monteiro lobato e a critíca social expressa na personagem jeca tatu
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁCENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃOCURSO DE PEDAGOGIA
MONTEIRO LOBATO E A CRITÍCA SOCIAL EXPRESSA NA
PERSONAGEM JECA TATU
CAROLINA FORTES DE SOUZA
MARINGÁ2012
CAROLINA FORTES DE SOUZA
MONTEIRO LOBATO E A CRÍTICA SOCIAL EXPRESSA NA
PERSONAGEM JECA TATU
Artigo apresentado ao curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá como requisito parcial para obtenção do título de licenciada em Pedagogia.
Orientador(a):Prof(a). Dr(a).: Maria Cristina Gomes Machado
MARINGÁ2012
CAROLINA FORTES DE SOUZA
MONTEIRO LOBATO E A CRÍTICA SOCIAL EXPRESSA NA PERSONAGEM JECA TATU
Artigo apresentado ao curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá como requisito parcial para obtenção do título de licenciada em Pedagogia.
Orientador(a):Prof(a). Dr(a).: Maria Cristina Gomes Machado
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________Prof. Dr. Maria Cristina Gomes Machado (Orientadora) DFE – UEM
_____________________________________________Drnd. Cristiane Silva Melo PPE – UEM
_____________________________________________Drnd. Rosilene de Lima PPE- UEM
Data da Aprovação
Maringá 14 de Novembro 2012
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me concedido tamanha graça.
À minha mãe, Sandra, pela paciência e colaboração, o que fez com que eu pudesse
concluir este projeto.
À família, por todo incentivo destinado a mim.
À meu pai (in memória), por toda dedicação, carinho, respeito e incentivo que me foi
dado.
Aos amigos, que de alguma forma me ajudaram, com palavras de carinho e incentivo.
À amiga Carla (minha japa) com quem pude contar e desabafar em vários momentos,
tanto acadêmicos quanto pessoais.
Ao amigo Paulo Ricardo, por ter recebido e guardado cópias deste trabalho, e pela
paciência com que fez isso.
À professora Maria Cristina, pela atenção e paciência destinada ao trabalho.
SOUZA, Carolina Fortes de. Monteiro Lobato e a crítica social expressa na personagem Jeca Tatu. Artigo (Trabalho de conclusão de curso) – Universidade Estadual de Maringá.
RESUMO
Este trabalho de cunho bibliográfico tem por objetivo apresentar os resultados da pesquisa realizada e relacionada a Monteiro Lobato e a crítica social que o autor faz por meio da personagem Jeca Tatu. Para tal pesquisa foram utilizados os livros Urupês, A Velha Praga, Ideias de Jeca Tatu, Problema Vital, entre outros da autoria de Lobato, bem como dissertações e artigos acerca de tal discussão. Na análise de tal personagem verificou-se o papel que ele representava na sociedade. Primeiramente Lobato o descreve como homem rude, caipira, que tinha pouca, ou nenhuma, afinidade com o trabalho. E ao longo da discussão passa a descreve-lo como homem doente, pois naquela época ocorreram alguns problemas em questão de saúde pública. Além disso, Lobato mostra o descaso com que os governantes tratavam tais problemas. Aborda-se a questão da educação no período da Primeira República (1889 – 1930) dando ênfase ao que Lobato pensava sobre a educação e qual a sua contribuição para os métodos de ensino da época. Lobato se aproximou da Escola Nova por contatos com o amigo Anísio Teixeira, que conheceu quando era Adido Comercial nos Estados Unidos. Para ele, as escolas tradicionais não supriam as necessidades dos alunos, então precisavam de metodos novos que fizessem com que os alunos tomassem gosto pelos estudos e pela leitura.
Palavras-chave: Monteiro Lobato; crítica social; educação na Primeira República.
SOUZA, Carolina Fortes de. Monteiro Lobato and social criticism expressed in the character Jeca Tatu. Article (Work completion of course) – Universidade Estadual de Maringá.
ABSTRACT
This work of literature imprint aims to present the results of the survey and related Monteiro Lobato and social critique that the author makes through character Jeca Tatu. For this research we used the books Urupês, A Velha Praga, Ideas Jeca Tatu, Problema Vital, among others authored by Lobato, as well as essays and articles about such discussion. In the analysis of such a character there was the role he represented in society. First Lobato describes the man as rude, redneck, who had little or no affinity with the work. And throughout the discussion begins to describe him as a man ill, because at that time there were some problems in public health issue. Moreover, Lobato shows the disregard with which the rulers treated such problems. Addresses the issue of education in the period of the First Republic (1889 - 1930) emphasizing that Lobato thought about education and what their contribution to the teaching methods of the time. Lobato approached the New School for contacts with friend Teixeira, whom he met when he was Commercial Attaché in the United States. For him, traditional schools do not catered to the needs of students, so they needed new methods that do have students take taste for study and reading.
Keyword: Monteiro Lobato, social criticism, education in the first republic
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO......................................................................................................................9
2.MONTEIRO LOBATO: SUA VIDA E SUA OBRA.........................................................11
3.O JECA: A VISÃO DE LOBATO SOBRE A SOCIEDADE E O HOMEM TÍPICO DO
SERTÃO BRASILEIRO........................................................................................................16
4.A SOCIEDADE EM CRISE: RELAÇÕES ESTABELECIDAS ENTRE SOCIEDADE
E EDUCAÇÃO........................................................................................................................23
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................28
6.REFERÊNCIAS...................................................................................................................29
9
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho de pesquisa realizou uma investigação sobre a obra de Monteiro Lobato
(1882 – 1948), visando identificar a representação do homem do sertão brasileiro configurado
na imagem da personagem Jeca Tatu.
José Renato Monteiro Lobato ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco na capital em 1904. Seu primeiro livro foi publicado em 1918, intitulado Urupês,
no qual surgiu o personagem Jeca Tatu, símbolo do caipira brasileiro e objeto de análise deste
trabalho. Ao falecer, deixou um legado de importantes obras para a literatura brasileira, tanto
para o público adulto quanto para o infanto-juvenil.
Na época em que Monteiro Lobato viveu, houve uma crise no âmbito da saúde
pública. Eram doenças que surgiam e permaneciam, sem serem solucionadas ou sequer
diagnosticadas de forma segura, muitas pessoas acabaram se vitimando de forma fatal devido
a falta de conhecimento sobre tais doenças. Martineli (2011, p. 19) afirma que:
Lobato critica os hábitos à terra e à produção e denuncia que o governo é incapaz de adotar uma postura mais moderna e economicamente consequente. Essas críticas e denúncias nos fazem perceber que Monteiro Lobato era um crítico social e se preocupava grandemente com o acaso em que o país entrara.
As indagações que permeiam este estudo se referem a compreensão do que ocorria na
época, como a sociedade reagia a tais problemas, como era mantida a educação nessa
sociedade e como tais problemas sociais interferiram na educação das crianças nessa época. O
foco principal de análise se refere a interpretação de como as obras de Monteiro Lobato
retratam a sociedade brasileira em uma época em que a saúde e a educação eram precárias e
muitos problemas sociais se manifestavam. Deste modo, verificaremos a crítica social que o
autor faz utilizando a sua personagem Jeca Tatu, a qual é a representação do caboclo
brasileiro, mais especificamente, dos trabalhadores rurais, que eram submissos e resignados
ao seus patrões, moravam em casas simples devido à “preguiça” que tinham e que resistiam a
qualquer mudança. (MARTINELI, 2011, p. 19).
