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“O JOGO DE BOLA QUEIMADA, FAZENDO A DIFERENÇA NAS
AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA.”
CUNHA CORREIA, Lidia A.P.1
PIRES, Antonio Geraldo M. G.2
RESUMO
O presente texto é síntese do envolvimento de professores com o Programa de
Desenvolvimento Educacional / PDE – 2007/2008 - da Secretaria de Educação
de Estado do Paraná, cujo objetivo é apresentar a maneira como se deu a
aplicação da proposta pedagógica que foi construída no decorrer do programa
e que foi norteada a partir de um olhar histórico-crítico sobre a prática
pedagógica do professor e das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná.
Este estudo amparou-se na concepção de estudo de casos observacionais por
tratar-se de uma intervenção pedagógica que se deu no Colégio Estadual
Brasílio de Araújo – Bela Vista do Paraíso -, com uma turma da quinta série do
Ensino Fundamental – período vespertino - que apresentou como objeto uma
proposta teórico-metodológica adequada à realidade escolar e às exigências
das Diretrizes Curriculares. A proposta tomou como matriz teórica a concepção
da cultura corporal, sendo que se contemplou o jogo como conteúdo
estruturante, na medida em que se procurou favorecer a constituição das
relações em grupo, a valorização da cultura regional, a reflexão sobre as
práticas corporais, ampliando o sentido e a importância da ludicidade para a
vida das pessoas desde a infância até a idade adulta. Partindo de uma
investigação sobre os jogos tradicionais, tomaram-se como base para o
desenvolvimento do projeto, as diversas formas de se vivenciar o jogo da Bola
Queimada. O aspecto básico centrou-se na criação das condições para que os
estudantes pudessem elaborar e (re)elaborar conhecimentos relativos aos
fenômenos do lúdico, participação, liberdade, envolvimento, prazer e
1 Professora PDE de Educação Física do Estado do Paraná.
2 Professor Doutor do Departamento de Estudos do Movimento Humano da Universidade
Estadual de Londrina.
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espontaneidade, como referências ao resgate das formas de expressão da
cultura corporal, tendo o jogo e o brinquedo como estratégias fundantes.
Palavras-chave: Cultura corporal. Jogos. Brincadeiras. Lúdico. Prática
pedagógica.
RESUMEN
El presente texto es un resumen de la participación de los profesores con el Programa de
Desarrollo Educacional / PDE – 2007/2008 - de la Secretaría de Educación del Estado
de Paraná, cuyo el objetivo es presentar el modo de como hicieran la aplicación de la
propuesta pedagógica que fue hecha en el transcurso del programa y fue guiado desde
un punto de vista histórico-crítico a respecto de la práctica educativa del profesor y de
las Directrices Curriculares del estado de Paraná. El estudio tomó sustento por la
concepción del estudio de observación de casos y se ocupa de una intervención
educativa que fue puesta en práctica en el Colegio Estadual Brasílio de Araújo – Bela
Vista do Paraíso-, con alumnos de una clase de la primaria del período de la tarde, que
tiene como objeto de estudio la construcción de una propuesta teórica-metodológica que
se ajusta a realidad y las necesidades de las escuelas a sus Directrices Curriculares. La
propuesta tuvo como matriz la concepción teórica de la cultura corporal, y que se
contempla el juego como contenido de la estructuración, por el modo en que se busca
fomentar el establecimiento de las relaciones en grupos, la valorización de la cultura
general, la reflexión sobre las prácticas del cuerpo, acrecentando el sentido de los
juguetes para la vida de las personas desde niños hasta la edad adulta. Empezando por
una investigación sobre los juegos tradicionales, se tomaron como base para el
desarrollo del proyecto, los diferentes modos de experimentar el juego de quema de
pelota. El aspecto fundamental se centró en crear las condiciones para que los
estudiantes puedan desarrollar y (re) desarrollar los conocimientos sobre los fenómenos
del juego, la participación, la libertad, el envolvimiento, la espontaneidad y el placer,
como referencias al rescate de las formas de expresión corporal de la cultura, utilizando
como estratégica fundamental el juego y los juguetes.
Palabras claves: Juego. Juguetes. La Práctica Educativa. Cultura Corporal. Quema de
pelota.
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INTRODUÇÃO
O fator primário que levou à constituição da presente proposta
pedagógica remete à observação cotidiana, assistemática, feita das aulas de
Educação Física em algumas escolas da rede pública estadual de ensino. Um
aspecto significativo que chamava bastante a atenção é que ficava clara a
preocupação dos professores, no decorrer de suas aulas, com as situações de
conflitos no que dizia respeito ao seu fazer pedagógico, visto que este era
desenvolvido sem que houvesse uma argumentação teórica clara e objetiva
tanto no que diz respeito à seleção de conteúdos, quanto de sua seriação para
cada etapa escolar, fazendo com que eles corressem alguns riscos
significativos dentre os quais se destacam: a fragmentação do
conteúdo/conhecimento; repetição de conteúdo em diferentes níveis e série de
ensino; o ensino de conteúdos distanciados dos anseios tanto dos professores
quanto dos estudantes; o distanciamento das propostas consignadas nas
diretrizes curriculares do Estado; a tendência a desenvolver uma prática
pedagógica voltada ao fazer pelo fazer, que pode estar contribuindo de forma
direta com o acentuado nível de desmotivação e desinteresse por parte dos
estudantes em relação às aulas.
Foi considerando esta realidade de grande mal-estar por parte dos
professores que se optou por tomar como objeto de estudos as questões
pertinentes à prática pedagógica. Para tanto, procurou-se construir o contexto
tendo como ponto de partida uma aproximação primária da história da
educação brasileira e, em especial, a maneira como a Educação Física foi por
ela influenciada.
Partiu-se do princípio de que para compreender as práticas pedagógicas
desenvolvidas pela Educação Física se faz necessária uma visita às relações
que as transformações políticas, econômicas, ideológicas, filosóficas, históricas
e sociais estabeleceram com o sistema educacional brasileiro a partir da
Primeira República (1889-1930), pois acredita-se que haja uma efetiva
interferência dessa relação na constituição das políticas, diretrizes e práticas
pedagógicas em Educação Física.
Tomou-se como ponto de partida para a construção do contexto
relacional o movimento desenvolvido por intelectuais brasileiros a partir da
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primeira metade do século XX - Manifesto dos Pioneiros da Educação -, que ao
ganhar corpo passou a ser marcado por seu forte entusiasmo educacional e
otimismo pedagógico, sustentado por um profundo sentimento de patriotismo e
nacionalismo, fazendo com que as questões vinculadas ao desenvolvimento do
país e à problemática da educação popular se tornassem temas centrais das
discussões nos mundos político e intelectual à época.
