olá, meu caro e book ed final
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João Henrique Vieira
2
– Olá, meu caro.
2000 – 2010
João Henrique Vieira
3
Poema saudade.
Sutil e voraz. Mergulho com novo corpo a um
sentimento comum aos sonhos despertos. Fotografias
de momentos gravados em fita cassete, sob a poeira do
inconsciente. João traz em seu texto [rápido, feroz e
puro], esperta lentidão de uma vontade de unir os
instantes, passado e presente, numa só sensação
descrita em verso livre e ébrio. Feito comer com os
olhos, num só golpe. Texto de velhas e novas palavras,
esguias como não poderiam deixar de ser, beleza
singela, embriagando num só gole, o lirismo cotidiano de
“Olá, meu caro” responde às necessidades viciantes de
um trago de sonho e saudosismo pelo próprio momento
da leitura e reflexão: banho de chuva, conversa de
botequim, simples seguir. Desfrutemos, portanto, do
aperitivo esbelto de elegante solidão presente (ou
ausente). Vazio transbordando em João, meu caro.
Isana Barbosa – revisora e pesquisadora literária
João Henrique Vieira
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João Henrique Vieira
– Olá, meu caro.
2000 – 2010
Primeira edição
2012
Teresina – Piauí – Brasil
João Henrique Vieira
5
Copyright 2012 João Henrique de Sousa Vieira
Ficha técnica
Capa, foto e ilustração João Henrique Vieira
Revisão
Eduardo Oliveira e Isana Barbosa
Revisão Final Isana Barbosa
Diagramação
João Henrique Vieira e Yasmin de Albuquerque _________________________________________________
Vieira, João Henrique.
Olá, Meu caro / João Henrique Vieira.___Teresina, 2012.
96 P.
1. Literatura piauiense – poesia.
2. Literatura brasileira. I Título.
Todos os poemas aqui reunidos são de autoria e publicados por
João Henrique de Sousa Vieira. São proibidas a venda e
veiculação deste conteúdo sem a devida autorização do autor.
Distribuição www.agbook.com.br
João Henrique Vieira
6
“O homem é do tamanho do seu sonho”
[Fernando Pessoa]
João Henrique Vieira
7
Ao leitor
Gostaria de entregar este livro como se estivesse
entregando a um amigo. Dizendo:
– Olá, meu caro. Aqui está meu primeiro livro. É aquele
do qual tanto lhe falei. Já muito postergado. Resolvi
lançar. Aí está. Já não está apenas nas minhas gavetas.
Tenha cuidado, leia com carinho, leia e releia.
Que estes versos voltem à sua cabeça em algum
momento. Depois empreste o livro para algum amigo,
permita que tirem xérox, e, se lhe roubarem, vá lá, isso
acontece. É até um bom sinal [não fosse meu, talvez eu
lhe roubasse].
Boa leitura, caro leitor.
João Henrique Vieira
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Dedicatória
Este livro é dedicado a tantas pessoas, que citá-
las, uma a uma, tornaria essa dedicatória demasiado
extensa. Entretanto, é impossível não dedicá-lo a José
Augusto Sampaio, Maykell Francis, Marsone Araujo,
Daniel Ferreira, David Leão, Kleber Lima, Albert Piauí,
Eduardo Oliveira, Guy Dhegaly, Iury Campelo, Joe
Ferry, Samuel Brandão, Raquel Guedelha, Maria
Aparecida, Patrícia Basquiat e Andrea Alves.
Com saudade e orgulho, dedico ao escritor e
amigo Luciano Almeida – e não há como dizer o quanto
eu gostaria de entregar-lhe este livro.
À minha mãe Lina Maria, sempre. À minha avó
Benedita Clara e à Yasmin Albuquerque. Aos amigos
que, em algum momento, leram, escutaram ou
motivaram algum poema desse livro.
A você, meu caro leitor, que agora lê este livro
entre tantos que já há por aí.
João Henrique Vieira
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SUMÁRIO
PREFÁCIO ________________________________________ 13
CAVIDADES _______________________________________ 18
PRIVACIDADE ______________________________________ 21
SEXO E SOLIDÃO A TRÊS _______________________________ 24
AO PORTO ________________________________________ 27
[...] ____________________________________________ 28
A DESPEITO DE TUDO ________________________________ 31
BRASÃO _________________________________________ 33
PASSADAS DIÁRIAS __________________________________ 34
UM BEIJO NO CU DO SHOW BUSINESS _____________________ 38
RAZÃO CONSELHOS E OUTROS ABSURDOS ___ 40
SOLILÓQUIO ______________________________________ 41
LÓGICA __________________________________________ 43
SILENCIO GRITANTE _________________________________ 46
? ______________________________________________ 48
MÍNIMAS ILUMINURAS _______________________________ 53
CONSELHO AMOROSO ________________________________ 55
LEMBRANÇA RUA AFORA ______________________________ 57
ESCOMBRO _______________________________________ 59
[...] ____________________________________________ 61
CORPO COR E CHEIRO ________________________________ 62
FEITO ANTIGAMENTE ________________________________ 64
EXTEMPORÂNEO ___________________________________ 67
João Henrique Vieira
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REPOUSO SOBRE SAUDADES ____________________________ 68
SONHO EMBRIAGADO ________________________________ 71
BAÚ ____________________________________________ 73
BARCOS DE PAPEL-POEMA _____________________________ 74
DESMEDIDO ______________________________________ 75
MEMÓRIA FOTOGRÁFICA ______________________________ 77
NADA SOBRE O SENTIMENTO HUMANO ____________________ 78
QUASE POESIA ___________________________________ 79
[...] ____________________________________________ 80
[...] ____________________________________________ 81
[...] ____________________________________________ 82
[...] ____________________________________________ 83
[...] ____________________________________________ 84
[...] ____________________________________________ 85
[...] ____________________________________________ 86
[...] ____________________________________________ 87
PARADOXO VIRTUAL _________________________________ 88
[...] ____________________________________________ 89
[...] ____________________________________________ 90
MÁ NOTÍCIA ______________________________________ 91
[...] ____________________________________________ 92
[...] ____________________________________________ 93
PASSAR A LIMPO ___________________________________ 94
EPIFANIA _________________________________________ 95
João Henrique Vieira
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Apresentação
Um livro. Ora, mais um livro. E para quê? Para
quem? Que importância há? Se importância – ou mesmo a
falta dessa – há, é tão somente para mim mesmo. Quem
sabe para meia dúzia de amigos geniais que, talvez, deem
algumas risadas ou caiam no desvão de uma saudade. Ou
inflamem o peito com algum sentimento nobre e proclame
algo, numa mesa de bar, num quarto sozinho, ou ao pé de
suas amadas.
