serments de strasbourg
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS
Les Serments de Strasbourg:
importncia histrica e filolgica na
consolidao do francs
ANA CRISTINA BEZERRIL CARDOSO
Joo Pessoa PB
2007
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ANA CRISTINA BEZERRIL CARDOSO
Les Serments de Strasbourg:
importncia histrica e filolgica na consolidao do francs
Dissertao apresentada como requisito para obteno do grau de Mestre em Letras, na rea de Linguagem e Ensino, do Programa de Ps-Graduao em Letras.
Orientador: Prof. Dr. Juvino Alves Maia Jnior
Universidade Federal da Paraba Joo Pessoa 2007
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ANA CRISTINA BEZERRIL CARDOSO
Les Serments de Strasbourg:
importncia histrica e filolgica na consolidao do francs
Dissertao apresentada como requisito para obteno do grau de Mestre em Letras, na rea de Linguagem e Ensino, do Programa de Ps-Graduao em Letras.
BANCA EXAMINADORA
PROF. DR. JUVINO ALVES MAIA JNIOR
Professor orientador UFPB
PROF. DR. MILTON MARQUES JNIOR
1 examinador UFPB
PROF. DR. HENRIQUE GRACIANO MURACHCO
2 examinador USP
PROF. DR. LUCIANA CALADO
Suplente UFPB
Joo Pessoa, agosto de 2007.
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AGRADECIMENTOS
A minha filha Batrix, aos meus pais, a minha tia Vilma e a Emmanuel, pelo apoio
familiar e afetivo e, sobretudo, pela pacincia que tiveram comigo durante todo o perodo de
realizao deste trabalho de pesquisa;
A Juvino Alves Maia Jnior, professor e orientador, por acreditar na minha capacidade
de pesquisa e tambm pela ateno e generosidade com que sempre me tratou;
professora e amiga, Maria de Guadalupe Melo Coutinho, pela gentileza e boa
vontade dispensadas leitura deste trabalho;
A todos os amigos, colegas e professores que, de maneira formal ou informal,
ajudaram na construo deste trabalho.
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Aprs les Serments de Strasbourg, et seulement aprs,
le franais existe. (Bernard Cerquiglini)
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RESUMO
Os Juramentos de Estrasburgo, considerado o primeiro documento da lngua francesa,
so o leitmotiv deste trabalho. Eles esto dentro da obra do sculo IX , Histoire des fils de
Louis, le Pieux, do historiador Nithardo. Esse livro foi escrito todo em latim, exceto o trecho
dos Juramentos que est em lngua romnica (proto-francs) e em lngua alem. Nossa
pesquisa analisa o trecho romano dos Juramentos e objetiva compreender o porqu de esse
registro ter sido realizado nessa lngua e no em latim como era o costume da poca. Com
esse intuito, fazemos um estudo filolgico do texto em questo, assim como construimos um
panorama histrico dos elementos formadores da lngua francesa. Afora o estudo evolutivo
(sincrnico e diacrnico) do documento apresentamos alguns fatos importantes para o
desenvolvimento e para a defesa da divulgao da lngua francesa. Ademais, avaliamos a
situao atual dese idioma, sua importncia lingstica e poltica. Terminamos nossa pesquisa
apresentando a francofonia, movimento que vai alm da identidade lingstica da comunidade
francfona.
Palavras-chave: Juramentos de Estrasburgo Lngua romnica Francofonia
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RESUM
Les Serments de Strasbourg, considrs comme premier document de la langue
franaise, sont le leitmotiv de ce travail. Ils se trouvent dans luvre du IXme sicle, Histoire des fils de Louis le Pieux, de lhistorien Nitharde. Ce livre a t presque intirement crit en
latin lexception de la partie des Serments qui est en langue romane (proto-franais) et en
langue allemande. Notre recherche analyse la partie romane de ce document et a comme
objectif de comprendre le pourquoi de cet enregistrement fait en roman et non pas en latin
comme il tait dusage lpoque. Dans ce dessein nous faisons une tude philologique du
texte, ainsi quun panorama historique des lments formateurs de la langue franaise. Au-
del de ltude volutive des vocables du document, nous prsentons quelques faits
importants pour le dveloppement et pour la dfense de la langue franaise. En outre, nous
valuons la situation actuelle du franais, son importance linguistique et politique. Nous
concluons notre recherche en prsentant la francophonie, mouvement qui va au-del de
lidentit linguistique de la communaut francophone.
Mots-cl: Serments de Strasbourg Langue romane Francophonie
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SUMRIO
INTRODUO ........................................................................................................................8
1 O nascimento da lngua francesa .................................................................................10 1.1 A Glia .........................................................................................................................12
1.2 As invases germnicas (a partir do sculo IV)............................................................15
1.3 Carlos Magno e os Juramentos de Estrasburgo ...........................................................18
2 Estudo filolgico ..............................................................................................................28 2.1 Etapas da lngua francesa .............................................................................................28
2.2 A assemblia de Estrasburgo .......................................................................................33
2.3 Estudo dos vocbulos ...................................................................................................39
2.3.1 O juramento de Lus, o Germnico ...............................................................39
2.3.2 O juramento dos soldados .............................................................................46
2.4 Consideraes gerais sobre a anlise dos Juramentos de Estrasburgo ........................47
2.4.1 Ortografia ............................................................................................................47
2.4.2 Morfossintaxe ......................................................................................................48
2.5 Algumas concluses ....................................................................................................50
3 Da Frana para o mundo ...............................................................................................51 3.1 Momentos importantes para a lngua francesa........................................................51
3.2 A franconia .............................................................................................................54
CONCLUSO ........................................................................................................................59
REFERNCIAS......................................................................................................................62
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INTRODUO
L invitation au voyage...
Iremos realizar neste trabalho uma viagem ao longo da histria da lngua francesa.
Apesar de o nascimento do francs datar do sculo IX, nossa viagem comear bem antes
para podermos compreender como tudo aconteceu e s terminar no sculo XXI. Faremos
uma viagem de doze sculos.
O desejo de conhecer a origem da lngua que ensinamos foi o que nos motivou a
realizar este trabalho. Quanto mais o tempo passa, quanto mais experincia e conhecimento
gramatical e lingstico adquirimos, mais necessidade sentimos de voltar s origens. Como
compreender o estado presente da lngua sem compreender sua formao, seu comeo?
Nosso objeto de pesquisa so os Juramentos de Estrasburgo, um documento curto, mas
de extrema importncia para a consolidao do francs, visto que foi a partir dele que a lngua
francesa passou a existir oficialmente como tal. Os Juramentos de Estrasburgo datam do
sculo IX, e so considerados o primeiro documento da lngua francesa. Eles esto registrados
dentro da obra, Histoire des fils de Louis, le Pieux, do historiador Nithardo. Esse livro foi
escrito todo em latim salvo o trecho dos Juramentos de Estrasburgo que est em proto-francs
e em alemo. Objetivamos compreender o porqu de esse registro ter sido realizado nessa
lngua e no em latim, como era o costume da poca.
Para apresentarmos nossa pesquisa e nossas reflexes, dividimos esta dissertao em
trs sees.
A primeira seo nos d uma viso histrica, geogrfica e poltica do territrio onde se
deu o nascimento do francs, ou seja, o atual territrio da Frana. Esta seo por sua vez, est
subdividida em trs partes: a primeira trata da Glia; a segunda das invases germnicas a
partir de sculo IV, e a terceira de Carlos Magno e dos Juramentos de Estrasburgo.
A segunda seo apresenta, mais detalhadamente, o objeto do presente trabalho um
estudo filolgico do documento. No entanto, antes desse estudo, apresentamos as etapas pelas
quais passou a lngua francesa. Em seguida, mergulhamos no trecho da obra onde se
encontram os Juramentos e s ento partimos para a anlise propriamente dita do documento.
Em primeiro lugar, fazemos um estudo evolutivo dos vocbulos que constituem o Juramento
de Lus, o Germnico; em segundo lugar, analisamos o Juramento dos soldados e em terceiro
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e ltimo lugar, tecemos consideraes gerais sobre a estrutura ortogrfica e morfossinttica do
documento.
Na terceira seo, aps o estudo do nosso objeto de pesquisa, mostramos um pouco do
caminho percorrido pela lngua francesa; momentos importantes para a sua evoluo, para
defesa. E, para terminar e concluir nosso trabalho, apresentamos a franconia; movimento
surgido nos anos 60 que possui hoje em dia 55 Estados membros e governos participantes, e
13 membros observadores. A francofonia constitui, na realidade, mais que uma simples
comunidade lingstica, embora a lngua francesa continue sendo seu denominador comum,
ela veicula em todo o mundo valores universais como a fraternidade, a tolerncia, o
humanismo e o respeito identidade cultural de cada pas.
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1 O nascimento da lngua francesa
Une langue est un organisme vivant qui nat, se dveloppe et se transforme. Elle dpend du caractre intellectuel du peuple qui la parle, de son temprament physique, des conditions gographiques du pays et surtout des circonstances historiques. 1
Georges Hacquard
No incio era o latim. Com o passar do tempo diversas modificaes foram ocorrendo
na lingua latina. Embora no fossem duas lnguas distintas, mas dois aspectos de uma mesma
lngua, surgiu o que se convencionou nomear sermo urbanus (latim clssico) e sermo vulgaris
(latim vulgar).
Ccero j observara esses dois aspectos do latim numa carta a um amigo2:
Verumtamen quid tibi ego videor in epistulis? nonne plebeio sermone agere tecum? nec enim semper eodem modo; quid enim simile habet epistula aut iudicio aut concioni? quin ipsa iudicia non solemus omnia tractare uno modo: privatas causas, et eas tenues, agimus subtilius, capitis aut famae scilicet ornatius; epistulas vero quotidianis verbis texere solemus3. (Ccero Epistulae ad Familiares XXI apud http://www.thelatinlibrary.com)
O sermo urbanus, como o prprio Ccero diz, era a lngua aprimorada, utilizada nos
discursos e outros escritos, em que havia zelo no vocabulrio, no estilo e na gramtica. Era
1 Uma lngua um organismo vivo, que nasce, se desenvolve e se transforma. Ela depende do carter intelectual do povo que a fala, da sua constituio fsica, das condies geogrficas do pas e sobretudo das circunstncias histricas. Nesta dissertao todas as tradues, do francs para o portugus, so de nossa responsabilidade, salvo as dos Juramentos. 2 Nesta dissertao, todas as tradues, do latim para o portugus, foram realizadas pelo Prof. Dr. Juvino Alves Maia Jnior. 3 Contudo, para ti eu pareo o qu nas cartas? No verdade que pareo usar contigo a lngua vulgar? E nem sempre do mesmo modo? Que tem de semelhante a epstula ao tribunal ou assemblia? Alm disso no costumamos tratar de um s modo os prprios julgamentos como um todo: as causas privadas e as da plebe; aquelas conduzimos com mais rigor de raciocnio, essas evidentemente com mais ornamento de fama. Na verdade, costumamos tecer as epstulas com palavras cotidianas.
