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O SER-PARA-A-MORTE Como Elemento Fundamental da Existência
Autêntica em Martin Heidegger (1889-1976)
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Gunnar Gabriel ZABALA MELGAR
O SER-PARA-A-MORTE Como Elemento Fundamental da Existência
Autêntica em Martin Heidegger (1889-1976)
Humanitas Vivens Ltda
Uma Instituição a serviço da Vida!
Sarandi (PR) 2009
6
Copyright 2009 by Humanitas Vivens Ltda
EDITOR:
Prof. Dr. José Francisco de Assis DIAS
CONSELHO EDITORIAL:
Prof. Ms. José Aparecido PEREIRA
Prof. Ms. Fábio Inácio PEREIRA
Prof. Ms. Leomar Antônio MONTAGNA
REVISÃO GERAL:
André Luis Sena dos SANTOS
Anna Ligia CORDEIRO BOTTOS
Paulo Cezar FERREIRA
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:
Agnaldo Jorge MARTINS
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Zabala Melgar, Gunnar Gabriel
Z12s O ser-para-a-morte: como elemento
fundamental da existência autêntica em Martin
Heidegger (1889-1976) [recurso
eletrônico] / Gunnar Gabriel Zabala Melgar.-
- Sarandi, Pr : Humanitas Vivens, 2009.
ISBN: 978-85-61837-13-6
Modo de acesso:
<www.humanitasvivens.com.br>.
1. Filosofia alemã. 2. Heidegger, Martin,
1889-1976 - Vida e obra. 3. Existência
autêntica. 4. Angústia.
CDD 21.ed. 193
Bibliotecária: Ivani Baptista CRB-9/331 O conteúdo da obra, bem como os argumentos expostos, é de
responsabilidade exclusiva de seus autores, não representando o ponto de
vista da Editora, seus representantes e editores.
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www.humanitasvivens.com.br – contato@humanitasvivens.com.br Fone: (44) 3042-2233
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A todos os que direta ou indiretamente estiveram
presentes na minha vida, e arduamente se
empenharam para que me tornasse um bom ser
humano, meus cordiais agradecimentos.
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RESUMO
Este trabalho tem como título o Ser-para-a-morte como elemento
fundamental da existência autêntica no pensamento de Martin
Heidegger. Inicialmente o texto apresenta os principais
acontecimentos (históricos) que marcaram a vida do autor,
praticamente perpassando todo o século XX. Após a
contextualização histórica, há um espaço que trata sobre alguns
fatos de sua vida e quais foram as suas obras mais significativas.
Num segundo momento, é trabalhada a Analítica existencial
presente no pensamento do autor, algumas expressões peculiares
às suas pesquisas, bem como o Dasein, o Ser-com-os-outros e o
Ser-no-mundo. Finalmente, na penúltima parte do trabalho,
segue-se o estudo sobre o Ser-para-a-morte, a Angústia e a
escolha, na qual logo após confrontar-se a si mesmo o indivíduo
é levado a optar por uma vida autêntica ou por tornar-se mais um
ser que tem seu ser em contínua degradação. São descritos em
algumas partes do trabalho as situações limite e de miséria à qual
a humanidade no decorrer do século foi obrigada a submeter-se,
como por exemplo, o nazismo, a Segunda Guerra Mundial, os
milhões de inocentes mortos, e especialmente o último capítulo,
é dedicado a esclarecimentos que o próprio Heidegger faz,
quando é entrevistado pelo jornal Der Spiegel, em relação ao seu
envolvimento com o Reich de Hitler.
Palavras-chave: Existência autêntica. Ser-aí. Ser-com-os-
outros. Angústia. Ser-para-a-morte.
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ABSTRAKT
Der Titel dieses Werks ist das Wesen (Sein)-für-den-Tod als
zentralen Element der realen Existenz, nach Martin Heidegger.
