o projeto político participativo “mandato popular” em riachão do jacuípe
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O PROJETO POLÍTICO PARTICIPATIVO “MANDATO POPULAR” EM RIACHÃO DO JACUÍPE
DULCINÉIA L. DOS SANTOS CARNEIRO*
Resumo
O presente trabalho discorre sobre a experiência do Mandato Popular no Legislativo em Riachão do Jacuípe - BA, no período de 2000 a 2008. Porém, para um melhor entendimento desse projeto foi preciso fazer uma breve narrativa do cenário político do Município antes da inserção do Mandato, quando a Pastoral da Juventude incentivada pelo padre José Silvino dos Santos, adepto de uma evangelização libertadora passaram a contestar à administração conservadora de um grupo que se encontrava no poder municipal há três décadas. Esse grupo de jovens a partir de então, lutaram pela democratização do poder político local e através do projeto Mandato Popular conseguiram integrar um dos seus componentes no Legislativo. O trabalho também aborda a noção do Mandato Popular e sua origem; como surge a idéia de desenvolve esse projeto em Riachão e finalmente fala sobre a legislatura do seu representante na Câmara Municipal.
Palavras-chave: Juventude, participação política, Mandato Popular.
ABSTRACT
This paper discusses the experience of the Popular Mandate in the Legislative Power in Riachão do Jacuípe, State of Bahia, from 2000 to 2008. But for a better understanding of this project we had to make a brief account of the political landscape of the city before entering the Mandate, when the youth ministry encouraged by Father José Silvino dos Santos, a supporter of liberating evangelization started to challenge the administration of a group that was in the municipal power for three decades. This group of young people since then, fought for the democratization of local political power and through the Popular Mandate project it could to integrate one of its components in the legislature. The paper also discusses the concept of Popular Mandate and its origin, how did the idea of developing this project in Riachão do Jacuípe and finally talks about the legislation of your representative at City Hall.
Keywords: youth, political participation, popular mandate.
* Graduanda do VIII semestre do curso de Licenciatura em História pela universidade do Estado da Bahia- UNEB Campus XIV.
Introdução
Segundo Michael Lowy, em sua obra Marxismo e Teologia da Libertação, a
Igreja brasileira tornou-se a mais avançada do continente americano, pioneira em adaptar as
idéias de esquerda e a única que dispõe de maior influência da teologia da libertação. Isso
talvez devido as suas especificidades como o caso da insuficiência de clérigos para a
crescente população brasileira. Esta então consequentemente ficou sob a evangelização dos
leigos. Eles, sim tiveram a oportunidade de crescer junto à importância e à proporção que
tomava a Ação Católica naquela década da influência da cultura e da Igreja católica francesa
no Brasil que se deu através da ligação das ordens religiosas e dos intelectuais, servindo de
fertilizante para implantação das novas ideias radicais. A ditadura militar também foi outro
fator que contribuiu para a Igreja aderisse à causa da libertação do pobre, pois os militares
fecharam todas as instituições de protesto popular; Isso fez com que a Igreja se transformasse
em um local de refúgio da oposição. “O governo endurecia, reduzindo os espaços possíveis de
reunião entre os quais só sobraram os espaços internos da Igreja.” (SANTANA, 2007).
O rápido desenvolvimento capitalista no Brasil em relação a alguns países latino-
americanos, junto ao processo de industrialização e urbanização evidenciaram as
desigualdades sociais, fazendo com que a população se mobilizasse por melhores condições
de vida.
Assim como Löwy, Luiz Zugno em seu artigo Igreja, política e ação
evangelizadora diz que a década de 70 foi marcada pela atuação de cristãos que, a partir do
âmbito eclesial, ou fora dele consequentemente devido à conjuntura da sociedade brasileira
envolveram-se na luta pela redemocratização do país. “A dinâmica da democratização
obrigou a Igreja, tanto nas suas pessoas como suas estruturas, a engajar-se em questões sociais
e políticas.”
1. O cenário político de Riachão do Jacuípe - BA na década de 1990, antes da inserção do Mandato Popular
Riachão do Jacuípe, localizado no Nordeste Baiano de clima semi-árido encontra-
se inserido no polígono da seca a 183 km de Salvador, capital baiana. Nos anos de 1990,
contava com mais de trinta mil habitantes1. Já foi reconhecido como grande produtor de sisal
1 O censo do IBGE de 1996 informou que Riachão do Jacuípe tinha 30 456 habitantes.2
(agave). Porém, na mesma década, a cultura do sisal já se encontrava em decadência. O
município também sofreu períodos de longas estiagens tendo as práticas da pecuária e da
agricultura, que formam a base de suas economias prejudicadas (SAMPAIO, 2006). Em A
Invenção do Nordeste de Durval Muniz (2001), ele afirma que a seca é instrumento político
do discurso regionalista que mobiliza e pode servir de argumentos para exigir recursos
financeiros do Estado. Essa ideia de um Nordeste atrasado atribuído a um determinismo
climático é bastante divulgada por políticos desinteressados em investir nessa região. Em
1996, Riachão do Jacuípe era classificado entre os municípios com maior índice da população
abaixo da linha da pobreza (SILVA, 2003).
2. Valfredo Matos surge como liderança política
Em Riachão, um mesmo grupo dominou o cenário político por mais de três
décadas liderado por Eliel Martins e tinha o apoio do governador Antonio Carlos Magalhães.
Valfredo Matos um jovem simples que veio da zona rural, foi o último expoente desse grupo.
Ele ganhou as eleições para prefeito juntamente com o vice José Aloir conhecido como Zé de
Tuza. Houve comentários por parte da população de que essa eleição, assim como outras, foi
fraudada. “(...) É que toda vida teve roubo em eleição aqui, toda vida, da primeira até a (risos)
toda vida tinha meu pai contava muito isso” (EVALDO CARNEIRO apud, SILVA 2003).
