piauí, w. s. leibniz e darwin historia, religião e biologia
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7/26/2019 Piau, W. S. Leibniz e Darwin Historia, Religio e Biologia
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LEIBNIZ E DARWIN: HISTRIA, RELIGIO E BIOLOGIA
William de Siqueira PiauDoutor em Filosofia
Professor adjunto da Universidade Federal de Sergipe (DFLUFS)
RESUMO: Gostaramos de contextualizar parte do que o filsofo alemo Leibniz disseem uma carta ao telogo Des Bosses quanto possibilidade de existir uma seriescontinuados seres vivos; contextualizao que acreditamos fornecer os dados histricosou o imaginrio da poca, ambos de alguma relevncia para o embate entre criacionistase darwinistas, ao menos para os mais ingnuos. Como esperamos deixar claro, muito doque se pensava e encontrava em Histria Natural assumia feies injustificveiscientificamente, justamente por sua dependncia de determinadas interpretaes dacosmologia ou cosmogonia de Moiss; pensamento que esteve grandemente motivado
por aquilo que chamaremos de elementos perniciosos da f religiosa, os quais podemser associados ao dogmatismo e intolerncia; elementos que estariam baseados, todoseles, na presuno do sentido ltimo das Escrituras ou em determinado literalismo
bblico agressivo e, por isso mesmo, na superposio de determinado povo, religio,revelao ou mito.
PALAVRAS-CHAVE: Leibniz. Darwin. Aristteles. Histria. Religio. Biologia.
ABSTRACT: We would like to contextualize part of what Leibniz affirms in a letter to DesBosses regarding if there is a continua seriesof living beings; context we believe provide thehistorical informations or the imaginary of some relevance to the dispute between creationistsand darwinists, at least for those who are the most naive. As we intend to make it clear, much ofwhat was thought and found in Natural Historyassumed scientifically unjustifiable features,precisely because of its dependence on certain interpretations of Moses cosmology orcosmogony; thought that was largely motivated by what we will denominate perniciouselements of religious faith, which can be associated to the dogmatism and the intolerance;elements that would be based, all of them, on the assumption of the ultimate meaning of theHoly Bible or in a particular aggressive biblical literalism and, therefore, in a superposition of aparticular people, religion, revelation or myth.
KEYWORDS: Leibniz. Darwin. Aristotle. History. Religion. Biology.
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Introduo1:
Desde que o etlogo e bilogo evolutivo britnico Richard Dawkins (1941-)
reacendeu o embate entre darwinistas e criacionistas, muito foi escrito de ambos os
lados, infelizmente nem sempre com a ateno devida a importantes diferenas entre
fico, mito, religio, teologia, poltica, epistemologia, histria, histria natural e
gentica. De todo modo, ao menos uma coisa parece necessria diante desse acirrado
embate que est longe de acabar: alguns critrios de diferenciao entre cincia e
pseudocincia devem assumir a primeira posio nos debates. Do nosso ponto de vista,
pode ser que a histria das ideias que influenciaram a cincia auxilie a pensar melhor a
interferncia, para ns perniciosa, de elementos de determinada f religiosa no discurso
cientfico. Eis a utilidade e pretenso ltima da nossa fala de hoje.
Nesse sentido, de sada, gostaramos de dizer o seguinte: evidente para ns
que, sem recusar sua importncia para ou sua influncia na histria, inclusive de suas
interpretaes, o Gnesisno deve ser considerado um livro de cincias e isso nada tem
a ver com as informaes que ele fornece, pois, de fato, ele pode ocasionalmente
afirmar algo que corresponda ao que a cincia mais recente estabeleceu ou descobriu,
mas tem a ver com o modo como aquelas informaes foram encontradas e com o
comportamento esperado diante de seu carter indiscutvel de verdade. Para dizer
pouco, gostaramos de comear perguntando: o que seria da investigao da natureza e
mesmo de seu ensino se, a partir do que foi supostamente revelado a Moiss, j
estivssemos de posse da verdade ltima? Do mesmo modo, o que seria do embate entre
cientistas e da dinmica das academias se no houvesse diferena entre propor uma
hiptese e receber misteriosamente a verdade ltima? E, para mudar um pouco o
ambiente da pergunta: qual interpretao do que foi revelado a Moiss de fato a
verdade ltima? Qual literalismo bblico? O que fazer com as diferentes religies, maisou menos tolerantes, que tambm tm contedo recebido misteriosamente?
Estamos sempre beira do dogmatismo, da intolerncia, da superposio de
determinado povo, religio, revelao ou mito e, por isso, da guerra! Quem sabe alguns
dos mais fortes motivos para nos precipitarmos nas muitas formas de radicalismo e
fundamentalismo seja justamente nossa paixo pela pseudocincia e, arriscamos dizer,
1
Com poucas alteraes, essa foi a palestra que apresentamos na III Semana Cientfica de CinciasBiolgicas em Itabaiana, III Sebita UFS, em julho de 2014 e na VIII Jornada Tomista de Pernambuco,UFPE, em agosto de 2013.
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nosso pouco conhecimento de histria, especialmente de histria das ideias que, neste
caso, influenciaram a cincia. Queremos manifestar aqui, em sentido largo, claro, e
com conscincia dos muitos esclarecimentos que a defesa de tal posio pode exigir,
que estamos comprometidos com um comportamento de tipo lakatiano como antdoto
para tal paixo e pouco conhecimento2.
Alguns dos motivos que nos levaram a falar mais uma vez sobre tal assunto
podem ser ditos do seguinte modo: gostaramos de contextualizar, enfatizando certa
ultrapassagemda a associao com Darwin, parte do que o filsofo alemo Leibniz
disse em uma carta ao telogo Des Bosses justamente quanto possibilidade de existir a
series continua dos seres vivos; contextualizao que acreditamos fornecer dados
histricos e o imaginrio da poca, ambos de alguma relevncia para o embate entre
criacionistas e darwinistas, ao menos para os mais ingnuos. Como esperamos deixar
claro, muito do que se pensava e encontrava em Histria Natural assumia feies
injustificveis cientificamente, justamente por sua dependncia de determinadas
interpretaes da cosmologia ou cosmogonia de Moiss; pensamento que esteve
grandemente motivado por aquilo que chamaremos de elementos perniciosos da f
religiosa, os quais podem ser associados ao dogmatismo e intolerncia e que estariam
baseados, todos eles, na presuno do sentido ltimo das escrituras ou de determinado
literalismo bblico agressivo e, por isso mesmo, na superposio de determinado povo,
religio, revelao ou mito.
Para ns, a associao do discurso cientfico a tais superposies, presunes e
interpretaes, apesar de elas realmente terem ocorrido na histria, deve ser considerada
afirmao de elementos pseudocientficos de motivao poltico-religiosa e de nenhum
modo deveriam interferir na direo, mesmo que temporria, para onde podem apontar
as hipteses cientificamente formuladas e suas corroboraes; se que, evidentemente,
o que se est praticando pretende ser considerado de confiana cientfica, ou seja, nomgica, no mitolgica, no teolgica, nem de revelao, nem espiritual etc. O contrrio
, em geral, o fundamentalismo religioso, a guerra!
Da mesma maneira, a crena exagerada em uma hiptese cientfica, a
superposio de uma determinada teoria ou a presuno de que ela teria alcanado j a
verdadeira e ltima natureza, a realidade ou o mundo real, pode nos precipitar no
mesmo tipo de dogmatismo e intolerncia mencionados e foi isso que nos obrigou, neste
2Sobre o que entendemos ser a opo lakatiana, conferir nosso texto O falsacionismo popperiano: umaintroduo, inMENNA, Srgio Hugo (org.). Conhecimento e linguagem. Porto Alegre: Redes, 2013.
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caso especfico, a discutir o que a gentica nascente pensava com relao teoria de
Darwin; ou seja, para equilibrar a balana, nos sentimos obrigados a falar um pouco do
modo como esse ingls foi lido pelo programa de investigao da gentica nascente;
expresso de nosso comprometimento com o ponto de vista de Lakatos ou Popper.
Primeira Parte: Razo e Continuidade
Segundo o historiador da matemtica Howard Eves (2004, p. 660) A palavra
funo em sua forma latina equivalente3 parece ter sido introduzida por Leibniz em
1694; todavia, como em muitos livros de Histria da Matemtica, Eves no chega a dar
detalhes de onde, do porqu, sob quais circunstncia se deu ou quais as consequncias
(especialmente as filosficas) de tal introduo. Comecemos, pois, tentando responder
algumas dessas perguntas.