Entre tantas opções na estante, mais um livro, ali
entre um Bukowski, um Guinsberg, algo sobre Torquato,
um Gullar, um Paulo Machado. Ou quiçá perto de um José
Augusto Sampaio, ou Maykell Francis, Daniel Ferreira.
Mais um livro. Que seja mesmo apenas mais um em minha
parca e rebelde “biblioteca”, que às vezes é apenas um
amontoado ao chão.
Aqui se reúnem poemas de uma década intensa
em minha vida e, creio, em minha geração. Cada poema
aqui é uma importantíssima fotografia de pessoas de bem
pouca fama. Ilustres desconhecidos que andam por
madrugadas, que amanhecem ouvindo um blues a pintar
paredes, ou que ao violão compõem obras belíssimas, e
que este país será um pouco mais belo e digno se um dia
de fato vier a conhecê-las.
João Henrique Vieira
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Têm estas páginas gritos e silêncios. Pressa e
calma. Sabedoria e burrices juvenis. Tem beleza, quando
possível, e verdades engraçadas – porém, verdades. Tem
profecias ébrias, linhas tontas e caminhos tortos. Tem um
grande quarto cheio de saudades. Saudade de uma rua
que está escrita no peito. Tem aventuras na sala de estar
do espírito que sempre luta. É obra viva e é obra de uma
vida.
Sem grande importância ao fato – apenas para mim
mesmo –, a pretensão desta obra é imensa. Guardada,
postergada, feito quem esconde um poema. Pois um
poema é uma veia escancarada, é um riso e um grito – e a
gente grita, ri e faz poemas para os amigos. Publicar é tirar
as calças e dançar nu. Sem vergonha – não há o que
esconder.
Cheio de influências, de Manuel de Barros a Guinsberg,
dos que pretenderam mudar a história aos que estão
pouco se lixando para isso. Assim, preocupado e
desbundado. Assim, feito quem nada quer e tudo busca,
apresento estes versos. Feito um cumprimento alegre: Olá,
meu caro, tome emprestado estes versos e passe-os
adiante, pois há vida e caminho.
O autor
João Henrique Vieira
13
Prefácio
Olá, meu...
Não vem de João, nem de Henrique, muito menos
de Vieira. Quem o conhece de perto sabe (?) ou, ao
menos, compreende o que move os versos de sua poesia.
Sabe que seus poemas surgem das entrelinhas embutidas
e, além de seu nome, nas entrelinhas inclusas e escusas
da vida.
Da cabeça à esquina, ao sexo, à internet, ao
comportamento errôneo, ao que é dispensável, ao que é
impercebível, tudo passa pelos versos de João Henrique
Vieira, sem deixar dúvidas de que -Olá, meu caro já nasce
sendo um marco aos poetas de nossa geração quase
esquecida e desvalorizada. Como gosto de dizer, a nossa
Geração Escárnio. Apesar de o autor do livro não gostar
dessa minha definição, nós somos a geração que “ser
poeta”, ou escrever poemas, nada mais é do que fazer
algo bonitinho, meigo. Legal!
Sua figura delicada, esguia e sempre sorridente
disfarça a maestria de seu poema-prosa e sua visão
peculiar sobre as coisas, seres e fatos. Já seus versos
encravam afiadamente sua ideia sobre esse mundo que
nos foi dado de presente por gerações anteriores.
Enquanto uns batem palma, glorificando a pseudo-
João Henrique Vieira
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liberdade-atual, o Poeta não perde tempo e nos mostra a
verdadeira face, carapuça, que estamos envolvidos e
envoltos à capa disfarçadamente heroica para a grande
massa.
O homem, o menino, o amigo, o poeta, o único que
me visita aos domingos, tarda em seu primeiro livro
(Aguardo o segundo. Não tarde.), pois sempre teve
material para outros anteriores, mas não falha em seu
conteúdo cheio de inventividade e originalidade neste livro
de estreia. Quem não teve, ou não terá, a oportunidade de
conhecer meu amigo e companheiro João Henrique Vieira,
poderá desfrutar de todo engenho, modernidade e
vanguarda de seus versos nas páginas a seguir.
O mais importante: os versos são sem floreios,
incrementos e artificialidades.
