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MEMORIAL Esta argumentação sobre a constitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343, que trata do crime de uso e tráfico de drogas, está dividida em duas partes. A primeira trata de considerações gerais, tratando do contexto atual, dos aspectos científicos e históricos desta questão. A segunda trata de considerações jurídicas sobre o tema. Considerações Gerais As drogas lícitas e ilícitas representam, hoje, o maior problema de saúde pública e de segurança no Brasil. Elas são a maior causa de doenças, de invalidez física e mental e de mortes entre a juventude brasileira. Elas são responsáveis pela maior parte das mortes violentas em toda a população, seja por homicídios, acidentes de trânsito e suicídios. Sem falar na sua responsabilidade pelo recrudescimento de doenças contagiosas e potencialmente fatais, como a AIDS (UNIAD-‐UNIFESP) -‐ (1). A violência mais frequente e desagregadora, a violência doméstica, que atinge milhões de famílias brasileiras, tem nas drogas, lícitas ou ilícitas, seu principal combustível. Falando em números absolutos, somos recordistas mundiais em mortes violentas! Países com a população muito maior que a nossa como a China, Estados Unidos, Índia e Indonésia tem várias vezes menos mortes por violência do que nós -‐ (2). Estamos vivendo uma epidemia, sem precedentes, de violência extrema, cuja origem está na gigantesca epidemia de drogas, também sem precedentes na nossa história. É bom não esquecer que o Brasil tem circunstâncias especialíssimas que favorecem o agravamento desse problema. É o único país do mundo que tem fronteiras, ao mesmo tempo,com todos os países produtores de cocaína existentes e com grandes produtores de maconha. Na ausência de uma política nacional de segurança pública, digna do nome, e em particular, sem qualquer proteção minimamente eficiente para nossas imensas fronteiras, a circulação de drogas ilícitas no Brasil foi multiplicada várias vezes, em especial nos últimos 10 anos, criando essa verdadeira e grave epidemia de consumo. Até 2006, a droga que mais concedia auxílio doença por dependência química, no INSS, (segundo dados do próprio Instituto) ainda era o álcool, principalmente por ser legal e de fácil acesso. Em 2012, a cocaína e o crack já eram responsáveis por três vezes o número de auxílios doença do álcool. E isso sem diminuir o patamar deste -‐ (3). As drogas, ao longo da história humana, foram de consumo livre até os governantes começarem a tomar consciência da tragédia social que causam. Até entenderem que o consumo maior daquelas substâncias, pela população, levava ao aumento dos transtornos mentais, da violência e dos problemas sociais. Hoje, as drogas consideradas ilícitas aqui, são proibidas em praticamente todos os países do mundo. A China as proibiu ainda em 1799 -‐ (4), e sofreu duas invasões da Inglaterra que pretendia impor sua liberação à força, no século 19. Foram as chamadas Guerras do Ópio, onde a China foi derrotada e a Inglaterra impôs a legalização das drogas. Isso mesmo! A primeira guerra envolvendo drogas foi para legalizar à força seu consumo. A China só conseguiu proibi-‐las novamente, de fato, em 1949 com o advento do regime socialista. Os comerciantes ingleses que
vendiam o ópio "legal" para a China impuseram essas guerras e se tornaram os homens mais ricos daquele século! Registre-‐se que na Inglaterra o ópio era proibido. Junto com a China, a Suécia, a Indonésia e o Japão tiveram as drogas livres até meados do Século 20. Diante de problemas sociais, de segurança e de saúde gravíssimos, precisaram a proibi-‐las, e hoje tem leis severíssimas contra o consumo e tráfico de drogas. Coincidentemente estão entre os países do mundo, agora, com menores índices de dependência química e mortes violentas. Decantada como experiência de descriminalização do uso que deu certo, a partir de 2001, Portugal agravou seus problemas de saúde e violência com a liberação do consumo. Com a mesma população de Portugal, a Suécia, que foi na direção oposta, aumentando o rigor contra as drogas, tem várias vezes menos homicídios (UNDOC, 2012), e dependentes químicos (5). O movimento para liberação das drogas no Brasil, travestido de uma aura de "modernidade", de “ tentar alguma nova opção” já que “reprimir não deu certo”, tem tentado de diversas formas atingir seu intento cooptando lideranças políticas, setores do Governo, e parte da grande imprensa nacional. Na sua campanha, conta com polpudos recursos internacionais, de investidores -‐ (6) que desejam criar um grande e poderoso mercado legal dessas substâncias. Não estão preocupados com a saúde dos nossos jovens, e sim com a possibilidade de abrir uma nova fonte de lucros extraordinários. Mas a população, que sofre no dia a dia o desespero e a violência, se manifesta, em todas as pesquisas, radicalmente contra a liberação -‐ (7). Agora ocorre um novo capítulo, uma nova tentativa do esforço pró-‐liberação, levando ao julgamento do Supremo Tribunal Federal uma ação judicial, oriunda de Diadema/SP. Na sua argumentação é alegada a inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11343 que disciplina a política sobre drogas no Brasil. É o artigo que criminaliza o uso e o tráfico das drogas ilícitas. É bom que se diga e repita que este artigo não determina a prisão do usuário. Não pune o simples consumo com prisão, mas sim com penas alternativas. Só vai preso quem trafica. No Rio Grande do Sul, segundo dados do DENARC (Departamento de Narcóticos), ao redor de 60% das pessoas, abordadas pela polícia