Efetivamente, Leibniz utiliza o termo latino functionj em um texto de agosto
ou setembro de 1673, portanto, vinte e um anos antes do que afirmava Eves4.O ttulo do
texto era De methodi quadraturarum usu in seriebus, isto , Sobre o mtodo das
quadraturas que se usa quando se trata de sries. Para o que nos interessa, parte do
texto era a seguinte:
De fato, se uma determinada srie pede outra srie da qual aextremidade [se estabelece] pelas diferenas, as quais assumemos termos da srie dada, ento devemos procurar a figura na quala linha em que os termos representantes da srie dada faam afuno (functionem) de suas partes a partir das aproximadas,como eu disse; e a partir da aplicao (applicatis) desta figuraretangular com sua abscissa dividida pela metade teremos osextremos, com relao aos quais as diferenas sero os extremosda srie dada. (LEIBNIZ, 2003 [MS, III tomo, stima srie], p.252, grifo nosso).5
Trata-se da tentativa de oferecer um ou mais mtodos para resolver problemas
de clculo (problema calculi) ou daquilo que naquela poca Leibniz chamava de
3Ou seja, o substantivo feminino de 3 declinaofunctio,functionis.4Pode acontecer que uma investigao mais cuidadosa da publicao das obras completas de Leibniz faarecuar ainda mais essa data, mas foi o que conseguimos apurar at o momento.5Nam si data serie quadam, alia quaeritur series, cuius termini pro diferentiis habeant terminos serieidatae; tunc quaerenda est figura in qua lineae terminos seriei datae repraesentantes faciant functionem
portionum ex applicatis, quam dixi; et rectangula sub applicatis huius figurae in suam abscissam ductis
dimidiata; erunt termini, quorum diferentiae erunt termini seriei datae. Nesse ano, talvez no mesmo ms
de setembro, Leibniz tambm publica o Methodis tangentium inversa seu de functionibus; a afirmaofeita acima mais o presente ttulo parecem ser as mais antigas aparies da palavra latina functio nostextos do alemo.
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aritmtica universal (Arithmetica universalis) e que se associavam compreenso das
sries. Certamente foi graas ao desenvolvimento de parte desse mtodo que ele
estabeleceu o resultado da srie que foi motivo da disputa entre os matemticos Guido
Grandi e Alessandro Marcheti; srie da qual ele trata em sua carta ao matemtico
francs Pierre Dangicourt no ano de sua morte, isto , em 14 de novembro de 17166.
Tambm verdadee o que diremos a seguir pode nos ajudar a compreender
algumas das consequncias filosficas da criao do conceito de funo que no
mesmo ano em que publica seu revolucionrio artigo sobre aquilo que daria origem ao
clculo diferencial e integral, oSobre uma geometria altamente oculta ou anlise dos
indivisveis e infinitos, ou seja, no ano de 1686, Leibniz delineia o significado mais
amplo do conceito de funo, a saber:
[...] nada acontece no mundo que seja irregular (irrgulier), masnem sequer tal se poderia forjar. Suponhamos, por exemplo, quealgum lance ao acaso muitos pontos sobre o papel [...]. Digoque possvel encontrar uma linha geomtrica cuja noo sejauniforme e constante segundo uma certa regra (une ligne
gomtrique dont la notion soit constante et uniforme suivant
une certaine rgle), de maneira a passar esta linha por todosestes pontos e na mesma ordem em que a mo os marcou. E sealgum traar, duma s vez, uma linha ora reta, ora circular, orade qualquer outra natureza, possvel encontrar noo, regra ou
equao comum a todos os pontos desta linha (notion, ou rgle,ou quation commune tous les points de cette ligne), merc daqual essas mesmas mudanas (ces mmes changements) devemacontecer. [...] Assim, pode-se dizer que, de qualquer maneiraque Deus criasse o mundo, este teria sido sempre regular(rgulier) e dentro duma certa ordem (ordre) geral.
Trata-se de parte do 6 de seu Discurso de metafsica. Comeando pelo fim da
afirmao, do ponto de vista de Leibniz, no mundo criado por Deus no poderia haver
emaranhado catico, tendo em vista que tudo deveria ser sempre regular e estar
dentro duma certa ordem geral, ou seja, em tal mundo tambm no poderia haver
caos inextrincvel7, outra expresso latina que fazia lembrar, para dizer pouco, a
6 O embate entre os italianos Alessandro Marchetti (1633-1714) e Luigi Guido Grandi (1671-1742)tambm se referia mistura da matemtica com elementos de certa forma cosmognicos, a principaloposio entre ambos se referia impossibilidade que do nada possa surgir algo, associada ao fato que asrie mencionada, que levou o nome de Grandi, parece fazer surgir unidades ou mesmo o infinito a partirde determinadas fraes que, quando tomadas em determinadas partes, ora totalizam algo, ora totalizamnada. Na carta mencionada asrie 1-1+1-1..., de extremos 1 e 0, portanto, aceitando aquele mtodo, a
funo (1+m)/2, cf. LEIBNIZ, 2012 [Carta de Leibniz ao matemtico Dangicourt: sobre asmnadas e o clculo infinitesimal], pp. 177-8.7Why are not all organic beings blended together in na inextricable chaos? (DARWIN, 1872, p. 407).
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utilizada por Bocio quando tentava sair do inextrincvel labirinto8; labirinto associado
ao problema da reconciliao entre liberdade, oniscincia divina e necessidade, o qual
obviamente se relacionava com a questo se e at que ponto a natureza segue leis e que
se tornou o primeiro problema a ser enfrentado pela lgica modal. Seja como for,
Leibniz sempre retomar esses exemplos tirados da matemtica pura como meio para
as meditaes exatas que nos conduzem viso das ideias de Deus e podemos dizer
que o 242 da terceira parte da Teodiceia9 um dos melhores exemplos de retomada do
6 do Discurso de metafsica.
Na Idade Moderna, portanto, se existiu um conceito fsico-matemtico onde o
mecanicismo e o determinismo alcanaram sua mxima expresso foi o de funo;
certamente o conceito filosfico ou filosofema no que diz respeito aos limites entre
Filosofia, Matemtica e Fsicamais importante que os modernos criaram e utilizaram;
conceito que tambm far a base da revoluo da Lgica Moderna.
No caso em questo, funo queria dizer uma noo, regra ou equao que
subjaz a toda mudana constantee uniforme; dito em termos de avaliao pontual ou
discreta, regraque mostra o que h de comum entre pontos que quando postos em uma
linha a fariam assumir qualquer forma.
Claro que este no o conceito de funo que costuma figurar nos atuais livros
de Matemtica; ele impreciso, vago, ainda no esto determinadas quais regras ou
relaes podem ser ditas bijetoras, injetoras ou sobrejetoras, ele estaria mais para uma
ligao qualquer, uma aplicao (applicatio); ou seja, ainda no est determinado quais
regras de uma anlise pontual ou discreta podem de fato assumir a forma de uma
funo. Mas foi justamente essa impreciso e vagueza que conferiram quele conceito
ainda mais consequncias filosficas. De qualquer maneira, aquele conceito tambm
fazia a base de uma disciplina criada por Leibniz e Newton quase que ao mesmo
8Labirinthus inextrincabile, cf. BOCIO, 1998 [A consolao da Filosofia, livro III], p. 90 e LEIBNIZ,2013 [Teodiceia], p. 49.9No se deve admirar que eu me esforce por esclarecer essas coisas a partir de comparaes tomadas damatemtica pura, onde tudo segue conforme ordem, e onde h meios de distingui-la por uma meditaoexata que nos faa deleitar, por assim dizer, com a viso das ideias de Deus. Pode-se propor umasequncia ou seriesde nmeros com aparncia totalmente irregular, onde os nmeros de forma variadacrescem e diminuem sem que parea ter ordem alguma; e, no entanto, aquele que souber o cdigo cifrado,e que compreender a origem e a construo dessa sequncia de nmeros, poder dar uma regra, a qualsendo bem compreendida, far ver que a serie totalmente regular e que de fato ela tem belas
propriedades. Pode-se tornar isso ainda mais visvel a partir das linhas: uma linha pode ter voltas ereviravoltas, altos e baixos, pontos de inverso e pontos de inflexo, interrupes e outras variedades, de
tal modo que no se v a nem p nem cabea, sobretudo ao considerar apenas uma parte da linha; e,contudo, talvez se possa dar a equao e a construo dela, na qual um gemetra encontraria a razo e aconvenincia de todas essas supostas irregularidades [...]. LEIBNIZ, 2013, p. 308.
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tempo, o Clculo Diferencial e Integral, em muitos casos associada ao problema dos
infinitesimais; da tambm a designao Clculo Infinitesimal. No foi sem mais,
portanto, que o alemo mencionou em carta ao suio Johannes Bernoulli que tinha
equacionado o problema da ao constante e uniforme da gravidadese valendo de sua
nova criao, de sua nova Anlise dos infinitsimos10.
Dito assim, claro que a noo de funo estava por traz da expresso
atualmente conhecida como energia cintica, ou seja, Ec=(m.v)/2, reafirmada por
Leibniz no Discurso de metafsica, vale lembrar de 1686, agora no 17 do qual parte
do ttulo menciona se tratar de um exemplo de mxima subalternaou lei da natureza
portanto, associada imediatamente noo, regra, equao ou funo. Trata-se de
expresso que d conta da queda dos corpos avaliada discreta ou pontualmente
transformando, via funo, sua ao em constante e uniforme, ou seja, contnua; lei cujo
contedo ele j havia apresentado em muitos outros artigos e cartas onde discutia a
diferena entre os conceitos de vis viva(ou activa) e vis derivativa11. Tais questes se
relacionavam ao tema geral de determinao das reais foras que agem constante,
uniforme e conservativamente na natureza, e exigiam que o alemo se posicionasse
quanto a filosofias como a de Descartes, por isso mesmo quanto s de muitos
cartesianos, a de Galileu, mesmo a de Huygens e muito especialmente quanto a de seu
contemporneo Newton, este ltimo sendo considerado por ns (hoje) o que de fato
equacionou a lei da naturezada noo, regra, equao, funo, mxima subalterna
da naturezada fora. De qualquer modo, para todos aqueles envolvidos em tal embate
de ideias uma coisa certamente era verdade, todos os corpos eram de uma natureza tal
que estavam sujeitos a leis e claro que tais filsofos estariam de acordo quanto a ser
funo a expresso matemtica geral de tais leis da natureza.