O interesse pelo tema surgiu a partir de leituras de biografias de Monteiro Lobato e
durante um período de estágio na Formação Docente, no qual fizemos uma breve
apresentação da vida e obra do autor e explicitamos a importância de Monteiro Lobato para a
literatura infantil. Após o interesse primeiramente pelo autor, passamos a analisar os livros
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direcionados ao público adulto, nos quais identificam-se as críticas feitas por ele à sociedade
em que vivia, enfrentando problemas sanitários, doenças que volta e meia eram identificadas e
o descaso com que o governo tratava tais doenças.
Não havia prevenção a doenças ou campanhas que demonstravam a saúde como
prioridades do governo. Após algumas leituras, chega-se a personagem Jeca Tatu, objeto que
foi analisado mais a fundo neste trabalho. Para Santos (2003, p. 1),
[...] o Jeca é um dos mais conhecidos personagens da nossa cultura. De caboclo preguiçoso, parasita e indolente à vitima de doença, trajetória de matuto desenvolvido, por Lobato está relacionada ao papel conferido às politicas de saúde pública e de educação no desenvolvimento econômico e social do país. Trata-se de uma das mais fortes representações sociais de nossa identidade, em que se articula o retrato pobre, ignorante e doente da sociedade, especialmente dos trabalhadores rurais.
Neste momento, surgiu o interesse em observar como era a educação brasileira com
todos os problemas que a sociedade enfrentava.
Para realização do presente trabalho de pesquisa foram analisadas as obras “Urupês”
(1976), “Ideias de Jeca Tatu” (1978) e “Problema Vital” (1972) de Monteiro Lobato, com a
intenção de identificar a crítica social que o autor fez por meio da personagem Jeca Tatu.
Tem-se por objetivos específicos verificar o ambiente social no qual as histórias ocorrem em
tais obras, a fim de reconhecer como vivia o chamado Jeca, o homem do sertão brasileiro,
identificar tal personagem e qual o papel que ele representa na sociedade e investigar
brevemente a educação nessa sociedade, a fim de explorar como se dava a educação com
todos os problemas sociais presentes na época. Para elaboração deste projeto como um todo,
foram utilizadas as obras de Monteiro Lobato: A barca de Gleyre Tomo I (1951), A barca de
Gleyre Tomo II (1951), autores que fazem uma discussão acerca do tema escolhido e
biografias de Monteiro Lobato
Este estudo pode vir a desmistificar algumas crenças que se tem das obras de Monteiro
Lobato em relação a educação. Hoje em dia podemos constatar a visão deturpada que se tem
de livros infantis de Lobato, como por exemplo o livro Caçadas de Pedrinho (1933) que
atualmente foi censurado nas escolas públicas por conter elementos racistas, sem se quer ser
levado em consideração a realidade social daquela época, que estava em constante mudança
em relação a escravatura que a pouco havia sido abolida.
Monteiro Lobato iniciou sua história como escritor, escrevendo livros direcionados ao
público adulto. Porém ao perceber que o público alvo não havia se interessado por seu
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trabalho mudou seu foco e, sem deixar de fazer suas críticas, passou a escrever direcionado às
crianças. Daí surgiu a personagem Emília, boneca de pano que criou vida e após ingerir uma
certa pílula “desembestou a tagarelar”. Nela o autor colocava todo o seu pensamento em
relação às coisas do mundo. Essas críticas que Lobato fez tinham o intuito de mudar algo que
considerava incoerente com a sociedade.
Como afirma Machado (1993, p.4), “[...] ele não se intimidava com os riscos e não
mede palavras para exprimir seu pensamento, […] talvez por isso tenha sido considerado um
autor de escritos perigosos e tenha sido proibido nas escolas”. Lobato criticava fortemente o
Estado, por isso sua obra não chegava às escolas fazendo com que tudo que escreveu fosse
esquecido.
Como o foco desta pesquisa é a personagem Jeca Tatu, falemos um pouco de sua
origem. Tal personagem teve origem no artigo Velha Praga, que Lobato escreveu, em 1914,
para o jornal O Estado de São Paulo. No artigo Urupês, publicado em seguida, o escritor
detalha as características da personagem. O Jeca representa o homem do sertão brasileiro, de
barba rala, pobre, ignorante, avesso a hábitos de higiene, de personalidade rude, desagradável
e de um modo de vida apático. Lobato o caracteriza como um homem preguiçoso, sem afinco
para o trabalho. Tais artigos foram públicados posteriormente no livro Urupês (1918).
O desenvolvimento deste trabalho esta organizado em três partes nas quais na primeira
explicita-se uma breve biografia de Lobato, fazendo uma correlação entre sua vida e sua obra.
Na segunda trata-se da investigação feita sobre a personagem Jeca Tatu, o pensamento que
Lobato possuia em relação ao homem do sertão brasileiro e as doenças que o caboclo portava.
E por último, aborda-se a questão da educação no período da Primeira República (1889 -
1930) e o pensamento de Lobato em relação à educação da época.
2. MONTEIRO LOBATO: SUA VIDA E SUA OBRA
Nesta primeira parte procuramos explicitar a vida de Monteiro Lobato, buscando fazer
uma correlação com sua obra. O autor trouxe à tona algumas questões sociais da época em
que viveu e em sua obra infantil criou Emília, a boneca de pano que trazia em si os
pensamentos de seu criador e questionava as coisas mundanas. Porém, o que realmente nos
interessa neste momento do presente trabalho, é fazer uma retomada da trajetória de Monteiro
Lobato como escritor, identificando as suas críticas e as soluções para a sociedade que
enfrentava problemas que afetavam toda a gente do sertão brasileiro. Começaremos então
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com uma breve biografia de sua vida e obra.
José Bento Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, no Vale do Paraíba, interior de São
Paulo, em 18 de abril de 1882, tendo por nome verdadeiro José Renato Monteiro Lobato, filho
de José Bento Marcondes Lobato e Olímpia Augusta Monteiro Lobato. É criado na fazenda de
seu avô o visconde de Tremembé, fazendeiro, empresário e político. Garoto de classe alta,
desde pequeno já se encantava pelos livros e visitava assiduamente a biblioteca de seu avô,
além das brincadeiras de todos os dias. Como toda criança, Lobato adorava brincar pela
fazenda, pescarias e banhos de cachoeira, tiros de espingardinha e voltas a cavalo eram uma
diversão (MARTINELI, 2011, p. 17). Aprendeu a ler, escrever e contar com sua mãe e,
posteriormente, teve como professor particular Jovino Barbosa. Mais tarde, em 1889, ingressa
em seu primeiro colégio. Nos primeiros anos, como estudante, já escrevia pequenos contos
para os jornaizinhos das escolas em que estudou. Em 1897 vai para São Paulo para fazer os
exames admissionais para o curso preparatório, mas é reprovado e retorna a Taubaté.
Escrevia, no período escolar, contos, como colaborador, para os jornais "Pátria", "H2S" e "O
Guarany" sob o pseudônimo de Josben e Nhô Dito. Em dezembro de 1897 retorna a São
Paulo e presta os exames para o curso preparatório novamente, desta vez sendo aprovado.
Ainda jovem perde os pais e fica sob a tutela do avô. Lobato,
Gostaria de se matricular na Escola de Belas Artes, mas, por imposição do avô materno, que assumira sua tutela após a morte dos pais, ingressa na faculdade de direito com dezoito anos incompletos. Tornar-se pintor seria talvez o único sonho descartado em toda a sua vida. (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1997, p. 30).
