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Relato do Revmo. Pe. Francisco Coréia Lima.
De tudo Jesus Cristo, nos instrui acerca de nossos deveres religiosos e morais e
transmite as determinações e doutrinas da S. Igreja. Em suma, é o padre que nos recebe
neste mundo em nome de Deus, e nos acompanha com sua benção em todas as fases da
vida, até nos lançar a última benção ao descermos à cova.
O padre, segundo São Paulo, é um “outro Cristo na terra”. De quanta gratidão
somos devedores a tão grande benfeitor, àquele que cuida de nosso bem espiritual, o
único bem que merece verdadeiros cuidados!
Mas a gratidão para como o padre não é planta que medra nesta terra ou, se medra,
geralmente produz frutos bem mesquinhos. A avaliação de suas fadigas, porém, ele a
espera no além. Só assim poder ter o alento preciso para suas esfaltantes jornadas
apostólicas.
Para todos os benfeitores encontram-se largas frases, palavras pomposas e
discursos de gratidão, enquanto que, para o padre, costuma-se e contenta-se com repetir
maquinalmente àquela frase estereotipada: “Deus o recompense pelo muito bem que nos
fez, que os homens não podem avaliar”. Sim, de fato os homens não podem, ou melhor,
não querem avaliar o bem que recebem do padre. Qual o benefício que se pode igualar
ao benefício que nos presta o padre com a reza de uma única missa ou com a
distribuição de uma santa comunhão?
Louvemos a Deus por ter instituído o sacerdócio, e agradeçamos-lhe por nos ter
dado mais um padre. Que germine em nossos corações a flor da gratidão pelos
benefícios que Deus baixou sobre nós, através das mãos benfazejas do padre.
(Publicado em 1945, em “O DOMINGO”).
NECESSIDADES DOS SACERDOTES
FREI DAVID
(Ao amigo padre Correia Lima).
“O que seria o mundo sem o sacerdote? A ele é que Jesus Cristo confiou à obra da
salvação e santificação dos homens, a ele outorgou-lhe seus próprios poderes. Ele
oferece o santo sacrifício da missa, administra os sacramentos, reconcilia o pecador com
Deus, prega a palavra divina: é, enfim, o intermediário entre Deus e o mundo.
Cada um de nós precisa do sacerdote. Sem sacerdote não haveria perdão dos
pecadores, instrução da juventude, consolo para os moribundos; não haveria nem missa
nem comunhão, e os sacrários seriam túmulos: sem sacerdote não haveria religião.
“Deixai, - disse o Cura d’Ars, - deixai uma paróquia 20 anos sem padre, e nela adorar se
não os próprios animais”.
O sacerdote é o maior benfeitor da humanidade. Quanto devemos a ele!
Respeitemos, pois, o sacerdote, obedecendo-lhe, rezando por ele. Peçamos hoje a
Deus muitos e santos sacerdotes!”
(Publicado em 1945, em “O Estado”).
MINISTÉRIO SACERDOTAL
SANTA QUITÉRIA E SEU NOVO PÁROCO
No dia 2 de janeiro de 1946, recebi uma carta registrada do Sr. Bispo, que abri e li
diante do Santíssimo Sacramento.
A carta foi a seguinte:
“Sobral, 31 de dezembro de 1945
Revmo. Pe. Francisco Correia Lima,
Crateús.
Estou nomeando-o pároco de S. Quitéria, desejo que faça muito bem àquelas boas
almas. Receba como missão pregar muito naquela paróquia. Passe por Sobral, onde
deve tomar conhecimento das leis diocesanas, e tome posse o quanto antes.
Com estima sua benção
Servo e amigo J. C.
José, Bispo de Sobral”
Francamente, achei o múnus pesado: nomeado para uma paróquia como a de Santa
Quitéria, que estava sendo dirigida pelo padre João Batista Pereira, considerado, até
então, vigário número um na diocese! E, com muita tristeza, tenho mais a registrar a
lamentável queda moral desse mal sucedido Vigário com uma filha-de-Maria da
Paróquia.
A minha responsabilidade, portanto, era duplicada perante aquela paróquia e
aquela gente: restabelecer, com a minha palavra e o meu exemplo, o terreno espiritual
perdido.
No dia 6 de Janeiro, deixei Crateús, rumo a Sobral. Lá Falei com o Mons. Olavo
Passos,Vigário Geral,contei-lhe os meus temores com essa nomeação, e ele muito me
encorajou. Em palácio,estive por várias vezes com o Sr.Bispo, que me advertiu de
muitas coisas da paróquia e passou a ditar-me um calhamaço de leis diocesanas,
aumentando assim, mais ainda os meus temores de vigário de primeira viagem.
No dia 9, segui para a paróquia de santo Antônio de Aracati-Açu, que distava,
vigário, meu grande amigo de seminário. Pe Francisco Soares Leitão, encarregado, pelo
Sr Bispo, para me dar posse e receber o juramento canônico de pároco.
Acertei com o Pe. Leitão que no dia seguinte, 10 de janeiro, partiríamos para
Santa Quitéria.
Em Santo Antonio, e Aracati-Açu, desejoso de conhecer o lugar, sai sozinho
passeando pelas ruas, e ainda hoje, me lembro de que estava parado, em frente á
pequena pensão do conhecido Sr. Tomé, um caminhão que vinha de tamboril e que
tinha escrito, em frente á pequena pensão do conhecido Sr. Tomé, um caminhão que
vinha de tamboril e que tinha escrito, em frente ao seu motor, esta frase que me pareceu
muito interessante: “feliz foi adão que não teve sogra nem caminhão”. Aliás, numa má
comparação, senti-me aliado a tal felicidade.
No dia 10 de janeiro, ás duas horas da tarde, chegava a Santo Antonio do Aracati
um automóvel vindo de Santa Quitéria, com os acompanhantes: Dr. Afonso Walter
Pinto, Prefeito Municipal, sua terra natal, senti-me confortado e com a consciência
tranqüila, se bem que bastante emocionado.
Entramos na cidade ás cinco horas da tarde e fomos recebidos com música, fogos
e salvas de palma na casa Coração de Jesus, onde além do Pe. Leitão ouvi dois
oradores: o seminarista-filósofo Evaristo Linhares e a senhorita Maria Parente, que
falaram com esperanças no novo pároco, mas com muito pessimismo em torno da
paróquia.
Eu não conhecia Santa Quitéria e nenhum de seus filhos, O meio Ambiente era-
me inteiramente estranho. Enquanto o primeiro orador falava, o Pe. “Leitão virou-se
para mim, perguntando em meu ouvido se conhecia alguém dali, ao que respondi: “até
agora a única criatura que aqui conheço é a bandeira brasileira”, mais adiante repetiu ele
a mesma pergunta: “ Ainda não conhece ninguém? “. Sim, conheço Sagrado Coração de
Jesus, disse-lhe eu pois, na parede da sala dessa antiga casa do Sr. Ginoca e D. Ló,
estava dependurado um belo quadro do Sagrado Coração, até então eu não conhecia
outras criaturas a não ser essas duas.
Bem emocionado agradeci-a a homenagem de meu já então amado rebanho e
oferece-lhe os meus préstimos ao progresso espiritual da terra.
No dia seguinte, 11 de janeiro, ás 7 horas, na igreja-matriz, o padre Francisco
Soares Leitão, deu-me a provisão, e eu tomei posse da paróquia.
Foi realmente um dia esperançoso para aquele povo, cuja fé era de mármore,
dura e fria; porém, o coração de ouro, onde a bondade era característica, muito
inteligente e de uma consciência reta a toda prova.
Acredito mesmo que a fé daquela gente nunca se há de apagar. Uma das coisas
que mais me chamou a atenção foi a boa vontade desse povo de ser guiado pelo seu
novo pároco.
Após a tomada de posse, seguiu-se a missa. Ao evangelho, subi ao púlpito e
assim falei:
Amados irmãos de Santa Quitéria,
Recebo sobre meus ombros a estola paroquial, símbolo da responsabilidade
que diante de Deus assumo, solene e religiosamente neste momento. Outrossim, diante
de vós, ouço as palavras de Nosso Senhor: “Ide e ensinai a todos observar tudo quantos
eu vos ensinei”.
-Este mandato, esta ordem de nosso senhor, meus irmãos, nesta hora solene de minha
vida, eu sinto mais vivamente. Eu sei que há muitas almas no meio de vós que vivem já
estas verdades ensinadas por nosso senhor e que até pregam pelo apostolado do bom
exemplo. Mas, conhecendo também há muitas almas no meio de vós que vivem já estas
verdades ensinadas por nosso senhor e que até a pregam pelo apostolado do bom
exemplo. Mas, conhecendo também a psicologia e a prática humana, posso afirmar que
aqui também há almas esquecida de deus, homens deslembrados de suas almas que o
mundo na sua perversidade leva de vencida para a perdição. Por isso é necessário que
não falte a voz do pastor, para confirmar aqueles que já vivem na fé de Jesus Cristo,
antegozando das delícias dos jardins luminosos de Jerusalém,para ordenar, convidar e
chamar aqueles que vegetam, miseravelmente, dentro dos becos tortuosos e escuros da
Babilônia.
É sempre o sacerdote, meus amados irmãos, que sabe aproveitar-se das
arestas de luz que uma vez por outra clareia estas almas, para estender a sua mão amiga
fazendo com que elas, auxiliadas, possam transpor o trampolim para o lado de Deus,
sem o que, jamais, teriam a coragem de iniciar o vôo, por que temem precipitar-se no
abismo profundo cavado pelas suas próprias mãos, arrastados pela fraqueza da vontade.
Não fora o sacerdote a lhe oferecer asas a um vôo livre e seguro até deus, não poderiam
sair de onde se encontram. Meus irmãos quiterienses, foi constituído vosso pároco o
menor, o mais humilde dos sacerdotes da diocese de Sobral. Conformai-vos!...
Como pároco de vossa terra que também já é minha, para a conservação da fé
em vosso meio, para o florescimento cada vez mais viçoso do catolicismo neste recanto
da Terra-da-luz, parte componente e punjante do mundo cristão, eu vos dou toda a
minha sinceridade e a minha fé e boa vontade.
Desde que pisei o solo quiteriense, esta terra de Nossa Senhora de Santa
Quitéria, tudo me fala de vossa Fé e da perfeita dedicação do meu antecessor.
Continuai povo de Santa Quitéria, nos vossos corações e na vossa terra, com
esta fé que vos é tão tradicional, por que é pela fé que um povo se torna grande.
Vivamos aqui, pois, irmanados num trabalho que sobrenaturalize os nossos
atos. |Então, assim, santificados pela graça de Deus em nossas almas e acobertados
sobremodo á sombra do manto de vossa e da minha padroeira, trabalharemos e
venceremos por Deus, salvando as nossas almas.
Santa Quitéria, 11 de Janeiro de 1946.
Após a cerimônia de posse, ás 9 horas, foi-me oferecido pela sociedade
quiteriense um saboroso café, no salão paroquial!.
Transcrevo a ata de posse, que está escrita no livro de tombo de 1946
daquela paróquia, á pagina 100:
“Aos onze dias do Mês de janeiro de mil novecentos e quarenta e seis, pelas
sete e meia da manhã, nesta matriz de Santa Quitéria desta freguesia, de Santa Quitéria,
sendo ai, na qualidade de delegado de S. Exa. Revma. O Sr. Bispo D. José Tupinambá
da frota desta diocese de sobral, em minha presença compareceu, acompanhado das
testemunhas abaixo assinadas o Revmo. Pe. Francisco Correia Lima, pároco desta
freguesia, nomeado por provisão de S. Exa.Revma de trinta e um de dezembro de mil
novecentos e quarenta e cinco, e em ato seguido prosseguir a leitura da provisão, e
introduzi na posse desta freguesia, sem que houvesse contestação alguma. E, para
constar, lavrei esta ata, que assino com o novo pároco e testemunhas designadas.
Santa Quitéria,11 de Janeiro de 1946
Pe. Francisco Soares Leitão.
O pároco Pe. Francisco Correia Lima
Afonso Walter Magalhães Pinto, médico
João Rodrigues de Assis Parente,comerciante”
E assim se passaram aqueles dois dias memoráveis na história religiosa de
Santa Quitéria e, sem duvida, muito célebres para mim.
Padre Leitão, que tinha vindo dar-me posse e estava encarregado.da
paróquia , apesar de meu insistente convite, naquela hora tão temerosa, para que ficasse,
a fim de almoçar comigo, não me atendeu ao convite e voltou logo para a sua paróquia,
entregando-me ao povo e á paróquia, dos quais eu nada conhecia. Quando esse colega e
amigo de mim se despediu, com sinceridade, correu-me por dentro uma coisa estranha,
mais parecendo uma angústia, eu quase chorei...
Em torno do padrão Leitão, em Santa Quitéria, o repórter Júlio Braga
Publicou a seguinte gratidão:
“Santa Quitéria tem sido afortunada em possuir excelentes pastores. Há
pouco teve fim o governo do Revmo. Sr. Pe. Francisco Soares Leitão.