Tal viso de mundo foi como que plasmada na afirmao, j h muito tempo
ensaiada por ele mesmo, feita no prefcio da obra Novos ensaios sobre oentendimento humano: pelo autor do sistema da harmonia preestabelecida12 do
10Trata-se de uma carta de Leibniz escrita no dia 2 de setembro de 1694, carta endereada a um de seusmais importantes correspondentes quanto a assuntos de matemtica, ao suo Johann ou JohannesBernoulli (1667-1748), na qual aparece a expresso funo; foi certamente ela que fez Howard Eves emuitos outros acreditarem que ali se encontrava a sua primeira apario no ambiente da matemtica. Dequalquer modo, Leibniz trocou uma vasta correspondncia com os suos Jacob (1654-1705), Johann (jmencionado) e Nicolaus (1687-1759) Bernoulli; ela figurava no volume III da coletnea de textos sobrematemtica, os Mathematische Schriften. A partir dessa obra, pode-se notar que a maior parte dacorrespondncia, 275 cartas, trocada com Johann e versa sobre diversas questes matemticas.11
Cf. JAMMER, 2001 [cap. 9], pp. 201-35.12Obra escrita como uma problematizao e resposta ao Um ensaio sobre o entendimento humanodofilsofo ingls John Locke (1637-1704).
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seguinte modo: Nada se faz de repente, e uma das minhas grandes mximas, e das mais
comprovadas, que a natureza nunca faz saltos: o que eu denominei Lei da
continuidade (LEIBNIZ, 1984, p. 14)13. Um princpio geral, mxima ou lei da
natureza, que Leibniz j havia enunciado em um artigo publicado na revista Notcias da
Repblica das Letras em julho de 1687. De qualquer modo, o alemo confessa mais
uma vez (agora entre 1695 e 1704, no mais em 1686) ser, portanto, um defensor da
opinio que nada acontece no mundo de modo descontnuo e sem regra, que no h caos
inextrincvel na natureza, ou seja, que est de pleno acordo com a famosa expresso
latina, para ele uma mxima ou lei geral da natureza, natura non facit saltum ou
saltus.14
Como vimos mais acima, tal princpio geral correspondia muito bem ao que
Leibniz e muitos outros modernos vinham encontrando quando se tratava de fenmenos
que de alguma forma podiam ser compreendidos a partir do clculo criado por ele e
Newton, o clculo infinitesimal ou de fluxes; assuntos relacionados dinmica ou
mecnica, em uma palavra, Fsica15. Era esse o caso da questo da queda dos corpos
que devia assumir a feio de regra ou equao, melhor dizendo, uma lei da natureza
que podia ser expressa por uma funo. Restava perguntar, ento, se valia o mesmo para
toda a natureza, ou seja, se tal mxima compreendia os organismos.
Se nos mantivermos dentro dessa caracterizao geral da filosofia de Leibniz e
de seus contemporneos, poderamos dizer que ao menos parte do que Darwin fez foi
generalizar ainda mais e de um modo particular aquela viso de uma natureza que muda
de modo constantee uniforme, transferindo tal viso para o plano da Histria Natural,
associada ao que ainda denominamos Biologia. Mesmo quanto a isto parece que o
ingls j havia sido precedido, dentre outros, pelo botnico sueco Carlos Lineu (1707-
1778)16que era um partidrio da grande cadeia ou srie dos seres, ascala naturae, e,
por isso mesmo, um fervoroso defensor do gradualismo. Tanto assim que Lineu foi
13Rien ne se fait tout dun coup, et cest une de mes grandes maximes et des plus vrifies que la naturene fait jamais des sauts: ce que jappelais la loi de la continuit. (LEIBNIZ, 1990, p. 43).14Tal expresso, apesar de na maioria das vezes ter sido repetida na sua verso latina, parece remeter aogrego Cassius Maximus Tyrius, para ns apenas Mximo de Tiro, que viveu no sculo II da nossa era.15Tal problemtica e a adoo do axioma ou lei da continuidade se relacionam tambm com o modocomo Leibniz entendia divisibilidade da matria, divisvel ao infinito, ou como ele mesmo dizia: Noconcordar com isto equivale a conhecer pouco a imensa sutileza das coisas, que envolve o infinito atual,em toda parte e sempre. (LEIBNIZ, 1984, p. 14).16Philosophia Botanica, Ed 1, 1751 captulo III, 77, p. 27. As obras escritas por Lineu foram:Systemanaturae (1735), Fundamenta botanica (1736), Flora lapponica (1737), Genera plantarum (1735-
1737), Hortus Cliffortianus (1737), Flora Suecica (1745), Fauna Suecica (1746), o j mencionadoPhilosophia botanica (1751),Species plantarum (1753),Clavis medicinae duplex (1766) eMundusinvisibilis (1767).
http://pt.wikipedia.org/wiki/Systema_naturaehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Systema_naturaehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Systema_naturaehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fundamenta_botanicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Flora_lapponicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Genera_plantarumhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Hortus_Cliffortianushttp://pt.wikipedia.org/wiki/Hortus_Cliffortianushttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Flora_Suecica&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Flora_Suecica&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Fauna_Suecica&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Philosophia_botanicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Species_plantarumhttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Clavis_medicinae_duplex&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Mundus_invisibilis&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Mundus_invisibilis&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Mundus_invisibilis&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Mundus_invisibilis&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Clavis_medicinae_duplex&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Species_plantarumhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Philosophia_botanicahttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Fauna_Suecica&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Flora_Suecica&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Hortus_Cliffortianushttp://pt.wikipedia.org/wiki/Genera_plantarumhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Flora_lapponicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fundamenta_botanicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Systema_naturaehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Systema_naturae -
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um dos primeiros a defender que em botnica a natureza tambm no d saltos,
expresso que aparece no seu livro Filosofia botnica (de 1751) e que j havia sido
afirmada no mesmo ambiente pelo ingls John Ray (1627-1705) em seu livro Methodos
Plantarum nova17 de 1682, livro que anterior, portanto, mesmo ao Discurso de
metafsicade Leibniz. De qualquer modo, e colocada nesses termos, a questo fazia
lembrar a afirmao feita por Aristteles em seu Histria dos animais, a saber:
Assim, a natureza ( ) passa pouco a pouco ( ) dos seres inanimados ( ) at os dotadosde vida ( ), de maneira que esta continuidade () impede perceber () a fronteira ( )que os separa e que se saiba a qual dos dois grupos pertence aforma intermediria ( ) [...].Por outro lado, a passagem () dos vegetais ( )
at os animais ( ) contnua( ) [...]. Comefeito, no que se refere a alguns seres que vivem no mar (), algum poderia perguntar se pertencem ao reinoanimal () ou ao reino vegetal () [...]. Nos seres seencontram diferenas mnimas ( ) que colocamtal ou qual animal frente de outro, e cada vez parecem maisdotados de vida () e de movimento ().(ARISTTELES, 1992 [VIII, 588b 5], pp. 412-3, grifo nosso).18
A scala naturae e o gradualismo estariam associados ao que Aristteles
entendia por continuidade ( ) dos seres vivos ( ), o que poderia sergeneralizado para os organismos. De qualquer modo, a afirmao do estagirita no
estava bem a gosto dos telogos escolsticos, a no ser, talvez, se fossem reafirmadas a
impossibilidade de determinar exatamente qual a fronteira entre certas formas
intermedirias, no sentido que deveria existir uma grande diferena entre algumas
delas; tal recuo parecia obrigar a defender, em nome do texto sagrado, alguma
desordem ou/e descontinuidade; o que s poderemos esclarecer na prxima seco.
17O New method of plants (mtodo no sentido de via, caminho). Leibniz certamente conheceu seustrabalhos ou opinies; vale notar que John Ray tambm se interessava por Teologia natural; com relaoao que escreveu em 1691, o The wisdom of God, que parece ter sido a sua obra mais popular, obra naqual ele tentava explicar a adaptao dos seres vivos sem ir contra o Gnesis; em 1692 escreveu oMiscellaneous discourses concerning the dissolution and changes of the world; do mesmo modo elese interessa por lnguas, com relao ao que escreveu e em 1675 o Trilingual dictionary, ornomenclator classicus, dicionrio que, por ser trilingue, certamente muito interessava a Leibniz.18 A partir da traduo inglesa, teramos algo como: A natureza avana pouco a pouco desde oinanimado at a vida animal, de uma maneira que impossvel determinar exatamente, qual o limite de
demarcao, nem a que grupo pertencem as formas intermedirias (ARISTTELES, 1952, p. 114-5). Aqual pensamos estar mais prxima do que pretendia Aristteles, da o motivo de termos alterado o incioda traduo de Jlio Pall Bonet.
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Voltando ao que dizamos. Primeiramente, podemos atestar que Darwin era um
seguidor do gradualismo ou continusmo quando ele afirmava, dentre muitas outras, o
seguinte:
Como, de acordo com a teoria da seleo natural19, deve terexistido um nmero interminvel de formas intermedirias (aninterminable number of intermediate forms) que ligaram [juntas](linking together) todas as espcies em cada grupo porgradaes to sutis (graduation as fine) quanto as nossasvariedades existentes, [e] pode-se perguntar[: P]or que novemos ao nosso redor esses elos que fazem a ligao[?] Por queos seres organizados no esto misturados em um emaranhadocatico (inextricable chaos)? (DARWIN, 2014, p. 528, grifonosso)20.