No seio do agito educacional estabelecido no período, toma corpo no
país a proposta pedagógica orientada pelo pensamento de John Dewey, tendo
no educador baiano Anísio Teixeira seu grande propositor e incentivador. Essa
proposta ficou conhecida como Escola Nova, em função dos intensos
confrontos ideológicos, políticos e teóricos que travou com os signatários da
proposta pedagógica hegemônica na época chamada de Pedagogia
Tradicional, que se associava às aspirações dos intelectuais ligados às
oligarquias dirigentes e à Igreja, e que apresentava como pano de fundo o fato
da Pedagogia Nova ter emergido dos movimentos políticos produzidos pela
burguesia e classes médias que objetivavam realizar a modernização do
Estado e da sociedade brasileira.
Ao mesmo tempo, também se materializava no país uma proposta
pedagógica vinculada aos movimentos operários, que, ao contrário das duas
propostas anteriores, não tinha seu surgimento marcado por valores das
classes hegemônicas. Essa proposta pedagógica ficou conhecida como
Pedagogia Libertária e era sustentada pelo chamado pensamento progressista
ligado aos intelectuais que apoiavam os projetos dos movimentos sociais
populares.
Nessa época, educadores já discutiam a urgência do estabelecimento de
grandes diretrizes para a Educação Popular, o que os levou a tornar público,
em 1932, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, pautado pela defesa
da escola pública obrigatória, laica e gratuita e pelos princípios pedagógicos
renovados das teorias de John Dewey. Pode-se dizer que a partir de então o
sistema educacional brasileiro produziu um significativo salto de qualidade
observado nos avanços legais obtidos no decorrer do tempo, dentre os quais
se destaca: a Lei Orgânica do Ensino Médio/Reforma Capanema de 1942; as
Leis de Diretriz e Base Nacional (LDBEN) nº.4.024/61 nº. 5.692/71 e nº.
9394/96; Lei da Reforma Universitária 5540/68; Lei do Fundo de Manutenção e
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Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, nº.
9.424/96 – FUNDEF e Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, nº.
11.494/2007 - FUNDEB.
É importante salientar que no período compreendido entre a Reforma
Capanema de 1942 e a instituição do FUNDEB em 2008, o país passou por
profundas transformações políticas, econômicas, culturais e sociais e que estas
interferiram de forma decisiva na constituição dos desenhos que a Educação
tomou quando da elaboração das políticas públicas a ela referentes. Porém, é
fato que estas transformações também modificaram as questões vinculadas à
Educação Física Escolar.
Quando se observa as políticas públicas elaboradas no período para a
Educação Física, percebe-se que houve uma profunda reorientação em seus
princípios, diretrizes e objetivos, acarretando um constante e significativo
deslocamento dos sentidos instituídos sobre ela no imaginário da sociedade.
Para contextualizar a Educação Física no cenário das políticas públicas
educacionais brasileiras, é bom que se resgate o fato de que sua prática, sob a
forma da ginástica, estava vinculada, desde 1837, às questões da eugenia,
puericultura, gravidez, enfim, à saúde pública. Foi no ano de 1851 que a prática
da ginástica se tornou obrigatória nas escolas públicas primárias na Corte,
sendo que ao final do Império se desenvolvia através do chamado Método
Alemão. Por fim, em 1882 ela se afirma como disciplina na escola em função
do parecer emitido por Rui Barbosa relativo à Reforma do Ensino Leôncio de
Carvalho, que recomendava sua inserção nos programas escolares como
matéria de estudo obrigatória.
Esse período que a Educação Física vivenciou perdurou até os anos
1930, tendo sua prática pedagógica norteada pelo princípio de ser ela uma
atividade capaz de assegurar a uma parte da sociedade, a aquisição e
manutenção de uma boa saúde individual. Aqui é bom lembrar que a Educação
Física enquanto uma prática higienista, buscava focalizar seu objetivo principal
nas questões referentes à saúde. Para tanto, procurava interferir na formação
de sujeitos saudáveis, fortes e com grande capacidade de resistir com
disposição às atividades que realizavam em sua vida cotidiana. Pode-se
afirmar que seu projeto remetia à idéia de se constituir uma sociedade formada
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por sujeitos que tivessem incorporado em sua subjetividade hábitos saudáveis,
ou seja, sujeitos que desenvolveriam suas ações cotidianas distantes de
comportamentos capazes de provocarem um declínio de sua saúde e de sua
moral, visto que essas situações poderiam comprometer o bem-estar coletivo.
Nessa perspectiva, as políticas públicas da Educação Física portavam o
princípio de que ela seria a atividade com forte potencial para solucionar os
problemas relativos à saúde pública, na medida em que seu desenvolvimento
seria fundado a partir da premissa de que, ao estar dentro da escola, como
disciplina, educaria os sujeitos para buscarem uma vida saudável.
Nesse sentido, era responsável, na escola, por determinar valores que
levariam ao estabelecimento de padrões de comportamentos aceitáveis
socialmente, já que seriam forjados pelo pensamento das classes
hegemônicas. A Educação Física, nesse período, submetia-se a uma
representação de ser ela uma prática determinante para o saneamento público
das más condições de saúde existentes, pois colaboraria para livrar a
sociedade das doenças, ao mesmo tempo em que estabeleceria no imaginário
social uma nova moral e concepção de homem.
A partir do final dos anos de 1930 e até os anos de 1945, o Brasil passa
por um processo de significativas transformações políticas e econômicas que
interferem de forma direta na elaboração das políticas públicas relativas à
Educação Física. Em função das relações que se estabeleceram nesse
período, a Educação Física passou a cumprir um papel distinto daquele que até
então cumpria, ou seja, houve uma mudança de suas diretrizes com
conseqüente substituição de seus objetivos sentidos em relação ao período
anterior. Porém, aqui é bom ressaltar que nessa etapa a Educação Física
continua apresentando como uma de suas preocupações, as questões
pertinentes à saúde individual e coletiva que marcaram fortemente suas ações
nos anos 1930.
Nesse período, as políticas públicas estavam marcadas por ideais
nacionalistas que remeteram a uma Educação Física desenhada enquanto
atividade que buscava contribuir, de forma direta, na construção de uma
sociedade forte. Para tanto, desenvolvia suas ações com a juventude
objetivando a formação de homens capazes de lutar não somente em defesa
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da Pátria, mas também contra as condições sociais negativas existentes no
país que o impediam de se tornar uma potência regional ou mesmo mundial.
Diante desse quadro, a Educação Física passa a privilegiar, segundo os
valores das classes hegemônicas, a fazer do esporte, das ginásticas e de suas
demais atividades, meios para formar um homem de constituição fisiológica de
excelência – saudável e forte - e moral.