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uma lngua escrita, lngua dos doutos, artificial e rgida, sem mobilidade, razo pela qual
permaneceu tanto tempo estvel.
O sermo vulgaris era inicialmente a lngua falada pelas classes inferiores, tendo sido
adotada, pouco a pouco, por todo o Imprio Romano. Estima-se em 800 anos a durao do
latim vulgar, que se definiu no sculo II, antes de Cristo. Esse latim era a lngua falada
cotidianamente, instrumento de comunicao diria de todas as classes, como soldados,
marinheiros, artfices, agricultores e artistas. Era, por assim dizer, a soma dos falares da
sociedade romana e, como lngua dos militares, acompanhou-os, conseqentemente, em todas
as suas conquistas. Adotada por povos to diversos, sofreu influncias e influenciou os falares
e as culturas por onde chegou o Imprio Romano.
Ora, o latim vulgar que continuava sendo a lngua falada pelos romanos nas terras
dominadas, paulatinamente foi se fundindo s lnguas dos dominados. Transformou-se e
sofreu transformaes. Vrios elementos agiram nessas modificaes lingsticas, tais como o
clima, a extenso territorial, o momento em que se deu a conquista, os povos dominados e,
principalmente, o tempo em que a regio permaneceu sob dominao romana. Foi, pois,
dessas influncias recprocas, que nasceram as lnguas neolatinas. Entre elas as mais
divulgadas so: o portugus, o espanhol, o francs, o italiano e o romeno.
Como afirma Perret (2003, p.32) a lngua me do francs o latim, mas um latim
familiar j bastante diferente da lngua clssica. Esse latim, alm do seu desgaste natural,
sofreu influncias por duas vezes com o fenmeno do bilingismo. Em um dado momento, a
lngua latina foi influenciada pelo gauls e, em um outro, por lnguas germnicas. As
particularidades do francs so, por conseqncia, o resultado dessas lnguas em contato.
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1.1 A Glia
Figura 1.
Glia independente por volta do sculo I a.C.
Disponvel em: . Acesso em: 16 out. 2006.
A Glia foi uma das regies onde o latim se fundiu com a lngua local. Localizada
aproximadamente onde hoje se situa a Frana e, limitada pelos Pirineus ao Sul, pelos Alpes ao
Sudeste, pelo Atlntico ao Oeste e ao Norte, pela Blgica tambm ao Norte e pelo Reno ao
Leste, a Glia foi uma das partes da Europa invadida e dominada pelos romanos. Antes de os
latinos chegarem, a regio j estava ocupada. Inicialmente pelos lgures, pelos ibricos, celtas
e pelos aquitanos. Sua ocupao pelos gauleses aconteceu sucessivamente, entre 700 e 500
anos antes de Cristo. Vindos da Europa Central, esses povos de origem germnica ocuparam
dois teros da Europa. Por volta do sculo VII a.C., o deslocamento e a movimentao dos
gauleses no territrio francs foram considerveis. Eles tentaram invadir a Aquitnia no
Sudoeste, mas devido resistncia do povo local, no conseguiram permanecer na regio e
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rumaram em direo ao Norte e ao Oeste. No puderam dominar o Sul porque a regio j era
domnio romano cerca de 100 anos antes, como podemos ver na figura 1. Apesar disso,
mesmo com a regio de Narbona j pertencendo aos romanos, os gauleses ainda atacaram
Roma no ano de 388 a.C.
Embora de origem comum, os gauleses eram divididos em inmeras colnias e viviam
freqentemente em guerra uns contra os outros. Apesar das desavenas e das diferenas,
possuam um aspecto unificador que era a religio, razo pela qual reuniam-se anualmente
para celebrao de seus deuses. Para os gauleses, seus sacerdotes, os druidas, gozavam de
grande influncia poltica acumulando, inclusive, as funes de juiz e educador. Eram eles,
ento, os responsveis pela manuteno dos costumes e da tradio celtas as quais recusavam
transmir por escrito; a transmisso era oral como afirma Walter (1988, p.37-38): Si nous
connaissons mal le gaulois, cest en particulier parce quil a laiss peu de tmoignages
crits: les druides, gardiens de la religion, se refusaient transmettre leur savoir par crit.4
Segundo Perret (2003, p.22-26), apesar de se conhecer pouco da lngua gaulesa, pois
no h muitos documentos escritos, sabe-se que falavam vrios dialetos do substrato de uma
lngua celta inicial. Com exceo do basco, h poucas marcas desses dialetos nos dias atuais.
Esses traos so encontrados principalmente na toponmia e em termos rurais. Considera-se
que foi devido a um substrato gauls que houve a passagem do /u/ latino [u] para o /u/ do
francs atual [y]. No entanto, o autor observa tambm que essa possvel influncia
contestada por ter ocorrido tardiamente. Outra mudana fonolgica que teria acontecido
devido influncia gaulesa seria a palatizao de algumas consoantes e a manuteno do s
final. Alm dessas consideraes de ordem fontica, tambm se v o sistema numrico
vigesimal como mais um trao deixado pelos celtas na cultura francesa.
Como os gauleses no possuam alfabeto prprio, utilizavam o dos gregos ou o dos
romanos. Na atual regio da Frana, alguns parcos testemunhos lingsticos foram
encontrados em objetos votivos e em trs peas em metal de maior vulto: os chumbos do
Larzac (Sudoeste); de Chamalires (Sudeste); e de Lezoux (Centro-Sul). Ademais, foi
tambm encontrado um grande calendrio em Coligny (Sudeste).
Devido s disputas internas, os povos gauleses terminaram se enfraquecendo.
Aproveitando essa diminuio de fora, em 58 a.C., o general Jlio Csar, no comando das
tropas romanas, atacou com um exrcito disciplinado e potente, e em cinco anos j havia
4 Se ns conhecemos mal o gauls, isso acontece particularmente porque ele deixou poucos testemunhos escritos: os druidas guardies da religio se recusavam a trasmitir seus conhecimentos por escrito.
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tomado posse de mais da metade da Glia. Sem apresentar quase nenhuma resistncia, os
povoados gauleses foram paulatinamente sendo invadidos.
Nos seus Comentrios sobre a guerra da Glia, Jlio Csar faz relatos interessantes
sobre os povos e a lngua dos invadidos. Primeiro, observa que o gauls no a nica lngua
falada na Glia e, segundo, que os termos gauls e celta designam o mesmo povo. BELLVM GALLICVM LIBER PRIMVS I. Gallia est omnis diuisa in partes tres, quarum unam incolunt Belgae, aliam Aquitani, tertiam qui ipsorum lngua Celtae, nostra Galli appellantur. Hi omnes lngua, institutis, legibus inter se differunt. .5 (WALTER, 1988, p.36)
Em 52 a.C., seis anos depois dessa invaso, Vercingetrix, chefe gauls da Auvrnia,
vendo seu povo sucumbir dominao romana e desejando acabar com a situao, reuniu
todo o povo gauls para lutar contra os invasores. Embora tenha conseguido vencer a primeira
batalha, a de Gergvia, entre maio e junho de 52 a.C., foi impossvel vencer a segunda, a
famosa batalha de Alsia, entre agosto e setembro do mesmo ano. Vercingetrix se rendeu e
este feito marcou a passagem definitiva da Glia para o domnio romano.
Figura 2.
Glia depois das conquistas romanas por volta do sculo II d.C.
5 Guerra das Glias livro primeiro. O territrio da Glia dividido em trs partes: uma habitada pelos belgas, a outra pelos aquitanos e a terceira por aqueles que, na sua prpria lngua se auto-denominam celtas, e na nossa, gauleses. Todos eles se diferenciam uns dos outros pela lngua, pelas instituies e pelas leis.
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Disponvel em: . Acesso em: 14 out. 2006.
Depois de conquistada por Jlio Csar, a Glia viveu um longo perodo de paz, j que,
a partir daquele momento, os gauleses no tinham mais o direito de lutar entre si. Como se
pode observar na figura 2, com as conquistas romanas o territrio gauls foi
consideravelmente ampliado. Os romanos, porm, pouco mudaram da estrutura social e do
governo gauleses. Todavia, no se pode dizer o mesmo em relao cultura romana, que foi
totalmente assimilada. Sob a autoridade de governadores romanos, os vencidos conservaram
seus chefes, mas foram obrigados a pagar impostos e a fornecer soldados. O povo permaneceu
nas suas terras, uma vez que os romanos eram pouco numerosos e preferiam se instalar nas
cidades. A partir de ento, os dois povos unidos passaram a constituir o que se convencionou
chamar civilizao galo-romana - verdadeira mistura das duas culturas.
A influncia romana se fazia notar em vrios setores, desde as roupas lngua, s
casas luxuosas. Os gauleses mais abastados foram aos poucos adotando os usos e costumes
refinados dos romanos, chegando tambm a financiar belas construes nas cidades como, por
exemplo, a construo de templos, teatros, monumentos, aquedutos, banhos pblicos e fontes.
No campo, a vida quase no sofreu mudanas. A influncia romana foi pouqussima. bom
lembrar, entretanto, que uma importante mudana aconteceu na agricultura, com a introduo
da cultura da uva e de rvores frutferas. Ademais, no se pode esquecer a construo das
estradas romanas que permitiram o fcil deslocamento dos soldados e asseguraram a paz no
pas.
Mas nem tudo pde ser assimilado pelos gauleses, j que a grande discrdia entre os
dois povos foi a religio. Os druidas nunca aceitaram os deuses romanos, fato que provocou a
perseguio dos sacerdotes gauleses e, em seguida, o seu desaparecimento. Nesse momento
uma nova religio se disseminava pelo mundo, o Cristianismo, trazida do Oriente pelos
comerciantes. Apesar de ser rejeitada pelos romanos, que perseguiam e matavam os cristos, a
nova religio acabou se instalando.
1.2 As invases germnicas (a partir do sculo IV)
Do sculo I at o sculo IV, a paz reinou na Glia. Depois de to longo perodo de
tranqilidade, a regio foi devastada durante aproximadamente 100 anos, por invases,
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ataques e massacres. Os povos invasores vinham sobretudo do norte da Europa, regio da
atual Alemanha. A civilizao galo-romana chegara ao fim.