Contudo Valfredo Matos já havia conseguido instalar a primeira emissora de rádio
da cidade, Rádio Jacuípe AM. É como afirma Pedrinho Guareschi (1998, p.136), em sua obra
Sociologia Critica: “Quem detém a comunicação constrói uma realidade de acordo seus
interesses, justamente para garantir o poder”. Também existia ali um costume que vinha
prevalecendo há muito tempo, o de padres darem apoio a políticos pedindo votos para os
mesmos e convidando-os para fazer a leitura durante as celebrações, já os políticos faziam
doações para a Igreja e ajudavam a reformar ou construir capelas nas comunidades era uma
relação harmônica (SILVA, 2005).
Mas desde 1992, havia chegado a Paróquia local, o pároco José Silvino dos
Santos, permanecendo ali até 1999. Com sua presença o cenário político passou por
transformações. Os adeptos do grupo valfredista ficaram assim contrariados, chegaram ao
ponto de ameaçar, criticar e acusar o padre e seus leigos de perseguidores daquela gestão. Esta
que já se encontrava com salários dos funcionários públicos em atraso, ruas abandonadas,
vários depósitos de lixo em bairros pobres e com o prefeito desaparecido, (MOTA, 1998). 3
Nesse sentido o padre e seus seguidores deram um novo impulso às celebrações com
denúncias fortes que resultaram em perseguição e calúnia. O grupo de Valfredo Matos perdeu
o poder Municipal para Herval Campos no pleito de 1996, mas retornou em 2000.
3. Enfim, um partido de esquerda em Riachão
Padre José Silvino, enquanto esteve na Paróquia local, deu incentivo aos leigos e
jovens a participarem das celebrações religiosas, a organização de grupos, realização de
cursos e retiros.
Para além do altar, o lugar privilegiado do jovem católico engajado eram as ruas da pequena Riachão vestindo camisas de Che Guevara carregando as bandeiras vermelhas da PJ fazendo discursos ousados, dramatizações, paródias, pintando o rosto, exigindo mudança (SILVA, 2005, P. 131).
Foi nessa juventude que o pároco encontrou apoio para enfrentar os que estavam
no poder e lutar contra os problemas que afligiam a vida dos jacuípenses. Mesmo diante da
recusa de muitos cristãos que viam a Igreja apenas como lugar de oração e afirmavam que
padre não deve se meter em política. Por isso afastaram-se da Igreja naquele período. Ainda
mais por acreditarem que o PT de Riachão do Jacuípe foi criado por padre Silvino. Este que
durante a entrevista ressaltou:
Todas as cidades precisam ter o Partido dos Trabalhadores. Não tem outros partidos lá? Por que é que lá não pode ter uma sede do PT? E é claro que as pessoas que encabeçaram tinham que ser mesmo o pessoal da Igreja. Eram as pessoas que estavam na luta, na caminhada Um era os objetivos da evangelização da Igreja e outro era os objetivos do partido. Uma coisa muito boa. E, graças a Deus, o grupo lá conseguiu eleger Avelange. Eu acho que a gente tem que apoiar este pessoal que quer trabalhar adimensão sociaI da sua fé (SANTOS, 2005, Apud SILVA).
Assim como padre Silvino, seus leigos acreditavam na possibilidade de uma
política séria, transparente comprometida com o bem estar comunitário, contrária ao
favoritismo, jogo de interesses e outros vícios da política local. Nessa perspectiva o Partido
dos Trabalhadores no pleito eleitoral de 2000 lançou seus candidatos a prefeito e vereadores,
quando o Projeto Mandato Popular da Pastoral da Juventude foi inserido no contexto político
de Riachão. Este contudo, só veio a se tornar concreto nas eleições de 2004 com a chegada de
José Avelange2, citado pelo pároco no trecho acima, ao Legislativo Municipal.
2 Primeiro e único vereador eleito com a plataforma legislativa formada durante a militância da Pastoral da Juventude organizada por Pe. Silvino.
4
4. Noção do Mandato Popular e sua origem
Para o entendimento do Mandato Popular é preciso contextualizar o momento em
que ele surge, pois a dificuldade em pesquisá-lo consiste na falta de obras específicas sobre o
tema e também por tratar-se de um projeto recente tanto em âmbito nacional como regional.
Porém antes, é preciso evidenciar que o Mandato Popular se constitui em uma atuação dos
jovens da Igreja Católica do Brasil no campo político e social. Não consiste esse tema como
um movimento social e político brasileiro, como o JUC (Juventude Universitária Católica),
JOC (Juventude Operária Católica), conhecida e atuante no regime ditador brasileiro de 64-
85. O Mandato Popular é uma alternativa discutida no âmbito da pastoral da juventude ligada
a Igreja Católica, onde se seguem as orientações da Teologia de Libertação. Na verdade, seria
uma tentativa de resgatar uma dívida que tem as religiões de promoverem uma juventude
religiosamente ativa e politicamente neutra.
A igreja está começando a entender que uma formação bibliográfica não é suficiente para que os militantes leigos possam se sustentar no mundo complicado e arriscado da política. Não basta, também, a formação numa doutrina social que seja somente uma reflexão moral, sobre a política e não desça a análise das forças históricas reais que provocam a mudança social (CEPPI, 1994, P. 33).
É uma juventude que compreendeu que é possível a junção das teorias do
Evangelho e de Marx. E para concretizar isso focam os esforços políticos em torno de algum
membro da própria pastoral que o representarão politicamente nos três poderes do Estado.
Uma vez eleito, ele defenderá o que se propõe como dever ético, ao tempo em que se torna
vigiado e cobrado pelos grupos das paróquias que o indicaram. Esse modelo surgiu baseado
nas orientações do setor social da CNBB.
