“pela longa estrada, eu vou. estrada eu … · departamento de letras 1 “pela longa estrada, eu...
Post on 12-Sep-2018
217 Views
Preview:
TRANSCRIPT
Departamento de Letras
1
“PELA LONGA ESTRADA, EU VOU. ESTRADA EU SOU”: A
CANÇÃO DE ABOIO NA CULTURA POPULAR E NA
LITERATURA ROSEANA
Aluno: Ana Lygia dos Santos
Orientador: Júlio César Valladão Diniz
Introdução
O projeto de pesquisa “Poéticas da Canção1”, orientado pelo professor Julio César
Valladão Diniz, pretende investigar a interface música x literatura, lançando um olhar mais
cuidadoso para a cultura contemporânea. A pesquisa em questão debruça-se sobre o aboio
do vaqueiro, como gênero representativo de uma identidade nacional fortemente ligada às
raízes interioranas e rurais.
“Todo escrito tem a história do que escreve”, motivo pelo qual sempre os temas
folclóricos, interioranos: fruto de uma memória sentimental que a cidade grande não aparta.
E é nesse som de aboiar que por ora vou tangendo saudades e trazendo para perto o cheiro
de mato e de terra pisada, o choro do boi, do berrante, da boiada.
Há, pois, uma memória sonora, do “rem-rem-rem” das rodas do carro de boi, das
tralhas que iam batendo umas nas outras, penduradas nos cavalos da comitiva, nas
conversas que se misturavam ao longo do caminho, nos solilóquios de homem e de boi.
Sonoridades que o espaço acadêmico conformou nas leituras de Guimarães Rosa, num
dialogismo entre a cultura popular e o contexto letrado, haja vista serem produzidas por um
diplomata e tocarem em assuntos tão originais, como a relação do homem e a terra.
Conforme entendia Mário de Andrade, é a partir da articulação das linguagens oral
e musical que se dá a sustentação para manifestações culturais de caráter primitivo, ao
passo que percorrem os espaços de transição entre o popular e o erudito. No caso das
cantigas de aboio, a articulação entre a dicção pura e simples de sons guturais e que
remetem ao mugido do gado e/ou a repetição de versos decorados, transformam o
enunciante no sujeito mediador das relações entre expressão e memória.
1 Trata-se de um sub-projeto da pesquisa Música popular e literatura em diálogo Mário de Andrade e as
poéticas da palavra escrita e cantada.
Departamento de Letras
2
Partindo dessa premissa, busca-se incidir uma luz sobre a cultura oral das “melodias
de boi”, gênero ricamente representado na literatura roseana e de como se dá o movimento
de resistência, a despeito da modernização e inserção da tecnologia nos meios de trabalho e
das novas relações com o capital.
A modernidade traz mudanças no status quo do boiadeiro, no entanto, sua memória
do sertão permanece como lugar de referência para a composição desta arte da palavra
cantada e improvisada, dentro dos contextos laborais.
Andrade defende que a materialidade do corpo que fala na lida de boi, tem em sua
voz a memória dos músculos, dos nervos, dos olhos, das coisas que viveu. Homem e animal
fundem-se pelo contato prolongado, pela comunicação estabelecida através da evocação,
que encanta não só o homem que o profere, como o gado que o segue. Matéria analisada
em obras como A Boiada, Manuelzão e Miguilim, Sagarana e Grande Sertão: veredas,
além de contos dispersos onde a temática sertaneja está presente.
O inevitável sertão roseano transforma-se no espaço privilegiado do entendimento
do ser humano e através de sua literatura que a oralidade marroeira é legitimada, que, na
visão de Alvarenga (1982) constituem “um dos mais importantes grupos dos nossos cantos
de trabalho rurais”.
Tais referências importam como documento que justifica o trânsito da via particular
para a coletiva, dentro das discussões de âmbito erudito e popular: a academia percebe e dá
voz ao “homem-bicho” e esclarece aspectos configuradores do cenário sócio-cultural e
político do país.
Objetivos
Avaliar, apoiado em um corpus literário e testemunhal, como se dá o processo de
(re)conhecimento da cultura oral de representação não canônica, como a canção popular e
as manifestações corporais, ao longo do tempo.
Realizar um diálogo entre a obra roseana e as práticas do aboio e questionar a
dicotomia que permeia espaços eruditos e populares dentro do cenário cultural, no que
tange a legitimação de um modelo estético sensível às intervenções sócio-políticas.
Departamento de Letras
3
Metodologia
A pesquisa em questão realizou um trabalho de urdidura entre fontes bibliográficas,
sonoras e audiovisuais, tendo em vista obras que contemplam a questão dos registros de
produção, recepção e processamento dos modelos coetâneos de cultura.
Fundamentado nas teorias de Mário de Andrade em diálogo com Câmara Cascudo e
outros, articulou-se o pensamento arterial deste estudo, constructo norteado pela poética da
palavra cantada em que o corpo do discurso literário transforma-se em discurso físico do
corpo do homem que tange o gado.
Além disso, a partir da fortuna crítica destes, buscou-se realizar um diálogo entre a
extensa obra roseana, o documentário Aboio (2005), de Marília Rocha e Aboio e Toada
(2009), de Damien Chemin, Manuelzão e Bananeira (s/d), de Geraldo Elísio, com outros
vídeos dispersos e sem autoria, obtidos na internet.
Também foram utilizados, como resultado de uma pesquisa de campo realizada ao
longo do ano de 2011, o testemunho de personagens2 arrolados ao longo do estudo, sujeitos
que mantiveram ou que ainda mantém uma relação com o ofício de vaqueiro, trabalhadores
das zonas rurais de cidades do Vale do Paraíba (Guaratinguetá, Cunha e Lagoínha) que
ainda possuem alguma produção rural; tais informações tencionavam uma apresentação do
vaqueiro aboiador e uma avaliação destes indivíduos acerca do ofício e das transformações
ocorridas ao longo do tempo, além da coleta de algum material próprio dos cantadores.
Localizado numa linha de pesquisa que cobre não só a cultura popular quanto a
literatura sobre o tema, tais informações importam no sentido de possibilitar uma exposição
das particularidades de um registro de cultura oral, a fim de que a temática em questão seja
compreendida.
A partir desta incorporação de modelos interdisciplinares referenciais e que
convergem para uma mesma direção: a discussão da palavra escrita, palavra falada, palavra
cantada, pode-se melhor compreender a natureza popular das canções de aboio a partir dos
gestos humanos, detentores de uma memória física e emotiva.
2 As entrevistas realizadas foram registradas no presente trabalho respeitando-se as marcas orais de cada
sujeito.
Departamento de Letras
4
Desenvolvimento
Memória e Tradição Oral
“toda saudade é uma espécie de velhice”
O vocábulo “tradição”, de origem latina, tem a peculiaridade de significar ao mesmo
tempo o conteúdo transmitido às gerações bem como a ação de transmiti-lo, sendo o legado
cultural ou o objeto reproduzido para e por outrém. A cultura de um povo está, pois,
relacionada com a tradição, no que tange as circunstâncias que relacionam o presente e o
passado do ser humano, em seu arcabouço referencial.
