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“IV Seminário de Trabalho e Gênero - Protagonismo, ativismo, questões de gênero revisitadas”
ST: Trabalhadoras e militantes: quando as
mulheres vão à luta nos espaços sociais
As mulheres em luta: O movimento docente em Minas
Gerais diante do governo Aécio
Janine Maily Bell
Patrícia Vieira Trópia
2012
As mulheres em luta: o movimento docente em Minas Gerais diante do Governo
Aécio
Janine Maily Bell1
Patrícia Vieira Trópia²
Universidade Federal de Uberlândia
CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Resumo: O presente artigo analisa como o Sindicato Único dos Trabalhadores em
Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) atuou diante do governo Aécio Neves
(2003 – 2010) levando em consideração uma característica relevante de sua composição
social: o fato de ter 83% de mulheres. Tentamos aqui entender como aparecem, dentre
as ações e reivindicações do movimento dos/as trabalhadores/as em educação, a questão
da mulher. Muitas das reivindicações sindicais são voltadas para interesses específicos
da trabalhadora, no entanto manifestam-se ainda problemas de desigualdade de gênero
dentro da própria categoria, por meio, por exemplo, de relatos de mulheres que afirmam
que muitas das vezes os dirigentes – em sua maioria homens – nem sempre estão
dispostos a discutir suas demandas. Propomo-nos então, neste trabalho, a analisar as
questões específicas das mulheres no sindicalismo docente da rede pública de Minas
Gerais. Para tanto se discute o movimento docente em MG diante do Governo Aécio
Neves bem como as reivindicações e a atuação das mulheres no Sind-UTE.
Palavras-chave: desigualdade de gênero, reivindicações sindicais, feminismo.
Introdução
Enquanto na Europa as feministas lidavam com as questões advindas da Revolução
Industrial, no Brasil as mulheres ainda se viam sob a opressão da Casa Grande, ainda no
sistema escravocrata. A mulher vivia grande opressão dentro de casa, obedecendo a
ordens ou do pai ou do marido, restritas ao âmbito privado domiciliar e à
obrigatoriedade de cumprir sua principal função: a de procriar e cuidar da prole
(COSTA; SARDENBERG, 1991). As mulheres negras eram as que mais sofriam, pois
eram vítimas da opressão tanto por parte de seus senhores quanto por parte de suas
amas. Findo o sistema escravocrata, as mulheres livres, das classes operárias, que
precisavam sair de casa para trabalhar, gozavam de certa liberdade, mas viviam também
forte opressão e eram expostas a jornadas de trabalho extensivas, ganhando menos que
os homens, em condições de trabalho insalubres e tendo que desenvolver outras
atividades para sustentarem a si e a seus filhos. Essas mulheres foram as primeiras a
reivindicar direitos relacionados à questão trabalhista.
No entanto, a primeira bandeira de luta feminina no Brasil, assim como na Europa, foi a
luta pelo direito à educação, à profissionalização e ao sufrágio – partindo de mulheres
1 Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Uberlândia; membro do grupo de pesquisa Classe Média e Política no Brasil Contemporâneo e bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq.
jan_mbell@hotmail.com
² Professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia. Coordenadora do
Grupo de Pesquisa Classe Média e Política no Brasil Contemporâneo e pesquisadora Fapemig.
tropia@uol.com.br
brancas da classe média (COSTA; SARDENBERG, 1991). A Constituição de 1891 foi
um documento muito vago em relação à questão da mulher – definia que todos eram
iguais perante a lei, mas não falava especificamente da mulher – o que, na prática, fazia
com que essa igualdade atingisse apenas os homens brancos alfabetizados detentores de
poder econômico – uma minoria da população (COSTA; SARDENBERG, 1991).
As mulheres brasileiras perceberam que a desigualdade de seu sexo não se resumia a
questões jurídicas e se viram então na necessidade de lutar por outras questões, como
salários – ainda recebiam menos que os homens – condições de trabalho, e direitos
trabalhistas que representassem necessidades das trabalhadoras mães, por exemplo –
licença maternidade, aborto, creches etc. Conseguem seu direito ao voto somente em
1932 com o governo Vargas – concessão cedida em função da estratégia de caráter
populista (COSTA; SARDENBERG, 1991). Em 1934 temos a primeira mulher eleita a
deputada, e em 1937 a apresentação de um Estatuto da Mulher, que estabelece direitos
como licença maternidade de três meses e outras leis de proteção ao trabalho da mulher.
Com a ditadura militar, nasce o questionamento acerca da divisão sexual do trabalho e
do papel da mulher na família e sociedade como um todo. Nas universidades e
instituições de pesquisa começam a surgir grupos de estudos voltados para as questões
de gênero, fazendo com que o debate começasse a se aprofundar no país como um todo
(COSTA; SARDENBERG, 1991).
Entretanto, ainda com todos os avanços do movimento ao longo dos anos, o feminismo
é ainda hoje visto como algo negativo, um movimento tratado com hostilidade e mesmo
ridicularizado, pautando estereótipos como aqueles que afirmam que a feminista é uma
mulher masculinizada que não gosta dos homens e que luta por uma inversão de papéis
na sociedade – o mito do matriarcado (COSTA; SARDENBERG, 1991). No entanto, o
feminismo, de acordo com COSTA e SARDENBERG (1991) nada mais é que um
movimento muito próximo ao humanismo:
A transfiguração da mulher, que há de decorrer da vitória sobre o estereótipo
feminino, há de derrotar, também, a deformação do estereótipo masculino,
transfigurando também o homem. O advento de uma nova mulher desencadeará o
advento de um novo homem. Surgirá uma nova humanidade. (COSTA,
SARDENBERG, 1991: 112)
Muito embora o movimento feminista tenha avançado, o espaço das mulheres no
mercado de trabalho permanece desigual, mesmo naquelas profissões histórica e
majoritariamente assumidas por elas, como é o caso da docência.
A escola tem sido um importante espaço social de trabalho das mulheres - o que fez
com que o trabalho em escolas e a docência propriamente dita fossem interpretadas
como atividades típicas das mulheres.. Vejamos inicialmente porque esta imagem da
educação como um trabalho tipicamente feminino se difundiu para então adentrarmos
na questão do movimento dos/as trabalhadores/as da educação em si. Depois
discutiremos as ações e a participação da mulher dentro do movimento docente. Muito
embora as trabalhadoras em educação não se intitulem de “feministas”, elas irão pautar
inúmeras questões femininas dentro do movimento.
