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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DOUTORADO EM ODONTOLOGIA
Percepção de surdos que receberam informações sobre
saúde bucal na linguagem oral e na linguagem de libras
MABEL RODRIGUES ALVES ESMERALDO
Orientadora: Profa. Dra. Ângela Toshie Araki
Tese apresentada ao Doutorado em Odontologia, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutora em Odontologia.
SÃO PAULO
2015
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
E73p
Esmeraldo, Mabel Rodrigues Alves. Percepção de surdos que receberam informações sobre saúde
bucal na linguagem oral e na linguagem de libras / Mabel Rodrigues Alves Esmeraldo. -- São Paulo; SP: [s.n], 2015.
103 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Ângela Toshie Araki. Tese (doutorado) - Programa de Pós-Graduação em
Odontologia, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Surdez 2. Saúde bucal – Surdo 3. Lingua brasileira de sinais
(LIBRAS) 4. Linguagem de sinais 5. Saúde bucal (Crato, CE). I. Araki, Ângela Toshie. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Odontologia. III. Título.
CDU: 612.858.7(043.2)
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Percepção de surdos que receberam informações sobre
saúde bucal na linguagem oral e na linguagem de libras
Mabel Rodrigues Alves Esmeraldo
Tese de doutorado defendida e aprovada
pela Banca Examinadora em 12/08/2015.
BANCA EXAMINADORA:
Profa. Dra. Ângela Toshie Araki
Universidade Cruzeiro do Sul
Presidente
Prof. Dr. Adriana de Oliveira Lira Ortega
Universidade Cruzeiro do Sul
Prof. Dr. Fábio Valverde Rodrigues Bastos Neto
Universidade Cruzeiro do Sul
Prof. Dr. Jarbas Eduardo Martins
Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas
Profa. Dra. Karin Sá Fernandes
Universidade de São Paulo
DEDICO ESTE TRABALHO
Aos meus pais,
pela oportunidade da vida, e pelos ensinamentos que possibilitaram esta caminhada.
Ao meu esposo, Claudio,
pelo amor, cumplicidade e incentivo de sempre. Obrigada por fazer parte de mim.
Aos meus filhos, Victor, Candice
e Clarice,
que são os grandes motivos da minha luta, obrigada pelo amor, amizade e paciência.
À minha família,
pelo apoio incondicional.
A vocês, com todo o meu amor, dedico este trabalho.
AGRADECIMENTOS
A Deus,
que me iluminou e me deu fé para acreditar que era possível.
À Profa. Ângela Toshie Araki,
por aceitar me orientar após eu ter iniciado a pesquisa com outra orientadora, e dar continuidade ao que era apenas mais um projeto de pesquisa, por discutir a problematização da comunidade surda e proporcionar um diálogo com muita simpatia, coerência, dedicação sobre o tema que abraçava. Com seu estilo envolvente, motivou-me a envolver-me em um campo de inclusão social e saúde pública, contribuindo com a sociedade e também com os cirurgiões-dentistas.
À Profa. Carina S. Delfino,
por me despertar a reflexão sobre o tema da tese a partir da minha experiência profissional com os pacientes especiais, uma tese que favorecesse as ações da saúde bucal para surdos.
À Profa. Adriana Ortega,
pelo olhar atento ao texto desde o começo, e pelas contribuições apresentadas após a leitura cuidadosa, para enriquecimento deste trabalho.
Aos Profs. Monique, Karen Fernandes, Fábio Bastos e Jarbas Martins,
que, com os seus conhecimentos, apresentaram sugestivas contribuições a este trabalho.
Ao professor Danilo Duarte,
pela amizade e consideração.
À Janice Temóteo,
pela contribuição significativa, decorrente do olhar aprofundado sobre a comunidade surda desde o começo desta pesquisa.
Às intérpretes de LIBRAS Aluana, Juliana, Monalisa e Roberta, e à
psicóloga Carolina,
que mediaram a relação com o grupo focal.
Aos intérpretes de LIBRAS,
que partilharam comigo seus discursos e concepções. Sem eles, esta pesquisa não teria sido possível.
Ao Centro de Educação de Jovens e Adultos Monsenhor Pedro Rocha e
Oliveira e seus funcionários,
pela disponibilização de espaço e apoio técnico para a execução da pesquisa.
À comunidade surda do município de Crato, especialmente aos sujeitos desta
pesquisa,
pela acolhida e colaboração na Associação em Defesa da Pessoa Surdo do Crato.
Aos surdos,
que foram meus parceiros e fizeram com que eu me desse conta da necessidade e importância desta pesquisa para melhorar as condições de saúde bucal da comunidade surda.
Ao Instituto Federal de Educação e Tecnologia (IFET), campus Crato,
pela possibilidade que me concedeu de aperfeiçoar o meu conhecimento e aprimorar a minha formação, especialmente ao meu coordenador e aos amigos do setor de saúde, pela compreensão.
Aos estatísticos,
que, com seus conhecimentos significantes e com seus cálculos independente e pareados, mostraram o impacto da cartilha de saúde bucal em LIBRAS junto à comunidade surda.
Ao Prof. Peterson,
que, ao me presentear com o seu manual ¨Comunicando com as Mãos¨, motivou-me para ir além da pesquisa com pessoas surdas e produzir um material didático dentro da saúde, minha profissão: assim foi gerada “Cartilha de Saúde Bucal em LIBRAS”
Aos autores do Dicionário DIET-LIBRAS, na pessoa da Profa. Walkiria
Duarte Raphael,
que autorizou a utilização de alguns verbetes de sua obra na Cartilha de Saúde Bucal em LIBRAS.
Às minhas amigas Geane e Simone (intérpretes), e Alina, Aline, Andeciele,
Eliane, Evamires, Geni, Rosalya, Lorena e Marieta
por serem outras vozes que ecoam em meu trabalho, vozes das vozes, vozes em um mesmo referencial teórico (Bakhtin e Vygotsky), pelas contribuições consistentes, pela criatividade e pelo incentivo.
Especialmente à Sônia Dalicy e à Warley,
que cederam para a cartilha as suas imagens e a sua arte de desenhar.
Ao fotógrafo Allan e à intérprete Jô, pela orientação serena e solícita.
Os meus mais sinceros agradecimentos
Esmeraldo MRA. Percepção de surdos que receberam informações sobre saúde bucal na linguagem oral e na linguagem de libras [tese]. São Paulo: Universidade Cruzeiro do Sul; 2015.
RESUMO A audição é de extrema importância para a comunicação interpessoal e, por
consequência, para a interação social. De acordo com o Censo Demográfico de
2010, realizado pelo IBGE, o número de portadores de surdez no Brasil é de
344.206, sendo 171.801 mulheres e 172.405 homens (IBGE, 2012). No estado do
Ceará, 6,23% das pessoas declararam-se completamente surdas. No Brasil, a
adoção de políticas inclusivas voltadas à comunidade surda não ocorreu de
imediato, com avanços em alguns setores e grande lentidão em outros, até a edição
da Lei no 10.436/02 (Brasil, 2002). Com isso, os profissionais da saúde, entre os
quais se incluem os cirurgiões-dentistas, devem empreender ações de promoção de
saúde no âmbito da igualdade e da integralidade à todos os pacientes. Para avaliar
comparativamente a percepção dos surdos sobre os cuidados de saúde bucal
recebidos por meio de linguagem oral e linguagem sinalizada, elaborou-se uma
cartilha sobre saúde bucal em LIBRAS, e utilizou-se como instrumento de avaliação
o questionário de Naito et al. (2007). Foram distribuídos 40 questionários aos
participantes, surdos domiciliados no município de Crato (CE); vinte (20) desses
questionários foram entregues a indivíduos que tinham recebido informações orais
sobre saúde bucal, e os outros 20 foram entregues a indivíduos que tinham recebido
informações orais e sido expostos à cartilha de saúde bucal em LIBRAS. Utilizou-se
um grupos pareado de oito indivíduos, que responderam aos questionários antes da
leitura da cartilha e depois da leitura, os dados foram submetidos a análise descritiva
e estatística inferencial. Em ambas as análises, verificou-se que a exposição à
cartilha impactou positivamente o grau de conhecimentos da amostra estudada em
relação ao tema saúde bucal. No grupo pareado, o resultado da estatística
inferencial foi significante estatisticamente no nível 5%, e o efeito da cartilha foi
bastante visível: as notas do grupo após a exposição à cartilha praticamente
dobraram. Nos grupos independentes, o teste das médias não atingiu o nível de
significância estatística em 5% mas, como foi inferior a 10%, foi considerado de
significância clínica neste caso. Pode-se concluir que as informações sobre saúde
bucal em libras da cartilha melhorou o desempenho dos surdos.
Palavras-chave: Surdos, Saúde bucal, LIBRAS.
Esmeraldo MRA. Awareness of deaf individuals who received information on oral health care in oral language and Brazilian sign language libras [tese]. São Paulo: Universidade Cruzeiro do Sul; 2015
ABSTRACT Hearing is of utmost importance to interpersonal communication and, consequently,
for social interaction. According to the IBGE census the IBGE of 2010, the number of
deaf individuals in Brazil has reached 344,206171,801 women and 172,405 men
(IBGE, 2012). In the state of Ceará, Brazil, 6.23% of the population are completely
deaf. In Brazil, the adoption of inclusive policies for the deaf community did not occur
promptly, and progress was made rapidly in some sectors but slowly in others until
the enactment of Law 10.436/02 (Brazil, 2002). Under this new policy, health
professionals, including dentists, should undertake health promotion activities within
the framework of equality and completeness of care for all patients. To assess and
compare the awareness of the deaf population about oral health care, these
individuals received a booklet on oral health care via oral and sign language that was
developed using the Brazilian sign language (LIBRAS). The questionnaire previously
developed by Naito et al. (2007) was used as the evaluation instrument. Forty
questionnaires were distributed to each deaf participant living in the municipality of
Crato, state of Ceará. Of these, 20questionnaires were given to individuals who had
received oral information on dental health care and the other 20 were given to
individuals who received oral information and were exposed to the booklet in sign
language (LIBRAS). We used paired groups of 8 individuals, who answered the
questionnaires before and after reading the booklet. Subsequently, the data were
subjected to descriptive analysis and inferential statistics. In both analyses, we
observed that the exposure to the booklet had a positive impact on the level of
awareness of the sample studied in relation to dental health care. In the paired
group, the result of inferential statistics was statistically significant at a level 5% and
the effect of the booklet was quite apparent: the scores of the group after being
exposed to the booklet almost doubled. In the independent groups, the test of the
means did not reach a level of statistical significance of 5% but at lower than 10%, it
was considered clinically significant, in this case. Therefore, it can be concluded that
the information on oral health in Brazilian sign language(LIBRAS) of booklet
improved the performance of deaf individuals.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Configuração de mão (CM): é a forma que a mão terá ao se realizar
um sinal. As configurações de mãos assumem características do
alfabeto manual e algumas formas diferentes do alfabeto manual42
Figura 2 – Configuração de mão para a palavra quinta-feira ........................... 43
Figura 3 – Fluxograma explicativo da metodologia empregada..................... . 56
Figura 4 – Cartilha de Saúde Bucal em LIBRAS: capa, apresentação, primeira
dentição e dente permanente – Crato (CE), 2014 ............................ 59
Figura 5 – Cartilha de Saúde Bucal em LIBRAS: estrutura do dente, doença
de gengiva, cárie, método de escovação - Crato (CE), 2014 .......... 60
Figura 6 – Cartilha de Saúde Bucal em LIBRAS: escovação, fio dental,
bochecho com flúor, escovação da língua, dieta alimentar, dente
hienizado - Crato (CE), 2014................................................ .............. 61
Figura 7 – Distribuição de frequência dos sexos dos integrantes do Grupo I –
informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II –
informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal - Crato
(CE), 2013-2015................................. .................................................. 63
Figura 8 – Distribuição de frequência da escolaridade dos integrantes do
Grupo I – informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II –
informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal - Crato
(CE), 2013-2015 ................................................................................... 63
Figura 9 – Alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I -
informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II –
informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – à
pergunta “Cárie é transmissível?” - Crato (CE), 2013-2015 ........... 64
Figura 10 – Alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I -
informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II –
informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – à
pergunta “Cárie é transmissível?” - Crato (CE), 2013-
2015...................... ............................................................................... 65
Figura 11 – Alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I -
informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II –
informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – à
pergunta “Cárie é transmissível?” - Crato (CE), 2013-2015 ........... 66
Figura 12 – Alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I -
informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II –
informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – à
pergunta “O sangramento da gengiva significa falta de
escovação?” - Crato (CE), 2013-2015 ............................................... 67
Figura 13 – Alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I -
informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II –
informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – às
perguntas do questionário - Crato (CE), 2013-2015 ........................ 68
Figura 14 – Notas e médias para os grupos independentes de surdos ............ 70
Figura 15 – Notas e médias para os grupo pareado de surdos ......................... 71
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Percepção do grupo de integrantes do estudo piloto com relação à
saúde bucal (dados coletados com a técnica de grupo focal) -
Crato (CE), 2013 ................................................................................. 57
Tabela 2 – Distribuição de frequência das faixas etárias dos integrantes do
Grupo I – informações orais sobre saúde bucal - Crato (CE), 2013-
2015 ..................................................................................................... 62
Tabela 3 – Distribuição de frequência das faixas etárias dos integrantes do
Grupo II – informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde
bucal - Crato (CE), 2013-2015...................... ...................................... 62
Tabela 4 – Medidas resumo dos grupos independentes .................................. 72
Tabela 5 – Medidas resumo do grupo pareado .................................................. 72
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACDPS Associação Cratense de Defesa da Pessoa Surda
CAS Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento ao Surdo
CE Ceará
CE/UCS Comitê de Ética da Universidade Cruzeiro do Sul
CEJA Centro de Educação de Jovens e Adultos
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CM configuração de mão
CNS Conselho Nacional de Saúde
CORDE Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
DA deficiência auditiva
ES Espírito Santo
EUA Estados Unidos da América
FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INES Instituto Nacional de Educação de Surdos
LIBRAS língua brasileira de sinais
M Movimento
O Orientação
ONU Organização das Nações Unidas
PA ponto de articulação
PB Paraíba
PR Paraná
RS Rio Grande do Sul
SP São Paulo
SUS Sistema Único de Saúde
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
UNICSUL Universidade Cruzeiro do Sul
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 18
2 REVISÃO DA LITERATURA ....................................................................... 20
2.1 Deficiência Auditiva (DA) .......................................................................... 20
2.1.1 A Família e o Surdo ................................................................................... 21
2.2 Política Nacional de Saúde para a Pessoa com Deficiência .................. 24
2.2.1 Inclusão Social dos Surdos ...................................................................... 26
2.2.2 A LIBRAS como Instrumento de Inclusão Social .................................... 31
2.3 Educação em Saúde Bucal ....................................................................... 34
2.4 Língua Brasileira de Sinais ....................................................................... 39
2.4.1 Histórico ..................................................................................................... 39
2.4.2 Leitura Orofacial ........................................................................................ 41
2.4.3 Estrutura Linguística da LIBRAS .............................................................. 41
2.4.4 Dicionários da Língua Brasileira de Sinais .............................................. 45
2.5 Saúde Bucal em LIBRAS ........................................................................... 46
3 OBJETIVOS ................................................................................................ 49
3.1 Geral ............................................................................................................ 49
3.2 Específicos ................................................................................................. 49
4 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................ 50
4.1 Aspectos Éticos ......................................................................................... 50
4.2 Caracterização do Estudo ......................................................................... 50
4.3 População e Amostra do Estudo .............................................................. 50
4.3.1 Critérios de Inclusão ................................................................................. 51
4.3.2 Critérios de Exclusão ................................................................................ 51
4.4 Colaboradores ............................................................................................ 52
4.5 Local e Período de Realização da Pesquisa ............................................ 52
4.6 Estudo Piloto: avaliação diagnóstica ....................................................... 52
4.7 Elaboração da Cartilha .............................................................................. 53
4.8 Procedimentos e Instrumento da Coleta de Dados ................................ 54
5 RESULTADOS ............................................................................................ 57
5.1 Percepção dos Surdos sobre Saúde Bucal (Estudo Piloto- Avaliação
Diagnóstica) ............................................................................................... 57
5.2 Cartilha de Saúde Bucal em Libras Utilizada com o Grupo II ................ 58
5.3 Dados Demográficos – faixa etária, sexo e escolaridade – dos Grupos
Constituintes da Amostra ......................................................................... 62
5.3.1 Frequências, por Faixa Etária, dos Integrantes dos Grupos Estudados 62
5.3.2 Frequências, por Sexo, dos Integrantes dos Grupos Estudados .......... 63
5.3.3 Frequências, por Escolaridade, dos Integrantes dos Grupos Estudados
..................................................................................................................... 63
5.4 Respostas dos Integrantes dos Grupos I e II às Perguntas do
Questionário (Naito et al., 2007) ............................................................... 64
5.4.1 Pergunta: A cárie é transmissível? .......................................................... 64
5.4.2 Pergunta: Existem bactérias na boca? .................................................... 65
5.4.3 Pergunta: O flúor protege os dentes contra a cárie? ............................. 66
5.4.4 Pergunta: O sangramento da gengiva significa falta de escovação? ... 67
5.5 Correlação entre as Respostas dos Integrantes dos Grupos I e II às
Perguntas do Questionário (Naito et al., 2007) e as Variáveis Faixa Etária
ou Escolaridade ......................................................................................... 68
5.6 Resultado Estatístico do Grupo Independente e do Grupo Pareado .... 69
5.6.1 Teste para Verificar se o Estudo da Cartilha Afeta o Desempenho dos
Integrantes do Grupo Independente e do Grupo Pareado ..................... 69
5.6.2 Estatística Inferencial ................................................................................ 71
6 DISCUSSÃO ................................................................................................ 74
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 85
REFERÊNCIAS ........................................................................................... 86
APÊNDICES ................................................................................................ 96
ANEXOS ...................................................................................................... 98
18
1 - INTRODUÇÃO
De acordo com Marcato et al. (2000), a audição é de extrema importância
para todas as pessoas e sua ausência, que dificulta a aquisição e o desenvolvimento
da língua oral, reflete-se no dia a dia, impossibilitando a comunicação interpessoal e,
por consequência, a interação social.