Em uma verdadeira crise espiritual, o ilustre sacerdote foi encarregado
de curar esta paróquia. Foram meses apenas seu paroquiato. Seus trabalhos eram
divididos em dois campos. Mas, por isso mesmo, tem o mérito duplicado. Com
verdadeiro espírito de trabalho e dedicação, S. Revma. Pode entregar ao novo Pároco
um rebanho a ponto de reacender o ardor de tempos anteriores e continuar a marcha
progressista no caminho do bem. Ao Sr. Pe Francisco Soares Leitão, portanto, Santa
Quitéria é devedora de imensa gratidão. E este reconhecimento filial que o povo
expressa por meio de seu órgão literário, que mereceu embora de longe, os olhares
benignos de Sua Revma.
Uma prece fervorosa brota do coração agradecido das ovelhas, pelo pastor
que tão bem soube vigiá-las. Que o Sr Pe. “Leitão seja agradecido com o fecundo
apostolado, são os votos expressivos do “A Vontade”, porta voz autêntico do povo
quiteriense”.
Santa Quitéria está localizada na zona fisiográfica do Sertão Centro Norte
do Estado. É banhada por inúmeros rios e riachos, destacando-se, por sua importância,
os rios Groairas, Jacurutu, Macacos e Acaraú.
Dista, em linha reta da capital do estado, 193 quilômetros e tem uma
expansão territorial de 4.841 quilômetros quadrados.
Afirma o historiador cearense Antônio Bezerra que Santa Quitéria deve
seu começo ao português João Pinto de Mesquita e Sousa, que veio em tempos idos
fixar residência e situar-se com fazendas de gado no lugar em que se acha a cidade de
Santa Quitéria, a qual se chamava Cascavel. A denominação de Cascavel perdurou até a
doação das terras para a construção dedicada a Santa Quitéria, especialmente pelo
capitão mor Antônio Pinto e o Coronel Vicente Alves da Fonseca.
Os moradores da capela de Santa Quitéria ficaram pertencendo á freguesia
da vila de Sobral. Porém, em 1816, requereram, por seu procurador, Manoel do Vale
Porto, a ereção da capela em matriz alegando a distância de 20 léguas que separava
Santa Quitéria da Vila de Sobral. Sabendo do requerimento, o Vigário da freguesia de
São Gonçalo, da serra dos Cocos, Padre Manoel do Vale do Porto, a ereção da capela
em matriz alegando a distância de 20 léguas que separava Santa Quitéria da Vila de
Sobral. Sabendo do requerimento, o Vigário da freguesia de São Gonçalo, da serra dos
cocos, Padre Manoel Pacheco Pimentel, representou contra aqueles moradores. A
questão durou sete anos, sendo decidida, finalmente, pelo imperador constitucional e
defensor perpétuo do Brasil, que, em alvará, datado de 22 de março de 1823, erigiu em
freguesia, colada á capela de Santa Quitéria, desmenbrando-a assim, da antiga de
Sobral, sendo o seu primeiro Vigário o padre Francisco Gomes Parente, que tomou
posse em setembro de 1824.
Iniciei o movimento espiritual na paróquia com a primeira novena da festa
de São Sebastião. Preguei todas as noites, numa lembrança bem viva da palavra de
ordem do meu bispo: “ Pregue muito naquela paróquia!”.
Essa festa é tradicional em Santa Quitéria. Contavam-me que era uma
promessa do povo a São Sebastião, há muitos anos, em virtude, de uma peste que se
aproximava de Santa Quitéria, então o povo orou a São Sebastião que, se acidade não
sofresse aquele flagelo, se celebraria todos os anos a sua festa. Enfim, a cidade foi
poupada, e os fiéis desde então cumprem piedosamente, até hoje, a promessa em honra
do glorioso mártir São Sebastião, numa tradicional festa religiosa.
Transcrevo aqui, a propósito, um artigo do pseudônimo João da Matha,
quiteriense inteligente e culto:
TEMOS UM NOVO VIGÀRIO
(João da Matha).
“Tivemos há pouco, a dita de abrir as portas a um novo Vigário,
O povo clamava por um pastor que fosse seu. Chegou afinal, o esperado. O sr Pe.
Correia Lima, bem podemos afirmar, não desmerecerá a ilustre operosa galeria de seus
antecessores.
Não faz muito tempo que aqui chegou. No entanto, já divisamos os dias felizes de
glória que, por certo, nos trará, se os desígnios de Deus assim o permitirem. O povo
ama o progresso, mas permanece em completa apatia, se não houver um guia ativo e
idealista, Surgindo este guia, a massa se levanta e se movimenta. O progresso, então, é
verdadeiramente assustador. Vibram os corações sequiosos por se levantarem da inércia
amortecedora.
Estávamos neste caso. A antiga vida febricitante de nossa Sta. Quitéria definhava
aos poucos.
Eis que se apresenta no cenário desta terra feliz o humilde vulto desse sacerdote do
Senhor. Era dele que precisávamos, e só dele.
Destina-se ele, que já é nosso, a fazer brotar novos fluxos de vida. O padre é, na
realidade, um dos principais fatores do progresso, principalmente em se falando de
localidades do interior.
O Sr. Pe. Correia lima, com poucos dias de paroquiato, já cativou a simpatia de
seus paroquianos.
Em suas prédicas diárias, durante a festa de São Sebastião, tivemos a ocasião de
perceber o alcance da capacidade de progresso de S. Revma.
O pastor solícito início seu apostolado, dedicando-se ao levantamento do nível
espiritual de seu rebanho.
Para chegar a esse fim, fará convergir todas as iniciativas, pois considera
infrutífero tudo o que não redundar na graça santificante, por um programa belo e
proveitoso em benefício de um povo. Feliz seremos se ele se realizar em nosso meio.
Veremos despontar novos horizontes, cujas perspectivas se tornarão realidade
consoladoras.
Sua Reverendíssima nos deu vontade e sinceridade. Entreguemos nossa vontade à
sua boa vontade. Nossa sinceridade à sua sinceridade. Assim, pastor unido com
rebanho, Santa Quitéria marchará gloriosa na senda do progresso”.
E assim, prossegui na minha missão confiando inteiramente em Deus. Os fiéis
estavam tão decepcionados e, por isso, tão frios, que nem se aproximavam do Vigário.
As mulheres, então, desviavam caminho para não se encontrar com o padre. Parece até
que tinham medo ... Recebi poucas visitas, e quase ninguém vinha à casa paroquial. Eu
não tinha família que pudesse residir comigo. Quase que só falava com o Tomás Lima e
D. Mundola – meu sacristão e a cozinheira, velhos amigos e bons companheiros desses
dias difíceis, dos quais não me esquecerei nunca. – houve dias em que eu me encontrei
tão desolado, que tive ímpetos de arrumar a minha bagagem e voltar ao Sr. Bispo
pedindo-lhe outra colocação.
No duro tirocínio da vida paroquial, eu trazia sempre em mente o meu lema, desde
os tempos de seminarista: “NADA PEDIR E NADA RECUSAR”; portanto, a minha
paróquia é essa, a que o bispo me deu.
Não resta dúvida de que a minha solidão foi dolorosa, pelo menos por seis meses,
naquela paróquia do alto sertão, no interior cearense. Saindo do seminário e com um
temperamento extrovertido como o meu, só eu e Deus sabemos quão duro me custou
aquele ostracismo.
Resolvi visitar as capelas para sentir logo o grau de espiritualidade de toda a
paróquia e o resultado foi o mesmo: muito desânimo, apesar de boa afluência de fiéis às
capelas, principalmente à noite, quando eu explanava os deveres de cada cristão com
referência a sua vida espiritual.
Voltei-me para a sede da paróquia e mãos à obra:
1) Organizei um horário paroquial;
2) Animei o jornal “ A vontade “, que já circulava em toda a paróquia;
3) Organizei a catequese;
4) Procurei, enfim, dar vida às associações religiosas que se encontravam quase
mortas.
O horário paroquial obedeceu à seguinte disposição:
1. Rotina diária: missa às 6:15 horas;
2. Dias santos e domingos: missa às 6:30 e 9:00 horas
3. Quintas, sábados e domingos: benção às 18 horas
CONFISSÕES:
Diariamente, às 17 horas;
Na primeira semana de cada mês e vésperas de dia santo, às 15 horas.
BATIZADOS:
Diariamente, às 10 horas.
ENSINO RELIGIOSO:
Aos domingos,às 17 horas, na matriz, especialmente para adultos.
NOTA: Recomenda-se Pontualidade no Horário.
- O pároco Pe. Francisco Correia Lima.
‘
Obedecendo às ordens do Exmo. E Revmo. Sr. Bispo diocesano, estou aqui, bom
povo de Santa Quitéria, para vos servir no desempenho de minhas funções sacerdotais,
dando-vos toda a minha boa vontade, toda a minha sinceridade.
Agradeço-vos o acolhimento com que me cercastes desde o primeiro contato
convosco, desde o momento em que pisei o solo quiteriense. É tempo, porém, de irmos
conversando em torno daquelas cousas que dizem de perto ao bem de vossa terra, que
também já é minha.
Tomemos “ A VONTADE “ como assunto de nossa palestra de hoje. Sta. Quitéria
já tem sua história no jornalismo, dentro do possível
Que Sta. Quitéria não está á margem da importante influência de uma vida intelectual e,
por conseguinte, “A VONTADE “ há de despertar, cada vez mais, o grande gosto pelas
letras, tão inflamado já na inteligência jovem da família quiteriense.
Hoje, mais do que nunca, precisamos de bons jornais. Já disse um príncipe de
Igreja que, se São Paulo voltasse à terra, se tornaria jornalista.
É a grande necessidade que se tem, nos tempos modernos, de se difundir a
influência da imprensa sadia no seio da mocidade, que, na sua pouca experiência, se
lança às leituras não selecionadas. Esta tem sido sempre a vontade da Igreja de Cristo
Nosso Senhor.
“ A VONTADE “ surge, pois, em nosso meio, com a verdadeira finalidade da
imprensa católica: preparar e educar. Preparar as almas nas suas relações com Deus e o
próximo. Levar a sociedade e se inteirar de coisas necessárias, educando-a para a Pátria.
Neste alvorecer, eu já antevejo a luz abundante que “ A VONTADE “ vai espalhar
em nossa Sta. Quitéria.
É a boa imprensa que purifica e alarga os sentimentos de um povo, que se estimula,
fazendo despertar potências novas, enfim, que eleva uma terra. Sta. Quitéria, pois, pode
cantar um hino com alegria. Mas que Sta. Quitéria também não se esqueça de que,
detrás desse jornalzinho, se escondem muitos esforços, sacrifícios imensos, de um
caráter experimentado na luta. VONTADE, é a primeira e mais necessária das virtudes
de nossa época.
Por tudo isso, que nenhum quiteriense deixe de enxergar a obrigação de auxiliar
esta causa. Seja com a cooperação intelectual ou material, estimulando, assinando o
jornal, lendo, interessando-se, propagando a sua leitura. Tudo pelo empreendimento de
nossa terra.
Pe. Correia Lima
Organizei uma catequese de ponta a ponta na paróquia, com todo o ardor de
neovigário. As associações religiosas da paróquia vegetavam: A “Pia-União das Filhas
de Maria” quase só com a sua boníssima presidenta, Srta. Lurdes Benevides e
Mundinha, Nair, Rita, Pílula, Luíza, enfim, uma meia dúzia. Na Congregação Mariana”:
o Misto, o Vieira, o Chico Lopes, o Eurico, o Solon, e só. No “Apostolado da
Oração”:Dona Adília, Dona Laura, Dona Mariquinha, e ninguém mais. No “Círculo
Operário”, quase só o seu presidente – Antônio Florêncio.
Com sinceridade, fiz tudo para levantar o nível espiritual das associações da
paróquia, mas, do muito esforço e trabalho meu, pouco fruto colhi; porém, não os
larguei. Fiquei vegetando com eles, por assim dizer, durante os três anos de paroquiato,
certo de que Deus me recompensaria pelo meu esforço e não pelo resultado que eu,
humanamente, desejava obter.
A paróquia tinha sete capelas no meu tempo: Cajazeiras (atual Batoque), Trapiá,
Macaraú (antigo Entre-Rios), Madalena (atual Vila Catunda), Muribéca, Logradouro e
São José dos Pereiros.
CAJAZEIRAS : encontrei como encarregado o Antenor Timbó, depois vieram o
Manuel Cid e Dona Mirian. Essa Capela dista sete léguas de Sta. Quitéria. O povo de
Batoque, ex-Cajazeiras, sempre se movimentava para receber o Vigário. A escola, que
obedecia a direção da esforçada professora dona Mirian, oferecia-me sempre um
número intelectual e artístico quando eu a visitava. Dessa capela, enfim, não posso me
esquecer do bondoso acolhimento que sempre me deu. Como me recordo do casarão lá
do alto, onde o Sr. Olcino Ferreira e Dona Januca me acolhiam! Como trabalho material
fizemos o forró da capela. Tinha como orago Nossa Senhora da Conceição.
TRAIÁ: era encarregado o Sr. Francisco Carlos de Oliveira. Dista seis léguas de
cidade. Era uma pequena parcela do corpo paroquial, e, como eu costumava dizer, era
mais um “TAPIA”. Hospedava-me num quartinho da pequena casa do Sr. Chico Carlos
na qual mal cabia a minha rede. As noites eram mal dormidas, motivadas pelas
estrondosas gargalhadas de suas duas filhas – Antônia e Joana. Nessa capelinha,
erigimos um bonito Cruzeiro do alto do morro próximo ao lugarejo. Não me posso
esquecer do Sr. Leitão, a bondade do Sr. Chico Rodrigues, o Sr. Jucundo e a prosa do
João Lopes. Orago: São Luiz de Gonzaga.