Em 2004, 43,1% da PEA era composta por mulheres; 43,7% dos docentes do ensino
superior no Brasil, em 2004, também eram mulheres. Uma em cada 20 mulheres que
trabalham são professoras, dado que indica que “existem mais de 10 professoras para
cada professor, indicando um alto grau de feminização da ocupação, uma questão que
será tratada em maior profundidade na subseção que aborda este fenômeno” (BARROS,
2001)
Por que a maioria da categoria docente é composta por mulheres? Esse dado está longe
de consistir em uma coincidência. Na verdade, ele possui uma explicação ao mesmo
tempo histórica e sociológica, envolvida com todo o papel que a mulher forçosamente
precisou, e muitas vezes ainda precisa, desempenhar na sociedade: o papel de mãe, o
papel de dona de casa, o papel de esposa, “delicada”, “frágil”, “atenciosa” e “passiva”.
A profissão docente, em sua origem, foi reconhecida socialmente como uma profissão
de colarinho-rosa – desenvolvida, em sua grande parte, por mulheres. As razões desta
imagem advêm do fato do magistério ter sido por muito tempo interpretado como uma
profissão exclusivamente feminina.Trata-se de uma profissão que surgiu muito próxima
e mesmo até parecida com as atividades de âmbito privado – atividades de leitura, em
ambientes fechados, com cuidados com crianças etc. – onde a mulher permaneceu
confinada por muitos séculos, desempenhando sempre as mesmas atividades.
Se à mulher cabia a função de, dentro de casa, cuidar das crianças e as educar – a
educação da mulher era inclusive voltada para a aprendizagem de cuidados com a
criança, com a casa e com o marido –, quando a educação sai do modelo individual
privado e passa para a escola é a mulher que irá se deslocar até lá, para cuidar e educar
todas as crianças, continuando a se confinar num ambiente externo mas fechado,
privado, “seguro”.
Embora hoje haja muitos homens professores, a grande maioria ainda são mulheres – o
que nos leva a pensar se, no conjunto das reivindicações do movimento docente, podem
ser identificadas questões e necessidades fundamentalmente femininas. Além disso,
dentro dessa questão da profissão reconhecida como feminina, vemos outra
manifestação de machismo: a interpretação de que os homens que trabalham na
educação são, em sua maioria, afeminados e incapazes de desenvolver atividades de
alcance masculino, principalmente se esse homem for educador de crianças menores e
de algumas disciplinas também reconhecidas como mais feminilizadas.
No entanto, mesmo que o homem esteja quebrando alguns tabus e, ao longo dos anos,
adentrando mais o espaço escolar, a mulher ainda é maioria na categoria: em Minas
Gerais, representa 83% da mesma2. Esse fato nos leva ainda a outra questão: a possível
relação entre a desvalorização do trabalho da mulher na sociedade – que ganha menos
que o homem – e a desvalorização na profissão docente em nossa sociedade. Se a
educação é a base do desenvolvimento do cidadão, porque a profissão é vista com
reticência; por que seus/suas trabalhadores/as estão suscetíveis a tantas formas de
flexibilização; e por que após tantos anos de estudo e luta, ainda não conseguem
garantir ao menos seu piso salarial?
Os problemas dos/as profissionais da educação tem relação com a desvalorização do
trabalho da mulher, que desde que entrou no mercado de trabalho, e ainda hoje, é vista
como uma profissional menos competente e cuja força de trabalho vale menos no
mercado de trabalho. Assim, essa profissão, reconhecida como uma profissão feminina,
2 Periódico Outras Palavras. Belo Horizonte. P.01. Maio de 2003.
sofre inúmeras formas de flexibilização e desvalorização na sociedade. Vejamos agora o
surgimento do movimento dos trabalhadores em educação em Minas Gerais.
O movimento dos trabalhadores em educação
O movimento dos trabalhadores em educação de Minas Gerais começou a se organizar
no final dos anos de 1970, no contexto do chamado Novo Sindicalismo, quando é criada
a União dos Trabalhadores da Educação (UTE). Em 1979 a UTE é fundada após uma
expressiva greve que envolveu quase a totalidade da categoria. Motivados por
reivindicações econômicas e trabalhistas, e pelo clima político do final dos anos 1970,
os/as trabalhadores/as deflagram a greve, paralisando a rede pública e particular de
ensino de Minas Gerais. Elaboram uma carta aberta à população, pedindo apoio ao
movimento e apresentam as razões e principais reivindicações da greve. Além da
solidariedade popular, o movimento contou com o apoio político e material de outros
sindicatos, dentre eles os sindicatos operários.
De acordo com Oliveira (2006), uma das principais razões para o apoio massivo da
população ao movimento teria sido o fato de a maioria das grevistas serem professoras
mulheres, do ensino básico. Subjacente a este apoio estaria uma interpretação da
sociedade segundo a qual a mulher seria um indivíduo frágil, que consegue sensibilizar
outras categorias de trabalhadores e mesmo os pais de seus alunos levando-os a
apoiarem seu movimento. Nesse momento, de certa maneira, o estereótipo da
fragilidade da mulher acabou por ajudar o movimento a alcançar mais visibilidade e
abrangência.
As lutas da UTE se intensificam, sobretudo para reivindicar melhoria das condições
salariais e de trabalho, numa conjuntura marcada por históricas perdas salariais
derivadas da inflação e dos planos econômicos. Deflagram-se seis greves durante os
anos de 1980. Esta intensa mobilização foi marcante e acabou criando as condições
políticas para que, conquistado o direito de greve e de sindicalização dos servidores
públicos em 1988, a UTE se reorganizasse. Em 1990, surge o Sindicato Único dos
Trabalhadores em Educação de Minas Gerais, e muito embora os anos de 1990 se
caracterizem pela queda no número de greves no Brasil, o intenso ativismo do Sind-
UTE destoa do movimento nacional. Durante toda a década de 1990 são realizadas nove
greves.
Com a ascensão de Aécio Neves ao governo e a implantação do choque de gestão, o
sindicato passa a promover uma greve a cada ano, reivindicando, principalmente, piso
salarial, reestruturação da carreira, saúde e valorização do trabalhador, regularização
dos concursos e manutenção de direitos. O que foi o choque de gestão?
O choque de gestão – conjunto de medidas determinadas pelo governo Aécio Neves
cujo objetivo seria sanar problemas político-administrativos herdados de gestões
governamentais anteriores – é implementado em 2003, prevendo um corte de despesas e
a necessidade de redução de custos, o que envolveria enxugamento de pessoal na área
da educação, arrocho salarial e diminuição do investimento na educação.
