musica modal tonal atonal
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MSICA MODAL, MSICA TONAL, MSICA ATONAL I
Sidney Molina
Se h uma avanada discusso tcnica sobre a chamada msica "modal" e sua
relao com o "tonalismo" e, em certos crculos, tambm com o "atonalismo", por que
h tanta polmica e tanta confuso em relao a essas categorias? Por que h tantas
maneiras diferentes de interpretar tais conceitos? Por que algumas dessas
interpretaes so, inclusive, contraditrias entre si?
Acreditamos que uma viso esttica do assunto possa esclarecer um pouco a
situao, dando a cada corrente seu espao e sua pertinncia. De qualquer maneira, a
existncia de to diferentes abordagens j mostra que a discusso no pode ser
resolvida apenas tecnicamente; ela precisa, tambm, de uma contextualizao
filosfica mnima.
A primeira contextualizao que propomos a histrica: que msicas podem
ser consideradas "modais"?
Aqui j h problemas, pois o conceito de "modalismo" no unvoco. Em linhas
gerais, so totalmente modais, no Ocidente, a Msica da Antigidade (Grcia e Roma),
a Msica da Idade Mdia e a Msica do Renascimento. A grande marca dessa msica
modal ocidental o Canto Gregoriano cristo, mas essa msica modal est presente
tambm em toda a msica popular e em toda a msica profana medieval e
renascentista, incluindo, por exemplo, o Trovadorismo. Os modos que conhecemos e
aplicamos na teoria musical moderna - jnio, drico, frgio, ldio, mixoldio, elio e
lcrio - so uma denominao grega para os modos eclesisticos adaptados, isto ,
nossos modos no so gregos, eles apenas receberam, posteriormente, nomes dos
modos gregos originais num outro contexto.
A caracterstica principal da msica modal a presena constante da "nota
centro", a qual, de certa forma, nunca realmente abandonada: a msica modal gira
em torno do centro. Assim, a msica modal pura no tem "harmonia" - no sentido de
trades e de funes harmnicas. Essa presena do centro dota esse tipo de msica de
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uma caracterstica "hipntica", que faz com que ela geralmente aparea ligada a algum
tipo de ritual: realmente, a msica da Antigidade e a do perodo medieval no so
independentes de cultos, festas, solenidades e funes religiosas.
A partir desses pressupostos, podemos chamar tambm de "modais" - por
analogia - as msicas orientais, africanas e americanas tradicionais. Embora tais
msicas no utilizem os modos diatnicos que ns ocidentais utilizamos, elas
continuaram, at pouco tempo atrs - e continuam ainda em certos lugares - presentes
em cerimnias ritualsticas, jamais assumindo os riscos estticos proporcionados pela
harmonia tonal das trades maiores e menores. Estruturalmente, h uma forte
tendncia pentatnica nas msicas africanas, do Extremo Oriente e dos ndios
americanos, e uma tendncia para a utilizao de escalas com mais sons do que a
nossa na ndia e no Mdio Oriente.
J a msica tonal - presena na msica ocidental a partir do perodo Barroco
(1600 em diante) e passando pelo Classicismo, Romantismo e chegando at nossos
dias - destaca-se pelo contraste entre o modo maior e o menor, pelo conceito de
funo harmnica e suas polarizaes (tnica, subdominante, dominante) e pela
melodia acompanhada por acordes formados pela superposio de trades. Ainda h,
no tonalismo, uma nota centro: ela, no entanto, abandonada para criar uma
expectativa de retorno. H uma tenso que anseia por resoluo, h um risco
constante de perda da unidade. Como conseqncia, a msica tonal pode ser
submetida a modulaes, isto , a mudanas de centro no interior de uma mesma
pea. So exemplos de msicas tonais as obras dos mestres da msica erudita mais
conhecidos, como Bach, Mozart, Beethoven, Schumann e Wagner, e quase toda a
msica popular que ouvimos desde que nascemos.