O Mandato Popular é caracterizado como o exercício coletivo de um mandato
parlamentar através da participação popular, visando materializar os anseios e necessidades
sociais, com vistas à transformação da sociedade (FERNANDES, 2000).
Pôde-se constatar que a idéia desse projeto político surgiu no âmbito das pastorais
sociais da Igreja Católica, mas especificamente ele é resultado de experiências vivenciadas na
Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP). Esta é responsável pela promoção de
Encontros Nacionais de Militantes nas Políticas Partidárias e Movimentos Sociais. Ainda de
acordo com Fernandes, nesses encontros os militantes têm a oportunidade de participar
ativamente dando seus depoimentos e compartilhando entre si suas inquietações e
5
experiências. Foram a partir dessas que se originou o projeto e sistematização do trabalho
sobre o Mandato Popular em nível nacional.
A (PJ) ligada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), herdeira de
uma história que vem sendo construída no país desde 1930 com a ação católica especializada,
que era um dos poucos espaços aberto a participação dos leigos católicos nos apostolados e
hierárquicos da igreja. O Papa Pio XI encontrava-se preocupado com as mudanças ocorridas
no contexto mundial devido ao processo de urbanização e industrialização e na década de
1920 estimulou os leigos a participarem e difundirem a importância dos princípios católicos
na vida familiar e social através da Ação Católica. A partir da introdução desta no Brasil
surgem novos grupos voltados para a evangelização dos jovens como a Juventude Agrária
Católica (JAC), Juventude Universitária Católica (JUC), Juventude Estudantil Católica (JEC),
Juventude Operária Católica (JOC). Estes grupos surgem entre 1950 a 1960.
Eram tempos memoráveis de muita garra e vibração. Na época eu pertencia aos quadros da Juventude Universitária Católica (JUC), um dos ramos da Ação Católica Especializada – ACE. Um movimento de jovens leigos, assessorado por assistente (padres e religiosos espalhados por todos quadrantes do Brasil, com suas equipes locais, estaduais, regionais e nacional. Está sediada na cidade do Rio de Janeiro, à época capital do país (WANDERLEY, 2006, P. 01).
Esses grupos vinculados as orientações da Igreja Católica, a partir da década de
1960 vinha traçando um novo cenário político marcado por movimentos sociais populares que
contribuíram e ou construíram os projetos políticos fundamentados no pensamento religioso
das encíclicas papais principalmente as que se referem à Doutrina social, que trazem discursos
baseados nos anseios do povo, o que representava uma ameaça ao poder político local das
cidades do interior.
Condenam-se (...), todas as formas políticas existentes em algumas regiões, que impedem a liberdade civil ou religiosa, multiplicam as vítimas das paixões e dos crimes políticos e desviam do bem comum o exercício da autoridade, em benefício de alguma facção ou dos próprios governantes (GAUDIUM Et Spes, nº. 73).
É nesse contexto que tem início a formação da Pastoral da Juventude Orgânica
(PJ), herdeira do método Ver-Julgar-Agir das pastorais já existentes no Brasil desde a década
de 60, iniciativa que partiu da própria CNBB após as Conferências dos Bispos da América
Latina realizadas em Medelin, na Colômbia (1968) e Puebla, no México (1979). A estrutura
da PJ vai desde a Coordenação Nacional aos grupos de base formada por jovens nas
comunidades. Porém, essa pastoral ganhou muita ênfase no Brasil a partir da Campanha da
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Fraternidade em 1992, que teve como tema: Fraternidade e Juventude e como lema:
Juventude Caminho Aberto. Foi observado em Cadernos de Estudos da Pastoral da
Juventude Nacional, uma evolução da PJ no tocante a conscientização dos jovens em relação
a seus deveres e direitos políticos como cidadão. E também sua preocupação em formar com
embasamento teórico e prático, jovens militantes para o mundo da política.
Os resultados desse trabalho podem ser constatados através das experiências dos
cristãos que se envolveram na luta sócio-política, colocando-se a serviço da comunidade, a
exemplo de Dorcelina Oliveira Folador prefeita de Mundo Novo no Estado de Minas Gerais;
do deputado Yulo Oiticica Pereira no Estado da Bahia onde prioriza sua capital, Salvador, o
interior e várias sub-regiões. Do vereador Mauro Kano, em São José dos Campos, SP; da
vereadora Zenilda Souza Santos no município de Pinheiros, ES e de Cleuza Assunção,
prefeita de Britânia, GO.
As experiências desses mandatos foram narradas durante os encontros Nacionais
de Militantes na Política Partidária e Movimentos Sociais, promovidos pela Pastoral da
Juventude do Brasil – PJ onde foram enfatizadas as seguintes características: o engajamento
antecipado que resulta no mandato; as decisões e propostas coletivas; o povo como
protagonista por isso houve a necessidade de criar mecanismos de participação a exemplo de
conselhos deliberativos, prestação de contas, reuniões populares e Consulta Popular; a
importância de um planejamento prévio com bases firmadas nos movimentos sociais, eclesiais
e pastorais; durante a campanha eleitoral usar material específico e de qualidade, dirigir-se
aos diferentes segmentos sociais utilizando linguagem apropriada, numa perspectiva de
educar e conscientizar; escolher um partido que tenha historicamente cunho social; manter os
princípios da ética e da transparência; também foram discutidas as limitações e as
possibilidades desses mandatos.
Portanto, foi a partir dessas experiências como foi citado anteriormente que foi
sendo sistematizado o trabalho sobre o Mandato Popular. Por isso este projeto não tem um
autor, ele já nasceu de forma coletiva.