Vrios povos tentaram invadir a Glia. Os germanos foram um deles. Estes, embora,
nunca conseguissem se instalar realmente no territrio galo-romano, pois sempre eram
expulsos, acabaram, aos poucos, exaurindo as defesas romanas; enfim, em 406, um grupo
vindo da Hungria tomou de assalto a Glia, dominando-a quase totalmente. Restaram apenas
sob o poderio romano as cidades protegidas por muralhas, os famosos remparts. Por volta de
450, os hunos, povo nmade da sia chefiados por tila, invadiram a regio. A fora deles
era tanta que provocou a fuga dos outros povos germanos. tila aterrorizou a todos por onde
passou, praticamente sem encontrar resistncia. Porm, em 451, dois exrcitos, um galo-
romano e outro germnico, decidiram se unir para expuls-los. tila foi finalmente derrotado
em Chalons-sur-Marne, na regio da atual Champanhe.
Derrotados os hunos, a Glia, terra de ningum, foi sendo paulatinamente invadida por
outros povos germnicos, dentre os quais estavam os francos. Eles eram pouco numerosos e
viviam divididos em bandos sem grande poderio, mas, apesar disso, quela poca, j haviam
dominado o Norte (hoje a Blgica e a Holanda). Em 481, Clvis foi eleito rei de uma das
tribos e, sob a sua liderana, a vida e a importncia poltico-social dos francos comearam a
mudar. O novo rei, um adolescente de 16 anos, hbil, esperto e cruel, conseguiu em pouco
tempo conquistar um grande territrio, como podemos ver na figura 3, logo adiante.
Ambicioso, mandava assassinar at mesmo os outros reis francos para tornar-se nico. Devido
a esse comportamento, quase toda a Glia ficou sob seu poder e, por volta de 509, ele
derrotou os ltimos exrcitos romanos, promovendo, assim, a unificao de todos os francos.
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Figura 3.
As conquistas de Clvis sculo VI d.C.
(GRIMAL, 1960, p.10).
O cristianismo, nova religio vinda do Oriente, foi, poca galo-romana, bastante
perseguido, mas, apesar de tudo, conseguiu se instalar rapidamente na Glia. Durante o tempo
das invases, o nmero de adeptos da nova religio s aumentou. No ano de 496, Clvis,
ento rei dos francos, percebendo a fora desse movimento religioso e sob a influncia de sua
mulher, Clotilde, que j havia se tornado catlica, decidiu se converter ao catolicismo. Junto
com ele alguns milhares de guerreiros francos tambm se tornaram cristos. A converso do
rei foi um fato importante para a difuso do cristianismo e, conseqentemente, do latim, que
tinha sido adotado como lngua litrgica oficial no sculo IV (WALTER, 1988, p.49).
Clvis tornou-se, assim, protetor e protegido dos lderes religiosos, que, por sua vez, faziam
com que toda a populao crist obedecesse ao rei. Ele foi o primeiro rei catlico da Frana, e
sua morte, em 511, consolidou a dinastia merovngia, que deve seu nome a Meroveu,6
6 H dvidas quanto verdadeira existncia do rei franco saliano Meroveu. Segundo a Enciclopdia Britnica (http://www.britannica.com), ele teria vivido de 411 a 458, embora no haja registros contemporneos sobre ele e poucas sejam as informaes a seu respeito nas histrias posteriores dos francos. Encontramos tambm, no mesmo texto enciclopdico, possveis explicaes sobre o nome desse rei. Uma delas entende que -Mero/Mer seria uma aluso ao mar, do latim mare + -wig/weg/vus referncia a "viajante", "rota, caminho" ou "transporte, veculo" (em alemo: weg; em latim: via). Quanto ao termo saliano, este viria de sal, uma lembrana do lar dos francos pr-migrao, isto , as praias do mar do Norte.
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lendrio rei fundador da dinastia dos reis francos slicos. Em 561, cinqenta anos aps a
morte de Clvis, a dinastia merovngia comeou a perder sua fora, e o reino, a se decompor.
As terras francas foram divididas em Nustria, Austrsia e Borgonha. Os merovngios,
descendentes de Clvis, reinaram ainda cerca de 200 anos aproximadamente, at meados do
sculo VIII. Em cada reino franco havia a figura do Mordomo ou Prefeito do Palcio, um
funcionrio que representava o rei no palcio real. Na realidade eles eram os governantes de
facto do reino.
Em meados do sculo VIII, o esfacelamento do poder merovngio facilitou a
consolidao real da importncia do mordomo do palcio. Numa batalha em Poitiers, por
volta de 732, o reino franco, ameaado por uma invaso de rabes muulmanos vindos da
Espanha, foi salvo graas ao mordomo do palcio, Carlos Martel. Uns 20 anos depois, em
751, seu filho, Pepino, o Moo, tornou-se rei com consentimento papal, iniciando nesse
momento uma nova dinastia, a dos pippinidas (ou pepinidas) que pouco tempo depois seria
nomeada carolngia, quando Carlos Magno chegou ao poder.
1.3 Carlos Magno e os Juramentos de Estrasburgo
Com a morte de Pepino, o Moo, em 768, o reino foi divido entre seus filhos
Carlomano e Carlos Magno. Em 771, Carlomano faleceu e Carlos Magno assumiu o poder de
um reino franco unificado. Nessa poca, a Glia desapareceu e nasceu a Francia.
Grande conquistador, Carlos Magno tomou a Itlia dos lombardos, combateu contra os
muulmanos na Pennsula Ibrica e conquistou a Saxnia. Cristo fervoroso, guerreou
levando sempre consigo o cristianismo aos povos conquistados. No ano de 800, em Roma, foi
coroado imperador pelo Papa vindo a falecer em 814.
Alm da expanso do cristianismo, Carlos Magno criou escolas e promoveu a
renascena carolngia, uma tentativa de revalorizao das letras greco-latinas que haviam
perdido valor durante todo o perodo das invases germnicas, poca em que os dialetos
germnicos logicamente predominavam. Os merovngios, descendentes de Clvis, assim
como os prprios carolngios, eram povos de lngua germnica, teudisca lingua. Segundo
Rene Balibar (apud PERRET, 2003, p.34), existia, poca de Carlos Magno uma grande
diferena de status entre as lnguas germnicas, lnguas dos senhores, que gozavam de
grande considerao, e o falar dos povos romanos: falar dos servos e dos vencidos e jargo
agrcola.
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Foi justamente graas renascena carolngia, com a retomada dos estudos de textos
em latim clssico, que surgiu a conscincia de que a lngua falada pelo povo havia sofrido
tantas modificaes que j no podia ser mais reconhecida como latim, conforme se pode
ratificar pelas palavras de Perret (2003, p.35):
Avec Charlemagne, qui rtablit lEmpire dOccident, une influence
civilisatrice et la renaissance des lettres latines furent paradoxalement lorigine de lapparition dune nouvelle langue crite, qui deviendra le franais. Charlemagne reconstitua un empire dOccident qui comportait le territoire de la France ( lexception de la presqule bretonne), celui de lAllemagne et une grande partie de celui de lItalie (un peu plus bas que Rome), vaste espace quil administrait et gouvernait efficacement: il tentait aussi de redonner ses peuples la civilisation quils avaient perdue.7
Ainda se pode verificar uma reforma na organizao educacional da poca, instaurada
pelo monge Alcuno, segundo tambm se pode confirmar na passagem a seguir (Idem,
ibidem, loc.cit):
Il fit venir dAngleterre (York) le moine Alcuin pour mettre en place un
enseignement en latin pour les moines qui narrivaient plus comprendre le texte de
la Vulgate (nom donn la traduction de la Bible en latin par saint Jrme, vers
400). Sur son conseil, lempereur mit en place un enseignement trois niveaux.. Au
niveau suprieur, lcole palatine dAix-la-Chapelle formait les lites intellectuelles;
au niveau intermdiaire, des coles piscopales ou monastiques, dont labbaye Saint-
Martin-de-Tours, dirige par Alcuin, formaient les adolescents. Dans les campagnes,
une initiation des enfants au calcul et la grammaire aurait d tre faite par les
curs, mais cet enseignement de premier niveau ne put stablir durablement.
Cest alors que les nouveaux lettrs, qui avaient rappris le latin classique,
commencrent se moquer des barbarismes du latin mrovingien de leurs
prdcesseurs. Mais, tandis que la langue simplifie, pleine de termes populaires des
scribes mrovingiens, tait encore accessible au peuple, les lettrs carolingiens
prirent conscience que la langue parle avait tellement volu quil tait maintenant
impossible de faire comprendre un texte de vrai latin qui ne lavait pas
tudi(PERRET, 2003, p.35)8.
7 Uma influncia civilizadora e o renascimento das letras latinas, provocados por Carlos Magno, que restabeleceu o Imprio do Ocidente, foram paradoxalmente a origem do aparecimento de uma nova lngua escrita que viria a ser o francs. Carlos Magno reconstituiu um Imprio do Ocidente reunindo o territrio da Frana (com exceo da quase ilha bret), o da Alemanha e uma grande parte do territrio da Itlia (um pouco mais abaixo de Roma), vasto espao que ele administrava e governava com eficcia: ele tentava tambm dar novamente a esses povos a civilizao que eles haviam perdido. 8 Ele trouxe da Inglaterra (York) o monge Alcuin para implantar um ensino de latim para os monges que no conseguiam mais compreender o texto da Vulgata (nome dado traduo da bblia em latim por So Jernimo, por volta do ano 400). Sob seu conselho, o Imperador instaurou um ensino em trs nveis. O nvel superior da
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Como ressalta e explica Perret, por volta do ano 800, o latim do norte da Glia, isto ,
da Francia, j possua caractersticas bastante particulares e no se confundia mais com o
verdadeiro latim. Tanto assim que, em 813, os bispos, reunidos em Conclio na cidade de
Tours, decidiram que os padres deveriam fazer seus sermes na lngua materna do povo, in
rusticam romanam linguam, ou seja, em lngua tedesca. Na realidade, esta data marca o
primeiro reconhecimento oficial da lngua romana que viria, posteriormente, a ser o francs
propriamente dito. Contudo, o que era considerado assunto importante e srio como histria,
filosofia e teologia era escrito em latim.
Segundo Wright (apud PERRET, 2003, p.35), teria ocorrido uma reforma na
pronncia do latim durante o perodo carolngio e esse fato teria favorecido a prpria crise da
lngua latina. Melhor dizendo, a pronncia do latim escrito, que se apoiava nos falares da
poca e de cada regio, com a reforma carolngia, deveria tornar-se homognea, posto que era
a lngua oficial do Imprio. O latim deveria ento ser lido pronunciando-se todas as letras, o
que evidentemente no foi possvel e o tornou incompreensvel para o povo. En voulant
duquer les foules, on avait recre une lite (WALTER, 1988, p.67).9
Essa lngua romana falada no sculo IX, que provm do latim e de outras lnguas indo-
europias, como o gauls e o frncico, j nessa poca, havia sofrido tantas modificaes que
seria impossvel no lhe conceder o status de lngua independente do latim, diferentemente do
italiano ou o espanhol, por exemplo, que ainda estavam bem prximos da lngua latina.