No que concerne à severidade das deficiências ou diversidades, o censo de
2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE -, 2012) demonstra que
sua gradação é apontada pelos entrevistados em função da percepção que estes
têm sobre a funcionalidade de sua própria condição física.
No Brasil, a adoção de políticas inclusivas voltadas à comunidade surda não
ocorreu de imediato. Teve-se um processo irregular, com avanços em alguns
setores e grande lentidão em outros. A política de atenção às pessoas com
deficiência – fator essencial de qualidade dos serviços prestados - tem sofrido
significativas alterações e apresenta avanços nas condutas de inclusão social e de
atenção à saúde do paciente (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005).
Nos últimos anos, e principalmente após o reconhecimento legal e linguístico
das línguas de sinais como línguas de fato, observa-se uma mudança na concepção
da surdez (BRASIL, 2005). Ao invés de deficiência, essa condição passa a ser
concebida como diferença, caracterizada pela experiência visual. Na ausência da
audição, surge outra forma de subjetividade por meio da visão, possibilitando que o
surdo constitua-se como sujeito. Dessa forma, a experiência visual é um marco da
cultura surda, que expressa a maneira diferente como os surdos percebem, sentem,
vivenciam e se comunicam com o mundo à sua volta (MESERLIAN, 2009).
O Decreto Lei nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), que
regulamenta a Lei 10.436, de 24 de abril de 2002 - que dispõe sobre a língua
brasileira de sinais (LIBRAS) - e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de
2000 - que reconhece a LIBRAS como idioma das comunidades surdas do Brasil – é
possivelmente uma das maiores conquistas dos movimentos empreendidos pelas
populações surdas. A língua brasileira de sinais, língua de sinais da comunidade
19
surda brasileira é uma língua visuoespacial com princípios formacionais únicos
(SOUZA; PORROZZI, 2009).
A Lei 10.436 (BRASIL, 2002) determina que o poder público se empenhe no
apoio e na divulgação da utilização da LIBRAS, que as instituições públicas prestem
atendimento aos surdos em LIBRAS, e que os sistemas educacionais incluam o
ensino da LIBRAS como parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais nos cursos de
formação de Educação Especial, Fonoaudiologia e Magistério, nos Ensinos Médio e
Superior (CAPOVILLA et al., 2004, SOUZA; PORROZZI, 2009).
Reconhecida pela linguística, a LIBRAS é composta de todos os elementos
pertinentes às línguas orais, como gramática, semântica, pragmática e sintaxe, entre
outros. Língua de modalidade gestual-visual, utiliza como canal movimentos
gestuais e as expressões fáceis que são percebidas pela visão, a LIBRAS é capaz
de expressar ideias sutis, ideias complexas, pensamentos e expressões de humor
(FERREIRA BRITO, 1990).
Ainda assim, o processo de transmissão e compreensão de informações
sobre saúde bucal para surdos, que muitas vezes requer a participação de um
intérprete, pode ser truncado por fatores como o desconhecimento do intérprete
sobre o assunto, o que faz com que a tradução para LIBRAS não corresponda com
fidedignidade às informações fornecidas pelo profissional, entre outros.
Sob tal perspectiva, estudos como este, que comparam e propõem diferentes
formas de comunicação, podem contribuir para a prevenção e a manutenção da
saúde bucal de indivíduos surdos, mediante a adoção de instrumentos mais eficazes
de interação. Com isso, a relação entre profissional e paciente enriquece, e permite
a definição de estratégias direcionadas ao objetivo comum de favorecer a boa saúde
bucal.
20
2 - REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Deficiência Auditiva (DA)
Com 53 milhões de habitantes, dos quais três milhões têm alguma deficiência
auditiva, o Nordeste é a região do Brasil que apresenta a maior incidência relativa de
pessoas com alguma perda auditiva (TEMÓTEO, 2012).
A deficiência auditiva - congênita ou adquirida - consiste na diminuição da
capacidade de percepção normal dos sons. De acordo com os diferentes graus da
perda de audição, pode-se classificá-la em surdez leve - perda auditiva de até 40
decibéis -, moderada - perda auditiva entre 40 e 70 decibéis -, severa - perda
auditiva entre 70 e 90 decibéis - e profunda - perda auditiva superior a 90 decibéis -
(BRASIL, 2001).
A pessoa que apresenta perda auditiva é denominada surda ou deficiente
auditiva, mas a maioria dos ouvintes desconhece o valor semântico dessas
expressões. Os termos surdo-mudo, mudo e mudinho não são mais utilizados
porque não correspondem à realidade das pessoas com perdas auditivas que, na
verdade, não apresentam alterações nos órgãos fonoarticulatórios. No entanto, por
muito tempo a sociedade, incluindo os profissionais da saúde, ignorou as
especificidades das pessoas surdas, desconsiderando que elas apresentam
diferenças linguísticas significativas que devem ser respeitadas (CHAVEIRO et al.,
2009).
É possível que isso tenha ocorrido em decorrência da invisibilidade da surdez.
Os ouvintes não a enxergam, mas ela interfere enormemente no desenvolvimento
social, educacional e emocional do indivíduo (NEGRELLI; MARCON, 2006).
Quadros (2000) ressalta que não poucos estudos apontam que a surdez é um
dos problemas de saúde mais ignorados no mundo, por falta de atenção e de
prevenção. Por essa razão, as especificidades linguísticas do deficiente auditivo
ainda são negligenciadas pela sociedade, constituída majoritariamente por ouvintes
(FERNANDES, 1989). “Sem dúvida, a sociedade não se adapta à ideia do deficiente
como alguém produtivo, porque valoriza apenas o exterior, encarando a eficiência
21
como um conceito restritivo – o estereótipo da perfeição” (NEGRELLI; MARCON,
2006, p. 100).
Contudo, destacam Marcato et al. (2000), o desenvolvimento intelectual não
depende do desenvolvimento linguístico. Em condições ideais, a criança surda e a
criança ouvinte atingem igual patamar de desenvolvimento, e as eventuais
dificuldades atravessadas pela primeira durante a aprendizagem podem ser
decorrentes de deficiências no conjunto de experiências vividas por ela.
Para Vygotsky (1987), o pensamento e a linguagem podem ser tratados como
dois objetos independentes que, ao se interconectarem, sofrem uma transformação:
a linguagem se converte em pensamento, e o pensamento se converte em
linguagem.
Ainda no que se refere a Vygotsky (1987), há que destacar que, embora em
um primeiro momento esse educador tenha considerado a fala como elemento
fundamental para o desenvolvimento do ser humano, posteriormente reconheceu
que o que importa é o uso funcional de signos de qualquer natureza, desde que
estes atuem da mesma maneira que a fala no processo de interação social. E, nessa
linha de raciocínio, postula que a linguagem não depende da natureza do meio
material que utiliza, o que significa que não depende necessariamente do som e,
consequentemente, pode se dar sem a utilização das cordas vocais.
Sob essa perspectiva, a perda de audição não inclui o paciente surdo na
condição de deficiente, muito ao contrário: a grande deficiência no atendimento em
saúde reside justamente na atitude da maioria ouvinte, que não se preocupa em
conhecer as particularidades da língua de sinais. Quando o profissional não
estabelece uma comunicação eficaz com o paciente, o uso da tecnologia e o
conhecimento dos procedimentos clínicos de pouco valem para a consecução do
objetivo principal da relação profissional-paciente, que é a manutenção da saúde
(PEREIRA, 2010).
2.1.1 A Família e o Surdo
A família é o primeiro ambiente social frequentado pela criança e, assim
sendo, reveste-se de importância capital para o desenvolvimento da personalidade
22
do ser humano e para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça de forma
satisfatória (MACEDO, 1994).
Motta e Luz (2003) corroboram esse entendimento quando destacam que o
amor, o afeto, a proteção e a segurança providos pela família constituem-se em
estratégias que favorecem o desenvolvimento humano. E a qualidade dessas
relações permeia toda a vida de relação do indivíduo, possibilitando-lhe melhor
relacionamento consigo mesmo e melhor convívio social com as outras pessoas
(NEGRELLI; MARCON, 2006).
Embora a deficiência não seja um problema da pessoa que a tem, mas sim de
quem a vê, como destaca Quadros (2000), as famílias têm muita dificuldade para
aceitá-la. Almeida (1993) menciona as etapas que marcam essa trajetória, da
constatação à aceitação. À descoberta traumática e confusa – em que se buscam os
porquês – sucede-se a negação – a recusa de ver e admitir a situação -, e a esta a
fase da negociação - uma espécie de compensação, em que se empreendem
estratégias para a melhoria das condições de vida do filho portador de deficiência. A
seguir surgem a raiva – pela não obtenção dos resultados esperados –, e por vezes
a depressão – fruto da falta de adaptação à condição (ALMEIDA, 1993). A última
etapa desse conturbado processo é a aceitação, marcada pela conscientização da
deficiência do filho e pelas ações voltadas à socialização dele (NEGRELLI;
MARCON, 2006).
Para minimizar o impacto deletério dessas etapas sobre o pleno
desenvolvimento da criança surda, Luterman et al. (1999) propõem apoio psicológico
e de aconselhamento à família. Para esses autores, a peça-chave no
aconselhamento é o estímulo à autoestima da família, especialmente da mãe, sobre
a qual – na maioria das situações – recai a responsabilidade pela educação dos
filhos. Sob essa perspectiva, a mãe dotada de forte autoestima tem melhores
condições para auxiliar a construção da personalidade dos filhos, tornando-os mais
seguros e independentes, a despeito das limitações que tenham.
A boa aliança familial é fundamental para a aceitação do deficiente no seio
familiar (BRITO; DESSEN, 1999), mas isso requer o estabelecimento de uma
interação efetiva, o que é favorecido pelo diagnóstico precoce da surdez. Somente
23
assim a família poderá adotar, o mais cedo possível, uma maneira eficaz e correta
de comunicação com a criança surda (NEGRELLI; MARCON, 2006).
Os autores que se debruçaram sobre o tema surdez-sociedade e que foram
consultados para a realização deste estudo são unânimes em destacar a
importância da família no processo de crescimento social da criança surda, processo
este que inclui a compreensão do ambiente que a cerca, a construção da
autoimagem e da autoestima, as bases da socialização e da interação afetiva e o
desenvolvimento das capacidades intelectual e produtiva (BRITO; DESSEN, 1999;
FERNANDES, 2004; GUARINELLO, 2004; OLIVEIRA et al., 2004; NEGRELLI;
MARCON, 2006; SANTOS FILHO; OLIVEIRA, 2010).
Mas esse processo, como se sabe, ocorre pela comunicação que, por sua
vez, pressupõe o estabelecimento de uma linguagem comum. E, como lembram
Negrelli e Marcon (2006), não há como ignorar que, para uma família de ouvintes, a
interação com uma criança surda constitui-se em um desafio. Como a surdez não é
vista ou mesmo entendida pelos ouvintes em um primeiro momento, a comunicação
é permeada por interferências que incidem sobre o desenvolvimento social,
educacional e emocional do surdo.
De acordo com Goldfeld (1997), o surdo é um indivíduo com língua, cultura e
identidade próprias, ou seja, um sujeito bilíngue cuja língua materna é a dos sinais e
a segunda a língua da família ouvinte – no caso do Brasil, a língua portuguesa. E,
quando se considera que a grande maioria dos surdos tem família ouvinte
(GOLDFELD, 1997; GUARINELLO, 2004; NEGRELLI; MARCON, 2006), faz-se clara
a necessidade de que a família não só aprenda – mas também utilize
corriqueiramente – essa língua, tornando-a um instrumento de integração e
interação afetiva dentro de casa (GOLDFELD, 1997).
Os achados de Fernandes (2004) vão ao encontro dessa assertiva. O autor
analisou, entre outras situações, aquela de crianças surdas filhas de pais surdos, e
aquela de crianças que tiveram a língua de sinais introduzida precocemente, e
constatou que o desenvolvimento linguístico e cognitivo dessas crianças era o
mesmo de crianças ouvintes de mesma faixa etária.
Também Brito e Dessen (1999) verificaram a relevância da comunicação
24
entre mãe e filho, e o quanto esse diálogo é interativo e profícuo para ambas as
partes. E Bergmann (2001) enfatiza esse efeito benéfico do emprego da língua de
sinais no ambiente familiar quando destaca que o acesso à comunicação resgata, na
criança surda, a sintonia afetiva com a mãe, a construção de significados e a própria
localização no mundo. E conclui, afirmando que o acesso à língua de sinais
proporciona alterações visíveis e salutares no indivíduo surdo, como fisionomia mais
aberta, olhos mais brilhantes e curiosos, aumento da sensação de felicidade e
significativo incremento do interesse pela vida e pelo mundo, pelo fato de
compreender e de saber-se compreendido.
2.2 Política Nacional de Saúde para a Pessoa com Deficiência
Ao longo dos últimos séculos, as políticas de atenção a pessoas com
deficiência têm sofrido significativas alterações na sociedade ocidental. O
desenvolvimento de ações em saúde bucal deriva dos seguintes princípios
expressos no texto constitucional: universalidade, equidade e integralidade. A
universalidade “é a compreensão de que todas as pessoas têm direito ao
atendimento independente de cor, raça, religião, situação de emprego ou renda”. Já
a equidade afirma “que todo cidadão é igual perante o SUS e será atendido
conforme suas necessidades”. E por fim, a integralidade “relata que as ações de
saúde devem ser combinadas e voltadas ao mesmo tempo tanto para os meios
curativos quanto para os preventivos” (NOVAES, 2010).
A Portaria nº. 2.073, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004a), que instituiu a
Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva, prevê o atendimento integral a
pessoas portadoras de deficiência auditiva, com ações que englobem a atenção
básica - trabalhos de promoção da saúde e prevenção - e a identificação precoce de
problemas auditivos, de média e de alta complexidade - triagem em bebês,
diagnóstico, tratamento clínico e reabilitação, com o fornecimento de aparelho
auditivo e terapia fonoaudiológica.
O Decreto-Lei nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), que
trata da garantia do direito à saúde das pessoas surdas ou com deficiência auditiva
determina que, a partir de 2006, o atendimento às pessoas surdas ou com
deficiência auditiva na rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), bem
25
como nas empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de
assistência à saúde, seja realizado por profissionais capacitados para o uso da
língua brasileira de sinais ou para a sua tradução e interpretação.
De acordo com o Censo Demográfico de 2010, realizado pelo IBGE, 23,9%
da população brasileira era portadora de, pelo menos, uma das deficiências
investigadas pela pesquisa, e o número de surdos é de 344.206, sendo 171.801 mil
mulheres e 172.405 homens (IBGE, 2012). Faz-se necessário, portanto, verificar se
o atendimento a essa população segue o preconizado pelo Ministério da Saúde na
Política Nacional de Saúde Bucal (BRASIL, 2004b), ou seja, em primeiro lugar é
imprescindível conhecer as particularidades da identidade e da cultura surda, de
modo a propiciar o desenvolvimento de habilidades comunicativas e favorecer a
relação entre pacientes surdos e profissionais de saúde. Grande parte desse grupo
utiliza a língua de sinais para se comunicar, porém a maioria dos profissionais da
saúde não tem domínio sobre essa forma de comunicação (CHAVEIRO et al., 2009).
Como determina a Lei no 10.436/02 (BRASIL, 2002), os direitos da
comunidade surda devem ser resguardados, assegurando a formação dos
profissionais da área de saúde na adequada assistência a essa parcela significativa
da população (CHAVEIRO et al., 2008).
Com esse foco, o Ministério da Saúde elaborou o manual A Pessoa com
Deficiência e o Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2006) - destinado a médicos,
enfermeiros e outros profissionais de saúde -, que destaca que:
A atenção integral à saúde, destinada à pessoa com deficiência, pressupõe uma assistência específica à sua condição, ou seja, serviços estritamente ligados à sua deficiência, além de assistência a doenças e agravos comuns a qualquer cidadão (BRASIL, 2006).
Mas, a despeito dessa recomendação, os pacientes surdos utilizam o sistema
de saúde de modo diferente dos pacientes ouvintes, e relatam dificuldades como
medo, desconfiança e frustração e, por consequência, buscam assistência médica
com menor frequência (STEINBERG et al., 2006).
Silva e Silva (2004) destacam que, quando a comunicação se dá de forma
eficaz, é possível reconhecer as manifestações de dor ou prazer expressas pelo
outro, tanto por meio de aspectos verbais quanto por meio de manifestações não
26
verbais. Para esses estudiosos, o profissional que identifica os sinais não verbais do
paciente potencializa a interação com este e tem maiores possibilidades de se
aproximar da excelência do cuidar em saúde.
Ainda assim, o que se observa no caso do paciente surdo é que o
comportamento não verbal – característica da condição imposta ao indivíduo pela
surdez - impede um vínculo efetivo entre cliente e profissional. Em função disso,
Barbosa et al. (2003), Chaveiro e Barbosa (2005) e Freitas et al. (2011) preconizam
a presença de conteúdos de LIBRAS na estrutura curricular de cursos de formação
de profissionais de saúde.