Em 1936, Mário de Andrade propunha que os falares, cantares e outras expressões
narrativas, bem como a magia, a medicina e a culinária fizessem parte do corpus do
patrimônio cultural do país. De acordo com Muniz Sodré, é através das narrativas que a
estrutura social é “recebida e transmitida entre as gerações, de tal modo que a sua
interpretação pode constituir-se em processo de criação de realidade social”. Tais
manifestações, constroem-se sob as falas da história como representação do passado de um
grupo (ou de um sujeito histórico), que lhe garante sua memória coletiva.
Porém, é com o reconhecimento desses traços históricos, representados pelas
narrativas mágicas, literárias e documentais, que se cria uma significação dentro da prática
social do presente. No afã de constituir um passado ao futuro, aquele apela à memória
coletiva a fim de ressignificar valores que irão repercutir nas gerações vindouras.
A oralidade preserva e compartilha saberes, costumes e tradições, sendo responsável
pela identidade dos povos e transferências de conteúdo intergeracionais. A prática
narrativa, manifesta-se num conhecimento que não é enciclopédico, tampouco temporal. A
transmissão das características de uma cultura é para Eclea Bosi (2004), “um dinâmico ato
de reelaboração”, uma vez que se absorve e ressignifica um conhecimento, transformando-
o.
Desse modo, possuir uma tradição oral equivale a deter a capacidade fruir lançando
mão de uma memória emocional, alicerçada em reminiscências afetivas nas quais o
intérprete (e o ouvinte) se reconhece(m) como parte do todo.
A memória do sujeito carrega registros imagéticos e sonoros das experiências e
lembranças agrupadas ao longo do tempo e que são produto da vida íntima deste. É, pois,
devido ao seu caráter abrangente que a música é transmitida através da via oral, cuja prática
Departamento de Letras
5
transforma o sujeito em agente da história, uma vez que se torna parte dela ao realizar o
movimento de absorção, decodificação e reconstrução de saberes e significados.
Partindo dessa premissa constata-se que nenhuma cultura é fixa e imutável, o que dá
origem a desafios que alimentam tal processo transformador. Essa “transitoriedade” da
cultura toma corpo nas ações individuais e/ou do grupo.
A partir da colonização do Brasil, as práticas culturais lusitanas adaptaram-se a um
modo de usos e costumes da nova raça nativa, que miscigenava o sangue indígena, negro e
o europeu. De modo que novos ritos de caráter étnico e tradicional eram apresentados e
assimilados pela população.
Oriunda das apresentações medievais, a poética musicada ritmava e desenvolvia o
idioma através do canto. Como prática social, o canto de trabalho surge para agregar a mão
de obra em torno de ações comuns, em que alegrias e dissabores eram cantados.
Assim, a realidade de seus cantadores eram descritas através de melodias que
desenvolviam-se para amenizar as dificuldades do trabalhador e para incorporá-lo a seus
pares.
O sertão como cenário
“Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias.”
Desde a caracterização feita em sua obra Os Sertões, Eudicles da Cunha (2008),
aponta que esse espaço movediço do sertão, oscila entre o belo e o trágico. Se para o autor
o sertanejo é “antes de tudo, um forte”, rígido e adaptável ao seu meio, o sertão é “uma
paragem impressionadora”.
Atualmente, este espaço geográfico do vaqueiro encontra-se apartado do meio
urbano e é encerrado numa aura de atraso crono-espacial e, sobretudo, intelectual. Uma vez
que é visto como um não-lugar, um território sem Deus, sem lei e sem rei.
Pimentel apud Vieira (2007), indica que a ressignificação do sertão iniciou-se a
partir de duas correntes, uma de pensamento intelectual e uma de produção cultural. A
primeira concebia o sertão como espaço que se assemelhava ao oeste americano e, como
este, passível de uma ocupação ordeira. Através de tal conceito, buscou-se, com isso, a
revalorização do sertanejo e meios empreendedores que visavam modificar seu status quo3;
3 Monteiro Lobato, criador do personagem Jeca Tatu, afirmava: “O Jeca não é assim, está assim”, numa
Departamento de Letras
6
o sertanejo precisava, portanto, de uma adaptação. A segunda corrente, representada pela
música e pela literatura, traziam uma visão nova para se perceber o sertão, o sertanejo e
suas práticas. É com Guimarães Rosa que o sertão transforma-se em “ser tão”, intenso,
profundo, lugar também das experiências mais íntimas do ser humano e, por conta disso,
universal.
Vieira (2007), em seu estudo sobre a cultura do vaqueiro, afirma acerca do tema
Guimarães Rosa traz à tona um sertão de conflitos existenciais, não mais um „não lugar‟
mas o lugar onde os conflitos e contradições humanas aparecem de forma mais intensa
sobre a égide da crueza do território geralmente áspero, já que trata do sertão de Minas
Gerais onde nasceu, e ao mesmo tempo torna o sertão poético. A paisagem se funde com
os personagens e o próprio autor, revelando aspectos nem sempre observáveis no plano
geográfico. (VIEIRA, N. S. 2007)
Desse modo, diferentes movimentos passaram a retirar a pecha de indivíduo
brutalizado e ignorante que era atribuída ao sertanejo e considerá-lo como sujeito ingênuo,
pacato, humano e de bom coração.
Guardadas as devidas proporções, podemos dizer que o Brasil é constituído por
“vários sertões”, fruto das intervenções políticas, históricas, sócio-econômicas, culturais e
intelectuais pelas quais passaram de modo diferente, diferentes regiões.
É neste contexto que se insere o personagem do vaqueiro, aquém daquilo que a
urbanização e a modernidade proporcionam, mas que não deixam de ser referência para a
formação e experiência social deste indivíduo. Como diria Guimarães Rosa, "Sertão: estes
seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa, ainda encontra. Vaqueiros...". Com relação à esta
espécie mestiça, comum nos sertões, Meyer (2011) salienta:
O vaqueiro, pela própria especifidade do trabalho, estabelece uma relação de intimidade
com cavalos, mulas, burros e bois. Além de domar o animal, domesticá-lo, alimentá-lo,
manipulá-lo com laços e cabrestos, ele o monta. Esse contato corpo/corpo entre cavalo e
cavaleiro permite vivenciar as mesmas situações simultaneamente – vento, chuva, sol,
locais acidentados ou tranquilos. E mais, gradativamente os dois vão sentindo os suores
um do outro, assimilando os cheiros. (...) Na montaria, essa mesma intimidade permite
ainda uma fusão de imagens. O vaqueiro montado no cavalo adquire nova forma e
postura, compondo uma outra criatura. O resultado dessa composição é um ser híbrido –
meio humano e meio equino. (MEYER, M.A. de A., 2011)
clara referência à responsabilidade que os poderes governamentais tinham com relação ao “caipira” e, por
extensão, seus pares, que não poderiam mais permanecer na situação de atraso e ignorância de outrora.