MACARAÚ: era encarregado o Sr. Salustiano, de Dona Joana, vindo depois os
meus compadres: Caetano e Araci. Tinha uma distância de nove léguas da cidade. Essa
Capela tinha um louvável egoísmo de exigir do Vigário mais do que as outras. O povo
era entusiasmado em tudo. Quase sempre, em minha estada por lá, eu recebia discursos
de saudações de representantes da terra e, não raro, à noite, os salões do “Arame” eram
abertos para a realização de festivais dramáticos em homenagem ao Vigário visitante.
Distinguia-se especialmente pelas coroações de Nossa Senhora do mês de maio.
Conservo, de uma, lembrança imorredoura. Salustiano e Dona Joana, o casal amigo de
todos os Vigários de Sta. Quitéria, eram grandes de coração, de acolhimento e de
mesa... Orago: Senhora Sant’ Ana.
MADALENA: (atual Vila Catunda), cujo encarregado era o generoso João Lameu.
Dista dez léguas da sede da paróquia. As festas eram animadas, e o leilão rendia bem.
Aqui não me posso esquecer dos gostosos presentes do compadre Manoelzinho Timbó e
da comadre Júlia. (De Ipueiras ainda fui convidado para ir fazer um casamento de sua
filha Nelita, ocasião em que ganhei um famoso garrote). Gratas recordações tenho eu da
família Vieira! Eram famosos os seus numerosos confamiliares!... Lembro-me, como se
fora hoje, o falecimento de um de seus velhos membros. Levaram-me, então, de Santa
Quitéria à Capela, para celebrar a missa de 7º dia ; a cerimônia foi grande! Exigiram até
o comparecimento da banda de música paroquial, o que fez com que se celebrasse o 7º
dia da morte do velho mais com festas do falecido. Usavam, porém, o luto muito
pesado. Vestiam preto até nas crianças de pouca idade. O luto era tão fechado, que
trajavam até camisa e chapéu pretos. Houve, contudo, nesse dia, muitas lágrimas, MAS
DE VELAS!...
Nessa capela de Madalena, atualmente Vila-Catunda, houve um acontecimento de
que não me esquecerei nunca: havia lá um doido chamado de “TÔNIO VÉIO” (seu
nome verdadeiro era Antônio Calisto), inofensivo, com a mania única de guardar todo
dinheiro que lhe oferecessem. Sofria até fome, mas não gastava o seu cruzeiro, e o
protegia cuidadosamente num saco bem amarrado, do qual não se separava dia e noite.
Um dia veio a diabólica tentação à cabeça de um comerciante do lugar de roubar a
amealhada fortuna do pobre “Tônio Véio”.
Quando todo o lugarejo estava em repouso, alta noite, o comerciante, mascarado,
aproximou-se do local onde o doido costumava dormir e silenciosamente, procurou
apropriar-se do “rico tesouro” do pobre louco. Aconteceu, porém, que “Tônio Véio”
acordou de seu sono na hora luta de vida e de morte para defesa de sua fortuna. O
desgraçado comerciante conseguiu soltar-se do louco, correndo para lugar distante mas
o doido não deixou de segui-lo gritando: “ME DÁ O MEU DINHEIRO, LADRÃO!”.
Este, perseguido e no pavor de ver descoberto do horroroso crime, matou o
desventurado “Tônio Véio” com um tiro certeiro.
O fato foi muito comentado com revolta e pesar por todos da paróquia de Santa
Quitéria.
Esse infeliz comerciante, que nenhuma necessidade tinha daquela importância,
sentiu-se tão atormentado em sua consciência que se descobriu em seu terrível crime.
Esteve preso por alguns meses na cadeia pública de Santa Quitéria de onde fugiu,
mas tarde, para lugar ignorado, até o tempo em que lá estive. Orago: S. C. de Jesus.
MURIBECA tinha por zelador José Muniz, a sete léguas de distância da paróquia.
Era uma Capela de pouquíssimo movimento religioso, mas de gente boa. Como me
recordo dos cevados carneiros do Zé Muniz, mortos especialmente para mim! Quando
eu me dirigia para Muribeca, na estrada havia um lugar para o qual o meu sacristão
Tomaz sempre me chamava atenção, dizendo que ali o antigo Vigário, Luis Fronzoni,
havia dado uma grande queda de cavalo.
A Capela tinha a grande dedicação espiritual e material da senhorita Maria Muniz,
filha de seu zelador.
E não posso deixar de recordar, aqui, o Geraldinho do Zé Muniz, que, apesar de
doentinho das faculdades mentais, sentia-se muito feliz, e quase ficava bom quando eu o
visitava. Orago: São João Batista.
LOGRADOR, distando apenas das léguas de Sta. Quitéria. Dela era encarregado o
Sr. Gustavo. Era uma humilde capelinha encravada em pleno sertão quiteriense, ainda
quase sem vida. Orago: N. S. do P. Socorro.
CAPELA DE SÃO JOSÉ DOS PEREIRAS: distava onze léguas de Sta. Quitéria.
O encarregado era o valente Tomás Catunda Soares(diziam que já tinha assassinado
três). Era longe de tudo e de todos. Ali, cada vez que fazia uma visita a cidade,
arriscava-se a vida. Cada visita do Vigário era um montão de brigas... Diziam-me que as
duas famílias, SOARES e MOCÓ, nenhum de seus membros se podiam encontrar sem
briga, e se davam até mortes. Numa dessas visitas à Capela, encontrava-me hospedado
na casa do Tomás Catunda Soares, quando, à meia-noite, a casa foi cercada por doze
homens armados de facas-lambedeiras. Era um genro do Tomás Catunda Soares, que
era da família Mocó, que vinha matar o dono da casa. Eu passei por um grande susto,
mas gritei de dentro da casa: - Meus amigos, embainhem as suas facas. O Vigário está
presente nesta casa! A hora é de Deus e de paz. Vou abrir a porta. Confio em que me
atenderão. O meu sacristão, trêmulo e aflito, segurava a minha mão, dizendo: - “Padre,
por amor de Deus, não se afoite”. Afinal de contas, abri a porta e restabeleci a paz, com
a graça de Deus. Esse lugar era tão perigoso, que, numa dessas vezes em que me dirigia
para lá, passando em frente à pensão de dona Maria Veado, o Sr. Coletor, um cidadão
que tinha vindo transferido de Tamboril, abriu os braços em frente ao meu cavalo,
segurou as rédeas e me disse: - “Reverendo, por amor de Deus, volte, não exponha
tanto a sua vida. Eu, porém, tinha que cumprir o meu dever. E que se diga de passagem:
todas as viagens do Vigário para essas capelas eram realizadas custosamente a cavalo.
Orago: São José.
Minhas atenções também se voltaram para a banda de música paroquial. O meu
desejo era ver minha gente esquecer fatos tristes da paróquia e entrar numa nova vida,
na sociedade e com Deus. Chegamos a possuir a melhor banda de música da diocese.
Levei-a para abrilhantar a primeira missa do meu conterrâneo, padre Moacir Melo, a
qual causou grande sucesso na cidade de Crateús. O maestro João Boleiro ensinou,
trabalhou, suou e triunfou na filarmônica. E como ainda hoje me soam aos ouvidos as
notas do seu afinado piston, executando aquela minha marcha tão apreciada: “O
Trabalho!”
Nessa viagem, de Sta. Quitéria para Crateús, vem-me a lembrança de que,
passando pela Vila de Sucesso, à noite, estive na modesta venda de refeições do Sr.
Otávio de Castro, que ficava num compartilhamento do mercado público, e lá me
contaram que, por aqueles dias, havia estado ali o Senador Olavo Oliveira, e se
alimentou apenas de dois ovos estrelados. Pedindo depois a sua conta de despesa, o Sr.
Otávio cobrou-lhe cem mil-réis, o que era um absurdo pelo preço de dois ovos para
aquele tempo.
O senador, porém, não reclamou diretamente o preço dos ovos, mas virou-se e
disse: “Sr. Otávio, ovos aqui é coisa bem difícil, não é?” – “Não senhor, doutor”,
replicou o Sr. Otávio: “DIFÍCIL AQUI É SENADOR!”
Em Santa Quitéria, não havia luz elétrica então. Inventei uns passeios de avenida:
iluminava a praça da matriz com quatro lâmpadas petromax, mandava a banda tocar, e
haja gente a passear.
Recordo-me tanto do Edílson, dom Humberto Magalhães, tocando o seu forte
violão e cantando a saudosa valsa: - “É naquela Apoteose de Felicidade”, às noites, na
calçada do Sr. Luís Simplício.
Na paróquia não havia outra religião.Todos eram católicos, embora frios.
Apareceram, porém, dois maus elementos: Corsubel e Fernanda. Corsubel tinha sido
sargento do Exército. Era então funcionário do Serviço Nacional de Febre Amarela. Era,
enfim, mata-mosquitos e também mata-consciências. Era comunista terrível! Em Santa
Quitéria fez algumas sessões secretas, onde conquistou apenas o pobre operário
Crispim. E perambulava pelas nossas capelas, fazendas e sítios, penetrando em todos os
lares, como mata-mosquitos, mas o seu desejo era distribuir o veneno de seu credo. E,
quando foi transferido, publicamos em nosso jornal a seguinte nota:
“Temos imenso júbilo de noticiar nestas colunas a transferência de nosso meio da
indesejável pessoa do funcionário do Serviço de Febre Amarela, Sr. Corsubel Martins,
que, na qualidade enviada do Partido Comunista do Brasil, vinha desempenhando a sua
missão de angariar adeptos às fileiras de tão nefanda ideologia. Graças a Deus, o nosso
povo soube repelir com energia as investidas desse cavalheiro do mal, que desejava
incutir no espírito de nossa gente, especialmente do operário desprevenido, a peçonha
de suas idéias malsãs. Aqui, nada de comunismo medrou, a não ser no pobre e infeliz
Crispim, criatura sem nenhuma responsabilidade. A cultura de nosso povo é superior e
sabe muito bem separar o joio do trigo. Que o Sr. Corsubel tenha levantado vôo indo
cantar noutra parte, e tenha a mesma sorte que aqui lhe foi reservada, isto é, plantando
sempre em terreno estéril, é o que de coração lhe desejamos”.
Fernanda também era comunista e mais perigosa do que Corsubel, porque tinha
certa cultura. Um dia, surgiu de macacão em Santa Quitéria, vinda de Fortaleza,
hospedando-se na residência de D. Araci do Sr. Martins. Era nova, bem bonita, portátil
no físico, enfim, um vidrinho de veneno. Deu passeios pela cidade com rapazes e
senhores da terra. Falou muito alegre e atraentemente e desejou trabalhar de macacão
com os operários da fábrica do Sr. Martins. Para resumir a minha história com essa
comunista, basta que diga: “Fiz três sermõezinhos com endereço certo; isto é, com
carapuças encomendadas. 1. “O Comunismo não entra em Santa Quitéria, nem que
venha de macacão...”; 2. “Como São Francisco de Assis pregava nas ruas de uma
cidade”; 3. “Com cabeça de cabaça é que se pegam marrecas no Maranhão”. Para
encerrar: D. Araci não gostou dos meus sermões, pois a indesejável Fernanda era sua
hóspede. Ficou com raiva de mim por algum tempo, mas ficou por isso mesmo. E a
jovem de macacão teve que arranjar uma boa boléia de caminhão e numa daquelas
quentes manhãs de Santa Quitéria, regressou a Fortaleza, depois de tentar plantar a sua
ideologia em terreno inteiramente infrutífero.
As confissões dessa paróquia, feitas a cavalo, não eram demais, porém, as que
surgiam vinham, quase sempre, exigindo muito sacrifício. Minha memória está viva
diante de um caso muito interessante: certa vez tive eu de atender um doente lá para as
bandas de Canindé. Lá para os lados do Alto da Balança. Passei três dias fora da sede da
paróquia. Andei 18 léguas a cavalo. Depois de quase três dias, ao voltar dessa confissão,
não pude então celebrar. Fiquei sem poder fazer genuflexão. Em tocando nesse assunto,
lembro-me ainda de um acontecimento que se deu comigo a até agora ma impressiona:
tinha eu viajado, em poucos dias, mais de quarenta léguas a cavalo, do que me surgiram
duas boas chagas nas nádegas. O Sr. Pompeu Catunda, enfermeiro da cidade, estava-me
aplicando injeções e curativos diariamente quando, nessa circunstância, vieram-me
chamar para uma outra confissão, a quatro léguas, dizendo o portador tratar-se de um
doente muito mal, que vivia com uma dona maritalmente. Vacilei; porém, ao lembrar-
me do estado dalma do doente, senti-me na obrigação imperiosa de ouvir-lhe a
confissão: preparei uma “carona” bem forrada, a cavalo na estrada. Confessei o
enfermo, dormi por lá e voltei no dia seguinte. Quando cheguei à casa paroquial,
encontrei o Sr. Pompeu e o Dr. Afonso, que disseram: “Padre, como está passando? O
Sr. Fez uma grande imprudência em atender essa confissão. Poderia até ter morrido”.