E Souza e Porrozzi (2009) vão além, ao postular que a disciplina de LIBRAS
seja incluída nos currículos dos cursos da área da saúde, não como eletiva, mas sim
como crédito obrigatório. Para tais autores, a adoção dessa medida não só
contribuiria para a melhoria do atendimento prestado a clientes surdos, como
permitiria maior interação com colegas surdos, o que contribuiria sobremaneira para
a “otimização da atuação do profissional, da atenção à saúde e do ato de cuidar”
(SOUZA; PORROZZI, 2009, p. 46).
2.2..1 Inclusão Social dos Surdos
A expressão inclusão social está indelevelmente ligada à ideia de exclusão,
principalmente quando se considera que inclusão social significa exatamente a
possibilidade de usufruto de direitos para todas as pessoas. Desse modo, enquanto
inclusão social implica o exercício pleno dos direitos fundamentais do ser humano,
exclusão social remonta à condição de desrespeito, de marginalidade e até de
invisibilidade que atinge milhares de indivíduos e grupos (SANTIAGO, 2012a).
Portanto, inclusão e exclusão formam um par simbiótico e antagônico, e a análise de
cada um desses elementos não pode ser realizada sem que se considere essa
relação (STOER et al., 2004).
De vez que a educação é o pressuposto básico para o pleno desenvolvimento
da pessoa, para o ingresso desta no mercado de trabalho e para o exercício da
cidadania (RABELO NETO, 2015), esta seção – que não é dedicada à educação dos
27
surdos, mas sim à inclusão social destes – é constituída por um breve histórico dos
caminhos – e descaminhos - da educação voltada aos surdos.
Considerados deficientes, incapazes e destituídos de direitos e da
possibilidade de escolhas os surdos foram, ao longo da história, colocados à
margem da vida social, do mundo cultural, da formação educacional e da
participação política (MESERLIAN, 2009).
Até o século XVI, os surdos eram tidos como ineducáveis e, por
consequência, inúteis à coletividade. Com isso, eram submetidos ao preconceito, à
piedade e ao descrédito, sendo até mesmo denominados loucos (DIAS, 2006).
No início do século XVI, lembram Soares (1999) e Jannuzzi (2004), o médico
italiano Gerolamo Cardano (1501-1576) concluiu que o surdo era capaz de
raciocinar e que, como os sons da fala e as ideias do pensamento podiam ser
representados pela escrita, a surdez não se constituiria em obstáculo para que o
surdo adquirisse conhecimento.
O primeiro professor de surdos de que se tem notícia foi o monge beneditino
Pedro Ponce de Leon (1510-1584), que atuava no mosteiro beneditino de São
Salvador - em Oñao -, para o qual, segundo Reily (2007), eram enviados apenas os
surdos de famílias da nobreza espanhola. Os surdos que não pertenciam à elite
social da época viviam na miséria sofrendo a falta de trabalho e o isolamento social.
A linguagem visível, na forma de alfabeto visual, foi publicada por Juan Pablo
Bonet em 1620, no livro Reducción de las Letras y Arte de Enseñar a Hablar a los
Mudos, que explicava como exercitar o educando para a emissão dos sons
(JANNUZZI, 2004). Embora buscassem ensinar o surdo a falar e/ou a se comunicar
por meio da escrita, tais experiências merecem destaque porque demonstram o
surgimento da concepção da possibilidade de aprendizagem dos surdos
(MESERLIAN, 2009) e, consequentemente, da possibilidade de incluí-los no âmbito
da sociedade.
O século XVIII foi marcado pelo trabalho do abade Charles Michel L’Epée
que, em 1775, fundou a primeira escola pública para surdos, em Paris. Naquela
instituição, professores e alunos utilizavam o sistema educacional denominado
28
sinais metódicos, apoiado na linguagem de sinais da comunidade de surdos
(LACERDA, 1998).
Esse método, precursor das línguas de sinais, decorreu da constatação de
L’Epée ao observar grupos de surdos: estes apresentavam uma comunicação muito
satisfatória por meio do canal visuogestual. Calcado nessa constatação, o abade
desenvolveu o sistema de sinais metódicos, no qual os educadores aprendiam os
sinais com os surdos com o objetivo de lhes ensinarem a língua falada e escrita dos
ouvintes (LACERDA, 1998). O sistema de sinais metódicos, formado por uma
combinação entre os sinais dos surdos e sinais inventados pelo abade possibilitou,
aos surdos que nele foram formados, o aprendizado da leitura e da escrita
(MESERLIAN, 2009).
Em 1791, a escola de L’Epée tornou-se o Instituto Nacional para Surdos-
Mudos de Paris (SILVA, 2003). Depois de cinco ou seis anos de formação, os
surdos egressos da instituição não só dominavam a língua de sinais francesa como
o francês escrito, o latim e outra língua estrangeira – também de forma escrita -,
além de terem conhecimentos de geografia, astronomia, álgebra, artes de ofício e
atividades físicas (SILVA, 2006). Com isso, avançavam-se mais alguns passos rumo
à inclusão social das pessoas surdas.
E, embora o sistema de sinais metódicos tivesse como objetivo favorecer o
ensino da língua falada aos surdos, a importância da língua de sinais para o
processo de aprendizagem dos alunos surdos é irrefutável, como destaca Meserlian
(2009). Esse entendimento, ainda que sob a perspectiva da saúde, é compartilhado
por Barbosa et al. (2003), que enfatizam relevância da língua de sinais como
instrumento de comunicação no atendimento de saúde à pessoa surda.
Posteriormente, mais precisamente em 1880, realizou-se o II Congresso
Internacional sobre a Instrução de Surdos – conhecido como Congresso de Milão -,
no qual foram discutidos aspectos relativos à educação de surdos. Ainda que esse
evento tenha definido que, na educação de surdos, o método oral deveria ser
preferido ao visuogestual – o que não pode ser considerado um avanço -, há que
destacar a participação de representantes de países como Inglaterra, Itália, Suécia,
Rússia, Canadá, Estados Unidos da América, Bélgica, França e Alemanha (SILVA,
29
2006), o que demonstra a preocupação da sociedade da época com a comunidade
surda.
Ainda de acordo com Silva (2006), o posicionamento oralista do Congresso
de Milão foi uma decorrência do paradigma homem-máquina da ciência moderna,
marcada pela visão medicalizada da surdez, vinculada à “pedagogia corretiva”.
Assim é que, naquele período, os surdos foram excluídos do processo educativo e
laboral, transformando-se em deficientes e em objeto de pesquisa para a medicina,
pois a surdez era considerada uma anomalia orgânica, ou seja, um agravo biológico
sujeito à cura, e as escolas tornaram-se ambientes de tratamento.
O oralismo vigorou na educação do aluno surdo por um longo período, e até
hoje existem escolas de educação de surdos que adotam essa perspectiva (SILVA,
2003).
Assim é que, somente na década de 60 do século XX, quando a filosofia
oralista já revelara sobejamente o seu fracasso, surgiu a comunicação total,
proposta por Roy Holcomb que, por ter dois filhos surdos, procurava novas
metodologias para ensiná-los (SILVA, 2006).
De acordo com Costa (1994), na comunicação total utilizavam-se
simultaneamente a língua de sinais, o alfabeto digital, a amplificação sonora, a
fonoarticulação, a leitura dos movimentos dos lábios, a leitura e a escrita. E, ainda
que a comunicação total não tenha se constituído no sucesso esperado, o resgate
da língua de sinais se deu graças a ela.
As ineficácias observadas na utilização das filosofias de comunicação total e
oralismo para garantir uma aprendizagem educacional de qualidade para os alunos
surdos fizeram com que, a partir de discussões sobre as práticas até então utilizadas
junto às pessoas com surdez, surgisse, nos anos 90 do último século, o bilinguismo
(OLIVEIRA, 2001). Nessa filosofia educacional, a língua de sinais é a primeira
língua, a língua materna do surdo, e a segunda língua é a língua oficial de seu país.
No âmbito nacional, destacam Guarinello et al. (2007), a proposta bilíngue
ainda é recente, existem alguns projetos em fase de implantação, porém seus
resultados ainda não são conhecidos.
30
Já a preocupação com a inclusão social de pessoas portadoras de
necessidades especiais teve início no país na década de 80 do século passado, e
ainda é objeto de discussão nos dias atuais. Além de postular que a família e a
sociedade devem adaptar-se às necessidades de todas as pessoas - sejam elas
deficientes ou não -, passa-se a assimilar o portador de deficiência como um
cidadão – diferente, diverso, mas sempre cidadão -, dotado de autonomia e
liberdade, em uma sociedade na qual ele tem direitos e deveres (SANTOS, 2003).
Assim é que, atualmente, pessoas com e sem deficiência aprenderam –
forçosamente ou não - a conviver mais proximamente em diferentes espaços sociais
(SANTIAGO, 2012b). Desta forma, a convivência entre pessoas diferentes -
independentemente de algumas resistências - é possível. Todos parecem ser
favoráveis à inclusão social de pessoas com deficiência - no trabalho, na escola, no
lazer, nas ruas - (NOVAES, 2010; SANTIAGO, 2012b). Com isso, “[...] aos poucos
estamos nos convencendo que, mesmo quando o outro nos parece estranho – ‘e
nós perfeitos’ -, temos tantos limites e potencialidades quanto ele” (SANTIAGO,
2012b).
Mas, ainda que as pessoas com deficiência estejam mais presentes em
empresas, escolas, igrejas, clubes etc., e contem com vários dispositivos legais para
garantir seus direitos, seu usufruto não se encontra plenamente atendido. Em outras
palavras, embora todos saibam que uma pessoa com deficiência tem os mesmos
direitos à educação, ao trabalho, à segurança e à saúde que os indivíduos sem
deficiência, a sociedade brasileira não está instrumentalizada para garanti-los
amplamente (RIBAS, 2007).
Na área da saúde, a comunicação interpessoal é imprescindível. De vez que
as ações do profissional da saúde são pautadas pela comunicação,
independentemente da sua formação acadêmica, esse profissional tem como
ferramenta-base de seu trabalho as relações humanas. Portanto, compreender e
otimizar o relacionamento entre o profissional da saúde e a pessoa surda é condição
necessária para qualificar os serviços prestados à população surda (MALDONADO;
CANELLA, 2003).
Ainda assim, Klein e Lunardi (2006) destacam que, após décadas de
31
discursos e práticas institucionais de patologização, reabilitação e normalização,
movimentos de resistência foram se construindo por sujeitos surdos que tinham a
necessidade de encontrar nas comunidades o compartilhamento da mesma língua e
valores culturais comuns.
Para Skliar (2005), a educação de surdos deve atender à singularidade
dessas pessoas, e a participação da comunidade surda no processo histórico e
cultural de cada indivíduo surdo é uma necessidade. O autor enfatiza que a criança
surda tem o direito de se desenvolver em uma comunidade de pares, e de usufruir
de uma educação que respeite as singularidades referentes à língua e cultura
próprias da comunidade surda.
A existência da língua de sinais como língua natural da comunidade surda
(FERREIRA, 2003), a possibilidade de um espaço de interlocução através dela e o
reconhecimento da comunidade permitem que o surdo não seja visto como
deficiente. Essas ideias e conceitos estão ligados à filosofia do bilinguismo
(SANTOS, 2009), anteriormente mencionada.
2.2..2 A LIBRAS como Instrumento de Inclusão Social
Como mencionado na seção anterior, a educação é elemento essencial para
o exercício da cidadania (RABELO NETO, 2015) e, por consequência, para a
inclusão social. E a educação se dá por meio da comunicação entre as pessoas,
cuja forma mais comum é a língua falada (SOUZA; PORROZZI, 2009).
Entretanto, como destaca a Federação Nacional de Educação e Integração
dos Surdos (FENEIS, 2015), os surdos apresentam perda auditiva, problema de
ordem sensorial que dificulta sua comunicação pelas línguas orais, determinando a
necessidade de recorrer a outro canal de expressão. O surdo é um estrangeiro no
próprio país, pois faz uso de uma língua que não é a mesma utilizada pela maioria
de seus compatriotas: a língua de sinais. E, a despeito dos estudos realizados, dos
artigos de divulgação publicados em revistas de variedades de circulação nacional e
da legislação especificamente voltada ao tema, muitas pessoas ainda desconhecem
o valor da língua de sinais, bem como seu papel no processo de inclusão social dos
surdos (SANTIAGO, 2012b).
32
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promovida pela
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO -
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1994,
resultou na Declaração de Salamanca (BRASIL, 2008).
Essa declaração, que reiterou os princípios norteadores de justiça social,
humanização, tolerância e cooperação internacional proclamados na Declaração
Mundial de Educação para Todos, datada de 1990, aborda a língua de sinais em seu
artigo 19, “A importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre
os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e previsão deveria ser feita no
sentido de garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso à educação em sua
língua nacional de signos” (BRASIL, 2008).
Reconhecida no âmbito acadêmico, a língua de sinais insere-se na
modalidade visuoespacial e tem todas as condições e características de uma língua
viva (SANTIAGO, 2012b). Embora articuladas espacialmente - lugar em que são
constituídos seus mecanismos fonológicos, morfológicos e sintáticos -, as línguas de
sinais são icônicas e arbitrárias (SOUSA, 2010; SANTIAGO, 2012b), e possuem os
mesmos universais linguísticos das línguas orais, caracterizando a formação dos
sinais a partir dos fonemas e morfemas. Percebe-se ainda, através da sua
morfologia e sintaxe, o seu caráter flexional, complexo e econômico na produção e
articulação das frases (SOUSA, 2010).
Além disso, e como postulam os bilinguistas e aqueles que trabalham com
populações surdas, a língua de sinais é a língua natural do surdo, e todas as
instâncias da sociedade devem unir esforços para que essa língua seja difundida em
todo o país (COSTA, 1994; QUADROS, 1995, 2000; BRITO; DESSEN, 1999;
GOLDFELD, 1997; LACERDA, 1998; LUTERMAN et al., 1999; SOARES, 1999;
MARCATO, 2000; MARCATO et al., 2000; BERGMANN, 2001; BARBOSA et al.,
2003; CAPOVILLA et al., 2004; GUARINELLO, 2004; CHAVEIRO; BARBOSA, 2005;
KLEIN; LUNARDI, 2006; GUARINELLO et al., 2007; CHAVEIRO et al., 2008, 2009;
MESERLIAN, 2009; SANTIAGO, 2012a, b; TEMÓTEO, 2012),
No Brasil, tem-se a língua brasileira de sinais, mais conhecida como LIBRAS,
cuja origem remonta a 1857 e à língua de sinais francesa. O conde francês Ernest
33
Huet, que era surdo, adaptou os sinais franceses à língua falada no Brasil
(SANTIAGO, 2012b).
Esse sistema foi amplamente difundido e assimilado no Brasil, mas a
oficialização da LIBRAS em lei só ocorreu um século e meio depois, em abril de
2002. O longo intervalo deve-se ao Congresso de Milão - citado na seção anterior –,
cuja decisão de cercear a utilização de sinais por surdos persistiu durante quase um
século (BRASIL, 1997).
Depois de quase ter seu nome alterado, a LIBRAS voltou a vigorar em 1991,
no Estado de Minas Gerais, com uma lei estadual (SANTIAGO, 2012b). Em agosto
de 2001, com o Programa Nacional de Apoio à Educação do Surdo, os primeiros 80
professores foram preparados para lecionar a língua brasileira de sinais
(SANTIAGO, 2012b) que, como já comentado, foi regulamentada em âmbito federal
em 24 de abril de 2002, com a lei n° 10.436 (BRASIL, 2002).
Pesquisas recentes revelam que a LIBRAS, assim como outras línguas de
sinais é comparável em complexidade e expressividade a qualquer língua oral
(QUADROS; KANOPP, 2004). Estruturada a partir de unidades mínimas que formam
unidades mais complexas, a LIBRAS possui os níveis fonológico, morfológico,
sintático e semântico e, como qualquer língua, aumenta seu vocabulário com novos
sinais em resposta às mudanças sociais, culturais e tecnológicas. E, da mesma
forma das línguas faladas, as línguas de sinais variam de país para país (ROSA,
2005; PEREIRA, 2013).
A imensidão de sinais da LIBRAS é tão grande quanto a infinidade de
vocábulos existentes na língua portuguesa, o que demonstra a sua riqueza e
capacidade de externar pensamentos, ideias, emoções e sentimentos (SANTIAGO,
2012b; PEREIRA, 2013).
Assim, e a despeito da grande importância da LIBRAS no atendimento à
pessoa surda, grande parte daqueles que prestam assistência na área de saúde não
a compreendem ou não a utilizam (BARBOSA et al., 2003). Com isso, e dada a falta
de intérpretes dessa língua em hospitais, postos de saúde e outros locais voltados
ao atendimento à saúde, a situação dos surdos que procuram atendimento nesses
locais torna-se muito difícil (SANTOS; SHIRATORI, 2004).
34
O dever profissional de estabelecer comunicação com o paciente, solicitando-
lhe que descreva sua condição física e transmitindo-lhe informações sobre o
diagnóstico e o tratamento (PORTO; TEIXEIRA, 2005) fica comprometido quando
esse paciente é surdo e utiliza a LIBRAS, como revela a manifestação a seguir,
registrada por Chaveiro e Barbosa (2005, p. 420): ”Tenho dificuldades. É muito difícil
a comunicação com os profissionais da saúde”.
Como se constata, as dificuldades com as quais o surdo se depara no
cotidiano não se devem a ele, que detém as capacidades necessárias para
constituir-se enquanto um indivíduo no sentido social dessa palavra, mas ao entorno
social, que não lhe permite utilizar a sua forma de significar o mundo, não estimula e
não entende a língua de sinais (GOLDFELD, 1997).
