prestação de contas
da DNA Propaganda Ltda., relativa aos exorbitantes
valores percebidos.
Ação Penal 470 Plenário
154
A fls. 20.114 e seguintes consta o depoimento da
testemunha Danévita Ferreira de Magalhães, ex-funcionária
do Núcleo de Mídia do Banco do Brasil. Segundo narra, o
Núcleo de Mídia do Banco do Brasil administrava a verba
oriunda da Visa e que cabia a esta testemunha verificar a
efetiva implementação dos planos de mídia para autorizar o
pagamento aos veículos de comunicação. Entretanto, nos
termos do seu depoimento, o dinheiro foi transferido para a
DNA Propaganda sem a efetiva prestação do serviço de
publicidade. Portanto, houve o pagamento sem que o
serviço tenha sido prestado, tal como concluído no Laudo
Pericial nº 2.828/2006.
Nada obstante, é de se ressaltar que, também
segundo o Laudo Pericial nº 2828/2006, o 5º denunciado
(Marcos Valério) se apropriou de parte dos valores
desviados dos pagamentos feitos pela Visanet.
Especificidades dos saques e transferências realizados em
favor do 5º denunciado (Marcos Valério) já foram referidas
no voto do Ministro Relator.
Comprovada, desse modo, a prática de quatro crimes
de peculato (art. 312, caput, do CP).
Ação Penal 470 Plenário
155
Da segunda imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
Exsurge das provas produzidas, ainda, a prática do
crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal),
reconhecida no oferecimento e posterior pagamento pelo 5º
denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano
Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), da quantia
de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e
sessenta reais e sessenta e sete centavos) para o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), como contrapartida pelo
favorecimento ilícito que este último proporcionou à
empresa DNA Propaganda Ltda. O cheque sacado para a
obtenção do numerário que serviu de peita, assinado pelo
7º denunciado (Cristiano Paz), consta a fls. 732 do volume
nº 3 do apenso nº 87.
O 5º denunciado (Marcos Valério), em seu
interrogatório, admitiu o repasse de dinheiro ao 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), tendo, contudo, atribuído
o evento a uma transferência, determinada pelo 3º
denunciado (Delúbio Soares), para o Diretório do PT no Rio
de Janeiro.
Ação Penal 470 Plenário
156
Quanto ao ponto, o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato), em seu interrogatório de fls. 15.980, afirmou que,
em janeiro de 2004, recebeu um telefonema, em sua linha
celular, da secretária do 5º denunciado (Marcos Valério),
informando que este lhe havia solicitado o favor de buscar
“documentos” na agência do Banco Rural do Centro do Rio
de Janeiro. Os elementos de prova demonstraram que tais
“documentos” eram, na realidade, R$ 326.660,67 (trezentos
e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete
centavos) em espécie, pagos a título de peita ao 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), que logo após o episódio
adquiriu um apartamento de valor equivalente.
Nos termos expostos alhures, o 17º denunciado
(Henrique Pizzolato), no exercício do cargo de Diretor de
Marketing e Comunicação do Banco do Brasil S.A.,
beneficiou indevidamente a empresa DNA Propaganda
Ltda., pertencente ao 5º denunciado (Marcos Valério), ao 6º
denunciado (Cristiano Paz) e ao 7º denunciado (Ramon
Hollerbach), tanto permitindo a retenção dos bônus de
volume, quanto concedendo pagamentos sem a efetiva
Ação Penal 470 Plenário
157
contraprestação com recursos advindos do Fundo de
Incentivo Visanet.
Configurado, pois, o tipo penal do art. 333 do Código
Penal, in verbis: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a
funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício”.
6º DENUNCIADO (RAMON HOLLERBACH)
Da segunda imputação de peculato (art. 312 do CP)
Consta da denúncia, que o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach), em concurso de agentes com o 5º denunciado
(Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano Paz) e o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), praticou o crime do art.
312 caput do Código Penal (crime de peculato), em razão da
apropriação do valor de R$ 2.923.686,15 (dois milhões,
novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e seis reais
e quinze centavos) pertencentes ao Banco do Brasil S.A.
Em suas alegações finais, a defesa, inicialmente,
insistiu no argumento de que a denúncia não descrevera
minuciosamente as condutas praticadas pelo 6º denunciado
(Ramon Hollerbach), que pudessem amparar a imputação
pelo crime de peculato (art. 312 do Código Penal). Ademais,
Ação Penal 470 Plenário
158
justifica a desnecessidade do repasse ao Banco do Brasil no
fato de que os valores pertenciam à própria empresa
contratada, no caso, a DNA Propaganda. Por fim, a defesa
propugna pela atipicidade da conduta.
Contudo, não procede a tese da defesa.
Inicialmente, deve-se deixar consignado que o Parquet
federal se desobrigou no seu mister de detalhar a conduta
imputada aos acusados. Com efeito, a exordial acusatória
narra que a empresa DNA Propaganda, cujos sócios eram o
5º denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz), apropriou-se
de valores devidos ao Banco do Brasil, em flagrante
descumprimento à avença previamente pactuada.
Isto impõe a conclusão de que o 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) da DNA Propaganda, na condição de
sócio, agiu com o dolo específico de desviar as verbas que,
contratualmente, deveriam ser transferidas ao Banco do
Brasil. E, como já demonstrado algures, não havia a
separação estanque de atribuições dentro das decisões em
que eram sócios o 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º
Ação Penal 470 Plenário
159
denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado
(Cristiano Paz).
Com efeito, a atenta leitura do depoimento do 5º
denunciado (Marcos Valério) esclarece que a divisão de
tarefas na SMP&B Comunicação e na DNA Propaganda
possuía caráter meramente formal. A fls. 16.357, o 5º
denunciado (Marcos Valério) categoricamente aduz que
"havia uma divisão de tarefas apenas no plano formal, sendo, de
fato, a empresa administrada, em conjunto, pelo interrogando,
Ramon e Cristiano; diz que a empresa era ‘tocada a três mãos’;
prova disto é que havia a necessidade de aprovação, em conjunto,
dos três em decisões administrativas, havendo, outrossim, a
necessidade de ao menos duas assinaturas nos cheques emitidos
pela SMP&B.”. Tal informação é corroborada, ainda, no
depoimento do contador das empresas de Marcos Valério,
Marco Aurélio Prata (fl. 3.597). Segundo Marco Aurélio
Prata, “todos os três sócios, a saber, CRISTIANO, RAMON e
MARCOS VALÉRIO, participavam das decisões administrativas
da SMP&B COMUNICAÇÃO e DNA PROPAGANDA.”.
