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Pairas por Lisboa
Sinto-te a pairar no ar,
Percorrendo Lisboa,
Do Bairro à Sé,
Algures te escondes.
Sinto ainda nos meus lábios
O sabor do beijo que virá.
Cedeste mas até lá
Lisboa te acolhe.
Miro-a de cima e com
O meu olhar anseio-te.
Por que calçadas incertas
Vagueias, vais deambulando?
O preto da calçada,
É o da minha visão,
Onde o escasso branco
São as tuas perfeições.
Nesta palidez de vida,
Só o vermelho penetra,
Não o teu casaco de veludo,
Mas o veludo dos teus lábios.
Dos teus lábios, do beijo que virá,
Tudo vai ganhando cor,
As folhas do chão aos ramos levitam
Como se para trás andasse o tempo.
Tudo composto, eu e tu,
Num banco, de roseiras ladeado,
Sob um jovem e sonhador plátano,
Pisando a calçada cândida e incerta da vida.
Vagueios Melancólicos
A cidade, turva da chuva,
percorro sem rumo.
Das chaminés e do calor do lar, o fumo
invade o ar e inebria-me
como se, uma malga, fosse de uva.
O vinho ainda no jarro a fermentar,
A castanha estalada
no papel a fumegar,
O tinir da chuva na calçada.
É Lisboa melancólica.
O frio tolda-me a carne,
aquece-me a nostalgia, o coração.
E por a esta cidade devoção,
não vacilo, com as mesmas esquinas,
o mesmo povo, maravilhado.
Mas enquanto chuva não é neve
E o frio que já foi verão é frio de novo,
Na lassidão da folha caída,
sento-me no sofá de manta aos pés,
a mirar, ao fundo, o Tejo de sempre.
Dracaena Draco L.
Porque todos fazemos parte de um ciclo,
Tu és eu e eu sou tu,
Porque todos somos todos,
Todos somos nada.
Um fluxo de energia,
Tão amplo, tão fluido,
Tão forte,
Tão vulnerável.
Tratamo-nos como algo descartável.
Não gostamos e passamos ao próximo,
Quando dermos conta todos teremos passado,
E a inevitabilidade da nossa espécie surge…
Nada temos para além de nós,
E se formos sendo amachucados,
Postos de lado, a ameaça vinda de nós,
É a que chega, e depois?
Dói a falta de amor,
Sentirmo-nos completos,
Em Harmonia com ele,
Ela, vós e o mundo.
A amargura da vida que se esvai
em lágrimas, mas que persiste.
Não obstante, a lágrima vai galgando,
Ruga a ruga, o nosso rosto.
É andar de mãos dadas, mesmo se sozinho…
É como se ela ali estivesse a meu lado,
A mão dela na minha, mas não.
E o meu ser revolta-se!
Rasga-se a carne,
Sangra, oxida, gangrena…
O cheiro fétido, sufocante,
Mas com a dor arrastada continua-se.
Porque sou feito de ti, mas também
De todos eles. E vocês são tão diferentes,
Enriquecem-me,
Tornam mais bela a vida, a minha vida.
No fundo, todos nos apoiamos
Uns aos outros, como estacas
Que nos suportam para não sermos derrubados
Pelo vento.
Por mais feios que sejamos,
Haverá alguma maravilha,
E é a essa a que os outros se agarram,
Erguem-nos e tornam-nos especiais.
Enfim…
Quem um dia passar diante desta árvore,
Só espero que olhe para ela como eu olhei,
Que olhe e veja o mundo inteiro, se veja a si próprio!
Lanzarote
Miro-te e nada mais és
Que pedra negra,
Suave inferno de areia,
Vento fresco e água límpida.
És bruta e rude.
Angulosa espinha e
Sinuosos contornos.
Ele, sem cessar,
vai-te conquistando.
Putrefacta terra,
Como que uma madre seca,
Estás velha e encarquilhada,
Queimada na face pelo teu próprio veneno.
Ele debalde vai tentando,
Fêmea nata:
Gostas mas rejeita-lo.
Estás podre e ele tão rico,
Velha tonta!
