pixeis que valem dinheiro - inicial — ufrgs · portáteis ainda trabalham com essa lógica hoje....
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Pixeis que valem dinheiroProf. Dr. Cristiano Max Pereira Pinheiro – Feevale / RS1
Prof. Ms. Marsal Ávila Alves Branco – Feevale / RS
ResumoDiversos fatores tencionam os processos de planejamento, criação e produção de conteúdo digital. Entre
eles, um dos mais importantes remete aos modelos de venda e distribuição de mídia digital: não apenas no
que diz respeito aos formatos adotados, mas também na relação delicada que os fenômenos da pirataria
industrial, a pirataria em rede e a facilidade de cópia (backups) adicionam ao cenário, chegando às vezes
a alterar definitivamente processos de produção consolidados há décadas, como por exemplo o da
indústria fonográfica. Através da Internet, o Brasil - que não possui distribuição oficial de diversas
produtoras de conteúdo -, permite a comercialização legal ou ilegal através de distribuição digital. Este
ensaio tem como objetivo investigar os modelos de negócios (históricos e atuais) propostos pelos
videogames para distribuição de conteúdo digital e apontar as tendências de hibridação com outras mídias
digitais.
Introdução
O objetivo deste artigo é iniciar um mapeamento dos modelos de negócios do
mercado de games desde o seu início até hoje. Este objetivo, que a principio pode
parecer um trabalho da Administração, justifica-se do ponto de vista da comunicação
por vários motivos. Um deles porque não é possível - e nem desejável -, separar a
produção de conteúdo dos games de seu sistema industrial. Elucidar as formas de venda
e distribuição dos games ao longo de sua história serve para mostrar como cada virada
mercadológica, processual e tecnológica alterou para sempre o conteúdo dos jogos
digitais, desde a forma como se articulam, seus processos de produção, as habilidades
que demandam dos jogadores bem como as estéticas que oferecem, ajudando a moldar o
que chamamos hoje cultura dos games.
Outro motivo, não menos importante, se dá em resposta ao que parece ser uma
falha do sistema de ensino de jogos digitais hoje. Tradicionalmente ligado ao estudo de
computação, os cursos de jogos digitais tendem a superfocar a atenção do estudante nas
questões das ciências da computação. Compreensível. Na prática, no entanto, isto
significa desconsiderar e mesmo ignorar partes do processo de produção de jogos que
são essenciais para o seu sucesso: seu planejamento e execução enquanto produto de 1 Texto apresentado na VI Congresso Nacional de História da Mídia (Niterói, 2008) no GT de Mídias Digitais.
entretenimento e de comunicação. Neste sentido, procuramos com esta sistematização
dos modelos de negócios pensar o game menos como código e mais como produto vivo
de mercado, que ocupa prateleiras, espaço em sites, que tem público-alvo, exigências
estéticas, narrativas, fruitivas, sistema de distribuição, pontos de venda, etc. Que é,
enfim, um objeto da comunicação tanto como um filme, uma série de tv, um programa
de rádio, um portal da web ou um blog2. Para os estudantes, é fundamental ter um olho
no gato e outro no peixe fritando. Jogos são produtos interdisciplinares que exigem a
articulação de comunicadores, artistas, designers, administradores e também
profissionais da computação gráfica. Um jogo onde toda a física está funcionando mas
sem uma narrativa ou estética interessante não interessará ninguém; de outra forma, um
jogo com uma bela história e cenários deslumbrantes não agradará se estiver cheio de
bugs. Podemos ter tudo isso, entretanto – belos cenários, uma história articulada e
nenhum bug -, e ainda assim o jogo não vender uma sequer cópia. Ou pior: sequer
chegar as prateleiras. Tudo porque não se pensa nele como um produto da comunicação:
que entretenha ao mesmo tempo em que encontra sua viabilidade comercial.
A criação de uma indústria
É atribuído a duas pessoas o começo da indústria de jogos digitais, a Steve
Russell e Nolan Bushnell. Ambos não foram os primeiros dos primeiros a produzirem
os produtos aos quais são vinculados. Foram, porém, aqueles a quem que de uma forma
ou outra o mercado agradeceu pelo avanço, a inovação e o modelo de negócios
idealizado.