Forçoso concluir que as funções desempenhadas pelo
6º denunciado (Ramon Hollerbach) na DNA Propaganda
Ação Penal 470 Plenário
160
corroboram a imputação ministerial de que acusado, em
coautoria, desviou verbas pertencentes ao Banco do Brasil,
relativas ao Bônus de Volume, caracterizando o crime de
peculato (art. 312, caput, do Código Penal).
Demais disso, a tese defensiva de que os valores
foram retidos porque pertenciam à DNA Propaganda não
convence. Explico.
Em apertada síntese, a empresa DNA Propaganda, da
qual o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) era um dos
sócios, sagrou-se como uma das vencedoras da
Concorrência nº 01/2003, realizada pelo Banco do Brasil. No
contrato firmado entre a agência de publicidade e o Banco
do Brasil, constavam cláusulas (2.7.4.6 e 6.5) que estabelecia
o repasse à empresa estatal dos valores obtidos a título de
bônus de volume. Confira-se, por oportuno, o teor dos itens
2.7.4.6 e 6.5, respectivamente:
"CLÁUSULA SEGUNDA – OBRIGAÇÕES
DA CONTRATADA
(...)
2.7.4.6. Envidar esforços para obter as melhores
condições nas negociações junto a terceiros e
Ação Penal 470 Plenário
161
transferir, integralmente, ao BANCO os
descontos especiais (além dos normais, previstos
em tabelas), bonificações, reaplicações, prazos
especiais de pagamento e outras vantagens."
(documento de fls. 48/49, Apenso n° 83, vol.
01)
“ CLÁUSULA SEXTA – REMUNERAÇÃO
(...)
6.5. A Contratada não fará jus a nenhuma
remuneração ou desconto padrão de agência
quando da utilização, pelo Banco, de créditos que
a esta tenham sido eventualmente concedidos por
veículos de divulgação, em qualquer ação
publicitária pertinente a este Contrato.”
As supracitadas cláusulas se revelam suficientemente
claras no sentido de atribuir ao Banco do Brasil a
titularidade das verbas auferidas pela DNA Propaganda no
curso do contrato. E isso se justifica em razão de ser o Banco
do Brasil, por meio de sua Diretoria de Marketing, e não as
agências de publicidade por ele contratadas, que
negociavam diretamente com veículo de divulgação, a teor
Ação Penal 470 Plenário
162
das declarações do 17º denunciado (Henrique Pizzolato), de
fls. 15.964, vol. 74.
Entretanto, há informações nos autos de que tal
obrigação não foi adimplida, tendo a DNA Propaganda se
apropriado dos valores obtidos a título de Bônus de
Volume-BV, no valor de valor de R$ 2.923.686,15 (dois
milhões, novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e
seis reais e quinze centavos). Tal fato restou provado pelas
declarações prestadas pelo Banco do Brasil S.A., a fls. 332
do volume 2 do apenso 83. Insta ressaltar que a ausência de
repasse ao Banco é fato incontroverso nos autos, admitido
por todos os denunciados envolvidos. Assim, a expressa
previsão contratual não dá margem a equívocos e
distorções, de modo que os valores obtidos no curso do
contrato deveriam ser transferidos pela DNA Propaganda
ao Banco do Brasil.
Adite-se a isso que as Informações Técnicas nº
063/2010, de fls. 38.523/38.528, vol. 179, complementando o
Laudo nº 1.870/2009 (a fls. 34.843/34.858), reafirmam
peremptoriamente que, por expressa determinação
contratual, “todas as cobranças dos referidos Bônus de Volume –
Ação Penal 470 Plenário
163
BV deveriam ter sido restituídas pela DNA Propaganda Ltda. ao
Banco do Brasil.”
E, mais que isso, o mesmo Laudo n° 1.870/2009, de fls.
34.843/34.858, fortalece a tese de que houve a apropriação
indevida por parte da DNA Propaganda. Examinando o
teor da referida perícia, verifica-se a sistemática da
apropriação operada pela DNA Propaganda: o Banco do
Brasil negociava com os veículos de mídia e com outros
prestadores de serviços, repassando o preço integral do
serviço contratado com tais empresas à DNA Propaganda,
nele embutido o valor correspondente ao bônus de volume.
Desse montante, a DNA Propaganda retirava a sua
remuneração – esta sim devida, porquanto percebida a
título de honorários advocatícios – e o restante transferia
para as empresas contratadas. Em seguida, tinha-se o
pagamento pela empresa contratada à DNA Propaganda
referente ao Bônus de Volume – BV, em razão dos serviços
prestados ao Banco do Brasil. Por fim, e aqui é que se
configurava o crime de peculato, a DNA Propaganda emitia
as notas fiscais correspondentes (inidôneas, frise-se!!),
Ação Penal 470 Plenário
164
retendo os recursos de titularidade do Banco do Brasil, no
lugar de restituí-los.
Também não procede a alegação da defesa segundo
o qual a apropriação dos valores feita pela DNA
Propaganda consubstanciava uma espécie de “comissão” a
que fazia jus em razão do complexo de serviços por ela
contratados com os veículos de mídia. Como dito acima,
todos os valores auferidos pela DNA Propaganda deveriam
ser repassados ao Banco do Brasil, por expressa previsão
contratual.
Mas não é só. O argumento de que se tratava de
comissões somente se legitima se as bonificações se
limitassem à contraprestação pelas avenças firmadas pela
DNA Propaganda com outras empresas prestadoras de
serviços de divulgação na imprensa (veiculação de
propaganda em televisão, rádio, jornais e revistas).
Entrementes, as bonificações abarcavam ainda outros
serviços subcontratados pela agência de publicidade
(Laudo Pericial nº 1.870/2009, a fls. 34.843/34.858), e não
apenas a compra de mídia.
Ação Penal 470 Plenário
165
Diante disso, se se considerar apenas estes valores,
ainda assim a DNA Propaganda apropriou-se do montante
total de R$ 2.504.274,88 (dois milhões quinhentos e quatro
mil, duzentos e setenta quatro reais e oitenta e oito
centavos), conforme documento de fls. 386, Apenso nº 83,
vol. 2. Em outras palavras, tão somente R$ 419.411,27
(quatrocentos e dezenove mil, quatrocentos e onze reais e
vinte e sete centavos), atinentes ao somatório das notas
fiscais emitidas pela Três Editorial Ltda., subsumem-se ao
conceito de Bônus de Volume – BV proposto pelo acusado.
Por outro lado, verifica-se in casu que a outra empresa
da qual o 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado
(Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon Hollerbach) eram
sócios, a SMP&B Comunicação, no contrato estabelecido
com a Câmara dos Deputados, repassou a quantia referente
aos bônus de volume para o órgão público, o que denota
que os acusados conheciam a escorreita destinação das
verbas (informações prestadas pela Câmara dos Deputados,
fls. 40.816).