portando drogas, são consideradas usuárias e não são presas -‐ (8). A criminalização do uso de drogas no Brasil, mesmo sem a pena de prisão, é um fator de freio e constrange sua disseminação indiscriminada. Os que propõem a liberação querem a descriminalização do uso como primeira etapa (FSP-‐ Editorial de 29/06/2011). Alegam que isso protege a liberdade individual, garantida na Constituição Federal. Além disso, fazem as afirmações de sempre, como as que tal medida não aumentaria o consumo e reduziria o número de prisões e de mortes violentas. Argumentam ainda que, como próximo passo, deve ser estabelecida uma quantidade mínima de droga portada, para separar o usuário do traficante, pois a polícia seria incapaz de avaliar essas circunstâncias e estaria prendendo muitos usuários como pequenos traficantes. Trata-‐se, obviamente de uma série de contradições: primeiro como permitir o uso, e não legalizar a venda? O uso de drogas não sendo punido, levaria, obviamente, ao aumento do número de usuários, fruto até de curiosidade, como ocorre com as drogas lícitas,
proporcionando uma nova e poderosa onda de consumo. E quem abasteceria esse mercado crescente? Os traficantes ilegais, que também aumentariam mais ainda em numero e em poder. É uma regra simples de mercado. Além disso, eles, os traficantes, teriam muito mais interesse e facilidade de se camuflar em meio aos usuários pela simples ausência de penas para estes por não ser crime o uso. A descriminalização do uso significaria, na prática, a livre circulação das drogas no Brasil. Os usuários poderiam andar com drogas ilícitas nas escolas, locais públicos, e eventos, por exemplo, sem qualquer receio de punição. Isso, por si só, aumentaria muitíssimo a circulação e o compartilhamento delas com um número muito maior de pessoas. Pessoas que não teriam esse contato com as drogas facilitado, se o uso fosse crime! Os traficantes, por consequência, também teriam aumentadas suas vendas, em escala gigantesca. Em segundo lugar, o estabelecimento de uma quantidade determinada de drogas ilícitas portadas, para separar o simples uso do tráfico, teria consequências funestas. De um lado, porque, coloca em dúvida a capacidade da autoridade policial de avaliar as circunstâncias em que acontecem consumo e tráfico. E as circunstâncias são decisivas nesse caso. Uma pessoa pode estar portando uma única pedra de crack no bolso e ter o outro bolso cheio de notas de 10 reais, além de antecedentes de tráfico. É muito mais provável que seja um traficante que acabou de vender inúmeras pedras do que um usuário. Por outro lado, uma pessoa surpreendida com 200 pedras de crack pode ser um usuário, se não tem antecedentes de tráfico, se não foi visto vendendo parte dessas pedras, nem estava em local ou em atitude que sugerisse intenção de vender. O efeito do crack dura de 15 a 20 minutos, portanto é possível, no auge da compulsão, um simples usuário fumar de 40 a 50 pedras por dia! Só quem está no front, enfrentando o tráfico no seu dia a dia, tem condições de avaliar adequadamente tais circunstâncias. Ao colocar em dúvida a ação policial e o posterior julgamento judicial dessas circunstâncias de uso ou tráfico, poderíamos estar abrindo precedente para colocar em cheque todas as demais ações de flagrante policial e decisões judiciais, nas mais diversas áreas. Além de facilitarmos para que traficantes circulassem e vendessem, com menos riscos, suas drogas ilícitas. Nenhum deles portaria mais do que a quantidade estabelecida pela lei. A polícia não se sentiria mais autorizada ou estimulada a investigar, e as drogas, também por isso, teriam a circulação aumentada. Para quem acha que todos os seres humanos têm a mesma capacidade de arbítrio e de controle de impulsos, é bom esclarecer que, no Brasil e no mundo, ao redor de 25% da população sofre de transtornos mentais, em variados graus de severidade, que alteram e diminuem a capacidade de controlar a impulsividade. A Esquizofrenia, o TDAH, Transtorno Bipolar, Transtorno Borderline, Depressão e Transtorno de Conduta, entre outros, tornam o indivíduo mais impulsivo, e assim mais frágil e vulnerável ao consumo de drogas, e à dependência química. Portanto, aumentando a oferta, uma maior parcela de pessoas mais vulneráveis à compulsão também terá acesso a elas, irá usar e ficar dependente com mais rapidez e facilidade -‐ (9). A dependência química depois de instalada torna-‐se doença crônica irreversível. O cérebro do dependente se modifica fisicamente e de forma permanente. Ele forma novas
conexões entre os neurônios, sob o estímulo repetido da droga. Elas organizam os novos circuitos de memória de longo prazo, nos dependentes, relacionados à sensação que a substância causa inicialmente. Qualquer objeto ou cena que evoque aquela sensação pode desencadear a compulsão, mesmo depois de anos em abstinência. A dependência é devastadora tanto para o usuário, quanto para sua família e para a sociedade como um todo. O melhor resultado do tratamento é manter o dependente em abstinência, pelo maior tempo possível. Mas as recaídas são a regra para a maioria dos que ficam viciados. A descriminalização do uso pelo Supremo, até pelo seu sentido simbólico, passaria,ainda, uma mensagem subliminar de que não tem problema no uso de drogas em geral, propiciando que enormes contingentes de jovens inexperientes se sintam estimulados a experimentá-‐las sem qualquer constrangimento. Essa percepção de inofensividade e de legalidade no uso contribuiriam, fortemente, para aumentar o número de dependentes, sobrecarregando mais nosso combalido