5. A Trajetória da Pastoral e o Mandato Popular em Riachão do
Jacuípe
Segundo Aline Coutrot (2003), as igrejas são instituições sociais e, portanto, não
se limitam a passar para os leigos somente o conhecimento do sagrado, mas tudo que envolve
a vida social. Porém essas ideias só repercutiram na Pastoral da Juventude de Riachão do
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Jacuípe a partir da chegada do Padre José Silvino dos Santos em 1992, adepto de uma
Evangelização Libertadora baseada na Doutrina Social da Igreja. A partir de então a PJ
buscou a participação política, atitude que deixou os governantes locais preocupados como
afirma Marinélia Silva: “A PJ de Riachão do Jacuípe viveu dias de glória neste período (...). A
PJ era assunto na Câmara de Vereadores. Incomodava os ocupantes do poder municipal”. Ela
se refere à atuação do pároco em relação a essa pastoral incentivando os jovens a se
mobilizarem em prol das questões sociais e a reação evidente nos discursos dos políticos
tradicionais na Câmara de Vereadores, pois até então se mantinha o discurso da harmonia
entre padres e políticos. Este só foi rompido quando o padre implantou o dízimo na paróquia,
acabando com a dependência financeira da Igreja aos políticos locais, (SILVA, 2005).
Na perspectiva de repensar as relações políticas no município a Pastoral da
Juventude organizou o primeiro debate político entre os prefeituráveis em 1992, quando na
oportunidade fizeram-se presente Ribeiro Tavares (PL) e José Leão (PDT), faltou José
Raimundo Martins (PDC) candidato sucessor de Valfredo Matos3 (PTB). No segundo debate,
em 1996, compareceu apenas Herval Campos (PL) e o debate acabou sendo uma entrevista. Já
que Valfredo Matos (PTB) se recusou a participar. Porém a ausência de Herval Campos ao
debate em 2000 não foi mais causa de estranhamento, pois até o momento os candidatos que
se encontravam na situação nunca haviam comparecido a aquele evento. Então Raimundo
Carneiro de Almeida (PT), conhecido como Raimundo da Caixa, esperou por Valfredo Matos
(PFL a partir daquele pleito) que até então não havia confirmado sua presença, mas este
chegou de surpresa na última hora, já bastante atrasado e acompanhado de várias pessoas
eufóricas gritando o seu nome, transformando com tal atitude o debate numa grande bagunça.
De acordo com os organizadores, supostamente Matos não queria falar sobre a sua
administração anterior.
Diante dessa situação percebe-se o compromisso dos políticos que governaram o
município com outros interesses que não são os da população.
A PJ, juntamente com Padre Silvino estiveram envolvidos na organização do
segundo Grito dos Excluídos, em 1996, movimento que evidenciava os problemas que
afligiam a sociedade jacuipense, como evidenciou o padre em sua fala:
O nosso grito é um ato político? É, sim Senhor. Porque é claro que todo o cidadão tem direito de expressar sua posição. Por isso estamos agindo com coragem e destemor. Nosso protesto é um ato político partidário? Não Senhor. E ninguém se
33Em 1992, José Raimundo Carneiro Martins foi o candidato a prefeito do grupo de Valfredo Matos por que naquele período não havia reeleição.
8
atreva afirmar isso, porque nossa motivação é religiosa Deus quer a vida. Deus não quer a injustiça (SANTOS, Apud SILVA, 2005, P. 145).
Nesse período o pároco negava que estivesse fazendo política partidária
afirmando, que seguia os princípios básicos da Doutrina Social da Igreja. A política interessa
à Igreja e seus pastores (bispos e padres) e é uma forma de dar culto a Deus (Puebla 521),
embora algum tempo depois tenha surgido entre os seus seguidores (os jovens) o interesse por
tal política.
No pleito eleitoral do ano 2000, o Partido dos Trabalhadores (PT) lançou pela
primeira vez em Riachão candidatos para concorrer a vagas no Executivo e Legislativo, como
já foi citado na primeira parte desse trabalho. Nesse mesmo período a PJ designou o candidato
do Mandato Popular filiado ao mesmo partido, pois comungavam da mesma ideologia. Isso
contribuiu para que algumas pessoas, entre elas adeptas do catolicismo, passassem a chamar o
PT de o “partido da igreja” e o representante do Mandato Popular de “o candidato da Igreja”4.
Na concepção dessas pessoas, a Igreja não tinha que se envolver em política, ideia reforçada
pelos políticos tradicionais que se sentiam ameaçados com o suposto apoio da Igreja aos
candidatos da esquerda. Eles e a população também questionaram o uso do automóvel
pertencente à Paróquia pela Pastoral Juventude na campanha eleitoral do Mandato Popular.
Essa situação serviu de motivo para os comentários de que “o dinheiro da Igreja estava sendo
usado na política”5. O vereador do Mandato Popular demonstrou sua indignação em relação a
um panfleto que jogaram na rua dizendo que sua campanha foi feita com os recursos da
Igreja6.
Nessa primeira tentativa, nas eleições do ano 2000, o PT não conseguiu eleger
nenhum candidato e se houve o apoio da Igreja isso significa que os fiéis não a seguiram. O
candidato do Mandato Popular obteve pouco mais de cem votos. Contudo, o projeto já era
pensando como uma conquista progressiva. A PJ resolveu trabalhá-lo previamente e de
maneira inovadora, permitindo que seus membros colocassem os seus nomes a disposição
para a pré-candidatura. Quatro pessoas se disponibilizaram a representar o projeto no poder
Legislativo: Adelson Ferreira, Elísio Guimarães Carneiro, Ana Isabel e José Avelange
4 Os candidatos PT que concorreram à vaga no poder executivo e boa parte do Legislativo eram católicos atuantes.5 Em relação a esse assunto o único documento encontrado foi uma agenda do ano 2003 pertencente a um dos membros da PJ onde se encontra esquematizado o trabalho de arrecadação de fundos para a campanha do Mandato Popular, como bingos, rifas e doações de brindes pelos próprios componentes dos grupos que não aceitam tal acusação6 Arquivo da Câmara Municipal, - Ata da Primeira Sessão do 1° Período, em 15/02/06.