As gradaes so sutis (fine) ou, como o prprio Darwin dir um pouco mais afrente no texto, a seleo natural [est] sempre pronta a adaptar os descendentes que
variam lentamente para preencher espaos desocupados ou pouco ocupados na
natureza (p. 537, grifo nosso) e deve ter existido um nmero interminvel ou infinito
de formas intermedirias (an interminable number of intermediate forms) que ligam
juntas (linking together) todas as espcies em cada grupo. Afirmao que marca de fato
quo mais longe do que aos macacos devemos ir se queremos estabelecer as origens de
nossa ancestralidade; os macacos seriam, na verdade, apenas os nossos parentes mais
prximos, em uma linhagem que deveria remontar, passando talvez por monstros
marinhos21, s primeiras clulas, ou seja, aos primeiros organic beings (p. 407), os
primeiros organismos.
Por isso mesmo, ao tomar conhecimento da hiptese geral de Darwin, o
naturalista Charles Bunbury (1809-1886) teria escrito em seu dirio que: Por mais
mortificante que possa parecer pensar que nossos ancestrais remotos eram guas-vivas
[...] em termos prticos no far muita diferena (BROWNE, 2011, p. 80). Trata-se,
pois, de encontrar uma teoria que solucione a questo deixada por Aristteles, que
explicite as leis que regema continuidade que impede perceber a fronteira que separa
os organismos e faa saber a quais grupos pertencem as formas intermedirias;
19The theory of natural selectionque ele vinha defendendo nos outros XIV captulos do seu livro Aorigem das espcies.20As according to the theory of natural selection an interminable number of intermediate forms musthave existed, linking together all the species in each group by gradations as fine our existing varieties, it
may be asked, Why do we note see these linking forms all around us? Why ane not all organic beings
blended together in na inextricable chaos? (DARWIN, 1876, p. 407).21 Justamente o que temia Antoine-Joseph Dezallier dArgenville (1680-1765) em suas obras; cf.LEIBNIZ, 1997, p. 52.
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obviamente, tendo como base a mxima geral da continuidade entre os organismos.
Sem qualquer meno a supostas diferenas de alma entre eles ou a implicaes
teolgicas da ligao sem salto do homem s bestas e aos vegetais, ou seja, a um
suposto statusespecial da humanidade.
Portanto, em muitos sentidos em acordo com o esprito moderno, a teoria da
seleo natural de Darwin buscava justamente equacionar aquilo que Aristteles
considerava impossvel perceber ou saber exatamente, ou como o prprio ingls
parecia rebater:
Como a seleo natural atua somente pela acumulao devariaes ligeiras (slight), sucessivas (successive) e favorveis(favourable), no pode produzir modificaes grandes e sbitas;s pode atuar por meio de passos curtos e lentos. Assim o
cnone (canon) Natura non facit saltumtorna compreensvel aregra (theory) que confirmada por cada acrscimo novo aonosso conhecimento (p. 536).22
As variaes ao mesmo tempo sucessivas (successive) e ligeiras (sligth), termo
este que pode muito bem ser associado ao sutil (fine) mencionado mais acima, nos
conduziriam ao significado de variaes menores e mais imperceptveis, quilo,
portanto, que impediria os saltos. Mas sua verificao era indireta, ou seja, a partir da
Histria Natural a teoria era confirmada por cada acrscimo novo ao nosso
conhecimento. A teoria da seleo natural atestaria, assim, a existncia de variaes
contnuas e sucessivas tambm no plano dos vivos e no mais apenas no que dizia
respeito ao movimento dos corpos. Afinal de contas, dizia o ingls: Ningum consegue
explicar, porquea seleo natural deveria ser uma lei da natureza, se cada espcie foi
criada de maneira independente (DARWIN, 2014, p. 536).
como se a lei de continuidade enunciada por Leibniz ou a lei de fluxode
Newton, que fazia a base dos fundamentos matemticos dos Principia, tambm
passassem a ser o fundamento da Histria Natural de Darwin. Dito de outro modo, para
a pergunta, por ele mesmo formulada: Por que no estariam os seres organizados
misturados em um caos inextrincvel? (DARWIN, 2014, p. 528). A resposta oferecida,
mesmo que no vejamos ao nosso o redor os elos que fazem a ligao, foi por que as
espcies variam lentamente para preencher os espaos desocupados (DARWIN, 2014,
p. 537). Ou seja, por variaes imperceptveis e sucessivas, mas que seguem leis
22
O texto em ingls lembra muito mais o Leibniz dos Novos ensaios: Hence the Canon of Natura nonfacit saltum, which every fresh addition to our knowledge tends to confirm, is on this intelligible.(DARWIN, 1876, p. 414).
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determinadas, por imperceptveis passos graduais (DARWIN, 2014, p. 526)
inclusive possvel prever (even have been antecipated) os resultados dessa variao
contnua (DARWIN, 2014, p. 537); o que desembocaria, portanto, em um determinismo
de tipo laplaciano23 tambm na Biologia. Dito de outra forma, isso era o mesmo que
afirmar a existncia de leis diferenciais, como as encontradas a partir do clculo criado
por Leibniz e Newton24, agora no plano da Biologia. E justamente do que trata a obra
de Darwin, isto , se com os Principiaforam equacionadas as leis do movimento (do
fluxo) contnuo dos astros, com o A origem das espciesseriam explicitadas as leis do
movimento contnuo (gradual e progressivo) da sucesso das espcies.
De qualquer modo, bem ao fim de sua obra, opinio qual a vida e a
correspondncia dele mesmo depem contra, Darwin afirmou: No vejo motivos
slidos para que os pontos de vista aqui apresentados possam abalar os sentimentos
religiosos de qualquer pessoa (DARWIN, 2014, p. 545). do que passaremos a tratar a
seguir: quais eram os sentimentos religiosos das outras pessoas?
Segunda Parte: Desordem, F e Descontinuidade25
Como sabemos, a partir de 1685, Leibniz nomeado historigrafo da Casa de
Brunswick ou, como muitas vezes denominada, Casa de Hanver. A ligao de seu
trabalho com as aspiraes polticas da famlia Brunswick pode ser exemplificada por
ele ter sido encarregado, primeiramente, de provar, atravs da genealogia, que a Casa
de Brunswick se originara da Casa deste, famlia de prncipes italianos,trabalho que
ele conclui em 1690 e que faz, efetivamente, os Brunswick ascendererem de oito para
nove eleitorados; do mesmo modo, algum tempo depois, tambm foi encarregado de
fornecer os argumentos referentes s pretenses de Georg Ludwig, bisneto de James I
[portanto, membro da famlia], ao trono da Inglaterra, cuja vacncia observou-se em1700 com o falecimento de William, Duque de Gloucester (LEIBNIZ, 1997, pp. 8-9),
argumentos que levaram, efetivamente tambm, George I ao trono da Gr-Bretanha de
1714 at sua morte em 1727. difcil mensurar quo determinantes devem ter sido as
23 Para a discusso sobre o determismo, cf. nossos artigos Ciencia, tica e religin, in: Estudioscontemporneos sobre tica. Argentina: Jorge Sarmiento-Universitas, 2008 e Leibniz e a gnese danoo de espao: lendo o 47 da ltima carta a Clarke, in: Prometeus, ano 6, n. 11, 2013.24Darwin se inclui em um projeto geral de cincia como o newtoniano, a ponto de lembrar o triunfo doingls com relao a Leibniz (DARWIN, 2014, p. 545).25
Para toda esta seo, ler tambm nosso artigo Leibniz e Benjamin: uma introduo s teoriastradicionais da traduo ou s metafsicas da lngua de sada e de chegada, in: O mutum, nmero 1, v. 1,2013.
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hipteses historiogrficas supostamente verificadas por Leibniz para a defesa do
pangermanismo. Vale lembrar, parte daquele outro cristianismo de dimenses muito
mais assustadoras que qualquer dos radicalismos ou fundamentalismos islmicos. De
qualquer modo, podemos afirmar que Leibniz escrevia uma histria repleta de
elementos extrados da Bblia e que fundamentavam, no s em poltica, uma srie de
superposies que privilegiavam universalmente o povo alemo/germnico.
Assim, o trabalho de Leibniz de supervalorizao do povo germnico, o qual os
franceses depois chamaram de alemes, comeava muito longe e era muito amplo. Na
coletnea de textos que assumiram o nome de Protogaea: uma teoria da evoluo da
terra e da origem dos fsseis26, escritos principalmente no tempo em que ele cuidava
das minas alems da famlia Brunswick, podemos v-lo formulando hipteses que vo
desde a origem do universo at a distribuio dos seres vivos e povos. Hipteses que
mantinham o incio do Gnesis como elemento bsico, ou seja, suas hipteses
mantinham, por exemplo, a precedncia das trevas e da luz para a origem do planeta
Terra ainda na sua forma gnea, bem como a separao das guas e guas como causa
do resfriamento da crosta terrestre e causa distante at do, dentre outros, dilvio que
teria feito a segunda origem de todos os povos do nosso globoretroceder at a famlia
de No. Dilvio lembrado nas mais antigas narraes dos povos. Em poucas palavras,
naqueles ensaios de Geografia Natural se pretendia vir ao encontro da piedade ao
apoiar a f nas Sagradas Escrituras e na tradio do dilvio universal com argumentos
naturais (LEIBNIZ, 1997, p. 48).