sistema de saúde e de assistência social, sem falar no aumento da violência doméstica, da violência no trânsito, dos homicídios por motivos fúteis, dos furtos, assaltos, latrocínios, suicídios etc...A percepção do risco é fator fundamental na prevenção do uso de drogas. Pesquisa longitudinal da Universidade de Michigan, feita durante 35 anos, com alunos do ensino médio nos EUA, mostra que quanto menor a percepção de risco na sociedade, maior é o consumo de maconha entre os estudantes -‐ (10). Não é por outro motivo que se estima, hoje, ao redor de 25 a 30 milhões de dependentes químicos de álcool e tabaco no Brasil, pelo simples fato de não haver crime no seu uso. Estima-‐se que as drogas ilícitas somadas tenham sete milhões de dependentes no nosso país -‐ (11). Descriminalizadas poderão, rapidamente, ultrapassar os 30 milhões de dependentes! Aumentariam em grande monta suas consequências danosas à saúde de quem as usa e para as potenciais vítimas de comportamento alterado que terão. Em pesquisa realizada pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em 2009, junto aos maiores prontos-‐socorros da Região Metropolitana, comprovou-‐se que a droga com maior influência em acidentes fatais não é o álcool, é a maconha. O álcool fica em segundo lugar! (SENAD, 2012) -‐ (12). Imagine-‐se a maconha liberada! A China, do ópio liberado, chegou a ter 1/3 da população dependente, mais de 140 milhões de pessoas, em meados do século 19. A maioria deles não conseguia mais nem sair de casa, os serviços públicos entraram em colapso -‐ (13) e os soldados não conseguiam sequer sair dos alojamentos, o que motivou um ofício desesperado do comandante do exército ao imperador! -‐ (14) A descriminalização do uso, sob todos os aspectos produzirá enormes prejuízos a todos. Vai agravar muito a situação atual de violência e desagregação social. Toda a violência relacionada às drogas só é possível porque, antes de tudo, antes inclusive da questão do tráfico, existe uma multiplicação do número de pessoas com percepção distorcida da realidade, e com uma diminuição importante do controle de impulsos e da capacidade de antecipar as consequências do que fazem. Outro argumento dos que querem liberar é o de que prender traficantes nada resolve. Ele é falacioso, contraria o fato histórico de que somente os países que têm leis rigorosas contra as drogas, e ação governamental efetiva, reduzem a oferta e o número de doentes,
além de serem países com reduzidíssimas taxas de mortes violentas. Os liberacionistas confundem, propositalmente, inação governamental, no Brasil, com impossibilidade de agir. Também agitam o surrado argumento que a Lei 11343, de 2006, encheu os presídios brasileiros, que estão superlotados e o trafico não diminuiu. Portanto a guerra está perdida. Seria um mal menor liberar, esvaziaria as prisões, acabaria com o tráfico, geraria mais impostos, etc. Porém como explicar que um aumento de 60% no tempo da pena, tenha gerado 300% de aumento no número de traficantes presos?! A causa maior, não revelada ou não admitida nos discursos liberacionistas, é a explosão da epidemia do crack, que de 2006 para cá multiplicou muitas vezes a oferta desta e de outras drogas. Multiplicou também o número de usuários, de dependentes químicos, e por consequência de traficantes para abastecê-‐los! Mesmo que a lei 11.343 não tivesse sido promulgada, esse problema existiria da mesma forma. Numa epidemia viral temos que reduzir a quantidade de vírus circulante para diminuir o número de doentes. Com as drogas não é diferente. Numa epidemia grave, com as nossas enormes fronteiras abertas ao tráfico, temos que reduzir a oferta de drogas na rua, para diminuir a contaminação, principalmente dos nossos jovens. Maior oferta produzirá mais dependentes. Recente pesquisa publicada no Lancet mostra que nos Estados americanos onde foi liberada a maconha para uso dito "medicinal", o consumo entre jovens é muito maior que nos Estados onde existe a proibição do consumo e tráfico -‐ (15). Quanto à sobrecarga do sistema penitenciário, que tem servido de desculpa para abrandar penas e, por consequência, aumentar o número de vítimas, é bom dizer que dos atuais 607.000 apenados brasileiros, só 40% estão em regime fechado. 60% estão em regimes que permitem circular na rua, em relativa liberdade, e estes têm altíssima taxa de reincidência! Segundo a Secretaria de Segurança do Rio Grande do Sul, grande parte dos crimes violentos da Região Metropolitana de Porto Alegre, são cometidos por apenados que ainda estão no Regime Semiaberto -‐ ( 16 ). Além disso, o Brasil tem uma grande população, portanto é natural que tenha um número minimamente significativo de apenados, e esteja em quarto lugar ou quinto lugar entre os países da ONU em números absolutos de presos. Mas se verificarmos a taxa de apenados por 100.000 habitantes, o Brasil fica em trigésimo quarto lugar! -‐ (17). Então, nada de extraordinário! O que falta nessa área é um mínimo de investimentos, para comportar o número necessário de presos em condições dignas. Países como a Suécia e o Japão, durante suas epidemias de drogas, multiplicaram várias vezes seu número de apenados por tráfico e consumo. A Suécia na década de 1970, e o Japão na década de 1950, mercê das leis duras que criaram para enfrentar o problema. Como consequência, a prisão em massa de traficantes e usuários (lá o uso é punido com prisão), levou a uma diminuição do tráfico, de circulação das drogas, e ao fim da epidemia -‐ (18 ). Em 2014, a Suécia pôde fechar quatro presídios, pela diminuição da população carcerária.