Continuou colaborando com os jornais da faculdade e, com seus colegas de turma,
fundou a Arcádia Acadêmica. Dois anos depois passou a escrever artigos sobre teatro para o
jornal “Onze de Agosto”, do qual surgiu premissas ao grupo que formara depois, O Cenáculo
juntamente com amigos, dentre eles estava Godofredo Rangel, com quem Lobato, mais tarde,
se correspondeu durante mais de 40 anos, trocando ideias sobre seus escritos e possíveis
publicações.
Durante o período em que cursou a Faculdade de Direito, Lobato “[...] clamava contra
a decadência generalizada” (AZEVEDO; CAMARGOS, SACCHETTA 1997, p. 31) que se
instalara no Brasil e procurou soluções para resolver, acabar com os problemas sanitários. Em
um dos poucos discursos que fizera na faculdade, perante os colegas, falou sobre valores de
justiça, liberdade e igualdade social. Concluiu afirmando que “[...] a regeneração da
humanidade passava pela extinção da miséria, pela distribuição das classes e, mais do que
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isso, pela moralização da própria moral.” (AZEVEDO; CAMARGOS, SACCHETTA 1997, p.
34).
Monteiro Lobato nunca escondeu sua paixão pela pintura, mesmo tendo de abandonar
este sonho por conta da faculdade ele o manteve como um hobby, não sendo possível seguir a
carreira de artista plástico. Lobato, fora da faculdade,
[…] dava vazão a veia artística no quartinho do chalé avarandado no Largo do Palácio. […] Naquele tempo de estudante vivendo com dinheiro curto da mesada, dava preferência às naturezas mortas pintando o quadro, o modelo – uma penca de bananas ou quaisquer outras frutas da estação – podia ser devorado com sobremesa. Teria virado pintor não fosse um incidente com uma caixa de aquarela, compradas como tinta óleo “A vergonha daquela rata; matou em mim todas as veleidades pitóricas. Como pretende ser um pintor, um imbecil que nem distingue aquarela de tinta óleo?” (AZEVEDO; CAMARGOS, SACCHETTA 1997, p. 76).
Após tal incidente, Lobato desistiu da ideia de ser pintor, apesar de por algumas vezes
ser tomado por uma vontade incontrolável de criar suas telas, e tornou-se escritor. Lobato
tinha verdadeira paixão pela pintura, quase sendo considerada como um vício, não conseguia
passar muito tempo sem sua arte, mas ao mesmo tempo não se considerava um exímio pintor.
Voltou-se então para a literatura, passando a criar sua arte não mais com tintas e sim com
palavras. Durante toda sua vida acadêmica, Monteiro Lobato continuara a escrever para
jornais na condição de colaborador, e nunca abandonara a literatura.
Assim que se formou, retornou ao Vale da Paraíba ficando irritado com toda a lisonja e
cortesia que fora recebido, por se formar doutor e ser neto do Visconde. Mergulhou nas
leituras, reescreveu textos e dedicou-se, sobretudo, a colaborações à jornais com seus contos.
(AZEVEDO; CAMARGOS, SACCHETTA 1997, p. 46). Em 1906 ficou noivo de Maria da
Pureza, com quem casou-se dois anos depois e teve quatro filhos (Martha, Edgard, Guilherme
e Ruth). Para manter e sustentar sua nova família, Lobato almejou um cargo público em
Ribeirão Preto, cidade do Oeste paulista, pois para lá fez uma viagem e ficara impressionado
com o desenvolvimento que o café trouxera à cidade. Além disso, era bacharel em Direito e
neto de um Visconde politicamente influente (LAJOLO, 2000 apud MARTINELI, 2011, p.
18), mas nada disso adiantou e não conseguiu o cargo. Em 1907 Lobato é nomeado promotor
público e comunicou sua nomeação ao amigo Rangel
Estou nomeado promotor público de Areias que deve se nalgum lugar. Mas reverência, portanto, amigo, quando escreveres ao Lobato. Exijo DD. No envelope. Sou DD. Promotor Público de Areias, cidade que possivelmente há de existir. Cento e tantos candidatos para esse
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ossinho – informou-me o próprio secretario Washington Luis (com “s” - ele faz questão). Foi trunfo decisivo uma carta de meu avô ao general Glicerio. De lá – de Areias – passarei para uma comarca de Terra Roxa, a terra abençoada onde se ganha dinheiro... E então casa-se. (LOBATO, 1951a, p. 158-159).
Lobato possuía uma mania desenfreada de querer mudar o mundo, talvez por isso
escreveu tão fervorosamente a respeito dos problemas que a sociedade enfrentava, como se,
com suas palavras, pudesse mudar o que ele considerava estar fora dos padrões de qualidade
de vida para um povo interiorano que precisava de um pouco mais da atenção dos governantes
da época, como deixam claro Azevedo, Camargos e Sacchetta (1997, p. 58):
Suas teses também denunciam a incapacidade do governo e da grande propriedade agrícola em adotar uma postura mais moderna e economicamente consequente, ou seja, em desenvolvimento que não se fizesse à custa de deixar um rastro de áreas decaídas como acontecera com o próprio Vale do Paraíba.
O próprio Lobato, em O problema Vital (1972, p. 125), denuncia o descaso do governo
em relação a população interiorana quando menciona que “Prevenção a doenças não tinha,
médico no Brasil era Chernoviz xaropes, ioduretos e continhas. Curava, quando não matava”.
Com seus contos, Lobato tinha a pretensão de chamar a atenção para tais problemas,
querendo assim solucioná-los e escancarar ao mundo o que realmente estava se passando em
nosso país. Machado (1993, p. 2) afirma que: “Lobato tem um projeto de vida, leva adiante
um trabalho de enfrentamento, posiciona-se como homem que acredita na possibilidade de
desenvolvimento de um Brasil atrasado, pobre, obscurantista”, deixando aí evidente a
preocupação que tinha com a sociedade como um todo.
Com a morte de seu avô, Lobato torna-se herdeiro da Fazenda Buquira e muda-se com
toda a família para lá, precipitando, assim, alguns planos e o sonho de se tornar fazendeiro,
que havia sido expresso a Rangel pouco antes de sua formatura. E ao passo em que cuidava de
suas novas terras e “[...] seus negócios distantes do universo de um escritor, Lobato ia
construindo dentro de si uma verdadeira usina de projetos literários”. (AZEVEDO;
CAMARGOS, SACCHETTA 1997, p. 54).
Além de escritor, dedicou-se a atividades políticas, como afirma Martineli
Lobato promoveu campanhas pela saúde, defesa do meio-ambiente, reforma agrária e petróleo. Isso fica expresso em suas obras, como por exemplo, O escândalo do Petróleo (1936), e nas características de seus personagens, como o Jeca Tatu. (MARTINELI, 2011, p. 11).
15
Começavam a surgir problemas econômicos na fazenda e a medida que essas
dificuldades aumentavam, Lobato criava seus conceitos sobre o homem da roça. Na
convivência diária com os caboclos espantou-se com a falta de respeito que dispensavam à
natureza, esta que os alimentava, abrigava e sustentava. Reparou no quanto destruiam a caça
nativa, derrubavam velhas árvores e reduziam a floresta a carvão. (AZEVEDO;
CAMARGOS; SACCHETTA, 1997, p. 56)
Atualmente estou em luta com quatro piolhos desta ordem – “agregados” aqui das terras. Persigo-os, quero ver se os estalo nas unhas. Meu grande incendio de matas deste ano a eles o devo. Estudo-os. Começo a apanhar o piolho desde o estado de lendea, no utero duma cabocla suja por fora e inçado de superstições por dentro. (LOBATO, 1951a, p. 362 – 363).