Para Chaveiro e Barbosa (2005), a presença do intérprete de LIBRAS para
surdos em instituições de saúde é essencial, mas deve ser considerada como uma
providência pontual, bem distante da perspectiva de inclusão social. Na ausência ou
na impossibilidade do tradutor, e até mesmo quando este se faz presente, a
interação paciente-profissional de saúde não se dá de maneira adequada, o
entendimento do intérprete pode não corresponder àquilo que os interlocutores têm
que transmitir um ao outro.
E Chaveiro et al. (2009) complementam essa ponderação ao destacarem a
necessidade de o profissional conhecer as particularidades da identidade e da
cultura surdas, de modo a favorecer a relação com o paciente e reduzir o
desconforto de ambos no encontro clínico.
Assim, e tendo em vista que a comunicação é um indicativo de qualidade de
vida, os profissionais de saúde devem estar aptos a se comunicar com os surdos,
promovendo uma assistência humanizada e focalizada no contexto de uma
sociedade inclusiva (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005).
2.3 Educação em Saúde Bucal
Surgida na Europa no século XVIII – em consequência dos movimentos
filosóficos, políticos, econômicos e sociais da época, que pregavam que o saber
científico, com ênfase a aspectos relacionados à higiene e à saúde -, a educação em
35
saúde ainda é relegada a um plano de menor destaque, a despeito de sua grande
importância para o conjunto da sociedade. As pessoas se preocupam mais com a
cura da doença já instalada do que com a prevenção e a promoção da saúde
(FOCESI, 1992).
A percepção da importância da saúde bucal para a qualidade de vida se dá
de variadas maneiras, nos domínios físico, social e psicológico. A capacidade de se
alimentar e a ocorrência de dor costumam ser considerados os aspectos positivo e
negativo mais relevantes para a qualidade de vida (MCGRATH; BEDI, 2004; TESCH
et al., 2007).
Sendo a primeira oportunidade de socialização e de aprendizagem de hábitos
de convívio e higiene, a escola se constitui no melhor local para se dar início à
educação em saúde (RIZKALLAH, 1991). Professores de ensino fundamental e
médio e profissionais de saúde devem ter formação que lhes permita trabalhar
aspectos de prevenção de doenças e promoção da saúde (BARBOSA et al., 2008),
bem como compreender a complexidade que permeia a condição de não ouvir
(PEREIRA, 2010).
Isso se justifica principalmente quando se considera que 90 a 95% dos
indivíduos surdos são filhos de pais ouvintes (PEREIRA, 2010), que geralmente não
compartilham o conhecimento da língua de sinais, o que implica atraso na aquisição
e aprendizagem de uma língua por parte dos filhos surdos que, muitas vezes, são
excluídos de contatos sociais e do direito de conhecer (NOGUEIRA; 1998;
FERNANDES, 2003; NEGRELLI; MARCON, 2006; MESERLIAN, 2009).
Nesse contexto, a comunicação não verbal é importante no atendimento a
pacientes surdos (CHAVEIRO et al., 2009). Entretanto, como informa França
(2011), os profissionais da área de saúde não têm capacitação adequada para
comunicar-se com o surdo, o que influencia na qualidade do atendimento prestado.
Por vezes, algumas estratégias de comunicação não verbal – escrita, gestos e
mímica – são adotadas, mas tais iniciativas envolvem atributos pessoais como
paciência, criatividade e empatia (MEADOR; ZAZOVE, 2005).
É notório que os atributos acima mencionados – que decorrem de
características pessoais e da formação de caráter do indivíduo - não são
36
transmissíveis em conteúdos programáticos de disciplinas do ensino formal, mas a
inserção de informações de outras áreas do conhecimento pode interferir
positivamente na formação do profissional de saúde. Essa foi a constatação de
Moraes et al. (2006), que objetivavam conhecer os modos de se expressar de
estudantes de odontologia em relação a pessoas com deficiência. Para tanto,
aplicaram, a grupos de estudantes dessa área, questionários abertos contendo
exemplos de situações inclusivas. Os questionários foram aplicados duas vezes a
cada grupo de estudantes: antes e após estes participarem de um módulo de ensino
sobre pacientes especiais. As respostas foram categorizadas em: polarização
positiva - aprovação, negativa - pena -, ou sem polarização, fazendo-se distinção
entre foco na pessoa e nas ações inclusivas. Os resultados indicaram totais mais
altos para categorias com polarização positiva e aumento desses valores após o
módulo de ensino, e foco predominante na pessoa. Para os autores, os alunos de
odontologia estão predispostos a ações inclusivas, e podem se aproveitar das
informações da psicologia, notadamente aqueles voltados aos fatores que influem
nas interações entre indivíduos ao processo de desenvolvimento humano em
situações regulares e adversas. Assim, a capacitação dos estudantes de odontologia
pode receber importante contribuição dessa área de conhecimento, especialmente
no que se refere ao atendimento de pacientes especiais.
Mas, a despeito de sua relevante contribuição à formação de profissionais de
saúde, a psicologia não contempla a principal demanda da população surda, que é a
comunicação verbal. A falta de comunicação oral torna o surdo desintegrado da
sociedade ouvinte, dificultando-lhe significativamente o usufruto de serviços básicos
de saúde, pois os ouvintes também têm dificuldades em entender a língua dos sinais
(SOUZA; PORROZZI, 2009).
Lima (2007) conduziu pesquisa sobre a percepção do surdo acerca do
processo de comunicação na assistência à saúde. A amostra era constituída por 34
pessoas surdas de ambos os sexos, alunas do ensino médio no município de
Campina Grande (PB). De acordo com os resultados, 91% dos participantes
encontravam dificuldades no atendimento à saúde e necessitavam de
acompanhante para esse atendimento, 26% recorriam a intérpretes, 3% aos amigos,
68% aos familiares - quase sempre a mãe -, e apenas 3% afirmaram não precisar de
acompanhante. Sobre o receio de uma possível interpretação errônea por parte dos
37
profissionais da saúde acerca de seus sintomas, 82% afirmaram ter medo -
especialmente em relação ao tratamento medicamentoso -, 91% disseram nunca ter
sido atendidos por profissionais de saúde conhecedores da LIBRAS, e 94%
afirmaram desconhecer os direitos da pessoa surda em relação à saúde. Diante
desses resultados, e de outras manifestações do grupo analisado em relação ao
atendimento em saúde, o autor conclui que os surdos “consideram falta de respeito
com a comunidade surda o fato de não terem intérpretes ou até mesmo profissionais
conhecedores da LIBRAS e acreditam que o intérprete ajudaria bastante no
atendimento à saúde” (LIMA, 2007; p. 40).
Em estudo conduzido na Inglaterra, O’Donnell (1985) verificou que os
bloqueios de natureza psicológica interpostos por pacientes especiais ao tratamento
odontológico são decorrentes de dificuldades relacionadas aos recursos disponíveis
e às atitudes e abordagens adotadas pelos profissionais da saúde.
Também Freitas et al. (2011), que trabalharam somente com pacientes
surdos, depararam-se com problemas relacionados à infraestrutura e à interação
profissional-paciente em um serviço público de atendimento odontológico. Para tais
autores, os surdos atendidos pelo serviço público de odontologia estão exigindo os
direitos que lhes são garantidos tanto constitucionalmente quanto pelos documentos
legais (BRASIL, 1999, 2002, 2005) que normatizam a presença de pessoas que
dominem a LIBRAS nas instituições públicas, para facilitar a comunicação e o
atendimento dos que apresentam surdez em qualquer nível: leve, moderada ou
severa.
Os problemas apontados refletem a falta de preparo dos serviços de saúde
para atendimento às pessoas surdas e se refletem em situações como a descrita por
Möller et al. (2010), de maior prevalência de cárie em crianças surdas (n=50) no
grupo (n=245) por eles avaliado.
Sabe-se que a grande maioria das doenças bucais pode ser evitada mediante
a adoção de ações e condutas preventivas mas, para tanto, faz-se necessário tornar
os indivíduos sujeitos do processo de promoção da saúde bucal, conscientizando-os
sobre os fatores de risco a esses agravos. Dentre os aspectos a serem trabalhados
nesse processo de conscientização, o mais importante diz respeito às técnicas
38
adequadas de higiene (WATT, 2005).
O documento Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal (BRASIL, 2004b;
p. 9) determina que
A atenção à saúde bucal deve considerar tanto as diferenças sociais quanto às peculiaridades culturais, ao discutir alimentação saudável, manutenção da higiene e autocuidado do corpo, considerando que a boca é órgão de absorção de nutrientes, expressão de sentimentos e defesa.
Os conteúdos de educação em saúde bucal devem ser pedagogicamente trabalhados, preferencialmente de forma integrada com as demais áreas. Poderão ser desenvolvidos na forma de debates, oficinas de saúde, vídeos, teatro, conversas em grupo, cartazes, folhetos e outros meios. Deve-se observar a lei federal nº 9394/96, que possibilita a estruturação de conteúdos educativos em saúde no âmbito das escolas, sob uma ótica local, com apoio e participação das equipes das unidades de saúde.
Estas atividades podem ser desenvolvidas pelo cirurgião-dentista (CD), técnico em higiene dental (THD), auxiliar de consultório dentário (ACD) e agente comunitário de saúde (ACS) especialmente durante as visitas domiciliares. As escolas, creches, asilos e espaços institucionais são locais preferenciais para este tipo de ação, não excluindo qualquer outro espaço onde os profissionais de saúde enquanto cuidadores possam exercer atividades que estimulem a reflexão para maior consciência sanitária e apropriação da informação necessária ao autocuidado.
A educação em saúde bucal leva em conta que, a partir do conhecimento de
seu próprio corpo e das doenças que podem acometê-lo, o indivíduo se sinta
estimulado a fazer a remoção frequente do biofilme dentário, agente etiológico
primário da cárie e da doença periodontal Farias (2007).
Dessa forma, e considerando que atividades educativas são sempre
benéficas para qualquer comunidade, que sempre poderá tirar proveito das
informações fornecidas pelo profissional (PINTO, 1993), pesquisadores têm se
dedicado a analisar o efeito de ações educativas sobre a saúde bucal de grupos de
pessoas (ANTUNES et al., 1996; CONRADO et al., 1997; SILVEIRA et al., 1998;
LEAL et al., 2002; TOASSI; PETRI, 2002; AQUILANTE et al., 2003; ANTONIO, 2004;
DELFES, 2004; PERIN et al., 2004). Entretanto, dada a diversidade de metodologias
empregadas, a comparação de resultados é bastante difícil (FARIAS, 2007).
A eficácia de ações e/ou programas de educação em saúde bucal depende
da motivação do educador. Os baixos índices de sucesso em alguns programas
dessa natureza foram atribuídos por Flanders (1987) à baixa motivação dos
educadores, que haviam recebido somente três horas de palestra sobre a
39
importância da saúde bucal.
De acordo com Pauleto et al. (2004), a dimensão educativa é pouco
desenvolvida nos programas educativos de saúde bucal. Pouquíssimos desses
programas utilizam estratégias menos tradicionais, capazes de mobilizar as crianças
para o autocuidado.
Com base na diversidade de resultados e metodologias encontrada nos
estudos existentes sobre a matéria, Farias (2007) aponta a necessidade de estudos
mais aprofundados voltados à avaliação do impacto das atividades educativas e das
informações apreendidas por escolares na qualidade da higiene bucal destes. E
também ressalta a necessidade de que se elabore um sistema de educação em
saúde mais humanizado, que utilize a riqueza oferecida pelas experiências de casa
indivíduo.
2.4 Língua Brasileira de Sinais
2.4.1 Histórico
Enquanto na seção 2.2.1 apresentou-se um breve histórico da educação de
surdos no mundo, a presente seção abordará a trajetória da educação dessa
população no Brasil, até o estabelecimento definitivo da língua brasileira de sinais.
Até meados do século XIX, os filhos das elites brasileiras que tinham
deficiências eram enviados para estudar na Europa. E, ainda que em 1835 tenha
havido a primeira tentativa de institucionalização da educação de deficientes no país
- realizada pelo Deputado Cornélio Ferreira, que apresentou um projeto de lei à
Assembleia para que fosse criado o cargo de professor de primeiras letras para o
ensino de cegos e/ou surdos e mudos – (MESERLIAN, 2009), o ensino para surdos
no país só ganhou ímpeto em função do interesse que D. Pedro II tinha de oferecer
educação para o filho de sua prima, que era surdo (REIS, 1992).
Assim é que, em 1856, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos no
Rio de Janeiro - atualmente Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES),
dirigido pelo professor surdo francês Eduard Huet (TEMÓTEO, 2012). O programa
40
de ensino do instituto compreendia as disciplinas Língua Portuguesa, Aritmética,
Geografia, História do Brasil, Leitura sobre os Lábios e Doutrina Cristã. A disciplina
Leitura sobre os Lábios só era oferecida aos alunos que tinham resíduo auditivo.
Para os demais, a metodologia de ensino era a LIBRAS que, como visto
anteriormente, constituía-se em uma adaptação da língua de sinais francesa à
língua falada no Brasil, o português (PINTO, 2006).
Em 1911, por força do Congresso de Milão – também mencionado na seção
2.2.1 -, proibiu-se o uso da LIBRAS e instituiu-se o oralismo (DIAS, 2006). Ainda
assim, comenta Netto (2005), professores e funcionários surdos, bem como ex-
alunos que frequentavam a escola, formaram um foco de resistência e manutenção
da língua de sinais.
A segunda escola para surdos do Brasil, o Instituto Santa Terezinha, foi
fundada em 1923, na cidade de São Paulo (DIAS, 2006), e somente em 1954 foi
criada a terceira escola dessa modalidade, em Porto Alegre (RS). Em 1957, outra
escola para surdos foi inaugurada em Vitória (ES).
Até o final da década de 40 do século XX, os professores de surdos que
militavam no Brasil eram autodidatas ou haviam estudado no exterior (DIAS, 2006).
No início da década de 50 do mesmo século, foi implantado o primeiro Curso de
Formação de Professores para Recuperação de Deficientes da Audição e da
Linguagem Falada, oferecido pelo INES. Equivalente ao segundo grau, o curso tinha
três anos de duração, em regime de internato ou externato, conforme o local de
residência do aluno (SOARES, 1999).
No Brasil, a grande maioria dos surdos que passaram pelo processo de
oralização não falavam e nem faziam leitura labial satisfatoriamente. Poucos surdos
apresentavam habilidade de expressão e recepção verbal razoável, sendo comum,
por esse motivo, ficarem retidos na mesma série do ensino regular. Esse fracasso
escolar pode ser considerado resultado de representações sociais, históricas,
culturais, linguísticas e políticas, devido a concepções equivocadas, em função das
quais o surdo é condicionado a superar a deficiência em busca da igualdade
(MESERLIAN, 2009).
41
2.4.2 Leitura Orofacial
O falar é limitado à concepção ouvinte, que o restringe às línguas
processadas pelo canal auditivo-oral, não reconhecendo a modalidade visuomotora
da língua de sinais como a natural dos surdos. Pode-se afirmar que a linguagem, por
convenção, ainda está vinculada à acústica (WRIGLEY, 1996). Nessa perspectiva,
não ter a fala pressupõe, em uma sociedade oral, a mudez. Dito de outro modo,
pressupõe “ausência de pensamento ou, pelo menos, pressupõe que o surdo não
tem o que dizer” (LOPES, 2007).
Como visto anteriormente, no Congresso de Milão, realizado em 1880, os
estudiosos da educação para surdos que acreditavam na metodologia da língua de
sinais tiveram sua teoria refutada por aqueles que o ensino voltado a tais pessoas
deveria priorizar a língua falada, sistema este denominado oralismo, que foi adotado
em todos os países do ocidente. E, ainda que Moura e Silva, um professor do INES
que visitou o Instituto Francês de Surdos em 1896 tenha ponderado que o oralismo
não era um método aplicável à educação de todos os surdos (PINTO, 2005),
também o Brasil adotou aquele sistema. Ocorre, porém, que a leitura labial,
apontada como a possibilidade de o surdo compensar o sentido da audição para ter
acesso às informações via palavras faladas, era hiperestimada na época,
constituindo-se em um mito. De acordo com Sacks (1990), a leitura labial não é
apenas uma habilidade visual; 75% dela é uma espécie de adivinhação inspirada ou
conclusão por hipótese, dependendo do uso de pistas encontradas no contexto. E
Vilhalva (2004), autora surda, reforça esse entendimento quando relata a dificuldade
do processo a partir de dois pontos centrais: a necessidade de conhecer os códigos
do falante e a diferença de tempos entre a realização da leitura e o ritmo da fala. De
acordo com Sacks (1990, p. 82), a "leitura labial não é apenas uma habilidade visual
- 75% dela é uma espécie de adivinhação inspirada ou conclusão por hipótese,
dependendo do uso de pistas encontradas no contexto".
2.4.3 Estrutura Linguística da LIBRAS
A principal característica da LIBRAS é a modalidade visuoespacial, diferente
da modalidade oral auditiva utilizada nas línguas faladas. Na língua brasileira de
sinais, a motivação icônica é forte. Isso significa que as unidades gestuais
42
correspondem ao elemento significante, e os outros representantes icônicos
correspondem ao significado. Os sinais, por si sós, normalmente não expressam o
significado completo no discurso. O significado é determinado por aspectos que
envolvem a interação dos elementos expressivos da linguagem. No ato da
comunicação, o receptor deve determinar a atitude do emissor em relação ao que
ele produz (QUADROS, 1995).
Segundo Ferreira-Brito (1990), para compor a LIBRAS, os surdos utilizam a
expressão facial/corporal, que será usada no processo do traço semântico do
significado, para transmitir ideias de negação, afirmação, questionamento, opinião e
desconfiança, entre outras. Outras características da LIBRAS são a configuração de
mão (CM – Figura 1), o ponto de articulação (PA), o movimento (M) e a orientação
(O), que compõem o aspecto estrutural da LIBRAS.