Uma outra fase, na qual a Educação Física passa a cumprir um papel
distinto das anteriores, reporta ao período compreendido entre os anos de 1945
e 1964. Pode-se dizer que aqui a Educação Física começa a assumir um papel
marcado por princípios educativos, o que fez com que passasse a ser
incorporada pela escola como disciplina componente do currículo escolar.
Assim, a Educação Física inicia um processo de deslocamento do sentido até
então estabelecido, passando a remeter sua prática cotidiana para muito além
da promoção da saúde e de valores morais, focalizando suas atenções
fundamentalmente para uma prática educativa, ou seja, uma prática educativa
em movimento, tomando como referencial os pressupostos orientadores de
uma educação integral do homem.
Com esse novo perfil, atividades como a dança, o esporte e o jogo se
tornam excelentes meios para que nas aulas de Educação Física os
estudantes sejam educados, com o objetivo de prepará-los para o convívio
democrático, uma vida altruísta, valoração da cultura nacional e respeito às
regras normativas dos comportamentos socialmente aceitos.
A partir de 1964 até o início dos anos de 1980, a disciplina passa a
responder às demandas dos governos militares que estavam no poder. Assim,
a Educação Física elabora suas políticas públicas tendo como diretrizes
básicas forjar campeões esportivos, massificação do esporte e incentivo às
práticas do lazer.
Envolvido com as perspectivas das mudanças para a Educação, no
início da década de 1990, o Estado do Paraná elabora o Currículo Básico onde
propõe uma prática político-pedagógica para a Educação Física que
contribuísse na superação das contradições e injustiças sociais e também para
que esta alcançasse sua legitimação pedagógica no contexto escolar, sendo
necessário mudar o enfoque dominante na área e pautar a compreensão do
movimento, bem como sua abordagem, em outros pressupostos. A partir de
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então, pode-se afirmar que a Educação Física passa a fundamentar sua prática
na pedagogia histórico-crítica.
No ano de 2006, a Secretaria de Estado da Educação – SEED - elabora
as novas Diretrizes Curriculares de Educação Física para a Educação Básica,
onde contesta os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e sua tendência
ao aprender a aprender e suas competências e habilidades. Em 2007, as
Diretrizes Curriculares são revisadas, afastando-se das questões referentes à
Corporeidade, passando a enfocar como conteúdo estruturante da disciplina de
Educação Física as questões pertinentes à Cultura Corporal.
Diante dessa realidade, uma pergunta se faz necessária no imaginário
do professor da área: Qual deve ser a prática pedagógica mais apropriada às
aulas de Educação Física, visto que há uma forte tendência das práticas
pedagógicas desenvolvidas pelos professores, em sua maioria, não estarem
conseguindo atingir os objetivos propostos na Diretriz Curricular a partir da
perspectiva histórico-crítica?
Para tentar responder a esse questionamento, buscou-se em Medina
(1983), a idéia que reporta ao fato de que as mudanças não ocorrem com tanta
simplicidade. A tendência natural de qualquer sociedade, desenvolvida ou não,
é a de padronizar os seus valores, [...]. Tal realidade determina, de
certa forma, as nossas ações. Contrariar valores estabelecidos é
sempre uma temeridade. Constitui-se em eterno risco. E nem sempre
as pessoas estão dispostas a enfrentar tais situações. (p.20)
Ratificando e consolidando as discussões já realizadas, e em
andamento, a partir da relação existente entre a teoria e a prática, o estudo
desenvolvido por Palma (2001), que apresenta como objeto de pesquisa a
formação de professores de Educação Física e suas práticas, retrata muito
bem a realidade das aulas de Educação Física existentes na escola pública,
quando aponta que quanto à especificação dos conteúdos, objetivos,
concepção de conhecimento, procedimentos metodológicos adotados e
processo de avaliação ensino-aprendizagem, as tomadas de posições
produzidas pelos professores indicam que estes se encontram em uma grande
“confusão epistemológica”, ou seja, “dissonância conceitual”, pois tendem a
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pensar a partir de determinados pressupostos, mas que não se refletem em
suas ações pedagógicas, fazendo com que a relação teoria/prática se
materialize nas aulas de forma completamente antagônica. Ao relatarem suas
práticas pedagógicas de forma discursiva, posicionam-se como professores
que orientam suas ações a partir das concepções de uma pedagogia crítica,
mas ao explicitarem suas representações sobre estas ações, verifica-se que
são de cunho tradicional, conservador e acrítico, ou seja, está orientada por
uma concepção de Educação Física estruturada no fazer e objetivando o
desenvolvimento motor e a aprendizagem do gesto técnico-desportivo.
Percebe-se que o discurso pedagógico crítico disseminou-se e se tornou
hegemônico no imaginário dos professores de Educação Física, o que deu
margem a vários mal-entendidos, como também a uma atitude pedagógica
propositiva bastante tímida. Criou-se um abismo entre os fundamentos da
educação e o âmbito do que fazer da prática educativa. Não houve um esforço
de problematizar e traduzir as relações dessas reflexões com o agir cotidiano
do professor. É neste agir diário do professor que se baseia este estudo;
acredita-se que mudanças não acontecem por acaso e com facilidade, muito
pelo contrário, há de se desenvolver diretrizes/ações que portem em si
mesmas intenções de produzir efetivas mudanças nas realidades objetivas e
subjetivas estabelecidas no mundo da Educação Física Escolar.
Enfim, considerando que os professores que atuam em sala de aula,
hoje, foram formados a partir de princípios e diretrizes referentes à chamada
educação tradicional; que a escola, enquanto local de conhecimento, continua
tradicional em toda sua estrutura física (disposição das salas, das carteiras,
forma de avaliação, atribuição de notas, entre tantos outros) e que, mesmo
diante dessa realidade, ainda são solicitados a pautar suas aulas sob a luz de
uma abordagem pedagógica histórico-crítica. Os professores, acostumados a
preparar as aulas a partir de seu conhecimento sobre determinado conteúdo,
precisam, nessa perspectiva, mudar o enfoque a partir do conhecimento do
aluno. Este é o desafio!
Aceito este desafio, e, na tentativa de pautar o trabalho dentro da
perspectiva da pedagogia histórico-crítica, selecionaram-se os conteúdos
estruturantes - jogos, brinquedos e brincadeiras - para serem focalizados no
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projeto e serviram de base para a elaboração da presente proposta de
intervenção pedagógica na escola.