Zunächst präsentiert der Text die wichtichste Ereignisse
(historische) die das Leben des Autors verzeichnen, durchgesetzt
prektisch den gesamten zwanzigsten Jahrhunderts. Nach der
historischen Kontextualisierung werden einige Fakten im Leben
des Autors und auch seine bedeutende Werke behandelt. In einen
zweiten Moment wird die existentielle Analytik, die in den
Gedanken dieses Autors vorkommen, bearbeitet, ebenso
sonderliche Ausdrücke für seine Forschungen, wie das Dasein,
das Sein (Wesen)-mit-den-anderen und das Sein (Wesen)-auf-
der-Welt. Schlieβlich, im vorletzten Teil des Textes folgt das
Studium über das Sein (Wesen)-für-den-Tod, die Angst
(Beklemmerung) und die Wahl, in der gleich nach dem
Vergleich mit sich selbst, wird das Sein (Wesen) zu einer
Entscheidung gebracht: ist es für ein wahres, echtes Leben oder
wird es nur noch ein Wesen, dessen eigenes Sein (Wesen) in
ständige Entwürdung (Abbau) lebt. In einigen Seiten des Werks
werden angrenzende Situationen und des Elends beschrieben, in
denen die Menschheit im Laufe des Jahrhunderts verpflichtet
wurde, zum Beispiel der Nationalsozialismus, der zweite
Weltkrieg, die Millionen unschuldigen Toten. Besonders der
lezte kapitel, ist hingegeben auf Erklärungen die Heidegger
selbst macht, während des Interwiews von der Zeitung „Der
Spiegel“, über sein eigenes Engagement mit Hitlers Reich.
STICHWORTE: wahre Existenz. Dasein. Sein-mit-den-
anderen. Angst (Beklemmerung). Sein-für-den-Tod.
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Sumário
1 INTRODUÇÃO ..........................................................
2 O PENSAMENTO DE HEIDEGGER,
NO PANORAMA GLOBAL E
FILOSÓFICO DO SÉCULO XX .....................................
2.1 Prelúdios da Primeira Grande Guerra ............................
2.2 A Revolução de 1917 .....................................................
2.3 “Entre - Guerras” ............................................................
2.4 O Advento do Nazismo e o Seu Idealizador...................
2.5 Concretização de Uma Ideologia Demente e
Sua Influência Sobre o Mundo:
“A Segunda Guerra Mundial” ..............................................
2.6 Perfil Biobibliográfico ....................................................
3 A ANALÍTICA EXISTENCIAL
HEIDEGGERIANA ..........................................................
3.1 O Homem e as suas Relações ........................................
3.2 O Dasein ........................................................................
3.3 O Ser-No-Mundo ............................................................
3.4 O Ser-Com-Os-Outros ...................................................
3.5 A Temporalidade ............................................................
4 A MORTE COMO FUNDAMENTO DA
EXISTÊNCIA AUTÊNTICA
EM HEIDEGGER ..............................................................
4.1 O Ser-Para-a-Morte ........................................................
4.2 A Angústia Como Componente da
Existência Autêntica .............................................................
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5 ALGUMAS CONTROVÉRSIAS QUE
GERARAM POLÊMICAS NA VIDA E
NO PENSAMENTO FILOSÓFICO
DE HEIDEGGER ................................................................
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................
REFERÊNCIAS ..................................................................
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1 INTRODUÇÃO
Desde o seu nascimento há cerca de 2.500 anos, a
filosofia mostra-se presente a tudo o que diz respeito ao
cotidiano do homem. São questões que perpassaram as
inúmeras interrogações nos primórdios da humanidade,
outras como o “se penso, logo existo”, foram se perpetuando
até chegar aos pensadores contemporâneos, que
profundamente almejaram alcançar o ser em seu sentido
mais essencial.
O seguinte trabalho está organizado numa ordem
lógica e cronológica, onde por meio do qual estão pautados
os principais pontos que estão relacionados diretamente ao
pensamento de Martin Heidegger, o autor foco da pesquisa.
Primeiramente, dá-se uma visão globalizante de como
estava o contexto político internacional no continente
europeu, às vésperas da Primeira Guerra, os déspotas que
governavam algumas potências e como já havia um clima de
tensão e rivalidade entre eles. Como, a partir de umas
derrotas, a competição se perpetuou e insurgiu ao final de
mais ou menos duas décadas, ocasionando um dos maiores
genocídios de todos os tempos protagonizado pelo “homo
sapiens sapiens”.
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A realidade de onde saiu Heidegger, a pátria, pela
qual ele lutara à frente de batalha na Primeira Guerra, antes
de se tornar assistente de Husserl. Seus escritos, sua
inteligência magnânima, formam o resultado de sua vida
que como acadêmico vislumbrara inúmeros temas, entre
eles a busca pelo verdadeiro sentido do ser. Tantas foram as
expressões utilizadas para adjetivar o pensamento de Martin
Heidegger, que entre elas estão, “a filosofia da morte”, a
“filosofia do nada”, a “filosofia do ser”, a “filosofia da
liberdade”, enfim, este filósofo ao utilizar-se de uma
terminologia própria é tão claro e tão obscuro ao mesmo
tempo, que torna trabalhosas as pesquisas a respeito de suas
publicações.