Figura 1 - Configuração de Mão (CM): é a forma que a mão terá ao se realizar um sinal. As configurações de mãos assumem características do alfabeto manual e algumas formas diferentes do alfabeto manual.
Fonte: INES (s.d.)
Ponto de Articulação (PA): é o lugar onde a configuração de mão se realiza, podendo esta tocar alguma parte do corpo ou estar em um espaço, ou seja, do meio do corpo até a cabeça.
43
Movimento (M): é o deslocamento da mão no espaço durante a realização do sinal.
Orientação (O): é a direção da palma da mão durante a execução do sinal da LIBRAS: para cima, para baixo, para o lado, para a frente etc. Também pode ocorrer a mudança de orientação durante a execução de um sinal.
A Figura 2 apresenta a configuração de mão correspondente à palavra quinta-
feira.
Figura 2 - Configuração de mão para a palavra quinta-feira. Fonte: CASCE (2013)
O léxico de um idioma é o acervo de todas as palavras (sinais) que as
pessoas que utilizam esse idioma língua têm à disposição para expressar-se
oralmente ou por escrito. No caso da LIBRAS, o léxico constitui o acervo de sinais. A
característica básica do léxico é a mutabilidade, pois está sempre em evolução:
sempre há sinais que se tornam arcaicos, sempre há sinais sendo incorporados,
sempre há sinais mudando de sentido. Todas essas mudanças ocorrem de forma
gradual e praticamente imperceptível para aqueles que utilizam o idioma
(TEMÓTEO, 2012).
A morfologia é o estudo da estrutura, da formação e da classificação das
palavras. No caso da LIBRAS, olha-se para cada sinal isoladamente, não
observando a sua participação na frase ou período. A semântica incide sobre a
relação entre os significantes de sinais e o que eles representam, sua denotação,
seu sentido. A sintaxe refere-se às regras sintáticas de um sistema linguístico, e
44
permite estudar uma língua puramente sob seu aspecto formal, sem referência à
significação ou ao uso que dela se faz (TEMÓTEO, 2012).
Desse modo, ressalta Felipe (2007), a LIBRAS não pode ser estudada tendo
como base a língua portuguesa, porque ela tem gramática diferenciada,
independentemente da língua oral. A ordem dos sinais na construção de um
enunciado obedece a regras próprias que refletem a forma de o surdo processar
suas ideias, com base em sua percepção visuoespacial da realidade. A seguir, são
apresentados três exemplos que demonstram exatamente essa independência
sintática do português:
Exemplo 1:
LIBRAS: EU IR CASA (verbo direcional)
Português: Eu irei para casa - (a preposição para não é utilizada em LIBRAS, porque já está incorporada ao verbo)
Exemplo 2:
LIBRAS: IDADE VOCÊ - (expressão facial de interrogação)
Português: Quantos anos você tem?
Exemplo 3:
LIBRAS: CINEMA O-P-I-A-N-O MUITO-BO@
Português O filme O Piano é maravilhoso!
Na LIBRAS, assim como em outras línguas de sinais, a marcação de tempo é
expressa por meio de morfemas puros, ou seja, não existe flexão verbal de tempo
como ocorre na língua portuguesa (QUADROS, 1995).
Para Turazzi (2009), a iconografia compreende tanto a(s) arte(s) e a técnica
de representação através da imagem, quanto a própria documentação - conjunto de
imagens - resultante dessa atividade, e sinais arbitrários são sinais que não têm
semelhança com o significado.
A modalidade gestual-visual-espacial pela qual a LIBRAS é produzida e
percebida pelos surdos leva as pessoas a pensarem que todos os sinais são o
desenho no ar do referente que representam. É claro que, por decorrência de sua
natureza linguística, a realização de um sinal pode ser motivada pelas
45
características do dado da realidade a que se refere, mas isso não é uma regra. A
grande maioria dos sinais da LIBRAS é arbitrária, não mantendo relação de
semelhança alguma com seu referente. Assim como o português - e qualquer outra
língua utilizada em países geograficamente grandes -, a LIBRAS também tem
variações de sinais de uma região para outra, no mesmo país, destaca Temóteo
(2012).
A língua de sinais é organizada no cérebro da mesma forma que a língua oral.
O surdo exposto à língua de sinais aprende da mesma maneira que a criança
ouvinte aprende a língua oral, naturalmente, derivando da necessidade de
comunicação (BELLUGI et al., 1989).
2.4.4 Dicionários da Língua Brasileira de Sinais
Historicamente, o primeiro dicionário de língua de sinais que surgiu no Brasil
foi a Iconographia dos Signaes dos Surdos-mudos, de autoria de Flausino da Gama,
em 1875. O autor era surdo e estudante do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos,
localizado na cidade do Rio de Janeiro (TEMÓTEO, 2012). A obra foi produzida por
meio de litografia, técnica de gravura muito utilizada no Brasil no século XIX. Trazia
como conteúdo 382 verbetes ilustrados, classificados por meio de indexação
semântica, e estampas que apresentavam uma descrição verbal correspondente aos
verbetes listados, com o intuito de auxiliar o leitor/aprendiz na realização dos sinais
propostos. Mais recentemente, verificou-se que a obra de Flausino é uma cópia
direta do original de Pierre Pélissier - que fora professor no Instituto de Paris -, pois
traz o mesmo léxico, traduzido da língua francesa para a língua portuguesa
(SOFIATO, 2011).
Quase um século depois, em 1969, em Aparecida (SP), foi publicado outro
material sobre LIBRAS, o dicionário intitulado Linguagem das Mãos, de autoria de
Eugênio Oates (TEMÓTEO, 2012). Esse material, assim como o de Flausino da
Gama, sofreu influência de outra língua de sinais – neste caso, norte-americana –,
embora tenha sido elaborado no Brasil por meio de uma pesquisa realizada pelo
autor (FELIPE, 2000).
46
Sofiato e Reily (2014) investigaram a dicionarização da língua brasileira de
sinais, e elencam as obras publicadas no país.
Em 1987 foi publicado, em Piracicaba (SP), o livro Comunicando com as
Mãos, de John E. Peterson, com ilustrações de Judy Ensminger. O livro apresenta
um prefácio no qual o autor discorre sobre a surdez e fornece orientações relativas à
aprendizagem da criança surda. Além disso, a obra contém um texto denominado
Instruções, que tem por finalidade orientar os pais de crianças surdas (PETERSON,
1987).
Já o Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais: desvendando a
comunicação usada pelas pessoas com surdez, de autoria de Márcia Honora e Mary
Lopes Esteves Frizanco, que também são responsáveis pelas ilustrações, foi
publicado em 2009 e teve revisão especializada de Flaviana Borges de Silveira
Saruta, que é surda (SOFIATO; REILY, 2014).
A primeira edição do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue: língua de
sinais brasileira (volumes I e II), que contém indexação por ordem alfabética e 9.500
sinais, foi publicada em 2001 (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001). Os autores Fernando
César Capovilla e Walkíria Duarte Raphael relatam que o estudo configurou, ao
longo da história, uma tradição iconográfica para o design de dicionários de língua
brasileira de sinais, independentemente das diferenças nos estilos dos ilustradores,
observando-se características do dicionário de Flausino da Gama que perduram em
novos dicionários de LIBRAS.
Tendo em vista todas as discussões que envolvem a área da surdez e que
propõem uma melhor qualidade de ensino para os surdos, Iguma e Pereira (2010)
elaboraram a obra Saúde em LIBRAS: apoio ao atendimento para o paciente surdo,
dicionário voltado aos profissionais da saúde com o intuito de auxiliá-los no
atendimento a pacientes surdos.
2.5 Saúde Bucal em LIBRAS
O desenvolvimento de ações direcionadas ao cuidado total em saúde,
especialmente em saúde bucal, deriva de vários princípios além daqueles expressos
no texto constitucional - universalidade, integralidade e equidade -, dentre os quais
47
se destaca o acolhimento. O acolhimento envolve ações que garantem atos de
escuta, orientação, atendimento, encaminhamento e acompanhamento, que
caracterizariam o primeiro ato de cuidado junto aos usuários, contribuindo para o
aumento da resolutividade e da adesão, e para a manutenção da saúde coletiva
(MORAES et al., 2006).
Mas, ainda que nas últimas décadas a odontologia e os cuidados com a
saúde bucal tenham avançado significativamente, muitas pessoas em todo o mundo,
especialmente as mais pobres, ainda são afetadas por problemas bucais como a
cárie e a doença periodontal (PETERSON, 2003).
Todas as profissões da área de saúde apresentam como um dos seus
instrumentos a comunicação, utilizando-a como ferramenta para desenvolver e
aperfeiçoar o saber-fazer profissional, o que faz com que muitos autores
considerem-na como uma necessidade humana básica, como uma competência que
todos os profissionais devem desenvolver e, ainda, como um instrumento básico
para proporcionar melhor qualidade no atendimento (FREITAS et al., 2011).
O termo comunicação automaticamente remete à linguagem, fator intrínseco
ao ato de comunicar, e que corresponde à utilização dos elementos de uma língua
como meio de comunicação entre os homens, de acordo com as preferências de
cada um, sem preocupação estética e que serve com meio de exprimir o que se
sente ou pensa (CIANCIARULLO, 2000; GUARINELLO et al., 2006).
Ocorre que a língua natural dos surdos é a língua de sinais, desconhecida
pela esmagadora maioria dos ouvintes, o que dificulta sobremaneira a interação
profissional-paciente (CHAVEIRO et al., 2009). E, como destacam Chaveiro e
Barbosa (2005), as dificuldades de comunicação podem se tornar uma barreira ao
sucesso do atendimento.
Estudos voltados à relação entre atendimento em saúde e pessoas surdas
(MANTELATTO et al., 2000; BERGMANN, 2001; BARBOSA et al., 2003, 2008;
LEZZONI et al., 2004; SANTOS; SHIRATORI, 2004; CHAVEIRO; BARBOSA, 2005;
MEADOR; ZAZOVE, 2005; STEINBERG et al., 2006; LIMA, 2007; CHAVEIRO et al.,
2008, 2009; FREDERICO; BATISTA, 2008; SOUZA; PORROZZI, 2009; FRANÇA,
2011; FREITAS et al., 2011; SAGÁRIO et al., 2012) são unânimes em enfatizar a
48
premente necessidade de que aspectos da comunicação sejam melhor estudados e
abordados no contexto da promoção de saúde. Assim sendo, Chaveiro e Barbosa
(2005, p. 422) concluem: “Responder às dificuldades dos surdos quando procuram
atendimento à saúde é dever de todos profissionais comprometidos em colaborar na
construção de uma sociedade inclusiva”.
Com esse foco, Sousa e Pagliuca (2001) construíram e testaram uma cartilha
sobre saúde sexual e reprodutiva para surdos. A testagem da cartilha foi feita
através de grupos educativos com surdos. A desenvoltura, a informalidade das
discussões e a avaliação da cartilha pelos surdos indicaram sua boa aceitação e
recepção pelo grupo, e mostrou a necessidade de algumas correções no material
didático. As autoras concluíram que a obtenção de conhecimentos contribuiu com a
emancipação do grupo, tornando os indivíduos mais seguros e autônomos na área
de saúde abordada.
No âmbito da saúde bucal, Freitas et al. (2011), que se debruçaram sobre o
atendimento odontológico a pacientes surdos, identificaram dificuldades
relacionadas ao comportamento dos profissionais entre os problemas apontados
pelo grupo investigado. Ao serem questionados sobre visitas ao consultório
odontológico, a maioria dos entrevistados demonstrou que socialmente a restrição
auditiva aparece como obstáculo comunicativo no ambiente do consultório dentário.
A maioria (90%) afirmou que normalmente visita o dentista, mas que necessita de
companhia, reforçando que os participantes vão acompanhados não por questão de
falta de autonomia, mas porque encontram dificuldade para entabular comunicação
com os profissionais da odontologia. Percebe-se que o que caracteriza e evidencia a
surdez é justamente a problemática da comunicação. Segundo os surdos
entrevistados, quando procuram os serviços odontológicos enfrentam situações que
interferem negativamente na qualidade do processo de comunicação. Os
entrevistados relataram que experimentam dificuldades para compreender a língua
dos profissionais de odontologia que não dominam a LIBRAS, considerada a língua
natural dos surdos.
49
3 - OBJETIVOS
O presente trabalho foi realizado com foco nos objetivos – geral e específicos
- elencados a seguir.
3.1 Geral
Avaliar comparativamente a percepção dos surdos sobre os cuidados de
saúde bucal recebidos por meio de linguagem oral e linguagem sinalizada.
3.2 Específicos
Elaborar uma cartilha contendo orientações de saúde bucal em LIBRAS.
Comparar a percepção dos surdos sobre os cuidados com a saúde bucal,
recebidas as informações por meio de linguagem oral exclusiva e pela linguagem
oral associada à Língua Brasileira de Sinais.
50
4 - MATERIAL E MÉTODOS
4.1 Aspectos Éticos
De acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 4662/12,
de 12 de dezembro de 2012 (BRASIL, 2013), o projeto de pesquisa foi submetido a
análise e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade
Cruzeiro do Sul (UNICSUL), sob o protocolo CE/UCS-121/2014 (Anexo A).
Definidos os instrumentos de pesquisa e a elaboração do projeto, este foi
encaminhado à diretoria do Centro de Educação de Jovens e Adultos Monsenhor
Pedro Rocha de Oliveira, localizado no município de Crato (CE), que autorizou a
realização do estudo nas dependências daquela entidade (Anexo B).
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE - Apêndice A),
estabelecido pela Resolução CNS 4662/12 (Brasil, 2013), foi entregue às pessoas
maiores de 18 anos, ou aos responsáveis por estas – se menores de 18 anos -
convidadas a participar do projeto, e somente aquelas que o devolveram assinado
foram incluídas no estudo.
Como se verifica no TCLE (Apêndice A), toda e qualquer informação pessoal
dos integrantes da amostra do presente estudo pesquisa foi e será mantida em
sigilo, o que garante a confidencialidade, a proteção das identidades e das
informações pessoais destes.
4.2 Caracterização do Estudo
A presente pesquisa, de caráter exploratório-qualitativo (MINAYO, 2000),
utilizou questionários fechados (Anexo D) e valeu-se da análise descritiva de dados
e da estatística inferencial para aferir os resultados.
4.3 População e Amostra do Estudo
Inicialmente, determinou-se a população alvo: portadores de deficiência
auditiva residentes no município de Crato (CE), matriculados no Centro de Educação
51
de Jovens e Adultos (CEJA) Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira – localizado no
citado município - e/ou cadastrados na Associação Cratense de Defesa da Pessoa
Surda (ACDPS) do mesmo município.
Diante da impossibilidade prática de examinar todos os elementos da
população de interesse, foram estabelecidos critérios de inclusão e de exclusão -
descritos a seguir -, que possibilitaram a seleção da amostra, constituída por 32
indivíduos portadores de deficiência auditiva severa (perda auditiva entre 70 e 90
decibéis) ou profunda (perda auditiva superior a 90 decibéis) - conforme
estabelecido pela Secretaria de Educação Especial (BRASIL, 1999) -, maiores de 16
anos, residentes no município de Crato (CE), que aceitaram – ou foram autorizados
pelo responsável legal a fazê-lo - participar da pesquisa, aderindo a ela no ato da
assinatura - pessoal ou pelo responsável legal - do TCLE.
4.3.1 Critérios de Inclusão
Os critérios de inclusão adotados para a seleção de indivíduos que
comporiam a amostra do presente estudo foram:
• ser portador de surdez severa ou profunda – de acordo com o estabelecido pela
Secretaria de Educação Especial (BRASIL, 1999) -, confirmada por exame de
audiometria;
• residir em Crato (CE);
• não apresentar outro tipo de deficiência;
• ter mais de 16 anos na época de realização da pesquisa;
• aceitar – ou ter o consentimento do responsável para fazê-lo - participar da
pesquisa, mediante assinatura - própria ou do responsável legal - no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
4.3.2 Critérios de Exclusão
Os critérios de exclusão adotados para a seleção de indivíduos que
comporiam a amostra do presente estudo foram o não atendimento aos critérios de
52
inclusão elencados na seção anterior, e ser portador de surdez leve ou moderada –
de acordo com o estabelecido pela Secretaria de Educação Especial (BRASIL,
1999) -, confirmada por exame de audiometria;
4.4 Colaboradores
Para garantir a necessária interação pesquisadora-população amostral, bem
como a fidedignidade dos dados obtidos, participaram da pesquisa três professoras
de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), devidamente calibradas, uma intérprete de
LIBRAS, uma psicóloga e um deficiente auditivo - porque a língua de sinais é
considerada língua natural da pessoa surda, e para avaliar com maior legitimidade
alguns níveis linguísticos que compõem essa língua.
4.5 Local e Período de Realização da Pesquisa
A pesquisa foi realizada no Centro de Educação de Jovens e Adultos
Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira e na Associação de Surdos do Município,
ambos localizados em Crato (CE), no período de 2013 a 2015.
4.6 Estudo Piloto: avaliação diagnóstica
Para avaliar o grau de conhecimento da população-alvo sobre saúde bucal,
bem como a aplicação do questionário, o tempo necessário para a realização da
pesquisa e a influência das intérpretes sobre os surdos procedeu-se ao estudo piloto
– avaliação diagnóstica - em uma população constituída por 12 surdos que
cursavam o ensino fundamental e médio no Centro de Educação de Jovens e
Adultos Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira, localizado no município de Crato (CE).