Estás magoada:
Alguém já te remexeu
Outrora, Profanada
Retrais-te dele e de todos.
Quem te maculou?
Foi aqueloutro,
Imponente e viril?
Rasgado de fúria
Não te poupou?
Medrosa,
Queres clemência mas
Só sabes afastar os outros,
Não mostras teu esplendor.
Esse monstro está velho, adormecido.
A pouco e pouco vais recuperando,
Deixa o sal deste jovem te fertilizar.
Sal de águas benzidas,
Salutares para a tua maleita.
Perscruto e vejo-a,
Tímida escondida pela vegetação.
Pelas folhagens vai espreitando-o,
Vai vendo as cortesias que te faz.
É a tua casa das Quatro.
Aqui, neste lar, é sempre entardecer.
Nada tarda, tudo chega a seu tempo.
Lá dentro vive,
Aquele pelo qual vais fluindo.
Ele sim está velho, cego,
Mas apaixonado como nunca pela sua musa.
Ela é o seu suporte, o seu pilar.
Há quem queira sê-lo para ti, imbecil!
O tempo não escorre sempre no mesmo sentido,
Na mesma cadência…
Aqui são sempre Quatro.
Para ti pode ser sempre um, mas Uno com Ele.
Não o faças desesperar.
O teu velho e fiel lacaio,
Apela à tua razão.
Pois seus olhos já viram muito,
Já derramaram muito.
Podem ser cegos,
Mas reconhecem tal namoro
Entre ela, ex-líbris luso, e o seu belo pajem.
Conquistou-a e desde então protege as suas portas:
Para sempre fortificada a princesa Lys!
O teu enleio não é diferente.
O ímpeto é o mesmo,
Vem de ti, vem dele.
Agarra-o e nunca mais soltes.
O Fogo te matou,
Deixa agora a água ressuscitar-te.
E Deus escreve por linhas tortas,
Para ti, para mim
E para o velho e cego lacaio.
São quatro da tarde e todos descansamos à sombra deste Sol, por fim…
Névoa
Saio à rua e… nada!
Algo se adensa pela noite fora,
Uma humidade que se entranha nos ossos,
Um arrepio que nos desorienta…
Este nevoeiro cerrado,
Quem estará atrás de mim,
Quem estará de fronte?
Ninguém…
Viver numa comunidade,
Que coisa mais corrompida.
Quando no derradeiro momento,
Se ressume a mim e o infinito, o nada!
A calçada escorregadia,
Todo o mundo apto
A fazer-me deslizar,
A derrubar-me.
Vulnerável a tudo,
A ameaça virá de qualquer lado,
E os meus olhos só vêem um de cada vez,
O coração acelera.
Estugo o passo, escuto.
Procuro por um som dissonante,
Um passo em falso.
Não paro!
Até que um passo ecoa,
Uma respiração cortada trá-la o vento,
Quase que corro,
Perscruto tudo.
O frio rasga-me o peito e
Humedece-me os olhos.
A adrenalina faz-me
O sangue fervilhar.
Esta névoa tão incerta
Que a vida é.
Ingenuidade por ignorância,
Almejo mas não alcanço.
A frustração turva ainda mais,
A linha cada vez menos recta,
Mais sinuosa, quando chegarei
Finalmente, ao início pelo qual tanto anseio?
É injusto esconderes-te assim,
Aparece de vez, eu procuro-te,
Estupidamente em vão.
Não! Em vão, não, valerá a pena, sei que sim…
Porque não te compadeces?
Que tortura, que prazer sádico é esse?
A minha alma que se vai estilhaçando,
Exausta de tanta busca, de tanto sentimento,
De tanto… vazio.
Vou-me refugiando na vida,
Que me vai envolvendo nos enleios que tece.
Perversamente me ilude,
Faz-me pensar que me controlo.
Serei eu nada mais que uma alma à deriva,
Com a incerteza de um destino já traçado?
Por ventura… mas não. Recuso-me,
Que sentido teria a minha existência?
Nenhum… dizem-me!
Então mas porque existo?
Para que ames e sejas feliz,
Mas acima de tudo para que sofras.