As medidas tomadas visavam à modernização dos sistemas, reestruturação do aparelho
do Estado, racionalização de gastos e mudanças na burocracia e, segundo seus
defensores, seria condição necessária para reduzir o custo dos serviços públicos.
Para tanto, o governo Aécio retoma a interlocução com o Banco Mundial, o BID, entre
outros agentes internacionais, que passam então a estipular metas – tais como taxa de
analfabetismo, repetência e desistência escolar – para a educação, como condição para
receber novos financiamentos. Diante da inicial repercussão inicial do choque de
gestão, o governo utilizou-se da mídia como instrumento de propagação de uma
imagem positiva de suas ações, divulgando inclusive dados das contas públicas,
buscando, assim, o consenso em torno da necessidade de reduzir a dívida do estado.
Apesar de afetar a população com o aumento de impostos e congelamento de salários do
funcionalismo público, o choque de gestão tem apoio popular posto que a dívida
pública logo no primeiro ano de governo cai de R$2,3 bilhões para R$228 milhões,
criando uma aparência de eficiência. Essa redução serviu para se criar o mito do “déficit
zero”, principal bandeira e “conquista” do governo, símbolo da sua eficiência,
principalmente a partir do ano de 2004. No entanto, o “déficit zero” constitui-se num
mito, na medida em que o governo mineiro se beneficiou de um momento
economicamente positivo para o Brasil como um todo. Ademais, a redução da dívida se
deu por meio do corte de financiamento público em setores como saúde e educação,
prejudiciais à sociedade mineira. Como reagiu o movimento docente e o Sind-UTE ao
choque de gestão?
A direção do Sind-UTE tenta demonstrar como essas medidas foram negativas para a
totalidade do funcionalismo público, principalmente para os/as trabalhadores/as em
educação. Durante o período analisado (2003 – 2010) é notória a estratégia de embate
do sindicato, ao alegar a importância do investimento público na educação e dos
próprios professores/as para a sociedade, bem como ao denunciar o preço alto pago pelo
sistema educacional. Atento à política econômica e à administração do governo Aécio, o
Sind-UTE atuará como oposição ao choque de gestão.
O sindicato tende a interpretar as medidas do governo como ofensivas contra o
funcionalismo público e a educação. As principais reivindicações da categoria giram em
torno do piso salarial profissional nacional, saúde do trabalhador, reestruturação da
carreira, revisão dos concursos públicos e chamada dos aprovados nos mesmos. Diante
do descumprimento das promessas governamentais feitas ano após ano, o sindicato
passa a mobilizar cada vez mais os/as trabalhadores/as, realizando, como já afirmamos,
uma greve a cada ano. Vejamos agora um pouco da questão a inserção da mulher nesse
contexto.
A repercussão do choque de gestão entre os Trabalhadores em Educação
O choque de gestão – conjunto de medidas determinadas pelo governo Aécio Neves sob
o pretexto de sanar problemas político-administrativos herdados de gestões
governamentais anteriores – entra em vigor em 2003 prevendo um corte de despesas e a
necessidade de redução de custos, o que envolve: enxugamento de pessoal na área da
educação, arrocho salarial e diminuição do investimento na educação. Em obra voltada
para a questão das reformas educacionais veiculadas durante o choque de gestão,
Augusto (2005) afirma a relação direta entre essas reformas e a descentralização
administrativa e financeira, principalmente no tocante à autonomia docente.
Segundo Augusto, após a implementação do choque de gestão os docentes perdem cada
vez mais autonomia em sua profissão, consequência da impossibilidade de realizar
trabalho em grupos, da competição gerada pelas avaliações de desempenho e pelo
Exame Nacional de Certificação – contra o qual faziam a campanha “formar e avaliar
sim, examinar e certificar não!” – da falta de tempo hábil para atendimento particular
ao aluno, da impossibilidade de reflexão acerca do trabalho realizado – gerada pela
própria falta de tempo – sem falar nas precárias condições de trabalho encontradas na
escola, aos baixos salários e à insegurança. Contra isso afirmam “Educação pública de
qualidade se faz com valorização profissional”.
Para reagir às esses problemas, encontramos em seus jornais muitas referências às
necessidades de mudar esses parâmetros. Vejamos uma afirmação encontrada Boletim
Sind-UTE: “Não adianta tapar o sol com a peneira. Além de vagas, exigimos
qualidade, garantia de aprendizagem e superação das formas tradicionais de relação
com o conhecimento, interagindo, de fato, com a realidade do(a) aluno(a).”3
Augusto (2005) aponta que, ao invés de resolver os problemas existentes, como suposto
inicialmente, essas medidas irão, na verdade, se transformar em restrições ao progresso
na área da educação – por isso muitas vezes o Sindicato se refere à essas políticas como
“políticas de desmonte”. Em número especial no ano de 2004, encontra-se a seguinte
referência ao choque de gestão no periódico Outras Palavras:
O equilíbrio das contas não pode servir de argumento para o governo não priorizar a
educação. Como todo bom neoliberal, prefere fazer média com a elite empresarial, concedendo incentivos e outras regalias, a investir no social.4
Alguns anos depois, em março de 2008 – durante o segundo mandato do governador
Aécio Neves – no mesmo periódico, identificamos a seguinte afirmação:
O sucateamento das escolas em todo o estado tornaram-se mais evidentes nestas
duas gestões do governador, que fez e continua fazendo cortes drásticos na receita
da educação. Desde 2003, quando assumiu o governo do estado vem reduzindo os
investimentos na educação e aumentando a defasagem salarial, as péssimas
condições de trabalho, as demissões imotivadas e a redução das vagas.5
As medidas envolveram principalmente processos como modernização de sistemas,
reestruturação do aparelho do Estado, racionalização de gastos e quebra nas hierarquias
burocráticas; tudo isso, dizia-se, em nome da melhoria da qualidade que estivesse
atrelada à redução do custo dos serviços públicos. Sendo assim, retomam-se as
interlocuções do governo com o Banco Mundial, O Banco Interamericano de
Desenvolvimento e outros agentes internacionais de financiamento, que vão trazer
consequências catastróficas para a gestão dos sistemas escolares, com suas
interferências e buscas por resultados.