Como observa Perret (2003, p.37), no houve descontinuidade entre o latim falado por
Jlio Csar e a lngua falada na Francia do sculo X. O que houve, com efeito, foram
mudanas resultantes de influncias recprocas entre a lngua do invasor romano e os vrios
dialetos existentes na Glia, desde a invaso de Csar at a poca de Carlos Magno. Foi o
retorno s origens que evidenciou a existncia de duas lnguas: o latim - lngua oficial -, e
uma lngua materna - a lngua romana.
Durante a Idade Mdia, essa romana lingua abrigava grande variedade de dialetos; no
final do sculo XII, pode-se, no entanto, perceber um uso comum entre eles no momento em
escola palatina de Aix-la-Chapelle formava as elites intelectuais; o nvel intermedirio, das escolas episcopais ou monsticas, entre elas a abadia de Saint-Martin-de-Tours dirigida por Alcuino formavam os adolescentes. No campo, uma iniciao das crianas ao clculo e gramtica, teria sido realizada pelos padres, mas esse ensino de primeiro nvel no pde se estabelecer de forma duradoura. Foi ento que os novos letrados, que tinham reaprendido o latim clssico, comearam a zombar dos barbarismos do latim merovngeo de seus predecessores. Mas, enquanto que a lngua simplificada repleta de termos populares dos escribas merovngeos ainda era acessvel ao povo, os letrados carolngeos tomaram conscincia de que a lngua falada havia evoludo tanto, que era impossvel, naquele momento, fazer compreender um texto em verdadeiro latim a quem no o tinha estudado. 9 Desejando educar a massa, havamos recriado uma elite.
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que surge a chamada langue dol no Norte do territrio, a langue doc no Sul e ainda dialetos
franco-provenais na regio de Lyon, Genebra e Grenoble (WALTER, 1988, p.52). Essa
lngua vulgar no obedecia regra alguma, assim continuando at o sculo XVI quando foi
normatizada.
Os primeiros escritos que atestam a existncia dessa lngua romana, desse proto-
francs, so vocabulrios. Tritter, na sua Histoire de la langue franaise (1999, p.15), afirma
que, desde os sculos VII e VIII, se escreveu em proto-francs, poca roman primitif;
todavia, devido a tantas guerras e percalos, poucas foram as provas que chegaram aos dias
atuais. Os testemunhos mais antigos da existncia de uma lngua romana escrita so na
realidade os glossrios, dentre os quais o mais famoso o Glossrio de Reichenau, do final do
sculo VIII e incio do sculo IX, que traduz em lngua romana aproximadamente 1.300
termos latinos difceis da Vulgata de So Jernimo, a verso latina da Bblia. No se trata de
um texto e sim de um lxico. Do mesmo gnero so as Glossas de Kassel, as Glossas de Paris,
o Vocabularius optimus, entre outras.
Sem desmerecer os glossrios, , porm, em 14 de fevereiro de 84210 que comea
oficialmente a histria da lngua francesa com os Juramentos de Estrasburgo. Desse famoso
texto existem duas cpias apcrifas conservadas na Biblioteca Nacional da Frana. A mais
antiga11 do final do sculo IX (Vide fac-smile, figura 4) e a outra uma cpia12 incompleta
da precedente feita no sculo XV (HAGGE, 1996, p.19). Considerado a certido de
nascimento do que viria a ser o francs, esse documento foi escrito em lngua romana e em
lngua tedesca, ou seja, alem.
Os Juramentos de Estrasburgo so o marco que consolidou a existncia de uma lngua
francesa. Trata-se de um documento curto mas precioso, como bem assinala Vasconcelos
nas suas Lies de filologia portuguesa (s.d., p.208).
Segundo Walter (1993, p.12-13 apud http://www.restena.lu), durante a Idade Mdia
(sculo V- X) s se escrevia em latim, lngua oficial da Igreja e do poder. Os Juramentos de
Estrasburgo so o testemunho oficial da importncia conferida s lnguas vulgares ao
reproduzir essas lnguas por escrito. A autora reconhece a pouca espontaneidade do juramento
como tambm sua forma ritual; no entanto afirma que nem por isso a lngua vulgar deixa de
revelar uma situao geolingstica nova que aparece no momento da diviso do Imprio de
10 Em todos os livros que pesquisamos, a data oficial dos Juramentos de Estrasburgo o dia 14 de fevereiro do ano de 842, ou seja, a data correspondente no calendrio atual ao 16 dia das calendas de maro do calendrio romano, aquele adotado por Nithardo. 11 Manuscrito latino n 9768 do cadastro da Biblioteca Nacional da Frana. 12 Arquivos latinos n 14663 do cadastro da Biblioteca Nacional da Frana.
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Carlos Magno. Um bloco romano e um bloco germnico tomaram conscincia coletiva de
suas diferenas. Esse sinal de relativa heterogeneidade cultural estava prestes a transformar-se
em clivagem poltica. Les Serments de Strasbourg sont le symptme d'une fracture
gopolitique et golinguistique dans l'Europe du IXe sicle13 (idem).
Esse fato histrico chegou at os tempos atuais graas ao historiador Nithardo, outro
neto de Carlos Magno. Sua obra Histoire des fils de Louis le Pieux14 foi toda escrita em latim,
salvo o trecho dos Juramentos de Estrasburgo, que foi transcrito nas lnguas em que foram
pronunciados, ou seja, lngua romana e lngua alem. O documento um texto jurdico de
apenas algumas linhas, que no somente tem importncia para a histria da lngua francesa,
visto que contm numerosos indcios da evoluo da lngua, como tambm possui grande
valor histrico-poltico para a Frana, j que estabeleceu a primeira unidade do pas como
nao.
Michel Zink comenta no seu livro Littrature franaise du Moyen ge (1992, p.26),
que os Juramentos de Estrasburgo no pertencem de forma alguma literatura, mas nem por
isso deixam de merecer ateno: non seulement parce quils constituent le premier monument de la langue franaise, mais encore parce quils invitent rflchir sur leur nature de texte. Prter serment en langue vulgaire est une chose. Reproduire ce serment sous la forme dun texte en langue vulgaire lintrieur dun ouvrage caractre historico-politique, en latin bien entendu, comme le fait Nithard, en est une autre.15
13 Os Juramentos de Estrasburgo so o sintoma de uma fratura geopoltica e geolingstica na Europa do sculo IX. 14Adotaremos a edio da coleo Les Classiques de l'Histoire de France au Moyen Age, Paris, Librairie ancienne Honor Champion, editor, 1926, pginas 101 109 (apud http://www.langue-fr.net/d/origines/serment-strasbourg). 15 No somente porque eles constituem o primeiro monumento da lngua francesa, mas tambm porque eles so um convite reflexo sobre sua prpria natureza como texto. Fazer juramento em lngua vulgar uma coisa. Reproduzir esse juramento sob a forma de um texto em lngua vulgar no interior de uma obra com carter histrico-poltico, em latim claro, como o fez Nitardo, outra coisa.
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Figura 4.
Fac-smile do manuscrito dos Juramentos de Estrasburgo do final do sculo IX
da Biblioteca National da Frana.
(TRITTER, 1999, capa).
Segundo Houaiss (2001, p.1693) o elemento latino de composio jur-, originalmente,
deve ter tido sentido de frmula religiosa, da o emprego do plural jur, o que diz a
frmula da justia. Js orre, js jrre significa pronunciar a frmula sacra que engaja. O
verbo jurar deriva do latim jur que quer dizer: pronunciar a frmula ritual dos juramentos.
Fazer um juramento , por conseguinte, assumir um compromisso solene e sagrado. Essa
promessa ou afirmao pronunciada geralmente em pblico e pode ter carter pessoal ou
recproco.
O ato de jurar tem como condio sine qua non a boa-f. O carter sagrado do
juramento est bem explcito no termo francs que designa juramento, ou seja, serment que
vem do latim sacramentum, de sacrare, tornar sagrado. O primeiro registro escrito desse
vocbulo na lngua francesa data justamente de 842, ano dos Juramentos de Estrasburgo
(LAROUSSE, 1993 p. 1727).
Na Teogonia (HESODO, 1944, p. 60-1, v. 775-808) encontramos a explicao
mitolgica da origem do grande juramento dos deuses. Para honrar e recompensar Estige,
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filha mais velha de Oceano e Ttis, pelo auxlio que esta lhe prestou, Zeus a transformou no
hrkos, o grande juramento dos deuses. Quando qualquer um dos imortais queria se unir
atravs de um juramento solene, Zeus enviava a mensageira ris para trazer num jarro uma
poro da gua do Estige, que corria fria de um alto e abrupto rochedo. A gua era o prprio
hrkos dos deuses e possua potncia divina carregada de malefcios para aqueles que no
cumpriam o juramento. O perjrio era uma falta muito grave que era punida terrivelmente
pelos deuses. Benveniste (1985, p. 176) comenta que o castigo pelo perjrio no era um
assunto humano. Segundo ele, nenhum cdigo indo-europeu antigo prev sanes para o
perjrio. O perjrio era um delito contra os deuses, logo, supunha-se que o castigo viesse
deles. O ato de se comprometer com um juramento era sempre se expor de antemo
vigana divina, visto que se implora aos deuses que vejam ou ouam, que estejam, em
todo caso, presentes ao ato de comprometimento (BENVENISTE, 1985, p. 176).
Outro exemplo do valor sagrado do juramento e do poder que o jurar possua na cultura
grega est na Ilada de Homero. No canto III feito um juramento e no canto IV esse
juramento quebrado. A quebra do juramento traz uma condenao morte para todos
aqueles que violaram o pacto sacrossanto. Canto 3 :Anncio do juramento feito por Heitor: Ora, guerreiros Troianos, grevados Acaios, vos digo / o que vos manda propor Alexandre, fautor desta guerra:/ Pede que todos os homens Aqueus e Troianos deponham / as belas armas na terra, nutriz de infinitos guerreiros, /para que possa no meio do campo lutar com o discpulo / de Ares, o heri Menelau, por Helena e suas riquezas. / O que provar que mais forte, vencendo o adversrio na luta, / leve consigo os tesouros e a casa conduza consorte. / Com juramento firmemos ns outros a paz duradoura. (HOMERO, 2005, p.106, v. 86-94)
Canto 4: Idomeneu diz a Agammnone: Filho de Atreu, Agammnone, fiel companheiro hei de ser-te, / tal como sempre me viste e de acordo com o meu juramento. / Trata, porm, de espertar os demais combatentes Aquivos, / para que logo comece a batalha, uma vez que as sagradas / juras os Teucros violaram. A Morte a eles todos espera, / por terem sido os primeiros a os pactos violar sacrossantos. (HOMERO, 2005, p.125, v. 266-71)
O carter sacro no ato de jurar permaneceu no sculo IX e pode ser constatado atravs
dos Juramentos de Estrasburgo de 842. Fazer um juramento significava prometer a Deus. Ao
transcrever os Juramentos nas lnguas em que foram pronunciados, Nithardo reproduziu ipsis
verbis as promessas feitas pelos netos de Carlos Magno. A escolha do historiador pela
manuteno das lnguas originais dos Juramentos dentro do seu livro todo em latim teria
como possveis explicaes: primeiro, as lnguas faladas eram as lnguas vulgares e, para
serem compreendidos, os Juramentos tiveram que ser ditos em lngua romana e tedesca;
segundo, o desejo de o autor manter-se fiel aos acontecimentos.