Alm de j mencionar a posio geogrfica e situao geolgica peculiares da
Alemanha ou de j revelar seu interesse pela Ctia asitica, vale de Shinaar, citas,
egpcios, nomes de montanhas e rios etc., desde ento podemos ver Leibniz afirmando a
existncia de alguma desordem na criao em nome da precedncia da Cosmogonia de
Moiss: a infncia do globo comearia com mais perturbaes e passaria a ser maisestvel (LEIBNIZ, 1997, p. 41). Na Teodiceia, aquelas origens e a aceitao de alguma
desordem so enunciadas do seguinte modo:
[...] vrios dilvios e inundaes deixaram sedimentos, dosquais se encontram traos (traces) e restos (restes) que fazemver que o mar esteve em lugares que so hoje os mais distantes.Mas essas perturbaes finalmente cessaram, e o globo tomou aforma que ns vemos. Moiss [em Gn 1: 1-10] insinua essas
26
A Protogaeafoi publicada em 1749, todavia uma espcie de resumo dela j havia sido publicada nasActas Eruditorumde 1693 e nos 244-5 da Teodiceia.Publicada em 1710, Leibniz j havia explicitadonesta parte do que havia afirmado naquela obra.
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grandes mudanas com poucas palavras: a separao da luz edas trevas indica a fuso causada pelo fogo; e a separao domido e do seco marca os efeitos das inundaes. Mas quemno v que essas desordens (dsordres) serviram para conduziras coisas ao ponto onde se encontram presentemente, que ns
lhes devemos nossas riquezas e nossas comodidades27
, e que por meio delas que este globo se tornou apropriado para sercultivado por nossos cuidados? (LEIBNIZ, 2003, [ 245] p.309).
E pouco antes, isto , no 242 daquela obra, Leibniz j havia retomado o que
afirmara no 6 do Discurso de metafsica, ao que fazia seguir sua concordncia com a
bela sentena de so Bernardo: Ordinatissimum est minus interdum ordinate fieri
aliquid28(LEIBNIZ, 2013, [ 243], p. 308). Assim, ao praticar uma histria que vai de
encontro piedade e apoia a f nas Sagradas Escrituras, dito de outra forma, que nodeixa de manter a verdade da Histria Sacra da Terra ou da Cosmogonia de Moiss,
temos de aceitar algumas desordens e, portanto, no vale pura e simplesmente aquela lei
ou mxima segundo a qual a natureza nunca faz saltos29. Por isso mesmo, e tendo em
vista seus princpios, a Sacra Germnica Histria Universal no pode obedecer
simplesmente ordem ou lei de continuidade, nela a razo suficiente pode estar
relacionada com um motivo suficiente, justamente aquilo que far enxergar uma ordem
geral que pode ter motivos estticos e morais; mas na verdade teolgicos e polticos.No mesmo ano em que escreve a Teodiceia, Leibniz escreve o Breve plano
das reflexes sobre as origens dos povos traado principalmente a partir das
indicaes [contidas] na lnguase um ano antes de sua morte a Dissertao sobre a
origem dos franceses; obras em que ele atesta descontinuidades ou desordens com
relao a histria das lnguas que tm outros motivos, mas que no deixam de atestar
certo literalismo bblico que privilegia os germnicos. Tais descontinuidades ou
desordens se relacionavam principalmente com o fato de no ser contnua ou regrada amaneira como os povos associavam as palavras a seus sentimentos, ou seja, a
constatao das ocasionais analogias do som (vox) com os seus sentimentos
27Trata-se, pois, de desordens pequenasque contribuem para a ordem maior, ou seja, perturbaes danatureza, inundaes, terremotos, acidentes naturais de toda espcie que, por fim, conduziriam a algomelhor; o que pode ter como fundamento bons motivos ou boas razes que Deus teria tido com relao aoque seria melhor para os homens.28
Ordenadssimo [de extrema regularidade] que s vezes aconteaalgo menos ordenadamente.29No verdade, portanto, que Leibniz tenha de fato defendido que existia uma cadeia em linha reta deespcies sucessivas; mais frente isto ficar ainda mais claro.
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(affectus), suas paixes e imaginaes (LEIBNIZ, 2012, p. 127); ou como Leibniz j
havia mencionado ao linguista suo Sparvenfeld:
Como no existe nada sem razo [ou motivo], no duvido nemum pouco que quando os homens deram nomes s coisas, eles s
fizeram seguir suas paixes (passions) e imaginaes(imaginations) quando o objeto as excitava e quando no astinham expressas por sons (sons) que tinham relao com isso;imagino que no s Ado, mas tambm os outros homens, comfrequncia, quiseram onomatopeizar (onomatopoiein) quandoencontravam novos objetos e, embora acredite que muitas
palavras vm de uma lngua primitiva, [acredito] que muitasoutras tenham sido inventadas a partir do encontro das naes eraas. (LEIBNIZ, 2000, p. 165)30.
Certamente, a partir de parte daqueles documentos levantados para realizar
aquelas duas tarefas encomendadas pela famlia de Brunswick e de uma vasta
correspondncia com historiadores, linguistas e mesmo bilogos da poca que Leibniz
escreveu o Brevis designatio e o De origine francorum. Alm daquelas associaes
obrigatrias com a Sagrada Escritura, agora aqueles elementos polticos ficam
evidentes; isto , a investigao da origem e conexo dos povos, dos encontros das
naes e raas, a partir das origens e conexes entre as lnguas deve assumir a verdade
do dilvio universal; da a pouca importncia de remontar lngua de Ado, bastando
apenas mencionar o princpio geral que permitiria chegar at ela e que se manteve
mesmo depois do dilvio31; mas aquela investigao tambm deve conduzir
precedncia do povo germnico na Europa, da a importncia de fazer associar os
germnicos aos celto-citas (ou celto-cticos) e estes aos filhos de No. Ou como dizia o
prprio Leibniz:
[...] a partir dos citas, eu chego aos celtas; quase toda a Europafoi ocupada pelos citas; eles se estenderam at o marMediterrneo e o oceano, pelo estreito de Cdiz que comum a
ambos. Sabe-se que, outrora, uma parte dos povos germnicoshabitou toda a extenso at o Tnais, mas foram separados pelosvnedos ou antas; no faz muito tempo que as relquias dos
30Utilizamos aqui a traduo que disponibilizamos nositeleibnizbrasil.31Duas, pois, so as principais fontes da impossibilidade de remontar origem da lngua primeira, as
inundaes (dilvios) ou acidentes naturais e as corrupes a que so sujeitas as lnguas na histria.Mesmo tendo suposto uma protolngua, a busca dalngua primitiva em sua pureza (langue primitive dans
sa puret), talvez a lngua de Ado, no podia chegar a termo por conta do tempo, dos dilvios, das
corrupes, ou seja, pelos muitos saltos que a Histria Natural de fato apresenta. Assim, apesar de tudoestar sujeito ao princpio de razo, nem tudo est simplesmente sujeito lei de continuidade, dito de outraforma, nem tudo necessidade geomtrica.
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germanos ainda subsistiam em meio ao Quersoneso turico32,provavelmente, ento, nem foram completamente extintas. Ali,em seguida, os germanos [foram] fragmentados devido asmigraes, os eslavos se retiraram de todas as regies para oElba, entretanto, a maior parte deles por fim retornou para o mar
Bltico e para quase toda a Vstula. [...] [Assim,] olhando asorigens mais antigas, [...] os germanos [vm] dos citas e, comoj dissemos, certamente podemos acreditar nisso, embora aslnguas tenham sido modificadas pouco a pouco durante umlongo perodo de tempo e de numerosas migraes. (LEIBNIZ,2013, p. 138-9).
E Leibniz j havia afirmado que: Tudo aquilo que nas lnguas setentrionais
comum, poderamos chamar dejaptico, mas tambm costumo chamar de celto-cti co
LEIBNIZ, 2013, p. 131). Afirmao que tinha como ponto de partida a seguinte diviso:
Dividiremos, no incorretamente, as lnguas derivadas de uma[lngua] antiga largamente difundida em duas espcies: asjapticas, como assim foi chamada, e as aramaicas. As japticasse difundiram pela [regio] setentrional, as aramaicas [pela]meridional; de fato, considero toda nossa Europa [como
pertencente regio] setentrional. Da que se as setentrionais sereferem a Jaf, as meridionais, no sem razo, sero atribudasaos descendentes de [seus] irmos Seme Cam. Jpetotambm[foi considerado] aquele de quem Prometeu (o que fabricou oshomens) [era] filho, alm disso, e como j tinha conhecimento
Homero, os mitlogos tinham-no colocado para Cucaso, aaramaica(ou Arimi)para os srios33. (LEIBNIZ, 2013, p. 129)
De volta, portanto, Sagrada Escritura com o ganho bvio que os
alemes/germnicos deveriam de fato governar toda a Europa, ou seja, justificando o
fato que se Georg I era o rei da Gr-Bretanha, ento seu reino ainda no era do tamanho
devido. Superposio evidente de determinado povo, religio, revelao ou mito; mas
falta falar um pouco mais dos mitos.