Além dessas questões, temos ainda o fato de como o governo mineiro tomou para si as
bandeiras de luta do movimento docente dos anos 80, apresentando-as então como
concessão, por meio de políticas públicas. Todavia o significado dessas modificações,
interpretadas como concessões, foi alterado – elas não representam, na verdade, os
interesses originais da classe trabalhadora, mas sim parte de seus interesses moldados ao
modelo e aos interesses do próprio governo e de agentes internacionais de
financiamento (AUGUSTO, 2005) As escolas passam a se submeter a limites e
restrições inexistentes até então, e a própria organização do trabalho imposta torna-se
3 Campanha Salarial Educacional/2003: Unidade na luta. Boletim Sind-UTE. Belo Horizonte. Nº6. p. 01.
10 de fevereiro de 2003. 4 Defasagem salarial demonstra o descaso do governo com a educação pública. Periódico Outras
Palavras. Belo Horizonte. Nº Especial. P. 05. Agosto de 2004. 5 Realidade do retorno às aulas nas escolas do Estado. Periódico Outras Palavras. Belo Horizonte. Nº
01. p. 01. 08 de março de 2008.
um fator decisivo para sua precarização.
Surgem então algumas medidas em busca de resultados de curto prazo: para combater a
queda nos resultados do Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública
(SIMAVE)6, o governo propõe o ensino fundamental com nove anos, objetivando atuar
de forma preventiva para evitar a retenção escolar. A partir de 2004, então, o ensino
fundamental mineiro se estende para nove anos, divididos em dois ciclos: o ciclo de
alfabetização e o ciclo complementar. Ainda é estabelecida aqui a progressão
continuada, e nos quatro anos finais do ensino fundamental, a progressão parcial.
As escolas também precisam fazer seu papel para demonstrar números: são cobradas
por desenvolver mais oportunidades de aprendizagem por meio de diferentes estratégias
que evitem as dificuldades do aluno e, sobretudo, a retenção. São incentivadas a buscar
parcerias para o desenvolvimento de projetos educativos, podendo mesmo estabelecer
convênios com instituições de iniciativa privada, o que faz com que o Estado se
desresponsabilize em relação às suas demandas. O professor, que já possuía um
acúmulo de atribuições que muitas vezes não eram suas funções iniciais, agora se vê
com uma jornada muito mais exaustiva do que se pudera imaginar. Este quadro,
evidentemente, repercute e potencializa a questão da jornada de trabalho das mulheres.
Ademais, ainda segundo Augusto (2005), outro problema torna-se mais visível e de
difícil resolução: as escolas continuam com condições precárias de manutenção, que
atinge tanto os professores quanto seus alunos. A autora faz uma análise de que o
próprio fato da educação se constituir num direito público subjetivo faz com que sua
obrigatoriedade conduza o governo a oferecê-la sob patamares insatisfatórios, deixando
a desejar a qualidade dos serviços. Além disso, os números de servidores na escola, de
acordo com seu espaço físico e número de alunos, raramente se coloca no patamar
exigido pelo sistema central, resultado: salas de aula lotadas, mais alunos por professor
e menos tempo de dedicação do professor para com seus alunos.
Outra forma de racionalização ocorre em função da manutenção dos resultados em
níveis razoáveis, para que se possam canalizar as demandas de acordo com os recursos
disponíveis, uma vez que há falta de recursos fiscais e institucionais à disposição dos
que elaboram as políticas. Dessa forma, exige-se que a escola administre os problemas
existentes, e não que os elimine por completo, estabelecendo parâmetros que garantam
que sua resolução não ultrapasse a possibilidade de ação dos recursos disponíveis.
Augusto (2005) demonstra, assim, que as prescrições das reformas na educação se
baseiam na lógica da produtividade, da excelência na prestação de serviços, excelência
essa medida em números e resultados aparentes, mas não na qualidade real e concreta.
As mudanças na organização escolar sobrecarregam os professores que passam a lidar
com mais atividades para serem cumpridas, muito embora sua remuneração continue a
mesma e a jornada de trabalho aumente – lembrando que muitos desses professores
trabalham em mais de uma escola, para complementar sua renda mensal. A autora
chamará esse processo de hiper-responsabilização dos professores em relação à prática
pedagógica e qualidade do ensino. O fato da responsabilidade pela educação recair
sobretudo e muitas vezes exclusivamente no professor ou na professora, pode, por sua
vez, também jogar maior pressão sobre a jornada de trabalho das mulheres.
As medidas implementadas pelo choque de gestão alteram diretamente as relações de
trabalho nas escolas estaduais, fazendo surgir defasagens que trarão consigo situações
6 O SIMAVE foi criado pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais em 2000.. Desde então,
avaliações anuais são realizadas em Minas Gerais, verificando o desempenho de alunos das redes
Estadual e Municipal de ensino. Em 2008, por exemplo, a avaliação de Língua Portuguesa contou com
a participação de 10.210 escolas e 662.066 alunos, e a de Matemática com 10.198 escolas e 647.313
alunos.
constantes de tensão – a autora chama atenção para o aspecto da relação de classes
presente nas relações de trabalho. A organização desse trabalho é estabelecida pela
relação entre o Estado e os trabalhadores docentes, e influenciada também pela
organização do sistema econômico-social hegemônico. A lógica da produtividade
consiste no princípio norteador desses processos.
A reestruturação do trabalho dos professores perpassa por resultados que buscam
sempre ser medidos, por meio de avaliações de desempenho, que trazem ao ambiente
profissional grande sentimento de inquietação. Os professores designados não possuem
garantia alguma de permanência na escola, já que seus contratos duram apenas um ano
letivo e são obrigados sempre a concorrer por vagas remanescentes ao início dos anos.
Sua situação de trabalho é ainda mais precária que os professores efetivos, pois além de
não possuírem garantia de continuar na escola, estão frequentemente expostos a
possibilidades de atraso no pagamento. Estes professores possuem uma jornada de
trabalho exaustiva, cujo tempo de trabalho fora de sala de aula não é computado na
carga horária, ou seja, o tempo gasto na preparação de aulas, no atendimento dos alunos
com necessidades de maior atenção, reuniões pedagógicas e outras atividades. Isso leva
a uma fragmentação do trabalho do docente, que se vê precarizado e com obrigações
maiores do que as que deveria possuir num primeiro momento.
Algumas das medidas implementadas pelo choque de gestão afetam a carreira do
professor, como a criação do adicional de desempenho; a possibilidade de demissão por
insuficiência no desempenho ou na receita estadual e a substituição do critério de tempo
de serviço para concessão de benefícios como biênios, qüinqüênios e férias-prêmio.
(AUGUSTO, 2005). As reformas educacionais, então, se inserem na reestruturação
produtiva, resultando em novas demandas para a educação. A racionalidade técnica e
instrumental fundamenta as mudanças nos programas de Reforma do Estado, definindo
a restrição de recursos públicos para a educação, modificando assim a organização do
trabalho escolar. O discurso de intenção de melhorias nos serviços educacionais se
contradiz com o enxugamento do quadro de pessoal e as inadequadas condições de
trabalho provenientes desse e de tantos outros fatores.