Nem morri nem piorei, e comecei a ficar logo completamente bom.
Quando fui nomeado Vigário de Santa Quitéria, ao passar por Sobral, o Mons.
Olavo fez-me esta observação: “Dizem que, para Santa Quitéria, só um Vigário
vaqueiro”. Coincidiu que o meu primeiro ano lá foi de um imenso rigoroso, quase
isolou a paróquia do resto do mundo. Basta dizer que tive, certa vez, de passar o riacho
do Pires pegado na cauda do meu animal, que me atravessou nadando. Noutra ocasião,
quatro homens, num cavalete, atravessaram comigo o rio Groaíra, eu só de calça, com o
viático preso na cabeça. Isto, aliás, fez com que eu dissesse, mais tarde, ao Mons. Olavo
que, em Santa Quitéria, no verão, poderia haver um Vigário vaqueiro, porém, no
inverno, mandassem um Vigário marinheiro.
Eu tinha também que atender sempre uma confissão dentro da cidade, o que,
confesso, muito me custava. Era a confissão da Quitéria Prego, que sofria de lepra em
grau já bastante adiantado. Arranjamos com o Dr. Absalão, da Colônia de Leprosos do
Ceará, para internar a Quitéria Prego nesse leprosário. Marcado o dia, quando tudo
estava preparado para virem buscá-la, a Quitéria sumiu-se de casa e desapareceu por
algum tempo.
Recordo-me do primeiro e último enterros que fiz em Santa Quitéria. O primeiro
foi no dia 6 de março de 1946, à tarde, da Srta. Maria Cadim. Era ela professora e filha
do Sr. Abdelkader Catunda, coletor aposentado do Estado. Era filha-de-Maria e já havia
exercido o cargo de presidenta da Pia União. O último, foi no dia 7 de janeiro de 1949,
pela manhã, de D. Maria Lima, esposa do Tomás Lima, meu sacristão. Faleceu de parto.
Foi bem sentida esta morte na cidade, pois seu esposo era um cidadão muito
conceituado e estimadíssimo de todos.
Santa Quitéria não possuía casa paroquial. Passei, apenas, seis meses na casa do S.
C. de Jesus, mudando-me depois para uma casa da propriedade de D. Nené Martins, na
praça da Matriz. Era uma casa nova, pequena, mas que me alojava muito bem. Nela
morei todo o meu tempo em Santa Quitéria. Ainda hoje guardo estima daquele prédio e,
por isso, sempre que vou a Santa Quitéria, não deixo de visitá-lo. Eram meus vizinhos o
Cleonísio e o pedreiro Leandro. Certa noite, conversava na calçada do Sr. Joaquim
Ferreira e, ao entrar em casa para beber água, deparei-me com uma cobra de quase dói
metros enrolada no meu pote. Dei, instintivamente, um grito tão alto, que os vozinhos
correram para me socorrer. Quando eu eras chamado para atender a confissões de
enfermos, nas fazendas, eu notava que os seus moradores tinham o cuidado de guardar
em casa remédios contra picada de cobras. Talvez esse costume viesse, em sua origem,
de antiga fazenda chamada Cascavel.
Santa Quitéria, não poucas vezes, decepcionou-me em matéria de fé. Francamente.
Tudo eu fazia para tirar os fiéis daquele estado de decepção e torpor espiritual.
Promovia entronizações do Coração de Jesus e de Maria, terços, convidava padres e
frades para, nas festas, virem pregar a palavra de Deus. Arranjei uma conferência
paroquial na sede e em Macaraú. Consegui com o Sr. Bispo uma visita pastoral, antes
do tempo determinado pelo Direito Canônico, à sede e capelas. Mons. Olavo Passos,
que veio representando o Sr. Bispo, trouxe em sua comitiva os padres Leitão e Tibúrcio,
dela fazendo parte também os frades Romualdo e Gregório, a qual foi muito bem
recebida por nosso povo, que lhe prestou uma recepção já acima de minha expectativa.
Os dois frades pregaram a palavra de Deus com muito entusiasmo, e o resultado
espiritual foi deveras consolador. Convidei o padre Expedito Lopes, secretário do
bispado, para pregar um retiro às senhoras da cidade e fazer umas pregações, à noite,
para os homens. Aceitou ele o meu convite e falou mesmo como eu pedi. Estou
lembrado de que, num desses dias, surgiram duas confissões de enfermos: uma a cavalo,
lá para os limites da paróquia de Santo Antônio; a outra poderia ser atendida em
caminhão. Eu fui à dos limites de Santo Antônio, e o padre Expedito se ofereceu para
atender a outra, que lhe custou uma noite mal dormida, em virtude do que teve de faltar
três práticas do retiro que pregava. Logo que o padre Expedito voltou de Santa Quitéria
para Sobral, foi eleito Bispo de Oeiras, Piauí.
Na sua sagração episcopal, em Sobral, “preparei” um improviso mais ou menos
assim:
Exmo. e Revmo. Sr. Bispo Diocesano!
Autoridades civis, militares e eclesiásticas presentes e representadas!
Minhas senhoras e meus senhores!
Fazendo eu parte, por assim dizer, Dom Expedito, do elenco de convidados que
integram, nesta hora, a mesa e Oe grande dia de V. Exa., já por se tratar de finalidade
que nos reuniu aqui qual seja a de testemunharmos a sagração episcopal de V. Exa.,
peço que ouça ainda a voz de um vigário do sertão, daquele sertão de Santa Quitéria que
V. Exa. conheceu e que, ainda este ano, teve que pregar um retiro, ocasião em que teve
oportunidade, de fazer uma confissão de enfermo, percorrendo 16 léguas em seu
território, o que prova o alto amor que tem às almas e o espírito apostólico de V.
Excelência.
Comove-me, sobremaneira, a honra de, nesta hora, ao seu lado, dar-lhe os meus
parabéns publicamente, apresentando-lhe meus votos de felicidades espirituais e
materiais, anos em fora, justamente no dia em que se realiza e se festeja a plenitude de
seu sacerdócio.
Faça Deus convergir sobre V. Exa. e sua diocese o caudal inesgotável de suas
bênçãos, para que o digno Bispo e a promissora diocese, em perfeita sinfonia de
cooperação e reciprocidade de esforços. De seu clero, possam alcançar de Deus a graça
suprema de construir, em Oeiras, um verdadeiro primado de desenvolvimento espiritual,
em completo progresso social e, mais do que isso, um grande trecho em relevo dentro
das página douradas do livro dos grandes feitos episcopais.
É tudo isso o que eu lhe desejo, Dom Expedito!
Tenho dito.
E quem poderia pensar, naquele dia, que este Dom Expedito Lopes viesse a ser a
figura do trágico acontecimento de Garanhuns, Pernambuco, a 2 de julho de 1957,
acontecimento que repercutiu no mundo inteiro civilizado? Como as paixões
embriagam e até cegam! Foi um acontecimento quase inédito na História da Igreja.
Como já disse, eu fazia tudo para impressionar o povo com o sobrenatural,
ensinando-lhe o cominho da Igreja. Encontrei, na matriz, um sacrário de madeira não
condigno com o seu divino habitante. Encomendei à Casa Sucena, no Rio de Janeiro,
um novo sacrário, de construção moderna e litúrgica, e preparei uma festa ao “Deus
Prisioneiro de Amor”. Ao colocar esse sacrário na matriz, toda a paróquia entrou em
rebuliço.
Além da festa de São Sebastião, como já falei, havia durante o ano, outras bem
marcantes: a festa da padroeira, Santa Quitéria, e outra conhecida como “Festa dos
Vaqueiros”.
A de Santa Quitéria era festejada a 22 de maio, entre pompas e glórias. A paróquia
se utilizava de tudo quanto possuía de melhor naqueles dias. A freqüência ao novenário
da padroeira era concorridíssimo. De todas as partes da paróquia afluída grande número
de fiéis. E o maior movimento espiritual da terra era mesmo naqueles dias. Durante o
novenário, aparecia, todos os anos, o antiqüíssimo hino de Santa Quitéria. Era mesmo
do tempo dos tetravós dessa boa gente. No meu último ano de festa em Santa Quitéria,
convidei o jovem José Wilson Brasil de Sobral, para prestar os seus trabalhos em nosso
coro paroquial, contribuindo, desse modo, para mais abrilhantar as festividades.
Aconteceu que o José Wilson ensaiou um novo e bonito hino a Santa Quitéria, que
começa assim: “ Santa Quitéria, mimosa flor...” Ah! Meus amigos, na primeira vez em
que foi cantado, terminada a novena, bateu, rente à casa paroquial uma comissão de
senhoras da terra, bem como senhores dos mais ilustrados, a pedir-me que, pelo amor de
Santa Quitéria, não deixasse de cantar o velho hino, tradição religiosa de toda aquela
geração. Não aceitaram os meus argumentos, e tive que ceder à exigência dos fiéis. E o
povo “mandou brasa” no velho hino dos seus ascendentes, cansado, saudoso e
choroso!... O último dia da novena se destacava pelo “estrondoso” leilão. Eram
oferecidos, para o leilão de Santa Quitéria, além de centenas de queijos, bezerros,
garrotes e até bois. Era leiloeiro o Sr. João Torres, que ganhava dez por cento do
arrecadado no leilão. Todo o mundo achava isso um absurdo. Havia anos em que o
leiloeiro tirava seis contos de réis, pois gritava quase três dias de leilão. Naquele tempo,
era um dinheirão. Mas não se podia mudar o João Torres, ele era forte, e a tradição mais
forte ainda...
Outra grande festa era a dos vaqueiros. A realização dessa festa típico-religiosa,
congregando o maior número de vaqueiros em torno de Nosso Senhor Eucarístico, se
dava nos últimos dias de festividades de São Pedro, a 29 de junho. Cedo começavam
chegar à cidade os heróis das matas, vestidos nos seus gibões de couro novo, bem feitos,
montados em seus elegantes cavalos. Cada grupo de vaqueiros, ao entrar na cidade, era
recebido triunfalmente pela população. E, às 4 horas da tarde, se movimentavam todos
os vaqueiros para a grande passeata, e toda a cidade se revolucionava para ver, nas
praças e ruas de sua terra,o viril vaqueiro de Santa Quitéria montado no seu garboso
cavalo, cantando o seu hino próprio, que ele já se acostumou a cantar todos os anos,
nesse dia, ao som da banda de música paroquial, bem como os aboios que partiam de
seus corações e vibravam em suas gargantas. Era, realmente, um verdadeiro delírio o
que se apreciava nesta festa espiritual e cívica. Era a alma toda de Santa Quitéria
desfilando nas ruas. Era o vaqueiro sertanejo quiteriense que passava e vibrava com o
ardor todo característico de nosso homem simples, porém sincero com o seu patrão e o
seu Deus.
Essa passeata tinha o seu término em frente à matriz, onde povo e os vaqueiros,
parados, ouviam a palavra do Vigário que, do alto da cela de sua montada, falava aos
heróis das caatingas. E os vaqueiros ouviam atentamente e vibravam com o seu guia
espiritual.
Assim se passava o primeiro dia de festa, sendo que, à noite, havia confissões para
todos. No dia 29, concentravam-se os vaqueiros no “Jardim de Alá” e desfilavam até à
matriz, para assistir à missa e receber a comunhão. Na matriz, testemunhava-se a maior
demonstração possível de fé do homem rude ao seu Deus.
Após a missa, a que assistiam quase toda a população e visitantes da terra,
rumavam os vaqueiros para o café tradicional. Às duas horas, os vaqueiros mais peritos
iam demonstrar para o povo as suas forças e habilidades, como amansar animais bravos.
Hábeis e seguros, eram os vaqueiros verdadeiros atletas de montada e domadores de
gado, que deixavam a assistência estupefata diante da segurança com que executavam
tamanhas façanhas.
Ainda me lembro de que, certa vez, apresentaram um animal bravo para ser
montado por um vaqueiro chamado Contenda, de quase 70 anos, o qual montou com
tanta segurança e bravura, que saiu da praça nos braços de todos. E ainda desafiou,
dizendo: “Este para mim é café pequeno!” E foi mesmo.
Os elementos que mais se destacavam nos trabalhos para o maior brilho dessas
festividades eram, na cidade, o Humberto Magalhães, o Eduardo, o compadre
Manoelzinho Timbó, que vinha lá do Mantenso, o Raimundo Rodrigues Vasconcelos, lá
do Juá, o Carlos Rodrigues, da Ipuerinha, Renato Terceiro, da Madalena,etc.
Enfim, sentindo-se completamente satisfeito, encerrava, agradecendo a todos
quantos me ajudavam na realização dos referidos festejos.
A festa do Santo Padre também não era esquecida. Transcrevo aqui uma
reportagem do Júlio Braga, numa dessas festas:
O ANIVERSÁRIO DE SUA SANTIDADE, O PAPA, EM SANTA QU ITÉRIA
(1946)
Revestiu-se de invulgar brilhantismo a execução do programa do 70º aniversário
natalício de Sua Santidade, o Papa Pio XII, simultaneamente com o 7º de apostolado à
frente dos destinos espirituais da Igreja.