Com o objetivo de discutir e vivenciar o jogo sob a perspectiva a que o
trabalho se propõe e tendo em vista que, como conteúdo estruturante da
disciplina de Educação Física, os jogos compõem um conjunto de
possibilidades que ampliam a percepção e a interpretação da realidade, além
de intensificarem a curiosidade, o interesse e a intervenção dos alunos
envolvidos nas diferentes brincadeiras, podendo-se dizer que a opção por este
objeto, o jogo, se justifica plenamente.
O jogo, como conteúdo das aulas de Educação Física, tem sido
negligenciado, limitado, na maioria das vezes, por uma visão utilitarista, sendo
tomado enquanto um dos meios para que o aprendizado dos conteúdos
trabalhados, normalmente o esporte, aconteça.
As Diretrizes Curriculares da Secretaria de Estado de Educação do
Paraná propõem para a disciplina de Educação Física que ela desenvolva suas
práticas envolvendo, de forma plena, os jogos, as brincadeiras e os brinquedos,
como seus principais conteúdos estruturantes. Afirmam elas que a disciplina
“compõe um conjunto de possibilidades que ampliam a percepção e a
interpretação da realidade”. (p. 20), ao mesmo tempo em que é ressaltada a
possibilidade de, através do jogo, ser possível discutir regras, organização
coletiva e a valorização dos aspectos lúdicos.
Outro aspecto relevante apontado nas diretrizes diz respeito à ludicidade
que aqui é assumida como sendo a concretização corporal da espontaneidade,
senso de humor, alegria e prazer expressados através dos movimentos e das
ações do sujeito. Santin (1993), referindo-se à esportivização das práticas
corporais, denuncia de maneira contundente que o processo de radicalização
deste princípio acabou por tornar o ato de brincar em apenas mais “uma
atividade dependente dos conhecimentos científicos, dos segredos técnicos e
dos interesses econômicos”, na qual a experiência em relação à vitória passou
a ser efetivamente o objetivo a ser alcançado, em detrimento da busca pelo
simples prazer de jogar, o que acabou por acarretar o esquecimento de algo
tão caro aos homens na hora em que eles se esquecem do princípio que
aponta para o fato de que “os comportamentos lúdicos são tão importantes
quanto o comer e o beber” (p.1004).
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Ainda nesta linha de pensamento vem à tona uma questão apresentada
por Santin (1994), quando discorre sobre o jogo para um grupo de professores:
mas por que o jogo? Respondendo a sua própria indagação o autor nos diz que
o jogo, mesmo não sendo a única maneira, pode ser assumido como uma das
mais relevantes formas para se apreender a lógica da tecitura das tramas
sociais, bem como compreender suas estruturas, pois nele estão presentes as
idéias de liberdade, espontaneidade, acaso e aleatoriedade, que se
materializam sem qualquer forma de predeterminismos.
Pode-se afirmar ainda, a partir do pensamento de Santin, que a
sociedade desenvolve práticas validadoras do princípio de que o homem
produziu e consolidou historicamente seu ato de brincar, porque tomou
consciência de que ao fazê-lo ele se transforma, ou seja, o brincar passou a
ser assumido enquanto "um ato em que sua intencionalidade e curiosidade
resultam num processo criativo para modificar, imaginariamente, a realidade e
o presente", conforme registrado no texto Coletivo de Autores (1992, p. 64).
Enfim, as indagações que aqui se cabe dizer: será que estas
características do jogo estão sendo valorizadas quando dele se faz uso em
aulas? Quando o jogo é utilizado nas aulas criam-se as condições para que ele
favoreça a manifestação dos comportamentos lúdicos dos estudantes? Evita-se
tornar o jogo nas aulas um campo propício ä manifestação dos
comportamentos competitivos instituídos no imaginário dos estudantes?
Sobre os jogos, em um primeiro momento, pode-se afirmar que aqueles
identificados como tradicionais são caracterizados por serem livres, pois deles
tomam partem somente os atores sociais que tiverem prazer em fazê-lo. Estes
são jogos que até hoje os estudiosos ainda não afirmaram com segurança em
que cultura tiveram sua origem, mas, em contrapartida, sabe-se que eles são
transmitidos espontaneamente de geração para geração, e que são práticas
lúdicas portadoras de um fim em si mesmos, fazendo parte da dinâmica
cotidiana da vida social das crianças de todas as sociedades, permitindo
alterações e criações de novos jogos.
Assumindo o jogo como elemento cultural de um grupo social, entende-
se que sua relevância vai muito além de ser um campo de prazer, pois faz
parte do ethos social do grupo onde é jogado. Neste sentido, acredita-se que
essa é a resposta às indagações: será que nossos estudantes conhecem e
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praticam os jogos que fazem parte do patrimônio cultural de seu grupo social?
Quais jogos e brincadeiras fazem parte do seu cotidiano?
Para dar início à explicitação de todo o processo desenvolvido com os
estudantes em suas aulas de Educação Física, deve-se deixar claro quais
foram os conceitos sobre jogos, brinquedos e brincadeiras lançados para a
orientação da prática pedagógica no decorrer da realização do projeto.
Primeiramente é preciso se aproximar da origem dessas palavras para
melhor compreender seus significados. Jogar vem do latim “jocare”, entregar-
se ao, ou tomar parte no jogo de, executar as diversas combinações de um
jogo, aventurar-se ou arriscar-se ao jogo; perder no jogo; dizer ou fazer
brincadeira; harmonizar-se. Brincar vem da composição “de brinco + ar”;
divertir-se infantilmente; entreter-se em jogos de criança, recrear-se; distrair-se
conforme apresentado no Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio (1986).
Na consulta a estudos feitos sobre o jogo, identificou-se a existência de
uma certa dificuldade por parte dos estudiosos no que diz respeito ao
estabelecimento de uma definição para as palavras jogar e brincar. A literatura
também aponta que o aspecto mais significativo para essa situação está
vinculado ao fato de duas palavras possuírem uma fronteira comum.
Segundo o pensamento de Huizinga (1980) sobre a questão, o ato de
brincar requer algumas características próprias, tais como, a espontaneidade,
criatividade, liberdade com limites, envolvimento com a atividade de forma
voluntária, que a realização da prática da atividade seja feita considerando
alguns limites referentes ao tempo e espaço, e que suas regras sejam
livremente consentidas e de aceitação obrigatória pelos brincantes.
Em princípio é válido afirmar que o jogo praticado pela criança, na sua
infância, não apresenta nenhuma equivalência com o jogo praticado pelos
adolescentes, adultos e idosos, pois ele não é uma simples recreação. Em
geral, pode-se afirmar que o adolescente joga porque deseja se auto-afirmar
diante do outro, o adulto joga para afastar-se da realidade, o idoso jogo para
ocupar seu tempo vago, enquanto a criança, ao brincar/jogar, sempre avança
para novas etapas de domínio do mundo que a cerca.