A ampliação do ensino fundamental para nove anos e o aumento de alunos nas escolas
não é acompanhado por um aumento no número de funcionários ou professores. O
governo afirma que as despesas serão mantidas e para acompanhar esse aumento na
demanda serão utilizados professores, recursos, espaços e professores ociosos. No
entanto, de acordo com o levantamento feito por Augusto (2005), não existe esse ócio
com o qual o governo afirmava contar. Vejamos:
Tabela III - Professores Efetivos e Professores Designados em exercício nas Escolas Estaduais
Efetivos Designados
Em sala de aula Fora de sala de aula Em sala de aula Fora de sala de aula
73.958 18.328 72.839 4.692
Total: 92.286 Total: 77.531
Fonte: SIGEP/SPS – Maio de 2004.
Os professores colocados na tabela como “fora da sala de aula” são os diretores, vice-
diretores, coordenadores de escola, especialistas, professores na biblioteca, ajustamentos
funcionais – professores efetivos fora da função por licença médica e os professores
efetivos à disposição de outros órgãos. Dessa forma, vemos que todos os professores
circulando na escola estão em atividade, muitas vezes desempenhando mais de uma
função na mesma, sem que hajam professores ociosos, ou seja, desocupados, que
possam acompanhar o aumento de salas de aula e de alunos por sala, como afirmava o
governo.
Como o movimento docente em Minas Gerais atua diante do Governo Aécio Neves?
Como se comporta o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais
– Sind-UTE? Para responder estas questões passemos, no próximo item deste artigo, a
analisar a trajetória do movimento docente da educação básica do setor público em
Minas Gerais e sua atuação no período 2003-20107.
O Sind-UTE diante do Governo Aécio
A leitura dos boletins e documentos do Sind-UTE evidencia alguns aspectos
importantes relativos às ações e orientações da entidade. Primeiramente, nota-se quão
repetitivas são as reivindicações da categoria docente, ou melhor, da categoria dos
Trabalhadores em Educação, uma vez que a cada greve que passa, o governo descumpre
as promessas e faz com que os professores tenham que sempre rever e trabalhar as
mesmas pautas, quando não tem que lutar para evitar retrocessos.
Dessa forma, a maioria dos informes aponta para as mesmas reivindicações, dentre as
quais as principais são: Tabela Salarial; Plano de Carreira; homologação do concurso
para Auxiliar de Serviços Gerais de 2001; FUNDEB; critérios de avaliação; eleições
para diretoria escolar; critérios de contratação por concurso e não à designação;
segurança na escola; saúde do trabalhador (IPSEMG); melhores condições de trabalho;
valorização do profissional; e, é claro, educação pública de qualidade. Vejamos mais
atentamente estas reivindicações.
A Tabela Salarial e o Plano de Carreira dizem respeito às condições materiais do
profissional dentro da escola. Quanto aos salários, nota-se que além da luta por
reposição salarial, a entidade reivindica um piso salarial, o qual, mesmo quando
aprovado em 2008, por meio da Lei 11.738, não se torna a referência para a
remuneração dos profissionais, passando a fazer da pauta de reivindicação e, inclusive,
motivo de greve. No que diz respeito à reivindicação de carreira docente, a progressão
de carreira dentro da função detinha inúmeros problemas, como por exemplo a ausência
de equivalência entre o aumento do professor a cada ano e o aumento da inflação anual
no mercado de consumo.
7 Nossa pesquisa buscou investigar a atuação de uma determinada camada da classe média, os professores
da rede pública de MG, diante de um governo que – embora tenha obtido grande popularidade (Aécio
Neves foi reeleito no primeiro turno em 2006 com aproximadamente 77% dos votos e fez, em 2010, seu
sucessor) – implementou uma série de ações políticas que afetaram as disposições meritocráticas dos
professores. A metodologia para a execução desta pesquisa consistiu basicamente na análise documental
junto ao Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais. Foram consultadas algumas
fontes primárias de periódicos, tais como SindUTE Informa, Outras Palavras, Novo Milênio, Informação,
Boletim Sind-UTE, Informativo Diretoria Geral, além de pautas de reivindicações e propostas do
Conselho Geral, no período 2003-2010, todas obtidas junto ao sindicato. Foi consultado também o site do
SindUTE – http://www.sindutemg.org.br/novosite/index.php e o blog da sub-sede do SindUTE em Uberl
A cada ano, então, entre 2003 e 2009, o sindicato discutia em seus Congressos a
plataforma e reivindicações para o Piso Salarial e o Plano de Carreira, para mostar uma
proposta unificada e levá-la à Secretaria da Educação para que esta fosse debatida com
o governo, analisada e votada. No entanto na maioria das vezes os representantes do
governo não compareciam às reuniões ou simplesmente não colocavam as propostas em
votação na Câmara – o que fez com que a categoria passasse a adotar estratégias de
mobilização e pressão junto aos Deputados, entre as quais se destaca a estratégia de ir
até a Assembleia Legislativa passando de gabinete em gabinete tentando sensibilizá-los
para essa questão.
Outra reivindicação recorrente diz respeito à homologação do concurso para Auxiliar de
Serviços Gerais (ASG), ocorrido em 2001. A reivindicação em torno da homologação
do concurso para ASG é resultado de um fato ocorrido, quando o governador Aécio
Neves ainda era presidente da câmara dos deputados e articulou para que a Associação
dos Professores Públicos de Minas Gerais (APPMG) – atrelada ao governo – fizesse
uma denúncia contra o Estado acerca do concurso para Auxiliar de Serviços Gerais, sob
a justificativa de supostas irregularidades que envolviam o processo do concurso.
Na verdade, essas denúncias teriam sido, na visão do Sind-UTE, apenas um subterfúgio
para que não se homologasse os aprovados no concurso, posto que o governo era
contrário à contratação de novos funcionários. O Ministério Público então abriu uma
investigação, mas a parte dos denunciantes nunca compareceu às audiências convocadas
e o depoimento de suas testemunhas eram sempre vagos. No entanto, o longo dos anos,
mais de 18 mil aprovados no concurso não foram chamados a ocupar seus postos de
trabalho, o que fez com que essa questão se tornasse uma bandeira de luta histórica da
categoria.
Outra questão recorrente na pauta de reivindicações do Sind-UTE relacionava-se ao
FUNDEF. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) é uma bandeira de luta não
somente do Sind-UTE, mas também da CNTE – que lutava por essa pauta havia 12
anos. Em 2006, essas entidades chamam atenção para a necessidade de criação de um
Sistema Nacional de Educação que respeitasse e articulasse as diversidades regionais.