Esta ideia foi tornada pública, e em 1914, Lobato publicou no jornal O Estado de São
Paulo, em forma de artigo, Uma Velha Praga. Em 23 de dezembro, um mês depois, publicou
o artigo Urupês, em que aparece pela primeira vez a personagem que seria o símbolo de uma
fase da literatura brasileira: Jeca Tatu. Com a publicação destes artigos, as possibilidades de
trabalho aumentaram e surgiram-lhe convites para colaborar em jornais e revistas. Porém, ao
passo em que seu envolvimento com a produção intelectual crescia, o interesse pelas coisas da
fazenda entra em verdadeiro declínio. (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1997)
Tais contos foram escritos na fazenda Buquira, que herdara de seu avô e que somada
as que herdara de seu pai totalizava uma grande propriedade. “Ao administrá-las, passou a
conviver com o caboclo e a presenciar indignado, as queimadas que, sistematicamente, estes
realizavam em suas terras.” (MACHADO, 1993, p. 28). Mais tarde, Lobato reuniu tais
artigos publicados no jornal e juntamente a outros publica, em 1918, o livro que dera o nome
de um dos contos de sucesso: Urupês. Em carta para seu amigo Rangel Lobato (1951b, p.
173) escreve:
Os Urupês vão se vendendo melhor do que esperei, e neste andar tenho que vir com a segunda edição dentro de três ou quatro semanas. Há livrarias que no espaço duma semana repetiram o pedido tres vezes, e como os jornais ainda não disseram nada, julgo muito promissora essa circunstância.
Com suas histórias, Lobato descreve de uma outra forma a imagem do caboclo vista
em outras literaturas, colocou-o como homem sujo, trabalhador do campo, e muitas vezes
nojento por falta de higiene, pelo fato de que tal ambiente de campo não poderia prover
melhores condições. Ao deixar de lado o romanceiro indianista ou do sertanejo antes atribuído
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ao homem do campo, passa a apresentar uma figura totalmente contrária ao que era visto por
outros escritores.
Lobato compra, em 1918, a Revista do Brasil, dedicando-se a novos talentos. No
início a revista não era próspera em relação a assinaturas, pois havia uma média de 12
assinantes por mês, o que mudou logo mais e esse número era o que entrava de assinaturas
por dia. Na primeira quinzena de agosto foram contadas 150 novos assinantes. Lobato enviava
um prospecto de sua revista para as pessoas que liam, artifício utilizado como isca para
conseguir novos assinantes, e, em carta, pede para que Rangel envie os nomes de pessoas
alfabetas merecedoras da honra de ler sua revista. ( LOBATO, 1951b, p. 180).
Em 1927 Monteiro Lobato foi nomeado Adido Comercial pelo então presidente
Washington Luís, que reconhecia nele um representante promissor dos interesses culturais do
país. Lobato ficou impressionado com a qualidade e quantidade de estradas que cortavam o
país, e escreveu para seu presidente confirmando a tese de que “governar é abrir estradas”.
Mudou-se para Nova York e, entusiasmado com o progresso material que viu nos Estados
Unidos, passou a acompanhar todas as inovações tecnológicas estadunidenses, fazendo de
tudo para convencer o governo brasileiro a propiciar a criação de atividades semelhantes no
Brasil. Quando retorna a pátria, dedica-se a produção de ferro e exploração de petróleo.
(MARTINELI, 2011, p. 20).
Lobato passou a vida a dedicar-se a arte, em específico a literatura. Encontrou-se na
literatura infanto juvenil e por “[...] treze anos permaneceu se dedicando à saga do Sítio do
Pica-Pau Amarelo paralelo a suas antigas lutas para produzir o ferro, extrair o petróleo e levar
o país ao progresso e à modernidade” (MARTINELI, 2011, p. 21). No dia 04 de julho de
1948 veio a falecer, vitimado por um derrame, deixando um legado de obras importantes para
a literatura brasileira e encantando com suas obras infantis.
3.O JECA: A VISÃO DE LOBATO SOBRE A SOCIEDADE E O HOMEM TÍPICO DO
SERTÃO BRASILEIRO.
Neste ponto do estudo, serão descritas as análises realizadas a cerca da obra de
Monteiro Lobato. Apresenta-se aqui o resultado da pesquisa sobre a visão de Lobato em
relação ao homem e a sociedade em que vivia, para tanto foram considerados detalhadamente
os livros em que o escritor trouxe à tona a figura do homem do sertão brasileiro, que por suas
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mãos ficou conhecido como Jeca Tatu, o típico caboclo do sertão, sujo e mal trapilho, de
barba rala, pobre, ignorante, avesso a hábitos de higiene, de personalidade rude, desagradável
e de um modo de vida apático, também caracterizado como um homem preguiçoso, sem
afinco para o trabalho.
Em seus contos, Lobato mostra-se preocupado com a sociedade em que vive e de certa
forma tenta rebater o pensamento de alguns de que os problemas reais dessa sociedade devem
ser deixados de lado, como afirma Machado (1993, p. 5) “Monteiro Lobato não concorda com
a visão idílica com que se canta o Brasil. Para ele, essa visão não é senão uma forma de
desfocar a análise dos problemas reais, como o obscurantismo e a miséria”. Na concepção da
autora (1993, p. 45), Lobato procurava sempre por novos temas, figuras e tipos humanos que
pudesse utilizar e sempre dividia seus achados com Rangel. Na Fazenda Buquira concebe sua
personagem, o Jeca Tatu.
Monteiro Lobato conta que o nome “Jeca Tatu” nasceu a partir de uma conversa que, quando criança, manteve com uma velhinha que morava a beira da estrada, no caminho que dava acesso à Fazenda Paraíso. Esta velhinha falava muito de seu neto que se chama Jeca, pelo qual tinha uma admiração incondicional. Lobato pediu para conhecê-lo. Um dia ela o levou à fazenda e foi uma decepção: “Um bichinho feio, magriço, barrigudo, arisco, desconfiado, sem jeito, algo horrível.” Daí originou-se o nome Jeca. Batizara primeiramente sua personagem com o nome de Jeca Peroba. Um dia, um capataz de sua fazenda veio lhe anunciar que uns tatus estavam estragando a roça. Ao ouvir falar de tatu, rebatizou sua personagem, criando o famosíssimo Jeca Tatu. (MACHADO, 1993, p. 48)
O processo de criação dessa personagem, segundo Machado (1993), vem juntamente
com a intenção de Lobato modernizar e melhorar sua fazenda. Porém, este trabalho torna-se
difícil ao esbarrar com o caboclo, que desconhece qualquer técnica moderna de fertilização da
terra, sequer sabe como tratar adequadamente o solo para prepará-lo para o cultivo. Diante do
marasmo e da inércia do caboclo Lobato (1951a, p. 326-327) descreve sua personagem, em
carta para Rangel,
[…] como o piolho da terra, o Porrigo decalvans das terras virgens? Ando a pensar em coisas com base nessa teoria, um livro profundamente nacional, sem laivos, nem sequer remotos de qualquer influencia europeia. Muito possível que te bendi impresso n' O Paiz, a inveja, essa fecunda espora, me force a escreve-lo. Se não sair, será mais um casulo que seca sem dar borboleta.