Com orgulho ao peito, “boca cheia” e um pouco de
inveja, pois também escrevo versos e muitas das ideias
que poderiam ter sido escritas por mim foram antes
captadas por ele no ar enquanto planavam já belas, que –
Olá, meu caro, com certeza, é um livro de estreia para
amar, ter inveja, odiar, ou até rasgar, queimar (caso seja
incendiário). Porém, você não pode deixar de ler até seu
último e derradeiro verso: “Oba! Escrevi um verso”.
Boa leitura.
José Augusto Couto Sampaio Neto – Escritor
João Henrique Vieira
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João Henrique Vieira
– olá, meu caro.
2000 – 2010
João Henrique Vieira
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João Henrique Vieira
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Assistindo ao banquete alheio
João Henrique Vieira
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Cavidades
Eu tenho uma cabeça redonda.
Eu tenho uma cabeça redonda e duas orelhas
Eu tenho uma cabeça redonda, duas orelhas e dois
[ [olhos.
Eu tenho uma cabeça redonda, duas orelhas,
[ [dois olhos e um nariz.
Eu tenho uma cabeça redonda, duas orelhas,
[ [dois olhos, um nariz e uma boca.
Por isso eu penso e falo e creio subjetividades que
[ [são a matéria concreta de minha cabeça
com todas essas cavidades.
Tenho um corpo que teima em andar para o fim
e minha cabeça, cheia de subjetividade,
me faz eterno e infinito.
Esta louca subjetividade
– podem pensar em suas cabeças –
é coisa de minha cabeça cheia de cavidades que
[ [cheiram, que veem, que escutam, que falam.
João Henrique Vieira
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Estas subjetividades são o que está incrustado
[ [nessas cavidades,
que fazem minha cabeça seguir sobre esse corpo.
Eu tenho corpo e cabeça,
sorriso e vergonha.
Tenho preguiça na cara e fogo no corpo.
Sou uma concretude que vaga na subjetividade de
[ um espaço concreto e asfáltico.
Tenho língua e educação,
corpo, prazer, pau e poesia.
Obscenidades poéticas no vago do espaço
que ocupa e subjetiva em delírio e contemplação
a concretude do espaço subjetivo
que se espreita entre os dentes do meio riso,
e aos poucos invade a solidez de outra cabeça
[ [que engana o corpo,
outro corpo com cabeça redonda, duas orelhas
[ [dois olhos, um nariz e uma boca.
João Henrique Vieira
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Corpo e cabeça cheia de cavidades que me
absorvem sem aperceber-se.
Corpo.
Corpo
cheio de cavidades prazerosas.
João Henrique Vieira
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Privacidade
O lugar mais seguro do mundo
é o banheiro.
Tanto faz ficar nu
– eu gosto.
Vejo eu mesmo
e converso comigo
– eu preso no espelho.
– e aí, como vai a vida?*
– de boa. Descobri que vou morrer, mas ainda
tenho um monte de coisas a fazer. Mais pelos
outros que por mim mesmo. Isso é foda, eu dou
minha estadia no mundo pelo próprio mundo e ele
nem me dá bom dia.
O lugar mais sagrado do mundo
é o banheiro.
Pego no meu pau e nem parece escandaloso,
canto do meu jeito e ninguém reprova.
João Henrique Vieira
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Meu lugar é o banheiro, e chega a ser eu mesmo
– limpo ou sujo, dependendo do amigo que visita.
Tenho estado de portas abertas para o mundo e
perco a linha da estabilidade todas as vezes.
Talvez me digam inteligente perdido
ou
arauto embriagado de uma geração por um triz.
Já não tenho vergonha
e canto do meu jeito,
eu canto.
Meu mundo vai ao banheiro meio imundo que
[ [deixei.
O mundo que vocês não sabem
é o que eu profetizo no banheiro.
– dou conselhos maravilhosos ao mundo.
João Henrique Vieira
23
Meu banheiro às vezes cheira mal,
às vezes está digno de uma trepada,
com amor,
ainda que às pressas.
Queria todo o mundo cantando e dançando no
[ [banheiro, os burocratas bêbados
e o estudante poeta.
Todos desiludidos feito um disco de Belchior.
_____________________________________________
*cumprimento do cineasta teresinense Alan Sampaio.
João Henrique Vieira
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Sexo e solidão a três
Sob a luz do mesmo poste
– embacenta como todas as noites, com lua ou sem
[ [lua,
mais ou menos vida –
que estava a luzir aquela esquina já há bastante
[ [tempo,
encontraram-se na mesma hora não marcada, mas
sempre pontual, Doidinho, Celinha e Lulu.
Um drogado.
Uma puta velha e viciada.
Um viado metido a besta.
Ao ver Doidinho, Celinha abre um sorriso
[ [escrachado
e com um sonoro tapa na bunda, diz pra Lulu:
– hoje eu vou trepar e me chapar. Ô coisa boa é
[ [fuder doidona. Vem Doidinho, vem!
João Henrique Vieira
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Lulu esgueira-se e, de rabo-de-olho, diz:
– dar praquele ali... Meu cu nem treme!
Pau é pau, tudo igual, ficou duro, eu engulo, disse
[ [às gargalhadas Celinha.
E fuma, lembrou-lhe Lulu.
A puta não se conteve e soltou:
– me desculpa, bicha, mas priquito é priquito.
[ [Faz milagres!