Steve Russell idealizou e produziu em 1961, o jogo digital Space Wars. Com
auxilio de diversos colegas do MIT (Massachussets Institute Technology), foi possível -
utilizando-se de um computador da época (PDP-1) -, criar um programa que permitisse
ao usuário o controle de uma espaçonave no espaço. Russell não havia sido o primeiro a
criar um jogo digital, antes dele, em 1958, William H. já havia criado uma versão de
Tênis para ser jogado em um osciloscópio. Mas Russell foi o primeiro, conjuntamente
com seus colegas, a pensar em como ganhar dinheiro com a criação. No entanto,
naquele período os computadores e os componentes para montagem eram muito caros, e
chegaram a conclusão que não haveria como se estruturar um modelo de
comercialização.
2 É essa visão do objeto videogame que norteou a criação e condução do Curso de Tecnologia em Jogos Digitais da Feevale (Novo Hamburgo-RS), que abriu vagas em 2008/1.
Figura 1 - Tênis para Dois, William H. / 1958 Figura 2 - SpaceWars, Steve Russell / 1961
Nolan Bushnell é o criador, e fundador da empresa mais conhecida de jogos
digitais, a ATARI. Mas mesmo que isso remeta diretamente ao console de jogos digitais
que ligávamos na televisão, a primeira incursão nos negócios de mídia digital de
Bushnell foi a colocação na prática do que Russell não havia conseguido fazer em 1961.
Sua experiência na indústria do entretenimento era vasta, já havia trabalhando em um
parque de diversão, passando por jogos tradicionais como atirem nas latas, argolas,
assim como pelas máquinas de jogos mecânicos e as rotas de manutenção de jukeboxes.
A partir disso idealizou uma máquina que pudesse ter no seu interior um equipamento,
um computador de tamanho e potência suficiente para reproduzir um jogo, neste caso
sua inspiração veio de Space Wars de Russell.
Modelo Coin-Op
O Computer Space, nome dado a máquina do jogo Space War, vai introduzir a
mídia digital ao mercado dos parques e lanchonetes nos Estados Unidos em 1971.
Apesar da criação de um modelo de negócio que continua existindo, não foi naquele
momento que o mercado acolheu a idéia. O jogo havia ficado complexo demais em sua
interface, afastando os jogadores. Após o fracasso com este projeto, ele resolve fundar a
ATARI. Em 1973 é lançada a máquina PONG, que em seus primeiros dois anos vende
mais de 10.000 unidades e nos anos seguintes vai alcançar mais de centenas de
milhares.
Esse primeiro modelo de negócio, de fato, é uma adaptação da indústria do
entretenimento tradicional, as máquinas de jogos digitais que são chamadas de arcades
no inglês, são adaptações do que se costuma chamar de coin-op machine, ou seja,
máquinas operadas por moedas. Você introduz uma moeda e a máquina libera uma
unidade - seja do que ela controlar -, para o usuário. Esse é o modelo até hoje e o
controle através de créditos ou tempos utilizado nas Lan-houses representa um novo
estágio de sua evolução. Esse é um modelo de negócios híbrido que vai se consolidar
pela aproximação entre os produtos de entretenimento que são evidentemente para jogo
ou diversão. A sua forma de distribuição e manutenção é inteiramente a mesma dos
outros equipamentos desta área. Hoje os jogos digitais nesse modelo passam por uma
crise internacional. A diferença entre os arcades e os consoles para televisão era
bastante grande, dado ao avanço tecnológico e a diminuição desta lacuna em termos
técnicos, o modelo de negócios de máquinas de moeda tem se tornado deficitário.
Figura 3 - Máquina de Pong (1973)
Modelo Console Proprietário
A distribuição de mídia digital só iria alcançar um status de grande negócio se
pudesse consolidar um mercado maior, na busca por uma distribuição de massa.
Bushnell, dado o sucesso de Pong resolve produzir um equipamento para jogar seu jogo
em casa. Outro inventor, Ralph Baer, já havia patenteado o equipamento e inclusive o
modelo de jogo Pong (Tênis), mas como comentamos anteriormente, isso não será
relevante aos olhos do mercado, pois apesar de Baer ter inventado o equipamento, é
Bushnell que irá negociar com o mercado e introduzir o invento e a forma de consumo.