Dessa forma, quando falamos de utilizao dos modos na msica popular ou
erudita no sculo XX, no estamos falando de um modalismo total, mas de uma fuso
entre modalismo e tonalismo. Explicando melhor: quando um guitarrista improvisa
sobre o modo drico, ele est usando trades, ele pensa em acordes. Esses acordes
sero maiores ou menores - menores, se ele estiver pensando em drico - e, sendo
maiores ou menores, caracterizam uma msica tonal, por mais extica que ela possa
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ser. Assim, quando falamos em modalismo no sculo XX - e passamos a falar muito em
modalismo na msica erudita a partir do Impressionismo e do Nacionalismo de finais
do sculo XIX e, na msica popular, em todas as suas influncias tnicas (incluindo
blues, baio, flamenco, etc.) e, em especial, a partir do conceito de improvisao
modal do Cool Jazz dos anos 50 do sculo XX - estamos falando, em geral, de um
"neomodalismo", de um modalismo que funciona como um sabor modal dentro do
sistema tonal. Tal neomodalismo nega apenas certas resolues tipolgicas do
tonalismo, mas, mesmo quando baseado no folclore ou em msicas tradicionais,
submetido ao rigor harmnico das trades tonais. O drico original era realmente
modal, no era um "modo menor": era apenas o drico, uma das possibilidades de um
sistema que ainda no tinha dividido o mundo em "teras maiores e teras menores".
Claro que no precisamos ser to rigorosos com a terminologia: no tem nenhum
problema se chamarmos de "modal" uma melodia em modo maior onde as stimas
so sempre menores, desde que saibamos que essa influncia do modo mixoldio est
sendo incorporada a uma msica baseada em trades, est sendo harmonizada e,
portanto, submetida a leis tonais.
Sem dvida, o que estamos chamando de neomodalismo uma forte tendncia
da msica das ltimas dcadas do sculo XX e, de certa forma, parece que ainda ser
bastante explorada nesse incio de sculo XXI. Trata-se de uma sntese ou fuso entre
modalismo tradicional e teoria harmnica tonal, e o desconhecimento dessa fuso
que, muitas vezes, gera tantas confuses nas exposies tericas e nas aplicaes
prticas sobre os modos.
Muitas vezes as discusses sobre a msica modal tradicional (Antiga, Medieval,
Renascentista, Oriental, Africana, Amaznica, etc.) ou sobre a tonalidade (campo
harmnico, modo maior, modo menor, Barroco, Classicismo, Romantismo) recusam a
possibilidade de uma msica no estar baseada em uma "nota centro", esquecendo
que o sculo XX desenvolveu intensamente o que denominado "atonalismo", isto ,
uma certa ausncia de tonalidade.
Na definio mais singela, a msica atonal distingue-se tanto da modal quanto
da tonal por no configurar um centro, por no gravitar em torno de uma tnica.
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Trata-se de uma msica que surge com o levar s ltimas conseqncias tanto as
modulaes quanto a ampliao do campo harmnico tonal. Assim sendo, a msica
atonal surge da msica tonal, uma espcie de resultante da explorao das relaes
tonais mais complexas e mais afastadas.
Desde o "Preldio" que o compositor Richard Wagner escreveu para o drama
musical Tristo e Isolda (1865) - uma lenda medieval que fala de amor e morte -, o
caminho para a atonalidade estava aberto, e a ampliao total do campo harmnico, a
conexo entre tonalidades distantes no crculo das quintas, o cromatismo e a
emancipao gradual das dissonncias foram alguns dos recursos tcnicos utilizados
para deixar a tonalidade "suspensa".
Outros compositores - como Gustav Mahler (1864-1911), por exemplo -
sustentaram essa indefinio tonal em obras de grandes propores, at que em 1908,
no ltimo movimento do Quarteto de Cordas op.10, o compositor vienense Arnold
Schoenberg (1874-1951) rompeu as amarras da tonalidade.
Libertando-se do conceito clssico de centro tonal, a msica de Schoenberg,
nesse momento, estava dando um passo anlogo ao que - no final do sculo XVI -
fizera com que a tonalidade nascesse, rompendo com o milenar sistema dos modos
eclesisticos. A msica poderia no ter uma tnica.