No decorrer deste texto estão apresentadas em dois
grandes eixos o desenrolar da Analítica existencial
heideggeriana, subdividindo o homem como um ser jogado
e desterrado, como um ser presente no mundo e como um
ser essencialmente social, assim como afirmou um dia,
Aristóteles. Na segunda parte, está o homem como um ser-
para-a-morte, que ao estar numa sociedade com outros seres
humanos, deve optar por alcançar ou não, o verdadeiro
sentido de seu próprio ser, ou seja, a sua existência
autêntica.
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2 O PENSAMENTO DE HEIDEGGER,
NO PANORAMA GLOBAL E FILOSÓFICO
DO SÉCULO XX
Neste primeiro capítulo abordar-se-ão importantes
acontecimentos ocorridos no último século, como a Primeira
e a Segunda Guerra Mundial e, a Revolução de
Bolchevique. Fatos estes, que incidem sobre a vida e o
pensamento de Martin Heidegger, autor cujo pensamento
será desenvolvido no decorrer de toda esta pesquisa, e no
qual também estão especificamente situados alguns
momentos de sua carreira filosófica.
2.1 Prelúdios da Primeira Grande Guerra
No período que se inicia desde o declínio de
Bismarck até a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha
recebeu o seu terceiro Imperador, Guilherme II. Trono
injustificado, pois este imperador não possuía uma
personalidade capaz de imprimir força e caráter a nenhum
momento histórico de uma nação. O seu governo com suas
instabilidades entre a transigência e a acentuação exagerada
do poder, entre a disposição para a paz e as ameaças bélicas,
a atitude sentimentalmente social e um conceito divino
exercido despoticamente, entre o idealismo e o
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materialismo, os entusiasmos românticos sentimentais e a
frieza cínica, são reflexos de sua atuação.
Com a sua sensibilidade exacerbada e o seu
egocentrismo, manteve sempre a pretensão de dirigir o seu
povo; confundia com freqüência as concepções da sua época
com seu próprio juízo. A sua política tornou-se ambígua e
impenetrável, porque ele próprio era contraditório, assim
como confuso e vacilante no cumprimento de seus
objetivos. Ao ter a clara certeza, no entanto, de que possuía
um especial olfato político, raras vezes deixava de converter
suas idéias no fio condutor da política alemã. Sempre que
viajava ou aparecia em público, tinha o desejo de causar
impressão de um monarca especialmente dotado por Deus.
Ele tinha certeza de que a França e a Rússia eram
inimigas iminentes da Alemanha e a sua atitude em relação
à Inglaterra esteve sempre encoberta por uma profunda
desconfiança. E por mais que manifestasse a sensação de
segurança, sentiu-se sempre ameaçado e em perigo, junto ao
Império. Tentou superar tais ameaças mediante alusões
provocativas ao poder militar alemão, com um constante
aumento do potencial bélico. Com isso, conseguiu somente
que os vizinhos da Alemanha começassem a ver nele e no
seu povo, um perigo contra a paz.
Deste modo, tudo o que Bismarck havia evitado com
a sua política moderada, Guilherme II conseguiu provocar,
com a sua inábil política; e apesar do Império alemão estar
armado até os dentes, formaram-se sistemas de alianças que
ultrapassaram a potência alemã.
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No final do século XIX, grande parte dos orçamentos
europeus eram destinados à manutenção de uma grande
indústria bélica, o que transformou o Velho Continente num
verdadeiro campo minado, tornando esse período conhecido
como a Paz Armada. Nessa mesma época, Bismarck fundou
a Liga dos Três Imperadores, da qual faziam parte a
Alemanha, a Áustria-Hungria e a Rússia. Entretanto havia
divergências entre a Rússia e a Áustria em relação aos
Bálcãs, e já que a Rússia apoiava as minorias eslavas,
desejosas de independência, com isso, acabou-se a aliança
em 1878. No ano de 1882, o II Reich firmou a Tríplice
Aliança (Alemanha, Áustria e Itália).
No início do século XX, a Inglaterra se aproximou da
França e assim, formaram a Entente (França, Inglaterra e
Rússia), que fundia os interesses comuns dos dois países no
plano internacional. Passavam, pois, a existir na Europa dois
grandes blocos antagônicos: a Tríplice Aliança e a Tríplice
Entente, que incitaram os preparativos armamentistas.
A crise balcânica de 1914 precipitou a guerra entre os
dois grandes blocos, e a luta que se imaginava rápida,
prolongou-se tornando-se uma guerra de trincheiras. Os
inimigos concentraram-se na produção de armas e
equipamentos, o povo reagiu. Tomou grandes proporções na
França, a qual se saia bem, até que apesar dos sinais de
fraqueza dos Impérios da Aliança, dois acontecimentos
mudaram a história: a Rússia por meio do seu Czar Nicolau
II sai do conflito em razão da Revolução de Bolchevich de
1917, e a entrada dos Estados Unidos.