O equipamento da ATARI, o Home Pong é uma miniaturização dos arcades, um
modelo de reprodução do jogo Pong com menos potência gráfica, ligado ao televisor de
casa, apenas para rodar aquele modelo de jogo digital.
Neste modelo, a lucratividade estava voltada estritamente para venda do
equipamento. Outros tipos de equipamentos surgiram, e estes disponibilizavam mais
jogos usando chaves de seleção. Mas assim mesmo eram restritos aos jogos que vinham
em seu equipamento, ainda não havia como comprar mais jogos sem trocar o
equipamento. Esse é um modelo ainda existe atualmente, apesar de surgir em 1975, e ter
tido uma cadeia de evolução na indústria, tanto modelos fixos para televisão, quanto
portáteis ainda trabalham com essa lógica hoje. É o conhecido Tetris de camelô3.
Figura 4 - Home Pong, um só jogo. (1975) Figura 5 – Tetris de camelô (Brick Game).
Modelo de Mídia Digital Proprietária (Cartucho/Cassete/Disquete)
Em 1976 é lançando o console Fairchild Channel F, o primeiro equipamento de
jogos digitais a trabalhar com um conceito específico de mídia digital de distribuição
descolado do equipamento de reprodução. Os Videocarts como eram apelidados os
cartuchos eram vendidos separadamente do equipamento, possibilitando a mudança da
dinâmica de faturamento do equipamento para o conteúdo. A empresa pioneira que
ficará conhecida pela aplicação deste modelo é a ATARI. É a introdução deste formato -
a partir do seu console VCS 2600 -, que irá iniciar a Era de Ouro dos jogos digitais.
Quando Bushnell introduz o VCS 2600 no mercado, a ATARI já possuía
inúmeros títulos de sucesso do mercado de arcades. O sucesso de modelo dos cartuchos
está interligado a popularidade do título no mercado de arcades. Essa vai ser uma
constante para a indústria, assim como para o imaginário do jogador durante toda
década de 80. Os consoles não possuíam o mesmo potencial dos equipamentos de
arcade e os consumidores tinham fascínio pelas qualidades, principalmente, gráficas
destes equipamentos.
Dentro desse tipo de modelo, ainda vai existir uma variação na forma de
produção. A partir do sucesso dos cartuchos, o mercado percebe que o valor do
equipamento pode ser reduzido para se obter lucro na venda do conteúdo. Isso por vez,
valoriza o conteúdo e os projetistas de jogos, em sua maioria engenheiros e informatas,
começam a perceber o valor de suas criações. Um título produzido pode vender milhões
3 Portáteis vendidos nos camelôs com apenas um jogo, extremamente baratos. Ou quando publicam ter mais jogos é apenas uma variação do mesmo modelo.
de cópias, mas mesmo sendo uma propriedade intelectual, o projetista não recebia nada
além de seu salário. Essa reflexão irá gerar o rompimento em alguns departamentos de
criação de jogos de empresas, como na ATARI, e incitar a criação de empresas
exclusivamente para produção de jogos para consoles.
Essa divisão gera na indústria as Third parties ou Terceirizadas, são empresas
que se dedicam à produção de jogos, e com o amadurecimento do mercado acabam
criando postos especializados (produtoras, desenvolvedoras e publicadoras). Uma briga
judicial no início da década de 80 garante a forma de produção terceirizada para estas
empresas, pois os proprietários de consoles não queria perder nem mercado, nem o
controle do conteúdo. Para conter e estabelecer regras é criado a forma de
licenciamento, um jogo para ser publicado para um console precisa da licença deste.