Neste particular, convém registrar a não incidência à
hipótese do disposto na Lei nº 12.232/2010, que versa sobre
Ação Penal 470 Plenário
166
contratos com agências de propaganda. Em primeiro lugar,
porque se trata de legislação posterior aos fatos narrados na
exordial. O texto constitucional, em seu art. 5º, inciso
XXXVI, veda a retroatividade da lei quando afetar atos
jurídicos perfeitos, como é o caso dos contratos celebrados
entre a SMP&B Propaganda e o Banco do Brasil.
Ademais, não se pode considerar a nova legislação
como abolitio criminis. Conforme mencionado no
depoimento do 17º denunciado (Henrique Pizzolato), de fls.
15.964, vol. 74, a negociação de compra de mídia era feita
diretamente pelo Banco do Brasil, e não pela DNA
Propaganda, cuja atuação circunscrevia-se em efetuar o
pagamento. Isso significa que os sócios da DNA
Propaganda sabiam de antemão que o pagamento realizado
pelas empresas subcontratadas deveria ser transferido ao
Banco do Brasil.
Muito pelo contrário. O parágrafo único do art. 15 da
Lei n° 12.232/2010 positivou no ordenamento jurídico pátrio
o que fora estabelecido anteriormente no negócio jurídico
celebrado entre o Banco do Brasil e a DNA Propaganda:
que os recursos obtidos pela compra de mídia, diretamente
Ação Penal 470 Plenário
167
ou por agência de publicidade, devem ser transferidos ao
contratante, no caso o Banco do Brasil. Assim dispõe in
verbis o supracitado preceito legal:
“Art. 15. (...)
Parágrafo único. Pertencem ao contratante as vantagens
obtidas em negociação de compra de mídia diretamente ou por
intermédio de agência de propaganda, incluídos os eventuais
descontos e as bonificações na forma de tempo, espaço ou
reaplicações que tenham sido concedidos pelo veículo de
divulgação.”
Como se logrou demonstrar nos presentes autos, os
recursos apropriados pela DNA Propaganda não se
relacionavam com qualquer “plano de incentivo”. Com
efeito, as notas fiscais acostadas aos autos, Laudo nº
1.870/2009, vol. 162, de fls. 34.843/34.858) dão conta de que
os Bônus de Volume-BV retidos pela DNA Propaganda se
relacionam aos serviços contratados pelo Banco do Brasil, e
que, por expressa determinação contratual e legal,
pertencem ao próprio Banco do Brasil.
E ainda que se considerasse que houve abolitio
criminis, a materialidade do delito de peculato estaria
Ação Penal 470 Plenário
168
configurada, na medida em que houve a apropriação,
conforme acima descrito, de parte substancial do montante
R$ 2.923.686,15 (dois milhões, novecentos e vinte e três mil,
seiscentos e oitenta e seis reais e quinze centavos), mais
especificamente de R$ 2.504.274,88 (dois milhões
quinhentos e quatro mil, duzentos e setenta quatro reais e
oitenta e oito centavos), doc. fls. 386, Apenso nº 83, vol. 2.
Diante do robusto acervo probatório acostado aos
autos, impõe-se reconhecer que o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) praticou o crime de peculato (art. 312 caput do
Código Penal).
Da terceira imputação de peculato (art. 312 do CP, quatro
vezes, na forma do art. 71 do CP)
De acordo com os elementos dos autos, o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach), em conluio com o 5º
denunciado (Marcos Valério), o 7º denunciado (Cristiano
Paz) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), desviou o
valor de R$ 73.851.000,00 (setenta e três milhões, oitocentos
e cinquenta e um mil reais), provenientes do Fundo de
Investimento da Companhia Brasileira de Meios de
Ação Penal 470 Plenário
169
Pagamento (Visanet), composto de recursos do Banco do
Brasil S.A.
Em suas alegações finais, propugna a defesa que o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) não desempenhava
funções na administração da DNA Propaganda, conforme
análise do contrato firmado entre a aludida agência de
publicidade e o Banco do Brasil, doc. nº 06, anexado à
Defesa Preliminar, Apenso nº 111 dos autos), razão pela
qual não subsistiria a imputação pelo crime em tela. Demais
disso, sustentam que a retenção dos valores não
caracterizou crime de peculato, na medida em que os
recursos adiantados à DNA Propaganda pelo 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) pertenciam à VISANET –
empresa privada –, e não ao erário federal.
As alegações da defesa não merecem ser acolhidas.
Em breve síntese dos fatos, o 17º denunciado
(Henrique Pizzolato) autorizou a liberação antecipada de
R$ 73.851.000,00 (setenta e três milhões, oitocentos e
cinquenta e um mil reais). Com efeito, consta da peça
acusatória ministerial que, das quatro autorizações
antecipatórias, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato)
Ação Penal 470 Plenário
170
assinou três delas (doc. de fls. 5.376/5.389). Tal informação
foi ratificada pelo próprio acusado, quando da apresentação
de sua defesa antes do recebimento da denúncia (a fls. 43,
Apenso 117), ocasião em que aquiescera com a transferência
dos recursos do Fundo VISANET para a DNA Propaganda.
Conforme constatado pelo Laudo Pericial nº
2828/2006-INC (fls. 77/119 do apenso 142), a DNA
Propaganda Ltda. emitiu notas fiscais inidôneas para o
recebimento das seguintes verbas: R$ 23.300.000,00 (vinte e
três milhões e trezentos mil reais) em 19/05/2003; R$
6.454.331,43 (seis milhões, quatrocentos e cinquenta e
quatro mil, trezentos e trinta e um reais e quarenta e três
centavos) em 28/11/2003; R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco
milhões de reais) em 12/03/2004; e R$ 9.097.024,75 (nove
milhões, noventa e sete mil e vinte e quatro reais e setenta e
cinco centavos) em 01/06/2004. Duas das quatro notas
fiscais nem sequer foram registradas na contabilidade
original da DNA Propaganda Ltda., de acordo com o Laudo
nº 3.058/2005-INC (fls. 8.452/8.472). O mesmo laudo
comprova inúmeras incongruências na prestação de contas
Ação Penal 470 Plenário
171
da DNA Propaganda Ltda., relativa aos exorbitantes
valores percebidos.
Não bastasse isso, estas antecipações feitas à agência
de publicidade não foram acompanhadas das
comprovações dos serviços que justificariam a transferência
dos volumosos recursos, conforme restou comprovado pelo
Laudo Pericial nº 2.828/2006-INC, a fls. 77/119, Apenso nº
142. Abaixo transcreve-se, por oportuno, trecho
significativo que corrobora a afirmação supra:
“IV.5 – Dos Contratos
(...)