32Quersoneso turico o mesmo que dizer Pennsula da Crimia, regio do Sul da Rssia. Tnais oantigo nome do rio Don, na ustria.33Alguns intrpretes e escritores cristos dentre eles o contemporneo de Leibniz, John Milton (1608-1674), com o seu O Paraso Perdidoidentificaram o tit Jpeto (Japetum) da mitologia grega com Jaf(Japhetum), o filho de No, com base na similaridade do nome e na tradio bblica que consideravatodos os povos do mundo como descendentes dos trs filhos de No, isso , Sem, Cam e Jaf. Na tradio
bblica, os descendentes de Jaf teriam se dispersado nas margens do Mediterrneo da Europa e da siaMenor, ao norte de toda a Europa e em uma parte considervel da sia; por isso, Jaf considerado oancestral dos diferentes ramos da grande famlia indo-germnica. Por outro lado, Jpeto, na mitologiagrega, era um dos tits filhos de Urano e Gaia, segundo a Teogoniade Hesodo, uniu-se a Clmene (emPausnias, ela se chama sia), filha de Oceano, e teve com ela quatro filhos: Atlas (suportar), Prometeu
(pensamento previdente), Epimeteu (pensamento tardio) e Mencio (poder condenado, ligado raiva e imprudncia). das lnguas jafticas (ou japticas, como quer Leibniz) que derivam a lngua doscitas e a dos celtas, conseqentemente, delas derivariam todas as lnguas europeias.
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A fora da argumentao desenvolvida por Leibniz se pretende tal que ela quer
corrigir mesmo as licenas poticas de muitos mitlogos, por isso mesmo na Teodiceia,
vale lembrar do mesmo ano que o Brevis designatio, o alemo vai dizer que restava
provar que um antigo deus ou heri dos germanos foi chamado de Herman, Ariman ou
Irmin (LEIBNIZ, 2013, [139] p. 232)parte dos mais antigos deuses a partir dos quais
teria surgido o nome, passando por hermanni, germanos. E tambm havia
autoridades para todos esses significados. Leibniz chega a confessar o prazer que teria
sentido quando acreditava encontrar nas mitologias dos deuses algum trao da antiga
histria dos tempos fabulosos, histrias que confirmavam tambm a precedncia dos
heris ou deuses germanos; prazer talvez semelhante ao deleite associado s meditaes
que o conduziam s idias matemticas de Deus.
Por fim, aquelas desordens e descontinuidades reconhecidas a partir da
investigao das lnguas j haviam levado Leibniz a afirmar, contra Locke e quanto
origem de nossas noes que foi preciso, ento, ater-se quela [ordem] que as ocasies
(les occasions) e os acidentes (les accidents) qual nossa espcie nos forneceu e esta
ordem no d a origem das noes, mas [fornece], por assim dizer, a histria das nossas
descobertas34. Ocasies, acaso, e acidentes? Nem parece mais o fsico-matemtico
falando; Histria e Fsica, ento, deviam ser bem diferentes e, como vimos, naquela os
elementos teolgicos e polticos contaminam totalmente as hipteses, eis aquele aspecto
pernicioso da f religiosa se intrometendo na pratica da histria.
Mas o que mais nos interessa indicar justamente determinada
descontinuidade mencionada naquele documento de histria, a Bblia, que muitos
utilizavam quando se tratava de buscar uma fonte de ao menos parte da Histria Natural
e que, o que esperamos mostrar, acabar por revelar motivos bem slidos para que
os pontos de vista defendidos por Darwin abalassem os sentimentos religiosos e
filosficos de muitas pessoas, incluindo autoridades da igreja (catlica ou protestante).
Terceira Parte: criacionismo e darwinismo
Agora sim, e isso o fundamental, a adoo do axiomaNatura non facit saltum
em Histria Natural conduziria a uma oposio bastante peculiar com a verdade
revelada que tambm j havia sido sentida por Leibniz; ela aparece em uma carta de
34Utilizamos aqui a traduo feita em CECCI SILVA, 2014, p. 106.
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31/07/1709 endereada ao jesuta belga Bartholomeu Des Bosses (1668-1738), um
importante telogo e matemtico com quem ele trocou uma vasta correspondncia nos
anos de 1706 a 1716, perodo em que tambm est escrevendo o Brevise o De origine
francorum. No momento em que recebe a carta mencionada, Des Bosses estava
traduzindo para o latim a obra de Leibniz, j muitas vezes mencionada, cujo ttulo
completo era Ensaio de Teodiceia sobre bondade de Deus, a liberdade do homem e
a origem do mal, obra que continha um captulo de ttulo Discurso sobre o acordo da
f com a razo. Obra relacionada com, dentre outros, o motivo poltico da reunio dos
cristos da Europa, mesmo que tal unio intensificasse muitas das animosidades contra
ateus, outras religies e muitos outros povos. Para o que nos interessa, a questo central
da carta justamente a de que a lei de continuidade ou a mxima segunda a qual natura
non facit saltumno pode ser adotada quando o assunto a origem da alma humana; ou
seja, se adotssemos tal mxima indiscriminadamente e especialmente para esse caso, a
razo estaria em contradio manifesta com a revelao. Em termos do prprio Leibniz,
a questo era a seguinte:
Est estabelecido entre os filsofos que as faculdades de sentir ede raciocinar no constituem (facere) almas diferentes em ns;mas que esto em (inesse) uma mesma alma. Donde minhasurpresa que isto o imobilize [Des Bosses]. [...]. Eu achei mais
apropriado adicionar um grau novos almas sensitivas, do queocultar nas sementes (seminibus) inmeras almas racionais queno alcanariam a maturidade da natureza humana. Ainda quealgum me apresentasse um modo natural dessa elevao [degrau] eu no diria que esse modo foi adicionadomiraculosamente. Portanto, voc [pode] ver que isso foi dito pormim preferencialmente de modo hipottico. A alma [humana intelectiva e sensitiva ] nasce da alma [humana] [...].(LEIBNIZ, 2013, p. 134, grifo nosso).35
Para dizer rapidamente, Leibniz recua aqui diante daquele axioma e mantm a
diferena de grau, o salto, entre a alma humana (sensitiva e intelectiva) e a dos outros
animais (apenas sensitiva). Em primeiro lugar, o que estava estabelecido entre os
filsofos podia ter como fonte comum o texto daquele que foi a razo par os
escolsticos, a saber:
35No original temos: Constat inter Philosophos, facultatem sentiendi et ratiocinandi in nobis non facerediversas animas, sed eidem animae inesse. Unde miror Te hic haerere. Eandem materiam a diversis
Entelechiis adaequate informari, non est cur dicamus. Gradum novum addi Animae sensitavae
congruentis putavi, quam animas rationales innumeras latere in seminibus quae non perveniant ad
maturitatem humanae naturae. Si quis ostendat modum naturalem exaltationis, non dicam, hunc modumaddi miraculose. Vides ergo haec a me dici per modum hypotheseos preferendae. Animam ex anima
nasci, si id Traducem apellas, explicabile non est, et longe absum ab his talis concipiunt.
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Todavia, a situao praticamente a mesma () noque se refere alma () e[m comparao com] as figuras(): e que sempre no elemento seguinte da srie() se encontra potencialmente ( ) o[elemento] anterior, tanto no caso das figuras ( )
[geomtricas] como no caso dos seres animados ( );por exemplo, o tringulo () est contido no retngulo() e a faculdade vegetativa () est contida nasensitiva (). Portanto, em relao com cada um dosvivientes (' ) deveremos investigar qual aalma prpria ( ) de cada um deles, por exemplo,qual a das plantas ( ) e qual a do homem () ou [qual a] da fera ([] ). E deveremos,alm disso, examinar por que razo se encontram em srie() do modo descrito. Sem que se d a faculdade vegetativa() no se d a sensitiva (), mesmo que a
vegetativa () se d separada da sensitiva ()nas plantas (). (ARISTTELES, 1988 [II, 3, 414b 25-415a 5], p. 56).
Encontramos o outro elemento fundamental da scala naturaeque agora torna
graduada a srie das almas dos seres animados, dos seres que possuem alma, isto , suas
almas esto em srie () gradual. Assim, desde o Sobre a almade Aristteles
estava estabelecido certa gradao descontnua entre os tipos de alma, ao menos
assim que o leram os escolsticos. Portanto, aquelas exigncias que mencionamos na
primeira parte se transformam na reafirmao, forada ou no, de que a Histria dos
animaisou parte da diferena de gnero dos seres vivos que ela estabelecia tinha de
estar submetida a certa descontinuidade entre os tipos de alma: vegetativa, sensitiva e
intelectiva. E ser este o primeiro passo, convertido esse Aristteles em razo, para
evitar o desacordo entre razo e f ou, o que o mesmo, para evitar parte das
implicaes teolgicas associadas a ligar imediatamente (de modo contnuo) o animal
homem quelas formas ou gneros de seres vivos (plantas e feras) e fazer perder o
statusespecial da humanidade (BROWNE, 2011, p. 80).
Em segundo lugar, para no mencionarmos os longos e complexos comentrios
ao Gnesisde um Agostinho, Leibniz se mantm fiel ao menos parte do que fazia a
base da afirmao feita por Pedro Abelardo (1079-1142) em seu Comentrio ao De
interpretationede Aristteles, ou seja, ao seguinte literalismo bblico:
[...] fariam nascer (seminaria) nas coisas uma natureza noobtida da criao divina, que no stimo dia [Deus] completou asformas de todas as espcies [inclusive a humana], nas quais
esto as sementes (semenaria) de [todos] os futuros [animais]; a
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partir do que, por conseguinte, nenhuma espcie nova seriacriada (ABELARDO, 1919 [Logica ingredientibus], p. 420)36.