Figura 6 – Fairchild Channel F (1976) Figura 7 – Atari VCS 2600 (1977)
Modelo de Mídia Digital Convergente (CD/DVD)
O licenciamento de títulos é parte até hoje do modelo de negócio da indústria,
cada empresa com sua forma, mais fácil ou mais difícil, de licenciar. Porém os
cartuchos - devido ao seu custo de reprodutibilidade e falta de padronagem entre outros
modelos de mídia digital - acabaram sendo substituídos. No primeiro momento a mídia
de substituição é o CD, o mesmo que estava sendo utilizado para áudio, afinal a
informação independe do suporte, apenas está ligada a forma de resgate do equipamento
de leitura. O modelo em disco digital irá permitir uma ampliação da quantidade de
informação, fazendo com que áudio, vídeo e os gráficos dos jogos sejam melhorados de
forma surpreendente. A portabilidade deste modelo na indústria de jogos digitais vai
possibilitar pela primeira vez a equiparação entre jogos feitos para computadores com
os jogos feitos para consoles.
A facilidade de reprodução deste tipo de mídia irá produzir diversos efeitos,
dentre os quais: novas formas de distribuição física e digital4. Jogos poderão ser
distribuídos completos ou apenas demonstrações encartadas em revistas especializadas,
isso permite que novos títulos sejam produzidos visando públicos específicos. Com a
popularização da Internet e o aumento de velocidade se tornou possível, baixar cópias
dos jogos e gravá-las em casa, isso é o estopim para a expansão desenfreada da
pirataria. Pirataria que, por outro lado, pode também ser encarada como um agente
deflagrador da massificação da cultura dos jogos digitais na sociedade.
A mudança para DVD foi um passo natural na evolução da tecnologia e da
convergência entre os modelos de mídia digital. Os jogos digitais estão enfim alinhados
e compatíveis com os equipamentos de específicos de áudio e vídeo, sendo assim abre-
se uma gama maior de possibilidades de formato, interação e linguagem entre esses
produtos. Atualmente o formato mais popular de distribuição de mídia digital ainda é o
DVD, porém a Sony com o Playstion 3 investe na popularização de uma formato novo,
o Blue-ray. De fato, estamos em um momento de transformação no mercado de mídia
digital, a busca pelo aumento de resolução em vídeo, e isso exige um suporte com
capacidade maior de armazenamento de informação. Isso afetará os jogos digitais. Mas
o modelo de negócio ainda continuará com as mesmas características de antes, desde
que os consoles permaneçam com sua natureza.
Figura 8 - Xbox 360, Playstation 3 e Wii (Leitura de CD, DVD, HD-DVD e Blue-ray)
4 Sem falar as possibilidades que a maior capacidade de armazenamento trás para os desenvolvedores, que podem agora colocar mais informação dentro do jogo, o que se traduz em uma complexidade narrativa muito maior e experimentações estéticas até então impossíveis para o suporte cartucho.
Modelos em Rede
Jogos on-line via Internet
A expressão on-line esconde uma imensa variedade de diferentes tipos de jogos.
Esses tipos, dos quais já falamos em outro artigo5, são categorizados pela indústria a
partir de critérios pouco claros, misturando de forma confusa diferenças de linguagem,
de narrativa, estratégias comunicativas e de público-alvo6. O problema da
categorização7 amplia-se ainda mais quando falamos de jogos on-line, porque
encontramos na internet outro fator que influencia e demarca a categorização dos
games: o modelo de negócios.
Quais são eles?
É possível que o tipo de jogo mais evidente na internet sejam os casuais8. Jogos
que não exigem do gamer muito tempo de aprendizado e nem dedicação intensa. A rede
está lotada deste tipo de jogos. Na maior parte das vezes, são encontrados em sites que
oferecem uma grande variedade de jogos digitais, que são jogados sem que se precise
fazer download. Nestes casos, o site fatura no volume de visitas que recebe diariamente,
convertendo este volume em renda de propaganda. Se o site está hospedado em um
portal de conteúdo, o próprio provedor se encarrega da venda do espaço publicitário,
ficando a cargo do site apenas a atualização desses espaços. De outra forma, se o
domínio é próprio, é o site que se encarrega da venda desses espaços. De maneira geral,
trata-se de jogos de produção barata e, muitas vezes, caseira. A receita é gerada a partir
da publicação do site e não da produção/venda do jogo9. Isso não quer dizer que os
jogos ofertados não gerem nunca receitas ou benefícios para seus desenvolvedores.