Ao cabo de meio baseado, Doidinho enfiava a mão
na bunda de Celinha, enquanto Lulu passava goma
no baseado, de modo a lamber como se chupasse
um pau. Doidinho olha e diz:
– doido pra chupar um pau, né, Luluzinha?
[ [Luis Augusto!
– vai tomar no cu fidirrapariga!
Eu vou, mas tu não vai. Zomba-lhe Doidinho.
João Henrique Vieira
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Celinha pega o baseado e põe um peito para fora
[ [do decote.
Celinha.
Doidinho.
Noite.
Lulu e o poste.
Trepada na esquina.
Sexo e solidão a três.
João Henrique Vieira
27
Ao porto
Isto a caminhar entre letras
que se juntam num verso,
torna-me refém.
Minha mão trêmula
tremula bandeira de navio abandonado,
sob olhares de peixes sem lar.
Na mansidão de um canto escuro.
Linhas tortas amargam a tênue luz,
que prende olhares perdidos num ponto vago.
Pedras juntam-se no caminho
para que alguém,
sem luz,
consiga ainda caminhar.
João Henrique Vieira
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[...]
Ando e sorrio
tanto, tanto quanto antes e mais do que há tempos.
Ando e sorrio
só,
feito besta.
Quem vê de longe pensa que é à toa
e sorrio mais ainda.
Ora homem adulto,
ora garoto meio tonto,
mas segue.
Um passo é tão importante quanto tudo que se
[ [carrega nele.
O que move o passo.
O que move o próximo.
– olha no espelho e faz cara de sério, quase ríspido,
mas escorrega uma risada cínica e alegremente
[ [sincera,
João Henrique Vieira
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torto e teso.
– o riso é o avesso do tédio.
– estar vivo é saber que algo move outro no
[ [espaço.
O corpo é espaço que transita no espaço.
O que move o diferente,
o único.
Estar vivo é único.
– risos à toa não enfeitam festa, rsrsrs.
Sorrio e risco,
arrisco correr o risco de perder meu riso.
Tempo, trânsito,
espaço e ser.
Corpos,
espaços e corpos.
Energia.
Movimento.
Corpo,
João Henrique Vieira
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espaço.
O mesmo corpo no corpo do mesmo espaço.
João Henrique Vieira
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A despeito de tudo
Tudo é belo
e insano.
O medo de sair é loucura.
O seguinte:
– se eu alimento meu ego com meu próprio lirismo,
como poderei levar o mundo tão a sério?
Pessoas morrem e eu faço poesia.
Pode valer alguma coisa,
feito uma palavra,
uma conversa.
Sossego para cabeça doentia.
– o mundo está delirando em febre.
Tudo é escandaloso.
Tudo é fantástico.
O labirinto é sem portas.
João Henrique Vieira
32
Sombra à bruxulenta luz.
Memória falha.
Labirinto
– rua de casas coloridas e gente simpática –
lúdico labirinto.
João Henrique Vieira
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Brasão
Quero pedras.
Vou quebrar janelas.
Incomodar a festa.
O bestial banquete
ao ditador imposto.
Quero pétalas
para enfeitar o atalho,
vestir corpos,
cobrir leitos e sonhos.
Dar à terra firme a maciez.
Quero pedras e pétalas,
rompendo muros,
acalmando bravos.
Trago pedras e pétalas.
Espero a luta
e descanso no amor.
João Henrique Vieira
34
Passadas diárias
Vestir engolindo.
Trânsito digerindo.
Um cigarro no ponto de ônibus.
Ferros,
cadeiras
e
cabeças.
Um itinerário de gentes e horários,
romances e preocupações financeiras.
Paradas e móveis,
parada imóvel.
Passeiam gentes pelo sinal.
Peito aberto,
passeio público,
fonte seca,
fronte,
perfis.
João Henrique Vieira
35
Fotografia lotada.
Avenida Principal.
Noite,
pequenas trevas de um poste bruxulento.
Luz, plástico.
Um travestir na esquina empresta alegria,
alergia, letargia
e
alegoria.
Bêbados e copos.
Corpos
tortos e tontos.
Um bêbado carrega a noite nos ombros
e o padeiro não tarda a trazer o dia.
Dia a dia.
Mês,
vai e vem de prestações,
fim de mês.
Trânsito diário de gente
João Henrique Vieira
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nas ruas,
nos carros
e uns nos outros.
Rua
nua,
vestida.
Calça, calçado e vestido.
Terno unissex,
moda de inúmeras gerações ao mesmo tempo.
Sair de casa a pé,
o passo apressado.
Levar no bolso ao fim do dia uma identificação de
[ [vida,
documentos de um passeante.
Fim de noite,
janela aberta a passar o filme de uma rua à
[ [madrugada.
Cenas de nada por toda a rua em silêncio.
Mal dormir à noite,
João Henrique Vieira
37
adoçar o café com o próprio sono.
Pelo ônibus, janelas d'auroras.
De parada em parada
o dia corre,
se o acidente não atrasar ou relógio não adiantar o
[ [tique-taque.
Passo a passo em ponto.
Calça jeans,
vestidos,
gravatas
e bonés.
Transita a moda da cabeça aos pés
por ruas,
gentes,
butiques e PFs de cinco reais.
Seguimos transengolindo a vida às pressas.
João Henrique Vieira
38
Um beijo no cu do show business
Um anjo de pijama, bêbado.
Uma obsessão maravilhosa.
Um beijo no cu do show business.
O pó barato – da cara e da noite.
O cigarro doentio da quitanda.