Com a vivência na fazenda que herdara de seu avô, Lobato se vê diante de homens que
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não estão de acordo com a sociedade que ele almejava. Em uma de suas cartas a Godofredo
Rangel, Lobato escreveu a sua indignação com tal povo e observando as “atrocidades” que
seus empregados cometiam com a terra inspira-se a escrever algo que o faça como algum tipo
de denúncia:
Não sei como vai ser essa obra. Talvez romance. Talvez uma serie de contos e coisas com uma ideia central. Nessa obra aparecerá o caboclo como o piolho da serra, tão espontâneo, tão bem adaptado como nas galinhas o piolho-de-galinhas, ou como no pombo o piolho-de-pombo, ou como no besouro o piolho-de-besouro – especies incapazes de viver em outros meios. O caboclo, piolho-de-serra, também é incapaz de outra piolhagem que não a da serra. Já te escrevi sobre isto; e se a ideia volta e insiste, é que de fato está se gestando bem vivinha e será parida no tempo próprio. (LOBATO, 1951a, p. 362)
É então que em 1914, “[...] quando ocorrem as queimadas em suas matas, provocadas,
meses a fio, pelos seus agregados” (MACHADO, 1993, p. 53), Lobato escreve para o jornal
O Estado de São Paulo, um artigo que intitulou de “A Velha Praga”, artigo este que
posteriormente obteve muito sucesso e fora transcrito em outros jornais (LOBATO, 1951b, p.
10), no qual aparece pela primeira vez uma descrição que coube exatamente ao que ele
pensava ser a descrição perfeita do homem do sertão brasileiro:
Este funesto parasita da terra é o CABOCLO, espécie de homem baldio, semi-nomade, inadaptável à civilização, mas que vive a beira dela na penumbra das zonas fronteiriças. A medida que o progresso vem chegando com a via a férrea, o italiano, o arado, a valorização da propriedade, vai ele refugindo em silencio, com o seu cachorro, o seu pilão, a picapau e o isqueiro, de modo a sempre conservar-se fronteiriço, mudo e sorna. Encoscorado numa rotina de pedra, recua para não adaptar-se. (LOBATO, 1976, p. 141).
Neste artigo nascia o Jeca Tatu, e “enterrava-se o indianismo romântico da literatura
regional” (AZEVEDO; CAMARGOS, SACHETTA 1997, p. 58), porém
A nossa literatura é fabricada nas cidades por sujeitos que não penetram nos campos de medo dos carrapatos. E se por acaso um deles se atreve e faz uma “entrada”, a novidade do cenario embota-lhe a visão, atrapalha-o, e ele, por comodidade, entra a ver o velho caboclo romantico já cristalizado. (LOBATO, 1951a, p. 364)
Lobato estava inserido em uma linha literária muito diferente da época em que viveu,
deixando de lado o romantismo presente em outros escritores e escrevendo a realidade como
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era vista por ele. Mostrando o camponês de forma diferenciada, observando a cada dia o
homem do campo e tendo suas próprias teorias em relação a estes. Azevedo, Camargos e
Sacchetta (1999, p. 60) contam que Monteiro Lobato traça um Jeca Tatu, “piraquara do
Paraíba, maravilhoso epítome de carne onde se resume todas as características da espécie”
(LOBATO, 1976, p.147) resistente a mudanças. É emblemática da sua resignação e
subserviência.
O Jeca é retratado como a própria decadência. Além de Lobato descrevê-lo como
homem rude, sempre de cócoras, sujo e aos farrapos, descreve-o rodeado de muita pobreza,
astuto, algumas vezes, por não ter estratégias de sobrevivência e nenhuma expectativa de
melhorar a sua vida. Está acostumado a viver da forma em que vive, como o próprio Lobato
descreve em Urupês (1976, p. 144):
Calcula as sementeiras pelo máximo de sua resistencia às privações. Nem mais, nem menos. “Dando para passar fome”, sem virem a morrer disso, ele, a mulher e o cachorro – esta tudo muito bem; assim fez o pai, o avô; assim o fará a prole empanzinada que naquele momento brinca núa no terreiro.
No primeiro artigo A Velha Praga Monteiro Lobato mostrou o caboclo como um ser
“[...] desprovido de força de vontade e senso estético, feio e grotesco” (AZEVEDO;
CAMARGOS; SACCHETTA, 1999, p. 58), e ainda desrespeitoso às coisas naturais, quando
coloca em questão um incêndio ocorrido nas matas da fazenda: “Enquanto a mata arde, o
caboclo regala-se: Eta fogo bonito” (LOBATO, 1976, p. 144). Já no segundo artigo, intitulado
Urupês, além dessas características, Lobato acentua a ignorância e a preguiça do caboclo,
caracterizando-o como o sacerdote da Grande Lei do Menor Esforço, ou seja, vive do que a
natureza dá sem precisar gastar da sua energia e deu seu tempo para alcançar seus objetivos e
uma melhor qualidade de vida (AZEVEDO; CAMARGOS; SACCHETTA, 1997, p. 58). O
homem da roça, na visão de Lobato, não possuía afinco para o trabalho, mas esperava que as
coisas acontecessem sem que precisasse fazer o mínimo esforço. “Seu grande cuidado é
espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe”. (LOBATO,
1976, p. 148).
Lobato denunciou a miséria do caipira quando descreve a família deste, em Urupês
(1976, p. 141):
Chega silenciosamente, ele e a “sarcopta” femea esta com um filho no utero, outro ao peito, outro de sete anos a aurela da saia da mãe – este já de pitinho na boca e faca à cinta. Completam o rancho um cachorro sarnento – Brinquinho, a foice, a enxada, a picapau, o pilãozinho de sal, a panela de barro, um santo encardido, tres galinhas pévas e um galo índico. Com estes
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simples ingredientes, o fazedor de sapezinhos perpetua a especie e a obra de estilização indicada com os remotissimos avós.
Em uma época em que o indianismo de José de Alencar trazia a descrição de um
homem, índio, natural e perfeito perante os olhos da sociedade, Lobato passa a descrever
outra figura, imperfeita, porém, a que considerava chegar mais próximo da realidade do
indivíduo naquela época, contrastando com a personagem indianista. Em Urupês Lobato
escreve:
Morre Perí, incomparavel idealização dum homem natural como o sonhava Rousseau, prototipo de tantas perfeições humanas que no romance, ombro a ombro com altos tipos civilizados, a todos sobreleva em beleza d'alma e corpo.Contrapôs-lhe a cruel etnologia dos sertanistas modernos um selvagem real, feio e brutesco, anguloso e desinteressante, tão incapaz, muscularmente, de arrancar uma palmeira como incapaz de moralmente de amar Cecí. (LOBATO, 1976, p. 145).
Diferentemente da personagem de Alencar, a personagem aqui em questão não possui
muita intimidade com o trabalho, é descrita por seu criador como alguém desprovido de força
física, e bastante propenso a preguiça. Acomoda-se ao que possui e não sente necessidade
nenhuma de melhorias, nem física e nem material. Esta questão pode ser exemplificada em
Urupês (1976, p 148), quando Lobato menciona um banco de três pernas que é utilizado pelas
visitas, este encosta-se à parede de forma que a utiliza como apoio para que não derrube a
pobre da visita, e se nega a colocar uma quarta perna, pois o piso da casa teria de ser nivelado
para que se tenha equilíbrio.
Nas questões sociais e políticas da época o Jeca não se envolvia, tanto que em Urupês
Lobato conta que o Jeca sai para votar cumprindo com sua obrigação, mas não sabe sequer
em que esta depositando seu voto.
O fato mais importante de sua vida é sem duvida votar no governo. Tira nesse dia da arca a roupa preta do casamento sarjão furadinho de traça e todo vincado de dobras; entala os pés num alentado sapatão de bezerro; ata ao pescoço um colarinho de bico e, sem gravata, ringindo e mancando, vai pegar o diploma de eleitor às mãos do chefe Coisada, que lho retem para maior garantia da fidelidade partidaria.Vota, não sabe em quem, mas vota. Esfrega a pena no livro eleitoral, arabescando o aranhol de gatafunhos a que chama “sua graça” (LOBATO, 1976, p. 151).