Muitos jogos são pagos pelos sites para terem direito de ofertá-los, outras vezes o
pagamento está vinculado a efetivação de um jogo por um usuário do site, ou seja, a
desenvolvedora ganha apenas quando o jogo é jogado ou quando feito o download.
Outras vezes, a desenvolvedora “cede” o direito de uso do jogo por motivos 5 Uma tipologia de jogos.6 Pegue como exemplo Fatal Frame e Final Fantasy: o primeiro é um jogo de terror, portanto classificado a partir de sua filiação narrativa. O segundo é um rpg, que apesar dos monstros, fantasmas e assemelhados, tem sua nomenclatura definida pelo modo de gerência dos personagens dentro do jogo.7 Problema que parece ser apenas da ciência, e não compartilhada pelo mercado.8 Por casuais entendemos uma grande quantidade de jogos: plataforma, puzzles, simuladores e outros. O que os une não são seus aspectos narrativos ou de linguagem, mas o fato de que são jogos de “consumo rápido”, que se podem jogar sem dedicação, sem grande tempo de aprendizado e, principalmente, em pouco tempo.9 É preciso lever em conta dois fatores aqui: o primeiro é o nível intenso de pirataria encontrado na rede. Muitos sites copiam ilegalmente os jogos que oferecem. A segunda é que uma quantidade significativa destes jogos é ofertada sem custos por se tratarem de produções caseiras.
estratégicos: porque é uma maneira de visibilizar-se; de ter um bom feedback de seu
jogo; de criar pontos de contato com seu público; de vender seu produto, oferecendo de
graça apenas a demo jogável, etc.
Percebe-se na maior parte das variantes desse modelo a importância da
publisher, neste caso a mantenedora do site. É ela que idealiza, seleciona e formata a
oferta de jogos, regulando as estratégias de mercado em função de seus interesses. Pelo
lado das desenvolvedoras que fornecem os jogos, a realidade pode se mostrar bastante
dura, uma vez que seu jogo vai disputar espaço “de prateleira” com jogos de sistema de
produção caseiro, mais barato ou de custo zero. Normalmente, isso obriga as
desenvolvedoras a manterem uma grande cartela de jogos para que possam ter lucros.
Figura 9 - Site Minijuegos.com, oferta de jogos on-line gratuitos e anunciantes comerciais.
Outro grande modelo de negócios de jogos que encontramos na rede são o
mercado de MMOs. Ainda que dividam espaço na rede, o mercado de MMOs é
completamente diferente do mercado de casuais. As diferenças começam pelo sistema
de produção – muito mais caro -, os custos permanentes de manutenção e atualização de
hardware e software, a complexidade logística, até o perfil dos seus jogadores. Quanto
ao modelo de negócios, os massive multiplayer podem ser divididos em dois tipos
principais: os que cobram ou não pela assinatura/mensalidade dos jogadores. O
faturamento dos primeiros, obviamente, está atrelado a quantidade de jogadores
pagantes. World of Warcraft é o maior exemplo, com centenas de milhares de
jogadores10. No Brasil, a Level-Up é a maior publisher de mmos, tendo em sua cartela
de produtos jogos como Ragnarok, Guild Wars, Lineage e outros. A cobrança da
assinatura pode acontecer de diferentes formas: o pagamento de mensalidade, como em
WoW ou o pagamento através de cartões que funcionam como os cartões telefônicos
pré-pagos, como é o caso de Ragnarok. O usuário compra um cartão que lhe dá acesso a
tantas horas de jogo. Este cartão é vendido on-line, pelo site da publisher, e também em
uma rede de lojas conveniadas espalhadas pelo Brasil. Em contrapartida, a publisher
fornece a infra estrutura necessária à manutenção do jogo, atualizando quests, mundos,
personagens, fornecendo informações, servindo de interface entre as diversas
comunidades, respondendo e solucionando eventuais problemas técnicos, tais como
velocidade de banda, gerenciamento das horas de pico, bugs no sistema, normatizando e
regrando as relações e os atos performatizados pelos jogadores dentro de seu universo.
Este último aspecto tem uma importância fundamental, porque cabe à publisher
gerenciar o sistema de jogo, estabelecendo políticas específicas que previnem o “mau
uso” do sistema pelos jogadores. Evitando via sistema as trapaças e o uso em desvio das
regras, prejudicando outros players, tais como gold miners, cheeters11 e outros.