Por mais sádico que isso pareça?
Por mais sádico que pareça…
Pavio
Tu que nada por ora mais és
Que névoa intrigante, chama difusa.
Por onde te escondes,
Por que trilhos te esvais?
Neve complacente, flocos eternos,
Focos de luz aconchegantes?
Ou escarpa e mar, arvoredos citadinos,
Maravilhas humanas subtis, sois de mil cores?
Talvez por entre múltiplas pessoas,
Cadência metálica do carril, pedra incerta,
Sol quente e folgo fresco
De hoje e sempre?
Só carne ensanguentada,
Suspiros rasgados,
Laivos de loucura comedida.
Por onde andais? Que nada é certo
Na fatalidade do destino.
Estonteante busca,
Existência sem obséquios.
O pavio cada vez menor,
Um sufoco de sadio prazer!
Até que me esfumo…
Preciso de escrever
Preciso de escrever!
O mundo gira
E a vida flui.
Estagnado miro para trás
E nada é igual, nada é diferente.
Nada é ou acontece.
Os pombos debalde
A esgravatar o tempo oco
Que os não alimenta,
Invejosos das irmãs
Que banqueteiam no mar perto.
Os grãos do tempo
Enlapam-se-me nos pés,
Impedem-me de andar, de correr, de ser.
Que impotência é esta?
Vacilamos, queremos mais
E de novo vacilamos.
Somos fracos perante o mundo,
Ele é fraco para com ela,
Ela é fraca diante dele.
Há que deixarmo-nos guiar
Pelas rédeas do vento,
Largarmo-nos dos grãos
E voar para lá do Infinito.
Mas sou homem,
Sou terreno.
Nada mais sou que a ocupação
Do lugar vazio a fitar
Os grãos da areia do tempo,
Na eterna queda da ampulheta da vida.
Sôfrego
Sôfrego, quando tu nos teus braços
Me recebes, estou.
Hipóxicas as minhas ideias
Confudem-me e confusas estão.
Até que na tua boca mergulho
E nos cruzamos no íntimo.
Sôfrego, o beijo não cessamos
Porém cada vez maior lúcido torpor.
Estivemos, fomos e havemos
De regressar: a nós,
A tu e a eu.
Não aqui ou agora.
Sôfrego, avidamente
O cessar retardar fazemos.
A amarga segregação,
Visceralmente repudiamos.
Sempre um, sempre dois.
As pútridas vísceras são
Sôfrego,dos teus braços
responsáveis, Por me afastar.
E a última sofreguidão
No último íntimo, derradeiro culminar
Dos lábios de um nos do outro,
Te a ofereço e parto em paz.
Vagueando por esta vida enrugada
Vagueando por esta vida enrugada,
Vou escutando, observando.
O propósito primordial,
De um ser, de uma espécie,
O mais primitivo é evoluir.
Essa falta de objectivos,
Tão humanamente criada,
Na tacanhice de não reconhecer os que
A vida nos impõe,
Angustia-me.
Atingiram um ponto e estagnaram.
Não progridem, não procuram por mais,
Não crescem!
Numa atitude estúpida
Para com a vida,
Miram o mundo e os outros,
Como se fossem débeis,
Como se para mais não estivessem capacitados.
Profanar assim o nosso dom,
O dom de viver.
Tanto potencial desperdiçado,
Tanto suor e sangue
E nada…
Uma existência frívola,
Na iminência constante
De se dissolver numa mera
Auréola de fumo cinzento,
Tóxico e asfixiante.
É como se o tabuleiro,
Já completo, se desfizesse
Das peças inúteis.
Desprezados, independentemente
De serem torre, cavalo ou Rei.
E de fora,
Acabam por se aperceber que
O jogo continuou sem eles,
Que todos saíram vitoriosos,
Ambos os lados.
Somente eles,
E seus discípulos, mentes obtusas,
Saíram lesados.
E assim a vida vai marcando os seus trilhos,
Vai enrugando a face do mundo e de si própria,
Uns ficam para trás,
Não por serem menores, mas por não terem lutado.