9
Oliveira. Mota. Estes deveriam estar adequados ao perfil e princípios do Mandato Popular
presentes na Cartilha de Formação-I que exige o seguinte: * Ser militante a pelo menos três anos na Pastoral da Juventude;
* Ter militância com lucidez crítica e ação coerente;
* Vivência coerente e transparente das convicções e da fé;
* Prática mística e celebração da fé e vida;
* Vida pessoal, familiar e social com integridade;
* Vivência e ação comunitárias, trabalho em equipe sempre;
* Ser honesto sempre;
* Formar-se constantemente;
* Filiado a partido historicamente comprometido com as lutas populares e que se
aproxime das orientações dos documentos sociais da Igreja;
* Consciência e capacitação técnica para legislar;
* Condições legítimas de legislar empreendendo transformações necessárias através
do diálogo amplo com os diversos segmentos sociais e capacidade de implementá-las
e viabilizá-las.( Cartilha de formação - I, 2004, p. 8).
A PJ resolveu então levar a proposta do projeto político às demais pastorais, às
comunidades eclesiais de base urbanas e rurais e a outras instituições como sindicatos,
associações e Igrejas Evangélicas7, para que juntos decidissem quem iria representar-lhes no
Legislativo. Enquanto isso os pré-candidatos faziam trabalho de divulgação de suas propostas
para a sociedade através de reuniões e do “Boletim do Mandato” produzido pela PJ, contendo
a biografia dos candidatos e suas propostas, sendo distribuídos nos grupos de jovens,
entidades e vias públicas, antes da eleição prévia.
A Pastoral da Juventude realizou nos dias 22 e 23 de novembro de 2003 a sua
Assembléia Anual e teve como atividade integrante as eleições para a escolha do candidato do
Mandato Popular. A escolha seguiria os parâmetros definidos pelo regulamento das eleições
do Mandato Popular á saber:
Acontecerão as eleições prévias nos grupos de jovens e entidades participantes para escolha do candidato do Mandato popular até o dia 15 de novembro. O candidato eleito pela maioria será votado por um representante da mesma entidade no dia da eleição (23/11/03) na Assembléia Anual da Pastoral da Juventude de Riachão do Jacuípe – BA.§ Cada voto do representante da entidade terá peso 1 (ART. 2º, 2003, P. 01).
7 No material da eleição prévia encontrado não havia evidência de que os evangélicos tenham participado desse processo embora o vereador José Avelange tenha feito um requerimento para a criação do Dia dos Evangélicos alegando ter sido um pedido dos mesmos.
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Analisando o material utilizado na eleição prévia como os formulários de
assinaturas, foi possível contabilizar o número de entidades e de pessoas que participaram
desse processo democrático, como mostra o quadro abaixo:
Nº Grupos e/ou Entidades Participantes Quantidade de
eleitores1 Associação dos Trabalhadores do Comércio 152 Pastoral da Criança 223 Núcleo do PT – Pov. De Barreiros 044 Pastoral Social do Ranchinho – Sede 155 Pastoral Vocacional 116 Comunidade de Lagoa de Dentro 197 Gamados no Amor e na Esperança Com. Baixa da Areia 308 Convivendo com Deus (CCD) – Pov. De São Francisco 179 Grupo Jovem Mensageiros da Paz Com. Bom Sucesso 2410 Grupo Jovem Comunidade Salgado 1711 Grupo jovem Pov. Campo Alegre 2212 Grupo Jovem Unidos no Amor de Cristo (JUNAC) Bairro da Barra – Sede 2013 Grupo Jovem Comunidade Santa Rosa 1314 Grupo Jovem Shalon – Sede 0815 Legião de Maria – Sede 3416 Grupo Jovem Junto a Cristo – Comunidade de Santana 2717 Pastoral da Crisma 2118 Associação Comunitária do Alto do Cruzeiro – Sede 1619 Grupo Jovem Rabony – Sede 1820 Jovens Unidos a Cristo. – Comunidade de Vila Guimarães 5521 Associação Jacuipense dos Agentes de Saúde – Sede 2222 Grupo Jovem Justiça e Paz Pov. Ponto Novo 3523 Associação Comunitária de Campinas 4124 Juventude Idealista a Cristo (JIC) 4925 Pastoral Familiar – Sede 1226 Grupo Jovem – Comunidade de Malhador 5427 Grupo Jovem Discagem Direta a Deus (DDD) – Sede 1728 Grupo Jovem Unidos com Amor a Cristo (JUCAC) – Sede 2529 Escola Paroquial de Leigos – Sede 0330 Coordenação Geral e Assessoria da PJ 05
Total de eleitores presentes na assembléia 671
Percebe-se a dificuldade da população acostumada aos vícios da política
tradicional em aderir uma nova proposta política fundamentada no evangelho, como se vê no
quadro onde, com exceção dos grupos de jovens pertencentes à própria Pastoral da Juventude,
somente sete entidades ligadas a Igreja com um número reduzido de integrantes participaram
do processo. Não se pretende aqui diminuir a influência da Igreja Católica na política local,
mas evidenciar que não houve uma total adesão dessa instituição religiosa ao projeto.
Em razão do projeto em Riachão pertencer a Pastoral da Juventude dos jovens
estarem mais propícios a mudanças houve uma maior adesão por parte destes. Já dentre as
demais pastorais, apenas cinco participaram. A Pastoral do Dízimo, da Saúde e do Batismo
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não foram citadas nessa eleição prévia, assim como também as Igrejas evangélicas, sindicatos
e o grupo dos Vicentinos.