Um anjo de pijama, bêbado e poeta.
Padre da nova linguagem poética, bêbada e
[ [drogada,
irresponsavelmente fiel à história.
Um anjo embriagado.
A saudade é uma bruxulenta luz que não apaga e
[ [mantém vivo.
Tudo está vivo e tudo é historia.
Anjo barroco, romântico suicida.
Poeta, tudo é historia.
Meu pobre anjo, homem besta de pijama e bêbado.
Acorda poeta anjo de bar barato, de cerveja
[ [roubada e luxo abandonado.
– tu é o fausto da beleza na lama, poeta.
João Henrique Vieira
39
Pedro poeta louco.
Louco louco louco e anjo.
Angelical simpatia de orgia barata e cotidiana.
– lambe ela menina, e nem diz pro papai.
Meu amigo anjo, te lembro na música e na chuva.
Me faz rir e chorar. É por ti que acredito que tudo
[ [cabe em minha mãos.
É a verdade sem feiúra.
O tira-gosto do corpo.
Meu anjo, meu amor, teu amor meu, amor, paixão.
Teu amor tão meu porque sinto e beijo com os
[ [olhos.
Poesia e outros cigarros sujos e belos.
Com medo de escrever, sangro o papel.
Sente torto torto torto e santo e bêbado.
Anjo poeta engraçado, feito alegoria do cotidiano.
João Henrique Vieira
40
Razão conselhos e outros absurdos
João Henrique Vieira
41
Solilóquio
Mais uma vez
eu e o pensamento, único e só,
tentando me convencer,
parecer verdadeiro.
Eu com medo de acabar
e feliz em seguir.
– o amor é a lógica do absurdo.
Eu sigo no caminho da idade
e vou chegar onde sou.
E mais uma vez
estou só no pensamento.
– e quantos estão pensando agora?
Eu sigo
porque seguir é o passo,
João Henrique Vieira
42
o pulso
e a imagem.
– seguir é a lógica da jornada.
João Henrique Vieira
43
Lógica
Todo aquele
que evidencia seu potencial por meio da ilógica
é talvez
poeta ou ninguém.
Todo o ser
e o vivo
que no instante-instante segura
a visão da luz
e o suspiro do ar,
é o que torna esse rápido transitar
algo possivelmente único
e mera eternidade espontânea.
O que veste o corpo por dentro
e dá o passo antes dos pés se elevarem
é o ilógico que pontua o tempo,
o tempo no espaço,
o tempo no espaço de tempo.
João Henrique Vieira
44
A brincadeira social da lógica.
Absurda, obesa e apressada.
A lógica absoluta reinando sobre a loucura dos
[ [homens.
O brinquedo e a brincadeira.
– a lógica. Oh, meu deus! A lógica.
O medo medido no desaforo.
No desabafo, a aventura.
Todo o potencial para a ilógica,
feito andar para trás e o fim começar de novo,
assim feito delírio.
Soberbo é o deus bêbado dos poetas.
Sem deus, o poeta seria um bobo
ou mesmo se deus não viesse tanto quando os
[ [poetas estão bêbados,
não pensariam os poetas que deus está bêbado
também.
Isso é a ilógica das aparências.
João Henrique Vieira
45
– deus, cuidado com as companhias, não te mete
[ [com poetas!
Bastante ilógico
ver o pensamento esmolando manchete
ou
nem ao menos topar com essa velha demente a
[ [comprar cosméticos numa loja de conveniência.
Tudo imerso na razão do pensamento poético que
[ [nada tem a ver com a lógica,
e o poeta é um triste filho devedor do belo absurdo
[ [normal*
que pisca e acena quando já foi.
______________________________________
*o normal em nada é, ou parece ser, lógico.
João Henrique Vieira
46
Silencio Gritante
O estilhaço de gritos meus contidos me explodem
[ [em silêncio,
feito uma canção nos ouvidos de quem segue,
a todo custo de seguir,
sem saber dos custos da vida alheia, mas de suas
[ [próprias dívidas,
a pagar-se pena a si mesmo, no degredo de[
[ [continuar.
Acima da escuridão, além da falta de caminho ou
[ [direção
um caminho leva, os pés cavam e a terra anda
[ [sob meus passos.
O riso é o desdobro da inconveniência e o risco é
[ [aventura consciente.
Quem anda, quem dorme, quem grita, quem canta.
E quem não grita?
Quem joga versos numa bolsa e segue em frente.
João Henrique Vieira
47
Quem escreve gritos pode me ouvir, quem silencia
[ [não ouve nada.
Um estardalhaço silente me canta aos recônditos
[ [de uma cabeça tonta.
A embriaguez é o resultado da chatice alheia
[ [e meu riso não é vale transporte.
Árvore, homem, carros – máquinas, maquinaria
[ [infinita.
Um corpo no espaço sobre um gigantesco pedaço
[ [de terra,
pequeno pedaço no espaço, espaço em cima do
[ [nada.
– quem segura o nada deste infinito universo?
Meus gritos e meus versos guardados em mim
[ [mesmo
são minha garantia de nada.
João Henrique Vieira
48
?
O que adianta o relógio ir ao largo?
Que me vele o Renew da Avon levar as rugas,
[ [se fica um cicatrício recado,
trecho de uma velha canção.
O que me serve pensar que encontrei meu
[ [caminho depois de tanto tempo,
que me valem as rimas
e os discos raros que enfeitam minha poeira?