40. Considerados os contratos entre o BB e a
DNA e as movimentações financeiras na conta
corrente da DNA, foi constatado que, para
executar despesas de publicidade, deveria haver
prévia aprovação de campanha publicitária, da
execução dos serviços, a confirmação da execução
e o posterior pagamento de cada um dos
fornecedores em créditos específicos na conta
corrente da agência de publicidade.
Ação Penal 470 Plenário
172
41. Quanto aos recursos do Fundo de Incentivo,
constatou-se que os valores faturados pela DNA
contra a Visanet eram aprovados de maneira
global, sem análise prévia das despesas, sem a
confirmação de execução dos serviços e com
antecipação de recursos.
42. Esses valores eram depositados nas contas
601999-4 ou 602000-3 da DNA, no Banco do
Brasil. Em seguida, eram transferidos, no todo ou
em parte, para fundos de investimentos do BB,
vinculados às contas 602000-3 ou 603000-9.
Documentos da DNA explicam o funcionamento
dessas contas e suas exclusividades para
movimentação de recursos do Fundo, Anexo I,
fls. 002 a 04.
43. Após autorização formal do BB, mediante
Nota Técnica, para pagamento a prestadores de
serviços, a DNA transferia recursos da conta
602000-3 para conta 601999-4 e a partir desta,
mediante cheque, TED ou saques em espécie,
eram efetuados os pagamentos aos fornecedores.
Ação Penal 470 Plenário
173
44. Durante os exames verificou-se que muitos
dos projetos ou campanhas publicitárias para o
Banco do Brasil, vinculados à verba do Fundo de
Incentivo, não apresentavam documentos que
permitissem comprovar que a DNA realizou os
respectivos serviços. Em determinados casos, a
DNA somente executou serviços de pagamentos
de faturas apresentadas pelo Banco do Brasil, tais
como UNESCO, BBTUR, Casa Tom Brasil, Paço
Alfândega, Lowe Ltda., dentre outros.
IV.6 - Dos Valores Destinados ao Banco do Brasil
Repassados à DNA
45. Após autorização formal do BB, mediante
Nota Técnica, para pagamento a prestadores de
serviços, a DNA transferia recursos da conta
602000-3 para conta 601999-4 e a partir desta,
mediante cheque, TED ou saques em espécie,
eram efetuados os pagamentos aos fornecedores.
46. Os exames foram direcionados para seis
grandes repasses realizados no período. A análise
do processo de liberação de recursos e de
Ação Penal 470 Plenário
174
prestação de contas, incluindo as notas fiscais
emitidas pela DNA, permitiu concluir que esses
valores foram transferidos em forma de
adiantamentos, o que contraria o Regulamento do
Fundo.
47. Para os valores transferidos, não existia ou
não foi apresentado um plano para utilização dos
recursos, tanto pela Visanet, quanto pelo BB ou
pela DNA. Também não havia quaisquer
documentos entre as partes vinculando a
necessidade de prestar serviços em decorrência
dos valores transferidos.
48. Os valores foram adiantados com a
apresentação de correspondências do Banco do
Brasil, JOBs, informando o valor a ser utilizado
pelo Banco, sem detalhamento das ações a serem
empreendidas, e, também por meio de
correspondência do BB, de notas fiscais emitidas
pela DNA, sem especificação dos serviços
prestados ou a serem realizados.
Ação Penal 470 Plenário
175
49. Com base nesses JOBs, a Visanet, mediante
uma rotina burocrática de aprovação da
solicitação de pagamento dos serviços, sem
quaisquer análises documentais, em desacordo
com as normas do Fundo, efetivava os
"pagamentos", quando na verdade tratava-se de
adiantamentos de recursos, que também não são
previstos no regulamento.”
Por outro lado, o Laudo Pericial nº 3.058/05-INC
corrobora as afirmações esposadas na exordial, no sentido
de que as notas fiscais emitidas por antecipação careciam
de legitimidade. Assim, é induvidoso que o repasse de
recursos do Fundo ocorreu com a prévia anuência do Banco
do Brasil e da VISANET, na medida em que as notas fiscais
não correspondiam a qualquer serviço prestado. De acordo
com o Laudo Pericial nº 3.058/05-INC:
"62. Além desses fatos, vale ressaltar que as
notas fiscais analisadas foram emitidas como
custo interno, o que significa que a própria
empresa DNA deveria ter prestado todos os
serviços relacionados às notas, não existindo
Ação Penal 470 Plenário
176
referência a contratações de outros prestadores de
serviços, tais como gráficas, ou mídias de
comunicação.
63. Na contabilidade, a Visanet registrou essas
notas fiscais como efetiva prestação de serviços
pela DNA, embora houvesse nessas notas e JOBs
informações suficientes para que se identificasse
incompatibilidade de datas, curto interstício de
tempo entre a aprovação e a execução dos
serviços, divergências de ações entre as descrições
de serviços com os JOBs apresentados,
faturamento como custo interno de todo o valor
da nota, além de não constar nos documentos
quaisquer comprovantes da efetiva execução dos
serviços pagos.
64. Nesse contexto, consideradas também as
características de custos internos das notas fiscais
e a necessidade de terceirização na execução de
serviços, cabe destacar que os prepostos do Banco
do Brasil, que decidiram e apresentaram para
pagamento as notas fiscais emitidas pela DNA
Ação Penal 470 Plenário
177
contra a Visanet, os prepostos da Visanet, que
acataram as notas sem quaisquer análises, e os
representantes da DNA eram conhecedores de
que essas notas apresentadas para sacar recursos
do Fundo não representavam serviços prestados.
65. Ainda em relação a essas notas fiscais,
considerando que todas são vinculadas ao fisco da
Prefeitura do Município de Rio Acima - MG,
cabe trazer as constatações do Laudo de Exame
Contábil nº 3058/05 - INC, de 29/11/2005, a
saber:
Ao 5° - Os investigados elaboraram,
distribuíram, forneceram, emitiram ou utilizaram
documento fiscal falso ou inexato?
72. Sim. Houve adulteração de Autorizações de
Impressões de Documentos Fiscais (AlDF),
comprovada por meio do Laudo de Exame
Documentoscópico nº. 3042/05- INC/ DPF, de
24/11/05.
73. Houve falsificação de assinaturas de
servidores públicos e de carimbos pessoais,
Ação Penal 470 Plenário
178
comprovada por meio do Laudo de Exame
Documentoscópico n°. 3042/05- INC/ DPF, de
24/11/ 05.
74. Foram impressas 80.000 notas fiscais falsas.
Vide letra h parágrafo 16, seção III – DOS
EXAMES.
75. Foram emitidas dezenas de milhares de notas
fiscais falsas. Vide letra i, parágrafo 16, e
parágrafo 22, da seção m - DOS EXAMES.