Na segunda guerra mundial o governo japonês distribuía gratuitamente aos operários das fábricas de armamentos, a metanfetamina. Para aumentar a produtividade! O resultado gerou dois milhões de dependentes químicos no pós-‐guerra, acompanhados por uma explosão de violência e tráfico. Em 1948, o governo japonês baixou uma lei duríssima que prendia inclusive os usuários. Só em 1954 foram presas mais de 55.600 pessoas no Japão por tráfico ou uso de drogas. E o país tinha 100 milhões de habitantes! Mas em 1958, quatro anos depois, só 271 pessoas foram presas pelo mesmo motivo -‐ (18 ). A explicação lógica é a de que, com o rigor da lei, diminuiu muito a circulação de drogas e a epidemia acabou. Hoje o Japão é o país com uma das menores taxas de dependência química e homicídios no mundo. No que diz respeito à liberdade individual, é bom lembrar também que o dependente químico é um fator de sobrecarga e, com frequência, de desagregação familiar e social. A liberdade dele para se drogar, produz a perda da liberdade de seus familiares que acabam tendo que trabalhar mais do que necessitariam para alimentá-‐lo, vesti-‐lo, cuidar de seus filhos, quando os têm, e, além disso, bancar seu difícil tratamento. Isso sem falar nos crimes cometidos sob o transtorno causado pelas drogas, como o abandono dos filhos. -‐ ( 19 ), agressões, roubos, assaltos, latrocínios, no crescente número de parricídios e no enorme custo para o bolso de todos os contribuintes. Assim, por todos os aspectos, baseados na experiência histórica e científica, não existe exemplo no mundo, de que liberando drogas melhore a vida das pessoas. Ao contrário. Repetimos, as únicas experiências históricas de sucesso, na questão da redução do consumo de drogas e seus crimes conexos, foram a dos países que aumentaram o rigor e diminuíram a oferta nas ruas! Podemos afirmar que, considerar inconstitucional o artigo 28 da Lei 11343, por parte do STF, certamente liberará, na prática, a circulação das drogas, produzirá um agravamento das questões sociais, de saúde pública e de segurança em todo o Brasil, com graves consequências para nosso futuro, principalmente para nossa juventude. A dependência química atinge com muito mais intensidade os adolescentes, pelo estágio imaturo, ainda, de sua organização cerebral. Segundo o NIDA (National Institute of Drug Abuse dos EUA) 50% dos adolescentes que usam maconha, com a frequência de pelo menos uma vez por semana, se tornam dependentes para o resto da vida -‐ ( 20 ). No universo dos adultos que iniciam seu uso, essa dependência fica ao redor de 9 %. A maconha, que para seus adeptos é leve, produz mais câncer e danos pulmonares que o tabaco -‐ ( 21 ), desencadeia mais psicoses incuráveis que as demais drogas juntas, além de aumentar os suicídios e ser responsável por mais acidentes de trânsito fatais que o álcool. Sem falar na dependência química e déficit cognitivo permanente -‐ ( 22 ). Seu cigarro contém mais de 400 substâncias químicas que causam dano ao corpo e ao cérebro. É possível que uma dessas substâncias, o canabidiol, possa ter efeito benéfico em casos raros de epilepsia. Ainda falta comprovação científica irrefutável disso. Mas mesmo assim, se houver comprovação, é o caso de separar o canabidiol e usá-‐lo como medicação a parte. Não poderá servir de desculpa para fumar maconha "por que é remédio"! Segundo
o relatório da UNDOC (braço da ONU para estudo de Drogas e Crime) "Cannabis, a Short Review" de 2013, que resume mais de uma centena de publicações científicas internacionais sobre o assunto, a maconha foi a primeira droga ilícita usada por 83% dos dependentes de heroína e cocaína, no mundo. Diz esse relatório na sua conclusão: "Recentes dados de pesquisa sobre fumar cannabis, mostra que produz danos à saúde e é perigoso. O uso de cannabis é vinculado à dependência química, déficit cognitivo, deficiência de habilidades motoras, a problemas respiratórios, cardiovasculares e transtornos mentais, e tem sido demonstrado como causador de danos específicos no cérebro imaturo, ainda em desenvolvimento. A experiência internacional com o aumento de casos nas emergências hospitalares e no tratamento para a dependência da cannabis demonstra o grande perigo da cannabis de maior potência, produzida atualmente. E seu crescente potencial de risco, tanto para a saúde quanto para a segurança pública..." Uma decisão do STF, de declarar inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343, que aparentemente teria efeito limitado a casos específicos, terá enorme consequência social, na saúde pública e na segurança do país. Uma decisão, com tal repercussão na vida de todas as famílias brasileiras, merece uma profunda reflexão, compartilhada com toda a sociedade. Os Estados americanos que liberaram a maconha e o Uruguai criaram regras legais por plebiscito ou por decisão do parlamento. Compartilharam a responsabilidade da decisão, e de todas suas graves consequências com a população, ou com seus com representantes. Em nenhum deles o peso dessa decisão recaiu exclusivamente sobre os ombros dos membros da Corte Suprema. Esses são alguns dos aspectos que gostaríamos de ponderar sobre a questão da descriminalização do uso de drogas no Brasil. (1) Pesquisa de acompanhamento longitudinal de usuários de crack em São Paulo. Mostrando que 25% morre ou desaparece nos primeiros 5 anos de uso. J Subst Abuse Treat. 2011 Oct; 41(3):273-‐8. doi: 10.1016/j.jsat.2011.03.008. Epub 2011 May 6. (2) Mortality rate among crack/cocaine-‐dependent patients: a 12-‐year prospective cohort study conducted in Brazil. Dias AC1, Araújo MR, Dunn J, Sesso RC, de Castro V, Laranjeira R. Abstract Mortality is a significant outcome among Brazilian crack/cocaine-‐dependent patients yet not well understood and is under investigated. This study examined a range of mortality indicators within a cohort of 131 crack/cocaine-‐dependent patients admitted into treatment and meeting criteria for dependence of crack (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition). After 12 years of treatment discharge, 107 individuals were reassessed and 27 death cases were confirmed by official records, wherein in its majority were caused by homicide (n = 16). In this group, survival rate was 0.77 (95% confidence interval [CI] = 0.74-‐0.81) and previous history of IV cocaine use was identified as a predictor of mortality (2.5, 95% CI = 1.08-‐5.79). High mortality rates among Brazilian crack/cocaine-‐dependent patients, exposure to violence, and HIV/AIDS were topics discussed in this study. This research highlights the importance of ongoing