Para tal avaliação, e com o auxílio das intérpretes de LIBRAS da instituição -
que utilizavam a língua de sinais para descrever as palavras e frases.-, os jovens
foram submetidos a um formulário de sondagem sobre a percepção de saúde bucal,
cujos resultados direcionaram a configuração do questionário e a elaboração da
cartilha(ANEXO D).
53
A realização desse estudo piloto – avaliação diagnóstica - possibilitou duas
relevantes constatações para a consecução da pesquisa, a saber: a) a discrepância
– “atraso” - existente entre a idade cronológica e a alocação na seriação escolar
formal da educação brasileira na população surda, que direcionou a eleição de
indivíduos de maior faixa etária para constituição da amostra; b) a falta de
informação sobre saúde bucal – tanto entre as intérpretes quanto na população alvo
-, que fez com que se procedesse a uma calibração das intérpretes de LIBRAS
sobre o assunto, à construção de um diagrama conceitual para estas e de cartazes
sobre o assunto para os surdos (Apêndice B), além de direcionar os conteúdos da
cartilha.
4.7 Elaboração da Cartilha
A cartilha, que contempla informações importantes sobre saúde bucal, é
sintética e didática e, para atingir a clareza desejada e necessária, utiliza palavras e
expressões simples e coloquiais.
Para que a cartilha surtisse o efeito pretendido, de efetivamente despertar nos
portadores de deficiência auditiva a preocupação e o interesse pela manutenção da
saúde bucal, induzindo-os às boas práticas de higiene e cuidados bucais, foram
realizadas consultas aos dicionários bilíngues já publicados e obteve-se a
participação de uma surda e de duas intérpretes de LIBRAS.
A cartilha traz informações, em português e em LIBRAS, sobre os
componentes da cavidade bucal - como dente e gengiva, placa bacteriana, cárie
dentária, gengivite, periodontite - e manutenção desta – hábitos de higiene bucal,
métodos de escovação e atenção à dieta alimentar, entre outros aspectos. Além
disso, e a título de complementação, apresenta o alfabeto, os números, o calendário
e saudações na Língua Brasileira de Sinais.
Portanto, a construção da cartilha do presente estudo transmitiu informações
sobre saúde bucal a um grupo de portadores de deficiência auditiva severa e
profunda, para posteriormente comparar o entendimento de tais indivíduos sobre o
assunto ao entendimento de outro grupo de portadores de deficiência auditiva
severa e profunda que receberam somente informações verbais acerca da matéria.
54
Elaborada à luz das publicações de Capovilla; Raphael e Maurício (2009) e de
Iguma e Pereira (2010) - que se aprofundaram no universo da Língua Brasileira de
Sinais -, e com a adoção das condutas e recursos mencionados anteriormente, essa
cartilha pode auxiliar os portadores de deficiência auditiva a aprimorarem práticas de
comunicação e de raciocínio, indo ao encontro das postulações de Peterson, onde
possui informações em português, libras e a figura da palavra ou frase do contexto
(2003 – Anexo C).
4.8 Procedimentos e Instrumento da Coleta de Dados
Inicialmente estabeleceu-se que, para avaliar o impacto da cartilha sobre o
grau de conhecimento relativo à saúde bucal dos 32 integrantes da amostra, seriam
constituídos dois grupos aleatórios um dos quais receberia somente informações
verbais sobre saúde bucal – doravante denominado Grupo I informações orais sobre
saúde bucal -, enquanto o outro receberia informações orais sobre o assunto e
também seria exposto à cartilha – doravante denominado Grupo II - informações
orais + cartilha em libras sobre saúde bucal.
Entretanto, e para enriquecer a avaliação estatística, possibilitando a análise
inferencial dos dados, optou-se por escolher oito indivíduos da amostra para a
constituição de um grupo pareado. Grupo pareado é aquele constituído pelos
mesmos sujeitos em dois momentos distintos (STUDENT, 1908). No caso, esses
oito indivíduos participaram dos dois grupos: inicialmente do Grupo I – informações
orais sobre saúde bucal e, após a exposição à cartilha, do Grupo II - informações
orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal. Com isso, ambos os grupos
contemplavam 20 indivíduos (Figura 3).
O instrumento utilizado para a avaliação foi o questionário traduzido e
validado Health literacy education for children acceptability of a school-based
program in oral health (NAITO et al., 2007), constando no Anexo D, contendo nove
questões, uma nota - variando de zero a nove - foi atribuída para cada sujeito da
pesquisa pela soma das respostas corretas ao questionário. Essas notas foram
calculadas com auxílio do SW estatístico, gerando uma nova variável no banco de
dados.
55
Para garantir o entendimento das perguntas e a fidedignidade das respostas
pelos integrantes da amostra, levou-se em consideração que, diferentemente da
fala, a linguagem dos surdos é essencialmente gestual e, por consequência, exige
maior concisão e simplicidade. Como se verifica, todas as perguntas do questionário
são de fácil compreensão, o que o torna um instrumento de rápida aplicação. Além
disso, as intérpretes mantiveram-se à disposição dos indivíduos da amostra para
eventuais esclarecimentos – abstendo-se, entretanto, de interferir nas respostas -
durante a aplicação do questionário.
Trabalhou-se com 40 questionários, considerados em sua totalidade na
análise descritiva dos dados. Já na estatística inferencial, procedeu-se à
comparação entre os grupos independentes e o grupo pareado.
57
5 - RESULTADOS
5.1 Percepção dos Surdos sobre Saúde Bucal (Estudo Piloto- Avaliação
Diagnóstica)
Como mencionado na seção 4.6, inicialmente aplicou-se um formulário de
sondagem sobre a percepção de saúde bucal para 12 alunos surdos do Centro de
Educação de Jovens e Adultos Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira e, com base
nos resultados obtidos (Tabela 1), foi selecionado o questionário e elaborada a
cartilha. Os gráficos e as tabelas foram construídos no software Excel e no software
gratuito R Core Team (2015).
Tabela 1 - Percepção do grupo de integrantes do estudo piloto (avaliação diagnóstica) com relação à saúde bucal (dados coletados com a técnica de grupo focal) - Crato (CE), 2013.
FIGURAS RESPOSTAS
DENTE
SAÚDE HIGIENE IMPORTANTE SORRIR NÃO SEI
N % N % N % N % N %
3 25 2 16,67 3 25 2 16,67 2 16,67
CÁRIE
ESCOVAR DOENÇA DOR SUJO PROBLEMA
N % N % N % N % N %
2 16,67 2 16,67 4 33,33 1 8,33 3 25
GENGIVA
NÃO SEI
N % N % N % N % N %
12 100
SENTE DOR DE DENTE
SIM NÃO NÃO SEI
N % N % N % N % N %
9 75 0 0 3 25
DENTISTA SOUBE SE
COMUNICAR
SIM NÃO NÃO SEI
N % N % N % N % N %
2 16,67 8 66,67 2 16,67
58
As correlações estabelecidas pelo grupo de surdos do estudo piloto com as
palavras ou imagens apresentadas foram: Dente - 25% dos participantes
escreveram a palavra importante; Cárie - 33% dos surdos escreveram dor e 25%
deles escreveram problema; Gengiva - 100% assinalaram não sei, por
desconhecerem o sinal de LIBRAS para a palavra gengiva.
No que concerne às frases, as correlações foram as que seguem: Sente dor
de dente? - 25% dos surdos responderam SIM e 75% não sei; Dentista soube se
comunicar? - 67% dos participantes assinalaram não (o cirurgião-dentista não utiliza
LIBRAS).
5.2 Cartilha de Saúde Bucal em Libras Utilizada com o Grupo II
A Cartilha de Saúde Bucal em LIBRAS utilizada com o Grupo II consta das
Figuras 4 a 5.
59
Figura 4 - Cartilha de Saúde Bucal em LIBRAS: capa, apresentação, primeira dentição e dente permanente – Crato (CE), 2014.
60
Figura 5 - Cartilha de Saúde Bucal em LIBRAS: estrutura do dente, doença de gengiva, cárie, método de escovação - Crato (CE), 2014.
61
Figura 6 - Cartilha de Saúde Bucal em LIBRAS: escovação, fio dental, bochecho com flúor, escovação da língua, dieta alimentar, dente hiGIenizado - Crato (CE), 2014.
62
5.3 Dados Demográficos – faixa etária, sexo e escolaridade – dos Grupos Constituintes da Amostra
5.3.1 Frequências, por Faixa Etária, dos Integrantes dos Grupos Estudados
No que concerne à frequência por faixa etária, o Grupo I mostrou maior
percentual de 17 a 21 anos (45%), enquanto no Grupo II prevaleceu a faixa etária de
27 a 32anos (30%), como demonstram as Tabelas 2 e 3.
Tabela 2 - Distribuição de frequência das faixas etárias dos integrantes do Grupo I – informações orais sobre saúde bucal - Crato (CE), 2013-2015.
GRUPO 1
Faixa Etária Frequência Acumulada Percentual Percentual acumulado
17 a 21 anos 9 9 45% 45%
22 a 26 anos 7 16 35% 80%
27 a 31 anos 2 18 10% 90%
32 a 36 anos 0 18 0% 90%
37 a 41 anos 1 19 5% 95%
42 a 47 anos 1 20 5% 100%
Tabela 3- Distribuição de frequência das faixas etárias dos integrantes do Grupo II – informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal - Crato (CE), 2013-2015.
GRUPO 2
Faixa Etária Frequência Acumulada Percentual Percentual acumulado
17 a 21 anos 2 2 10% 10%
22 a 26 anos 5 7 25% 35%
27 a 31 anos 6 13 30% 65%
32 a 36 anos 4 17 20% 85%
37 a 41 anos 3 20 15% 100%
42 a 47 anos 0 20 - 100%
63
5.3.2 Frequências, por Sexo, dos Integrantes dos Grupos Estudados
Em relação à frequência por sexo, os resultados mostram que tanto no Grupo
I quanto no Grupo II prevaleceu o sexo feminino.
Figura 7 - Distribuição de frequência dos sexos dos integrantes do Grupo I – informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II – informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal - Crato (CE), 2013-2015.
5.3.3 Frequências, por Escolaridade, dos Integrantes dos Grupos Estudados
Os resultados mostraram que, a despeito das diferenças de idade, o ensino
fundamental prevaleceu nos dois grupos.
Figura 8 - Distribuição de frequência da escolaridade dos integrantes do Grupo I – informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II – informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal - Crato (CE), 2013-2015.
64
5.4 Correlação entre as Respostas dos Integrantes dos Grupos I e II às Perguntas do Questionário (NAITO et al., 2007) e as Variáveis Faixa Etária ou Escolaridade
5.4.1 Pergunta: A cárie é transmissível?
Como se verifica na Figura 9, a alternativa sim foi a mais assinalada pelos
integrantes do Grupo II - Informações Orais + Cartilha em LIBRAS sobre Saúde
Bucal -, independentemente da faixa etária (Figura 9).
Figura 9 - Correlação entre as alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I - informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II – informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – à pergunta “Cárie é transmissível?” e a variável faixa etária - Crato (CE), 2013-2015.
65
5.4.2 Pergunta: Existem bactérias na boca?
Nesta pergunta, as alternativas não e não sei foram menos pouco assinaladas
pelos integrantes do Grupo II - Informações Orais + Cartilha em LIBRAS sobre
Saúde Bucal -, a despeito do grau de escolaridade dos entrevistados. As diferenças
em relação às respostas dos integrantes do Grupo I – informações orais sobre
saúde bucal – são expressivas (Figura 10).
Figura 10 - Correlação entre as alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I - informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II – informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – à pergunta “Existem bactérias na boca?” e a variável escolaridade - Crato (CE), 2013-2015.
66
5.4.3 Pergunta: O flúor protege os dentes contra a cárie?
Também nesta questão, as alternativas não e não sei foram menos pouco
assinaladas pelos integrantes do Grupo II - Informações Orais + Cartilha em LIBRAS
sobre Saúde Bucal -, a despeito do grau de escolaridade dos entrevistados. A
diferença em relação ao Grupo I – informações orais sobre saúde bucal –,
principalmente no que diz respeito à alternativa não sei é significativa (Figura 11).
Figura 11 - Correlação entre as alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I - informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II – informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – à pergunta “O flúor protege os dentes contra a cárie?” e a variável escolaridade - Crato (CE), 2013-2015.
67
5.4.4 Pergunta: O sangramento da gengiva significa falta de escovação?
Nessa pergunta, a alternativa não sei foi assinalada por cerca de 12% dos
integrantes de faixa etária de 22 a 26 anos e menos de 5% dos participante de 27 a
31 e 42 a 47 anos do Grupo I – informações orais sobre saúde bucal. Já no Grupo II
- Informações Orais + Cartilha em LIBRAS sobre Saúde Bucal -, somente os
integrantes de faixa etária entre 27 e 31 anos assinalaram tal alternativa (Figura 12).
Figura 12 - Correlação entre as alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I - informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II – informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – à pergunta “o sangramento da gengiva significa falta de escovação?” e a variável idade - Crato (CE), 2013-2015.
68
5.5 Comportamento dos Grupos I e II em Relação às Perguntas do
Questionário
Figura 13 - Alternativas assinaladas pelos integrantes do Grupo I - informações orais sobre saúde bucal – e do Grupo II – informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – às perguntas do questionário - Crato (CE), 2013-2015.
69
5.6 Resultado Estatístico do Grupo Independente e do Grupo Pareado
5.6.1 Teste para Verificar se o Estudo da Cartilha Afeta o Desempenho dos
Integrantes do Grupo Independente e do Grupo Pareado
O presente estudo apresenta a análise estatística inferencial dos dados de um
estudo sobre a percepção de surdos sobre a saúde bucal realizado com 32 jovens e
adultos do município de Crato (CE). A análise se centra em verificar a diferença de
desempenho - medida por um questionário sobre saúde bucal - quando se emprega
uma cartilha de saúde bucal em LIBRAS contra um grupo que não foi exposto a
essa cartilha. Oito dos sujeitos da pesquisa responderam o questionário antes e
depois de serem apresentados à cartilha, e os outros 24 foram divididos em dois
grupos de doze surdos cada. A um desses grupos apresentou-se a cartilha (12), e
ao outro grupo (12) a cartilha não foi apresentada.
Na Figura 5.11 estão plotadas as notas individuais para grupo de surdos,
usando-se a comparação entre grupos independentes (24 surdos): o que não foi
exposto à cartilha, o grupo de contraste, indicado por sem no gráfico, e o grupo que
foi apresentado à cartilha, indicado por com no gráfico. Nessa figura estão plotadas
as notas obtidas por cada participante do estudo (os pontos azuis), em uma
configuração denominada stripchart em inglês, que permite que se veja a totalidade
da amostra e a frequência de cada nota obtida, uma vez que notas repetidas são
“empilhadas” lateralmente na figura. Os pontos estão plotados por grupo, permitindo
assim que se visualizem as distribuições dessas notas para cada um. À esquerda de
cada conjunto de pontos está plotado um gráfico da média com seu intervalo de
confiança 95%. No grupo que não usou a cartilha nota-se que um dos indivíduos
obteve uma nota zero, dado que se mostra como aberrante - denominado também
de “atípico”, “discrepante”, “discordante” ou ainda, em inglês, outlier.
70
Figura 14 – Notas e médias para os grupos independentes de surdos.
O número de casos para cada perna da comparação está indicado, embaixo
próximo à identificação do grupo. Os pontos azuis são as notas individuais de cada
caso. O valor à esquerda dos pontos indica a média, e os “bigodes” mostram o
intervalo de confiança 95% para a média. Adicionalmente, nesse gráfico o círculo
vermelho indica o valor da média do grupo sem caso o dado aberrante (nota zero)
não fosse incluído no seu cálculo.
Na Figura 15, usando o mesmo tipo de gráfico adotado na Figura 14, estão
plotados os pontos para a comparação para o grupo que foi submetido ao
questionário antes e depois da apresentação da cartilha. De novo, o grupo indicado
como sem indica as notas obtidas na avaliação antes da exposição, e o grupo
denominado com as notas obtidas após a exposição.
0
2
4
6
8
CARTILHA
NO
TA
6,5
7,8
SEM COM
n=12 n=12
71
Figura 15 – Notas e médias para o grupo pareado de surdos.
O número de casos para cada perna da comparação está indicado embaixo,
próximo à identificação do grupo. Os pontos azuis são as notas individuais de cada
caso. O valor à esquerda dos pontos indica a média, e os “bigodes” mostram o
intervalo de confiança 95% para a média.
Digna de nota é a variância bem maior das notas no caso do grupo sem do
que no grupo com, fato que se reflete na amplitude dos IC 95% das médias.
Visualmente, a distribuição de notas do grupo sem mais parece uma distribuição
uniforme, sem uma modalidade aparente.
5.6.2 Estatística Inferencial
A hipótese alternativa formulada é unicaudal, uma vez que a Ho = A leitura da
cartilha não afeta positivamente o desempenho dos surdos” e a H1 = A leitura da
cartilha afeta positivamente o desempenho dos surdos.
0
2
4
6
8
CARTILHA
NO
TA
3,1
6,9
SEM COM
n=8 n=8
72
Assim, o teste a realizar no caso dos grupos independentes é o teste de
Welch (1938) para médias com variâncias diferentes para aumento de média no
grupo COM versus o grupo contraste SEM.
Os resultados desse teste dão a estatística t = 1,7014; com 14,6 g.l. e p-valor
= 0,055.
As medidas resumo para cada grupo independente estão apresentadas na
Tabela 4.
Tabela 4 – Medidas resumo dos grupos independentes.
Grupo Média Desvio padrão
Sem cartilha 6,5 2,4
Com cartilha 7,8 1,0
De forma análoga para o grupo pareado, a hipótese é também unicaudal, e o
teste apropriado é o teste t de Student (1908) para dados pareados.