Departamento de Letras
7
E é este hibridismo capaz de fazer com que homem e animal percam as noções de
seus limites, é o responsável pela dolência do aboio, pelo canto que é mugido, pelo mugido
que é canto, fala de homem-bicho, ânima.
O aboio e a toada
“O nosso pensamento de bois é grande e quieto... tem o céu e o canto do carro... o
homem caminha por fora”
O Dicionário musical Brasileiro, de Mário de Andrade (1982), conceitua o vocábulo
aboiar como:
(V.I; S.m). O marroeiro (vaqueiro) conduzindo o gado nas estradas, ou movendo com ele
nas fazendas, tem por costume cantar. Entoa uma arabesco, geralmente livre de forma
estrófica, destituído de palavras as mais das vezes, simples vocalizações, interceptadas
quando senão por palavras interjectivas, “boi êh boi”, boiato, etc. O ato de cantar assim
chama de aboiar. Ao canto chama de aboio. (ANDRADE, M. de. 1982).
Cascudo apud Maurício (2006), classifica o aboio como um “canto sem palavras,
marcado exclusivamente em vogais, entoado pelos vaqueiros quando conduzem o gado (...)
não é divertimento. É coisa séria, velhíssima, respeitada”. Ou seja, é o canto de trabalho
do boiadeiro que tem como função a condução do gado, canto/chamado que tem como
característica a vocalização lenta, tonal, que pode ser constituído de fonemas simples,
oscilando entre as vogais A e Ô, sempre finalizados pelo “chamado do boi” (êh, boi”, “ô
boi”, “ôooooo, êeeeeeeeee”, “ôôaaa”), utilizado pelo vaqueiro que tange a boiada ao
longo do sertão. No entanto, a autora faz uma ressalva quando classifica como aboio
também os versos rimados, feitos no improviso, toadas que podem ser cantados por um ou
mais componentes da comitiva, sob o formato de solos ou desafios.
Devido às grandes extensões de terra que precisavam ser atravessadas pelos
rebanhos e seus condutores, a melodia do aboio se institui como o veículo de comunicação
entre estes, buscando, com isso, uma continuidade ordeira para os envolvidos ao longo do
trajeto. Além de ser um elo entre o homem e o animal, caracteriza-se também por ser um
fator de integração entre os próprios vaqueiros, uma vez que nunca trabalham sozinhos.
O trabalho de condução e de resgate é feito conjuntamente, fruto de uma confiança
e de uma solidariedade construídas sobre o lombo do cavalo. Aboiando nos momentos de
dificuldade ou de tranquilidade, o vaqueiro nunca está só, o que remonta à definição
andradeana de coletividade no fazer musical. Para o autor, a música pressupõe uma troca
Departamento de Letras
8
entre o intérprete e o ouvinte, na qual a „técnica individual importa menos que a coletiva”;
de modo que ao longo da fruição da caravana, experiências são trocadas e assimiladas.
Assim como o canto gregoriano, o aboio entra em comunhão com o divino do sertão
e louva o chão de terra batida, a poeira que sobe, o mato, o animal e o homem. Prova disso
é o depoimento do vaqueiro Genovitor, extraído do documentário Aboio e Tuada, de
Damien Chemin (2009):
Muitas delas [as vacas] até berram quando você solta o aboio, daí elas se sentem, eu
acho que elas se sentem, assim, homenageadas com aquele aboio que o vaqueiro tira,
entendeu? Daí muitas vezes o gado berra, solta aquele berro bem bonito, saudoso.
(GENOVITOR, 2009)
Laura Maurício (2006) assinala o aboio como um canto melancólico cuja tristeza
emana da alma do vaqueiro, como se fosse um elo de conexão entre a natureza concreta e
transcendente, encantando “não só o homem, mas sobretudo o gado”. Matéria do
documentário supra citado, o depoimento de Danielzinho confirma o caráter transcendente
da prática do aboio, no que diz respeito aos sentimentos do vaqueiro. Para o boiadeiro, “O
aboio é um dos momentos de alegria do vaqueiro, quando o vaqueiro tá feliz, ele tá
cantando”. Assim sendo, esse culto já era defendido por Mário de Andrade, ao apontar
que o canto
é o elemento mais litúrgico, mais imprescindível, pode-se mesmo dizer que sine qua non
na entrada em contato místico com o deus desmateralizado. Porque o canto é ainda um
fluído vital, que pela bôca se escapa daquela parte imaterial de nós mesmos que reside
em nosso corpo. (ANDRADE, M. de. 1965)
Nos ciclos do gado, são registradas as histórias dos animais e dos boiadeiros, dos
bichos fugidos, das „ferras4‟ da rês, das apartações, dos estouros de boiadas, dos ataques e
perseguições de onças, dos perigos, das desavenças entre os matutos e de suas saudades
(dos parceiros perdidos na lida ou dos amores deixados ao longo da estrada).
Ao contrário do que ocorria com as classes socialmente mais abastadas5, o metro
adotado para tais cantos foi a quadra e a sextilha de versos de setessilábicos. Câmara
Cascudo (1984), descreveu que
4 A ferra do gado é a prática de marcar com ferro em brasa o couro do animal, a fim de identificar-lhe o
proprietário. 5 Desde a colonização portuguesa, as formas poéticas adotadas pelas classes socialmente favorecidas
Departamento de Letras
9
Em quadras, ABCB, foram todos os velhos desafios, os romances do gado, descrevendo
aventuras de bois, de vacas e poldras valentes. A métrica se manteve setissilábica, como
as xácaras, romances e gestas de outrora, guardados em qualquer cancioneiro espanhol
ou português. (CASCUDO, L. da C, 1984)
Também podemos observar a incidência das „ligeiras‟, que são estrofes de dois
versos e refrão, mas que não podem ser classificadas como desafios.
Ainda como parte das práticas de boi, os desafios são desenvolvidos pelos
vaqueiros, que lançam mão do improviso ou dos cantos já consagrados e de domínio
público. Nestes, a sextilha heptassílaba é quase uma unanimidade, assim como o
acompanhamento musical, que é utilizado de maneiras diversas entre as regiões brasileiras.
No que diz respeito à prática do boi, cabe a aplicação das regras nordestinas, em que o
canto é independente do instrumental, que raras vezes acompanha o intervalo entre as
sextilhas, nos momentos de silêncio dos cantadores, que realizam solos, à capela, durante o
combate.
O protocolo dos desafios é constante: inicia-se com a apresentação dos cantadores,
seguida da saudação (ou trocas de injúrias) entre eles e parte-se para as adivinhações, que
pressupunha um exercício de pergunta e resposta e/ou curiosidades sobre os
acontecimentos, as personalidades ou a geografia e política locais. Cascudo (1939),
registra em sua obra Vaqueiros e Cantadores, exemplos do repertório dos cantadores de
desafios, nos quais podemos observar as regras de comportamento entre os oponentes:
(Apresentação)
Eu sou Claudino Roseira
Aquele cantor eleito;
Conversa de Presidente,
Barba de Juiz de Direito,
Honra de mulher casada;
Só faço verso bem feito!