programs to manage crack/cocaine use along with other treatment features within this population. (2) Fontes: MACRODATA e UNDOC (Organismo das Nações Unidas para Drogas e Crime) CHINA: 1.367.820.000 habitantes (2012) 13.410 homicídios/ano -‐ taxa 1/100.000 (2010) IDH 89 em 180 PIB per capita -‐ 5.699 euros ÍNDIA 1.267.401.859 habitantes (2012) 43.355 homicídios/ ano (2012) -‐ taxa 3,5/100.000 PIB per capita -‐ 1.277 euros (2014) IDH 129 em 180. ESTADOS UNIDOS 319.047.000 habitantes (2012) 14.827 homicídios/ ano (2012) -‐ taxa 4,5/100.000 PIB per capita -‐ 41000 euros (2014) IDH 5 em 180 INDONÉSIA 252.812.245 habitantes (2012) 1.456 homicídios/ano (2012) -‐ taxa 0,6 /100.000 PIB per capita -‐ 2.644 euros IDH 104 em 180. BRASIL 202.769.000 habitantes (2012) 50.108 homicídios/ ano segundo a UNDOC e 56.337 homicídios/ano SIM/MS (2012) Taxas, de respectivamente 25 e 27,5/100.000 PIB per capita -‐ 8.705 euros (2014) IDH 79 em 180.
(3) Gráfico do auxílio doença do INSS, publicado na capa de "O Globo" em 2013.
(4) "O ópio tem causado danos. O ópio é um veneno, que destrói nossos bons costumes e moralidade. Seu uso é proibido, agora, por lei..."Edito do Imperador Jianqing da dinastia chinesa Qing, no final de 1799”. (5) "A droga dos rótulos". Dados comparativos entre Suécia e Portugal nas políticas sobre drogas. Com mais dados e fontes no artigo do Blogspot: osmarterra.blogspot.com.br
(6) Grandes investidores financiam ONGs que defendem a liberação das drogas no Brasil e no mundo.
Wiktor Dabkowski/Xinhua George Soros durante um discurso na Bélgica, em 2014 FERNANDA MENA Enviada especial ao Rio 26/04/2015 Megainvestidor e filantropo de peso ao mesmo tempo, George Soros, 84, esteve no Brasil na semana passada para a abertura do primeiro escritório de sua fundação, a Open Society, na região. Dirigido por Pedro Abramovay, ex-‐secretário nacional de Justiça (2011), o braço latino americano da entidade filantrópica recebeu investimento de cerca de R$ 106 milhões, pequena parcela dos mais de R$ 2,5 bilhões gastos pela fundação apenas em 2014.
Terceiro magnata mais rico do mundo, renomado como "o homem que quebrou o Banco Central Britânico", Soros hoje está afastado da administração dos fundos de investimento nos quais fez fama e fortuna. Está mais interessado promover a caridade e aperfeiçoar sua teoria filosófica que, diz, sempre guiou seus negócios e suas doações. Em entrevista à Folha, Soros explicou porque investe em temas polêmicos, como a legalização das drogas, e avaliou que o Brasil precisa de legislação favorável para ver seu crescente número de bilionários dividirem parte de suas riquezas. Leia a seguir. Folha -‐ Você é um dos maiores investidores e filantropos do mundo. A imagem do capital especulativo, no entanto, parece não combinar com a ideia de altruísmo. George Soros -‐ O meu sucesso no mercado financeiro veio primeiro. Era um administrador de fundos muito bem-‐sucedido, mas não podia dispor daquele dinheiro. Tinha apenas de multiplicá-‐lo. Quando tive dinheiro suficiente para fazer filantropia, foi o que fiz. Filantropia não é apenas uma maneira de limpar a barra de negócios que causam danos e crises? Muitas vezes, é exatamente isso o que ocorre. Mas eu não acho que tivesse nada para limpar por meio da filantropia. O que ocorre é que tenho uma filosofia que me guiou tanto em ganhar dinheiro como em usá-‐lo para filantropia. Que filosofia é essa? Fui orientado pelo filósofo Karl Popper (1902-‐1994), que escreveu "Open Society and Its Enemies" (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, ed. Itatiaia), e por suas ideias a respeito do pensamento crítico e do fato de que nosso entendimento da realidade é sempre imperfeito. Entendi que há conexões reflexas entre a percepção que as pessoas têm da realidade -‐ que nunca é a realidade em si-‐, e o impacto que essas pessoas exercem sobre a realidade, modificando-‐a a partir daquela noção particular do real. Passei a confrontar a teoria econômica que prega eficiência dos mercados e expectativas racionais. Assim como questiono a divisão entre política e economia, que são conectadas de forma reflexiva, do meu ponto de vista. O tipo de mercado financeiro que temos é grande fonte de incertezas porque não é perfeito nem estável. Mas precisamos tomar decisões neste ambiente. E isso gerou o tripé no qual é baseada minha filosofia: incerteza, falibilidade e reflexividade. Foi com esse pensamento que eu antecipei e expliquei a crise financeira de 2008 melhor do que muita gente. E passei a acreditar que minhas ideias podem contribuir para o entendimento da realidade. Mas o que essa filosofia tem a ver com filantropia? Essa filosofia faz com que eu esteja atento à natureza insolúvel de muitos dos problemas do mundo, que emergem das contradições e dos impasses da sociedade contemporânea, mas que podem ser ajustados. Pegue o direito a privacidade e o direito à segurança, na expressão da proteção contra o terrorismo, por exemplo. Não se pode atingir privacidade absoluta nem segurança absoluta contra o terrorismo. É preciso fazer acordos para reconciliar uma coisa a outra. A Open Society Foundation foi criada para se envolver naquilo que eu considero serem os principais problemas que afetam a humanidade e atingem especialmente as pessoas mais vulneráveis, que já são as que mais sofrem. Empresas tendem a investir em temas pouco arriscados na área de responsabilidade social. Você escolhe temas controversos. Por quê?