Os resultados para o teste dão a estatística t = 3,5216; com 7 g.l. e p-valor =
0,005.
As medidas resumo para cada grupo pareado estão apresentadas na Tabela
5.
Tabela 5 – Medidas resumo do grupo pareado.
Grupo Média Desvio padrão
Sem cartilha 3,1 2,6
Com cartilha 6,9 0,8
No caso do grupo pareado o resultado do teste foi significante
estatisticamente no nível 5%, sendo também o tamanho do efeito bastante visível -
as notas do grupo após a exposição à cartilha praticamente dobraram.
Considerando o teste das médias para os grupos independentes, o p-valor caiu na
faixa duvidosa, não atingindo o nível de significância estatística em 5%, porém
sendo inferior a 10%, havendo a necessidade de avaliar se o resultado, embora
73
nesse limiar do ponto de vista estatístico, tem importância no domínio do problema,
ou seja, se o efeito tem significância clínica neste caso.
O nível de significância estatística foi considerado para níveis de p ≤ 0,05 e foi
considerada faixa duvidosa o nível compreendido na faixa 0,05 < p ≤ 0,10.
O software estatístico empregado na análise foi o R for Windows versão 3.1.2
(2014-10-31) [5] e seu pacote gplots versão 2.15.0 [6].
74
6 - DISCUSSÃO
A partir da década de 1980, e com maior ênfase depois da Declaração de
Salamanca - fruto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
realizada pela UNESCO em 1994 - (BRASIL, 2008), a quantidade de publicações
voltadas à inclusão social de pessoas portadoras de necessidades especiais teve
significativo incremento. Na área da saúde, multiplicaram-se investigações de
caráter qualitativo e estudos remissivos sobre a relação profissional-paciente
especial.
Nesse contexto, a produção acadêmica relacionada ao acesso do paciente
surdo à educação e aos serviços de atendimento à saúde – com ênfase aos
problemas de comunicação decorrentes da utilização de diferentes linguagens –
ganhou ímpeto acentuado, principalmente no Brasil, depois da Lei n. 10.436, de 24
de abril de 2002 (BRASIL, 2002), popularmente conhecida como “Lei de LIBRAS”.
Entretanto, quando do levantamento de informações – provenientes de fontes
formais e até mesmo informais – relativas a instrumentos de educação em saúde
versadas na língua brasileira de sinais, verificou-se que poucos são os trabalhos
focados nessa relação, e praticamente inexistentes aqueles voltados à educação em
saúde bucal em LIBRAS.
Assim sendo, esta seção contempla uma interlocução com publicações
nacionais – de vez que a LIBRAS é a língua brasileira de sinais – e internacionais de
diferentes áreas de saúde, constituições de amostras, metodologias e material
educativo utilizados.
A palavra deficiência leva o olhar à procura de algo que falte no sujeito assim
qualificado. Sempre haverá uma comparação com algum modelo perfeito
(FERNANDES, 1989; SANTIAGO, 2012b). A surdez é considerada uma deficiência
não visível fisicamente, que atinge uma pequena parte da anatomia do indivíduo, ou,
ainda, como a ausência, dificuldade ou inabilidade para ouvir sons específicos,
ambientais e os sons da fala humana. Ocorre que a realidade dos indivíduos que
possuem limitações auditivas, identificados como surdos, revela especificidades
75
linguísticas ainda negligenciadas pela sociedade, constituída majoritariamente por
ouvintes (FERNANDES, 1989).
Dualibi e Dualibi (1989) classificam como pacientes especiais aqueles que
apresentam alguma deficiência: malformações congênitas, alterações
comportamentais, alterações da comunicação ou alterações físicas adquiridas. Já
em relação aos surdos, as alterações da comunicação tornam-nos dependentes da
família que, na tentativa de protegê-los, alija-os do convívio social e de outras
possibilidades, prejudicando a sua qualidade de vida. Mas, a contrapartida também
é verdadeira pois, como menciona Almeida (1993), a trajetória que leva da
constatação de ter um filho deficiente à aceitação dessa condição é bastante
complexa.
Além das angústias e temores, não há como ignorar que, para uma família de
ouvintes, a interação com uma criança surda constitui-se em um desafio. Como a
surdez não é vista ou mesmo entendida pelos ouvintes em um primeiro momento, a
comunicação é permeada por interferências que incidem sobre o desenvolvimento
social, educacional e emocional do surdo (NEGRELLI; MARCON, 2006).
A comunicação pelas línguas orais é muito difícil para o surdo, o que
determina a necessidade de outro canal para que este se expresse, a língua de
sinais (FENEIS, 2015). De modalidade visuoespacial ou espaçovisual, pois o
sistema de signos compartilhados é recebido pelos olhos e sua produção realizada
pelas mãos, as línguas de sinais são reconhecidas enquanto línguas pela linguística,
que lhes atribui o conceito de línguas naturais ou de um sistema linguístico legítimo
(QUADROS; KANOPP, 2004).
E, considerando que o surdo é um indivíduo com língua, cultura e identidade
próprias - ou seja, um sujeito bilíngue cuja língua materna é a dos sinais e a
segunda a língua da família ouvinte (GOLDFELD, 1997) -, a barreira de
comunicação é verificada em todas as instâncias de sua vida social, aí se incluindo a
interação com profissionais de saúde (BARBOSA et al., 2003).
Diferentemente de outros tipos de limitação, a surdez interfere no processo de
comunicação. Ocorre que a comunicação constitui-se no instrumento básico e
necessário para a eficácia do atendimento em saúde, para que as necessidades de
76
saúde do indivíduo – desde aquelas relacionadas à queixa principal a outras não
evidenciadas mas identificadas na anamnese e no exame clínico – sejam
contempladas (MEADOR; ZAZOVE, 2005; FRANÇA, 2011).
A par disso, as informações fornecidas ao paciente colaboram na relação
profissional e paciente, diminuem a sensação de isolamento deste e aumentam a
satisfação e a participação no tratamento. Comunicar as questões relacionadas ao
diagnóstico e ao tratamento é um dever dos médicos e um direito dos pacientes
(CHAVEIRO et al., 2009).
Ocorre que a relação do profissional de saúde com seus pacientes que não
têm deficiência auditiva é estabelecida pelo código verbal, mecanismo habitualmente
não utilizado pelos pacientes surdos. Diante disso surge a necessidade de
recorrerem a outro canal para se comunicarem, idealmente a língua de sinais
(LEZZONI et al., 2004). Contudo, essa linguagem é quase sempre desconhecida
pelos profissionais da área de saúde, o que pode comprometer a qualidade do
atendimento (BARBOSA et al., 2003; CHAVEIRO; BARBOSA, 2005; CHAVEIRO et
al., 2008, 2009; FRANÇA, 2011).
Em estudo conduzido com 20 pacientes surdos, Chaveiro e Barbosa (2005)
constataram que o que o atendimento a essa população evidencia dificuldades de
comunicação deletérias ao objetivo principal dessa modalidade de serviço, que é o
cuidado à saúde. E concluem enfatizando que comunicação é indicativo de
qualidade de vida, razão pela qual os profissionais que sabem se comunicar com os
surdos promovem uma assistência na área de saúde humanizada e focalizada no
contexto de uma sociedade inclusiva.
No âmbito da saúde bucal, as pessoas percebem a sua importância para a
qualidade de vida sob uma variedade de formas nos domínios físico, social e
psicológico, sendo que a capacidade de se alimentar e a ocorrência de dor
costumam ser considerados os aspectos positivo e negativo mais relevantes para a
qualidade de vida (McGRATH; BEDI, 2004; TESCH et al., 2007). E, a despeito das
grandes conquistas obtidas nessa área nas últimas décadas, Petersen (2003)
lembra que muitas pessoas em todo o mundo, especialmente as mais pobres, ainda
são afetadas por problemas bucais como a cárie e a doença periodontal.
77
A avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde bucal apresenta
algumas particularidades, como a diferença do grau de percepção que os surdos
apresentam de si mesmos e do mundo, comparado com o de outros pacientes Skliar
(2010). Entretanto, como destacam os pesquisadores da área da saúde que militam
com pacientes surdos, a esmagadora maioria dos profissionais da área desconhece
tais particularidades e, o que é bem mais grave, ignoram a língua de sinais
(MANTELATTO et al., 2000; SOUSA; PAGLIUCA, 2001; BARBOSA et al., 2003,
2008; LEZZONI et al., 2004; SANTOS; SHIRATORI, 2004; CHAVEIRO; BARBOSA,
2005; MEADOR; ZAZOVE, 2005; LIMA, 2007; CHAVEIRO et al., 2008, 2009;
FREDERICO; BATISTA, 2008; MÖLLER et al., 2010; PEREIRA, 2010; FRANÇA,
2011; FREITAS et al., 2011; SAGÁRIO et al., 2012).
Com foco na saúde bucal de crianças surdas, Pereira (2010) conduziu um
estudo para avaliar o conhecimento que pais e professores dessas crianças detêm
sobre o assunto, e o conhecimento que os crirugiões-dentistas têm sobre as
estratégias de comunicação com surdos. De acordo com a autora, os pais relataram
que, durante a consulta odontológica o profissional se comunica mais com gestos
(20,63%) do que com LIBRAS (9,52%); mas o que prevalece, na verdade, é a
solicitação do profissional para que o responsável atue como mediador da
comunicação (36,50%). Além disso, a maioria dos pais investigados (52,9%)
informou que não haver, por parte do cirurgião dentista, qualquer ação voltada a
apresentar os equipamentos utilizados no consultório; no que concerne à exibição
de imagens relacionadas à saúde bucal aos pacientes, as respostas negativas
desses pais atingiram o percentual de 76,5%,numa porcentagem acumuldada de
90,2%. No que concerne às fontes de informação sobre saúde bucal – tanto para os
pais quanto para os pacientes -, as respostas foram: profissional da área (46,0%),
televisão (31,7%), revistas, livros e folhetos (22,2%), amigos (12,6%).
Para França (2011), o desconhecimento da LIBRAS pelos profissionais da
saúde implica sérios e graves problemas de comunicação, que não se esgotam na
interação profissional-paciente. Esse desconhecimento deriva em perda da
autonomia do paciente, falta de privacidade – pela necessidade de um intérprete
profissional ou da família durante a consulta – e imprecisões nas anotações do
profissional, aumentando o risco de diagnósticos falhos.
78
Também Sousa e Pagliuca (2001) identificaram as dificuldades que os surdos
enfrentam para utilizar os recursos disponíveis em um ambiente voltado a ouvintes.
Essa condição torna-os, na melhor das hipóteses, dependentes de intérpretes ou, na
pior das possibilidades, reféns da eventual boa-vontade alheia.
Diante desse quadro, e considerando que ensinar saúde é um meio de
promovê-la, Barbosa et al. (2008) recomendam: a) o desenvolvimento de trabalhos
contínuos com esses indivíduos, pois o processo de aprendizagem destes é lento e
dependente; b) a utilização de recursos e plano de trabalho adequados à população
deficiente; c) maior investimento na formação de professores para a educação
especial, possibilitando assim a busca de maior igualdade social e a conquista de
um espaço para o exercício da cidadania entre os deficientes auditivos.
Com foco nas duas primeiras recomendações, buscou-se um material
educativo que diminuísse as dificuldades de compreensão dos surdos, e optou-se
pela cartilha por que esse recurso não só facilita a aprendizagem, como permite
consultas posteriores (SOUSA; PAGLIUCA, 2001). Além disso, trata-se de material
passível de ser reproduzido a um custo relativamente baixo, podendo ser utilizado
por profissionais e serviços públicos de saúde.
Para avaliar o grau de conhecimento da população-alvo sobre saúde bucal,
procedeu-se ao estudo piloto – avaliação diagnóstica - em uma população
constituída por 12 surdos provenientes do ensino fundamental e médio, com idades
entre 16 e 26 anos, que não foram incluídos na pesquisa principal e cuja seleção foi
realizada por sorteio.
Essa avaliação diagnóstica permitiu que se constatasse a falta de
conhecimento sobre saúde bucal, tanto das intérpretes quanto da população alvo, o
que direcionou os conteúdos da cartilha. Assim é que esse instrumento, que
contempla informações importantes sobre saúde bucal, é didático e sintético e, para
atingir a clareza desejada e necessária, utiliza palavras e expressões simples e
coloquiais.
A cartilha traz informações, em LIBRAS, em português e em imagens, sobre
os componentes da cavidade bucal - como dente e gengiva, placa bacteriana, cárie
dentária, gengivite, periodontite - e manutenção desta – hábitos de higiene bucal,
79
métodos de escovação e atenção à dieta alimentar, entre outros aspectos. A
utilização das três linguagens – LIBRAS, português e imagens – é ditada pelo que
postula Peterson (2003) proporcionar o entendimento dos conteúdos para aqueles
que conhecem a língua de sinais, para aqueles que a desconhecem mas conhecem
a língua portuguesa, e para aqueles que desconhecem tanto a LIBRAS quanto a
língua portuguesa. Algumas vezes, tornou-se necessário recorrer à datilologia, que
consiste na representação, por configuração de mão, de cada uma das letras do
alfabeto. Além disso, e a título de complementação, a cartilha apresenta o alfabeto,
os números, o calendário e saudações na Língua Brasileira de Sinais.
Portanto, a construção da cartilha foi um pouco além de atender a um dos
objetivos complementares e ao objetivo geral do presente estudo, transmitindo
informações sobre saúde bucal a um grupo de portadores de deficiência auditiva
severa e profunda, para posteriormente comparar o entendimento de tais indivíduos
sobre o assunto ao entendimento de outro grupo de portadores de deficiência
auditiva severa e profunda que receberam somente informações verbais acerca da
matéria. Elaborada à luz das publicações de Capovilla et al. (2009) - que se
aprofundaram no universo da Língua Brasileira de Sinais -, e de Iguma e Pereira
(2010) – que criaram um dicionário de LIBRAS dirigido aos profissionais de saúde -,
e com a adoção das condutas e recursos mencionados anteriormente, essa cartilha
pode auxiliar os portadores de deficiência auditiva a aprimorarem práticas de
comunicação e de raciocínio, indo ao encontro das postulações de Peterson (2003).
Sabe-se que a LIBRAS, assim como outras línguas de sinais, é comparável
em complexidade e expressividade a qualquer língua oral (QUADROS, KANOPP,
2004). Estruturada a partir de unidades mínimas que formam unidades mais
complexas, a LIBRAS possui os níveis fonológico, morfológico, sintático e
semântico. E, da mesma forma das línguas faladas, as línguas de sinais variam de
país para país (ROSA, 2005; PEREIRA, 2013).
A quantidade de sinais da LIBRAS é quase tão grande quanto as centenas de
milhares de vocábulos existentes na língua portuguesa, o que demonstra a sua
riqueza e capacidade de externar pensamentos, ideias, emoções e sentimentos
(SANTIAGO, 2012B; PEREIRA, 2013). Como todas as línguas existentes, a LIBRAS
80
é dinâmica, ou seja, incorpora ao seu vocabulário novos sinais para atender às
mudanças sociais, culturais e tecnológicas (ROSA, 2005; PEREIRA, 2013).
No que concerne ao tipo de instrumento utilizado para avaliação da cartilha,
adotou-se a abordagem qualitativa com a técnica do grupo focal, considerada
bastante eficaz para o tratamento das questões de saúde sob o ângulo social. De
acordo com Mynayo (2000), essa abordagem se presta ao estudo de
representações e relações dos diferente grupos profissionais da área, dos vários
processos de trabalho e também da população.
Como visto nas seções 4 Material e Métodos e 5 Resultados, trabalhou-se
com 32 indivíduos, dos quais oito participaram dos dois grupos, a saber: Grupo I –
informações orais sobre saúde bucal- e Grupo II - informações orais + cartilha em
LIBRAS sobre saúde bucal. Portanto, cada grupo era constituído por 20 sujeitos.
A análise descritiva dos dados demográficos demonstrou diversidade de faixa
etária em ambos os grupos, com predominância das faixas de 17 a 21 anos (45%)
no Grupo I – informações orais sobre saúde bucal – e de 27 a 32 anos (30%) no
Grupo II - informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal.
Nos dois grupos houve predominância de integrantes do sexo feminino e, no
quesito escolaridade, frequência acentuadamente maior do nível fundamental. Esse
último dado não se constituiu em surpresa por dois fatores: o atraso na aquisição de
conhecimentos – e, por consequência, na escolaridade - que caracteriza os filhos
surdos de famílias ouvintes (NOGUEIRA, 1998; FERNANDES, 2003; NEGRELLI;
MARCON, 2006; MESERLIAN, 2009), e a constituição da amostra, que contemplava
indivíduos matriculados no CEJA Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira. Como é
notório, os Centros de Educação de Jovens e Adultos existentes no país têm como
missão reintegrar jovens e adultos excluídos do ensino regular, abrindo-lhes
possibilidades para a inclusão social por meio da formação e da qualificação para o
mundo do trabalho (SIEMS, 2012).
Também Freitas et al. (2011) verificaram predominância do ensino
fundamental (70%) na pesquisa que realizaram, mas essa coincidência pode ser
fruto da semelhança entre a amostra da presente pesquisa e aquela por eles
estudada, constituída majoritariamente por jovens atendidos por serviço público de
81
saúde odontológica. Assim como os ouvintes, os surdos que procuram serviços
públicos de saúde pertencem a classes sociais de menor poder aquisitivo.
Em relação às respostas assinaladas no instrumento utilizado para a
avaliação do impacto da cartilha em LIBRAS sobre a percepção relativa à saúde
bucal, a análise descritiva revelou alguns aspectos relevantes para a cartilha, porém
só algumas perguntas foram de relevância para a cartilha devido o grau de
escolaridade dos surdos, as mesmas foram explanadas nos resultados.