(Saudação)
Eu não canto perguntando
Porque já fiz meu estudo,
Do que existe no mundo,
Eu ja conheço de tudo;
Conheço vista de cego;
Sei da linguagem do mudo!
foram o soneto e os versos dodecassílabos.
Departamento de Letras
10
(Pergunta)
Pois agora me responda,
Negro Manuel Riachão:
Que é que não tem mão nem pé,
Não tem pena nem canhão,
Não tem figo não tem bofe,
Nem vida nem coração,
Mas, eu querendo, ele avoa,
Trinta palmo, alto do chão!
(Resposta)
O que não tem mão nem pé,
Não tem pena nem canhão,
Não tem figo não tem bofe,
Nem vida, nem coração...
É um brinquedinho besta,
De menino é vadiação,
Papagaio de papel,
Enfiado num cordão!
(Domínio Público)
O aboio na obra roseana
“O que era bonito e para sempre valia, como o bom berro de um boi no sozinho de um
campo”
Preocupado em salvaguardar um espaço e um tempo, Rosa conserva, em sua obra,
um sertão e um sertanejo que quase não existem mais. Para Marília Rothier Cardoso
(2008), “ele [Guimarães Rosa] surge – para o resgate ou para o descarte das novas
gerações – como avalista da preservação mítica de antigos saberes e usos rurais”.
Mais do que o registro de práticas locais e sociais, permanece na literatura roseana a
fruição de uma sensação sonora. Sensação que pode ser real como a do ruído dos cascos
pisando o chão batido, do aboio choroso do vaqueiro, do tilintar das tralhas no compasso da
comitiva, do pio da ave de rapina, dos desafios, dos causos. Ou pode ser intangível como o
silêncio do sertão, nos pequenos milagres que acontecem diariamente. Sons que dizem sem
dizer e que são reconhecidos e assimilados pelo sertanejo e pelo diplomata, pelo homem do
campo e da cidade, pelo popular e pelo erudito, universalismos que tangem o que há de
mais primitivo e compartilhado no ser: as veredas da alma humana.
Não há, na obra roseana, brado mais retumbante do que os silêncios do querer de
Riobaldo e Diadorim, ou do fardo retórico do pacto daquele com o Sem-Nome. Outrossim,
podemos pontuar a sonoridade festiva de Manuelzão, o olhar surdo de Miguilim e as
intermináveis conversas de bois, pelos campos gerais.
Departamento de Letras
11
“Guimarães Rosa é para ser lido em voz alta”, já dizia o conselho do professor,
pois só através de uma escala de sons e silêncios é que se tem a senha para comprender não
só o que é dito, mas a maneira como se quer dizer. Conforme já defendia Andrade (1965),
quando colocava em xeque as exigências cognitivas que nos faz a palavra falada em
contraponto com a palavra cantada
A voz humana quanto oral ou musical, tem exigências e destinos diferentes. Música e
poesia tem exigências e destinos diferentes que põem em novo e igualmente
irreconciliável conflito a voz falada e a voz cantada. A voz cantada quer a pureza e a
imediata intensidade fisiológica do som musical. A voz falada quer a inteligibilidade e a
imediata intensidade psicológica da palavra oral. Não haverá talvez conflito mais
insolúvel. A voz cantada atinge necessariamente a nossa psique pelo dinamismo que nos
desperta no corpo. A voz falada atinge também, mas desnecessariamente, o nosso corpo
pelo movimento psicológico que desperta por meio da compreensão intelectual. Dois
destinos completamente diversos, para não dizer opostos. (ANDRADE, M. de, 1965)
Em sua tese sobre a Poética da musicalidade em João Guimarães Rosa, André
Pessôa (2006), pontua a relação que a sonoridade assume na literatura roseana, para o autor,
A obra de Rosa, ao encontrar-se tão próxima da poesia em sua essência, contém uma
disposição musical que transparece e faz soar o sentido. Em uma obra de arte que é
concebida originalmente para ser lida, o saber e o sabor se encontram no que há de mais
erótico e sensual na palavra poética: o seu corpo, isto é, o seu som. (PESSÔA, A.V,
2006)
A relação estabelecida, portanto, tem como finalidade, conduzir o leitor à
musicalidade do texto roseano, no casamento da tríade signo, significante e significado das
palavras, na utilização das onomatopéias, na aritmética fônica presente nas repetições,
aliterações e consonâncias, na pontuação e na engenharia lexical, que forma neologismos a
partir de arcaísmos – o que corrobora, sobremaneira, para uma cadência no ato de ler.
O próprio Rosa, em correspondência com o crítico alemão Günter Lorenz, afirmava ser
“precisamente um escritor que cultiva a idéia antiga, porém sempre moderna, de que o
som e o sentido de uma palavra pertencem um ao outro. Vão juntos. A música da língua
deve expressar o que a lógica da língua obriga a crer”6.
Tais pressupostos autorizam a análise da cantiga de aboio na obra roseana. Não por
acaso, Sagarana (1937) concorreu ao Prêmio Graça Aranha e seu autor trazia o pseudônimo
de Viator, que em latim significa viandante. Não era uma coincidência, pois a obra que
6 LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. 1983.
Departamento de Letras
12
apresenta uma „espécie de canto heróico‟ traz, em seu miolo, narrativas alegóricas de falam
da tradição mineira, do sertão, do boi, dos vaqueiros e jagunços, do bem e do mal,
observados atentamente pelo olhar do autor-viajante, um flanêur do sertão. A obra é aberta
com uma quadra que sintetiza bem essa idéia.
"Lá em cima daquela serra,
passa boi, passa boiada,
passa gente ruim e boa,
passa a minha namorada."
(ROSA, J.G. 2001)
A quadra inaugural fala das serras de Minas, visão do vaqueiro nos extensos do
cerrado, assim como a quadra abaixo, que menciona as cidades do sertão mineiro,
atribuindo-lhes valor.
“O Curvelo vale um conto,
Cordisburgo um conto e cem.
Mas as Lages não têm preço,
Porque lá mora o meu bem...”
(ROSA, J.G. 2001)
Assim como na quadra inaugural, os versos seguintes apontam como o sertanejo
percebe o objeto de seu ofício e o amor em suas especificidades.
“Um boi preto, um boi pintado,
Cada um tem sua cor.
Cada coração um jeito
de mostrar o seu amor.”
(ROSA, J.G. 2001)
Do livro Manuelzão e Miguilim, percebemos a intenção de Guimarães Rosa de
relatar mais de perto as coisas, nomeando-as e, assim, possuindo-as. Nesta comunhão de
almas humanas e animais, pontuamos vários olhares acerca das Gerais e do seu povo, do
cenário natural e das multiplas experiências de vida. É o olhar miúdo de Miguilim – e, por
extensão, do leitor – sobre os sem-fim. É a festa de Manuelzão, a vida (em estado puro) a
pulsar, „apesar de‟. Sobretudo, é a tentativa de ocupação pelo sujeito do seu lugar no
mundo.