É de grande importância que o professor tenha, de forma clara, que
fazer uso do jogo em suas aulas requer a compreensão de que essa prática
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deve ser vista por ele como um recurso privilegiado e relevante à sua
intervenção educativa.
Foi com base nesses estudos que surgiu a idéia de elaboração deste
Objeto de Aprendizagem Colaborativa (OAC) tomando como sua
problematização “O jogo como campo de expressão do lúdico” por acreditar
que quando a criança chega à escola, ela traz consigo toda uma pré-história,
construída a partir de suas vivências, grande parte delas materializada no
momento em que realizava suas atividades lúdicas (NEGRINE, 1994).
Assim, este OAC foi estruturado tendo como base a visão de que o jogo
e a brincadeira não são prerrogativas da Educação Física, na medida em que
essas práticas culturais permeiam todas as ações humanas. Enfim, pode-se
dizer que o jogo está vinculado de forma direta à cultura, à ordem social, a
interesses ideológicos e que, portanto, pode, em função desta característica,
ser apropriado como objeto de pesquisa das mais diversas áreas do
conhecimento, tais como: a educação, a antropologia, a lingüística, a história, a
sociologia, a filosofia, dentre outras.
Do ponto de vista da história pode-se propor uma investigação sobre o
surgimento dos muitos jogos tradicionais existentes na cultura lúdica brasileira.
Kishimoto (1993) afirma que muitos desses jogos são transmitidos oralmente,
sendo que seus conteúdos podem ser fragmentos de contos, mitos, práticas
religiosas e culturais, o que dificulta em muito o rastreamento de suas origens.
Um bom exemplo desta situação pode ser bem constatado quando se reflete
sobre jogo instituído no imaginário popular como a queimada. Sua concepção
remete à idéia de uma guerra ou caçada, o que não garante que em épocas
anteriores também portava esses significados.
Ainda para a citada autora (1993), os jogos tradicionais brasileiros foram
influenciados pelas culturas das etnias branca, negra e indígena, muitas vezes
prevalecendo a referência da cultural lúdica da etnia branca, em função de ser
seu pensamento o pensamento hegemônico.
A autora também apresenta um levantamento sobre brinquedos e
brincadeiras das mais distintas comunidades indígenas, que fizeram ou fazem
parte da infância de meninos e meninas de todas as etnias e regiões do Brasil,
dentre os quais citamos os jogos identificados como “cama de gato” - jogado
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com a utilização de fios de barbantes que são trançados nos dedos –, o
bodoque/estilingue e pião.
Elencar as brincadeiras tradicionais conhecidas por nossos estudantes e
procurar identificar em quais culturas essas brincadeiras se fazem presentes e
que modificações sofreram, se é que sofreram, ao longo dos tempos em
relação a gerações anteriores a deles, talvez seja um grande passo para a
valorização da cultura lúdica que eles portam.
Também acredita-se que através desta abordagem consiga-se tornar
mais significativas a utilização dos jogos nas aulas, visto que haverá a
construção de uma relação entre os jogos e brincadeiras praticados no
passado com os que hoje são realizados, enquanto conteúdo e elementos
articuladores das aulas, principalmente, com temáticas vinculadas à questão da
ludicidade, gênero, diversidade étnico-racial, lazer, consumo, sedentarismo,
saúde.
Após a elaboração do projeto, chegou o momento de colocar os
estudantes diante da nova abordagem que seria utilizada nas aulas de
Educação Física. Os estudantes foram informados que a partir daquele
momento os conteúdos que seriam trabalhados com eles no decorrer das aulas
estariam vinculados ao estudo que se iniciava.
Foi informado aos estudantes que o desenvolvimento do processo
pedagógico proposto no projeto seria feito somente com uma turma, sendo que
a escolhida era do Ensino Fundamental do turno vespertino, visto ela
apresentar como característica principal ser uma turma muito dinâmica e
envolvida com as aulas.
A implementação da presente Proposta Pedagógica deu-se no Colégio
Estadual Brasílio de Araújo de Ensino Fundamental, Médio e Pós-Médio,
localizado no município de Bela Vista do Paraíso, a partir do mês de maio de
2008. Na primeira aula foram apresentados para a turma o significado do
Programa de Desenvolvimento da Educação – PDE, o Plano de Ação e seu
respectivo Projeto, e a justificativa que levou à escolha daquela turma para
servir de sujeito do estudo.
Após todas as explicações administrativas do Projeto, falou-se sobre a
necessidade de eles passarem inicialmente pela aplicação de um pré-teste.
Este seria realizado por meio de anotações sobre o entendimento que os
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estudantes tinham instituído em seus imaginários sobre brincadeira, jogo e
esporte, a partir de nomes selecionados para este fim, tais como: lenço-atrás,
bugalha, queimada, basquete, vôlei, dentre tantos outros.
Em seguida fez-se uma série de questionamentos aos estudantes sobre
as atividades que disseram desconhecer que, em sua maioria, remetia ao
desconhecimento do nome identificador das brincadeiras. Eles também foram
informados de que no momento dos trabalhos a professora não poderia
contribuir com nenhum tipo de esclarecimento sobre os questionamentos, na
medida em que o objetivo do teste era justamente identificar o entendimento
que eles apresentavam sobre tais conteúdos.
A aula seguinte apresentou como objetivo fazer uma sondagem sobre os
jogos que eles conheciam e costumavam brincar. Para tanto, lhes foi solicitado
que identificassem dentre os jogos citados aqueles que eles conheciam. Os
jogos que mais ganharam destaque foram a bola queimada para as meninas e
o futsal para os meninos.
Em seguida os estudantes foram questionados se conheciam outra
forma de jogar bola queimada que não fosse da maneira como eles estavam
acostumados a jogar. Apareceu como resposta mais significativa a queimada
jogada sob a forma de “rei e rainha” e a “queimada de um campo só”.
Continuando com a exploração dos conhecimentos referentes à queimada, os
estudantes foram questionados se conheciam as duas maneiras de jogar a
queimada identificadas como “queimada de corredor” e “queimada de 4
cantos”. Alguns disseram que já conheciam as duas formas, mas não
lembravam delas direito. Outros já as conheciam por terem brincado algumas
vezes quando estudavam nas primeiras séries do ensino fundamental. Mas a
maioria respondeu que não fazia a menor idéia de como eram aquelas
queimadas.