À santa missa, celebrada pelo Revmo. Vigário Pe. Correia Lima, acorreu grande
massa de fiéis, atendendo ao convite anteriormente feito, em nome da paróquia, por
uma turma de alunos do nosso estabelecimento de ensino, o Educandário Mons. Tabosa,
que, também incorporado, emprestou o seu concurso a todas as cerimônias promovidas.
Ao Evangelho o Revmo. Pároco, com a sua palavra vibrante e fácil, teceu longos
comentários acerca da pessoa augusta do Sumo Pontífice, cujo panegírico, vazado em
linguagem clara e concisa, veio contribuir para que os fiéis tivessem noção concreta de
quanto tem feito de útil pela Humanidade aquele que vem continuando a grandiosa obra
de Cristo na terra, pregada através da palavra dos diversos príncipes da Igreja. O coro,
que esteve verdadeiramente deslumbrante, contou com o concurso de nossas vozes, que
ali prestam seu decidido esforço no desempenho das músicas sacras e, naquele daí, o
hino do Papa foi a nota característica que empolgou toda a assistência, arrebatando-se
aos longínquos paramos do infinito, com inebriados pela melodiosa harmonia.
SESSÃO CIVICO-RELIGIOSA
À noite, nos vastos salões do prédio paroquial, em continuação às homenagens
prestadas ao Pai da Cristandade, realizou-se empolgante sessão cívico-religiosa,
contando com o apoio dos corpos docente e discente de Educandário Mons. Tabosa e
Grupo Escolar Júlia Catunda, bem como dos elementos que compõem a nossa sociedade
e comércio, funcionários públicos e autoridades civis e militares. A sessão presidida
pelo Revmo. Pároco, foi aberta com a execução do hino do Papa e, pela ordem, usaram
da palavra, dissertando sobre a atuação do Santo Padre, à frente da Igreja de Cristo, a
senhorita Albaniza Linhares Figueiredo, aluna do Ginásio Sant’ Ana de Sobral, o Sr. Dr.
Paulo Furtado e o cidadão Júlio M. Braga, cujas orações foram abafadas por uma
verdadeira chuva de palmas como sinal de aplauso às teses ali esplanadas.
Por último, como chave de ouro daquela demonstração de respeito e amor ao
Chefe Espiritual, ouviu-se a palavra do Revmo. Padre Correia Lima, que, num
eloqüente e bem articulado improviso, congratulou-se com o povo pelo êxito alcançado
em todas as manifestações de apreço levadas a efeito e, com o seu verbo cheio de
entusiasmo e fé nos destinos cristãos do mundo, exaltou a colaboração da Igreja e do
Santo Padre às grandes realizações espontâneas de Sua Santidade, nestes instantes
críticos por que a Humanidade atravessa, lutando pela estabilidade espiritual nas nações,
ante as ameaças da hiena moscovita.
Como nota característica do encerramento, ouvimos respeitosamente, a execução
do Hino Nacional Brasileiro.
Nos meus aniversários, natalício e de ordenação, Santa Quitéria muito me cativava.
Para minha eterna lembrança, transcrevo aqui dois registros do “A Vontade”:
a) PADRE FRANCISCO CORREIA LIMA.
Viu passar, no 27 de outubro p. passado, a data de seu natalício o Revmo. Pe.
Francisco Correia Lima, nosso estimado diretor e guia espiritual de nosso povo.
Sentimo-nos satisfeitos ao fazer o presente registro,à revelia de sua vontade e
respeitando a sua reconhecida modéstia, porque o temos em alto grau de estima, pelos
seus dotes de inteligência e cultura e pela maneira apostólica como se vem dirigindo
entre nós.
Que Deus derrame sobre a sua pessoa as graças de um sacerdócio feliz e o
conserve entre nós “ad multos annos”.
b) PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DE ORDENAÇÃO
O dia 30 de setembro p. passado assinalou, entre vivas alegrias, a passagem do 1º
aniversário de ordenação do Revmo. Pe. Francisco Correia Lima, nosso querido diretor
e Vigário desta paróquia. Deus, em sua infinita sabedoria, o fez sacerdote e o cumulou
das graças eternas, encaminhando-o na trilha espinhosa de salvar as almas, guiando-lhe
os passos para alcançar o fim determinado pelo Divino Mestre. As recordações daqueles
dias felizes volveram à sua mente para, mais uma vez, reter nossas associações
religiosas, num tributo de gratidão e respeito, compareceram à sua residência,
incorporadas, prestando-lhe os cumprimentos e as horas dignas de tão importante
evento. E nós, que aqui batalhamos, sentimo-nos satisfeitos no tecer estas linhas como
símbolo de nossa admiração e de nosso respeito, ao diretor incansável que conosco
labuta e forja esta barreira inexpugnável que é a imprensa.
Pela passagem da feliz efeméride, os nossos cumprimentos mais sinceros, com os
votos de perene felicidade e bênçãos de Deus.
Num desses aniversários, o maestro quiteriense Antônio Sobrinho compôs um
dobrado denominado “Padre Correia Lima”, cujas notas musicais ainda soam vivamente
nos meus ouvidos, e guardo-o com muita recordação e carinho.
Como já disse, não tive família que pudesse residir comigo. Apenas no meu
primeiro ano em Santa Quitéria, papai e mamãe me visitaram, ficando comigo uma
semana. Como agradecimento e despedida, papai redigiu para “A Vontade” a nota
seguinte:
“AGRADECIMENTO”
José Amâncio Correia Lima e Amália de Souza Lima, genitores do Pe. Francisco
Correia Lima, têm a máxima satisfação em agradecer, ao bom povo desta terra, todas as
gentilezas e cativantes gestos de amizade que nos foram tributados durante o curto
espaço de tempo que aqui permanecemos em visita ao nosso filho e à terra que o acolhe
como Vigário. As impressões colhidas foram todas as mais sentidas em os nossos
espíritos, falando bem alto do grau de espiritualidade desta gente boa, amiga e sincera.
Ao escrever estas linhas, desejamos que elas sirvam também de desculpas àqueles de
quem não nos foi possível despedirmo-nos, o que fazemos gora, através desta nótula.
Santa Quitéria, 30 de novembro de 1946
No fim do nosso segundo ano, como diretor de “A Vontade”, que completava dez
anos de existência, publiquei o seguinte artigo:
UMA DÉCADA
Em transporte de incontida alegria e admiração, vemos passar, neste mês, o décimo
aniversário de nosso humilde mensário, “A Vontade”.
Remexer os exemplares destes dez anos para constatar soma de sacrifícios que eles
contêm custaria muito. Não obstante, talvez fosse, às novas gerações, um estímulo a
entrar e prosseguir na insana tarefa de amadores da imprensa.
Citar nomes esforçados que estiveram sempre à luta na primeira hora, seria ditar
exemplos e paradigmas para os que surgem à curva das gerações. Mas a isso nos
omitimos, dada a modéstia dos mesmos e a pequenez destas páginas.
Não nos podemos furtar, entretanto, de incentivar no povo de Santa Quitéria o
amor ao seu modesto órgão literário. Temos um jornal. Já somos alguma coisa, pois são
poucos os nossos vizinhos, mais poderosos que nós, que podem competir conosco neste
pronto.
A falta, porém, de recursos pecuniários à manutenção deste mensário é grande.
Temos-lhe dado toda a nossa boa vontade, mas para servirmos lutando. Neste ano que
findou, “A Vontade” teve um déficit de mais de 2 mil cruzeiros, de tal modo que, se não
lançássemos mão de pequenos saldos de festas religiosas, que mal dão para a
continuação das despesas do culto, não sei o que seria do nosso querido mensário.
Que o apoio material de cada um seja pronto e não se faça de rogado. Que a
cooperação intelectual dos que escrevem ocorra à Redação, abundante e frutuosa.
“Ninguém acende a candeia e a coloca no alqueire, mas no lugar mais alto para que
todos a vejam e por ela se guiem”. Saiam do alqueire as inteligências de Santa Quitéria.
Que se possa acompanhar o pensamento das pessoas que gozam do fruto dos
estudos, do contrário, não chegaremos a um novo aniversário, não cantaremos o hino da
vitória e não mais “chatearemos” os nossos vizinhos, na expressão de “Farias
Sobrinho”.
Para frente, sempre para frente devemos marchar.
VIVA OU MORRA “A Vontade”? Respondam os senhores quiterienses.
E para a solução do problema econômico de nosso jornalzinho, e assim ficou
determinado:
1- Família Catunda - encarregada da edição: Profa. Carlota Catunda;
2- Família Lobo - encarregada da edição: Profa. Mundinha Lobo;
3- Família Parente - encarregada da edição: Profa. Mariá Parente;
4- Família Benevides - encarregada da edição: Conceição Benevides
5- Família Timbó Camelo - encarregada da edição: Profa. Eraclides Timbó
6- Família Martins - encarregada da edição: Nenê Martins
7- Família Andrade - encarregada da edição: Núbia e Maria Andrade;
8- Família Pinto - encarregada da edição: D. Juraci Pinto;
9- Família Magalhães - encarregada da edição: Srta. Maria Magalhães;
10- Família Linhares - encarregada da edição: D. Nana e Tereza Linhares;
11- Família Farias - encarregada da edição: Aldenora Farias e Tereza Simplício;
12- Família Mesquita - encarregada da edição: Gonçalinha Mesquita.
Como já tive oportunidades de referir, não havia luz elétrica em Santa Quitéria. Era
um insulto à sociedade, com o que eu não me conformava. Graças a Deus surgiu um
Prefeito de idéias novas, José Maria Catunda, que tomou a sério o problema e iluminou
a cidade. Fui um dos oradores desse memorável dia:
“Meus senhores e minhas senhoras,
Santa Quitéria vive hoje, talvez, um dos mais solenes acontecimentos de sua
história cívica. Com um lhes deu o dom da articulação da palavra.
Desde que pisei o solo quiteriense, senhores que experimentava a carência deste
sinal de progresso para esta terra: luz! E também testemunhava e sentia a queixa pujante
da família quiteriense: “Não temos luz!” Esta expressão se traduzia a cada passo nas
palavras nascidas do cérebro, frutificadas no coração e jorradas dos lábios de todos que
habitam esta terra dadivosa e boa. Mas, ao mesmo tempo, senhores, divisava eu no
coração deste povo, ao lado deste desprazer, um ardente desejo, uma inspiração viva,
uma esperança próxima, que haveria de aparecer àquele que nos arrancaria das trevas...
Com efeito, senhores, surgiu o Prefeito José Maria Catunda, que soube, com
inteligência e louvável empenho, solucionar o problema da luz entre nós, sem contudo
nos parecer que foi a vanglória nem o espírito de ostentação que o determinou a tão
gloriosa realização. Por isso, Santa Quitéria, hoje, é um só coração e uma só boca a
proclamar a operosidade de seu industrioso Prefeito.
E tudo, senhores, tinha a sua razão de ser: a queixa do povo era justa, justíssima! –
“Haja Luz”: foi à primeira frase de Deus. E, com esta ordem de Deus, senhores
abalaram-se o mundo cósmico, estremeceu o mundo e dissiparam-se as trevas. As
negras sombras dos abismos desapareceram-se e fez-se que calor, o movimento e a
seiva, a vida, enfim, uma torça invisível vitalizou o Universo. E, no firmamento,
acendeu-se o esplendor das belezas dos astros cintilantes.
De modo análogo, hoje também o Prefeito José Maria Catunda acendeu, no
firmamento de nossa cidade, mais um número de progresso, graças à sua operosidade.
Muitos outros problemas temos que estão a pedir solução, mas ele quis que o da
luz fosse o primeiro, porque, com a esclarecida inteligência, compreendeu que não se
pode trabalhar nas trevas... É com a luz que ele vai enxergar a solução de outras
necessidades de nosso Município. Estou certo de que, com a prova que hoje nos deu,
trazendo-nos a luz, o mais ele nos trará.
E só poderia ser assim mesmo, senhores, de vez que este Município, coitado, tão
preferido pelas caravanas eleitorais com as suas promessas de felicidades e melhores
dias para o povo, cai depressa no esquecimento, depois das eleições. Era preciso que,
com o fracasso das promessas que ouvimos há pouco, fossemos compensados pela
operosidade de um Prefeito do jaez de José Maria Catunda.
É, portanto, com sumo prazer, Sr. Prefeito que, nesta hora, trago para os meus
paroquianos e munícipes seus, a minha palavra despretensiosa de um amigo seu,
agradecido, que deixa esta tribuna, cônscio de ter cumprido um dever de gratidão para
com a sua autoridade, que, pela operosidade e linha moral, não merece só o elogio e o
acatamento do Vigário desta paróquia, como também de todos os quiterienses desejosos
da grandeza da terra que os viu nascer.
Disse.
Santa Quitéria possuía uma bonita e vasta matriz, para ficar completamente,
porém, faltava-lhe uma sacristia.
Os Vigários passados temiam construir um consistório para a matriz porque dava a
impressão que deixaria a rua dos fundos com passagem estreita. Eu não me convenci
dessa inconveniência. Contei com a boa vontade do Prefeito amigo, José Maria
Catunda, e mãos à obra. Construímos uma espaçosa sacristia, sem nenhum prejuízo para
a via pública, constituindo-se a matriz, desse modo, uma imponente igreja, orgulho de
seus habitantes.