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Para melhor entender a situao histrica em que foram proclamados os Juramentos de
Estrasburgo, retornaremos ao ano de 814, ano em que Carlos Magno faleceu depois de coroar
seu nico filho varo sobrevivente, Ludovicus Pius ou Lus I, o Piedoso. Segundo Hagge
(1996, p.13) Lus I j teria resolvido a sua sucesso desde 817, 23 anos antes da sua morte.
Ele teria legado aos seus filhos Lotrio, Pepino e Lus II, do seu primeiro casamento com
Ermengarda, o governo de um reino dividido. Pepino e Lus II seriam subordinados a Lotrio,
que seria o imperador depois da morte do progenitor. Porm, esse projeto de sucesso no foi
realizado porque, em 838, Pepino faleceu antes mesmo do seu pai. Lus I ficara vivo em 818,
e contrara segundas npcias em 819 com Judite da Baviera. Desse segundo matrimnio
nasceu Carlos, o Calvo. Assim sendo, em 840, quando da morte de Lus I, o Piedoso, cada
um de seus filhos vivos lutou pela conquista do Imprio Carolngio (Vide figura 5).
Famlia de Carlos Magno
Figura 5.
rvore genealgica da famlia de Carlos Magno.
Depois de muitas discrdias, Carlos, o Calvo, e Lus II, o Germnico, filhos de Lus I, o
Piedoso, decidiram se juntar para selar aliana contra Lotrio, o irmo mais velho. Eles
assinaram um tratado em latim como de costume e, em seguida, fizeram um juramento. Os
Juramentos de Estrasburgo foram pronunciados em proto-francs e em lngua tedesca pelos
dois monarcas. Cada um jurou na lngua do outro, ou seja, Carlos, o Calvo, em lngua alem e
Pepino o Moo (715 - 768)
Carlos Magno (744 - 814)
Carlomano (751 - 771)
Carlos (772 - 811)
Pepino (773 - 810)
Lus o Piedoso (778 - 840)
Casa-se em 794 com Ermengarda (+ 818)
Casa-se 819 com Judite da Baviera
Lotrio I (795 - 855)
Lus II o Germnico (808 - 876)
Pepino (+ 838)
Carlos o Calvo (823 - 877)
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Lus, o Germnico, em lngua romana, a fim de que todos compreendessem. J os soldados
juraram fidelidade nas suas prprias lnguas. Como comenta Hagge (1996, p. 16), a fronteira
lingstica entre uma zona ocidental de lngua romana e uma zona oriental de lngua
germnica j havia sido fixada entre os sculos IV e VI, momento da romanizao dos francos
ocidentais. A nica unidade lingstica entre essas duas partes do antigo imprio de Carlos
Magno era feita pelo latim, mas tratava-se, contudo, de um cdigo escrito adotado pela Igreja
e pela administrao, e no de uma lngua falada pelo povo.
Os Juramentos de Estrasburgo so, em resumo, o pacto em que Carlos, o Calvo, Lus II,
o Germnico e seus respectivos soldados, juraram ajuda e fidelidade mtuas contra Lotrio.
Foi atravs dos Juramentos de Estrasburgo de 14 de fevereiro de 842 que Carlos, o
Calvo, e Lus, o Germnico, pressionaram Lotrio e conseguiram a diviso do Imprio. A
querela entre os trs irmos s foi realmente resolvida um ano mais tarde, em 843, com o
Tratado de Verdun que dividiu o Imprio em trs partes, como se pode ver na figura 6. Carlos,
o Calvo, ficou com a Frncia ocidental; Lus, o Germnico, com a Frncia oriental; e Lotrio,
que detinha o ttulo de Imperador, com o centro da Itlia indo at a Frsia. Na realidade, o
Imprio deixado por Luis I, o Piedoso, j estava de uma certa maneira esfacelado, pois faltava
aos povos que o compunham, trs elementos essenciais para a unificao; interesse, cultura e
lngua comuns.
Figura 6.
A diviso do Imprio Carolngio depois do Tratado de Verdun.
(GRIMAL, 1960, p.14).
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O territrio que constituiria a Frana atual alcanou uma verdadeira unidade com o
Tratado de Verdun, visto que, at ento, s tinha sido dividido em pequenos reinos gauleses
ou ento tinha feito parte do Imprio romano, do Imprio franco e do Imprio germnico.
Pode-se afirmar, ento, que os Juramentos de Estrasburgo de 14 de fevereiro de 842
so, sem sombra de dvidas, considerados um monumento, o primeiro, da lngua francesa. A
grande importncia do documento confirmada pelo enorme interesse e a vasta bibliografia
que tem suscitado desde muito tempo. Seria tarefa herclea citar todos os estudos j
realizados sobre o tema. No entanto, no se pode deixar de lembrar a tese de Tabachovitz
tude sur la langue de la version franaise des Serments de Strasbourg (TABACHOVITZ,
1936), os artigos de Castellani, Le problme des Serments de Strasbourg (CASTELLANI,
1956), de Hilty Les Serments de Strasbourg (Hilty, 1973), de Deloffre A propos des serments
de Strasbourg de 842: les origines de l'ordre des mots du franais (Deloffre,1980), de
Droixhe Les Serments de Strasbourg et les dbuts de l'histoire du franais (Droixhe,1987), o
livro de Balibar Linstitution du franais. Essai sur le colinguisme des Carolingiens la
Republique (Balibar, 1985), e o livro de Cerquiglini La naissance du franais
(Cerquiglini,1991). 16
16 Embora no tenhamos tido acesso s obras citadas, elas so referendadas em Wagner (1995, p. 6), conforme consta nas referncias.
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2 Estudo filolgico
Pro Deo amur et pro Christian poblo et nostro
comun saluament...
Manuscrito de Nitardo
Embora nosso princial objetivo nesta seo seja a anlise filolgica do Juramento, no
nos restringiremos somente a esse aspecto. Para comear, mostraremos um pouco da evoluo
da lngua, dividindo sua histria em quatro momentos17: lngua romana ou proto-francs,
francs antigo, francs mdio e francs contemporneo. Em seguida, veremos trs verses
integrais do Juramento, depois observaremos o trecho da obra de Nithardo no qual est o
documento e, para terminar, realizaremos o estudo filolgico do texto.
2.1 Etapas da lngua francesa
No restam dvidas de que a histria da lngua francesa comea oficialmente com o
texto romnico dos Juramentos de Estrasburgo. Atravs desse documento, o francs nasceu
para e pela expresso escrita. Desde o sculo IX, at os dias atuais, a lngua de Victor Hugo,
como qualquer lngua em uso, no parou de se modificar.
A primeira etapa da lngua francesa comeou no sculo IX, quando era denominada
lngua romana. Nessa poca, a lngua falada j era bastante diferente do latim. Ao analisar
alguns textos do perodo, como por exemplo, o texto dos Juramentos de Estrasburgo de 842, a
Cantilena de Santa Eullia de 880 e o Sermo sobre Jonas redigido entre 938 e 952, Tritter
(1999, p. 16-7) observa algumas claras diferenas entre o latim e a lngua de ento. Segundo o
autor, do ponto de vista lexical, quase no houve mudanas, as palavras eram bem latinas.
Quanto fontica, as vogais finais praticamente no mais existiam. No havia nenhuma
17 Para fazer o corte histrico das etapas da lngua francesa, tomamos com parmetro a diviso realizada por Grevisse (1993, p. 11-4), acrescentando-lhe, contudo, um corte entre o sculo IX (lngua romana) e o sculo XI (francs antigo). Para isto, nos fundamentamos na diviso histrica adotada no site oficial da Universidade Laval do Canad, seo: Histoire de la langue franaise (http://www.tlfq.ulaval.ca/axl/francophonie/perioderomanestrasbourg.htm).
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diferena entre fradra e fradre por exemplo. A declinao latina clssica sofrera
transformaes e fora reduzida a apenas dois casos: o caso sujeito, para o sujeito e o atributo,
continuando assim o nominativo latino, e o caso regime, para todos os complementos,
continuando como o acusativo latino. O pronome indefinido om j estava em formao.
Quanto sintaxe, a ordem cannica francesa contempornea sujeito/verbo/complemento j
era bastante adotada, embora ainda fosse possvel encontrar o verbo no final da frase como no
latim clssico. Em algumas circunstncias, o complemento era colocado no incio da frase. Os
determinantes possessivos, por sua vez, estavam sempre esquerda do substantivo. Segundo
Grvisse (1993, p. 11), os verbos apresentavam, freqentemente, radicais variveis.
A segunda etapa do francs, ou francs antigo, iniciou-se aproximadamente no sculo
XI e foi at a metade do sculo XIV. Nesse momento no havia homogeneidade sobre a
lngua falada no territrio francs; ao contrrio, havia um grande nmero de patos18.
Costuma-se dividir o territrio em dois, quanto aos seus dialetos, como se pode ver na figura
7. Ao Norte, os dialetos pertenciam langue dol e ao Sul, langue doc, assim chamadas
devido maneira como se pronunciava a palavra oui. Havia tambm uma zona intermediria,
chamada por Walter (1988, p. 52) de francoprovenal. Nessa regio que englobava Lyon,
Genebra e Grenoble (vide figura 7), os traos da langue dol et da langue doc se
misturavam. Segundo Tritter (1999, p. 19), as principais diferenas entre os dois grupos
dialetais estavam na consoante germnica /h/ bem mais marcada no Norte e nos diversos
tratamentos dados aos ditongos. Quanto s consoantes surdas intervoclicas, houve uma
evoluo diferente entre o Norte e o Sul. Segundo Huchon (2002, p. 70) a langue doc, em
relao ao latim, era bem mais conservadora do que a langue dol, visto que recebera pouca
influncia germnica. Ademais, nos sculos XII, XIII e XIV, graas aos troubadours, a
langue doc, tournou-se uma lngua literria de prestgio pois era usada em obras de grande
valor lingstico.
18 Pato: dialeto essencialmente oral que difere da lngua oficial e que empregado numa rea reduzida e bem determinada pela populao do lugar (HOUAISS, 2001, p. 2149).
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Figura 7.
As divises dialetais romnicas.