Com efeito, para no por em contradio razo e revelao, lembrando
inclusive a soluo adota por Coprnico, o filsofo que dizia que este o melhor dos
mundos possveis, inclusive no que diz respeito sua contnua evoluo, acaba por
afirmar que se em algum momento ele falou de continuidade evolutiva entre as almas,
uma continuidade que apagasse a distino entre almas apenas sensitivas e almas
sensitivas e intelectivas, entre espcies distintas, foi apenas de modo hipottico (per
modum hypotheseos preferendae).
A descontinuidade e separao entre almas sensitivas e intelectivas de um lado
e almas apenas sensitivas de outro se ajustavam perfeitamente ao tipo de histria que
vinha sendo praticada e que, neste caso, tinha como fundamento a verdade revelada que
estabelecia a criao do homem, a saber: Deus disse: Fervilhem as guas um fervilhar
de seres vivos e que as aves voem acima da terra. at aqui nenhuma contradio
com as afirmaes feitas por DarwinHouve uma tarde e uma manh: quinto dia (Gn
1:20-24). Mas, logo em seguida faamos o homem nossa imagem, como nossa
semelhana [...]. Houve uma tarde e uma manh: sexto dia.
Era tambm com essa descontinuidade por semelhana com o divino e
dessemelhana com os outros animais e por conta de a criao do homem ter sido
realizada em outro dia, o sexto e no o quinto, que a adoo mais irrestrita por parte de
Darwin da mxima natura non facit saltum se mostrava em desconformidade com a
verdade da f (Bblia) e a verdade da razo (Aristteles). E era certamente por isso que
Darwin se viu obrigado a recomear; pois, se admitir essas verdades era o mesmo que
afirmar que cada espcie foi criada de maneira independente, ento ningum
conseguiria explicar porque a seleo natural deveria ser uma lei da natureza
(DARWIN, 2014, p. 536). Ora, mas isso era justamente o que dizia a Bblia eAristteles. Trocando em midos, Darwin continuou exatamente de onde tambm
Leibniz havia recuado.
Assim, o princpio geral e filosfico que mostra a oposio da hiptese
darwiniana com a verdade revelada e com a filosofia da histria que a sustentava o de
que, mantida a existncia das almas, deve existir continuidade de evoluo entre as
36
...seminaria in rerum natura non habere ex illa Dei creatione, quae die septimo specierum omniumformas complevit, in quibus seminaria futurorum posuit, unde iam amplius nullam novam speciem
criaret.
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almas dos animais em geral. Darwin teria encontrado muitas evidncias que o levavam
forosamente a defender a hiptese de que somos muito mais semelhantes aos animais
do que gostaramos de admitir, que talvez no sejamos mais do que os pardais. Portanto,
com Darwin, nosso universo ameaa deixar de ser antropocntrico, na verdade ameaa
deixar de ser judaico-greco-cristo e tira a base daquela Sacra Germnica Histria
Universal37. Talvez fosse interessante investigar em que momento, depois de Darwin,
uma discusso distante dos termos eurocntricos ou judaico-greco-cristos quanto aos
direitos dos homens, dos animais e do planeta foi impedida de surgir. Arriscaramos o
palpite de que foram as histrias de cunho esprito-absolutistas que colocam os
europeus ou anglo-saxes no mais no comeo, mas no fim que reorientaram aquela
fora. Se diminuirmos seu suposto impacto, poderamos parafrasear Hawking38 e
dizer que Darwin trouxe a questo do comeo dos seres vivos para o domnio real da
cincia, vale lembrar, para o domnio real da Histria Natural.
De todo modo, se Leibniz no tivesse afirmado os princpios que orientavam a
Sacra Histria da Terra, o captulo da Teodiceiade ttulo Discurso da conformidade da
f com a razoque em grande medida uma reafirmao da opinio de Lactncio,
Bocio, Abelardo e Tomsperderia todo seu sentido. Mas o que dizer do todo daquele
projeto teolgico-poltico? No fim das contas, a filosofia alem/germnica que insistia
em manter a compatibilidade entre determinada verdade revelada (certo literalismo
bblico) e determinada verdade de razo (a matemtica do sculo XVIII ou o Aristteles
dos escolsticos) podia sustentar o seguinte plano geral: em primeiro lugar,
alemes/germnicos reinando ao centro da Europa, inclusive com o direito biblicamente
assegurado de escravizar os filhos de Cam, especialmente se Cana pudesse estar l para
os lados s vezes do Egito, outras da ndia, outras do Oriente Mdio, outras do Extremo
Oriente ou quem sabe ainda das Amricas, especialmente mais ao centro ou ao sul; em
segundo lugar, o Homem reinando ao centro da Natureza e inclusive, para no falarmosdas atrocidades contra todos os tipos de animais e plantas na verdade contra todo o
planeta , com o direito psicolgico ou psiquitrico assegurado sobre homens que se
assemelhassem muito a feras. Nosso globo? Declarao Universal dos Direitos dos
Homens? Tolerncia? Mscaras dos sculos XVII e XVIII.
37Pelos mesmos motivos o darwinista Dawkins ameaa a Sacra Anglo-Sax Histria Universal. Quantos histrias de cunho esprito-absolutistas, arriscaramos outro palpite: que elas no deixam de ser Sacra
Universal Histria Europia; e, para quem est nas Amricas mais ao sul, as trocas dos nomes de lugar ouda ordem dos termos no deve chegar a entusiasmar.38HAWKING, 2000 [Uma breve histria do tempo], p. 27.
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Do nosso ponto de vista, se essa filosofia no pode ser acusada de matar Deus,
ela certamente se vincula a muitos dos motivos que crucificaram Jesus, e parece que o
termo filosofia crist no lhe cai muito bem. Dai, pois, a Csar o que de Csar e a
Deus o que de Deus?
Assim, para no falarmos de sua viso positiva de histria bem menos
ameaadora, diga-se de passagem, que a Sacra Europia Histria Universal, podemos
dizer que os motivos bem slidos para que os pontos de vista defendidos por Darwin
abalassem os sentimentos religiosos de praticamente todos que seguiam uma religio ou
histria baseada na Bblia, a maioria esmagadora da Europa e que inclua
principalmente grande parte dos filsofos que sempre estiveram a servio das igrejas
catlica e protestante, na verdade telogos, se baseavam por fim em qualquer
interpretao pouco literal do comeo do Gnesis39ou que desprezasse uma vastssima
literatura (que muitas vezes indiferenciava fico, mito, religio, teologia, poltica, e
histria) que fundamentava as muitas Histrias Sacras. Gostaramos de dizer com Kuhn,
ao menos para efeito da presente fala, que com Darwin fica explcita uma quebra de
paradigma que, infelizmente, teve grande parte de suas foras redirecionadas, verdade;
com ele, as bases de quase toda a literatura europeia anterior eram de alguma forma
recusadas. Quanto tempo mesmo tivemos de esperar pelos hipcritas leitores?
Quarta parte: Eppur salta la natur a e si mescola in un labiri nto inestri ncabil e
Claro que a fora do positivismo de um Comte, da Astronomia Social, tambm
pode ser encontrada ali; no bastasse o sucesso da obra de Newton Principia, a adoo
tambm por parte de Darwin da mxima natura non facit saltumgarantia que no havia
diferena significativa entre os mtodos adotados pela Filosofia Natural, mesmo quando
se tratava de Histria, neste caso Histria Natural. Contudo, duas coisas no tm sidoconsideradas com o devido cuidado; praticamente no encontramos mais historiadores
que defendam a adoo daquela continuidade, mesmo os que praticam Histria Natural.
Mais grave que isto, a biologia atual, ou seja, a gentica baseada na investigao
molecular, ou melhor, na decodificao do gene, e no na especulao histrica, parece
ter sido obrigada a recusar a mxima natura non facit saltum, o que est mais de acordo
com a viso geral que temos hoje daquela suposta Natureza.
39Quanto aos enfrentamentos que Darwin teve com as interpretaes literais da Bblia, ou seja, com certoliteralismo bblico, cf. BROWNE, 2011, p. 77.
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Dito assim, ao menos duas obras escritas na segunda metade do sculo passado
reavaliaram as teses defendidas por Darwin em sua A origem das espcies, so elas: A
lgica da vida e O acaso e a necessidade. Na primeira delas, o prmio Nobel de
fisiologia e medicina de 1965, o francs Franois Jacob (que dividiu o prmio com
Jacques Monod e Andr Lwoff), resumia:
A teoria da evoluo resume-se essencialmente em duasproposies. Diz, em primeiro lugar, que todos os organismos,passados, presentes ou futuros, descendem de um s, ou dealguns raros sistemas viventes que se formaramespontaneamente. Afirma seguidamente que as espciesderivaram umas das outras pela seleo natural dos melhoresreprodutores. Como teoria cientfica, a teoria da evoluoapresenta o mais grave dos defeitos: uma vez que
fundamenta na histria, no se presta a qualquer verificaodireta. (JACOB, 1985 [A lgica da vida], p. 23, grifo nosso).
J a partir de uma teoria que no oferece o defeito da teoria de Darwin, ou seja,
que no invoca o fundamento histrico, mas pretende oferecer verificao direta, o
francs Jacques Monod, outro ganhador do mesmo prmio Nobel, afirmava:
[...] inscrito na estrutura do DNA, o acidente singulare, comotal, essencialmente imprevisvel, vai ser mecnica e fielmentereplicado e traduzido, isto , ao mesmo tempo multiplicado etransposto para milhes ou bilhes de exemplares. Tirado doreino do puro acaso, ele entra no da necessidade, dascertezas mais implacveis. Pois na escala macroscpica, a doorganismo, que a seleo opera. (MONOD, 1976, p. 137, grifonosso).