Para atender tal demanda, apresentam como proposta o FUNDEB, que significa uma
elevação e uma nova proposta na distribuição dos investimentos na educação: cria
condições para implantação do Piso Nacional, uma vez que prevê que 60% dos recursos
sejam destinados aos salários desses profissionais e os outros 40% sejam para a
manutenção e desenvolvimento do ensino. Além disso, define que 10% do ganho da
União seja direcionado a esses objetivos, contempla a Educação para Jovens e Adultos
(EJA) e define a inclusão de creches para os profissionais com filhos. Importante
chamar atenção para o fato de que a implantação do FUNDEB não exclui a necessidade
do aumento do PIB para a educação.
As reivindicações em relação aos critérios de avaliação giravam em torno da denúncia
segundo a qual o critério de avaliação proposto pelo governo e empregado nas escolas
era punitivo, posto que colocava o trabalhador em situação de prestar contas e não de se
desenvolver enquanto profissional. Esses critérios, na concepção do Sind_UTE, tinham
como objetivo punir, eram feitos durante o estágio probatório do trabalhador, não
levavam em consideração inúmeras particularidades, como condições de trabalho, bem
como aspectos sócio-econômicos da comunidade e o PPP em que o avaliado está
inserido – critérios subjetivos e contraditórios.
Enfim, essa forma de avaliação não colaboraria para o desenvolvimento dos
Trabalhadores em Educação. Dessa forma a categoria também discutia as propostas de
Critérios de Avaliação de ano a ano para apresentá-las ao governo. Outra pauta
recorrente do sindicato eram as eleições escolares. Segundo o Sind-UTE, as eleições
para diretoria escolar consistiam num processo sem transparência, com influência
governamental e muitos problemas.
Uma das reivindicações da categoria era que não fossem aplicadas provas para os
candidatos, mas que se levasse em consideração a plataforma de propostas de cada um e
que todos os profissionais dentro da escola pudessem concorrer ao cargo de diretores:
efetivos, efetivados, especializados, coordenadores, pois nos Editais propostos pelo
governo as possibilidades de possíveis candidatos à direção dentro da escola eram
restritas.
O fim as contratações por meio da designação é também uma das pautas da categoria.
Essa prática ocorria porque o contratado por designação é um funcionário muito mais
barato para o Estado, além de trabalhar por meio de contrato com tempo determinado,
sem direitos trabalhistas e privado da estabilidade, com condições de trabalho ainda
piores do que os efetivados. Nos documentos analisados, afirma-se que de acordo com a
Constituição o funcionário público deve ser contratado mediante concurso, e não
mediante contrato de designação. Com esse argumento reforçam que o estado está
descumprindo a própria lei ao contratar esses funcionários, dentro dessas condições. Por
isso, por exemplo, quando discutem eleições para diretoria escolar, não colocam o
designado como um possível candidato.
Em relação ao problema da segurança na escola, o sindicato tentava demonstrar para a
sociedade como o problema da violência entre crianças e jovens vinha aumentando em
Minas Gerais e como o governo ignorava o fato, implementando políticas públicas que
não condiziam com a realidade da comunidade e da escola, as quais não surtiam efeito
algum para a superação deste problema. Assim, com o aumento nos índices de
violência, o problema adentrava a escola e afetava diretamente o trabalho do professor e
dos outros profissionais nela envolvidos, que se viam em situações de risco no seu dia a
dia profissional e tornavam-se muitas vezes reféns da violência em suas diferentes
formas de abordagem.
Em relação à saúde do trabalhador a categoria reivindica, ano a ano, a implantação de
programas de prevenção e garantia do reconhecimento das doenças profissionais – em
especial às necessidades da trabalhadora mulher, já que 83% da categoria são mulheres
e as mesmas necessitam de atendimentos de saúde mais específicos – a reestruturação
do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), com
ampliação do quadro de funcionários, informatização e convênios médicos para áreas
com maior demanda, oferecendo atendimento digno em todas as especialidades
médicas; criação e manutenção do atendimento dos convênios odontológicos;
construção de hospitais regionais em cidades-pólo, e que as agências do IPSEMG sejam
levadas à condição de Centros Regionais de Saúde, para atendimento aos servidores. A
essa pauta o governo responde que faltam verbas.
Melhores condições de trabalho, valorização profissional e educação pública de
qualidade também estavam sempre em pauta. Dentre essas reivindicações destacam-se,
de acordo com o ano, concessão de tíquete-alimentação e vale-transporte, reforma da
previdência, reconhecimento de direitos de aposentados e questões referentes à
professores de determinadas disciplinas, como Educação Física, Ensino Religioso e
Sociologia, que muitas vezes sofrem com a sobrecarga de turmas e falta de pessoal.
Da leitura dos boletins e documentos, chama nossa atenção o fato de que, como a
categoria está já acostumada com o descumprimento das promessas do governo –
“sobra truculência e falta diálogo” 8 –, ao término de cada greve os informes dados
chamam atenção para a necessária mobilização em torno das conquistas, conseguidas no
papel, as quais exigem que a luta não acabe, pois é necessário continuar pressionando o
governo para que os acordos realmente se transformem em ações.
Reivindicações e pautas exclusivamente femininas também aparecem de tempos em
tempos, principalmente por volta do dia 8 de maio de cada ano quando o Dia da Mulher
encoraja as discussões de gênero. Cerca de 83% da categoria docente é composta por
mulheres, e por isso essas trabalhadoras precisam lutar por suas necessidades enquanto
um grupo unificado. Suas reivindicações consistem em questões como implementação
de creches para os filhos, cumprimento do período de licença-maternidade e cuidados
específicos na própria saúde.
Uma problemática muito citada é o câncer de mama, daí as reivindicações acerca da
necessidade que essas trabalhadoras tenham sempre o acesso ao atendimento digno e de
qualidade, para que exames de rotina possam sempre ser feitos e a doença possa ser
prevenida ou mesmo tratada logo de início. Outras datas comemorativas como o Dia da
Consciência Negra e o Dia do Professor também suscitam essas discussões mais
específicas.
Outro fato interessante é a comprovação de que a categoria dos Trabalhadores em
Educação se identifica como classe – média – e reforçam sua importância para a
sociedade afirmando que a escola é a base da educação e é o Trabalhador em Educação
que faz a mediação da sociedade com essa base. Identificamos, por exemplo, afirmações
de que o salário do professor não corresponde às necessidades de sua classe e que não
consegue acompanhar as necessidades que um profissional em educação tem: além do
custo de vida, necessidade de cultura – peças de teatro, livros, espaços culturais, dentre
outros, que contribuem para o seu desenvolvimento enquanto indivíduos e enquanto
profissionais.