Ressalte-se, aqui, uma informação importante. Também fazia parte do
projeto a aplicação de um teste motor TGMD realizado pela equipe da
professora Dra. Inara Marques da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
para avaliação motora de alguns estudantes. Estes seriam sorteados entre as 4
turmas de 5ª série, ao todo foram sorteados 10 entre meninos e meninas. Em
uma aula anterior, os estudantes foram informados sobre o projeto que estava
16
sendo desenvolvido e que esses testes faziam parte do projeto, mas que só 10
alunos poderiam participar e por isso teria que ser realizado um sorteio.
Todos os estudantes demonstraram interesse e muita curiosidade
porque não sabiam como era o teste, a preocupação deles era se precisariam
escrever e se era um teste de perguntas. Foi explicado que não se tratava de
um teste que exigisse respostas por escrito, mas sim de um teste prático, onde
teriam que executar alguns exercícios físicos usando materiais como: bolas,
bastões, etc. Poderiam ficar despreocupados porque não era nada muito
complicado e eles responderam aliviados: “ah! Que bom”.
A dificuldade foi a realização do sorteio, pois todos desejavam ser
sorteados. O sorteio foi realizado pelo número da chamada e à medida que os
estudantes iam sendo sorteados, estes ficavam eufóricos, para a tristeza dos
outros. Foi definida a data em que iriam para a cidade de Londrina e também
determinou-se que deveriam estar todos uniformizados. Os pais foram
convocados para uma reunião cujo objetivo era esclarecer sobre o projeto do
qual seus filhos estavam participando e o motivo que os levaria a Londrina;
todos os pais aceitaram e deram o maior apoio. Quando se aproximava o dia
tão esperado, chegou a notificação sobre a impossibilidade de se realizar o
teste naquela data por motivos técnicos da Universidade, o que causou aos
estudantes uma intensa decepção, pois as expectativas eram grandes, já que
seria também uma oportunidade de conhecerem a Universidade Estadual de
Londrina. A data para a realização dos testes ficou em aberto aguardando a
liberação do material que seria usado.
Esclarecida a não-realização do teste motor TGMD na Universidade
Estadual de Londrina (UEL) no início do processo, retoma-se a continuidade ao
tema do jogo bola queimada.
Foi, portanto, a partir do resgate que os estudantes passaram a vivenciar
cada uma das duas formas diferenciadas de se jogar a bola queimada
apresentadas pela professora. O grupo sugeriu que o primeiro tipo de bola
queimada a ser vivenciado deveria ser o Rei e Rainha. Nele, cada equipe
estabeleceu quem cumpriria o papel de rei e de rainha. Esta escolha foi
mantida em absoluto segredo para que os dois fossem protegidos no decorrer
do jogo. Quando uma equipe conseguisse queimar o rei ou a rainha da equipe
oponente, seria declarada vencedora. É importante salientar que o modelo de
17
queimada tradicional é muito praticado pelo grupo e que suas regras são de
domínio pleno dos estudantes, na medida em que fazem parte da cultura lúdica
da região.
Imediatamente a esta vivência, os estudantes passaram a jogar a
queimada conhecida como de um campo só, fazendo uso de somente duas
barras, o que não conseguiu levar os estudantes a um alto nível de motivação.
Acredita-se que o fato ocorreu em função de ser este um modelo que excluía o
brincante do jogo quando ele era queimado pelo brincante da equipe oponente.
Feito o resgate das diferentes possibilidades de se praticar o jogo de
queimada, sugeriu-se à turma que ela passasse a vivenciar outras diferentes
formas de jogar a bola queimada. Então, foi apresentada a ela a queimada
conhecida como “queimada de corredor”. Aqui se faz necessário uma retomada
da maneira como se constituiu a dinâmica deste modelo de jogo, pois os
estudantes apresentaram um alto nível de ansiedade e curiosidade em relação
a esta nova forma de jogar a queimada.
Os meninos, que até então estavam reclamando que “iria ser chato
brincar daquilo”, após a explicação das regras, também demonstraram
interesse, solicitando que fossem para a quadra para iniciar o jogo.
Para organizar o jogo a turma foi dividida em duas equipes - número
sugerido pelos próprios estudantes -, sendo uma composta somente pelas
meninas e a outra pelos meninos. O desenvolvimento do jogo em si, em seu
início ficou um tanto confuso em função do fato de os estudantes ainda não
dominarem completamente suas regras. A partir do momento em que eles
começaram a apreender as regras e elaborar diferentes táticas para realizar
suas jogadas objetivando queimar seus oponentes, o jogo ganhou vida.
Durante o jogo observou-se que os meninos tiveram um desempenho
mais satisfatório, apresentaram melhor agilidade e destreza do que as
meninas, fato que pode ser atribuído a uma mais significativa vivência motora
adquirida em suas atividades lúdicas cotidianas realizadas no mundo da rua e
no mundo da própria escola. Dentre essas vivências lúdicas dos meninos
apontamos como as mais freqüentes as práticas do futebol, que lhes
proporciona mais rapidez, força e capacidade para elaborar estratégias de
jogo.
18
Tendo os estudantes superado algumas dificuldades encontradas na
queimada de corredor, partiu-se para a vivência da bola queimada de 4 cantos,
que também exclui os “queimados”, mas que compensa este afastamento com
uma dinâmica muito maior que a maneira tradicional de jogar, o que acaba
também por trazer o excluído de volta ao jogo com muita rapidez.
Vale informar que a receptividade dessas atividades foi maior que das
outras vivências, por tratar-se de novas regras e uma maneira diferente de
praticar a bola queimada. Na aula seguinte, optou-se pela formação de equipes
mistas. Pôde-se observar que as equipes ficaram mais equilibradas, mas os
meninos continuaram resistindo a fazer parte de uma equipe na qual tivesse
meninas e alegaram que “elas eram muito moles”.
De certa forma esse jogo despertou o interesse também de outros
estudantes que não pertenciam à turma, portanto, não participavam do projeto,
e que estavam na quadra no momento da aula. Ao final da aula o grupo de
estudantes que observava veio perguntar que jogo era aquele e se eles
poderiam “brincar” qualquer dia, pois o acharam muito divertido.
Como estratégia primeira para iniciar o processo de reflexões e
discussões sobre as temáticas referentes ao jogo, brinquedo e brincadeira e,
principalmente, para elaboração de um processo analítico sobre os jogos com
bola, optou-se pela projeção do filme Dodgeball, dirigido pelo cineasta Rawson
Marshall Thurber.
Este filme fala sobre uma pequena equipe de bola queimada que deve
vencer uma competição para não ter sua academia fechada.
Após terminar de assistir ao filme, que foi visto em partes durante duas
aulas, iniciou-se análise sobre o mesmo.