Lutado por serem eles a passar o testemunho.
Assisto a este enredo com a vontade tremenda
De alterar os seus entremeios,
Mas não tenho esse poder divino,
E a vida seguirá, indubitável e invariavelmente,
O seu caminho, o nosso fado!
Globo
De tudo, de todo o universo
O mais belo é o mundo.
Este globo periclitante
Onde tudo coabita:
O que foi e o que virá.
Esfera de floresta negra:
Arvoredos de Ébano
Que se adensam a norte,
E a sul se rarefazem,
Salpicados de espigas de milho rei.
Partindo da planície que um dia será serra,
Acercamo-nos desses dois lagos de água salgada,
Em constante abundância
Vão purificando com seu sal,
As terras em redor.
Como que de outro mundo se tratasse,
Aqui o riacho que desses lagos nasce,
Sobe montanha acima e
No cume verte em cascata,
Espargindo essa gruta, boca do mundo.
Gruta escondida
por entre essa vegetação,
E este solo de rocha dúctil.
Ora Côncavo ou convexo,
As brechas vão dando de si.
Brechas que jorram sangue,
Maculam a pedra.
Escorre que nem lava,
Deixando um rasto de mágoa
Sofrida e por sofrer amor.
Essa lava sanguínea cobre de rubis
As espigas reais.
Sangue fecundo,
Que nos vai alimentado,
Nos vai enfraquecendo.
Mundo imperfeito,
Globo estilhaçado.
Remendado por mãos trôpegas,
Tornas-te áspero e árido,
Outrora jovem agora ressequido.
Careces de água,
Ninguém rega teus solos,
Tua face jucunda.
Face que observa o horizonte,
Em busca de algo, de alguém…
Amigo de deitar fora
Quero poder falar
Falar sem pudores,
Sobre nada de importante
Só para afugentar de mim
Os males da vida.
Quero ter alguém que me oiça
Mas que quando assim eu quiser
O amachuque, rasge, corte
O possa deitar fora
Sem ferir susceptibilidades.
Quero usá-lo,
No sentido mais bruto,
Mais rude da palavra.
Tê-lo só quando mais
Ninguém me vale e estou em baixo.
Agora quero-o
E não o tenho,
Deve andar escondido
Entretido com os meus entremeios,
Encontrá-lo-ia mas para isso…
… ter-me-ia de encontrar primeiro.
Caxin
O bafejar do folgo,
Que se escapa
Com o esforço da escalada
Pela Costa do Castelo,
Macula o breu da noite
Com a sua névoa gelada.
Galgando a calçada,
Pedra a pedra,
Se vai subindo a colina,
Mostrando se vai
O Esplendor desta cidade
Sinuosa e mística: Lisboa.
Choro no silêncio do meu quarto
Choro no silêncio do meu quarto,
No recato dos meus lençóis,
Que me abraçam e
Se deixam embeber.
Retêm a minha respiração
Periclitante, soluçada por vezes.
Quero rasgá-los mas depois
Nada teria se não a mim!
Cubrir-me com eles,
Afastar-me do mundo,
Ser eu e somente eu,
Para comigo e o meu eu!
No calor do nosso amor,
Adormecer embalado,
Vagueando por fantasias
Nada mais que o desejável,
Tudo menos que o real…
Eterno grão geológico
Eterno grão geológico,
Rolando seixo sobre seixo
Se vai moldando,
Se vai desfazendo.
Da areia à pedra,
Da pedra à areia,
O ciclo é soberano.
Eu sou mero espectador!
O violento mar
Esfomeado avança,
Traiçoeiro recua,
Levando-me com ele nesta dança anciã.
O tempo passa,
A pedra desfaz-se
Mantendo-se a mesma,
Dia após dia.
Enterrar meus pés
Por entre estes grãos
Que entre cada onda,
Em vão se secam!
Irónica Vida
Irónica vida,
Olho para ti e
Rio-me contigo.
Esse regozijo
Pelos sacrifício dos outros…
Maldade deliciosa,
Não por ruindade,
Por compaixão.
Quem não sofre,
Não reconhece.