Passados mais de dez anos a liberdade do novo "atonalismo" foi organizada na
forma de um sistema composicional: Schoenberg e seus alunos Alban Berg e Anton
Webern passaram a compor obras atonais que so denominadas "dodecafnicas".
O dodecafonismo um sistema que constri melodias e acordes usando uma
srie de 12 sons - todos os 12 sons da gama cromtica organizados numa certa ordem
que o compositor escolhe - onde um som s repetido depois que os outros 11 sejam
apresentados. Essa "democracia" entre os 12 sons faz com que o ouvido no possa
atribuir um peso maior a um certo som, afastando a idia de centro tonal. Assim, uma
msica poderia ser necessariamente atonal, j que nenhum som, nesse sistema,
assume claramente o papel de tnica. A primeira pea escrita por Schoenberg dentro
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do dodecafonismo foi a ltima das Cinco Peas para Piano op. 23 (1921). Uma valsa:
estranha, mas ainda uma valsa.
Schoenberg teve que fugir da perseguio nazista, indo viver em Los Angeles,
onde passou os ltimos 18 anos de vida. Mesmo quando voltava, esporadicamente, a
compor de forma tonal, a influncia do atonalismo e do dodecafonismo na msica que
ele continuou a escrever ao longo de sua vida foi sempre forte.
Ao contrrio do que poderamos imaginar, Schoenberg no se considerava um
inovador, mas o continuador de uma tradio. A msica que ele mesmo escrevia era
baseada num estudo aprofundado que fizera da obra dos mestres do passado, como
Bach, Mozart, Beethoven, Wagner, Brahms e Mahler, seus favoritos. Schoenberg foi
um grande professor de msica, tendo escrito obras didticas de grande valor
pedaggico, incluindo um dos mais importantes livros de harmonia tradicional de
todos os tempos. Caso nico na histria da msica, seus alunos tornaram-se - j
citamos os exemplos de Berg e Webern - msicos to importantes quanto ele prprio
para a msica de seu tempo.
Schoenberg nunca gostou da expresso "atonal", com a qual ele identificado.
Disse ele que "o atonal seria algo que no tivesse nada com a natureza do som. Tudo o
que procede de uma sucesso de sons, seja por relao direta com uma tonalidade ou
mediante nexos mais complexos, constitui a tonalidade. Uma pea musical ser
sempre tonal, pelo menos enquanto haja uma relao de sons que seja inteligvel".
Escritas em 1921 em forma de uma nota de rodap terceira edio de seu Tratado de
Harmonia (pgina 484 da edio espanhola), no so palavras de algum que estaria
buscando a mera inovao, o novo pelo novo.
A influncia do atonalismo sobre a vanguarda da msica erudita foi enorme,
durante mais de cinqenta anos. Muitos compositores utilizaram os procedimentos
dodecafnicos para compor. Alguns levaram o serialismo ainda mais longe, no
fazendo apenas sries de notas ou alturas, mas tambm de valores rtmicos, de
dinmica, de timbres...
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Tanto quanto no caso do modalismo e do tonalismo, muitas msicas atonais
interessantes - tanto quanto muitas sem interesse - foram compostas ao longo desse
tempo. Embora a influncia das sonoridades atonais sobre a msica popular no tenha
sido to avassaladora quanto a que foi exercida sobre a msica erudita, ela no pode
ser desprezada: no jazz, podemos citar as improvisaes coletivas de Ornette Coleman
nos anos sessenta (no chamado free jazz), o piano inesquecvel de Cecil Taylor e as
fases finais de John Coltrane, entre outros exemplos; no pop, no podemos esquecer
Frank Zappa, que - alis - dominava com perfeio as tcnicas seriais de composio; e,
na msica popular brasileira, temos de mencionar o criativo rock dodecafnico do
Arrigo Barnab dos discos Clara Crocodilo e Tubares Voadores.
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