(WALTER, 1988, p.53).
A terceira etapa do francs, ou francs mdio, durou da metade do sculo XIV at o
fim do sculo XVI. Segundo Grvisse (1993, p.12-3), o desaparecimento da declinao,
precisamente do caso sujeito, o fenmeno mais caracterstico dessa poca. Esse fato estaria
diretamente relacionado perda da mobilidade das palavras na frase. O lugar natural do
sujeito , a partir desse momento, antes do verbo. A liberdade da ordem das palavras na frase
deixou de existir, tornando a lngua mais rija. Os radicais variveis do francs antigo foram
em sua grande maioria unificados, tanto nos nomes quanto nos verbos, nos possessivos e
tambm nos numerais. O autor observa ainda outras transformaes lingsticas importantes,
como, por exemplo, a obrigatoriedade do pronome pessoal, o uso do artigo, o aparecimento
do artigo partitivo e o emudecimento do [] e das consoantes finais. A partir dessa poca,
mais precisamente no ano de 1539, o rei Francisco I tornou a lngua francesa obrigatria nos
atos administrativos e jurdicos, atravs da Ordenana de Villers-Cotterts. A ordenana
determinava ainda que a justia eclesistica devia se limitar s causas puramente religiosas e
obrigava os padres de todas as parquias a manter um registro de nascimentos, dando incio
ao estado civil.
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A ltima etapa a do francs contemporneo19. A fundao da Academia Francesa em
1635 por Richelieu pode ser considerada como um dos marcos fundadores desse perodo. Em
1694, foi publicada a primeira edio do dicionrio da Academia Francesa, precedida, porm,
pela publicao do dicionrio de Richelet, de 1680, e do dicionrio de Furetire, de 1690.
Essas publicaes deram origem aos primeiros dicionrios monolnges do francs
(HUCHON, 2002, p.186). Nesse momento havia uma preocupao quanto s normas para o
bom uso da lngua. A Gramtica de Port-Royal foi o reflexo do desejo de codificao do
francs. Nessa fase, a fontica e a morfologia no sofreram muitas mudanas, com exceo do
som [wa] como nos vocbulos roi, moi e a substituio do -l molhado pelo yod e do -r
enrolado pelo -r uvular.
O sculo XVIII foi um sculo de grande enriquecimento vocabular devido ao
desenvolvimento das cincias e da influncia dos pases anglo-saxes. Ademais, as
modificaes institucionais provocadas pela Revoluo Francesa trouxeram tambm um
enriquecimento lexical para as instituies. A declarao dos Direitos do Homem (sc. XVIII)
foi redigida em francs, lngua da liberdade, da igualdade e da fraternidade (HAGGE,
1996, p. 79). A lngua francesa deixou de ser a expresso do pensamento clssico do sculo
XVII e passou a ser a lngua da liberdade no sculo XVIII.
No entanto, importante sublinhar que nem todos falavam essa lngua; as camadas
populares falavam pato. Somente no sculo XIX ela se tornou lngua da maioria, graas ao
ensino do francs nas escolas. Esse sculo marcado pelo desenvolvimento da lingstica e
pelo aparecimento de grandes dicionrios como o Littr e o Larousse.
Houve tambm o surgimento de uma proposta de mudana ortogrfica da lngua que
no foi aceita (HUCHON, 2002, p.226). No sculo XX, a lngua francesa realmente a lngua
materna da maioria dos franceses e continua em plena transformao. Segundo Huchon
(idem, p. 259) alguns tempos verbais estariam em regresso, como por exemplo, o passado
simples e o imperfeito do subjuntivo, enquanto que o presente do subjuntivo no pra de ter
seu uso ampliado, no texto escrito. Quanto lngua oral atual, ela possui algumas
caractersticas particulares como a ausncia da negao ne e o uso do on no lugar do nous.
Aps esse breve histrico, veremos a seguir trs verses integrais dos Juramentos.
Primeiro teremos o texto original em lngua romana ou proto-francs, pois ele o ponto
originrio da lngua francesa, alm de ser o nosso objeto de pesquisa. Em seguida,
19 Apesar de termos encontrado vrias subdivises da lngua francesa entre os sculos XVII e XXI, adotaremos (como j foi dito anteriormente) o corte histrico realizado por Grvisse (1993, p.11-4), ou seja, o autor considera o francs contemporneo a partir do sculo XVII.
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mostraremos o texto em francs contemporneo porque atravs dele poderemos refazer o
caminho evolutivo da lngua romana do sculo IX. E, para terminar, acreditamos ser
importante vislumbrar uma verso do texto em portugus, uma vez que nosso trabalho
escrito na lngua de Cames.
Do texto original, lngua romana, transcrevemos o juramento do rei: Pro deo amur et pro christian poblo et nostro commun saluament d'ist di in auant, in quant Deus sauir et podir me dunat, si saluarai eo cist meon fradre Karlo, et in aiudha et in cadhuna cosa, si cum om per dreit son frada saluar dift; in o quid il mi altresi fazet; et ab Ludher nul plaid nunquam prindrai qui; meon uol cist meon fradre Karle in damno sit.(WAGNER, 1995, p. 10)
Aseguir,domesmodocumento,ojuramentodossoldados:
Si Lodhuuigs sagrament, que son fradre Karlo iurat conseruat, et Karlus, meos sendra, de suo part non l'ostanit, si io returnar non l'int pois, ne io ne neuls cui eo returnar int pois, in nulla aiudha contra Lodhuuuig nun li iu er.(WAGNER,idem)
Respectivamente,transcrevemososmesmos juramentosemfrancscontemporneo
e,logodepoisemportugus(VASCONCELOS,s.d.210213).
Pour l'amour de Dieu et pour peuple chrtien et notre commun20 salut de ce jour en avant, autant que Dieu m'en donne lintelligence et le pouvoir, je soutiendrai mon frre Charles ici prsent, par mon aide et en chaque chose, ainsi quon doit par droit soutenir son frre, tout autant quil fera de mme pour moi (ou ento pourvu quil fasse tout autant pour moi), et je ne prendrai jamais avec Lothaire aucun arrangement, qui de mon gr, soit au dtriment de mon frre Charles, ici prsent. Si Louis tient le serment quil jure son frre Charles, et si Charles mon seigneur de son ct le viole au cas o je ne len pourrais dtourner ni moi ni personne que jen puisse dtourner je ne lui serai daucun secours contre Louis. Por amor de Deus e pelo povo cristo e nossa comum salvao, deste dia em diante, enquanto Deus me der saber e poder, assim salvarei eu este meu irmo Carlos(aqui presente) em sua ajuda e em todas as coisas assim como por direito a seu irmo ajudar deve e no que ele me faa outro tanto e com Lotrio nunca em pleito algum entrarei que segundo a minha vontade, seja em prejuzo deste meu irmo Carlos. Se Lus cumpre o juramento que jura a seu irmo Carlos e se Carlos, meu senhor da sua parte quebra o seu, se eu desviar non o posso disso, nem eu, nem ningum que eu ende possa deter, no lhe serei eu de nenhuma ajuda contra Lus.21
A visualizao do texto integral do Juramento nas verses romnica, francesa e
portuguesa nos permite no somente confirmar a estreita proximidade dessas lnguas, mas
tambm constatar que alguns termos da lngua romana so bem mais prximos do portugus
atual do que do francs contemporneo. Observemos os exemplos di e dia, cadhuna cosa e 20 No livro de Carolina Michaelis de Vasconcelos (s.d. p.211) esta palavra est grafada com um s m, ou seja, comum, acreditamos que houve um erro da editora e colocamos, em nossa traduo do texto, a grafia correta. 21 As tradues em portugus e em francs so de Vasconcelos (s.d. 211-13). No livro s vezes h duas ou trs possibilidades de traduo para uma mesma palavra. Optamos por no transcrever aquelas que estavam entre parnteses.
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cada uma coisa. No entanto, no abordaremos esse aspecto comparativo entre o portugus e a
lngua romana do sculo IX neste trabalho porque nosso objetivo se limita ao estudo da
evoluo da lngua romana at o francs contemporneo.
2.2 A assemblia de Estrasburgo
Situar e compreender o ambiente histrico-lingstico no qual os Juramentos foram
pronunciados de suma importncia. Por essa razo reproduziremos abaixo o trecho da obra
de Nithardo onde esto os Juramentos. Ao lado da verso original latina22 h uma verso em
portugus. Conforme j exposto na nota de rodap nmero 2, pgina 9, as tradues do latim
para o portugus foram realizadas pelo Prof. Dr. Juvino Alves Maia Jnior; nos extratos
seguintes, em particular, quando se tratar das tradues do trecho dos Juramentos
propriamente ditos, estes foram extrados de Vasconcelos (s.d., p.211-13).
Verso original Verso em portugus
Ergo XVI kal marcii Lodhuvicus et
Karolus in civitate que olim Argentaria
vocabatur, nunc autem Strazburg vulgo
dicitur, convenerunt et sacramenta que
subter notata sunt, Lodhovicus romana,
Karolus vero teudisca lingua, juraverunt.
Ac sic, ante sacramentum, circumfusam
plebem alter teudisca, alter romana lingua,
alloquuti sunt. Lodhuvicus autem, quia
major natu, prior exorsus sic coepit :
Ento, no 16 dia das calendas de maro, Lus
e Carlos se reuniram na cidade que outrora se
chamava Argentaria, mas que hoje
comumente chamada de Estrasburgo, e
fizeram, Lus em lngua romana e Carlos em
lngua tedesca, os juramentos que so
narrados abaixo. Mas antes de fazer
juramento, eles discursaram um em lngua
tedesca, outro em lngua romana, para o povo
ao redor. Lus, porque era o mais velho, usou
primeiro da palavra nesses termos:
Quotiens Lodharius me et hunc fratrem
meum, post obitum patris nostri,
insectando usque ad internecionem delere
conatus sit nostis. Cum autem nec
Vs sabeis quantas vezes Lotrio se esforou
para aniquilar, depois da morte de nosso pai,
a mim e a meu irmo aqui presente, at o
extermnio. J que nem o parentesco nem o
22 Com o objetivo de distinguir melhor as duas verses, o texto original ser grafado em negrito.
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fraternitas nec christianitas nec quodlibet
ingenium, salva justicia, ut pax inter nos
esset, adjuvare posset, tandem coacti rem
ad juditium omnipotentis Dei detulimus, ut
suo nutu quid cuique deberetur contenti
essemus. In quo nos, sicut nostis, per
misericordiam Dei victores extitimus, is
autem victus una cum suis quo valuit
secessit. Hinc vero, fraterno amore correpti
nec non et super populum christianum
conpassi, persequi atque delere illos
noluimus, sed hactenus, sicut et antea, ut
saltem deinde cuique sua justicia cederetur
mandavimus.
sentimento cristo nem qualquer que seja o
engenho que houvesse poderia ajudar a
manter a paz entre ns, respeitando a justia,
enfim forados pela necessidade, nos
entregamos ao julgamento de Deus
onipotente, de modo a que ficssemos felizes
com o que fosse devido a cada um com seu
consentimento. Nisso, como sabeis, pela
misericrdia de Deus fomos vitoriosos, e ele,
vencido de uma vez, retirou-se com os seus,
para o lugar onde prevalecem.