A partir da análise do projeto percebe-se que o objetivo é trabalhar com a
sociedade civil organizada, seja em entidades religiosas (o que aqui prevaleceu) ou não. Por
outro lado, a participação das organizações no Poder Legislativo é pouco sistemática e é feita
geralmente por dirigentes das associações que também tem pretensões a cargos eletivos
(TEIXEIRA, 2008). O que talvez tenha contribuído para a pouca ou nenhuma participação de
associações e sindicatos nesse processo.
Porém, as organizações que aceitaram essa proposta deram um maior número de
votos ao jovem Adelson Ferreira, embora o mais votado por entidade tenha sido José
Avelange que continuou no mesmo partido, o PT.
Para o pleito de 2004, havia três candidatos concorrendo à vaga do poder
executivo, o prefeito Valfredo Matos - PFL (atual DEM), Lauro Falcão Carneiro - PSB e
Raimundo da Caixa - PT. Como o grupo do prefeito tinha um vislumbre eleitoral majoritário,
a oposição então resolveu se unir formando uma coligação com os partidos PPS, PSDB, PSB
e PT para impedir a reeleição desse líder político. Sendo assim o PT abriu mão da sua
candidatura para o executivo em apoio a de Lauro Falcão que foi eleito. Mas em pouco tempo
de administração essa aliança foi rompida. Segundo Avelange por uma decisão coletiva do PT
de entregar os cargos e ficar de fora do governo municipal porque descobriram que nada
estava acontecendo como pensaram. “O PT local desvinculou-se da atual gestão porque o
prefeito cometeu vários atos de corrupção e errou em diversos aspectos”8.
Essa junção dos partidos foi positiva para as duas partes, pois o PT conseguiu pela
primeira vez ter dois vereadores na Câmara Municipal: Teodomiro Paulo Queiroz de Souza9,
contra o qual algum tempo depois o partido deu início a um processo de expulsão por não
seguir as orientações do PT10, e José Avelange O. Mota, representante do Mandato Popular,
que obteve 811 votos, sendo o quarto vereador mais votado do município. Motivo de
comemoração, mas também de surpresa para muita gente que achava impossível um
candidato ser eleito em Riachão fazendo uma campanha eleitoral apenas de cunho educativo e
conscientizador, pois as doações e compras de votos nesse período no município eram
8 Arquivo da Câmara Municipal, - Ata da 3ª Sessão do 1° Período, em 25/08/2006. 9 Ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais foi eleito vereador pelo PT, nas eleições 2004. Outros dirigentes de associações também se candidataram. 10 Antes do processo de expulsão ser concluído o vereador Teodomiro Paulo enviou a sede do PT uma carta pedindo desfiliação ao partido.
12
bastante comuns. E como afirma Hobsbawm, (1995) o desencanto geral em relação à
atividade política institucional é um fato inegável e é hoje quase um “lugar comum”.
6. Atuação do Mandato Popular no Legislativo
Na Sessão de abertura do primeiro período 2005, o vereador José Avelange
apresentou duas indicações para a execução de projetos de inclusão social11 e durante seu
discurso, criticou o gestor municipal Lauro Falcão, ali presente pela forma como ele estava
distribuindo os cargos públicos a parentes12. Acrescentando que o fato de tê-lo apoiado nas
eleições e terem sidos eleitos juntos não significava que iria ser omisso diante das atitudes
anti-éticas, a exemplo do nepotismo. Observa-se, que essa situação entre o vereador e o
prefeito continuou devido à posição do primeiro de está sempre fiscalizando, cobrando e
combatendo as atitudes incoerentes do gestor. Mas a população, habituada com vereadores
que fazem doações ou servem de mediadores para conseguir juntos empregos na prefeitura,
entendeu isso como perseguição política. Segundo Marinélia Silva, os depoimentos colhidos
pela mesma são reveladores de uma concepção política que se repete entre os Jacuipenses: “a
de que o prefeito tem a obrigação de ajudar a quem lhe deu o voto’’
Não se pode esquecer que era costume, na época, prefeitos e vereadores, em conversas com os eleitores em visita às suas residências, prometerem empregos na prefeitura em troca de votos. Após o resultado das urnas, deflagrou-se um movimento de pressão protagonizado, sobretudo, pelas pessoas de baixa renda (mas não exclusivamente essas) que rumavam a prefeitura exigindo que seu direito fosse garantido. Esse recurso funcionava como uma lei e devia ser cumprida. Era um dever do prefeito eleito atender os seus, cumprir com sua palavra, seguir a ordem do acerto pré-estabelecido, (SILVA, 1995, P. 149).
À medida que Avelange tentava impedir essas ações de forma legal, a exemplo do
Projeto de Lei de sua autoria, ampliando a Lei nº 517 para dar um basta no nepotismo, recebia
críticas, agressões verbais e ameaças de pessoas interessadas nos benefícios que a prefeitura
poderia lhes conceder. E ainda incentivava o povo a pensar que, por causa do vereador, ele
não podia fazer doações. Muitas pessoas, inclusive eleitores do vereador, se decepcionaram
por ele se posicionar contra o prefeito. “rompemos por que a prática do governo não foi a
11 INDICAÇÃO 001/ 2005- indicação ao prefeito Lauro falcão para implantação do projeto TV ACESSO. (Acesso publico a internet, filmes e programa educativo) indicação 002 / 2005-indicação ao prefeito Lauro Falcão para implantação do projeto CONDUZIR, destinado a oferecer bolsas em auto-escola para jovens carentes.12 Arquivo da Câmara Municipal, - Ata da Primeira Sessão do 1° Período, em 15/02/06.
13
falada na campanha quando nós propomos aquela aliança” (MERCADO, 2008, p.6 ), afirmou
o vereador.