Alguns mmos, como Guild Wars12 não cobram pela assinatura, mas pela venda
do jogo, que pode ser comprado on-line e também em lojas de informática e games.
Uma vez que o usuário compra o jogo e o instala, tem direito de jogar o quanto quiser
no servidor oficial, sem custos adicionais. Uma estratégia interessante, entretanto, é a
constante oferta de novos pacotes do jogo, cada um incorporando ao mundo original
novos territórios ou quests. Similares são os packs de classes de personagens, que
habilitam o jogador a criar e desenvolver novos tipos de personagens dentro do mundo
onde já atua. Dessa forma, o jogador que já pagou pelo seu jogo original acaba sendo
instigado a comprar novos pacotes que acrescentam características e potencialidades
que o primeiro pacote de jogo não possuía.
Os mmos possuem algumas características mercadológicas que atravessam esses
dois grandes modelos de negócios e que serão encontradas tanto em um quanto em
10 No Brasil, WoW não tem servidores oficiais, apenas versões clandestinas.11 Gold miners são os jogadores que dedicam muitas horas de seu tempo conseguindo objetos e itens dentro do jogo para depois revendê-los fora do sistema para outros jogadores, com dinheiro real. Sheeters são os jogadores que burlam as regras do sistema, através da inserção de códigos específicos que lhe permitem ações e acesso que a outros jogadores estão vetados.12 Guild Wars é outro produto oferecido pela Level Up Games, mesma publisher de Ragnarok.
outro tipo. Citaremos aqui apenas um deles, pois o outro, o uso de advertising, será
tratado em outro tópico. Trata-se do gerenciamento de publicações externas aos jogos.
As publicações externas aos jogos são normalmente revistas on-line dedicadas
ao jogo em questão. São oferecidas pelas publishers e concentram todas as informações
sobre ele, além de serem o caminho natural de acesso on-line ao jogo. Funcionam como
grandes portais de conteúdo dedicado. Quando o jogador acessa o site para poder jogar,
é ofertado com as notícias atualizadas do que acontece dentro do mundo onde joga. Ali
fica sabendo que será lançado mais um pacote de expansão; que uma nova quest
estreiará no final do mês; que ocorrerá uma guerra entre clãs no próximo dia 17; que um
jogador foi premiado com uma viagem ao exterior; que determinada classe de
personagens vai ganhar novas funcionalidades, etc.
Figura 10 – Cena de WOW (World of Warcraft) Figura 11 – Cena de Ragnarok a estimativa é de mais de 10 milhões de jogadores no mundo. mais de 25 milhões de jogadores no mundo
Rede proprietária (Consoles)
Os consoles e os computadores possuem suas diferenças na produção e até na
escolha dos jogadores por determinados padrões de jogos. Mas uma das maiores
diferenças vem sendo a prioridade dos consoles nas últimas gerações. A capacidade de
conexão em rede altera nos consoles não apenas o jogo, mas principalmente o modelo
de negócio. Com a ampliação da pirataria as empresas de jogos precisam criar uma
forma de venda que minimize as possibilidades de trapaça. Todos os consoles atuais
possuem redes proprietárias: espaços proprietários rodando via Internet, mas com
acesso exclusivo apenas aos proprietários de seus consoles.
Essas redes permitem que se jogue on-line, se converse, experimente,
demonstre-se jogos, comprem-se jogos, seriados, filmes e programas de televisão,
atualizem-se os softwares, equipamentos, entre outras possibilidades que uma rede pode
oferecer tanto ao jogador quanto aos criadores. Jogar games piratas nos consoles atuais
só é conseguido com a modificação do equipamento, porém aqueles que modificam seu
equipamento são facilmente detectados pela rede proprietária e perdem o direito de
acessá-la. Isso faz com que o consumidor pense antes de tomar a decisão de permitir
que seu equipamento rode jogos piratas, essa é uma das conseqüências da introdução
das redes nos consoles de jogos digitais.