Para Santos (2003, p. 2), “O Jeca era indolente, incapaz de participação na política e
na produção de trabalho no mundo moderno. Não possuía qualquer noção de pátria ou nação.
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Era, portanto, incapaz de evolução e progresso”, ele demonstra uma falta de interesse pelos
acontecimentos no Brasil, está estagnado perante as mudanças que ocorrem na sociedade,
como menciona Lobato (1976, p. 147)
Quando Pedro lança aos seus écos o seu grito histórico e o país desperta estrouvinhado à crise duma mudança de dono, o caboclo ergue-se, espia e acocora-se de novo. […] Nada o esperta, nenhuma ferrotoada o põe de pé. Social, como individualmente, em todos os atos da vida do Jéca, antes de agir, acocora-se.
A descrição que Lobato dá ao Jeca não é a de herói e sim de alguém doente, fraco,
incapaz de expressar qualquer tipo de sentimento. É na verdade uma denúncia do que ele
acredita vivenciar boa parte da população brasileira. Nessa caracterização, Lobato deixa claro
a “incapacidade” do brasileiro em trabalhar, forçando o país a importar braços “[...] o próprio
Brasil que os intelectuais não enxergam por estarem com os 'olhos vendados'” (MACHADO,
1993, p. 103).
O que Lobato representa por meio da figura do Jeca pode ser considerado uma
caricatura do Brasil em que traz à tona problemas sociais em relação a forma de vida de
muitos dos brasileiros, naquela época. Não são só problemas de comodidade como a preguiça
do Jeca em trazer melhorias a sua condição de vida, existe a questão de saúde pública
relacionada ao pouco conhecimento que o homem do campo possuía. Santos (2003, p. 5)
acredita que “[...] a ineficiência do Jeca não era mais questão de inferioridade racial, mas sim
um problema médio-sanitário. O caipira é doente. Ele é pobre porque é doente, assim não
produz.”. Isso leva-nos a acreditar que, após pensar a pobreza do Jeca, Lobato pensa nas
condições de saúde e faz denúncias em sua obra com artigos, que juntos, compõem o livro “O
Problema Vital” originalmente publicado em 1918.
Ao publicar o artigo Urupês (1914), Lobato mostra-se preocupado com as questões de
saúde pública. Quando em um dado momento de tal artigo menciona:
Doenças hajam que remédios não faltem.Para Bronquite, é um porrete cuspir o doente na boca de um peixe vivo e soltá-lo: o mal se vai com o peixe agua a baixo.Para “quebranto de ossos”, já não é tão simples a medicação. Tomam-se tres contas de rosario, tres galhos de alecrim, tres limas de bico, tres iscas de palma benta, tres raminhos de arruda, tres ovos de pata preta (com casca, sem casca desanda), e um saquinho de picumã; mete-se tudo numa gamela d'agua e banha-se naquilo o doente, fazendo-o tragar tres goles da zurrapa. É infalivel. (LOBATO, 1976, p. 153).
Por meio de “simpatias” se resolviam todos os problemas de saúde da sociedade. Para
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tudo se tinha uma solução baseada em princípios não científicos e sim de conhecimento
popular, do senso comum. Lobato denuncia estes problemas em “O Problema Vital”, no qual
menciona que “[...] a inteligencia do amarelado atrofia-se, e a triste criatura vira um saturo
urupês humano, incapaz de ação, incapaz de vontade, incapaz de progresso” (LOBATO,
1972b, p. 128). Deixa claro sua preocupação com a saúde pública, enfatizando que a
incapacidade do caboclo provém devido a sua condição de saúde.
No referido livro, Lobato critica a posição do governo em relação aos problemas
encontrados na sociedade e, em especial, ao homem do campo, interiorano, caipira, os Jecas
do Brasil. Stancik (2004, p. 48) conta que “Governantes, homens públicos, elites e
intelectuais, desesperava-se Lobato, não voltavam seu olhar para a lastimável situação de
milhões de Jecas Tatus – miseráveis, improdutivos porque doentes – espalhados pelo interior
do Brasil”.
Ao colocar de lado essa situação, é consideravelmente improvável que o Jeca deixe de
ser o que se tornou. Toda essa preguiça, essa falta de vontade que ele apresenta, é
consequência da falta de estrutura na qual ele está entregue. Para que o comportamento de tal
personagem mude, era necessário se pensar, primeiramente, em mudar o que faz com que ele
tenha tal comportamento. Era necessário que se criasse condições, começando pela saúde. Em
“Ideias de Jeca Tatu”, Lobato (1978, p. 58) posiciona-se comentando que “A pintura
brasileira só deixará de ser um pastiche inconsciente quando se penetrar de que é mister
compreender a terra para bem interpretá-la”. Isso é o que faz com que Lobato se desculpe pela
caricatura que havia feito em Urupês, realizando um “[...] mea culpa em sua opinião sobre o
indolente e apático Jeca Tatu” (SANTOS, 2003, p. 6).
Quando Lobato escreve “O problema Vital” (1972), preocupado com as questões
sanitárias, descreve a figura do Jeca Tatu “ressuscitada”. Primeiramente o mostra como em
seus primeiros contos “A velha praga” e “Urupês”, pobre, sujo, preguiçoso. Alguém que
ninguém acreditava poder melhorar suas condições, não cuidava de si e nem se preocupava
em cuidar da família. Quando em um dado momento, por ocasião de forte chuva, para, em
suas terras, um doutor pedindo abrigo. Espantado com tanta miséria e “[...] vendo o caboclo
tão amarelo e chucro, resolveu examiná-lo” (LOBATO, 1972b, p. 172), constatando que ele
era doente, sofria de ancilostomíase, doença provocada por germes que entram pelos pés, vão
tomando o corpo e se alojam nos intestinos, o chamado amarelão (LOBATO, 1972b).
Os cuidados que o Jeca tomou por conta da doença, ele passou a usar botas e tomou
todos os medicamentos receitados pelo doutor, foram fazendo com que sua “preguiça”
desaparecesse. O Jeca se regenerou, passou a trabalhar em suas terras tentando recuperar o
23
tempo perdido, e tornou-se um dos mais prósperos fazendeiros da região. Passou a utilizar-se
de tecnologias para tocar seus negócios. Para dar ordens, o rádio, para ver o seus funcionários
em ação mandou vir dos Estados Unidos um telescópio. (LOBATO, 1972).
“O Jeca não é assim: está assim” (LOBATO, 1972b, p. 121). É essa a ideia que o autor
passa ao assumir seu erro em relação ao que escrevera anteriormente sobre o homem do
campo. Devido aos problemas sanitários o Jeca fez-se assim. Não nasceu, mas foi criado pela
sociedade, pela falta de higiene, de saúde e até de educação. Não por vontade própria, mas por
não ter condições físicas e esclarecimentos sobre tal assunto.
4. A SOCIEDADE EM CRISE: RELAÇÕES ESTABELECIDAS ENTRE A
SOCIEDADE E A EDUCAÇÃO.
Esta parte explicita a questão da educação no país, no período da Primeira República
(1889 – 1930). Buscamos aqui relatar quais os problemas encontrados no âmbito educacional
e relacioná-los à sociedade de forma a compreendermos como se dava a educação naquela
época e qual a concepção que Monteiro Lobato tinha sobre estas questões, expondo suas
ideias e colaborações em busca de soluções que pudessem, talvez, solucionar os problemas
sociais relacionados à educação.