Escolho os temas para os quais acho que nossa contribuição pode ir além do dinheiro, promovendo um melhor entendimento dos problemas. A questão da tomada de decisão em condições de incerteza é a base do meu sucesso no mercado financeiro. A mesma base funciona no êxito que obtemos como organização filantrópica. É onde a minha filosofia se conecta com a filantropia. Nossos programas lidam com questões tão diversas como mudanças climáticas e regulação dos recursos cibernéticos, migrações e política de drogas. Seus críticos dizem que você teria uma agenda secreta no debate sobre legalização das drogas. Quais são seus interesses nesta questão? Acho que dependência de drogas é um problema insolúvel porque, de alguma maneira, é inerente à natureza humana. Nem todo mundo se torna dependente de drogas, mas algumas pessoas, sim. E eu não conheço a solução para isso, mas sei que a guerra às drogas, que trata aqueles que sofrem de dependência como criminosos, tem causado mais danos do que a dependência em si. Um dos objetivos da fundação é o que chamamos de redução de danos. Neste caso, então, esforços têm sido apontar os efeitos danosos da guerra às drogas. Como avalia as mudanças ocorridas neste campo no mundo? Acho que temos sido bem-‐sucedidos neste campo. Houve grande avanço, especialmente vindo da América Latina, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso se aposentou e reuniu outros ex-‐presidentes latinos americanos para tratar dos problemas da proibição às drogas. Depois de 25 anos de esforços da fundação neste debate, considero que tivemos avanços. Os EUA vão legalizar a maconha? Acho que a legalização da maconha está praticamente assegurada nos EUA. Já ocorreu em três Estados e deve irradiar para o restante do país independente da atuação de organizações como a minha. Qual é o próximo passo? Agora temos que fazer algo a respeito das chamadas drogas pesadas, para as quais a legalização parece não se aplicar. Neste caso, a descriminalização parece ser uma boa resposta. Assim, o caminho seria distinguir quem usa de quem produz e vende drogas, explorando a fraqueza dos dependentes, que são mais vulneráveis porque são tratados como criminosos quando são vítimas. Este será o foco de atuação do escritório da fundação no Rio? Estamos expandindo nossas atividades na América Latina, investindo US$ 36 milhões. Criamos um conselho para a América Latina, formado por pessoas daqui, que é a instância que vai decidir qual será a agenda do escritório regional. O número de bilionários brasileiros cresceu, e sabe-‐se alguns deles fazem doações para a Universidade de Harvard e para o MOMA, de Nova York, mas não praticam filantropia por aqui. Por quê? Acho que é por causa da estrutura fiscal do Brasil. Nos EUA, eu posso doar metade do meu salário para filantropia e abater esses valores do meu imposto de renda. O dinheiro que iria para a receita federal acaba indo para a filantropia, o que é uma grande indução à
doação. Os impostos pesados sobre heranças também podem ser doados para filantropia. Tenho a impressão de que o Brasil precisa de uma legislação similar. Nem todo bilionário é um filantropo, mas haverá um número maior de bilionários brasileiros inclinados à filantropia se houver uma legislação favorável. O Brasil poderia aumentar impostos sobre heranças, dando isenção para quem doar esse montante para filantropia. Taxas e impostos devem servir para redistribuir renda dos mais ricos para os mais pobres RAIO-‐X Nascimento: 12/8/1930, na Hungria (tem nacionalidade americana) Carreira: presidente da Soros Fund Management LLC; fundador da Open Society Foundations Formação: London School of Economics Livro: "O Novo Paradigma para os Mercados Financeiros: A Crise Atual e o que Ela Significa" (7) pesquisa DATAFOLHA sobre opinião da população da legalização das drogas.
(8) Dados oficiais da Secretaria de Segurança do Rio Grande do Sul.
(9) Andres J. Pumariega e cols. (Substance Abuse, A Comprehensive Textbook, Cap.62, pag.1027) "Transtornos do Humor, incluindo Depressão e Transtorno Bipolar, tem alta co-‐morbidade com abuso de drogas na adolescência......Entre 60 e 80% dos adolescentes com dependência química tem alguma outra forma de psicopatologia...."