Como estratégia básica para a realização das discussões, foram
apresentadas aos estudantes algumas perguntas sobre o filme, ao mesmo
tempo em que lhes foi solicitada a produção de um resumo escrito do filme que
deveria ser entregue à professora. Como síntese maior das discussões os
estudantes apontaram que o filme retratava um jogo de bola queimada, porém
com algumas diferenças de regras, número de jogadores e quantidade de
bolas, sendo que seria necessário rever o filme para que pudessem fazer as
anotações mais específicas sobre as regras do jogo com o objetivo de
conseguir um entendimento do mesmo.
19
Na hora da prática, todos foram jogar Dodgeball.
Primeiro foi necessário separar as equipes, optando-se pela escolha de
seis estudantes para cada lado, bem como, adaptar o material para o
desenvolvimento do jogo e a delimitação do campo de jogo. Nesse momento,
os estudantes apresentavam-se muito agitados, questionando sobre as regras,
o que era necessário ou não para o desenvolvimento do mesmo e quais as
equipes que iniciariam a atividade. Esclarecidas as questões, deu-se início ao
jogo. Foi um momento de muita confusão, mas também muito divertido.
Regras? Para quê? Como vencer? O interesse maior do grupo era
queimar os adversários, sem importar-se com o cumprimento das regras. A
ansiedade da busca da vitória imperava, portanto, jogavam sem pensar sobre
como jogar. Era apenas o jogar/fazer pelo jogar/fazer.
Foi necessário interromper a atividade por diversas vezes, pois eles não
estavam obedecendo às regras, fazendo com que o jogo perdesse suas
características. Após várias intervenções da professora, foi possível dar
continuidade à atividade, podendo-se, a partir deste fato, observar que os
estudantes passaram a assimilar as regras e a cobrá-las uns dos outros pelo
seu cumprimento durante a execução do jogo.
Observou-se que as meninas, durante o jogo, jogavam mais retraídas, o
que não acontecia com os meninos. Foi um verdadeiro bombardeio. Mesmo
com o receio apresentado pelas meninas em relação às boladas, todos
adoraram jogar, pois o jogo é muito dinâmico e não excludente dos jogadores
que eram queimados, dando a todos a oportunidade de voltar para o jogo, o
que foi bastante favorável nos aspectos da interação e da participação.
Esta foi uma atividade que despertou e estimulou muito a prática do
jogo, fazendo a diferença nas aulas de educação física.
No final da implementação desta proposta de intervenção pedagógica na
escola, os estudantes foram levados ao Laboratório do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Desenvolvimento e Aprendizagem Motora – GEPEDEM,
vinculado ao Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de
Londrina – para que eles passassem pelo teste motor Test of Gross Motor
Development (TGMD) que deveria ter sido aplicado também ao início das
atividades propostas pelo projeto, mas que por motivos técnicos a Universidade
Estadual de Londrina não pôde disponibilizar em tempo os materiais
20
necessários ao seu desenvolvimento, conforme já exposto anteriormente.
Como não havia uma previsão para que o material fosse disponibilizado, optou-
se pela realização do projeto, sendo que a aplicação do teste seria realizada ao
final da proposta.
Torna-se importante salientar que a aplicação do teste no início e ao
final do processo seria determinante para que a consecução de todos os
objetivos consignados na proposta fosse alcançada. Mas ressalte-se que,
mesmo tendo sua aplicação somente ao final do processo, as informações que
foram levantadas sobre as variáveis controladas servirão de conhecimentos
para que as aulas de Educação Física realizadas na Educação Fundamental
sofram profundas transformações em suas diretrizes e metodologias.
Em seguida, foram apresentados os resultados do teste e suas
avaliações. Mas, antes, acredita-se ser interessante que se faça uma descrição
de como o teste foi realizado. Somente parte da turma foi levada para a UEL,
uma vez que só poderiam ser 10 estudantes. O teste foi realizado nas
seguintes etapas: primeiro os estudantes foram chamados para preencher uma
ficha com nome completo e data de nascimento, em seguida foi sugerido que
todos deveriam ficar fora do local dos testes e que só poderia ficar dentro quem
fosse chamado, sendo um de cada vez. Enquanto uma professora explicava
sobre os movimentos a serem executados, outra professora ajustava a câmera
fotográfica para registrar todas as ações. Os estudantes tiveram que realizar
diversos movimentos de lançar, rebater, arremessar, chutar, segurar. Quando
todos terminaram, a professora Débora Alonso de Lima levou os estudantes
para uma sala e mostrou no computador as imagens gravadas durante os
testes. Eles ficaram realizados quando viram suas imagens na tela. As imagens
foram gravadas em um CD, que foi trazido para ser passado na sala de aula
para os demais alunos, que ficaram curiosos querendo saber como tinha sido o
teste e expressaram o desejo de que gostariam de poder participar no próximo
ano.
Nome Data de nascimento
Idade centesimal
Escore bruto manipulativo Percentil
Escore padrão
Idade motora equivalente
Padrões descritivos
21
Karollayne 30/4/1997 11,40 32 9 6 6,6 anos Abaixo da média
Fernanda 17/11/1997 10,86 29 5 5 5,9 anos Pobre Nathalia 19/6/1997 11,27 25 1 3 5 anos Muito pobre
Larissa 25/4/1996 12,42 35 16 7 7,3 anos Abaixo da média
Geovana 22/11/1996 11,84 27 2 4 5,6 anos Pobre Joyce 17/7/1997 11,19 27 2 4 5,6 anos Pobre
Evelyn 17/4/1997 11,44 36 16 7 7,6 anos Abaixo da média
Gabriel 21/7/1996 12,18 45 50 10 10,6 anos Média
Edmar 12/12/1997 10,79 40 16 7 7 anos Abaixo da média
Elias 6/5/1995 13,39 37 5 5 6,3 anos Pobre
O Test of Gross Motor Development - TGMD–2, proposto por Ulrich
(2000), avalia o desenvolvimento motor grosso por meio de dois subtestes: o
subteste locomotor e o subteste controle de objeto.
O primeiro, subteste locomotor, tem por objetivo avaliar as habilidades
envolvidas em mover o centro de gravidade do corpo de um ponto a outro. As
habilidades que o compõem são: correr, saltar em uma perna, saltar
horizontalmente, saltar um obstáculo, deslizar e galopar. O segundo, subteste
controle de objeto, avalia as habilidades envolvidas em lançar e receber
objetos. As habilidades: rebater uma bola estacionária, quicar, receber, chutar,
arremessar por cima do ombro e o rolamento abaixo do ombro compõem esta
bateria.