Recordo-me bem dos meus acólitos, que não eram muito freqüentadores da
sacristia: do Alfredo do Cleonísio, do Jackson do Paulo Miró, do José Antônio de D.
Olga, do Erasmo, irmão de D. Dulce, do Tibúrcio, que era também um ótimo tocador de
caixa da banda paroquial, etc.
Santa Quitéria necessitava também de sua paroquial. Dona Nana Figueiredo de
Paula Pessoa, de Sobral, possuía, na Praça da Matriz, em Santa Quitéria, uma casa
antiga da qual nada se poderia aproveitar a não ser o terreno. Resolvi ir pedir a referida
casa a D. Nana. Em Sobral, encontrei-a pela manhã na igreja do Menino Deus, onde lhe
disse que o objetivo de minha ida àquela cidade era pedir-lhe a sua casa de Santa
Quitéria, para nela, futuramente, ser levantada, em boa construção, a casa paroquial de
Santa Quitéria. D. Nana encarou-me e decididamente disse-me: “Aquela casa tem uma
história!... E mais, já está inventariada. Mas, A DEUS NADA SE NEGA!” No mesmo
dia às 10 horas, D. Nana foi ao meu encontro, já resolvida a passar a escritura da casa
para a paróquia. Enfim, com aquele gesto de generosidade, iniciamos a sonhada
construção da casa paroquial de Santa Quitéria...
Foi meu barbeiro em Santa Quitéria o alfaiate Solon Cruz. Já tinha exercido a
profissão em algum tempo e, por isso, fazia questão de continuar com a afinidade das
tesouras, pelo menos como barbeiro do Vigário. E que se diga: não aceitava nenhum
pagamento pelo corte do cabelo. Tratava-se de um bom católico que procedia deste
modo louvável com todos os Vigários da paróquia.
Homens populares da cidade:
Gonzaga Mesquita, muito prazenteiro com todos. Abria diariamente às 6 horas da
manhã o seu estabelecimento comercial, espanava as prateleiras lisinhas e sentava-se na
sua velha cadeira pegada ao balcão, sem vender nada, porque nada tinha para vender.
Às 11 horas ia almoçar, voltando à uma hora e fechando às 5 da tarde,
impreterivelmente.
Zé de Lima, homem sério, honesto e sincero. Pessedista de quatro costados.
Bairrista extremado, porém negava o voto a qualquer quiteriense que não fosse
pessedista e votava no satanás se o fosse. Tudo quanto acontecia, por mais rotineiro que
fosse, ele registrava em seu caderno. Sabia ler e era inteligente. De uma memória
espetacular. Podia-se pedir a data de um fato e ele respondia à queima-roupa: - o dia tal,
ano tal, e citava até o dia da semana. Bebeu muito, diziam-me, deixando, porém a
bebedeira, desde o dia em que lhe cortaram os fundos das calças, quando alcoolizado.
Vivia na casa do Haroldo Martins, mas não votou nele quando esta foi candidato a
Deputado Estadual, e foi franco dizendo: “Meu filho, não voto em você, porque você
não é pessedista”. Veja a força do sangue político.
Manoel Alves de Oliveira era conhecido como Mané Besta. Dizia-se parente dos
Katunda. Chegou a assinar-se Manoel Alves de Oliveira Katunda. E, de fato, o senador
Katunda chamava-se Joaquim de Oliveira Katunda. O apelido Mané Besta, que ele tão
besta que era se orgulhava de possuir, foi justamente por essa mania, a de ser
besta.Diziam-me que, ao arrematar, num leilão,uma prenda e chamado a declinar o
nome, anunciou em voz alta: Manoel Alves de Oliveira Katunda, e, falando mais alto
ainda, acrescentou: Katunda com K. O escrivão era o pai do Sr. Djalma Katunda.
Olhou, então, para o arrematador e imediatamente alertou-o: - Ao invés de Manoel
Alves, escrevo: “Manoel Besta”. E por este nome ficou conhecido, além do de
Manezão. Apesar de besta, mesmo, o Manezão foi professor de primeiras letras. Possuía
boa caligrafia e gostava de lei. Decorou algumas frases em latim e soltava-as sempre
que via. Se besta era, era mesmo de besta. Que Deus o perdoe, era um homem bom.
Havia na cidade um homem de juízo duvidoso, bem preto, chamado Gravejo.
Tinha os seus momentos de boa lucidez e, por isso, se com o padre João Batista,
ignorando-se a razão, levantou-se do confessionário bem aborrecido e saiu falando alto,
dizendo: “Está perguntado muito! Assim já é muita curiosidade”.
Pirulito, louco inofensivo. Morava no meio da rua e em cima de todo o caminhão
da cidade ou de Crateús, Mons. Tabosa, Nova Russas, Tamboril... Era conhecido como
homem honesto. Ajudante de caminhão trabalhava de graça, só pelo prazer de viajar.
Conversava descontroladamente. Ninguém entendia uma frase dele. Soltava uma
centena de palavras bem pronunciadas, mas sem conexão alguma. De um assunto,
passava para outro completamente diferente. Na rua tinha mania de andar de costas. Às
vezes, em sua caminhada sempre apressada, estacava de repente, resfolegava as narinas
e dava meia volta, mudando o rumo da estrada. Era um espírito mal que lhe atravessava
o caminho. O fungado era uma espécie da conversa espiritual com o amigo do Além.
Não ia a futebol. É do cão, dizia ele. Interrogado a explicar-se, saia-se mais ou menos
neste diapasão: “Colega, hum! Cadê o seboso? Gosto de Tamboril e o homem me disse
coisa; Para onde vou, sabendo da Amélia? Outro dia, tu sabe, a gente puxa e leva
bolacha. Tu tem fumo? Him, cadeira e pau. Na cidade ela sabe e trás”.
Como se vê, nenhuma frase do Pirulito chegava a seu final. Só se aproveitava
aquele “tu tem fumo?”. Essa interrogação significava: me dá um fuminho. E só. E o
povo já sabia: enchia o bolos do Pirulito de fumo.
Escupila era um homem ainda moço, casado, funcionário da Prefeitura, mas
viciado no álcool. Morava perto do cemitério. Aos sábados, infalivelmente, passava em
frente à minha casa quase embriagado, dando os seus prolongados vivas ao General
Dutra e dizendo “Seu Vigário, só deve beber quem sabe beber. O homem deve beber
para ficar engraçado e não para se desgraçar!”. Engraçado, pregava justamente a
filosofia que ele não seguia.
Dr. Farias Sobrinho foi o Juiz de Direito do meu tempo. Era bom amigo.
Inteligentíssimo e muito crítico. Dizia que nunca tinha visto, no Ceará, uma terra com
nome de santo ir pra frente, por isso criticava Santa Quitéria dizendo que não passaria
nunca do passo do Aníbal. Aníbal era um cidadão muito calmo que só caminhava
vagarosamente.
Os fiéis de Santa Quitéria não eram freqüentadores assíduos dos sacramentos,
contudo eram de uma moral invejável. Na cidade não existiam mulheres mundanas,
como é comum em outros lugares. Esta observação, aliás, o virtuoso o célebre Mons.
Antônio Tabosa Braga, que foi Vigário ali por sete anos, e o décimo na ordem
cronologia, já o fazia.
SANTA QUITÉRIA TEM DADO VULTOS NOTÁVEIS
TOMAZ POMPEU DE SOUZA BRASIL ordenou-se sacerdote, porém, mais
tarde, deixou a batina e bacharelou-se em Direito. Foi o primeiro diretor do Liceu do
Ceará. Era professor, jornalista, cientista e polígrafo. Foi deputado e Senador Geral do
Império. Enfim, exerceu a mais notável influência na vida cultural e política do Ceará
na sua época. Em Santa Quitéria, à Praça da Matriz, conserva-se a casinha de taipa
onde nasceu o Senador Tomaz Pompeu de Souza Brasil. E, pela passagem do centenário
da cidade, foi erigido um busto do Senador, naquela cidade, como homenagem ao
ilustre quiteriense.
O SENADOR TOMAZ POMPEU DE SOUZA BRASIL nasceu em Santa
Quitéria, em 6 de junho de 1818. Ordenou-se sacerdote em 18 de março de 1843, em
Pernambuco. Bacharelou-se Direito Civil, também em Pernambuco. Exerceu o
sacerdócio por pouco tempo. Foi, porém, dizemos seus biógrafos, durante toda a sua
vida, um homem de fé em todos os dogmas que estudou do Seminário e que, apesar de
afastado do mister sacerdotal, não deixou de usar os hábitos talares eclesiásticos.
Seu prestígio na Monarquia junto ao Imperador Pedro II foi muito grande.
Considerado um gênio e um sábio. Além de merecer todo o louvor pela força e pelo
prestígio como político, escreveu muitos livros, destacando-se, pelos de sua paixão
dominante, os problemas de Educação e estudos geográficos.
Foi amigo íntimo de Francisco em 2 de setembro de 1877, com apenas 59 anos de
idade, vítima de uma insuficiência cardíaca, depois de procurar sua saúde pela Europa
têm o seu nome.
Uma das principais ruas da Capital cearense e um dos mais importantes
Municípios do Estado têm o seu nome.
O Rio de janeiro também consagro uma rua, bem no centro da Cidade
Maravilhosa, com o nome do ilustradíssimo filho de Santa Quitéria – Rua Senador
Pompeu.
SENADOR JOAQUIM DE OLIVEIRA CATUNDA, cientista, historiador e
grande tribuno. Foi professor da Escola Militar e do Liceu do Ceará, Deputado
Provincial e Senador da República de grande prestígio.
O SENADOR JOAQUIM DE OLIVEIRA CATUNDA era sobrinho do Senador
Tomaz Pompeu de Souza Brasil. Nasceu em 2 de dezembro de1834. Fez grande nome
no Rio de Janeiro pela inteligência e erudição. Foi muito amigo e admirado por Rui
Barbosa, Capistrano de Abreu, Euclides da Cunha, José Veríssimo e tantos outros
talentos brasileiros, com os quais sempre se encontrava especialmente na célebre
“Confeitaria Colombo”, no Centro do Rio de Janeiro, conforme dizem os seus
biógrafos.
Além de historiador, foi crítico considerado implacável. Quase sempre gozava
suas férias parlamentares na terrinha onde nasceu – SANTA QUITÉRIA.
Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 28 de julho de 1907, com79 anos de idade.
DR. FRANCISCO DE MENEZES PIMENTEL, fundador e diretor do Colégio São
Luís, de Fortaleza. Professor catedrático da Faculdade de Direito do Ceará. Foi
Deputado Estadual, Deputado Federal, Governador do Estado, Interventor Federal e
Senador da República. Exerceu também, embora por pouco tempo, a alta investidura de
Ministro de Estado.
DR. JOÃO OTÁVIO LOBO esteve no Seminário, onde concluiu todos os seus
estudos filosóficos e teológicos, porém não se ordenou sacerdote. Estudou Medicina,
tornando-se médico afamado. Foi Deputado Federal, professor e diretor da Faculdade de
Direito do Ceará.
Teve a cidade outros homens notáveis como padre Inácio de Loyola Albuquerque
Mello e Mororó, Dr. Otávio Terceiro de Farias – grande mestre e estudioso da língua
portuguesa, Delmiro Guovea, natural da Fazenda Timbaúba, município de Santa
Quitéria, segundo me disseram, Dr. Inácio Moacir Catunda Martins, Ministro do
Egrégio Tribunal Federal de Recursos, e outros mais que me fogem à memória.
O presente capítulo cultural de Santa Quitéria vem a propósito, justamente porque,
perdoe-me, tenho parte nos trabalhos pelo desenvolvimento intelectual da terra, através
da manutenção do jornal “A Vontade”, conforme já demonstrei em capítulo anterior.
VIDA ROTINEIRA DE SANTA QUITÉRIA
A espaçosa sala de frente da residência do Jovito farias servia de prédio para os
Correios e Telégrafos da cidade.
A única farmácia era a Hiran, onde se gozava do gostoso bate-papo do Édson
Lobo. A cadeia pública ficava em frente a minha casa. Lembro-me de que, um dia, os
soldados do destacamento local se desentenderam por lá e haja bala: os fuzis
funcionaram, o Vigário também...
Por cima do prédio da cadeia estava o salão de danças da sociedade local. Até hoje
não me esqueci das festas ruidosas que incomodavam bastante o sono do Vigário.
Dançava-se muito e bebia-se pra valer. Havia mês em que se dançava dezesseis noites.
“Que horror!” – Diria o carioca.
Em Santa Quitéria, todas as famílias eram ligadas por parentescos. Impressionante!
A política era extremada. O Vigário precisava ter muita habilidade e muita
prudência para não se deixar envolver e ferir melindres políticos. Quando o caldeirão da
política fervia, saísse da frente quem não quisesse ser atropelado. Aqui o parentesco não
pisavam nas calçadas das residências dos adversários. Às campanhas políticas e a
qualquer prenúncio de vitória, a tradicional “Ronqueira” estrondava no ar avisando à
cidade toda, para a alegria dos correligionários e tristezas dos adversários.