“Nem não sei o quê eu canto
no meio de tanta gente,
Departamento de Letras
13
eu trouxe muita vergonha
minha cara é muito quente...
É deveras, companheiros,
sertanejo do sertão
eu vinha nessa boiada
não sabia da função...”
(ROSA, J.G. 2001)
O corpo vocabular dança no baile dos falares sertanejos, nas expressões e nas
cantigas. As toadas que compõem as novelas, trazem muito do que Rosa deixa evidente no
texto narrativo: os elementos geográficos, os sentimentos, a inquietude humana, o
misticismo, pontuados pela sabedoria sertaneja, que sabe dosar ironia e filosofia, como em
“E mundão! Quem me mata é Deus, quem me come é o chão”. Existem algumas quadras
em que o desconcerto do mundo se faz presente, mesmo que reduzido ao universo
sertanejo, as trovas trazem um movimento claudicante, conforme observa-se nos versos a
seguir.
“Ô ninho de passarim,
Ovinho de passarinhar:
Se eu não gostar de mim,
Quem é mais que vai gostar?”
(ROSA, J.G. 2001)
“- Eu mais o meu companheiro
Vamos bem emparelhados:
Eu me chamo Vira-Mundo,
E ele é Mundo-Virado...”
(ROSA, J.G. 2001)
“Se mandar chorar eu canto,
Se mandar cantar eu choro,
Se mandar m‟embora eu fico,
Se mandar ficar vou m‟embora.
(ROSA, J.G. 2001)
Se não mandar nada, eu esteja
No bojo desta viola!
Saio de fora pra dentro
Entro de dentro pra fora.”
(ROSA, J.G. 2001)
Nas estrofes abaixo, percebe-se o jogo antagônico nas duplas e a forma é a do
desafio:
“Eu subi p‟lo céu arriba
numa linha de pescar:
preguntar Nossa Senhora
se é pecado namorar!...”
Departamento de Letras
14
- Olerê, canta!
“O Rio de São Francisco
Faz questão de me matar:
Pra cima corre ligeiro,
Pra baixo bem devagar...”
- Olerê, canta!
“Travessei o São Francisco
Numa canôa furada
Arriscando a minha vida,
Sempre assim não vale nada...”
- Olerê, canta!
“Travessei o São Francisco
Numa casca de cebôla:
Arriscando a minha vida,
Sendo assim, que coisa atôa!”
- Olerê, canta!
“Travessei o São Francisco
Montado numa cabaça:
Arriscando a minha vida
Por um gole de cachaça...”
(ROSA, J.G. 2001)
Para encerrar, cabe um apontamento acerca da relação estabelecida entre homem e o
animal, em A Boiada7 1 e 2 (2011), a preocupação roseana é muito clara, haja vista que
sem tais anotações de viagem, a riqueza dos detalhes seria poupada. Conforme se observa
em “O bezerrinho cinzento felpudo - visto de trás vai como um meninozinho de capuz...”
(B2), “Sete burros em volta do rancho, olhando-nos, escutando as conversas... Gado
„sentindo‟”(B2), nesta anotação a parte irracional percebe as conversas, portanto, sente; já
naquela o humano apresenta-se tão fundido com o animal que aos olhos do observador, são
uma coisa só. Essa antropomorfização assumida por Rosa, essa semelhança entre vaqueiros
e bois pontua-os de características humanas, como sentimentos adquiridos, como a
educação, o ódio ou amor e a ritualística religiosa: “Hoje em dia, até o gado está mais
educado, ultimamente”(B2) e “Boi toma amor?” (B1) ou “Boi de carro ou vaca: tem
ódio à pessoas, mesmo imotivado” (B2), e ainda “O gado fez uma cruz no chão, para
deitar em cima: risca com uma pata, anda à roda, risca outra vez, fazendo a cruz, e se
7 A Boiada é uma publicação das cadernetas de anotações de viagem de Guimarães Rosa pelos sertões
mineiros em 1952. Tal viagem serviu como referência para sua obra posterior.
Departamento de Letras
15
deita por cima.”(B2). Para finalizar, uma trova do livro 1 de A Boiada e de Sagarana, onde
é clara a relação de dependência entre o vaqueiro e o animal, unificando-os num só couro,
Meu cavalo é minhas pernas,
Meu arreio é meu assento,
Meu capote é minha cama,
Meu dinheiro é meu sustento.
(ROSA, J.G. 2011)
e protegendo-o com tanto afeto, numa relação de cumplicidade e admiração.
esse boi que hei, é um Boi Bonito: muito branco é ele, fubá da alma do milho; do corvo
o mais diferente, o mais perto do polvilho. Dos chifres, ele é pinheiro, quase nada
torquezado. O berro é uma lindeza, o rastro bem encalcado. Nos verdes onde ele pasta,
cantam muitos passarinhos. Das aguadas onde bebe, só se bebe com carinho. Muito bom
vaqueiro é morto, por ter ele frenteado. Tantos que chegaram perto, tantos
desaparecidos. Ele fica em pé e fala, melhor não se ter ouvido... (ROSA, J.G. 2001)
O aboio no Vale do Paraíba
"O sertão é do tamanho do mundo."
Situadas na região do médio Vale do Paraíba, Guaratinguetá, Cunha e Lagoinha
destacam-se pelo projeto de desenvolvimento turístico implementado pelos governos
municipais. Cunha e Lagoinha, no entanto, ainda estão fortemente associadas às práticas
rurais, ao contrário da cidade de Guaratinguetá, que por estar situada às margens da via
Dutra, no meio do eixo Rio-São Paulo, sofreu mais influência da modernidade, reduzindo
sua cultura rural a uma economia quase que de subsistência. O que no passado era pasto
para as fazendas de gado de corte e de leite, hoje projeta-se em terrenos para as pequenas
empresas que se instalam na cidade.
Prova disso é o testemunho que vem da cidade de Guaratinguetá, do Seu Mário
Nunes (68), que no passado era vaqueiro e capataz das fazendas do bairro das Pedrinhas e
conduzia o gado para o matadouro, que ficava no centro da cidade.
Antigamente a gente atravessava isso tudo até aonde você não vê (aponta) com o gado, a
tropa ia pegando daqui até o matadouro, isso dava umas cinco popriedades. Daí a gente
levava as cabeças de gado que seriam sacrificadas, naquela época não tinha tanto açogue
e nem mercado grande. Era tudo venda e a carne era salgada, pra poder durá mais. Tinha
vez que a gente saía cedinho e vortava tarde da noite. Ia pra mais de oito peão, tudo
cantando, se alternano pra não cansá e nem tê sede.
Departamento de Letras
16
Seu Mário fazia toadas e desafios, mas diz que não se lembra bem de tudo. Apesar
da pouca idade, a lida do campo sacrificou-lhe o corpo, ressentido nos versos que são
cantados. Ao ser solicitado, a voz forte e empostada desmentia a figura de corpo judiado
Era jove e formoso
Para as moça namorá
No ofício eu era mestre
Só queria era aboiá
Hoje tudo é saudade
Mas eu gosto de alembrá.