Que teias teces nesse
Jogo que vais jogando,
Nos quais somos teus peões.
Joga, podes jogar
Desde que não me deites fora.
Fazer parte,
Viver em comunhão
É o que se logra com tal jogo,
Ser peão que faz cheque,
Rei branco tombado
Em território negro.
Caminhada errante,
Vaguear o mundo como
Tudo fosse uma estrada
Em constante reviravolta,
E eu sem rumo.
Caio onde calhar,
Seja na estação inóspita
Da vida de onde nada
Parte nem chega.
Carril polido pelo desuso…
Gaivotas agourentas,
Frio arrepiante,
O passo não foi certo,
Mas fui eu que o dei,
Estou onde quis.
Onde quer que esteja,
Onde quer que vá,
Serei eu e será o meu caminho,
Sem rumo mas com
A fatalidade de ir para
E por onde devo.
Linhas Tortas ou Fadada Vida
As marcas vazias
no tecido da cadeira abandonada.
O pó que teima,
As dedadas que ficam marcadas,
A pegada na poeira solta.
O sol que reflecte
Nessas partículas de outrora,
De outra gente.
Onde foram,
Onde estarão.
Partiram mas
Aqui ficaram.
Não mexas,
Não mudes,
Deixa ficar assim.
A minha pele seca
Saturada de lágrimas,
Doí-me de carpir o
Coração,
Enxugá-las-ia…
Querer não chega,
O afecto não se
Dissimula, não se finge.
É reflexo do carinho.
E quando este não existe, que se faz?
Não ponhas a cadeira
No seu sítio, a mesa
No seu quadrado
Perfeito losango
Estava, era ela.
Não removas o pó,
Partículas do tempo
Escasso e largo em que
ela teve e foi.
A ausência é melhor que nada.
Ela já foi mas não tires
O vazio que ela deixou,
Ai mocidade, agente do tempo,
Profanam assim as oferendas da vida,
Deixai-me em paz.
A apodrecer por dentro,
O vidro estalará,
a flor murchará,
as portadas pelo vento
serão forçadas.
No entanto eu impávida e serena,
Manter-me-ei sentada,
Até que seja eu a estalar,
A murchar,
A ser levada pelo vento.
E aí, da amargura da vida
Ao inferno do purgatório,
Subirei até ele e agora sem remorso
Talvez entender-nos-emos mutuamente.
Sem julgamentos, sem olhares de esguelha…
Ai vida sofrida,
porquê tanta compaixão
com tanta maldade e
mãos sangrentas?
Minha Pequenina
Oh minha pequenina,
Tanta azáfama,
tão pouco tempo
E tu tão longe.
Falas comigo e compreendo-te,
Em cada palavra só quero
Que sintas este calor que vai de mim,
Para te aquecer nesse ambiente frio.
Tanta dúvida, tanta questão
Tanta decisão a tomar e
Tu tão nova, tão inexperiente.
Queria ter-te aqui e abraçar-te!
Chamas-te egoísta
E preocupaste-te tanto
Com os outros, dói-me a alma
Não estar à distancia de uns meros metros de calçada.
Quero que sofras o mínimo
E que voltes em breve,
Pois aqui será sempre o teu porto seguro,
Este porto de amigos, pais, amor e carinho.
Pois aqui se
E quando tiveres de te atirar
Estarei descansado pois
Lá estarei para te apanhar.
Não são cartas, nem mapas,
É a vida e ela tece-se a si própria
Levando-nos atrás,
Sem nos precaver de antemão.
Posso não estar sempre
Lá para te apanhar,
Mas estou sempre a teu lado,
Pronto a apertar-te nos meus braços.
Estou sempre a velar por ti,
Mesmo que tu nem sempre o sintas,
Parte de mim está aí,
Pois se há algo que é para vida… é um amigo!
Morrerei em Lisboa
Viver, breve momento
Entre duas mortes;
Inspiração voraz
Antes do sufoco;
Uma colcheia
Em cadência perfeita.
Múltiplas são as
Vidas dentro de mim.
Desconheço-as mas
sei que as vivi ou viverei.