Santa Quitéria é a terra do gado, no entanto, faltava carne para se comer. A
pecuária constituía mesmo a maior fonte de riqueza do município. Parecia que os
fazendeiros preferiam levar o gado vivo para a Capital, a abatê-lo na terra para abastecer
a população. Talvez houvesse maior vantagem econômica. Quando eu cheguei a Santa
Quitéria, estranhava muito as famílias me perguntarem, até na igreja, o que eu estava
cometendo naquela semana. Achava aquilo até uma falta de civilidade. O costume era
tão forte que me atingiu também: mais tarde eu já falava a mesma linguagem. E o
costume de casa já estava indo à praça. Cada terra como o seu uso!... Em compensação,
possuía Santa Quitéria uma água potável maravilhosa. Diziam que o Dr. Otávio Lobo
fez um estudo químico e apurou um resultado salutar na célebre agra do rio Jacurutu, de
Santa Quitéria.
Tive, na pessoa da minha velha cozinheira, D. Mundola, uma boa amiga. Desde o
primeiro dia em que cheguei a Santa Quitéria, ela passou a trabalhar para mim. Gostava
muito da confecção de sua comida, que era simples e gostosa. Veio para passar em
minha cozinha apenas quinze dias, e demorou-se três longos anos. E não me teria
deixado nunca, como ela dizia se não tivesse criado um garoto com muito mimo,
batizado por Raimundo (apelidado Chapéu-de-Couro) e por ela chamado de “Pai
Santo”, que a forçou a voltar para Santa Quitéria, quando já trabalhava para mim em
Ipueiras.
Outra pessoa excelente amigo foi o Tomaz Lima, meu sacristão: trabalhador,
sincero e muito interessado pelas cousas da igreja e do Vigário. Era muito afamilhado.
Parece-me que tinha quatorze filhos. Como dizia o Dr. Farias: “Uma verdadeira
compensação – o Vigário não tinha nenhum, o sacristão tinha quatorze”.
MEUS GRANDES AMIGOS
Tenho uma satisfação íntima em me recordar do Zezé Benevides. Amigo de todos
os momentos, com o qual trabalhei na construção da sacristia e muito reclamei porque
ele não enchia bem os caixões de areia (que eu chamava de canecos) que conduzia em
suas dezenas de jumentos para os trabalhos da matriz. Zezé Benevides, hoje, é
milionário em Santa Quitéria. Pessoa boníssima.
Júlio Braga, agente de estatísticas, jovem inteligente, jornalista, sempre pronto a
cooperar em tudo com a paróquia. Um quiteriense realmente amante das tradições de
sua terra, mas que tinha entusiasmo e sede das cousas novas de progresso para Santa
Quitéria.
O Chiquinho Linhares, garoto inteligente, perspicaz e “risão”; dormia em minha
casa, onde passava quase todo o dia. Foi depois para o seminário e foi, por algum
tempo, o talentoso dominicano Frei Marcelo de Santa Quitéria. Infelizmente não
perseverou no sacerdócio.
Dona Rosinha Lobo, que, com suas transbordantes compoteiras de doce de leite,
faz-me lembrar o manancial de água na boca. O seu maior prazer era fazer esses doces e
oferecê-los ao Vigário.
Sr. João Rodrigues e D. Nelsa, preparando-me diariamente, em sua casa, às 7 horas
da noite, um substancioso prato de coalhada.
O Xixi e D. Maria, o Edson e D. Arlinda, Humberto e D. Alice, João Parente e D.
Mesquita, Dr. Afonso, Baltazar, João Simplício, Luiz Simplício, Jovito e D. Noema,
Nilo Catunda e D. Deisa, Antônio Ernesto, Demerval e D. Mariquinha, Assis Lobo e D.
Bonetti, gerente e Engenheiro da empresa “Cidão”, Melquiades Mourão, Eurico,
Zeleandro, Sr. Napoleão e D. Maria e muitos outros...
Santa Quitéria era uma Paróquia fria, mas cercava o Vigário de toda a atenção,
dando-lhe a primazia em tudo.
No dia 9 de setembro de 1948, recebi um aviso do Sr. Bispo: que me preparasse
para deixar Santa Quitéria uma Paróquia no fim do ano, pois me desejava dar uma
paróquia à margem da estrada de ferro.
Confesso que já gostava muito de Santa Quitéria, mas uma paróquia à margem da
estrada de ferro não deixaria de ser um prêmio.
Confirmada a minha transferência para Ipueiras, comecei a preparar os papéis e a
bagagem, pois tinha que deixar aquela gente, embora com saudade de tudo e de todos,
mas, convencido de que o padre não tem pousada permanente em nenhum lugar, encarei
a transferência com naturalidade.
TRANCREVO AQUI A RELAÇÃO NOMINAL DOS VIGÁRIOS DE SANTA
QUITÉRIA, CONFORME CONSTA O LIVRO DE TOMBO DA PARÓQUIA.
1 – Pe. Francisco Gomes Parente – 1824;
2 – Pe. Manuel Simões – 1830;
3 – Pe. Justino Furtado de Mendonça – 1840;
4 – Pe. Antônio de Sousa Neves – 1847 a 1850;
5 – Pe. Francisco Manuel de Lima Albuquerque – 1851 a 1882;
6 – Mons. Custódio de Almeida Sampaio – 1883 a 1892;
7 – Pe. Melquíades Augusto de Sousa Matos – 1892 a 1893;
8 – Mons. João Alfredo Furtado – 1893 a 1895;
9 – Pe. Macário Bezerra de Arruda - 1896 a 1899;
10 – Mons. Antônio Tabosa Braga, de 7/5/1899 a março de 1906;
11 – Pe. Furtado de Lacerda, de 2/3/1906 a março de 1907;
12 – Pe. Gonçalo de Oliveira Lima, de 2/3/1907 a 16/4/1916;
13 – Pe. Raimundo Augusto Bezerra, de 16/4/1916 a julho de 1916;
14 – Pe. Gonçalo de Oliveira Lima, de 1916 a 1917;
15 – Pe. Eurico de Melo Magalhães, de 17/11/1917 a 13/1/1919;
16 – Pe. Mons. Gonçalo de Oliveira Lima, de 1919 a julho de 1920;
17 – Pe. José Arteiro Soares, de 7/8/1920 a 1926;
18 – Pe. Luís Franzoni, de 20/2/1926 a dezembro de 1927;
19 – Mons. Gonçalo de Oliveira Lima, de 1928 a janeiro 1930;
20 – Pe. Januário Ribeiro Campos, de 9/2/1930 a 15/2/1936;
21 – Pe. João Batista Pereira, de 14/2/2936 a 2/1/1943;
22 – Pe. Francisco Sancho de Assis, de 3/1/1943 a 28/12/1943;
23 – Pe. João Batista Pereira (pela 2º vez), de 3/1/1944 a julho/1945;
24 – Pe. Francisco Soares Leitão, de 28/7/1945 a janeiro de 1946;
25 – Pe. FRANCISCO CORREIA LIMA, de 11/1/1946 a 6/1/1949;
26 – Pe. Egberto Rodrigues de Andrade, de 6/1/1949 a dezembro de 1952;
27 – Pe Luís Ximenes de Aragão, tomou posse em 6 de janeiro de 1953 e
continuou até os dias de hoje, do ano de 1979.
Obs.: Contavam-me os mais velhos que os Mons. João Alfredo Furtado, 8º.
Vigário de Santa Quitéria – dizia ser Vigário em Santa Quitéria era o mesmo que
“possuir cartão de admissão franco em qualquer asilo do mundo”.
A comparação traduz bem o sacrifício de ter sido Vigário daquela paróquia,
especialmente naquela época.
Eu diria antes assim: “O ex-Vigário de Santa Quitéria. Pelo seu esforço e
abnegação, credenciava-se ao ingresso em um dos sete céus de que fala São Paulo.
MOVIMENTO ESPIRITUAL DOS MEUS TRÊS ANOS DE PAROQUIATO EM
SANTA QUITÉRIA.
1946
BATIZADOS........................ 734
CASAMENTOS.................... 132
COMUNHÕES...................... 10.606
VIÁTICOS............................. 30
EX-UNÇÕES........................ 40
ÓBITOS................................. 31
1947
BATIZADOS..................................... 886
CASAMENTOS...................... 188
COMUNHÕES....................... 10.430
VIÁTICOS............................. 64
EX-UNÇÕES........................ 65
ÓBITOS................................. 39
1948
BATIZADOS........................ 937
CASAMENTOS.................... 184
COMUNHÕES...................... 11.525
VIÁTICOS............................. 60
EX-UNÇÕES........................ 58
ÓBITOS................................. 38
DESPEDIDA
Deixei exarado no livro de tombo da paróquia, em 1949, à folha 126, o seguinte:
Cheguei a Santa Quitéria no dia 10 de janeiro de 1946, às 5 horas da tarde,
tomando posse desta paróquia no dia seguinte, 11 de janeiro.
E hoje, 8 de janeiro de 1949, registro aqui as minhas despedidas do povo de Santa
Quitéria e das capelas.
Depois de três anos de paroquiato aqui, obedecendo a ordem superior, deixo este
bom povo de Santa Quitéria, dirigindo-me para o paroquiato de Ipueiras.
Tenho sobeja razão para sentir muitas saudades de tudo e de todos em Santa
Quitéria.
Foi Santa Quitéria a minha primeira paróquia. Aqui jamais recebi a menor ofensa,
falta de atenção ou escusa. Fui sempre bem ouvido por parte dos meus paroquianos.
Cercarem-me todos da maior consideração. E do que afirmo a prova é que, dando mil
graças a Deus, posso dizer, não deixo aqui um só inimigo. Por isso, conversarei na
minha alma de sacerdote uma eterna gratidão ao querido povo de Santa Quitéria por
tudo quando recebi, e guardarei para sempre a estima desta terra, estima que seu bom
povo soube plantar em meu coração.
Santa Quitéria, 8 de janeiro de 1949.
Despedi-me também na igreja, e ainda de todos os paroquianos, ricos e pobres,
indo de casa em casa. E, no dia 10 de janeiro de 1949, deixava eu Santa Quitéria rumo a
meu novo campo apostólico – IPUEIRAS, chorando e levando a saudade de amigos que
tinha feito, para nunca mais nos encontrar na mesma vida. Porém, parti conformado,
porque tinha a consciência do dever cumprido. Que tempo bom!
Ainda soam nos meus ouvidos aqueles VIVAS saudosos na hora da minha partida:
“VIVA o nosso inesquecível Padre Correia!”.
Dos jipes e um caminhão completos de quiterienses foram-me levar a Ipueiras.
Eu fui o vigésimo quinto Vigário de Santa Quitéria, na ordem cronológica.
Substituiu-me na paróquia o Revmo. Pe. Egberto Rodrigues de Andrade.
O CENTENÁRIO DE SANTA QUITÉRIA
De Ipueiras, onde eu era Vigário, em agosto de 1956, fui rever os meus ex-
paroquianos, os meus amigos, a minha primeira Paróquia. Desta vez, se não fui recebido
com festas, culpe-se a grande festa: ERA O CENTENÁRIO DE SANTA QUITÉRIA!
Muita gente de toda parte. Foi uma festa realmente bonita, muito pomposa. A
cidade estava diferente em tudo: bem enfeitada, muito asseada e com grande alegria. O
prefeito Municipal era o Edson Lobo de Mesquita, que fez tudo o que pôde para dar
maior brilhantismo ao histórico acontecimento. O Vigário era o padre Luís Ximenes
Aragão, que em tudo cooperou com o seu Prefeito. Dessa festa muitas cousas eu me
lembro, mas ficou em mim apenas, como uma recordação inesquecível, a figura do
Padre Irineu Lima Verde, então Vigário de Boa Viagem, que dera “show”, como “padre
come-cobra” do que já se tem ocupado a imprensa de Fortaleza na divulgação do seu
singular paladar, pois não somente como cobras, como também morcegos, ratos, gatos,
urubus, raposas e outros bichos. Mas o padre Irineu “come” também cerveja: numa
mesa de bar, em Santa Quitéria, tomou 16 cervejas de uma só vez. E contaram-me que,
no Churrasco das Flores, por entre copos de cervejas ema cachaça de 18 anos que
apareceu, o padre fez demonstrações invejáveis aos amantes de Baco. Foi vedete no
centenário. Chamaram-no também de padre moderno. Não sei se ainda continua
fazendo dessas lá pelo seu Cairi.
Como parte integrante dos festejos havia uma exposição de trabalhos. Nela
apareceu um pastor protestante que, na estrada e no recinto, aproveitando-se do
aglomerado humano, distribuía folhetos e revistas de seu credo. Minha revolta foi bem
grande. Senti que algo de nocivo estava sendo transmitido à alma dos meus ex-
paroquianos. Senti aquilo como uma afronta a minha religião. Como sacerdote, reagi,
reagi pela minha fé. Fiz quase um sermão público e até critiquei muito dos meus amigo
católicos, indiferentes ao acontecido. O meu gesto tomou terreno. Fui apoiado,
enquanto, por outro lado, era censurado por uma minoria, talvez pela inoportunidade.
O meu espírito de fé, vendo a minha crença seriamente ferida, não podia enxergar
a solenidade que se desenrolava naquele ambiente.