Ao longo da conversa comenta sobre as diferenças e sobre como a modernidade
transformou o seu ofício “Hoje meu serviço é fazer uns serviço na sede e levar o gado do
pasto ao curral, vô sozinho, com o sagais (cão da família), nem chega a dar tempo de
puxar uns treis aboio” e canta o seu fazer de vaqueiro e a sua relação com os animais
Eu já sei fazê cancela,
também sei fazê morão
nunca temi procela
Aboiando eu ganho o pão
Amanso boi brabo e vitela
meu cavalo é meu irmão
ê, ê, ê, ê, boi...
Acerca das transformações comenta a diminuição dos extensos da propriedade,
vendida e arrendada para outros sitiantes “O espacinho é tão curto que eu dô o primeiro
berro e os boi já tão no pátio”. Muito religioso, Seu Mário atribui à virgem de Aparecida a
recuperação que teve do último acidente sofrido enquanto andava pela mata atrás de uma
novilha apartada “Foi atropelo de moto, me lasquei todo aqui, era melhor se fosse estouro
de boiada, nesses caso a gente sabia o procedê, onde já se viu campear no lombo de
moto?”. E canta a sua devoção, de olhos para o céu e chapéu na mão
Ofereço o meu chapéu
Ao Jesus de Nazaré
E à virge Aparecida
Mãe negra que eu tenho fé
Peço a Deus saúde e força
E trabaiá até pudé.
A segunda quadra devocional, é um aboio que remete à música Calix Bento, muito
conhecida na voz de Pena Branca e Xavantinho e Milton Nascimento
Deus salve casa santa,
Departamento de Letras
17
Ó Deus salve casa santa,
onde Deus fez a morada,
Deus salve calix bento,
Ó Deus salve calix bento,
e a hóstia consagrada,
ô, ô, ô
Da região de Cunha e Lagoínha, Antônio Marciano Carvalho (67), o Seu Matuto,
vendeu suas terras para “não sei quem da capital”, que certamente, segundo ele, “não tem
nenhum amor à terra, porque nunca fizeram uma benfeitoria nas terra”. Viúvo e com
quatro filhos, a maioria estudando e trabalhando na cidade, viu-se obrigado a desfazer-se
da propriedade para não perdê-la para o abandono. Seu Matuto se lamenta pelos revezes
ocorridos em sua vida
Eu levei mais de 15 anos pra poder me aposentar, isso porque o fio do meu ex-patrão era
muito correto com isso de coisas de lei. Daí pensei que isso não era vida e obriguei os
pequeno a ir pro grupo. Hoje tão todo mundo trabalhano, de carteira assinada. Eles tem
as garantia que eu num tive, tem até féria! Essa vida de fazenda é boa, sim, tem
liberdade, mas é muito sacrificada.
Provocado a aboiar, seu Matuto inicia, após longa introdução, com um sorriso
malicioso
Cavalo precisa de sela
Pra trempe basta a panela
Pro boiadeiro o gibão
Cabeça vem sob o chapéu,
Sá dona quer casar de véu.
Pra minha satisfação.
Vem, boi!
Mas pinga que é moça branca
Vem bolir na minha ideia
Seu Braz, fia ligêdo
Pra mim e pros companhêro
Fia que não temo dinhêro
Vaqueiro bom não apéia.
Ôôô. Boi!
Com relação à religiosidade, o caboclo confirma a prática de todo sertanejo de
adorar os santos padroeiros, Nossa Senhora Aparecida e o Divino Espírito Santo
Departamento de Letras
18
Seu Galvão8 me dá guarida
Me acode Aparecida
Virge de divino manto
Que eu sou pobre pecador
Eu clamo pro Nosso Senhor
E Divino Esp‟rito Santo.
De todos os depoimentos registrados, chama a atenção as memórias de uma criança
nascida na cidade, que passava as férias na zona rural, onde os avós tinham terra. Hoje aos
62 anos, Dona Piedade relembra o encantamento que aquela vida exercia sobre ela, a
grandiosidade das coisas do campo, o misticismo que os adultos exerciam e, sobretudo, a
relação entre o homem, a terra e o animal.
Meu avô Euzébio tinha uma fazendinha nos altos da Ventania, onde cultivava para
consumo próprio e criava gado ovino, suino e bovino para o abate, que era feito no
matadouro da cidade, a uns 50 km de distância. Lembro-me de uma mula branca cheia
de sardas vermelhas que se chamava Delicada e tinha os 4 burros da tropa, que traziam o
leite e o café nos jacás amarrados nos dois lados da cangalha: o Brioso meu preferido, o
Jagunço (empacador que só ele), o Nanico (que era um jumento muito forte) e o Moreno.
E tinha o cachorro Cravinho (que morreu com 22 anos) e a Canela, uma cachorra
preguiçosa que não saia do terreiro por nada, desde que uma cobra urutu a mordeu.
Quando o cravinho morreu, foi uma comoção, todo mundo chorou e minha vó o enterrou
sob o pé de copo-de-leite que ficava em frente a casa. Também tinha o carneiro-guia, o
Compadre, que ia junto dos tropeiros e que era seguido pelos demais animais. Se o
Compadre empacava ou mudava o rumo, todas as demais rêses também o faziam. Meus
dias começavam com o vovô saindo no terreiro em frente a casa de pau-a-pique e sapé e
gritando de lá:
Eia, delicada, delicada... Delicada... Eia, eia...
Eia, Brioso, Brioso , Brioso...
Que zurravam do pasto que ficava no morro em frente e seguiam troteando pra lida. O
resto da tropa os acompanhavam.
O carneiro guia que era o pai do rebanho (ele tinha cerca de umas 300 ovelhas e
carneiros) ele aboiava com assobios e o Cravinho ajudava a juntar as ovelhas que
passavam a noite no redil, senão a onça comia. Ele falava as cinco da tarde para o
cachorro, “Cravinho, busca, busca Cravinho, vai!”.
E o animal partia como um foguete. Cinco minutos depois estava no alto do pasto, que
ficava nas encostas do morro, no sopé da Mantiqueira. Vovô aboiava, “Eia compadre,
eia”, fazia barulhos guturais com a boca e assobiando e o cachorro corria de um lado
para o outro e o guia descia o morro com as fêmeas e crias atrás. Era lindo de ver: aquele
movimento que parecia uma onda branca, crescendo de um lado para o outro, nas voltas
do caminho no morro. Pouco depois estavam atrás da casa, fechados na proteção do
cercado e os cães punham-se à porta do redil e dali nada os arredava até a madrugada do
outro dia, quando meu avô ia tratar dos animais: O carneiro guia que era o pai do
rebanho (ele tinha cerca de umas 300 ovelhas e carneiros) ele aboiava com assobios e o
Cravinho ajudava a juntar as ovelhas que passavam a noite no redil, senão a onça comia.