A educação no período da Primeira República era vista como a solução para todos os
problemas da sociedade. Para que a sociedade obtivesse progresso, acreditava-se que devia-se
acabar com a ignorância que imperava nas classes pobres, pois tal ignorância era o que
estagnava o crescimento social. Por este motivo, pensava-se na escola como formação para o
indivíduo trabalhador (NORONHA, 2009). Além disso, “[...] a educação escolar era colocada
como uma medida de profilaxia social, na formação do 'novo homem'” (NORONHA, 2009, p.
167). As escolas, neste período, originaram-se de grupos escolares e escolas normais alienadas
em relação a realidade sócio-econômica do país (CATINARI, 2006, p. 106).
Neste período, “[...] as tarefas primordiais da 'pedagogia republicana' e da instrução
eram alfabetizar, moralizar o povo e higienizar espaços sociais” (NORONHA, 2009, p. 171),
e a escola era o meio em que isso se tornava possível. Em certo momento, chegou-se a
conclusão de que “[...] era preciso, além de alfabetizar, 'educar' ideologicamente o povo para a
racionalidade imposta pela lógica da produção capitalista. E a escola passa a cumprir um
papel importante nesse controle como elemento preventivo e disciplinador” (NORONHA,
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2009, p. 171). Porém, Catinari (2006, p. 106) afirma que “[...] o modelo social republicano,
caracterizado pela valorização do saber, por campanhas de erradicação do analfabetismo, que
grassava no país, e pela difusão da escolarização só viria mesmo a se impor a partir dos anos
de 1920”.
Em 1891, houve algumas modificações no âmbito educacional, por meio do decreto de
27 de dezembro. Tais modificações levaram a criação de vários tipos de escolas, entre elas
estavam as escolas preliminares, os grupos escolares, as escolas intermediárias, as escolas
provisórias, as escolas ambulantes, as escolas noturnas que não visavam alfabetizar, mas
profissionalizar (NORONHA, 2009, p. 175 - 176). Monteiro Lobato, por considerar que a
escola tradicional contribui pouco para a formação do aluno, propõe a escola técnica. Na
concepção de Lobato a escola tradicional não oferecia conteúdos significativos e
interessantes aos alunos. (MACHADO, 1993, p. 142). Para Carvalho (1997, p. 121), neste
período:
Esperava-se superar o Jeca Tatu no trabalho produtivo, tarefa da educação, concebida deterministicamente, como alteração do meio ambiente. Tratava-se de introduzir, mediado pela ação de elites esclarecidas pela campanha educacional, um novo tipo de fator determinante no que era pensado como processo necessário de constituição do povo brasileiro: a educação
No período que antecede 1930, “[...] muitas reformas educacionais foram
empreendidas visando sustentar a ideologia republicana, ou tendo como objetivo a
recomposição da hegemonia de alguns setores emergentes” (NORONHA, 2009, p. 180).
Neste período a educação estaria envolvida em um processo de disciplinamento do
trabalhador, formando-o para ser uma figura dócil e laborativa. A descentralização tornou
possível a iniciativa do sistema educacional, com isso a educação passou a ter um caráter
libertador, e sendo ela libertária instalou-se uma ação repressora e predatória aos seus líderes
e instituições. Então a Republica “[...] empenhava-se em fechar e nacionalizar as escolas
estrangeiras; depredar escolas libertárias e perseguir seus membros e alunos” (NORONHA,
2009, p. 181).
Catinari (2006, p. 107) aborda, em sua dissertação, que
Em 1900, segundo o Anuário Estatístico do Brasil, nosso índice de analfabetismo era da ordem de 75%. A responsabilidade governista pela educação pendulava segundo os interesses econômicos e políticos. Ministérios, entre os quais os relacionados à educação, eram criados e desfeitos de uma hora para outra, e as leis eram adotadas e rechaçadas a cada
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troca de ministros e gestores. Nosso ensino público encontrava-se totalmente desligado de nossas reais necessidades; os regulamentos eram escritos com o espírito e a mentalidade europeia, desconsiderando o contexto social do país em que iriam ser aplicados.
As escolas profissionalizantes, defendidas e idealizadas po Lobato, tiveram iniciativa
de oficialização em 1906 (NORONHA, 2009, p. 182). Machado (1993, p. 143) menciona que:
Embora Lobato não fosse o que hoje chamaríamos de um pedagogo e não possua um tratado específico sobre educação, tece críticas contundentes aos conteúdos e métodos escolares adotados no Brasil. […] critica os livros adotados pelas escolas, porque criam no aluno verdadeira ojeriza à leitura.
O que está explicito na obra “A Onda Verde”, quando Lobato escreve que
O menino aprende a ler na escola e lê em aula, à força, os horrorosos livros de leitura didáticas que os industriais do gênero impingem nos governos. […] Aprende assim a detestar a pátria, sinônimo de seca, e a considerar a leitura como um instrumento de suplicio. (LOBATO, 2008, p. 96)
Deixa claro sua insatisfação com as escolas comuns da época, que transmitiam
conteúdos aos alunos, porém causavam uma ojeriza a leitura, por ser esta de forma forçada e
com conteúdos que pouco despertam os seus interesses. Em “Mundo da Lua”, Lobato escreve:
Tristes os que aprendem nos livros, dentro da clausura morna dos gabinetes! Um só livro existe: a Vida; um só gabinete, a Natureza. Mas criaturas nascem algemadas e passam a vida tentando romper as pulseiras. Outras nascem com asas. Liberrimas e movediças – os furacões da vida. Só estas vivem e sabem da vida alguma coisa (LOBATO, 1972b, p. 18).
Neste mesmo livro, Lobato relata seu tempo de escola contando que “Recordando
minha vida colegial vejo quão pouco os mestres contribuíram para a formação do meu
espírito. No entanto, a Julio Verne todo um mundo de coisas eu devo!” (LOBATO, 1972b, p.
17) mostrando o quão insatisfatório eram os métodos de ensino de seu tempo e deixando a
entender que os livros literários são de mais valia do que os livros paradidáticos utilizados nas
escolas.
Apesar de iniciativas para melhoria da educação no país ao fim do século XIX e início
do século XX, as escolas, em sua maioria continuavam da mesma forma em que estavam
durante o governo anterior. Os castigos físicos imperavam, como a palmatória, e os prédios
continuavam mal iluminados, com mobiliário precário, professores mal remunerados, e
muitos deles improvisados. O dia-a-dia das escolas continuava igual como estavam no
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período anterior (CATINARI, 2006, p. 108).
Mesmo com o progresso industrial e econômico no Brasil, gerado com o processo de
urbanização e com a cultura cafeeira, surgiram conflitos de ordem social e política que
ocasionaram certas mudanças na mentalidade intelectual. Com isso, a saúde e a educação
passaram a ser metas fundamentais a serem alcançadas pelo governo para que o atraso criado
nos antigos governos fossem sanados. Então, o Estado foi chamado a agir como educador
para educar o povo brasileiro, pois, acreditava-se que o cidadão bem educado poderia
contribuir como trabalhador qualificado para a modernização industrial (CATINARI, 2006, p.
109), ou seja, a educação era voltada para formar o indivíduo trabalhador, dar o mínimo de
instrução necessária para que pudesse manusear as máquinas.
Catinari (2006, p. 113) relata que “Os princípios da 'educação lobatiana' encontravam-
se de acordo com o que havia de mais inovador no campo da pedagogia que chegou ao Brasil
no início do século XX: o escolanovismo”. Lobato acreditava que para que o processo
civilizatório ocorresse era necessário que a educação, a Ciência, agisse. Porém, para ele, as
escolas não supriam as reais necessidades da população, “[...] faltavam colégios honestos que
preparassem os rapazes para a vida” (MACHADO, 1993, p. 146). Ao pensar nisso, em 1910,
Lobato projetou a criação de um colégio que preparasse os rapazes de família rica, os novos
ricos que surgiam com a alta do café, para que esses meninos aprendessem a fazer da riqueza
um proveito social. O que, na realidade, não passava de uma brincadeira. A mensagem que
queria passar era a de que “[...] a escola deve ser útil, deve corresponder as necessidades reais,
deve, em suma, preparar os jovens para viverem em sociedade” (MACHADO, 1993. p.146).