De que me adianta abrir os ouvidos para um velho
[ [sonho
numa embriaguez desiludida sem canção de
[ [Belchior?
O que me trazem os tapas nas costas?
Que serão daqueles sorrisos baratos
– quase gratuitos?
De que vale sonhar se as manchetes nos jornais
[ [são muito mais perigosas.
João Henrique Vieira
49
Para que cantar logo agora?
No meio de tantas questões, eu me pergunto
[ [abobalhado
se mais uma vez minto a mim mesmo, tentando não
[ [me afogar num romantismo barato,
que me afoga já há tanto
e ainda não me sorriu ternamente.
As sutis levadas sonoras me conduzem
[ [cambaleante
no meio de minha rua
– lembrança pescada numa tarde em mim mesmo,
que brincava há muito mais tempo que agora.
Me valerá
nas horas aguerridas do transitar
uma viela de sentimentalismo jogado aos ventos?
Me vale colorir a rua para melhor seguir,
me vale molhar a garganta com doses
ou molhar o corpo em chuva rala,
João Henrique Vieira
50
que é pura e vulgar saudade de minha própria
[ [criança?
Me vale sorrir, sem saber a quem
nem por quê?
Não me salvam as glórias,
nem me conduzem os conselhos.
Eu sigo
colorindo
e
sorrindo.
Me salvo
a cada dia,
passo,
nota
e verso que intento ser.
Quem sabe
seguir fazendo perguntas ao vento.
Exigindo às flores uma satisfação:
João Henrique Vieira
51
– quem me deixou dormir em meio aos sonhos?
Grito aos cascos e baganas
que me devolvam uma certeza qualquer que perdi
[ [numa noite anterior,
xingo vizinhos e mestres,
deixo de abençoar minha mãe
e nem mesmo me penteio.
Que agora mesmo me digam o que vale o que
[ [quer que seja.
Nem mesmo seus belos conselhos com beijos
ardentes
e promessas de que dividirás as receitas de bolo.
Sem nada
e um pouco de tudo
me digam se vale?
– perdido, eu penso que hoje é apenas pedaço de
[ [história.
Mas é receio e excitação.
João Henrique Vieira
52
Estou no caminho de onde saem e chegam tantos
[ [outros.
Vago e vou.
Então me digam algo que valha o meu
[ [contentamento bobo,
em meio ao tanto que ainda há?
João Henrique Vieira
53
Mínimas iluminuras
Vazio é quando alguém, sabe-se lá de quem, puxa
[ [o que você já ia alcançar
e a solidão é uma senhora de cabelos brancos que
acena
e por vezes se demora a ir.
O verso acena um breve colorido de borrar
[ [poema.
Lembrança é uma menina pálida que nos toca o
[ [ombro
chamando para os dias de ontem.
– pessoas extremamente belas
têm direito a cantadas baratas.
Se prazer é vendável eu não sei,
mas não é de graça por certo.
Por uma língua suada
João Henrique Vieira
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beija o verso uma lembrança sombreada.
Se pudesse pintar um erro,
outro acerto se erraria hoje.
– é tudo uma questão de perspectiva.
Segue-se procurando coisas pelo horizonte que
[ [desenha.
João Henrique Vieira
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Conselho amoroso
– Olha! Mas não tente ver com os olhos.
Não deixe de tocar além das mãos.
Pega o que é teu,
e por ser teu,
não espere que os outros vejam.
João Henrique Vieira
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João Henrique Vieira
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Lembrança rua afora
Sentado à minha porta,
portão aberto,
ouvindo música no celular,
fumando,
me vejo passar à madrugada de uma rua
solerte
e
silente,
cheio de alegrias caladas.
Lembrança na memória das retinas.
– isso a gente lembra com os olhos.
O vigia levado pelos chapéu
e
facão
que um dia ele os conduziu com bravura.
Hoje apita uma lembrança do vigia
– que leva o vigia –
João Henrique Vieira
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que carrega a noite aos apitos.
Carcomidos sons na madruga.
Minha rua
que lembro com olhos madrugados.
João Henrique Vieira
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Escombro
A saudade avança feito um batalhão.
A vida que há se enche de lembranças
e viver é um recortar e colar de instantes idos,
no instante presente que sufoca o instante
[ [próximo.
O batalhão avança cheio de fantasmas bêbados,
fantasmas mortos e vivos,
fantasmas de um mesmo homem que enfrenta o
[ [próprio batalhão
numa guerra silenciosa que lhe risca o rosto.
E quão mais longe for
e mais longa for a jornada,
maior a luta contra si mesmo,
e o mundo e toda a gente
não passa de figura pálida colada sobre o branco
[ [da memória.
Na guerra de agora sobre o que já foi
o homem junto ao próprio batalhão
sangra e chora em silêncio,
João Henrique Vieira
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atravessando as fronteiras do vasto mundo que há
[ [em si,
na trincheira de um quarto escuro
– ou de um quarto claro que ofusca.
João Henrique Vieira
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[...]
Sonhou frente aos deuses do cotidiano
que o amor
- se há -
é a saudade das pequenas brigas
e birras
e risos
e caras feias.
Como fosse a saudade um moinho a espremer
carne
e ossos
deixasse escorrer sobre o papel estes versos
[ [tristes,
feito gotas de lembranças trêmulas
e suadas,
gotejando sonhos
num sono que não dorme.
João Henrique Vieira
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Corpo cor e cheiro
Te ver deitada,
cansada de amor no repouso do gozo,
me alegra e perturba.