Mas em seguida, tomados pelo amor fraternal
e para que no sofrssemos alm do povo
cristo, ns no quisemos persegui-lo e
aniquil-los, mas at aqui, como tambm
antes, mandamos dizer que ao menos depois
disso a cada um fosse cedida sua justia.
At ille post haec non contentus judicio
divino, sed hostili manu iterum et me et
hunc fratrem meum persequi non cessat,
insuper et populum nostrum incendiis,
rapinis cedibusque devastat. Quamobrem
nunc, necessitate coacti, convenimus et,
quoniam vos de nostra stabili fide ac firma
fraternitate dubitare credimus, hoc
sacramentum inter nos in conspectu vestro
jurare decrevimus.
Mas ele, depois disso, no contente com o
juzo divino, no cessa de perseguir com
hostilidade tanto a mim quanto a este meu
irmo, aqui. Alm disso, tambm devasta
nosso povo com incndios, pilhagens e
massacres. Por isso, agora, obrigados pela
necessidade, nos reunimos e, j que
acreditamos que vs duvidais de nossa
estvel fidelidade e firme fraternidade,
decidimos fazer este juramento entre ns,
vossa vista.
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Non qualibet iniqua cupiditate illecti hoc
agimus, sed ut certiores, si Deus nobis
vestro adjutorio quietem dederit, de
communi profectu simus. Si autem, quod
absit, sacramentum quod fratri meo
juravero violare praesumpsero, a
subditione mea necnon et a juramento
quod mihi jurastis unumquemque vestrum
absolvo.
No fazemos isto, enlaados a alguma inqua
cupidez, mas para que, se Deus, com vosso
auxlio nos der tranqilidade, tenhamos
proveito em comum. Mas se que seja
afastado eu primeiro ousar violar o
juramento que fiz a meu irmo, libero
qualquer um de vs de compromisso comigo
e tambm de juramento que tiverdes feito a
mim.
Cumque Karolus haec eadem verba
romana lingua perorasset, Lodhuvicus,
quoniam maior natu erat, prior haec
deinde se servaturum testatus est :
E quando Carlos repetiu as mesmas
declaraes em lngua romana, Lus, como o
mais velho, foi o primeiro que prometeu
cumprir o que se segue :
Pro Deo amur et pro christian poblo et
nostro commun salvament, d'ist di in
avant, in quant Deus savir et podir me
dunat, si salvarai eo cist meon fadre Karlo
et in aiudha et in cadhuna cosa, si cum om
per dreit son fadra salvar dift, in o quid il
mi altresi fazet et ab Ludher nul plaid
nunquam prindrai, qui, meon vol, cist
meon fadre Karle in damno sit.
Por amor de Deus e pelo povo cristo e
nossa comum salvao, deste dia em diante,
enquanto Deus me der saber e poder, assim
salvarei eu este meu irmo Carlos (aqui
presente) em sua ajuda e em todas as coisas
assim como por direito a seu irmo ajudar
deve e no que ele me faa outro tanto e com
Lotrio nunca em pleito algum entrarei que,
segundo a minha vontade, seja em prejuzo
deste meu irmo Carlos.
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Quod cum Ludhovicus explesset, Karolus
teudisca ligua si hec eadem verba testatus
est:
Como Lus terminou, Carlos repetiu o mesmo
juramento em lngua alem23:
In Godes minna ind in thes christianes
folches ind unser bedhero gehaltnissi, fon
thesemo dage frammordes, so fram so mir
Got geuuizci indi mahd furgibit, so haldih
thesan minan bruodher, soss man mit
rehtu sinan bruher scal, in thiu thaz er mig
so sama duo, indi mit Ludheren in
nohheiniu thing ne gegango, the, minan
uuillon, imo ce scadhen uuerdhen.
Por amor de Deus e pela salvao do povo
cristo e nossa salvao a todos dois, a partir
deste dia em diante, enquanto Deus me der
saber e poder, eu socorrerei este meu irmo,
como se deve segundo a eqidade socorrer a
seu irmo, com a condio que ele faa o
mesmo para mim, e eu no entrarei em
nenhum acordo com Lotrio que de minha
vontade possa lhe ser prejudicial.
Sacramentum autem quod utrorumque
populus, quique propria lingua, testatus
est, romana lingua sic se habet:
E o juramento que o povo de um e de outro
prestou, cada um em sua prpria lngua, em
lngua romana assim se mantm:
Si Lodhuuigs sagrament que son fradre
Karlo iurat conservat et Karlus, meos
sendra, de suo part non l'ostanit, si io
returnar non l'int pois, ne io ne neuls cui eo
returnar int pois, in nulla aiudha contra
Se Lus cumpre o juramento que jura a seu
irmo Carlos e se Carlos, meu senhor da sua
parte quebra o seu, se eu no o posso desviar
disso, nem eu, nem ningum que eu disso
possa desviar, no lhe serei eu de nenhuma
23 A traduo do trecho em alemo foi feita por ns atravs da traduo francesa de Ph. Lauer, bibliotecrio do departamento dos manuscritos da Biblioteca Nacional da Frana que se encontra no livro "Nithard - Histoire des fils de Louis le Pieux" publicado sob a direo de Louis Halphen na coleo "Les Classiques de l'Histoire de France au Moyen Age", Paris, Librairie ancienne Honor Champion, 1926.
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Lodhuuuig nun li iu er. ajuda contra Lus.
Teudisca autem lingua: E em lngua alem:
Oba Karl then eid then er sinemo
bruodher Ludhuuuige gesuor geleistit, indi
Ludhuuuig, min herro, then er imo gesuor
forbrihchit, ob ih inan es iruuenden ne
mag, noh ih noh thero nohhein, then ih es
iruuenden mag, uuidhar Karle imo ce
follusti ne uuirdhit.
Se Carlos cumpre o juramento que ele fez
para seu irmo Lus e se Lus, meu senhor,
rompe aquele aquele que jurou, se eu no
posso dissuad-lo, nem eu nem nenhum
daqueles que eu poderia dissuadir, ns no
lhe daremos nenhuma ajuda contra Carlos.
Quibus peractis Lodhuwicus Renotenus
per Spiram et Karolus juxta Wasagum per
Wizzunburg Warmatiam iter direxit
Terminado, isso, Lus se dirigiu ao longo do
Reno, por Spire, e Calos aos Voges, por
Wissembourg, a Warmatia.
Atravs do original de Nithardo acima reproduzido, pode-se perceber com facilidade o
ambiente solene no qual foram pronunciados os Juramentos. Destarte, no 16 dia das calendas
do ms de maro24 de 842, os dois filhos de Lus, o Piedoso, Carlos, o Calvo e Lus, o
Germnico, se encontraram em Estrasburgo para acabar com as dissidncias existentes entre
eles e Lotrio. Segundo Wagner (1995, p. 5), Carlos e Lus, antes de assumirem o
compromisso de paz e ajuda mtua naquele encontro, teriam realizado 13 entrevistas
anlogas. Certamente as lnguas utilizadas para a comunicao durante as assemblias foram a
romana e a tedesca. Os dois reis devem ter explicado aos seus sditos, atravs de uma
adnuntiatio, os motivos pelos quais estariam sendo levados a selar aliana contra Lotrio,
imperador e irmo mais velho.
24 Estamos adotando aqui a data do manuscrito que segue o calendrio romano.
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Quanto estrutura dos Juramentos, trata-se na realidade de um texto em dois tempos e
quatro movimentos, melhor dizendo, so compostos, por quatro partes: os dois textos em
lngua romana (o juramento de Lus ao seu irmo e a resposta dos soldados deste) e os dois
textos em alemo (o juramento de Carlos por sua vez, ao seu irmo e a resposta dos soldados
deste). Assim sendo, os dois irmos se manifestaram cada um na lngua do outro, enquanto
que os soldados falaram espontaneamente nas suas prprias lnguas.
Segundo Wagner (1995, p. 5), o texto francs dos Juramentos possui um marcante
carter jurdico. Essa caracterstica teria como origem a chancelaria carolngia e esta, por sua
vez, seria fortemente influenciada por uma forma de escrita administrativa. Apesar de todo o
estilo formal e pouco natural do Juramento, h hipteses quanto sua procedncia lingstica.
S. dArco Avalle e A. Castellani (apud WAGNER idem, ibidem) vem nele marcas de um
dialeto poitevino ou do norte da Aquitana. J Cerquiglini, na sua obra Le Roman de
l'orthographe de 1996 (apud www.langue-fr.net/d/origines/serment-strasbourg), vislumbra a
possibilidade de uma lngua transdialetal:
Une rflexion sur la nature de la langue crite est perceptible dans ses effets ds les premiers textes. Elle conduit l'emploi dans ces textes d'une langue transdialectale, pour ne pas dire nationale. Comment expliquer qu'aprs un sicle d'enqutes et de propositions les plus diverses, la philologie n'ait pas dtermin en quel dialecte taient rdigs les Serments de Strasbourg (842) ? Il faut convenir que ce document diplomatique ne fut point prpar en lorrain, messin, picard, lyonnais ou poitevin, mais dans une langue transdialectale soigneusement labore : un franais crit, que l'on pourrait dire national, monument stable de la langue.25
O pensamento de Cerquiglini nos faz refletir no somente sobre a forma da escrita do
documento, trata-se de um documento diplomtico, mas sobretudo sobre sua origem. O fato
de a lngua adotada ser pensada e cuidadosamente elaborada, dava-lhe, a essa lngua, um
carter transdialetal. O autor afirma que se pode at falar numa lngua nacional, de carter
estvel e que estaria acima de particularismos dialetais. Essa seria a razo pela qual a filologia
no teria conseguido determinar, at os dias de hoje, em qual dialeto o documento foi
redigido.
25 Uma reflexo sobre a natureza da lngua escrita perceptvel a partir dos seus efeitos desde os primeiros textos. Ela conduz ao emprego nesses textos de uma lngua transdialectal, para no dizer nacional. Como explicar que depois de um sculo de pesquisas e propostas as mais diversas, a filologia no tenha determinado em qual dialeto foram redigidos os Juramentos de Estrasburgo (842)? preciso aceitar que esse documento diplomtico no foi preparado em loreno, messino, picardo, lions ou poitevino, mas numa lngua transdialetal cuidadosamente elaborada: um francs escrito, que poder-se-a dizer nacional, monumento estvel da lngua.