Entre essas, pode-se destacar três notas fiscais da
DNA emitidas à CBMP (Visanet): NF 029061,
de 05/05/03, R$ 23.300.000,00; NF 037402, de
13/02/04, R$ 35.000.000,00; NF 033997, de
11/11/03, R$ 6.454.331,43; e uma da Eletronorte:
NF 028207, de '08/e2/03, R$ 12.000.000;00.
66. Assim, os Peritos puderam concluir que essas
notas da DNA, além de serem falsas no suporte,
também o são no conteúdo, pois nenhuma delas
retrata uma prestação de serviços efetiva pela
agência de publicidade vinculada a Marcos
Valéria.”
Ação Penal 470 Plenário
179
Ao vasto acervo probatório é preciso incluir ainda o
depoimento da testemunha Danévita Ferreira de
Magalhães, ex-funcionária do Núcleo de Mídia do Banco do
Brasil, a fls. 20.114 e seguintes. Segundo narra, o Núcleo de
Mídia do Banco do Brasil administrava a verba oriunda da
Visa e que cabia a esta testemunha verificar a efetiva
implementação dos planos de mídia para autorizar o
pagamento aos veículos de comunicação. Entretanto, de
acordo com as suas considerações, o dinheiro foi
transferido para a DNA Propaganda sem a efetiva
prestação do serviço de publicidade. Portanto, houve o
pagamento sem que o serviço tenha sido prestado. Ante a
relevância, reproduzem-se, in verbis, os excertos que
afirmam o esquema ilícito:
“QUE o Núcleo de Mídia do Banco do Brasil é
formado por profissionais contratados pelas
agências licitadas para administrar todo o
processo publicitário e de comunicação do Banco
do Brasil; ( ...) QUE o NMBB era subordinado
administrativamente ao setor de marketing do
Banco do Brasil, a quem cabia repassar as
Ação Penal 470 Plenário
180
diretrizes, orientações e determinações a serem
seguidas; ( .. .) QUE no NMBB exercia a junção
de gerente de mídia, tendo como principal
atividade o controle da verba de veiculação
publicitária do Banco do Brasil; ( ... ) QUE no
ano de 2003 lhe foi apresentado o plano de mídia
da campanha Banco do Brasil/Visa Electron para
ser verificado e analisado para posterior
pagamento; QUE cabia à declarante atestar
que a campanha havia sido realmente
veiculada para poder autorizar o pagamento
aos veículos; QUE entretanto o dinheiro já
havia sido transferido para a DNA
Propaganda, sendo que o plano de mídia do
Banco do Brasil/Visa Electron apresentado
iria apenas regularizar e simular a
prestação do serviço de publicidade; QUE
entretanto esta campanha, no valor
aproximado de R$ 60 milhões, de fato nunca
havia sido veiculada; QUE o próprio diretor
de mídia da agência DNA Propaganda,
Ação Penal 470 Plenário
181
FERNANDO BRAGA, afirmou para a
declarante que esta campanha do Banco do
Brasil/Visa Electron não tinha e nem iria ser
veiculada; QUE cabia à agência DNA
Propaganda apresentar as notas fiscais
relativas aos gastos de veiculação da
referida campanha; QUE acredita que as
notas fiscais frias emitidas pela DNA
Propaganda e que estavam sendo
destruídas, conforme notícias da imprensa,
foram elaboradas para justificar esta
campanha de 2003 ou outras campanhas que
nunca foram veiculadas; QUE a partir da
sua recusa em assinar o plano de mídia
Banco do Brasil/Visa Electron do ano de
2003, bem como outros documentos que
poderiam lhe comprometer, percebeu que iria
ser demitida.” (doc. de fls. 19.158/19.161,
confirmado a fls. 20.114/20.128).
A relação entre o 5º denunciado (Marcos Valério) e o
17º denunciado (Henrique Pizzolato) também restou
Ação Penal 470 Plenário
182
comprovada nas declarações da testemunha Danévita
Ferreira de Magalhães, consoante se pode verificar:
"A SRA. - A senhora sabe informar se o Marcos
Valéria tinha alguma ligação com esse diretor lá
do núcleo de mídia?
A SRA. DANÉVITA FERREIRA DE
MAGALHÃES - A diretora do núcleo de mídia
era eu; é o diretor de Marketing do Banco do
Brasil o Senhor Henrique Pizzolato.
A SRA. - Ele tinha alguma ligação com ele?
A SRA. DANÉVITA FERREIRA DE
MAGALHÃES - Sim, direta.
A SRA. REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO – E vocês obedeciam às diretrizes
determinadas por quem lá no núcleo? Como que
era o trabalho? Vocês faziam a campanha, o
trabalho da - vamos dizer - veiculação era
aprovado por quem? Pela própria agência de
publicidade ou alguém do Banco do Brasil?
Ação Penal 470 Plenário
183
A SRA. DANÉVITA FERREIRA DE
MAGALHÃES - O Banco é quem determinava.
Sempre o Banco quem determinava.
A SRA. REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO – Quem do Banco lhe transferia as
orientações?
SRA. DANÉVITA FERREIRA DE
MAGALHÃES - É, vinha orientação do diretor
com o gerente e a pessoa era o subgerente, que era
o Senhor Roberto Messias, mas quem realmente
comandava era o Senhor Henrique Pizzolato.
Segundo o Laudo Pericial nº 2828/2006, parte do
dinheiro desviado do Fundo Visanet foi repassado para a
conta de titularidade da SMP&B Comunicação, da qual o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) era Vice-Presidente de
operações. Vale dizer, os estreitos laços que ligavam o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) e os sócios da DNA
Propaganda – 5º denunciado (Marcos Valério), o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado
(Cristiano Paz) prepararam o terreno para que os repasses
se concentrassem na aludida agência de publicidade.
Ação Penal 470 Plenário
184
Insta ressaltar que a relação não republicana entre os
acusados – assim como a constatação de que a gestão do 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), enquanto Diretor de
Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, foi
determinante para a mudança do formato dos repasses Via
VISANET – foram precisamente diagnosticadas no
Relatório Final da CPMI dos Correios (Volume 63).
De outra banda, os peritos ratificaram que o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach), em conluio com o 5º
denunciado (Marcos Valério) e o 7º denunciado (Cristiano
Paz), apropriaram-se das verbas objeto dos pagamentos
realizados pela VISANET, como uma espécie de
remuneração pelos serviços supostamente prestados. A
gramática interna da retenção ilícita das verbas se fundava
em saques e transferências realizadas a título de
“distribuição de lucros”.
Diante disso, ante a sua posição de sócio da DNA
Propaganda e a SMP&B Comunicação, deve-se imputar ao
6º denunciado (Ramon Hollerbach) a prática do crime de
peculato, porquanto não estava alheio à empreitada
Ação Penal 470 Plenário
185
criminosa, consoante bem apontou o e. Ministro Revisor
Ricardo Lewandowski, aquiescendo com a retenção ilícita.