Como o prprio ttulo do livro sugere, O acaso e a necessidade, a atual
sequncia do DNA da espcie humana teve origem em um acidente singular, o que quer
dizer que a natureza d sim saltos e podemos dizer que as sucessivas mutaes que
definem as condies iniciais que sero rejeitadas ou tornadas definitivas que
determinam a seleo natural, da a suposta evoluo das espcies.
A consequncia de tal reviravolta no podia ser outra, como explicitava o
companheiro de Monod na obteno do Nobel:
[...] depois da constituio da fsica do sculo XVII, o estudodos seres vivos encontrou-se perante uma contradio. E desdeesse momento no deixou de aumentar a oposio entre, de umlado, a interpretao mecanicista do organismo e, do outro, aevidente finalidade de certos fenmenos como odesenvolvimento de um ovo at o estado adulto ou o
comportamento de um animal. (JACOB, 1985 [A lgica davida], p. 15).
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Foi justamente parte da histria de tal contradio que contamos nas sees
anteriores; faltou falar do que se opunha ao mecanicismo, o que talvez faamos em
outro momento. Seja como for, para explicar o que havia de revolucionrio na gentica
nascente, o mesmo Franois Jacob afirmava com a descrio da hereditariedade como
um programa cifrado numa sequncia de radicais qumicos [o DNA], a contradio
desapareceu (JACOB, 1985 [A lgica da vida], p. 16). O que, em consonncia com o
que fazia o ttulo do livro de Jacques Monod, se associava com a seguinte constatao
geral e impedimento: Para cada indivduo, o programa resulta de uma cascata de
acontecimentos, todos contingentes. A prpria natureza do cdigo gentico [ou DNA]
impede qualquer alterao deliberada do programa por efeito da sua ao ou do meio
ambiente (JACOB, 1985 [A lgica da vida], p. 15, grifo nosso). Eis uma daquelasreviravoltas da cincia que deveria chamar a ateno dos darwinistas ortodoxos, os
mesmos que no conseguem ter uma atitude mais lakatiana ou popperiana com relao
biologia. Por outro lado, tambm diante de tal reviravolta, os cristos ainda defensores
da verdade da Escritura Sagrada ou da desgastada Teologia Natural gostariam de dizer:
Vemos agora como as provas genticas levam viso bblica daorigem dos seres vivos. Os detalhes diferem, mas os elementosessenciais dos relatos da Gentica e bblico do Gnesis so
idnticos: a cadeia de acontecimentos que levou o surgimento dohomem comeou de forma sbita e contingente [...]. Para ocientista que viveu confiando no poder da razo, a histriatermina com um pesadelo. Ele escalou as montanhas daignorncia; est preste a conquistar o pico mais alto; ao escalarcom esforo a ltima pedra, saudado por um bando detelogos ou filsofos que h sculos esto sentados l40.
Mas isso poderia fazer voltar ou dar novas foras quela, para dizer pouco,
politicamente incorreta Sacra Europia Histria Universal; politicamente incorreta
inclusive no sentido que neste caso voltaramos quelas superposies, dogmatismos,fundamentalismos, guerras etc. Mas faz tempo que preciso superar tal estado de
coisas!
De qualquer modo, o que aquelas obras estabeleciam pode ser includo naquele
grande pacote que ser defendido por Ilya Prigogine (1917-2003) em, dentre outros,O
40
Evidentemente, estamos aqui parafraseando a afirmao feita pelo astrnomo Robert Jastrow;utilizamos a traduo de Vera Ribeiro que consta no livro Einstein e a religio: fsica e teologia, p. 189,de Max Jammer, publicado pela editora Contraponto do Rio de Janeiro em 2000.
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fim das certezas: tempo caos e as leis da natureza41. Tendo em vista aquele pacote e a
partir do que os franceses consideravam ser uma verificao direta, as hipteses
corroboradas em gentica se referiam a fenmenos que pelo menos em sua primeira
ocorrncia eram de desequilbrio, ou seja, instveis e irreversveis42; em franca
oposio, portanto, quela viso de mundo mecanicista qual mesmo Darwin ainda se
mantinha fiel. Graas a esse pacote e a toda a literatura mundial a ele associada foi que
falamos em quebra de paradigma; o que, do nosso ponto de vista, tambm pe mesmo a
Epistemologia Reformada em posio difcil43. Atualmente, nossa viso de mundo
parece estar mais de acordo com a sentena natura mixturat in inextricabilem caose ela
se sustenta em toda uma literatura que, at certo ponto ao menos, dificulta a volta da
Sacra Histria Universal.
Mas quem est com a verdade ltima? Eis uma pergunta que, sem as
esperanas ou perigos da verdade ltima, preferimos responder com a manuteno
saudvel de vrios programas de investigao rivais em Biologia, rivalidade sem guerra.
Concluso:
Certamente uma analogia esclarecedora seria a de que a Biologia de Darwin
est para a Gentica de um Franois Jacob assim como a Mecnica Clssica de Newton
est para a Fsica Quntica de um Heisenberg, e poderamos dizer que os
desenvolvimentos que Dawkins quer incorporar teoria de Darwin, mutatis mutandis,
se assemelham ao que Einstein incorporou de Newton; tambm poderamos inclusive
buscar na Biologia recusas como a da Mecnica relacional de Andr Koch T. de Assis
ou da Teoria das Cordas de Kaluza-Klein. Tal analogia esclarecedora no sentido que
todas as teorias mencionadas no devem ser consideradas modismos acadmicos, mas
programas de investigao rivais, sendo que seus contedos hipotticos devem serencarados como podendo cair a qualquer momento. Se pretendem estar na academia, os
41O russo Prigogine, naturalizado belga, tambm foi prmio Nobel, mas de qumica e doze anos depoisde Franois Jacob e Jaques Monod.42 A natureza apresenta-nos ao mesmo tempo processos irreversveis e processos reversveis, mas os
primeiros so a regra, e os segundos, a exceo. PRIGOGINE, 1996 [O fim das certezas], p. 25.43 No suficiente argumentar com objees de tipo Great Pumpkin contra um Plantinga, tambmdevemos fazer lembrar as muitas atrocidades que foram cometidas em nome da salvao das almas doshomens, ou seja, a falcia que o criacionismo e a Histria Sacra da Terra, partes fundamentais da
apologtica protestante, podem ter como fundamento uma epistemologia sem falhas e, com isso, fazeresquecer o fato que ela est comprometida com supostas verdades que causaram as mais terrveis guerrasque o nosso planeta conheceu.
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darwinistas tm de estar dispostos a aceitar tal possibilidade, a qual tambm devem
observar os cristos pouco importando se isso pode tornar instvel e vacilante a sua f
(PLANTINGA, 1983, p. 72). Como base de todas aquelas teorias ou disciplinas estaria a
ideia que impede parte do dogmatismo e da intolerncia, segundo a qual nenhuma delas
deve ser encarada como verdade indiscutvel ou incontestvel e ter como fundamento de
suas hipteses algum tipo de revelao ou mito tambm indiscutvel ou incontestvel.
Quem nunca se enganou atire a primeira pedra!
Tendo em vista a forte ligao com aqueles elementos da f religiosa que se
associam ao dogmatismo e intolernciabaseados todos eles na presuno do sentido
ltimo das escrituras ou literalismo bblico agressivo, por isso mesmo, na superposio
de determinada povo, religio, revelao ou mito e tendo em vista que no pode
obedecer quele critrio mnimo s nos resta recusar a idia de que o criacionismo
possa ser uma opo de fato cientfica ou possa ser ensinado como tal, mas que ele pode
sim ser apresentado como parte da histria das ideias que estiveram associadas cincia
(talvez do modo como tentamos fazer aqui), desde que a nica histria a ser ensinada
no seja a judaica-greco-crist ou, o que quase o mesmo, a Sacra Europia Histria
Universal.
Tambm gostaramos de dizer que, se as teorias cientficas associadas
defesa do design inteligentese pretendem boas respostas para as investidas de Dawkins,
elas deveriam impedir a associao com aqueles elementos da f religiosa. Tal
observao se torna importante principalmente se a teorizao pretendida envolver
conceitos como o de alma ou esprito que ha muito tempo so acompanhados de uma
vastssima literatura, em geral pseudocientfica, e que, ao menos at o momento,
tambm no est fundada naquele preceito mnimo; o que pode, pois, representar
alguma defesa daqueles elementos perniciosos da f religiosa. Por fim, no caso das
teorias cientficas envolvendo alguma forma de design inteligente que se associa noo de alma ou esprito, ainda preciso que se saiam bem nos embates com os atuais
resultados da neurocincia, isto , e para lembrar apenas um caso, que sejam capazes de
responder ao menos s consequncias do que levou Miguel Nicolelis a escrever a obra
Muito alm do nosso eu.
Esperamos que nossa fala, compreendendo a diferena de comportamento com
relao diferena dos lugares em questo, leve o estudante brasileiro a estar mais
preparado para os debates que associam as religies e as cincias que certamente
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encontrar na Universidade, mas sem perder a tranquilidade espiritualnecessria para
frequentar de modo adequado seu culto semanal, seja qual for o seu curso ou religio.
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de Siqueira Piau e Juliana Cecci Silva. IN: Cadernos Espinosanos (no prelo).
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