Usam o slogan: “Educação pública de qualidade se faz com valorização profissional.” 9 Em prol de conquistar seus direitos, muitas vezes a categoria usa como estratégia de
luta fazer alianças com outros setores do funcionalismo público, como os profissionais
as saúde, e, assim, reforçam que não são apenas os Trabalhadores em Educação que
perdem com “as políticas de sucateamento e destruição dos serviços públicos (estado
mínimo), características do neoliberalismo, que visa derrotar os movimentos sociais
organizados e reduzir conquistas.”10
Também com o reforço desse discurso, buscam sempre dialogar com a comunidade
local e com a população de fora do estado de Minas Gerais, para combater a propaganda
governamental veiculada na mídia, tentando mostrar que “desde 2003, quando assumiu
o governo do estado vem reduzindo os investimentos na educação e aumentando a
defasagem salarial, as péssimas condições de trabalho, as demissões imotivadas e a
redução das vagas.” 11
Utilizam-se, para isso, de cartas abertas à população, chamadas
e campanhas publicitárias (jornais, TV e rádio) e mesmo outdoors espalhados pelas
cidades e nas rodovias que fazem fronteira com outros estados. Referindo-se sempre ao
governador como “truculento” e “neoliberal”, buscam, nesse processo de sensibilização
8 Editorial. Periódico Outras Palavras. Belo Horizonte. Nº 47. p. 02. 01 de Outubro de 2003. 9 Boletim Sind-UTE. Belo Horizonte. Nº 11. p. 02. 28 de setembro de 2004. 10 Fortalecer a luta e garantir conquistas. Periódico Outras Palavras. Belo Horizonte. Nº 50. p. 02. 08 de
março de 2007. 11 Realidade do retorno às aulas nas escolas do Estado. Periódico Outras Palavras. Belo Horizonte. Nº
01. p. 01. 08 de março de 2008.
e legitimação de suas lutas junto à população, demonstrar o caráter da propagandas
governamental e desmentir os argumentos utilizados pelos membros do governo Aécio:
O equilíbrio das contas não pode servir de argumento para o governo não priorizar a
educação. Como todo bom neoliberal, prefere fazer média com a elite empresarial,
concedendo incentivos e outras regalias, a investir no social. 12
Na tentativa de desqualificar o governador, por vezes, comparam Aécio Neves ao ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso, tentando demonstrar como as preocupações
giram em torno das parcerias público-privadas e como seu governo deixa de lado e
ignora as políticas públicas, prejudicando em especial a educação. “É a opção pelo
Estado Máximo na arrecadação e Estado Mínimo no investimento em políticas
sociais.” 13
Em 2004, quando o governador saiu, em março, num desfile junto a uma
escola de samba, a categoria ocupou a Secretaria de Educação sob a irônica
denominação “Bloco dos Sem Salário”, protestando contra o atraso de mais de dois
meses no pagamento dos designados. Segundo o Boletim Informa:
Adepto das badalações, Aécio não perde uma oportunidade de se promover, mas,
quando chega a quarta-feira de cinzas se recolhe em seu gabinete, entre seus
assessores que lhe fazem a corte o ano inteiro. É lá que o governador prefere passar
o tempo, longe da população e do funcionalismo público que insistem em lhe
aborrecer com a cobrança de promessas feitas em outros carnavais, quando ainda era
candidato (...). Nossa batalha não é de confete e só vai terminar quando mudarmos a
história da educação.14
Reforçam como a redução de investimentos da educção pública consiste numa
estratégia de controle e centralização das decisões, o que reflete uma “política
impositiva e antidemocrática do governo do PSDB em Minas Gerais.”15
A mulher no movimento, suas reivindicações e resultados
A questão das mulheres no movimento dos trabalhadores em educação é importante,
desde o início de seu surgimento. Na primeira grande greve em 1970, como dito
anteriormente, o aspecto mais positivo na conquista do apoio populacional obtido
através da carta aberta à população foi o expressivo número de mulheres professoras
(Oliveira, 2006). Como dissemos, o fato de a maior parte dos/as militantes serem
mulheres teria sido crucial para que a população se solidarizasse e convertessem apoio
concreto por parte de outras categorias como os operários, estudantes e mesmo de pais
de alunos. O grande número de mulheres na categoria fez com que essas trabalhadoras
notassem a necessidade de pautar bandeiras de luta específicas de gênero.
Dentre as reivindicações do movimento docente no período estudado, a pesquisa
identificou que emergem questões gerais como a própria necessidade de se fazer o
debate sobre gênero dentro da categoria. Fazem-se algumas críticas ao próprio
sindicato, alegando que pela maioria da diretoria ser constituída por homens esse debate
é dificultado, pois nem sempre eles estão dispostos a discutir as questões de gênero:
“Apesar de sermos mais de 50% do quadro funcional, a direção do nosso sindicato é
12 Defasagem salarial demonstra o descaso do governo com a educação pública. Periódico Outras
Palavras. Belo Horizonte. Nº Especial. P. 05. Agosto de 2004. 13 Luta e resistência por uma escola pública de qualidade. Propostas do Conselho Geral. Belo Horizonte.
P. 01. 03 abril de 2003. 14 A ‘Real estrada’ da educação em Minas. Boletim Informa, Belo Horizonte. Nº 06. p. 02. 10 de março
de 2004. 15 Reforma Curricular do Ensino Médio. Periódico Informação. Bel Horizonte. Nº03. p. 01. 14 de
janeiro de 2006.
composta de maioria masculina e, muitas vezes, esses homens não estão dispostos a
discutir as relações de gênero.” (Sind-UTE, 2008: 5).
Surgem também questões pragmáticas, como a necessidade do sindicato investir em
creches para atender às mães professoras, bem como as questões da licença
maternidade, do período de gestação e da saúde da mulher. Afirma-se o problema da
exposição da dupla jornada, a qual afeta mais à mulher, que fica mais suscetível a
doenças e quadros crônicos, precisando assim de um atendimento de saúde específico,
que atenda às suas necessidades.
No Sind-UTE as pautas das mulheres aparecem concomitantemente com as outras
questões de cunho mais geral – as reivindicações não aparecem separadamente. Porém,
nos jornais, o debate de gênero é mais frisado quando se aproxima o Dia Internacional
da Mulher, ocasião em se voltam inteiramente para o tema.