Da segunda imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
Exsurge das provas produzidas, ainda, a prática do
crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal),
reconhecida no oferecimento e posterior pagamento pelo 5º
denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano
Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), da quantia
de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e
sessenta reais e sessenta e sete centavos), no dia 15 de
janeiro de 2004, para o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato), como contrapartida pelo favorecimento ilícito
que este último proporcionou à empresa DNA Propaganda
Ltda.
Com efeito, o cheque tinha como origem a conta da
DNA Propaganda, conforme prova acostada aos autos a fls.
729/738, Apenso nº 87, vol. 3. Consoante prática iterativa, o
cheque foi assinado nominalmente à DNA Propaganda, em
que um dos sócios era o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach), e endossado à própria agência. Mais ainda, foi
emitido sob o rótulo de “pagamento de fornecedor” (a fls.
Ação Penal 470 Plenário
186
734), como tentativa de ludibriar a transferência indevida
ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato).
De acordo com relato contido nos autos, o cheque não
fora sacado diretamente pelo 17º denunciado (Henrique
Pizzolato), mas por interposto, Luiz Eduardo Ferreira da
Silva, mensageiro da PREVI, da qual o ora acusado era o
Presidente à época. A comprovação se encontra nos recibos
de uso interno dos denunciados, acostado aos autos a fls.
736, Apenso nº 87, vol. 3.
A remição do cheque foi também ratificada pelo
depoimento do próprio mensageiro Luiz Eduardo Ferreira
da Silva, a fls. 992/994, vol. 4, quando declarou ter recebido
uma ligação do 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
solicitando que se dirigisse ao Banco Rural para efetuar o
saque do montante. Declarou, ademais, que repassara todo
o valor percebido, em mãos, ao 17º denunciado (Henrique
Pizzolato), acrescentando a informação de que tal verba se
destinou à aquisição do apartamento em que o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato) reside.
Estes eventos restaram demonstrados consoante
interrogatório do 17º denunciado (Henrique Pizzolato), a
Ação Penal 470 Plenário
187
fls. 15.980, na qual afirmou que, em janeiro de 2004,
recebera um telefonema, em sua linha celular, da secretária
do 5º denunciado (Marcos Valério), informando que este
lhe havia solicitado o favor de buscar “documentos” na
agência do Banco Rural do Centro do Rio de Janeiro. Os
elementos de prova demonstraram que tais “documentos”
eram, na realidade, R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis
mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete centavos)
em espécie, pagos a título de peita ao 17º denunciado
(Henrique Pizzolato), que logo após o episódio adquiriu um
apartamento de valor equivalente.
Adite-se a isso que consta dos autos informações
contraditórias para justificar o recebimento do montante.
De um lado, o 17º denunciado (Henrique Pizzolato), a fls.
1009/1013, assevera ter prestado favores ao 5º denunciado
(Marcos Valério), enquanto, do outro lado, o 5º denunciado
(Marcos Valério), a fls. 16.365, afirma categoricamente que o
repasse do dinheiro foi determinado pelo 3º denunciado
(Delúbio Soares).
Ocorre que, a despeito da presença de informações
colidentes nos depoimentos, o valor repassado ao 17º
Ação Penal 470 Plenário
188
denunciado (Henrique Pizzolato) se dera como uma
contrapartida em razão das benesses concedidas por este,
na condição de Diretor de Marketing e de Comunicação do
Banco do Brasil, à DNA Propaganda, pertencente ao 6º
denunciado (Ramon Hollerbach), ao 5º denunciado (Marcos
Valério) e ao 7º denunciado (Cristiano Paz), que assinou o
cheque, repita-se.
Nos termos expostos algures, o 17º denunciado
(Henrique Pizzolato), no exercício do cargo de Diretor de
Marketing e Comunicação do Banco do Brasil S.A.,
beneficiou indevidamente a empresa DNA Propaganda
Ltda., pertencente ao 5º denunciado (Marcos Valério), ao 6º
denunciado (Cristiano Paz) e ao 7º denunciado (Ramon
Hollerbach), tanto permitindo a retenção dos bônus de
volume, quanto concedendo pagamentos sem a efetiva
contraprestação com recursos advindos do Fundo de
Incentivo Visanet.
Demais disso, verifica-se que a empresa DNA
Propaganda, da qual o 6º denunciado (Ramon Hollerbach)
era um dos sócios, fora agraciada, dias após a emissão do
cheque, com a transferência de R$ 35.000.000,00 (trinta e
Ação Penal 470 Plenário
189
cinco milhões de reais), devidamente autorizados pelo 17º
denunciado (Henrique Pizzolato). De efeito, essa
transferência habilitou a DNA Propaganda a firmar
empréstimos junto ao Banco BMG, cuja finalidade precípua
era repassar essas verbas a pessoas previamente apontadas
pelo 3º denunciado (Delúbio Soares). O depoimento do 5º
denunciado (Marcos Valério), a fls. 356, vol. 2, confirma o
ocorrido.
Dois argumentos finais comprovam a ilicitude dos
pagamentos feitos ao 17º denunciado (Henrique Pizzolato).
O primeiro consiste na malfadada alegação de que o 6º
denunciado (Ramon Hollerbach) não se reunia diretamente
com o 17º denunciado (Henrique Pizzolato). Dentro da
divisão de tarefas, típica da coautoria, os contatos pessoais
reservavam-se ao 5º denunciado (Marcos Valério). Os
demais sócios da DNA Propaganda – o 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz) –
atuavam internamente, de modo a permitir o uso das
agências das quais eram sócios como solo fértil para a
empreitada criminosa, consubstanciada em
enriquecimentos ilícitos e desvios de verbas públicas. Dito
Ação Penal 470 Plenário
190
de outro modo, o 6º denunciado (Ramon Hollerbach), o
acusado que nos move neste momento, não estava alheio ao
que ocorria sob sua vigilância.
O segundo, e derradeiro, ponto que gostaria de
destacar se refere ao teor do depoimento da testemunha
Paulino Alves Ribeiro Júnior, à época Diretor Financeiro da
agência DNA Propaganda. Segundo consta de seu
interrogatório, o 5º denunciado (Marcos Valério)
determinava a emissão de vultosos saques daquela agência
de publicidade como forma de distribuição de lucros da
Grafitti Ltda. e como empréstimos à SMP&B Propaganda,
ambas de sociedade exclusiva do 5º denunciado (Marcos
Valério), do 6º denunciado (Ramon Hollerbach) e do 7º
denunciado (Cristiano Paz).
Configurado, pois, o tipo penal do art. 333 do Código
Penal, in verbis: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a
funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício”.