Ele falava as cinco da tarde para o cachorro “Cravinho, busca, busca Cravinho, vai!”. E
o animal partia como um foguete. Cinco minutos depois estava no alto do pasto, que
ficava nas encostas do morro, no sopé da Mantiqueira. Vovô aboiava, “Eia compadre,
8 O texto refere-se ao São Frei Antônio de Sant‟Anna Galvão, nascido em Guaratinguetá e canonizado em
2007.
Departamento de Letras
19
eia”, fazia barulhos guturais com a boca e assobiando e o cachorro corria de um lado
para o outro e o guia descia o morro com as fêmeas e crias atrás. Era lindo de ver: aquele
movimento que parecia uma onda branca, crescendo de um lado para o outro, nas voltas
do caminho no morro. Pouco depois estavam atrás da casa, fechados na proteção do
cercado e os cães punham-se à porta do redil e dali nada os arredava até a madrugada do
outro dia, quando meu avô ia tratar dos animais, alimentava e cortava a lã que
atrapalhava nos olhos e soltava os bichos, que corriam para o riozinho que atravessava o
pasto. E o vô Euzébio era meio que bruxo, fazia suas rezas, lhes tratava as bicheiras,
curava feridas. De lá se espalhavam pelo pasto enquanto meu avô e meus dois tios iam
cuidar das vacas, da carga de leite e café que levavam nos jacás, que iam amarrados nas
cangalhas. Os bichos desciam carregados pelo morro, através da picada íngreme, era
pirambeira nos dois lados!
Ainda tenho na memória o som da voz do vovô chamando seus bichos e eles obedecendo
e eu sentadinha na porteira que dava para o pasto esperando a onda de carneiros brotar
na curva do caminho à tarde em direção ao cercado que já estava aberto. O aboio do
vovô era lindo! Um chamado choroso, quase um lamento, que começava mais baixo e ia
crescendo até terminar num som gutural e rouco, que ecoava pelos morros em volta,
como numa caixa de ressonância.
Resultados e Discussões
"Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa."
Trabalhar com elementos da cultura popular esbarra em questões de juízo de valores
que, por muitas vezes, põem o estudo em xeque. Por quê a toada e o aboio em detrimento
de uma outra lírica qualquer?
No meu caso particular, a escolha é devida a uma memória afetiva, a uma
necessidade de saber os rumos que a modernidade deram à tradição, haja vista que quase
não existem mais a condução do gado por longas extensões e, consequentemente, os
vaqueiros aboiadores. Tal questão foi reforçada pelo depoimento do Sr Mário Nunes,
quando afirma que atualmente, a movimentação do gado da fazenda é apenas interna aos
seus limites e que grandes deslocamentos são feitos com a ajuda de caminhões
transportadores, argumento também confirmado pelo testemunho dos personagens dos
documentários analisados, Aboio (2005) e Aboio e Toada (2009).
Com exceção do sertão nordestino e de algumas regiões do centro-oeste, a prática
dos aboiadores está em desuso. No entanto, ainda são representadas em feiras e festas
ligadas à cultura do boi. O que se percebe com os estudos realizados é que o fator que
mantém vivo tal costume é o orgulho pelo ofício, que é alimentado por uma tradição de
cultura oral.
A memória também é um auxiliar para a manutenção da cultura do boi e uma
questão levantada foi a do registro. Muito se perdeu ao longo da prática, pois os cantos
Departamento de Letras
20
eram feitos no calor do improviso e, algumas vezes, eram logo esquecidos. O
reconhecimento desta atividade aproximou estudiosos e interessados em cultura popular,
que passaram a produzir registros e a preservá-los. O acesso facilitado à internet e às
mídias sociais também proporcionam a produção de material amador, uma busca em
qualquer site de armazenamento de vídeos com o tag9 aboio ou vaquejada comprova tal
afirmação.
Trabalhar com depoimentos reais não é fácil, pois se está lidando com o momento
do entrevistado, com a memória (que às vezes falha) e com suas trajetórias de vida, com
emoção. Por outro lado, comprova a existência de realidades diferenciadas, com dinâmicas
e relações sociais diferentes.
O que percebi ao lançar mão dos depoimentos é que muito do que havia sido
registrado pelos estudiosos e literatos a respeito dos vaqueiros e de sua relação com o
Divino Natural é verdadeiro: o respeito e a devoção, a consubstanciação com a natureza
está presente tanto no discurso literário, quanto no testemunho particular dos envolvidos.
Tanto a análise documental quanto as observações feitas ao longo das conversas
com os entrevistados, as cantigas de aboio e/ou as toadas remetem para uma dupla
configuração de contextos: atualiza os tempos das longas comitivas, tempos de estrada,
poeira e só, como um movimento de resistência à modernidade que transformou aquele
estado de coisas; atualiza, também tudo o que era feito originalmente nas práticas do boi e
seus significados simbólicos e atualiza, por fim, tal realidade junto ao imaginário social, a
relação entre ambos e o sagrado natural, sua cosmologia, uma vez que conceber a “natureza
humana‟ revela-se como condição primordial de revelar uma cultura.
Cultura que já havia sido reconhecida pela academia e atuteladas por Mário de
Andrade, Câmara Cascudo e Guimarães Rosa, entre outros. Andrade e Cascudo puderam
aproximar a sociedade da prática cultural, analisando-a em suas características,
reproduzindo-a; já Rosa possibilitou através da alquimia gramatical, trazer o aboio para as
palavras das suas narrativas, não só através do registro das melodias entoadas pelos seus
companheiros de comitiva, como na melopéia de sua estrutura morfo-sintática.
9 Uma tag, ou em português etiqueta, é uma palavra-chave (relevante) ou termo associado com uma
informação (ex: uma imagem, um artigo, um vídeo) que o descreve e permite uma classificação da
informação baseada em palavras-chave. (fonte: Wikepedia. http://pt.wikipedia.org/wiki/Tag_(metadata))
Departamento de Letras
21
As cantigas de aboio revelam as possibilidades do espaço da música popular, de
modo que possamos compreender as manifestações de uma cultura e as relações
estabelecidas entre os espaços e seus sujeitos, não como o esdrúxulo, mas como o
característico a um espaço e a uma gente.
Conclusão
"Tudo é e não é..."
Se Bosi já atentava para o fato de não existir uma unidade ou uniformidade nas
sociedades modernas e, muito menos, numa sociedade de classes, o que depreendemos dos
estudos da cultura popular é que, ao longo dos anos, as referências originais ultrapassam o
valor do gênero e extrapolam as fronteiras sociais, pontuadas pelo trinômio “tradição-
identidade-nação”, dentro do imaginário comum. E o caboclo sertanejo, “antes de tudo,
um forte”, vem confirmar o ideário da mistura das três raças originais.
Que as práticas de boi transformaram-se, não resta dúvidas e tais manifestações
deste assumiram, pois, uma face folclórica dentro do cenário musical de origem rural. Faz-
se mister referir que tanto o mapeamento teórico e literário discutido, quanto as referências
audiovisuais e as entrevistas de campo, proporcionaram uma proximidade do tema que
escapou à esfera acadêmica, humanizando-se.