No que diz respeito aos salários, não há diferenças entre homens e mulheres. Os
docentes das redes públicas de Minas Gerais recebem de acordo com a função e cargo.
No entanto, o histórico perfil feminino da categoria pode ser tomado como um
indicador de desigualdade no mercado de trabalho – já que a mulher foi por tanto tempo
e ainda é menos valorizada, o que teria caracterizado a profissão docente devido à sua
forte relação com a mesma – e dos baixos salários aos quais estão submetidos hoje os
professores, atrelados à questão da falta de reconhecimento profissional docente na
sociedade. Partindo dessas questões mais abrangentes, podemos também pensar em
pontos específicos, que afetam a profissional docente no seu dia a dia: necessidade de
licença maternidade, de uma assistência de saúde que abarque as necessidades
femininas – atenção com o câncer e período de gestação.
Identificamos, então, no período de 2003 à 2010, um conjunto de reivindicações
especificamente femininas, dentro da própria categoria dos/as trabalhadores/as em
educação. De tempos em tempos a questão da mulher ganha mais força dentro da
categoria e é levada para além das assembleias e reuniões. Por exemplo, em 2003 foi
criada uma Comissão da Mulher Trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores –à
qual o Sind-UTE/MG é filiado à CUT – perto do dia 8 de março daquele mesmo ano,
pautando a necessidade de se reconhecer a mulher como sujeito social, frisando a
importância de sua participação política na sociedade.
Também em 2003 acontece em Belo Horizonte um ato conjunto no dia 8 de março,
tendo como eixo o fim da violência contra a mulher. O Sind-UTE/MG, para levar à
discussão para a população, monta um folheto de divulgação dessas discussões, que gira
em torno de cinco eixos: organização das mulheres – história, participação nos
movimentos por igualdade, justiça e cidadania e por melhores condições de vida e de
trabalho – a mulher trabalhadora em educação – abordando a questão da maioria da
categoria ser composta por profissionais mulheres que sustentam suas famílias com
baixos salários e duplas ou triplas jornadas mediante condições precárias de trabalho –
mulher e saúde, gênero e raça – situação da mulher negra e a tripla discriminação:
racial, social e de gênero – e infância – discutindo a questão da discriminação de gênero
na infância, enfocando situações que expõe meninas ao trabalho infantil, violência
doméstica, estupro, assédio e abuso sexuais.
Os periódicos do sindicato publicam anualmente, em todos os dias 8 de março, textos e
discussões voltadas para a questão de gênero, enfatizando o papel da educação nessas
discussões, divulgando textos de professoras falando sobre diversos temas e sobre seu
papel acerca da atividade docente. Além disso, os periódicos nessa data trazem sempre
sugestões de atividades para os/as trabalhadores/as levarem às salas de aula para
trabalharem com os alunos acerca dessa temática.
No tocante à composição das instâncias de representação sindical, os dados são muito
interessantes. Em 2004 a representação do Sind-UTE no Conselho Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) era formada por três mulheres e três homens,
tendo como suplentes uma mulher e dois homens. Neste mesmo ano, os membros do
Conselho Fiscal eram dois homens e uma mulher – ou seja, uma composição
relativamente equilibrada.
Em 2007 as diretorias locais e a diretoria geral do sindicato passam por um processo
eleitoral. As diretorias locais do sindicato ficam com a seguinte distribuição: onze
homens novos diretores e seis mulheres, apenas. No entanto, a organização estadual fica
assim distribuída: uma coordenadora geral; um diretor metropolitano; um homem e uma
mulher no departamento de comunicação; um homem e duas mulheres no departamento
de formação; dois homens e uma mulher no departamento de políticas sociais; dois
homens no departamento jurídico; e, por fim, 14 homens e 22 mulheres no
departamento de organização.
Nos congressos, assembleias e conselhos gerais do sindicato, as demandas das mulheres
são discutidas e propostas nas reuniões e nas pautas de negociação das greves, mas, a
maioria das reivindicações gira em torno da questão da saúde da mulher e de suas
necessidades específicas. No entanto, dentre as conquistas do sindicato – que não foram
muitas, afinal o governo descumpriu vários dos acordos e raramente assinava as
concessões em documentos –, nenhum ganho concreto especificamente voltado para a
mulher foi verificado.
Considerações finais
A pesquisa indica que, a partir do ano de 2003, a luta do Sind-UTE se amplia para
defender os direitos trabalhistas, na medida em que se reconhece que, especialmente
após o choque de gestão, a categoria docente perdera muitos direitos e passara a ser
cada vez menos valorizada. Conclui-se então que a categoria refuta os argumentos de
corte de gastos para diminuição da dívida, demonstrando que, na verdade, o
funcionalismo público estava sendo punido, enquanto que parcerias público-privadas
com empresas e organizações internacionais continuavam sendo efetivadas pelo
governo. Além disso, um dos aspectos importantes ao se analisar o movimento dos
trabalhadores em educação é ter em mente a questão da mulher, já que 83% da categoria
é composta por profissionais mulheres. Devido a esse fato, dentre as inúmeras
reivindicações existentes, encontramos elementos específicos da sua necessidade, o que
nos mostra que a questão docente não está despregada das questões da luta pela
emancipação feminina.
As mudanças imputadas pelo plano de carreira trazem inúmeras conseqüências para
esses/as trabalhadores/as: suas formas de contratação são modificadas – contratos
temporários e ausência de realização de concursos públicos – permitindo inúmeras
formas de flexibilização desse trabalho, repercutindo negativamente no trabalho do
docente que, inúmeras vezes precisará dobrar ou triplicar sua jornada de trabalho,
dividindo-se muitas vezes em mais de uma escola, para aumentar sua renda. A maioria
desses/as trabalhadores/as são mulheres que não possuem nem mesmo um atendimento
de saúde voltado para as suas necessidades, e, assim, os indicadores de doença
profissional também passam a aumentar.
Diante essas problemáticas, somadas à questão do plano de carreira que cada vez menos
consiste numa ferramenta de apoio ao trabalhador, mas sim numa forma de deixá-lo
refém de péssimas condições de trabalho – como o não pagamento do piso salarial –
vemos esse profissional perder cada vez mais seu valor perante o governo e a sociedade
– essa perda de valor está diretamente ligada à perda do valor do próprio funcionário
público, que o choque de gestão consegue disseminar pela sociedade – a visão de que o
funcionário público é alguém que não trabalha e recebe altos salários. Daí a necessidade
da continuidade da luta da categoria dos trabalhadores/as em educação: luta por direitos,
por melhores condições de trabalho e por valorização profissional.
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