À pergunta “Cárie é transmissível”, os integrantes do Grupo I – informações
orais sobre saúde bucal – assinalaram quase que proporcionalmente (30%, 35% e
35%) as três alternativas possíveis: sim, não e não sei, respectivamente. Já no
Grupo II - informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal -, a alternativa
não sei foi assinalada por somente 10% dos integrantes, o que indica que as
informações da cartilha proporcionaram maior conhecimento aos participantes desse
grupo.
Na pergunta “Existem bactérias na boca?”, as respostas do Grupo II -
informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal - revelam dois aspectos:
o percentual de 5% que assinalou a alternativa não sei, bastante inferior aos 30% do
Grupo I – informações orais sobre saúde bucal – indica que novamente a cartilha
proporcionou maior segurança àqueles que a ela tiveram acesso; por outro lado, a
escolha da alternativa não por 20% desse mesmo Grupo II pode estar relacionada
ao grau de escolaridade dos participantes, com grande predominância do ensino
fundamental, além de apontar para a necessidade de melhor contextualizar o tema
bactéria quando da elaboração de uma nova cartilha.
Em relação à pergunta “O flúor protege os dentes contra a cárie?”, 35% dos
integrantes do Grupo I – informações orais sobre saúde bucal – assinalaram a
alternativa não sei, enquanto nenhum dos integrantes do Grupo II - informações
orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – o fez. Tem-se aqui mais um
indicativo de que a as informações da cartilha em LIBRAS foram apreendidas pelos
destinatários.
“O sangramento da gengiva significa falta de escovação?” A esta pergunta, os
integrantes dos dois grupos assinalaram majoritariamente a alternativa sim (65% e
82
80%, respectivamente). Entretanto, o percentual de integrantes do Grupo II -
informações orais + cartilha em LIBRAS sobre saúde bucal – que assinalaram a
alternativa não sei (5%) é bastante inferior àquele de integrantes do Grupo I –
informações orais sobre saúde bucal – que o fizeram (25%). Ao que tudo indica, as
informações sobre saúde bucal transmitidas por meio da cartilha na língua de sinais
foram assimiladas pelos integrantes do Grupo II.
A hipótese alternativa formulada para a estatística inferencial, de natureza
unicaudal, foi: “A leitura da cartilha afeta positivamente o desempenho dos surdos”,
e os resultados obtidos confirmaram aqueles apurados na análise descritiva dos
dados. No grupo pareado, constituído pelos oito integrantes da amostra que foram
submetidos ao questionário antes da exposição à cartilha e posteriormente a essa
exposição, o resultado do teste foi significante estatisticamente no nível 5% (p-
valor=0,005), e o efeito da cartilha foi bastante visível: as notas do grupo após a
exposição à cartilha praticamente dobraram. Nos grupos independentes, o teste das
médias não atingiu o nível de significância estatística em 5% mas, como foi inferior a
10%, foi considerado de significância clínica neste caso.
Observa-se concordância entre os achados de Barbosa et al. (2008) e
aqueles acima descritos. Essas pesquisadoras tiveram como objetivos: a) identificar
a percepção de surdos em relação aos métodos e recursos utilizados para o ensino
de saúde até então vivenciados; b) suprir as necessidades de informações sobre
saúde desses indivíduos com a oferta de palestras; c) desenvolver métodos e
recursos para facilitar o processo ensino-aprendizagem referente a conteúdos de
saúde a essa população. Percorridas as três etapas da investigação – avaliação
diagnóstica (realizada anteriormente às palestras), realização de palestras e
avaliação formativa (realizada posteriormente às palestras) -, as autoras
constataram mudanças de conceitos e comportamentos positivas na amostra. No
quesito sexualidade, a opção para assertivas como “A puberdade é o período em
que se iniciam as mudanças no indivíduo”, “Os conflitos que ocorrem na
adolescência são decorrentes das mudanças que ocorrem no indivíduo”, “O namoro
é um desejo normal do ser humano”, “Os conflitos que ocorrem na adolescência
podem ser contornados” foi assinalada corretamente por somente 5,5% na avaliação
diagnóstica (antes das palestras), e por 84% na avaliação formativa (depois das
palestras).
83
A despeito do viés sociopolítico que caracterizou a investigação conduzida
por Sousa e Pagliuca (2001), a cartilha sobre saúde sexual e reprodutiva para
surdos por elas desenvolvida teve boa aceitação e recepção pelo grupo, e mostrou a
necessidade de algumas correções no material didático. As autoras concluíram que
a obtenção de conhecimentos contribuiu com a emancipação do grupo, tornando os
indivíduos mais seguros e autônomos na área de saúde abordada.
Já no que concerne à condução do trabalho e à montagem dos grupos, houve
muita dificuldade para que estes ou seus responsáveis compreendessem
claramente que se tratava de uma pesquisa de caráter educacional, e que a amostra
não seria objeto de outros testes além dos questionários, nem da exposição a outros
materiais além da cartilha. Esse comportamento arredio pode ser fruto do descrédito
da população em geral – que se manifesta mais acentuadamente nos segmentos
sociais de menor faixa de renda – em relação às políticas públicas de inclusão e de
saúde. Não se pode deixar de ressaltar, neste momento, que a amostra era
constituída por portadores de deficiência auditiva residentes no município de Crato
(CE), matriculados no CEJA Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira – localizado no
citado município - e/ou cadastrados na Associação Cratense de Defesa da Pessoa
Surda (ACDPS) do mesmo município, instituições de natureza pública.
Também Pereira (2010) registra hesitação, desconfiança e baixa
receptividade ao instrumento utilizado no estudo que conduziu para avaliar o
conhecimento sobre saúde bucal de pais e professores de alunos de escolas
especiais para a educação de crianças surdas que se comunicam em LIBRAS, e o
conhecimento de cirurgiões-dentistas sobre estratégias de comunicação com
pacientes surdos. Embora atribua o baixo índice de retorno dos questionários à
pouca receptividade que pesquisas de opinião têm em metrópoles de grande
densidade demográfica, a autora relata que o índice de retorno dos questionários
dirigidos aos pais foi de 26,92%, enquanto os percentuais de retorno dos
instrumentos enviados a professores e cirurgiões-dentistas foram de 68,57% e
100%, respectivamente. Em relação ao preenchimentos dos questionários, 1,23%
dos cirurgiões-dentistas, 4,33% dos professores e 14,92% dos pais deixaram de
responder a alguma pergunta. Ainda que não tenha investigado a condição
sociocultural dos integrantes da amostra, a pesquisadora inferiu que essa variável
84
tem influência na compreensão de questionários dessa natureza e na quantidade e
na qualidade das respostas fornecidas.
Sabe-se que as funções da linguagem não se restringem à comunicação, pois
é por meio dela que se constitui o pensamento e, por consequência, toda a reflexão
e as diferentes aprendizagens humanas. Portanto, e considerando a importância que
ela tem para a construção de significados e o acesso aos conteúdos socialmente
produzidos, não se pode realizar a inclusão sem que se considerem as
necessidades específicas dos portadores de deficiências ou dificuldades de
aprendizagem com implicações diretas no processo de desenvolvimento linguístico
(SANTIAGO, 2012b).
A cartilha de saúde bucal utilizada neste estudo tinha informações adequadas
ao grau de conhecimento da comunidade investigada, constituída por jovens e
adultos surdos cuja escolaridade era predominantemente do nível fundamental. Com
o objetivo de propiciar o melhor entendimento do material pelo público-alvo, buscou-
se a colaboração de uma pessoa surda e de intérpretes da LIBRAS para a
elaboração da cartilha. Evidentemente, e dado o pequeno número de integrantes da
amostra, os resultados ora obtidos devem ser considerados no âmbito do pequeno
universo em que se deu a pesquisa, o que não a inviabiliza como fonte de
informação para futuras – e talvez mais aprofundadas - investigações sobre a
educação em saúde bucal para pessoas surdas.
Finalizando, o que se espera é que a cartilha de saúde bucal em LIBRAS seja
útil para a inclusão social e a qualidade de vida da população surda, além contribuir
para a otimização da interação entre o paciente surdo e o cirurgião-dentista.
85
7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a dificuldade das pessoas surdas em expressarem e
receberem mensagens mais complexas, acredita-se que este estudo trará
contribuições que permitam subsidiar o planejamento de estratégias que possibilitem
melhoria à qualidade da assistência prestada a essa clientela, mediante
comunicação mais eficaz. Além disso, espera-se gerar informações que possam
direcionar o ensino na área de saúde para a formação dos profissionais, bem como
despertar ideias para pesquisas futuras junto a esse grupo populacional.
Considerando a dificuldade das pessoas surdas em expressarem e
receberem mensagens mais complexas, acredita-se que este estudo poderá:
1) subsidiar o planejamento de estratégias que possibilitem ações voltadas à
prevenção da saúde bucal nessa população;
2) melhorar a qualidade da assistência de saúde bucal prestada aos surdos ,
mediante comunicação mais eficaz com os profissionais da área;
3) suscitar ideias para pesquisas futuras junto a esse grupo populacional;
Afinal, os surdos têm uma linguagem - a linguagem não se limita à fala -, e
são dotados de uma capacidade visual única. Assim sendo, a utilização de um
instrumento como a cartilha aqui proposta, que transcreve para LIBRAS conceitos e
ações relacionados aos cuidados com a saúde bucal, promoverá a adoção de
comportamentos de higienização da cavidade bucal e, consequentemente, evitará o
acometimento pela cárie e pelas doenças gengivais.
86
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APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Nome da Pesquisa: Percepção dos surdos sobre Saúde Bucal. Pesquisadores: Profa. Dra. Ângela Toshie Araki e Doutoranda Mabel Rodrigues Alves Esmeraldo Informações sobre a pesquisa: Esse estudo é importante pelo fato da limitação auditiva interferir na comunicação com o cirurgião dentista, deixando os pacientes surdos com a ausência de informações sobre os métodos de higiene bucal e concomitantemente sobre prevenção das doenças bucais. Tendo estas informações, torna-se viável uma cartilha com informações em LIBRAS sobre a prevenção bucal, pois teremos respostas relacionadas com as necessidades da comunidade com deficiência auditiva. Os surdos responderão a um questionário com questões que abordam sobre o conhecimento de saúde bucal. Essas informações serão relevantes para observar o conhecimento dos surdos sobre o método de higienização dos dentes, como também sobre a prevenção das doenças bucais relativas à cárie e à gengiva. Os participantes desta pesquisa não serão identificados em nenhuma fase do estudo e não terão nenhum risco físico, biológico, moral e/ou ético.
____________________________
Pesquisadora responsável Eu, ______________________________________________________________, portador do RG: ____________________, abaixo assinado, tendo recebido as informações acima, concordo em participar da pesquisa, pois estou ciente de que terei, de acordo com a Resolução 196/96 Cap. IV inciso IV. 1, todos os meus direitos abaixo relacionados: - A garantia de receber todos os esclarecimentos sobre as perguntas do questionário antes e durante o transcurso da pesquisa, podendo afastar-me em qualquer momento se assim o desejar, bem como está assegurado o absoluto sigilo das informações obtidas. - A segurança plena de que não serei identificado, mantendo o caráter oficial da informação, assim como, está assegurada que a pesquisa não acarretará nenhum prejuízo individual ou coletivo. - A segurança de que não terei nenhum tipo de despesa material ou financeira durante o desenvolvimento da pesquisa, bem como esta pesquisa não causará nenhum tipo de risco, dano físico ou mesmo constrangimento moral e ético ao entrevistado. - A garantia de que toda e qualquer responsabilidade nas diferentes fases da pesquisa é dos pesquisadores, bem como, fica assegurado que poderá haver divulgação dos resultados finais em órgãos de divulgação científica em que a mesma seja aceita. - Riscos: Existe um risco de constrangimento pelo fato de que irá responder a um questionário, porém suas respostas não serão identificadas e você tem a total liberdade de excluir sua participação no estudo em qualquer parte do desenvolvimento. - Benefícios: Suas respostas serão importantes, pois a partir delas iremos observar os conhecimentos dos surdos sobre higiene bucal e ressaltar a importância destes, para a saúde bucal e comunicação com o profissional de odontologia. - A garantia de que todo o material resultante será utilizado exclusivamente para a construção da pesquisa e ficará sob a guarda dos pesquisadores, podendo ser requisitado pelo entrevistado em qualquer momento. Tenho ciência do exposto acima e desejo participar da pesquisa.
Crato, ________de _____ de ______
_____________________________ Assinatura do entrevistado (a)
Contato com a Pesquisadora Responsável: Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor entrar em contato com a pesquisadora Mabel Rodrigues Alves Esmeraldo, através do Endereço (Setor de trabalho): Av. Duque de Caxias, 291 -Centro,Crato-CE. Telefone: 88-88366055 / 99608282
Atenciosamente,
Assinatura da Pesquisadora
99
ANEXO B - AUTORIZAÇÃO DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - CEJA _________________________________________________________, do município de Crato – Ce. Representada pela Diretora _________________________________, após a ciência e análise dos objetivos de pesquisa, autoriza a cirurgiã-dentista Mabel Rodrigues Alves Esmeraldo, inscrita no Conselho Regional de Odontologia/CE sob o nº 2016, a realizar a pesquisa “SÁUDE BUCAL EM LIBRAS”, com os seus funcionários, na sede da empresa. Crato, _____de _________ de 2014.
_________________________________ Assinatura do(a) Diretor(a)
100
ANEXO C - PUBLICAÇÕES COM LINGUAGEM DE SINAIS PARA A CARTILHA DE SAÚDE BUCAL
1- Peterson JE. Comunicando com as mãos em LSB. Juazeiro do Norte: Associação Caririense de Deficientes Auditivos / Centro Educacional para Surdos; 2003.
2- Capovilla FC, Raphael WD. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais brasileira. São Paulo: EDUSP, 2001. 2 vol..
surdez (sinal usado em: SP, CE, RS) (inglês: deafness, lack of hearing): s. f. Perda
auditiva profunda (isto é, com limiar auditivo igual ou superior a 85-90 dB), ou pelo
menos severa a profunda (isto é, com limiar auditivo igual ou superior a 70 dB) em
que, mesmo com o uso de aparelhos auditivos de amplificação, a pessoa não
consegue compreender a fala que ocorre no nível usual de conversação. Ex.: A
surdez deve ser diagnosticada o quanto antes, para possibilitar intervenções
adequadas.
101
3- Felipe TA. Libras em contexto: curso básico: livro do estudante. 8ª ed. Rio de Janeiro: WalPrint; 2007.
VERBOS
FRASES
LÍNGUA PORTUGUESA LÍNGUA DE SINAIS
A) Você mora sozinho? A) VOCÊ MORAR SOZINH@?
B) Não, eu moro com a minha família. B) NÃO, FAMÍLIA MORAR JUNTO.
A) Sua família é grande? A) FAMÍLIA SE@ GRANDE?
É grande, tenho muitos irmãos, B) FAMÍLIA GRANDE, TER MUIT@
sobrinhos, primos e tios. IRMÃ@, SOBRINH@, PRIM@ TI@.
A) Quem mora na sua casa? A) VOCÊ MORAR JUNT@ FAMÍLIA QUANT@?
A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), obtendo o
reconhecimento do Ministério da Educação e do Desporto - Secretaria de Educação
Especial - MEC-SEESP, foi escolhida para a realização do trabalho CONTEXTO EM
LIBRAS, devido ao fato de esta Federação ter um reconhecimento internacional, ser
um pólo de divulgação da cultura e língua dos surdos do Brasil e, desde a sua
fundação, oferecer cursos de Libras para ouvintes, cursos estes, denominados de
"Metodologia para o ensino de Libras para ouvintes”.
102
4- Iguma A, Pereira CB. Saúde em LIBRAS: apoio ao atendimento para o paciente surdo. São Paulo: Áurea; 2010.
O livro ilustrado SAÚDE EM LIBRAS auxilia os profissionais de saúde no
atendimento às pessoas que se comunicam através da Libras - Língua Brasileira de
Sinais. A publicação oferece uma iniciação ao seu aprendizado, contribuindo para
melhorar o diálogo deste público com ouvintes no momento em que buscam
cuidados para sua saúde física e mental. O atendimento às pessoas surdas ou com
deficiência auditiva na rede de serviços do SUS e das empresas que detêm
concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde deve ser
realizado por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua tradução e
interpretação. Este livro, ilustrado com mais de 800 palavras utilizadas por
profissionais da saúde, oferece dicas para o atendimento ao paciente surdo e
orientações para fazer os sinais de maneira correta
103
ANEXO D – QUESTIONÁRIOUTILIZADO PARA AVALIAR OS CONHECIMENTOS DE SAÚDE BUCAL DA AMOSTRA AVALIADA
Nome: Sexo:
Idade: Escolaridade:
QUESTIONÁRIO CONHECIMENTO DE SAÚDE BUCAL
1 - A Cárie é uma doença que pode ser transmitida para outra pessoa?
( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI
2 – Existem Bactérias na Boca?
( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI
3 – A placa Bacteriana pode ser removida na Escovação?
( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI
4 – O flúor protege os dentes contra as cáries?
( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI
5 – A Saúde Bucal interfere na Saúde Geral?
( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI
6 – A alimentação é importante para a saúde Bucal?
( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI
7 - Existem doenças na boca que podem ser transmitidas para outras pessoas?
( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI
8 – O sangramento na gengiva significa falta de escovação?
( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI
9 – O fio dental, escova dental e bochecho com flúor são necessários diariamente?
( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI
Fonte: Naito et al. (2007)
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