Olhava e via, sim, somente o mal que aqueles panfletos poderiam causar entre o
meu antigo rebanho.
Resultado: os folhetos e revistas foram esbarrar no fogo. Lavei o peito. Fiquei
compensado pelas críticas de alguns, recebidas, enfim, do mesmo povo em quem eu
procurava manter viva a fé.
O certo é que eu ainda trazia comigo certas intransigências resultantes da formação
da época, hoje quase vencidas (hoje, acho que não faria mais isso).
O INCÊNDIO DEPOIS DO CENTENÁRIO
Passaram-se calmamente os festejos do centenário, do dia 26 de agosto. Outras
solenidades se desenrolaram ainda na cidade com celebrações cívicas, inaugurações
com discursos inflamados e literários, como o do Dr. Otávio Farias, que ainda guardo na
memória.
Houve muitos comes-e-bebes. Iguarias foram distribuídas à farta, alem do baile de
gala no Paço Municipal, encerrado os festejos.
Eram precisamente sete horas da noite do dia 27, um dia após as celebrações do
centenário. Pouquíssima gente nas ruas. Havia uma espécie de paralisação da vida da
cidade nas atividades de todos. A ressaca provocava pelos trabalhos do centenário e
pelo excesso de alegrias naturais retinha o povo em suas casas. Poucas rodas nas
calçadas naquele dia. A cidade centenária também estava repousando da luta anterior.
Estava também de ressaca.
Um grito alarmou a cidade inteira. O povo, em repouso, despertou atônito. O
vozeiro, em sentido de socorro, tomou corpo e conta da cidade em pouco tempo.
Avolumou-se de repente, partindo uma das praças do mercado. Era um incêndio que
irrompera numa loja, próxima a um posto de gasolina. Do outro lado do mercado, à Rua
Adroaldo Martins, em frente à Coletoria Estadual, havia outro posto. Vejam, realmente,
que perigo! O vozeiro alarmante correu de boca em boca: a cidade, dentro de poucos
minutos, voaria pelos ares. Quatro a cinco quarteirões teriam suas casas destruídas, era
o comentário do povo, apavorado, todos os seus ocupantes estariam mortos. Confusão
total. A intranqüilidade, misturada com a imprevidência, tomou conta da alma do povo.
Ninguém compreendia ninguém, ninguém via ninguém. Todo mundo procurou correr:
“Quem puder que se salve”. Todos procuravam escapar à fúria das chamas, cada qual de
modo mais rápido. As casas eram desocupadas às pressas, aos trancos e barrancos.
Muitos choravam e pediam perdão a Deus, em altas vozes, como se aquele fosse o dia
do Juízo Final. E até lembrava aquele sambinha carioca: “Lá no morro anunciaram e
garantiram que o mundo ia se acabar”.
Contaram-me que Zezé Benevides, na confusão, e fazendo ainda maior volume da
catástrofe, esqueceu mãe, esposa e filhos e desabou no mundo, chorando, rumo à
“Pudrinha” (fazenda que havia perto), dizendo-se, já àquela altura, um louco, por
acreditar perdidas todas as esperanças de salvação da cidade, de toda a família, dos
amigos e até dos seus inimigos.
Os momentos de angústias se multiplicaram. A onda dos que se precipitaram pelas
estradas, disseram-me, foi grande. A primeira brecha aberta rumo a qualquer caminho
era horizonte para muitos. Para os lados da Fazenda Ipueiras, rumo à das Flores, rumo à
de São Pedro, rumo ao Calabaço ou Logradouro do Demerval, de modo geral as
estradas ficaram cobertas pelos habitantes quiterienses, que fugiam ao fogo, tangidos
pelo instinto de conservação que lhes falava, naquele dia, mais alto que tudo.
Afinal de contas, muita ciosa não aconteceu, graças a Deus. O posto de gasolina
resistiu. A loja de fazenda, sim, consumiu-se toda. Virou cinzas. Apenas grandes
prejuízos materiais.
No outro dia a imprensa de Fortaleza abriu manchete, fazendo outro incêndio em
notícias. Verbas estaduais e até federais formas pedidas em favor das famílias que não
foram sacrificadas e, talvez, nada perderam...
Faltou apenas que a BBC de Londres, como aconteceu como arrombamento do
Orós e a prisão da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima, em Crateús, fizesse o
seu célebre e famoso comentário.
A cidade, afinal de contas, refeita do grande susto por que passou, voltou a curtir a
ressaca dos trabalhos e festas do seu centenário.
Eu já havia regressado a Ipueiras, quando me contaram tudo isso.
QUEM TE VIU ONTEM, QUEM TE VÊ HOJE
Quem viu Santa Quitéria ontem, como eu, que a vi e lá trabalhei por vários anos, e
agora lá aparece visitando-a, verificará uma transformação substancial em tudo,
provocada pela lei dos tempos modernos.
A abertura de novas estradas, onde os veículos podem exercer influência capital,
doou a Santa Quitéria o influxo de um progresso.
Os bairros pobres, conhecidos com Alvaiade, Caçote, Areirão, Pavuna, do Sr.
Djalma Catunda, e a parte delimitada pela curva do rio Jacurutu, a conhecida Rua de
Baixo, hoje estão quase irreconhecíveis, inteiramente transformados, com casas
residenciais que não são mais do estilo antigo, mas modernas, espalhadas por todos os
pontos desses bairros.
Os terrenos do meu tempo, fechados de marmeleiros e de mofumbos, com a área
que circundava a fábrica do Sr. Raimundo Martins de Mesquita (Sinhô Martins), o
Matadouro, subindo para a casa do João Torres (o gritador de leilão da padroeira), estão
todos completamente habitados. Já do outro lado do rio, Caminho das Flores, outra
cidade se edificou: uma outra Olinda quiteriense, separada pelo Jacurutu.
Os Cafés com bancas e tamboretes, com xícaras de chá cederam lugares aos bares
“chics”, aos Café-Expresso, com louças modernas, bonitas, esterilizadas.
As conhecidas bodegas são hoje chamadas de mercearias. As lojas, fechadas por
quatro a cinco portas de madeira com fechaduras de chaves, com vinte centímetros,
foram substituídas por portas largas, corrediças, de ferro móvel, à semelhança das
grandes Capitais.
O velho campo de futebol localizado em lugar bem afastado da cidade, nas
caieiras, onde apenas uns homens simples da cidade se divertiam, das 4 horas às 6 da
tarde, sem camisa e sem nenhuma técnica que jogavam pelo único prazer de suar muito
e dar boas “caneladas” nos adversários, foi substituído pelos campos de esporte, onde o
futebol é praticado modernamente, cujos quadros disputavam campeonatos, são
orientados por técnicos metropolitanos, evidenciando o município, dando publicidade e
destaque à cidade, outrora esquecida ou somente lembrada através das festas religiosas
de destaque.
A matriz já não possui patamar de metro e meio de altura. Foi rebaixado pelo atual
pároco. Ficou mais apresentável e ajudou, também, o acesso às piedosas velhinhas
freqüentadoras assíduas da igreja-matriz.
As próprias fazendas de criação de gado de Santa Quitéria se modificaram. No
local onde se levantava uma latada ou um simples galpão de forquilhas e telhas para
cobrir o carro-de-boi, construíram uma boa garagem para automóveis. A figura do
cavalo de sela, abanando a cauda, ao lado do alpendre da casa, com uma mochila de
milho se balançando a boca, ao meio dia ou ao pôr-do-sol, quase não se vê mais. Ali
não mais se agasalham os outros burros freteiros ou as tropas de jumentos carregados de
caixões de areias. É o caminhão “Chevrolet”, o “Ford” ou o FNM que se encarregam
agora desses transportes, levando tudo no seu dorso estúpido, (sem temor de pisaduras)
e transporta até os moradores e operários que se deslocam para a cidade. Os burros e os
jumentos descansam nos seus pastos sossegadamente, como verdadeiros aposentados.
Também pouco se vêem moleques mal vestidos, de chicote nas mãos, montados na
esteira, conduzindo o cavalo gordo e estradeiro do patrão de seu pai ao cercado, ou à
beira do rio próximo da cidade dando-lhe a lavagem costumeira, ao chegar de uma
viagem.
O pobre, que antigamente podia criar algumas cabrinhas ou uma vaquinha leiteira,
sem possuir terras, perdeu esse privilégio. Não pode mais criar nada. Só galinha, e olhe
lá!... Todas as terras foram cercadas de arame farpado. Cercaram os pastos, os açudes e
até os simples bebedouros.
Cercaram tudo, não só com o sentido de posse absoluta, como também tangidos
pela necessidade de economizar, prevenir e aproveitar o máximo de tudo quanto se
produz nos campos, nas fazendas e sítios.
Os leilões da padroeira quando rendiam perto de seis contos de réis (só me lembro
de um), acreditava-se na influência do poder de Santa Quitéria, que é grande. Hoje, em
parte alguma se fala em leilão com esse rendimento. Atingem atualmente a milhões de
cruzeiros. Um copo de cerveja arrematado no meu tempo, com admiração, por vinte
mil-réis, hoje chega a cinco, dez e até mais de doze mil cruzeiros; tudo depende do
entusiasmo e da condição econômica do arrematante. Um capão vivo ou uma galinha
assa vai, com certeza, para a casa dos vinte mil cruzeiros. Um garrote, um boi, nem
posso calcular. E até me disseram, que por lá, atualmente, são poucas as prendas desse
tipo, ofertadas aos padroeiros para os seus leilões.
Todas essas transformações, umas boas, outras prejudiciais, são fatos novos, de um
certo modo, na vida calma e pacata dos Municípios e das cidades de nosso interior.
A inflação criou dessas cousas. Enfim, à prosperidade e progresso, segue-se a
evolução dos tempos.
Interessante é que nos grada recordar certos acontecimentos, pessoas e lugares de
vinte anos atrás, vividos na terra em que estivemos a parte melhor de nossa existência.
NOTA:
1. Lembre-se o leitor que nos estamos referindo a fatos passados no ano de 1949, ano em que o cruzeiro não
tinha o mesmo valor de hoje (1979). Com a valorização do cruzeiro, na década passada, o que custava 12
ou 20 mil cruzeiros custaria, respectivamente, 12 ou 20 cruzeiros. Levando-se em conta a inflação, nos
tempos atuais (1979), tais valores seriam bem maiores.
Santa Quitéria é ainda um espelho aberto diante de minha alma de sacerdote,
vivendo hoje, muitas vezes, dos frutos daquilo por que passei no convívio amigo
daquele povo inteligente, bom, simples e acolhedor.
O que sou hoje, longe de Santa Quitéria, daquela gente, daquela igreja, onde
minhas mãos se ergueram, tantas vezes, para abençoar os meus primeiros paroquianos,
apesar da distância, fala ainda bem perto de mim. As próprias vozes dos sinos aqui,
semelhantes aos sons daqueles outros, arrancaram-me recordações do passado em
minhas paróquias de Santa Quitéria e Ipueiras, bem como, das capelinhas brancas e
simples espalhadas pelos sertões sofredores do meu Ceará estremecido.
Os bairros do Areirão, Alto do Caçote, Pavuna do Sr. Djalma, o caminho que liga a
cidade ao cemitério, as Avenidas da Praça da Matriz e do Alá, a Fazenda Flores, lá do
outro lado do Jacurutu o Aquiri do Catunda, a Pedra da Saudade, a Pedra do Urubu, o
Jacurutu, com as suas águas mansas, e às vezes, “brabas”, que fornece uma das
melhores águas do Ceará, são locais que recordam grande parte de minha vida, falando
bem alto ao meu espírito de sacerdote sentimental.
Sou sentimental por natureza e muito recordativo. Não me esqueço de nada.
Ardem dentro de mim as lembranças mais vivas e até pueris do meu paroquiato em
Santa Quitéria.
A alma do sacerdote também sente. Também reflete as cousas humanas. Estes
desabafos de recordações podem ser pedaços desta alma que viveu horas, dias, meses,
anos entre um povo sentindo-lhe os problemas e até vivendo-os. Reflito sobre o meu
passado, e vêm-me à lembrança tantos fatos vividos de minha atuação de sacerdote,
tantas imagens, que se levantam e me ajudam nessa fantasia legítima.
Propus-me escrever este trabalho simples, sem nenhuma pretensão, justamente
para falar desses fatos interessantes, pelo menos para mim. O coração do padre, como já
disse, é humano e tem que estar ligado a muitas cousas humanas de sua vida.
De sua primeira paróquia, incontestavelmente, ficam as melhores e maiores
recordações de sua vida. Daí a razão por que revejo tudo: os paroquianos, a matriz, a
casa paroquial, a minha casa de iniciante; a curiosidade que me acompanhava em ver a
curiosidade dos outros em torno de minha pessoa; o pensamento de que eu era Vigário
de uma paróquia, diretor espiritual de um grande rebanho, assumindo, diante de Deus e
da sociedade, a responsabilidade absoluta pela boa sorte dessa gente, um povo tão meu
quanto qualquer pessoa de minha família.
Quando me é dado sonhar, o cenário, quase sempre, é a cidade de Santa Quitéria.
Por quê? Os psicanalistas que expliquem... A verdade é que minha primeira professora,
minha primeira namorada e minha primeira paróquia vivem, até hoje, vivamente dentro
de mim.
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