7º DENUNCIADO (CRISTIANO PAZ)
Da segunda imputação de peculato (art. 312 do CP)
Ação Penal 470 Plenário
191
A instrução probatória logrou demonstrar que o 7º
denunciado (Cristiano Paz), em concurso de agentes com o
6º denunciado (Ramon Hollerbach), o 5º denunciado
(Marcos Valério) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
praticou o delito de peculato, em razão da apropriação do
valor de R$ 2.923.686,15 (dois milhões, novecentos e vinte e
três mil, seiscentos e oitenta e seis reais e quinze centavos)
pertencentes ao Banco do Brasil S.A.
Conforme cláusula do contrato entre a DNA
Propaganda e o Banco do Brasil S.A., era obrigação da
primeira empresa “transferir, integralmente, ao BANCO os
descontos especiais (além dos normais, previstos em tabelas),
bonificações, reaplicações, prazos especiais de pagamento e outras
vantagens“ (fls. 48/49 do volume 1 do apenso 83).
Entretanto, a obrigação foi descumprida, tendo a DNA
Propaganda se apropriado dos valores obtidos a título de
bônus de volume no valor de valor de R$ 2.923.686,15 (dois
milhões, novecentos e vinte e três mil, seiscentos e oitenta e
seis reais e quinze centavos), o que restou provado por
informação prestada pelo Banco do Brasil S.A., a fls. 332 do
volume 2 do apenso 83. Ademais, a ausência de repasse é
Ação Penal 470 Plenário
192
fato incontroverso nos autos, admitido por todos os
denunciados envolvidos.
A tese defensiva de que os valores foram retidos
porque pertenciam à DNA Propaganda não convence. A
uma, em razão da expressa previsão contratual, que não dá
margem a equívocos e distorções. A duas, porque a outra
empresa da qual o 5º denunciado (Marcos Valério), o 7º
denunciado (Cristiano Paz) e o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) eram sócios, a SMP&B Comunicação, no
contrato estabelecido com a Câmara dos Deputados,
repassou a quantia referente aos bônus de volume para o
órgão público, o que denota que os acusados sabiam qual
deveria ser o destino das verbas (informações prestadas
pela Câmara dos Deputados, fls. 40.816).
Inaplicável à hipótese o disposto na Lei nº
12.232/2010, que versa sobre contratos com agências de
propaganda, seja porque se trata de legislação posterior,
seja por força da previsão contratual expressa em contrário.
Por isso mesmo, não se pode considerar a nova legislação
como abolitio criminis, mercê da sua total impertinência com
a seara penal.
Ação Penal 470 Plenário
193
Também não prospera a alegação defensiva de que o
7º denunciado (Cristiano Paz) não exercia qualquer
interferência na atividade gerencial da DNA Propaganda
Ltda. Primeiramente porque o 7º denunciado (Cristiano
Paz) efetivamente representava a aludida empresa, tanto
assinou o cheque que se destinou ao pagamento de R$
326.660,67 para o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
segundo consta dos autos (Apenso 87, volume 3, fls. 732).
Ademais, o depoimento do Sr. Ivan Guimarães, ex-
presidente do Banco Popular do Brasil, registra que o 7º
denunciado (Cristiano Paz) e 5º denunciado (Marcos
Valério) se apresentaram a ele como representantes da
DNA Propaganda Participações Ltda. (vol. 135, fls.
29.523/29.537), o que revela papel verdadeiramente decisivo
na condução dos negócios sociais. Consta ainda dos autos
depoimento de Walfrido dos Mares Guia (v. 98, fls,
21.272/9), afirmando que, após a morte do Sr. Daniel Freitas
em 2002, a SMP&B e a DNA Propaganda passaram a ser
controladas pelo mesmo grupo composto exclusivamente
pelos 5º denunciado (Marcos Valério), 6º denunciado
(Ramon Hollerbach) e o 7º denunciado (Cristiano Paz).
Ação Penal 470 Plenário
194
Some-se a isso que o depoimento do 5º denunciado
(Marcos Valério) esclarece que a divisão de tarefas na
SMP&B Comunicação e na DNA Propaganda possuía
caráter meramente formal. A fls. 16.357, o 5º denunciado
(Marcos Valério) categoricamente aduz que "havia uma
divisão de tarefas apenas no plano formal, sendo, de fato, a
empresa administrada, em conjunto, pelo interrogando, Ramon e
Cristiano; diz que a empresa era ‘tocada a três mãos’; prova disto
é que havia a necessidade de aprovação, em conjunto, dos três em
decisões administrativas, havendo, outrossim, a necessidade de ao
menos duas assinaturas nos cheques emitidos pela SMP&B.”. Tal
informação é corroborada, ainda, no depoimento do
contador das empresas de Marcos Valério, Marco Aurélio
Prata (fl. 3.597). Segundo Marco Aurélio Prata, “todos os três
sócios, a saber, CRISTIANO, RAMON e MARCOS VALÉRIO,
participavam das decisões administrativas da SMP&B
COMUNICAÇÃO e DNA PROPAGANDA”.
Esses dados são , a fls. 29 do Apenso 51 do vol. I, o
Instituto Nacional de Criminalística traçou esclarecedor
diagrama das relações empresariais articuladas pelo 5º
denunciado (Marcos Valério), aí evidenciando a ampla
Ação Penal 470 Plenário
195
integração do grupo econômico de que fazia parte a DNA
Propaganda e a Graffiti Participações, tudo isso revelar a
sintonia criminosa em que operavam os envolvidos.
Em seu depoimento (fls. 2253/2256, vol. 11), o 7º
denunciado (Cristiano Paz) reconhece que formalizou cinco
empréstimos em nome da Graffiti Participações, sendo três
deles junto ao Banco BMG e dois junto ao Banco RURAL,
tendo sido informado pelo 5º denunciado (Marcos Valério)
que os valores obtidos se destinavam ao Partido dos
Trabalhadores, segundo entendimentos firmados entre ele e
o 3º denunciado (Delúbio Soares).
Diante de todo esse quadro probatório, é
incontroverso que as funções desempenhadas pelo 7º
denunciado (Cristiano Paz) na DNA Propaganda
corroboram a imputação ministerial de que acusado, em
coautoria, desviou verbas pertencentes ao Banco do Brasil,
relativas ao Bônus de Volume, caracterizando o crime de
peculato (art. 312, caput, do Código Penal).
Da terceira imputação de peculato (art. 312 do CP, quatro
vezes, na forma do art. 71 do CP)
Ação Penal 470 Plenário
196
De acordo com os elementos dos autos, o 7º
denunciado (Cristiano Paz), em conluio com o 5º
denunciado (Marcos Valério), o 6º denunciado (Ramon
Hollerbach) e o 17º denunciado (Henrique Pizzolato),
desviou o valor de R$ 73.851.000,00 (setenta e três milhões,
oitocentos e cinquenta e um mil reais), provenientes do
Fundo de Investimento da Companhia Brasileira de Meios
de Pagamento (Visanet), composto de recursos do Banco do
Brasil S.A.