De acordo com os discursos de Avelange na Câmara, o tipo de ataque mais
recorrente a sua pessoa foram às agressões, verbais que também aconteceram através dos
meios de comunicação a exemplo de orkut e da Gazeta Fm13. Onde, o locutor de tal rádio,
Mário Luiz, usou o microfone para macular sua imagem, do PT e do Mandato Popular e por
conta disso houve um confronto entre o locutor e o irmão do vereador. O vereador enfatiza
em seu discurso não saber que o seu irmão tomaria essa atitude o que é um indício de que ele
foi acusado de tê-lo mandado agredir fisicamente o locutor.
Nesse período, Avelange expressava suas idéias no Jornal da Manhã da Rádio
Jacuípe AM, falava sobre à administração e não deixava de ser uma oportunidade de explicar
à população sobre os comentários distorcidos feitos a seu respeito, mas esse espaço lhe foi
vetado, e Gladston Silva14 atribui a esse fato, à decisão do vereador de votar contra a Moção
que dava o título de cidadão Jacuipense a Antonio Josevaldo Lima presidente daquela
emissora15 . Embora o vereador apresente outra versão quando diz:
Existem políticos que possuem os meios de comunicação em seu poder e conseguem facilmente desinformar o povo e a conseqüência disto é a população votar em políticos que não possuem nenhuma moralidade e ética pública. (...) O prefeito é o cliente que mais paga a Rádio Jacuípe e por isso foi vetada a minha participação em qualquer programa desta rádio, exceto no Programa da Câmara Municipal16.
Essa prática é comum no município, pois a primeira emissora de rádio local foi
instalada pelo político Valfredo Matos que sempre utilizou desse meio de comunicação para
se favorecer. Um dos aparelhos ideológicos mais abrangentes de nossa sociedade atual é o da
comunicação. Esta parece ser o instrumento mais importante de resistência à mudança e de
manutenção da situação de dominação e exploração (GUARESCHI, 2008).
Percebendo a carência de informação quanto ao funcionamento do Legislativo, o
vereador tentou amenizar essa situação colocando o Jornal Legal17 à disposição do povo. Esse
jornal era o informativo do mandato popular, produzido por alguns componentes da Pastoral
da Juventude, impresso e distribuído gratuitamente a cada três meses nas reuniões do
13 Arquivo da Câmara Municipal, Ata da 2ª Sessão do 1º período em 22/02/200614 Entrevista a Gladston Silva, 36 anos em 15/12/2008.15 Antonio Josevaldo Lima recebeu o titulo de cidadão jacuipense, mas o vereador do mandato popular não compareceu à sessão solene de entrega do mesmo. 16 Arquivo da Câmara Municipal, Ata da 8ª Sessão do 1º período, em 11/03/2008.17 O jornal legal era custeado pelo próprio mandato e só foram encontradas as três edições referentes ao ano de 2005, mas segundo o assessor foram produzidas outras edições durante o mandato.
14
mandato, nas escolas, nos cursinhos pré-vestibulares e na Igreja Católica. As edições
analisadas, produzidas no ano de dois mil e cinco apresentam o quadro “O que é? Para que
serve?” Onde explica sobre o Tribunal de Contas dos Municípios, Ministério Público
Estadual, Licitação, Orçamento Público, Repasse, entre outros. Nessa perspectiva também foi
criado um blog do Mandato. Neste contém textos reflexivos sobre a administração municipal
e da atuação do mandato popular no legislativo.
Nos primeiros dois meses, os vereadores juntamente com alguns companheiros do
mandato começaram a articular um Conselho de Representantes do Mandato Popular, através
do qual a sociedade organizada iria participar do mandato. Pois esse seria o órgão de consulta
popular do vereador. O objetivo era que cada comunidade e bairro tivessem um representante
no Conselho. Este chegou a ser formado em 26/03/2005, mas não teve continuidade. Durante
as reuniões com as pessoas das comunidades elas discutiam sobre as principais necessidades,
como extensão da rede de água, melhorias nas estradas etc18. Segundo Avelange, ele fazia os
requerimentos ou indicações para que esses benefícios chegassem até aquela comunidade,
mas para que isso acontecesse dependia do executivo. Este não tinha interesse em atender a
essas reivindicações do povo, pois, se o fizesse, estaria promovendo Avelange. Dessa forma,
o vereador ficava numa situação de descrédito diante da população. As pessoas não mais
compareceriam às reuniões e o Conselho foi desarticulado.
Algumas denúncias feitas por Avelange foram publicadas na Revista Mercado19 e
entre elas está mais uma estratégia utilizada pelo gestor para desarticular o povo quando o
vereador revela que:(...) Pessoas boas em situações difícil são agraciadas com salários ridículos, aparecem na folha de pagamento e são ferrenhas defensoras do prefeito. Provas disto foram encontradas em recente visita feita ao Tribunal de Contas dos Municípios na companhia dos vereadores Mundinho Ok e Carlos Matos. Assim, o gestor coíbe lideranças de bairros e comunidades (...) (REVISTA MERCADO, 2008).
Contudo, o vereador continuou insistindo na ideia de iniciar uma política baseada
na participação popular. Criou a Sessão Livre que permite a qualquer cidadão solicitar sessão
para discutir interesses da sociedade20 e fez uma emenda à lei Orgânica acabando com o voto
18 Conforme o 1º livro de Atas de reunião do mandato aconteceram oito reuniões do conselho no Salão Paroquial e na sede do mandato. A última ata lavrada foi em 20/01/2007.
19 A Revista Mercado é local, e fala da economia e dos negócios do município de Riachão do Jacuípe e de Conceição do Coité. Ela também apresenta matérias sobre política.20 Arquivo da Câmara Municipal, Resolução do vereador Jose Avelange Nº 045/2006.
15
secreto na Câmara Municipal21, pois, segundo ele, é tradição na cidade dizer que os votos para
presidente da Câmara são comprados22.