Teu corpo e tua cor.
Tua cor é assim da tua cor.
Teu corpo é assim do jeito do teu corpo.
Não é cor de outros corpos, nem forma de outros
[ [corpos.
É assim suave, se a cor deveras for suave,
é assim,
feito um desenho bom de olhar,
não a perfeição, mas as formas do desenho.
Teu corpo assim deitado é imagem de outros
[ [quadros.
Por mim, eu te amaria até a última gota de força, só
pra te ver deitada depois do amor.
Tua cor é tua, com luz acessa ou na penumbra,
é assim feito a cor do teu cheiro,
só teu,
João Henrique Vieira
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como se outros cheiros não houvesse no mundo.
Neste instante em que deita,
com teu corpo e tua cor,
teu cheiro é a atmosfera que fica entre nós.
Eu um bobo a olhar teu corpo
feito criança quando vai embora de um parque de
[ [diversões, feliz olhando para trás.
Teu corpo que não está,
às vezes,
quando tu não está,
surge ao fechar os olhos para ver na lembrança
[ [teu corpo,
que vira para o lado e me olha, bobo.
Teu corpo e tua cor e teu cheiro
pesam em minha cama
ainda que não deite aqui todas as noites.
E meu corpo
feito só um corpo,
deita, vira, revira, tresvira e dorme.
João Henrique Vieira
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Feito antigamente
Queria poder sentar e beber uma cerveja com
[ [minhas lembranças.
Ouviríamos nossas velhas músicas
com antiga empolgação de velhos sonhos
e muitos de nossos projetos já curtidos pelo tempo.
Queria poder afagar minhas lembranças,
pô-las para dormir.
Poder brigar com minhas lembranças,
fazer amor e casar com elas.
Compraria uma casa para minhas lembranças
– a geladeira teria a cor que desejasse minhas
[ [saudades.
Queria olhar a rua e os vizinhos sentado ao lado de
[ [minhas lembranças.
Olharíamos a cena e daríamos gargalhadas de
[ [nossos vizinhos.
Iríamos a uma festa
João Henrique Vieira
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– dessas de antigamente –
com nossas caras limpas de rugas,
dentes claros
e roupas de fotografia amarelada.
Nos olhos ainda haveria aquele brilho que só na
[ [saudade acende.
Queria dar meu primeiro beijo na primeira
[ [lembrança que surgisse
– eu até casaria com minha primeira lembrança.
Queria escrever cartas para minhas lembranças,
remeter-lhes abraços.
Conversaríamos muito
e me confessaria às saudades.
Brincaria na chuva
e me abrigaria à sombra de lembrar.
Eu e minhas lembranças seríamos uma coisa só.
Minhas lembranças seriam ainda planos
e não olharíamos para trás,
nem teríamos cicatrizes.
João Henrique Vieira
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Minhas lembranças mudariam o caminho
e eu seguiria em frente,
até que lembrar não fosse algo tão dolorido
e eu pudesse juntar lembranças e planos numa
[ [mesma mesa de bar
e beber até cair no amanhã,
como fosse o primeiro dia.
João Henrique Vieira
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Extemporâneo
Olho para além
feito homem velho que espera vir a vida não
[ [curtida.
Sento à mesa em silêncio,
parece a conversa palavras a meio tom.
Meu olhar
triste
não tem a graça nem o riso que guardam as[
[ [lembranças.
Estou atrás
ou além do que não sei
e me cansa o que já não sinto.
João Henrique Vieira
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Repouso sobre saudades
Meu travesseiro é feito de saudades.
Minha cabeça
– que anda –
repousa sobre lembranças:
futebol de rua,
amores de pêra-uva-maçã-salada-mista.
Saudosismos que me agarram
em vivas lembranças.
O cheiro tem sempre as mesmas todas as cores.
Flores na esquina.
Como tu estavas?
Pequenas gavetas guardam um amor saliente,
cabelos, olhos,
ruas e histórias.
– O amigo que se foi eu guardei.
O amor é sempre o mesmo
João Henrique Vieira
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com infinitos cabelos que minha lembrança deixa
[ [balançar ao sabor dos ventos de ontem.
– solta os cabelos!
Se fores à festa
– que é uma lembrança –
te espero com flores na noite de recordar.
Brincar com passados e passantes.
Malabarismo com ciclos vitais de tantos seres.
Não entendo
e eu menino a mim explico em lembrança viva do
[ [meu sono.
Lembrança é a rua dos sonhos
onde caminham bêbados,
poetas
e amantes,
todos sob a mesma luz de um poste torto.
Tênue luz que me cega
João Henrique Vieira
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– é que só as lembranças veem de olhos fechados.
Lembrar é ver com olhos de ontem.
– meu travesseiro é uma lembrança confortável.
João Henrique Vieira
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Sonho embriagado
A luz da noite deitou-se sobre o dia e acordou
[ [sonhos bêbados.
A elegância decrépita retomou o passo de um
[ [bolero antigo
e a fantasia fechou os olhos para correr no vão do
[ [pensamento,
no descampado da saudade.
Derrete-se o gelo no amargo do trago
tornando doce as dores que se embalam num
[ [sonho repetido,
que a cada noite torna-se possível
e que a luz do dia zomba,
despreza,
tornando risível o charme embriagado
e a elegância ultrapassada.
Mas a cada noite a luz falsa de botequim torna real
[ [a fantasia bêbada
de uma velha dama de maquiagem borrada
João Henrique Vieira
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que senta, pede um drinque
e com nobreza repassa o mesmo instante
que há muito já se foi.