Viver, na pedra
Que estala ao Sol,
Na árvore que respira
O mundo,
Na toupeira que cegamente
Perscruta toda a terra.
O percurso talhado
Em constante mutação,
Sei os limites do compasso,
Mas não da linha recta.
Viver, é dor eterna e
Tremendo deleite;
É Dom abençoado,
Maldição sofrida;
É Chaga em carne viva,
Fruto em terra infértil.
Seja onde for,
O tempo nunca escoa
No mesmo ritmo,
A dois seres diferentes.
Viver, em plena
Dependência citadina
Ou Total comunhão rural?
Estrada da vida,
De sólido macadame
Ou compacta e maleável areia?
É entre estas ruas
Geometricamente cruzadas,
Que me sinto em casa,
Talvez seja esta a verdadeira vida.
Muchacha en la Ventana
Acerco-me e miro o horizonte:
Arvoredos de
Humanização salpicados.
A vela que ondula ao largo
sobre a Água
ao vento esticada.
Sedoso ao toque este mundo,
Safira de luz,
Raios de sonhos.
Reflexos que
No vento se distorcem,
E os seus olhos bebem.
Ébano pensante
De sinuosas curvas
E largos cachos.
Mirando este
Mirar de Horizonte,
Tudo pode ser:
O ébano marfim,
A safira rubi,
Os arvoredos deserto.
O mundo a seus olhos
É teu, do jeito que o desenhares,
Pincelada linha sem princípio nem fim.
Perfeita Vidraça
Finalmente chegou…
Oiço-a bater na vidraça,
E sem me mexer acolho-a
E deixo-a expurgar
Os males de um ano inteiro.
Cá dentro está quente,
Qualquer dia de chama acesa
E chávena fumegante estarei mirando-a.
E ela… tal qual amigo incansável
A bater na vidraça.
Fertilizando a alma,
Espargindo-a de amor imenso
Pelo reencontro bem-aventurado.
Com a saudade afinal saciável
Na vidraça vai batendo.
Toldando-nos a vista,
Protegendo-nos do
Hostil exterior,
Recolhamo-nos no nosso âmago,
Para cá da vidraça onde ela bate…
Ahhh lá no fundo,
Na essência tudo é simples,
Esta vida pejada de artimanhas
Tão humanamente imperfeitas
É que não nos deixa escutar o seu bater na vidraça.
É tempo de introspecção,
Reflectirmos e meditarmos,
Sobre os nossos actos.
Tempo de parar e para além de escutar,
Senti-la batendo na vidraça.
Depois de esclarecidos,
Uma vez iluminados
Talvez o Sol regresse
E esta nossa vida brote novamente,
Mas antes há que deixar-mo-nos… bater na vidraça.
Porque cada lágrima caída
Porque cada lágrima caída
É um desperdício de energia
Que me rasga por dentro
Um grito em desespero por se fazer ouvir!
Porque tu não mereces,
Velha mesquinha,
De intrigas vives, todos te servem
E só sabes espezinhar.
Obscena, depravada,
Perversa que é!
Não tolero cada verde que queimas
Neste belo prado que é a minha vida.
Enterra-te, aí terás quem te compreenda
Seres esses que nos sugam a carne e o sangue,
Isto quando mortos,
Mas tu enquanto vivos!
Serpente sinuosa e sibilante,
O ímpeto é pisar-te, torcer-te
Asfixiar-te e nada me faria
Retribuir de igual forma!
Estes gritos de angústia,
Exasperante nãs os ouves tu,
E porquê??
Porque tudo e todos te poupam…
Não mereces!
Oh Lúcifer encarnado,
Esse fogo envenenado
Manchando a alvura…
Pecado, blasfémia!
Mas valha a lágrima,
Água salgada,
Extingue o fogo,
Inferteliza a terra.
Não me molesta,
Deveres morais,
Porque no irracional,
Não se é permeável a tal.
Quero atirar-me do precipício,
Abrir asas e ver-me livre
Dessas grilhetas invisíveis,
Que me prendem a esse teu sangue.
Enoja-me que circules em mim,
Pudesse a cada lágrima, verter,
De sangue vermelho teu,
Purificar-me e subir aos céus.