A incursão no crime de peculato por quatro vezes
decorre de quatro diferentes repasses pelo Fundo Visanet
de verbas milionárias pertencentes ao Banco do Brasil para
a empresa DNA Propaganda Ltda. Conforme constatado
pelo Laudo Pericial nº 2828/2006-INC (fls. 77/119 do apenso
142), a DNA Propaganda emitiu notas fiscais inidôneas
para o recebimento das seguintes verbas: R$ 23.300.000,00
(vinte e três milhões e trezentos mil reais) em 19/05/2003; R$
6.454.331,43 (seis milhões, quatrocentos e cinquenta e
quatro mil, trezentos e trinta e um reais e quarenta e três
centavos) em 28/11/2003; R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco
milhões de reais) em 12/03/2004; e R$ 9.097.024,75 (nove
Ação Penal 470 Plenário
197
milhões, noventa e sete mil e vinte e quatro reais e setenta e
cinco centavos) em 01/06/2004. Duas das quatro notas
fiscais nem sequer foram registradas na contabilidade
original da DNA Propaganda Ltda., de acordo com o Laudo
nº 3.058/2005-INC (fls. 8.452/8.472). O mesmo laudo
comprova inúmeras incongruências na prestação de contas
da DNA Propaganda Ltda., relativa aos exorbitantes
valores percebidos.
Constam dos autos diversas razões pelas quais os
recursos não poderiam ter sido repassados à DNA
Propaganda:
(i) Segundo o Laudo 2.828/2006-INC, “a forma
de uso dos recursos do Fundo de Incentivos
Visanet não estava amparada por qualquer dos
contratos apresentados à perícia” (fls. 77,
Apenso 142);
(ii) A agência de publicidade não prestou
qualquer serviço que justificasse o
pagamento. A fls. 20.114 e seguintes consta o
depoimento da testemunha Danévita
Ferreira de Magalhães, ex-funcionária do
Ação Penal 470 Plenário
198
Núcleo de Mídia do Banco do Brasil.
Segundo narra, o Núcleo de Mídia do Banco
do Brasil administrava a verba oriunda da
Visa e que cabia a esta testemunha verificar a
efetiva implementação dos planos de mídia
para autorizar o pagamento aos veículos de
comunicação. Entretanto, segundo afirma, o
dinheiro foi transferido para a DNA
Propaganda sem a efetiva prestação do
serviço de publicidade. Portanto, houve o
pagamento sem que o serviço tenha sido
prestado;
(iii) As notas fiscais apresentadas pela DNA
Propaganda não era idôneas (Laudo
2828/2006-INC, fls. 77/119, Apenso 142).
Também aqui não prospera a tese defensiva quanto à
pretensa falta de envolvimento do 7º denunciado (Cristiano
Paz). De acordo com o Laudo Pericial nº 2828/2006, parte do
dinheiro desviado do fundo Visanet foi repassado para a
conta de titularidade do 7º denunciado (Cristiano Paz),
Ação Penal 470 Plenário
199
mantida no Banco Rural; além disso, outro montante foi
transferido para a conta da SMP&B Comunicação, da qual o
7º denunciado (Cristiano Paz) era Presidente. Inequívoco,
portanto, o benefício pessoal auferido com a prática dos
ilícitos.
Além de ter obtido vantagens, o 7º denunciado
(Cristiano Paz) inegavelmente tomou parte decisiva e
determinante nas operações fraudulentas. Como assentado
supra, o 7º denunciado (Cristiano Paz) assumia obrigações
em nome da DNA Propaganda, apresentava-se a agentes
públicos como seu representante e exercia o controle da sua
gestão. Tudo isso denota que, em termos técnicos, embora o
7º denunciado (Cristiano Paz) possa não ter realizado
exclusivamente todos os elementos objetivos do tipo, não se
pode negar a sua autoria, uma vez que, na divisão prévia
de tarefas para o cometimento do ilícito penal, a sua
conduta atribuída foi imprescindível ao atingimento do fato
punível. Trata-se de um coautor funcional, porquanto a
realização dos ilícitos somente pode ser viabilizada
mediante a cooperação comunitária no fato. Assim, não se
deve exigir do 7º denunciado (Cristiano Paz) a prática da
Ação Penal 470 Plenário
200
conduta descrita no núcleo do tipo penal, mas tão somente
que a fração do ato executório por ele praticada seja
indispensável, diante das singularidades do tipo penal e do
caso concreto, para a consecução do ilícito penal.
Comprovada, desse modo, a prática de quatro crimes
de peculato (art. 312, caput, do CP).
Da segunda imputação de corrupção ativa (art. 333 do CP)
Exsurge das provas produzidas, ainda, a prática do
crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal),
reconhecida no oferecimento e posterior pagamento pelo 5º
denunciado (Marcos Valério), pelo 6º denunciado (Cristiano
Paz) e pelo 7º denunciado (Ramon Hollerbach), da quantia
de R$ 326.660,67 (trezentos e vinte e seis mil, seiscentos e
sessenta reais e sessenta e sete centavos) para o 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), como contrapartida pelo
favorecimento ilícito que este último proporcionou à
empresa DNA Propaganda Ltda.
Quanto ao ponto, o 17º denunciado (Henrique
Pizzolato), em seu interrogatório de fls. 15.980, afirmou que,
em janeiro de 2004, recebeu um telefonema, em sua linha
celular, da secretária do 5º denunciado (Marcos Valério),
Ação Penal 470 Plenário
201
informando que este lhe havia solicitado o favor de buscar
“documentos” na agência do Banco Rural do Centro do Rio
de Janeiro. Os elementos de prova demonstraram que tais
“documentos” eram, na realidade, R$ 326.660,67 (trezentos
e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e sete
centavos) em espécie, pagos a título de peita ao 17º
denunciado (Henrique Pizzolato), que logo após o episódio
adquiriu um apartamento de valor equivalente.
Como já exaustivamente destacado nesses autos, o 7º
denunciado (Cristiano Paz) foi quem efetivamente visou o
cheque de R$ 326.660,67 (Apenso 87, volume 3, fls. 732), em
nome da empresa DNA Propaganda, como pagamento ao
17º denunciado (Henrique Pizzolato), em troca do benefício
indevido por este prestado, consistente na retenção dos
bônus de volume e em pagamentos sem a efetiva
contraprestação com recursos advindos do Fundo de
Incentivo Visanet.
Configurado, pois, o tipo penal do art. 333 do Código
Penal, in verbis: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a
funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício”.
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