(10) Pesquisa longitudinal da Universidade de Michigan, que durante 35 anos pesquisou a relação entre consumo de maconha com a percepção do risco, mostrando que quanto menor a percepção maior o consumo.
(11) O Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas no Brasil mostra a gravidade do problema.
(12) Pesquisa feita pela equipe do Hospital de Clínicas de Porto Alegre sobre drogas e acidentes de trânsito. Mostra a maconha com maior incidência nos acidentes do que o álcool. Divulgada pela SENAD em 2012
(13) Panfleto do Imperador da China alertando a população para a devastação causada pelo comércio livre do ópio, em 18/03/1839. "...1/3 da população chinesa já não consegue sair de casa. Os serviços públicos entraram em colapso, pelo vício do Ópio..." Imperador Daoguang, da dinastia Qing (1820-‐1850). (14) "Majestade, o preço da prata está caindo por causa do pagamento da droga. Em breve, vosso império estará falido. Quanto tempo ainda vamos permitir este jogo com o diabo? Logo não teremos mais moeda para pagar armas e munição. Pior ainda, não haverá soldados capazes de manejar uma arma porque estarão todos viciados." Carta do Comandante do Exército Chinês ao Imperador, no início de 1839. (15) Estudo da revista Lancet, publicada neste ano, mostra maior consumo de maconha nos Estados Americanos onde o uso medicinal é permitido, em relação aos Estados onde uso éproibido.
(16) matéria de Zero Hora, relatando casos de algumas das centenas de pessoas assassinadas por criminosos que cumprem pena no regime semi-‐aberto, só neste ano .
(17) Dados do Centro Internacional de Estudos Prisionais, ICPS na sigla em inglês.
(18) Nils Berjerot, M.D. (do livro "ADDICTION-‐An Artificially Induced Drive", 1972 (da Pág. 44 a 59).
(19) Série da Globonews mostrando a rápida superlotação dos berçários reservados a crianças filhas de dependentes químicas.
(18) Resumo das principais evidências científicas a respeito da maconha, publicadas pelo NIDA (National Institute of Drug Abuse) dos EUA. É o maior centro de pesquisas sobre drogas no mundo.
(19) Dados de pesquisa longitudinal feita pela Fundação de Pneumologia da Grã-‐Bretanha, sobre danos pulmonares causados pela maconha.
(20) Pesquisa mostrando as probabilidades (Odds Ratio) de determinados problemas pelo início precoce no uso da maconha. (Fergusson, 2013).
A CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 28 Cid Vieira de Souza Filho A manutenção do denominado porte de entorpecente para uso próprio, atualmente aplicado à conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar encontra justificativa por não ser considerado um atentado contra a saúde individual daquele que pratica tal conduta, mas sim por considerar-‐se um atentado contra a saúde pública. Em que pese o fato do usuário da droga prejudicar sua própria saúde, não podemos nos olvidar de que a coletividade, como um todo, também é colocada em risco. O vício das drogas tem o potencial de desestabilizar o sistema vigente. Nessa linha de raciocínio, necessário se faz consignar elucidativa lição do eminente Vicente Greco Filho (2011): “(...) a punição do simples porte se insere, como parte no todo, no quadro geral e no ciclo operativo completo, da luta, com meios legais, em todas as frentes, contra o alto poder destrutivo do uso de estupefacientes encontra a difusão de seu contágio que alcançam o nível de manifestações criminosas tais que suscitam, em medida cada vez mais preocupante, a perturbação da ordem”. (grifo nosso). E continua o renomado autor (2011): “A razão jurídica da punição daquele que adquire, guarda ou traz consigo para uso próprio é o perigo social que sua conduta representa. Mesmo o viciado, quando traz consigo a droga, antes de consumi-‐la, coloca a saúde pública em perigo, porque é fato decisivo na difusão dos tóxicos. Já vimos ao abordar a psicodinâmica do vício que o toxicômano normalmente acaba traficando, a fim de obter dinheiro para aquisição da droga, além de psicologicamente estar predisposto a levar outros ao vício, para que compartilhem ou de seu paraíso artificial ou de seu inferno”. Da não ofensa aos direitos e garantias fundamentais Com efeito, a Constituição Federal de 1988 garante a todos a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Analisemos, pois, a redação do art. 5.º, X da Constituição Federal: “Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-‐se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: (...) X –" são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” Os direitos à intimidade e a própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando e tutelando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas. A intimidade é tudo aquilo quanto diga respeito única e exclusivamente à pessoa em si mesma, a seu modo de ser e de agir, ou seja, envolve as relações familiares e de amizades.