João Henrique Vieira
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Baú
Procurou uns versos antigos
que falassem de dores velhas,
de riso amarelado.
Encontrou um monte de sombras e sobras do que
[ [era
e não disse nada.
João Henrique Vieira
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Barcos de papel-poema
Com tua ausência aprendi sorrir vazio.
Obrigo-me a alegrias onde não te encontro.
Não tenho o negro mar da noite dos teus olhos
onde navegaram
barcos de papel-poema.
Céu de noites calmas.
Escondida estrela.
Bruxulentas luzes de caminhos bêbados.
Senta ao banco alguém cansado.
Dormem ao chão, poemas e jornais.
Amores e noticias de passados tempos.
João Henrique Vieira
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Desmedido
Hoje eu queria afagar todos os cães abandonados
[ [nas ruas.
Apagar a luz dos postes
e trazer à tona o sol.
Nosso, o dia.
Até chegar a noite
e fazê-la nossa,
inteira de suspiros cúmplices,
cheiro vivo,
gosto humano.
Vívido, o toque.
Hoje eu queria gritar até não ser ouvido,
silenciar aos gritos do teu olho.
Quando nada mais abarcar,
me abrace
e no corpo encontre força que embale um novo
[ [passo.
Leve meu caminho
João Henrique Vieira
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e me faça abobalhado.
Em verdade,
eu beijo teu olho
só pra ver o gosto.
Silêncio!
porque eu ouço tudo.
João Henrique Vieira
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Memória fotográfica
Ler ouvindo Across the universe [Beatles]
Meu álbum de fotografia
canta
enquanto vejo que o mundo é um monte de
[ [lembranças.
Meu mundo,
minhas fotografias e meus perfumes,
que aperto os olhos fechados para emergir de
[ [sombras e sonhos,
é uma paisagem alaranjada,
com árvore torta,
umas pedras para se sentar
e um horizonte para ver
enquanto ouço uma canção
que fala do meu inabalável mundo.
É a paisagem que carrega minhas vistas por aí.
É mundo que eu guardo em toda parte.
João Henrique Vieira
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Nada sobre o sentimento humano
Estranho são os cortes
e o mapa de mim é um traçado de dores indelével e
[ [tênue.
Em meu peito, decrépita toda a humanidade,
a alheia,
a minha eu guardo resistindo em gasto amor.
Feito parido agora,
me alheia e aturdia a confusão de falas e imagens.
Tudo é novo e empoeirado.
Na confusa cartografia dos desejos
pego atalhos e abro caminhos.
Sigo o retumbante farfalho
e me abestalho frente a velhos descobrimentos.
João Henrique Vieira
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Quase poesia
João Henrique Vieira
80
[...]
Infinito
é olhar-se no espelho
e não saber quem olhou primeiro.
João Henrique Vieira
81
[...]
A cor dos teus gritos
coloriu meu quarto
e o silêncio fugiu envergonhado
ao te ouvir sorrir.
João Henrique Vieira
82
[...]
A rotina
engrossa
nossa retina.
João Henrique Vieira
83
[...]
Poesia
nua
com riso cínico
&
cheiro de sexo.
– abra as páginas meu amor,
boa leitura!
João Henrique Vieira
84
[...]
Sem bode-expiatório,
não há heróis.
João Henrique Vieira
85
[...]
Sutil e voraz,
feito comer com os olhos.
João Henrique Vieira
86
[...]
O olhar,
o passo,
o toque.
Mergulho no corpo.
João Henrique Vieira
87
[...]
O acaso
é sempre o mais oportunista.
João Henrique Vieira
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Paradoxo virtual
Tava chorando, rsrsr.
João Henrique Vieira
89
[...]
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
E se do papel não se ouvir meu grito?
ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
hhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
João Henrique Vieira
90
[...]
No passeio público,
a mão em passeio púbio.
João Henrique Vieira
91
Má notícia
A morte
é uma surpresa desagradável.
João Henrique Vieira
92
[...]
O infinito é pequeno,
o vazio transborda
e o dicionário
insiste em conceitos.
– inefável é o que não se exprime em palavras.
João Henrique Vieira
93
[...]
Os melhores vizinhos
são aqueles que não sabemos nem o nome.
João Henrique Vieira
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Passar a limpo
Fui corrigir
meu borrão,
borrei.
João Henrique Vieira
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Epifania
Ôba! Escrevi um verso.
João Henrique Vieira
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João Henrique Vieira
Mocambinho, Teresina, Piauí, Brasil
2000-2010
2012
João Henrique Vieira
97
Sobre o autor
João Henrique Vieira é escritor, jornalista e
produtor artístico. Formado em Comunicação Social -
UESPI. Autor de poemas, contos e crônicas. Escreve no
blog pessoal "Entrebraes", desde 2006.
Nascido e crescido em Teresina, Piauí – mais
exatamente no bairro Mocambinho, de onde nascem
memórias aqui reunidas – hoje reside em Belém, PA. A
reunião desses textos é fruto de uma década de
produção literária [2000 a 2010].
Teve poemas publicados na coletânea da
Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Vol. 48
[RJ/2008] e revistas literárias “Trimera” [Teresina/2008-
2010], e “Roda de Poesia” [Teresina/2008], além de
premiações no projeto “Roda de Poesia&Tambores”, do
escritor e pesquisador Élio Ferreira [Teresina].
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