É então que,
Lobato projeta criar uma escola que pudesse preparar os jovens para a vida sem perder tempo com conhecimentos desnecessários. Sua preocupação é justamente de precisar uma forma de educação que se adeque as exigências da sociedade e é neste sentido que dirige críticas à educação tradicional – clássica – ministrada nas escolas. (MACHADO, 1993, p. 147 – 148).
As escolas devem se adequar ao ritmo da sociedade, os conteúdos da escola
tradicional, já não suprem as necessidades dos estudantes, atento ao seu tempo, Lobato não
deixa de discutir a atualização e a modernização do ensino, muito embora depositasse pouca
fé a educação brasileira (MACHADO, 1993, p. 148).
No período em que esteve nos Estados Unidos, como Adido Comercial, Lobato teve a
companhia de Anisio Teixeira, que lhe deu a chance de conhecer melhor as teorias
escolanovistas. Os dois tornaram-se amigos e, quando retornou ao Brasil, Monteiro Lobato o
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apresentou a Fernando de Azevedo, que na época era gestor de ensino no Distrito Federal. Por
algum tempo Lobato e Teixeira trocaram correspondências e a admiração um pelo outro
aumentara, os dois “reconheciam-se como homens idealistas e inconformados com a situação
do ensino e das crianças nas escolas brasileiras” (CATINARI, 2006, p. 118).
A partir de 1930, Lobato passou a dedicar-se a literatura infantil (CATINARI, 2006, p.
118), e
[…] embora não tivesse nenhuma proposta sistemática para a educação formal e institucionalizada, seu trabalho de literatura infantil será amplamente utilizado nos programas educacionais. A concepção de educação de Lobato aproxima-se muito da concepção que ele tem da própria vida: o idivíduo aprende vivendo (MACHADO, 1993, p. 154)
Quando Lobato escreveu para crianças, ele trouxe consigo o interesse de fazer com
que as elas refletissem sobre os problemas reais da sociedade, não as tratando como
“pequenos adultos” e, ao mesmo, tempo não as infantilizando em demasia, mas utilizando-se
de uma linguagem clara e simples que as fizessem entender e discutir, como crianças, sobre
esses problemas, pois Lobato pensava que as crianças deveriam sim discutir questões
fundamentais à humanidade (MACHADO, 1993, p. 155). Ele critica tudo que há de
monótono na escola e tenta trazer a alegria para o processo educacional.
Uma alegria pelo novo, pelo conhecimento e, sobretudo, pelo prazer no texto literário. Prazer que está na leitura das grandes obras-primas produzidas pela humanidade. É assim, por exemplo, que Lobato traz a seus leitores-alunos o universo da mitologia grega, os clássicos juvenis, autores como Cervantes, e tantos textos considerados até então inimagináveis para crianças, como o livro Hans Staden (CATINARI, 2006, p. 122)
A pedagogia de Monteiro Lobato, esta expressa nas personagens do Sítio do Picapau
Amarelo. Narizinho, por exemplo, não frequenta a escola porque tudo que precisa saber sua
avó, Dona Benta, a ensina. E Pedrinho, mesmo frequentando a escola, atribui todo o
conhecimento que possui aos ensinamentos da avó. Os netos contam que, Dona Benta aborda
os conteúdos de forma mais simples, os torna prazerosos, e esta sempre disposta a responder
qualquer questão, qualquer dúvida que os netos possam ter. A forma que Dona Benta ensina é
uma forma concebida por Lobato. Ao contrário do que uma leitura superficial de sua obra
supõe, Lobato não condena a escola nem a aprendizagem, mas faz uma distinção entre
educação e escola. Para ele, a escola não deveria obrigar as crianças a decorar coisas que
“ninguém entende”, e sim ensinar coisas úteis e explorar a capacidade dos alunos. O ideal, na
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concepção do escritor, eram escolas em que tivessem atividades práticas, e que as crianças
pudessem fazer experiências e obtivessem autonomia. (MACHADO, 1993, p. 155).
Lobato não era educador, mas se preocupava com as condições em que a educação se
encontrava. Tinha filhos e pensava no que eles aprenderiam nas escolas. Foi pensando nos
filhos e nas crianças, de um modo geral, que Monteiro Lobato passou a dedicar-se a literatura
infantil, pois o que ele considerava que estava faltando nas escolas era exatamente livros que
fizessem os alunos tomarem gosto pela leitura. Obras que permitissem as crianças a
imaginarem, algo que as fizessem “voar” sem nem mesmo sair do lugar. Leituras que fossem
prazerosas e não massantes como eram os livros didáticos, que não permitiam a imaginação,
ao contrário, cansavam os alunos e os faziam ter aversão a leitura. Lobato, como homem a
frente de seu tempo, sentia prazer em proporcionar prazer com sua literatura infantil.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa nos permitiu compreender a época em que Monteiro Lobato viveu. O
contexto histórico em que as obras analisadas foram escritas nos ajudou a entender os
problemas sociais enfrentados nesta época, em que, como constatado no decorrer do trabalho,
a população rural enfrentava muitas doenças, o que afetou o trabalho, a vida social e a
educação desta.
A vida de Monteiro Lobato, pode-se dizer, faz uma correlação a sua obra. O autor
escrevia o que vivenciava, estava sempre atento ao que ocorria na sociedade em que vivia.
Tinha verdadeira paixão pela arte e, apesar de ter se tornado fazendeiro, não deixou de se
dedicar ao que mais lhe trazia gosto, a literatura e até mesmo a pintura. Como editor pode
trazer a sociedade da época um pouco do que mais gostava, a leitura, Lobato passou a vida a
dedicar-se a esta arte.
Como já mencionado anteriormente, o Jeca, uma das personagens principais da obra
de Lobato, era visto como um homem rude, mal vestido e preguiçoso. Porém, deve-se a isto o
fato deste ser um homem pobre e doente, sendo assim, não possuia condição de trabalho. No
entanto a pobreza da personagem foi algo questinado por Lobato, que “descobriu” que o Jeca
era pobre porque era doente, e não por gosto. A doença o impedia de trabalhar, e não
trabalhando, as chances de se conseguir alguma riqueza era nula. O “pobre coitado” quando
tratou de sua doença, teve forças para o trabalho e surpreendeu a todos quando tornou-se um
dos fazendeiros mais promissores de sua região.
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Com este problema resolvido, Monteiro Lobato voltou seu olhar para a educação.
Passou a preocupar-se com as condições em que se estabelecia o ensino, a metodologia que
era utilizada pelos mestres e as condições das instituições de ensino. Na Primeira República a
educação era tida como a solução para os problemas sociais e, pensando nisso, Lobato fez
menção as escolas técnicas, uma vez que estas preparariam o indivíduo para o trabalho, pois
isso era o que fazia com que o país progredisse e por meio da educação formal, esperava-se
superar o Jeca no trabalho produtivo.
6.REFERÊNCIA
AZEVEDO, Carmen L., CAMARGOS, Marcia M. de R., SACCHETTA, Vladmir. Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia. São Paulo: Editora SENAC, 1997.
Biografia de Monteiro Lobato. Disponível em <www.e- biografias.net/monteiro_lobato/ > Acesso em 14 de Outubro de 2012
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