Ao passo que a vida privada diz respeito ao modo de viver de cada pessoa. É o reconhecimento de que cada um tem direito a seu próprio estilo de vida. A liberdade da vida privada envolve a possibilidade de realização da vida sem ser molestado por terceiros, ou seja, sem ser agredido por intromissão alheia. Isso implica a uma proibição, dirigida tanto à sociedade quando ao Poder Público, de imiscuir-‐se na vida privada. Entretanto, mister se faz ressaltar de que os direitos e garantias fundamentais, consagrados no art. 5.º da Constituição Federal não são absolutos. Em outras palavras, referidos direitos e garantias sofrem limitações. Além disso, o argumento de que a norma penal incriminadora contida no art. 28 da Lei de Tóxicos afronta o princípio da igualdade na medida em que estabelece distinção de tratamento penal a drogas ilícitas e não penais a drogas lícitas, com efeitos psicotrópicos mais lesivos que muitas drogas ilícitas, a exemplo do tabaco e das bebidas alcoólicas, não merece prosperar. Punir aquele que tem a posse da droga para uso próprio, como a cocaína, não implica em tratar com desigualdade os iguais, de modo que aquele que a possuísse legalmente, embora com a mesma potencialidade lesiva, estaria praticando conduta lícita. Nessa mesma linha de raciocínio é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci (2006, p.756): “A expressão sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar constitui fator vinculado à ilicitude, porém inserido no tipo incriminador torna-‐se elemento deste e, uma vez que não seja preenchido, transforma o fato em atípico. Portanto, adquirir, guardar, ter em depósito (etc.) drogas, para consumo pessoal, devidamente autorizado, é fato atípico.” É que, na verdade, são desiguais e estão sendo tratados nos limites de sua desigualdade. Os princípios garantidores da intimidade e da vida privada não podem servir de salvo-‐conduto para a prática de infrações penais, evitando, com isso, a sensação de impunidade, bem como conferindo um caráter de prevenção geral, no sentido de compreender a punição do agente que, porta substância entorpecente, para consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, como um instrumento de intimidação geral dos indivíduos que, diante da ameaça abstrata e concreta da imposição de pena, malgrado não seja privativa de liberdade, ficariam motivados a não transgredir a norma penal. Sobre esse ponto, precisa é a lição do eminente Alexandre de Moraes (2009, p. 32): “Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5.º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”. Do posicionamento do Supremo Tribunal Federal
No ano de 2007, ao apreciar o RE 430105/QO/RJ (Relator Min. Sepúlveda Pertence) o Pretório Excelso se posicionou sobre a matéria em apreço. Veja-‐se: “A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-‐se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-‐se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-‐se-‐ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias consequências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-‐se o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-‐se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado ‘Dos Crimes e das Penas’. Por outro lado, salientou-‐se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006 fixou em dois anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-‐se a extinção da punibilidade do fato e, em consequência, concluiu-‐se pela perda de objeto do recurso extraordinário” (STF, 1º Turma, RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. Informativo n. 456. Brasília, 12 a 23 de fevereiro de 2007). Ao apreciar o RE 635660 SP (Relator Min. Carlos Ayres Britto) a Suprema Corte ratificou o entendimento, acima mencionado, sobre a matéria objeto do presente ensaio. Vejamos: “A punição, na hipótese, é de rigor para salvaguardar a sociedade do mal potencial causado pelo porte de droga, apto a ensejar o incremento do tráfico de entorpecentes, a par de outros delitos associados ao uso indevido da droga. Ademais, deve ser ponderado que o E. Supremo Tribunal Federal, a quem compete o controle de constitucionalidade das normas, em momento algum reconheceu a indigitada inconstitucionalidade, razão pela qual o dispositivo de lei há que ser observado e cumprido.” (STF, RE 635660 SP, rel. Min. Carlos Ayres Britto, 22.3.2011). Conforme podemos ver na análise dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal,sobre a matéria tratada no presente ensaio, não paira qualquer dúvida acerca da constitucionalidade do art. 28 da Lei de Tóxicos. A suprema corte brasileira, data máxima
venia,deixou de joelhos qualquer argumento contrário, malgrado a força com que é defendido. Linhas acima, afirmou-‐se que o uso de substâncias entorpecentes é tão antigo quanto à humanidade. Naquela época, dado o seu contexto histórico e cultural, fazia-‐se o uso de substâncias entorpecentes em rituais, festas etc., entretanto, de forma moderada e de acordo com as necessidades de cada caso. Ao longo dos anos, o uso dessas substâncias passou a se dar de forma desregrada e, em razão do mal potencial causado pelo uso a torto e a direito, viu-‐se a necessidade de uma regulamentação, não podendo, assim, o Poder Público manter-‐se inerte ante o anseio da coletividade de pôr fim – se possível – a tal situação. Daí é que se acabou por considerar o porte de substâncias entorpecentes para consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, crime. CONSIDERAÇÕES FINAIS Finalmente se nota a identificação no sentido de que o dispositivo que cuida do porte de substância entorpecente para consumo próprio (art. 28 da Lei 11.343/06) é constitucional, identificando-‐se, este entendimento, com as decisões dos tribunais pátrios, destacando-‐se o posicionamento fincado pelo Supremo Tribunal Federal, em razão da não aplicação do princípio da insignificância, bem como considerando que a norma instituída no dispositivo sob análise cuida de interesse coletivo, e não individual, não perdendo de vista, por fim, que se trata de infração de mera conduta, a qual descreve, pura e simplesmente, um comportamento, sem qualquer menção a qualquer resultado, consumando-‐se, portanto, com a mera prática de qualquer das condutas previstas no referido dispositivo legal. Conforme foi exaustivamente demonstrado, o bem juridicamente tutelado pela norma contida no art. 28 da Lei 11.343/06 é a saúde pública. Assim, no Estado Democrático de Direito em que vivemos é completamente inadmissível que um mero interesse privado em fazer uso de substâncias entorpecentes se sobreponha a um interesse coletivo de se combater o uso das drogas e de seus malefícios. Dessa forma, o interesse privado sucumbe ante ao interesse de toda uma coletividade em se combater a difusão do uso de drogas. A norma tutela interesse coletivo, que se sobrepõe ao direito individual de liberdade, constitucionalmente assegurado. A posse de substância entorpecente representa perigo para a saúde pública, o que autoriza o apenamento da conduta do agente sem que resulte ferido o seu direito à intimidade, como bem entendeu o Supremo Tribunal Federal.
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