Por outro lado, as redes proprietárias servem como importante interface entre os
produtores (tanto de hardware como de software) com seu público. Isso lhes dá
inúmeras vantagens, como o barateamento da logística e da produção, a possibilidade
do mapeamento das preferências do público, seu perfil e seus dados de maneira geral,
possibilitando-lhes acesso a importantes dados que pesam em seus planejamentos
estratégicos. Do lado do consumidor, além da garantia de uma rede segura, ganha o
acesso a um grande depositório de jogos antigos que fazem ou fizeram parte da cartela
de jogos de uma produtora, além do acesso à demos e informações dos novos jogos e
produções que estão acontecendo no momento. Não menos importante, o público que
freqüenta estas redes acabam ganhando ali espaço de trocas e socializações, o que ajuda
a trabalhar a imagem da empresa e a fidelização da marca.
Figura 12 – Redes proprietárias com diversos recursos (Xbox Live e Playstation Store)
Tendências de Novos Modelos
Modelo de Jogos em Episódios
Os jogos digitais como mídia são ricamente diferenciados, sua tipologia é
complexa e não param de se reinventar. Seja na narrativa, em sua interface ou a sua
tecnologia. As mudanças nos modelos de negócio influenciaram na sua aproximação
com outros tipos de mídia, principalmente com a cinematográfica e a televisiva. Os
jogos digitais têm semelhança na forma de apresentação com o cinema, uso em comum
de estratégias discursivas, tais como enquadramentos, gêneros narrativos,
movimentação de câmera, etc. Afora isso, existe a constante publicação de títulos de
franquias dos games no cinema e vice-versa. Mas algumas variáveis estão levando os
jogos a um novo simulacro de modelo televisivo. A rede, a pirataria e o custo de
produção, fizeram algumas produtoras repensarem em formatos de distribuição de baixo
custo para ambos os lados e que cativassem o jogador.
Os jogos por episódios são exatamente como seriados televisivos, com
temporadas e números específicos de episódios. A produtora TellTaleGames produz
duas séries dessa nova tendência: Sam&Max para computadores, é a história de um cão
e um coelho detetive, já sucesso de jogos da década de 80, agora em três dimensões. A
série está com a primeira temporada completa (5 episódios) e inicia a segunda. Você
compra o jogo principal (o primeiro episódio) e depois baixa (por algo em torno de 10
dólares cada) os episódios seguintes. A outra é Strong Bad's Cool Game for Attractive
People desta vez para consoles, essa “série” deve estrear em julho deste ano.
Diversos outros jogos, tais como Alone in the Dark e Grand Theft Auto 4 estão
buscando esse modelo, parece ser uma forma de diminuição de custos para a produtora,
um preço mais acessível de produto para o consumidor final e uma forma de torna-lo
fiel a uma franquia.
Figura 13 – Midtown Cowboys - Episódio 2 da 1ª Temporada do Jogo Sam&Max.
Modelo Homebrew (conteúdo caseiro)
Seguindo o que parece ser uma tendência geral das comunicações via rede, as
produtoras de jogos e fabricantes de hardware estão cada vez mais conscientes da
quantidade de conteúdo de jogos que tem sua produção feita em casa. Normalmente
toscos, estes jogos tem no entanto tem um alto poder de disseminação pelas redes
informáticas e sociais existentes. Alguns destes, que são feitos como brincadeira em
casa, acabam virando fenômenos de comunicação mundiais, se espalhando à maneira de
vírus. A constante presença deste tipo de fenômeno leva os grandes players da indústria
a oferecerem serviços, softwares e jogos cujo principal poder de atração é a
possibilidade do usuário/gamer produzir um jogo próprio, ou modificar com maior ou
menor liberdade o conteúdo dos jogos oferecidos. Duas idéias parecem ser as principais,
quando filtradas no discurso dos fabricantes: a) criatividade: diferentemente de soltar
um jogo pronto para comercialização, lança-se algo menos formatado, que pôe a prova
o trabalho de milhares de usuários que querem acrescentar suas idéias e visões de jogo
ao que foi oferecido, poupando tempo e dinheiro de pesquisa para a empresa; b) o uso
desses jogos na formação de redes sociais vinculadas ao nome da empresa e que servem
como pontos privilegiados de feedback dos consumidores. Assim, cada vez mais as
redes proprietárias se preocupam em criar e melhorar espaços de troca de conteúdo
entre os membros, fortalecendo os laços entre si e a empresa.