Num rasgo de energia,
Fazer vibrar o mundo,
Abalar-te e poder, enfim…
Respirar.
Quero chuva, Quero frio
Quero chuva, quero frio
Quero lareira e chá quente!
Enfastia-me estas alterações constantes,
Humores dissimulados.
Sejam coerentes!
Quero mantas quentes e grandes
Onde caiba eu e a minha alma,
Agarrados um outro,
Aconchegados, Aninhados…
Em paz.
Quero o mar revolto,
As árvores em devaneio,
Os céus em dilúvio,
A terra impávida,
E eu… sedento de tudo isto!
Quero essa chuva
Que me expurgará de pecados,
Lavar-me-á por dentro,
Acalentando o meu eu,
Mantendo-o em sossego.
Quero esse neblina de manhã à noite,
O silêncio dos pássaros,
A nostalgia deste ambiente
Familiarmente hostil,
Estranhamente acolhedor.
Quero acima de tudo
Sossego, paz, calmaria.
Quero estar só, por uma vez que seja,
Apenas eu e este mundo,
Ambos naturalmente imperfeitos!
Sabem bem viver
Sabe bem viver!
Nunca algo me fez tão feliz…
Respirar segundo a segundo,
Perscrutar este mundo a cada piscar de olhos.
Tanto já feito
E outro tanto ainda por fazer.
E ter aquela atitude plácida
De quem tem tempo e amanhã fará.
Virar-me para trás e mirar
Os passos, a maioria, incertos
Dados no trilho que,
Neste meu mundo, palmeei.
Crescer é ousar,
É pisar chão inseguro,
E mesmo assim arriscar
Calcar pé firme.
É descobrir o novo,
Errar estupidamente,
Rirmos de nós,
E finalmente entender.
E o bom de tudo isso…
Crescer, viver, é aquilo que fica marcado
Nessa consistência nebulosa que é um pensamento,
Nos recônditos do nosso ser.
Olhando para o lado e ver-vos
Como iguais, amigos eternos,
Correr atrás de mim para esta incerteza,
Isso sim vale o esforço, vale a dor.
Como que pairando,
De soslaio vou-vos seguindo,
Pois esse sorrisos milhares,
Que ecoam eternamente…
Gargalhadas
que cintilam que nem estrelas,
Maculando céu escuro
Da noite perfeita!
Árvore velha e ressequida
A árvore velha e ressequida,
Cansada de crescer, cansada de ser
Acaba por tombar.
Foi-se mas reside agora
Nas sementes que fertilizarão
De novo a terra.
A energia é cíclica,
O que foi é
O que é,
E por elas respira e vive.
Não é tempo de adeus,
É tempo de acolher.
Recebei-la no seu coração
E lá deixai-a descansar em paz
Saberás
Sabes o que é tocar no teu corpo,
Sentir-te como uma pluma sobre mim,
Delinear com as minhas mãos a tua silhueta,
Reconheceres o respirar cansado ao teu ouvido?
Sei que não,
Mas eu sim, sei-o pois já o vivi tanto
Mas tantas vezes e sei que estavas lá,
Comigo, nos meus braços, no meu ritmo.
Poderá algo tão concreto,
Nada mais ser que
Uma aura nebulosa
De um sonho perfeito?
Mas como se eram teus
Os lábios que tocavam os
Meus, naquela sofreguidão
De tão intensa que por certo real.
Mas depois abro meus olhos
E desvaneces-te como se tudo isto
Nada mais fosse
que um delírio.
Ainda há pouco te sentia
Em meu redor,
Cobrias-me nesse teu interior:
Câmara sagrada de sementes fecundas.
Sabes o que é
De tanto te imaginar,
Sentir-me em ti
E tu comigo?
Sinto-me imerso nesta esfera
Sem saber o que é real,
O que é imaginário,
O que é meu e o que não é.
Sinto a minha pele macia
Na tua, em teu redor
Sinto-me um petiz
Mas quando, nesta vida efémera
Cruzar-me-ei eu contigo?
Emanuel Cunha
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