Comparando-se de forma quantitativa as proposições dos vereadores José
Avelange PT, Anaivânia Ferreira Souza - PL depois PP (ex-primeira dama e ex-secretária de
Ação Social) e José Souza Ferreira, PP, líder em números de mandatos consecutivos,
constatou-se que entre os dois primeiros vereadores e o último há uma disparidade como
evidencia a tabela abaixo. Período 2005-2008 Temática das proposições
Vereador(a) Infra- Estrutura Social Fiscalização Educação e Cultura TotalAnaivânia Souza 47 04 01 04 56
Avelange Mota 19 33 26 12 80José Ferreira 01 0 0 0 01
A qual já se torna equivalente apenas entre Anaivânia Souza e Avelange, mas
analisando as proposições de forma classificatória vê-se que as do vereador Avelange estão
em maioria voltados para o âmbito social e fiscalizador.
Observa-se que as proposições realizadas por Avelange são bem mais
distribuídas, focam no âmbito social e na maneira como estava sendo administrado o
município. Preocupação pouco evidente nos demais vereadores aqui citados, já experientes na
área. Atribui-se essa diferença pela forma como eles ingressaram no poder Legislativo; no
compromisso prévio firmado do Mandato Popular com os grupos e entidades participantes e
acima de tudo à formação política do militante que representou o mandato na Câmara. “Sem
esta formação, nossos militantes ficam inferiorizados nos debates e são marginalizados,
manipulados ou cooptados conforme os interesses de outros grupos.” (Cadernos de Estudo da
PJ, 01, 1994). Observa-se ainda que entre tais vereadores, Avelange, foi quem mais fez
requerimentos para que se realizasse Audiências Públicas no sentido de discutir, junto à
população, os diversos assuntos que dizem respeito ao município.
Durante seu pronunciamento na Câmara Avelange afirmou que estava pagando
um preço muito alto por ser vereador, pois as pessoas lhe culpavam pelo processo de
investigação para a apuração de denúncias de corrupção na administração municipal23, o que
demonstra mais uma vez a concepção contraditória da população quanto ao papel de um
vereador, por ela ainda está presa aos resquícios da política coronelista que perpetua no
município, pois “o coronelismo não morre, ele se transforma” (AGUIAR, 2007). Essa parece
21 Arquivo da Câmara Municipal - Resolução do vereador José Avelange Nº/2008. 22Arquivo da Câmara Municipal - Ata, da 12º Sessão do segundo período em 01/11/2006.23 Arquivo da Câmara Municipal - Ata da 10º sessão do primeiro período em 22/06/2007.
16
ter sido a maior dificuldade enfrentada pelo mandato popular e, segundo José Avelange, o
projeto não foi colocado em prática da forma como ele foi pensado, pois o objetivo
fundamental era a participação popular e esta não aconteceu.
Ao final do mandato, em 2008, o vereador distribuiu um calendário 2009 com as
principais proposições aprovados durante o mandato e uma mensagem onde disse:
A partir da militância na Igreja e na sociedade, eu procurei representar o interesse dos mais pobres na Câmara de Vereadores. Encontrei barreiras e incompreensões, mas trago a alegria de ter procurado fazer a parte que me coube, sem negociar minha consciência e meus valores. (...) O Mandato Popular continua e pertence a todos os Jacuipenses que não se curvaram ao interesse próprio e à mediocridade de pensamento que faz muitos pensarem que “o errado está certo e o certo está errado.” Tenho certeza de que os cidadãos comprometidos são poucos, mas existem e valem o esforço que fizemos. (JOSÉ AVELANGE O. MOTA, 2009)
Para o pleito de 2008 não houve eleição prévia do Mandato Popular, pois apenas
um nome foi colocado a disposição, o de Adelson Ferreira que não foi eleito. Recebeu pouco
mais de quatrocentos votos, metade da votação obtida por Avelange na eleição anterior. A
esse resultado foi atribuído diversos fatores, mas para o assessor Gladston Silva, a falha
consistiu em não terem focado no trabalho realizado por Avelange na Câmara e de que era
preciso dar continuidade ao mesmo24. É uma sugestão pouco viável, já que, a população não o
reconheceu e estranhou, por uma questão cultural, essa forma diferente de legislar, deixando
passar a oportunidade de participar da política do município.
Considerações Finais
Observa-se que a partir da atuação do padre Silvino na paróquia local alguns
jovens passaram a se organizar em grupos e a participar de Encontros Nacionais de Militantes,
promovido pela Pastoral da Juventude do Brasil – PJB. Eles retornavam com novas idéias e
entre essas, estava a de desenvolver o projeto Mandato Popular que visava eleger um
vereador. Esse deveria realizar o mandato de forma coletiva, junto com a sociedade civil
O projeto foi colocado em prática no município, mas não houve a participação
popular prevista pela Pastoral da Juventude, como aconteceu em Salvador no Mandato
Popular do deputado Yulo Oiticica o qual tomaram como base. Vê-se que a Pastoral nesse
aspecto foi muito otimista, pois os hábitos da cultura política implantada pelos coronéis em
Riachão ainda são bastante evidentes. E segundo Elenaldo Teixeira em sua obra Sociedade
24 Entrevista a Gladston Silva, idade 36 em 15/12/2008 17
civil e participação cidadã no poder local, “algumas tentativas de descentralização
administrativa municipal (...) não deram certo por que a sociedade civil não estava preparada
e motivada para tanto” (2000). Por essas características estarem tão presentes na sociedade
Jacuipense, de acordo com Teixeira (2000, P.323), “a participação cidadã exigi um tempo de
motivação e maturação das iniciativas e das experiências tentadas, e nem sempre bem-
sucedidas, suscitado um processo contínuo de reflexão e crítica.”
Contudo a experiência do Mandato Popular em Riachão foi uma iniciativa da
Pastoral da Juventude de incentivar a participação da sociedade civil.
18
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FONTE ORAL:
Entrevista ao assessor Gladston Silva, 36 anos em 15/12/2008.
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