Chama também a atenção o embate existente dentro do cenário musical, nos espaços
eruditos e populares, já que tal problematização vem de encontro a um tensionado processo
de negociação e da dificuldade de se discutir valores dentro da geografia cultural brasileira,
o que sugere uma transposição de searas políticas e sociológicas. Numa discussão que
excede os limites que vão do popular ao erudito, da roça à cidade, comprovando que a
música popular do "Brasil brasileiro" permanecerá, a despeito das mudanças adquiridas (já
que, inegavelmente, a sociedade e seus interesses transformaram-se ao longo dos anos).
A literatura traz a reboque esse cenário de fortes, traz também seu modo de
relacionar-se com o que o atravessa, assim, homem e bicho, homem e natureza, homem e
Deus, tornam-se unos. Rosa nomeia e nomeando toma posse. Rosa louva enquanto narra,
partindo de assonâncias, aliterações e consonâncias que formam neologismos cantantes.
Rosa também aboia, junto de Manuelzão, tantas histórias gerais.
Departamento de Letras
22
Como representação de uma dupla atualização de contextos, as práticas do boi
remetem aos tempos das grandes comitivas, concomitantemente atualiza as ações realizadas
dentro da irmandade, seu local de origem. Atualiza, também o imaginário do grupo
(interpelado pelos dilemas que as mudanças de um mundo dividido entre perspectivas
globalizantes e localizantes apresentam) e as formas de se relacionar com o sagrado e com
a natureza. O corpo do discurso de quem aboia vem ponteado de lamentos e transforma-se
no discurso consubstanciado do corpo do homem-bicho. Corpo do discurso que reclama
perdas, discurso de um corpo que se quer encontrar. Corpo do discurso que canta „de cor‟, o
Divino Natural.
A memória pede que sejam preservadas tais práticas, o homem peleia. Sobre o
estudo, muito ainda a ser lido, a ser dito, a ser cantado, mais perguntas do que respostas: “o
senhor sério tenciona devassar a raso este mar de territórios, para sortimento de conferir
o que existe? Tem seus motivos. Agora – digo por mim – o senhor vem, veio tarde. Tempos
foram, os costumes demudaram. Quase que, de legítimo leal, pouco sobra, nem não sobra
mais nada."
Referências
1– ALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira. 2ª ed. São Paulo: Duas Cidades,
1982. 2– ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Martins Fontes,
1962.
3– _________________. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 1965.
4– ________________. Vida do cantador. Rio de Janeiro-Belo Horizonte: Villa Rica
Editoras Reunidas Ltda, 1993.
5– ________________. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963.
6– BARONGENO, Luciana. O lamento do cantador. OuvirOUver – Revista do Programa
de Pós-Graduação em Artes. Minas Gerais: Editora da Universidade Federal de Uberlândia.
7– BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
8– CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral do Brasil. 3ª ed. Belo Horizonte: edições
Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1984.
9– _________________. A Vaquejada Nordestina e Sua Origem. Recife: Instituto
Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais – MEC, 1969.
10– ________________. Vaqueiros e cantadores. Porto Alegre: Ed. Livro do Globo,
1939.
11– CARDOSO, Marília Rothier. Entre meninos e vaqueiros (memórias mineiras para
a invenção narrativa). ALETRIA, Revista de Estudos de Literatura UFMG, vol 18 -
Rememorações/Comemorações. Belo Horizonte: editora da UFMG, 2008.
Departamento de Letras
23
12 – CASTRO, Simone Oliveira de. Memórias de cantadores: sertão, dom e ambiente
social. X Encontro Nacional de História Oral, UFPE. Disponível em:
http://www.encontro2010.historiaoral.org.br/simposio/view?ID_SIMPOSIO=19. Acesso
em: 12 mar 2012.
13– CHEMIN, Damien. Aboio e Toada. Sergipe: TV Araripe, 2009. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=C8V3-ZZYcpw (Parte 1) e
http://www.youtube.com/watch?v=x2uBcmV946Q&feature=results_video&playnext=1&li
st=PL4A89C5DFFF7F3F37 (Parte 2). Acesso em: 10 mai 2012.
14– CUNHA, Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.
15–DIAS, Wagner. Escutando Rosa. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ea/v20n58/06.pdf. Acesso em: 16 mai 2012.
16– ELÍSIO, Geraldo. Manuelzão e Bananeira. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=IjleUaQ-Z-o(Parte1)
http://www.youtube.com/watch?v=vv0WKg5paPY&feature=relmfu (Parte 2) e
http://www.youtube.com/watch?v=Gm11_9tuZqo&feature=relmfu (Parte3). Acesso em: 03
abr 2012.
17– LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. In: Coleção Fortuna Crítica.
Direção de Afrânio Coutinho. Seleção de Textos: Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasileira S.A. Pró-Memória – Instituto Nacional do Livro, 1983.
18– LYRA, Maria de Lourdes Viana. Guimarães Rosa: uma reflexão sobre a questão da
identidade nacional. Revista de Letras da Universidade Federal de Curitiba , vol. 1/2, n°
28, jan/dez 2006.
19– MAURICIO, Maria Laura d Albuquerque. Aboio, o canto que encanta: uma
experiência com a poesia popular cantada na escola. João Pessoa, 2006. 96p.
Dissertação de Mestrado. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, UFPA.
20– PESSÔA, André Vinícius. Uma poética da musicalidade na obra de João
Guimarães Rosa. Rio de Janeiro, 2006. 163p. Dissertação de Mestrado. Faculdade de
Letras, UFRJ.
21– ROCHA, Marília. Aboio. 73 min. Brasil: 2005
22– ROMERO, Sílvio. Estudos sobre a poesia popular no Brasil. Petrópolis: Vozes,
1977.
23– _________________. Cantos populares do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio,
1954.
24– ROSA, João Guimarães. A Boiada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
25– _________________. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
26 – _________________. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
27– _________________. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
28– VICENTINI, Albertina. O sertão e a literatura. Disponível em:
http://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/view/1778. Acesso em: 11 mar 2012.
29– VIEIRA, Natã Silva. Cultura de vaqueiro: o sertão e a música dos vaqueiros
nordestinos. III ENECULT, Terceiro Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura.
UFBa, 2007. Disponível em: http://www.cult.ufba.br/enecult2007/NataSilvaVieira.pdf.
Acesso em: 21 abr 2012.
Departamento de Letras
24
Depoimentos
CARVALHO, Antônio Marciano, 67 anos. Depoimento colhido em 31 de maio de 2012,
na cidade de Lagoinha/SP.
NUNES, Mário, 58 anos. Depoimento colhido em 05 de maio de 2012, na cidade de
Guaratinguetá/SP.
SANTOS, Maria da Piedade dos, 62 anos. Depoimento colhido em 02 de junho de 2012,
na cidade de Guaratinguetá/SP.
top related