As doze tarefas que compõem os subtestes possuem critérios de
desempenho referentes a uma análise qualitativa do movimento da criança. A
soma da pontuação em cada subteste (locomotor e controle de objeto) gera um
escore total que equivale à idade motora da criança, alcançada através de uma
curva de percentil. Também há uma análise a partir do quociente motor grosso
(QMG), que consiste em um composto dos dois subtestes, permitindo
classificar o comportamento motor da criança em “muito superior”, “superior”,
“acima da média”, “média”, “abaixo da média”, “pobre” ou “muito pobre” por
meio do percentil.
CONCLUSÃO
22
Ao encerrar este trabalho, a primeira conclusão que se chega é que um
dos fatores que inibem a efetivação de novas práticas pedagógicas norteadas
pela concepção da cultura corporal neste momento nas aulas da disciplina de
Educação Física na rede estadual de ensino, conforme estabelecido pela
Diretriz Curricular do Estado do Paraná, é que a compreensão de movimento,
tanto por parte dos professores como dos estudantes, está atrelada ao
paradigma da aptidão físico-desportiva e ao fazer do gesto técnico, sendo que
estes ainda permanecem apartados de uma reflexão crítica, por parte dos
estudantes, dos conhecimentos que os fundamentam.
É um equívoco pensar que sob esta perspectiva as aulas de educação
física tornar-se-ão um discurso ideológico e político, negligenciando o
movimento. Ao contrário. Ela visa compreender o movimento humano no
âmbito da cultura, abordando-o de forma contextualizada e historicizada,
buscando explicitar seus determinantes sociais.
Conflitos e contradições existentes nessas culturas, normalmente se
repetem, também, na brincadeira e no jogo, o que não deixa de ser uma boa
oportunidade pedagógica para o esclarecimento de questões político-sociais e
culturais para as crianças e adolescentes. O interesse da análise do movimento
nas atividades lúdicas do brincar e do jogar infantil, se concentra praticamente
no desenvolvimento e na interpretação, orientada ou não, dos diferentes
sentidos/significados do movimento, do brinquedo e do jogo, como nas funções
comunicativas, expressivas, explorativas e criativas do movimento.
Em relação aos resultados obtidos com a aplicação do TGMD e sua
conseqüente análise, entende-se que, no caso específico do grupo avaliado, há
um apontamento que deve ser considerado urgentemente pelos professores de
Educação Física no momento da elaboração de seu plano de curso. Em função
dos resultados, é importante que a intervenção profissional do professor de
Educação Física tome como referencial primária para a constituição de seus
objetivos, as dificuldades motoras e de aprendizagem apresentadas pelos
estudantes, para que possa, através de suas aulas, minimizar um pouco esta
situação.
Neste sentido alerta-se para o fato de os testes terem refletido a
dificuldade dos estudantes no que diz respeito ao avaliado, e que se
23
materializa em função da maneira como a Educação Física tratou os conteúdos
segmentados na Educação Infantil em especial. Como professores de
Educação Física, enfrenta-se uma grande diversidade no nível de habilidades
dos estudantes, como educadores, é preciso desafiar a criança que demonstra
um desenvolvimento de habilidades motoras típico, e, ainda, aquelas que
demonstram pouca experiência motora e atrasos de desenvolvimento. Assim,
sugere-se que a proposta pedagógica da disciplina de Educação Física
desenvolva um programa que não coloque de lado os principais aspectos dos
conhecimentos sobre o movimento vinculados às bases teórico-práticas da
matriz relativas ao desenvolvimento motor.
É de fundamental importância que a educação física esteja inserida num
processo educativo no qual o estudante seja visto em sua totalidade no que se
refere ao seu desenvolvimento integral, cognitivo, social, afetivo e psicomotor.
Faz-se necessário estimular ao máximo, na fase da educação infantil, a
criança, dentro da escola, num processo de conhecimento do mundo e da
formação pessoal e social.
A educação física, neste contexto pedagógico, deve apresentar a partir
de um enfoque lúdico oportunizando através de suas aulas um programa de
atividades motoras, buscando o desenvolvimento pelos estudantes de uma
consciência corporal e espaço-temporal, para que eles possam se relacionar
com os outros e com o mundo. As atividades motoras devem ajudar o sujeito a
dominar uma ampla variedade de habilidades fundamentais, contribuindo
positivamente para o desenvolvimento das capacidades físico-motoras,
percepto-cognitivas e socioafetivas.
Neste sentido, é bom lembrar quais são as características principais da
criança na 1ª infância:
� 1ª fase: movimento reflexo (movimento involuntário) do bebê.
� 2ª fase: movimento rudimentar (primeiros movimentos voluntários).
� 3ª fase: movimento fundamental, onde começam a desenvolver um
crescimento das habilidades motoras básicas. Época das
descobertas na busca de executar movimentos com maior fluidez e
controle.
� 4ª fase: movimento especializado das habilidades, agora
progressivamente refinadas, combinadas e elaboradas.
24
Para Gallahue, as crianças se encontram em diferentes fases
dependendo de seus antecedentes experimentais e caracterização genética.
Na educação infantil, a educação física baseia-se na atividade de estimulação
motora, portanto deve procurar desenvolver um maior número possível de
movimentos para que a criança, ao final desta etapa, apresente-se
suficientemente madura em relação aos movimentos fundamentais:
Manipulação, locomoção e estabilização (KREBS). Cabe ao professor de
educação física selecionar os conteúdos respeitando o desenvolvimento das
crianças e só avançar quando verificar que elas realmente já atingiram um nível
bom de assimilação e execução das atividades propostas.
REFERÊNCIAS
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25
KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. 6. ed., Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. LIBÃNEO. JC. Democratização da escola pública – a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 9. ed. São Paulo: Loyola, 1990. MARCELINO, C.N. Lúdico, educação e educação física. 2. ed. Ijuí: Ed. Ujuí, 2003. MEDINA, J.P.S. A educação física cuida do corpo... e “mente”: bases para a renovação e transformação da Educação Física. Campinas: Papirus, 1983. PALMA, J.A.V. A formação continuada do professor de Educação Física: possibilitando práticas reflexivas. Campinas, SP: [s.n°], 2001 – Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física. SAVIANI, D. Escola e Democracia. São Paulo: Autores Associados, 1986. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Educação Física para o Ensino Fundamental. Curitiba: SEED, 2006.
Filme
DODGEBALL. Direção Rawson Marshall Thurber. Produção: Stuart Comfeld e Ben Stiller. Intérpretes: Vince Vaughn, Christine Taylor, Ben Stiller e outros. Roteiro: Rawson Marshall Thurber. Música: Theodore Shapiro. Los Angeles: 20th Century Fox, 2004. 1 DVD (92 min.), widescreen, son., color. Produzido por 20th Century Fox, Mediastream Vierte Film GmbH & Co. Vernarkstungs KG e Red Hour Films.
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