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2.3 Estudo dos vocbulos
A anlise filolgica ser do texto original do sculo IX para o francs contemporneo.
Realizaremos um estudo detalhado do texto pronunciado por Lus, o Germnico26, j que
Carlos jurou em lngua alem. No que diz respeito ao texto pronunciado pelos soldados,
analisaremos a sua totalidade e as expresses que merecerem destaque.
Com o objetivo de realizar um exame evolutivo aprofundado, faremos um estudo
diacrnico dos vocbulos da lngua romnica. Dessa maneira, poderemos tanto voltar ao latim
clssico do sculo I, quanto ao latim popular do sculo VII ou passar pelo francs antigo do
sculo XI ou ainda pelo francs mdio do sculo XV. Adotaremos para o estudo evolutivo,
uma cor para designar cada lngua ou perodos diferentes de uma mesma lngua. Assim
teremos:
latim clssico (sc. I)
latim popular (sc. VII)
lngua romana (sc. IX)
francs antigo (sc. XI)
francs mdio (sc. XV)
francs contemporneo
2.3.1 O Juramento de Lus, o Germnico
1) Pro deo amur > Pour l'amour de Dieu
Per/Pro >Por > Pro > Por > Pour > Pour
Dei > Deo> Deo > Dieu > Dieu > de Dieu
amorem > amore > amur > amor > l'amour > l'amour
A preposio pro (apesar de existir per) do latim clssico foi aqui adotada, embora
houvesse a forma por do latim popular. A forma pour do francs contemporneo poderia ser
uma variao do pro + por ou, mais provavelmente, ocorreu a queda da vibrante -r. A forma
26 O estudo evolutivo detalhado dos vocbulos do Juramento foi realizado a partir das verses do latim clssico, do latim popular, da lngua romana, do francs antigo, do francs mdio e do francs contemporneo existentes no site da Universidade Laval. (http://www.tlfq.ulaval.ca/axl/francophonie/perioderomanestrasbourg.htm)
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contempornea est foneticamente mais prxima do latim popular do que da lngua romana
escrita.
Segundo Carolina Michalis de Vasconcelos (s.d., p. 211), Deo m grafia de Deu
forma anterior de Dieu, no caso oblquo, perdendo -s. No francs contemporneo, observamos
a presena da preposio de do genitivo (adjunto adnominal).
O nominativo amur pede um artigo no francs contemporneo. Foneticamente no
houve modificao no vocbulo, porm a grafia do u latino tornou-se ou.
2) et pro christian poblo et nostro commun saluament > et pour le peuple chrtien et notre
commun salut
et > et > et > et > et > et
christiani > chrestyano > christian > crestiien> chrestien > chrtien
populi > poblo > poblo > poeple > peuple > peuple
nostram > nostro > nostro > nostre > nostre > notre
communem > comune > commun > comum> commun > commun
salutem > salvamento > saluament > salvement> sauvement > salut
A conjuno et no sofreu nenhuma modificao desde o latim at o francs
contemporneo. A forma christian registrada no documento aproxima-se da forma do latim
clssico christiani; no entanto, a forma chrtien contempornea tem mais proximidade com
o latim popular. Poblo j a forma do latim popular vinda do latim clssico populi, de
populus povo que passa a ser poeple no francs antigo e peuple no francs mdio e
contemporneo. A consoante oclusiva sonora labial de poblo torna-se surda a partir do francs
antigo. O pronome possessivo nostro o mesmo do latim popular. O fenmeno do
desaparecimento do -s do meio dos vocbulos latinos bastante comum no francs
contemporneo, ou seja, nostro > notre, assim como tambm comum a troca da vogal final
o pelo e mudo. Commun no sofreu modificaes e saluament do latim clssico salutem -
de saler perde a desinncia -ment evoluindo para salut.
3) d'ist di in auant > de ce jour en avant,
ab > de esto > d'ist > de cest > de cest > de ce
-
die > die > di > jorn > jour > jour
hac > en avante > in auant > en avant > en avant > partir
Dist da preposio latina de + pronome demonstrativo ist. A preposio permanece
idntica no francs contemporneo j o pronome demonstrativo sofre transformaes
considerveis, ist > ce. Di uma corruptela do vocbulo latino diem. Jour tem origem no
latim clssico: diem > diurnum > jor(n) > jour. Embora no tenhamos registrado na evoluo
da palavra a forma jur, no podemos deixar de cit-la. H vrios registros de jur em
documentos do final do sculo XI como no verso 718 do poema pico, Cano de Rolando,
Tresvait le jur, la noit est aseri(ANDRIEUX-REIX, 1997, p. 84).
In (preposio/prevrbio) > en - em, para + auant, do latim popular abantiare, de
abante forma reforada de ante em diante. Quanto a essa preposio in, Vasconcelos (s.d.
p. 211), observa que no manuscrito est en com -e traado, e um ponto por baixo, o que
significa a necessidade de o revisor raspar e alterar a letra errada. Ab hac die a forma do
latim clssico para a expresso acima. O termo que se encontra no Juramento, d'ist, deriva
provavelmente do latim popular de esto.
4) in quant Deus sauir et podir me dunat > autant que Dieu m'en donne lintelligence27 et
le pouvoir
quantum > quanto > in quant > quan que > quan que > autant que
Deus > Deos > Deus > Dieus > Dieu > Dieu
scire > sabere > sauir > saveir > savoir > savoir
Posse > podere > podir > podeir > pouvoir > le pouvoir,
mihi > me > me > me > me > m'en
dat > donat > dunat > donct > done > donne
In quant do latim clssico, quantum locuo conjuntiva, serve de oposio e de
coordenao causal com a frase anterior transforma-se em quan que no francs antigo e
autant que no francs contemporneo. Deus (nominativo) perde o -s final por volta do sculo
27 Embora na traduo o termo escolhido para sauir, tenha sido intelligence, preferimos ser o mais fiel possvel ao original no estudo evolutivo, ou seja, savoir.
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XV. Quanto aos verbos sauir e podir, observemos o comentrio de Vasconcelos (idem p.
211):
Com relao aos infinitivos savir et podir, discutiu-se se ir seria grafia imperfeita por eir (o histrico saveir, podeir precedeu savoir, pouvoir, ou se realmente houve infinivos em ir, o que possvel, em vista da desordem verificada nos tempos pre- e proto-histricos entre os verbos em -re, -re, -ire, embora em todas as lnguas romnicas sapere e potere (em lugar de posse) pertenam segunda conjugao. Tenere, p. ex., deu tambm em fr. ant. tenir e tenoir.
Voltando origem clssica, temos para o infinitivo savoir < sapre/sci saber, ter
conhecimento e para o infinitivo pouvoir < possum/posse poder, ser capaz passando
pelo latim popular, podere/potere, por analogia com a maior parte dos verbos a partir das
formas com radical pot. Me tem como origem mihi do latim clssico (dativo) de go para
mim. Donne do francs contemporneo est bem prximo do donat do latim popular.
interessante notar a necessidade do pronome adverbial en apenas no francs contemporneo,
apesar de ele ser derivado do latim inde (registro de 842) que significa de l, daquele lugar.
(LAROUSSE, 1993, p.628). Segundo Wagner et Pinchon (1962, p. 183), os pronomes en e y
so pronomes adverbiais, vocbulos de repetio que tm um valor duplo. Advrbios
originalmente, servem tambm como pronome. Como advrbio, en exprime um lugar e
representa um complemento circunstancial j expresso. Como pronome, pode substituir um
termo dito anteriormente tendo a funo de um complemento outro que o circunstancial de
lugar.
5) si saluarai eo cist meon fradre Karlo > je soutiendrai28 mon frre Charles ici prsent
seruabo > salvarayo > saluarai > salverai > sauverai > soutiendrai
go> eo > eo > si j > si je > je
Hunc > eccesto > cist > cest > cest > ce, cet
meum > meon > meon > mien > mien > mon
fratrem > fradre > fradre > fredre > frere > frre
Carolum > Karlo > Karlo > Charlon > Charle > Charles
28 Embora na traduo o verbo escolhido para saluarai tenha sido soutiendrai, no estudo evolutivo do vocbulo preferimos o termo sauverai.
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Em saluarai, observamos a formao do futuro em francs, uma espcie de futuro
composto diferente do futuro latino. Na realidade, tem-se a forma infinitivo + verbo avoir
conjugado; assim, saluarai saluer ai; em francs contemporneo seria uma idia; prxima
de jai sauver ento, se hei de salvar, de fazer algo, eu salvarei, eu farei.
Ademais no verbo saluarai do infinitivo latino salutare salvar , observamos uma
evoluo bem comum lngua francesa: o l consoante lateral anterior torna-se a vogal u,
isto , sauver. Quanto ao demonstrativo do latim popular eccesto, evolui no sculo IX para a
forma cist, que indica presena. Com o substantivo fradre, se voltarmos ao latim clssico
frter, observamos a passagem da consoante surda anterior -t para a sonora -d e, em seguida,
h a queda da consoante sonora d, provocando a abertura da vogal e, frre. Em Karlo h a
evoluo do [k] para o [] de Charles. 6) et in aiudha et in cadhuna cosa > par mon aide et en chaque chose
ope mea > en ayuda > in aiudha > en aiude > par mon aide > par mon aide
quamcumque re > caduna causa > cadhuna cosa > chascune chose > chascune chose > et
en chaque chose
A palavra aiudha deriva do latim adjutare ajuda. Voltando para a origem clssica,
observamos a queda da consoante oclusiva sonora anterior -d e na escrita h a troca do -j pelo
i. Quanto expresso cadahuna cosa, no francs contemporneo chaque chose, observamos
a mesma evoluo da consoante surda posterior [k] para []. A palavra tem origem na expresso do latim popular unum cata unum.
7) si cum om per dreit son frada saluar dift > ainsi qu on doit par droit soutenir son frre
ut quilibet > sic qomo > si cum > si come > si comme > comme
homo > omo > om > on > on > on
suum > son > son > son > son > son
fratem > fradre > frada > fredre > frere > frre
seruare > salvare > saluar > salver > sauver > soutenir
-
iure debet > per drecto ... devet > per dreit ... dift > par dreit ... deit> par droit > doit par
droit
Neste trecho, observamos a presena do vocbulo om. Vasconcelos (s.d., p. 211)
comenta esse nominativo de homo, j no sentido on do francs contemporneo algum, as
pessoas, ns. Esse termo na Idade Mdia era comum a todas as lnguas romnicas. Ela
tambm tece comentrios em relao ao vocbulo dift que fora lido pelos primeiros editores
como dist devido falta de clareza do manuscrito. O possessivo son no sofreu qualquer
mudana desde o latim popular, permanecendo com a mesma grafia at hoje. O vocbulo
dreit passa a ser droit no franc
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