Figura 14 – Street Chaves e Super Magro World, dois jogos toscos (caseiros) de sucesso na rede.
Modelo de Brinquedos (Hardware)
Um modo antigo, um dos primeiros, de comercialização da área, a venda de
hardware continua tendo como ponta privilegiada a venda de consoles. No entanto, o
refinamento destes aparelhos e dos sistemas de produção ligados à indústria permite
uma diversificação nunca vista nos tipos de equipamentos que circulam na cultura dos
games.
Os primeiros, mais evidentes, são os acessórios. Guitarras, armas, bestas,
tapetes, bicicletas, direções, joysticks diferenciados, monitores especiais, teclados
dedicados, remotos, head-sets, câmeras, etc. Cada fabricante e muitas softwarehouses
possuem um sem número de empresas licenciadas que podem fabricar equipamentos
específicos para um jogo ou personagem. Uma espada de Warcraft, um arco de Zelda,
uma chuteira de Beckinghan, etc.
Outro aspecto interessante é o uso dos próprios consoles de maneira
diferenciada: podem ser usados como players de cd, DVD, blue-ray; como tocadores de
MP3 e diversos outros formatos de vídeo. Podem servir como conexão de internet,
como sistema de armazenamento, compra e captura de conteúdo de vídeo e cinema.
Recentemente, a Sony firmou contrato com a maior empresa de TVs digitais da Coréia
do Sul, habilitando o PS3 (seu último console) a funcionar como setup-box. Da mesma
forma, no Reino Unido, onde a quantidade de usuários de TV digital chega a dois
milhões, o usuário pode comprar um Xbox 360 e dispensar o set-up box, obtendo por
um preço apenas o set-up e uma estação de entretenimento digital.
Figura 15 – Jogo Guitar Hero, controle especial para obter a sensação de tocar.
Considerações
Os exemplos de modelos de negócios apresentados aqui estão colocados em
grandes categorias gerais e portanto escondem uma quantidade expressiva de diferentes
tipos de manifestações dentro de cada uma.
O objetivo deste artigo é menos aprofundá-las, mas tentar uma sistematização
simples que pode ajudar a encaminhar novos e mais interessantes desdobramentos,
trazendo casos específicos para serem aprofundados a partir de diversos pontos de
partidas diferentes. Um dos mais interessantes é, sem dúvida, o que seria o passo
posterior: definir como, de fato, as diferenças entre estes modelos afetam e foram
afetados pelos conteúdos dos jogos. Como sua narrativa se altera quando o gamer tem,
por exemplo, a possibilidade de simular o movimento feito pelo personagem, estando o
sucesso de sua ação atrelada à sua performance física real; o que acontece quando um
jogador acessa um jogo em real time e sabe que o fato de ter de ir ao banheiro durante o
jogo pode afetar drasticamente os acontecimentos no mundo em que participa; o que
acontece nas narrativas quando o conteúdo do game vai chegar no usuário pelo celular,
provavelmente quando este estiver trabalhando?; o que acontece na narrativa quando o
gamer vai a um lugar específico do jogo porque sabe que lá vai acontecer uma
filmagem real que vai se transformar em um filme real de festival?; que tipo de
histórias serão contadas quando o videogame pode perceber onde o jogador está na sala
ou que movimentos faz?
Como dissemos no início, estamos preocupados em reunir um material que
facilite a visualização do universo dos jogos digitais enquanto expressão das mais
importantes da indústria do entretenimento, permitindo aos estudantes mapear
diferentes potencialidades, habilidades e conhecimentos que a prática de cada um desses
modelos exige. Nesse sentido, este texto representa o início de uma busca mais
ambiciosa, quando esses modos de produção, comercialização e distribuição encontram
as narrativas e ambições estéticas que fazem o discurso dos games. O encontro destas
diferentes dimensões extrapola o design, a arte e a computação, mas é sobretudo, o
campo conturbado, dinâmico e – frequentemente – caótico da comunicação.
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