O fim da Guerra foi conquistado por armistícios, a
primeira tentativa foi com a Bulgária em 29 de setembro de
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1918, e a derrocada final, foi com a Alemanha, em 11 de
novembro de 1918. As conseqüências da Guerra foram
catastróficas, pois a Europa tornou-se um cenário de
escombros, sentimentos de perda e dor:
a Primeira Guerra Mundial, anunciada como a ‘guerra para
terminar com as guerras’, além de preparar conflitos
posteriores ainda mais graves, deixou fixa a imagem de
devastações e morticínios. Perto de treze milhões foram
mortos e vinte milhões feridos. ‘As despesas bélicas não
apresentam termo de comparação com as das guerras
precedentes e as devastações infligidas aos países, em cujos
territórios se desenvolveram as operações ou devido à
campanha submarina, alcançam números vertiginosos.
Levando em conta a alta dos preços, o custo total do conflito
representa 30% da riqueza nacional francesa, 22% da alemã,
32% da inglesa, 26% da italiana e 9% da norte-americana’.
(CROUZET Apud VICENTINO, 1997, p. 362).
Após as operações militares, os vitoriosos celebraram
em janeiro de 1919, a Paz de Versalhes. Formado o Tratado
de Versalhes, a Alemanha foi considerada culpada pela
guerra, criando uma série de determinações que visavam
enfraquecê-la e desmilitarizá-la.
O Tratado de Versalhes oficializou a fundação da
Liga das Nações, sem a participação da Alemanha e da
Rússia, e cuja função seria a de um fórum internacional que
garantisse a Paz mundial. No mesmo ano, com a Áustria, os
aliados formaram o Tratado de Saint-Germain, que
desmembrou o Império Austro-Húngaro, retirando a saída
para o mar da Áustria e forçando-a a reconhecer a
independência da Polônia, da Tchecoslováquia, da Hungria
e da Iugoslávia. Sucessivamente foram firmados os tratados
de Trianon com a Hungria, o Tratado de Neuilly com a
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Bulgária, e com a Turquia o de Sévres, este último
substituído posteriormente por outro, o Tratado de Lausanne
em 1923, por causa da reação turca quanto às normas do
Tratado de Sévres.
Os tratados de Paz impostos aos países derrotados,
mais especificamente o de Versalhes, foi como semear
sementes de revanche e descontentamento que ao final de
vinte anos desembocaria em outro grave conflito mundial.
2.2 A Revolução de 1917
Em relação à Revolução Russa, ou de Bolchevich,
esta foi o resultado de uma série de descontentamentos da
população russa, que estava sob o domínio absolutista do
Czar. No estopim da II Guerra, o partido bolchevista tomou
o poder na Rússia e implantou inovadoramente um regime
socialista. A Rússia vivia uma autocracia czarista, um país
de 22 milhões de quilômetros quadrados, com uma
população de 170 milhões de habitantes, dos quais 85%
eram campesinos e no qual a nobreza possuía a metade das
terras aráveis. A revolução industrial havia gerado um
grande número de proletários que se concentravam nos
grandes centros como, São Petersburgo, Odessa e Moscou.
A cada dia aumentava o descontentamento da massa
proletária contra o regime czarista, que era sustentado pela
nobreza e pela burguesia industrial e mercantil.
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Em 1861 Alexandre II abolira a servidão, mas no
campo ainda estava muito latente a tensão social, em razão
da escassez de terras para a quantidade de camponeses, a
improdutividade de boa parte delas, os altos impostos e a
imponência por parte do alto governo.
Os populistas (narodniks) pregavam uma fidelidade
cega à Igreja Ortodoxa, que era favorável ao sistema da
autocracia czarista. Já os anarquistas (niilistas) tiveram mais
aceitação por parte do povo, pois pregavam o anticzarismo e
o fim das injustiças sociais. O movimento cresceu e tomou
força através da divulgação de panfletos, grupos secretos,
sabotagens e atentados. Se presos, as penas eram de morte
ou desterro. Em 1881 Alexandre II foi morto, e após dois
anos em Genebra surgira o primeiro grupo social-
democrata, o qual tomou posição contra o terrorismo. Tal
grupo introduzira na Rússia as idéias de Marx e Engels. O
regime czarista sistematizava a repressão, o ensino e o
domínio sobre os trabalhadores urbanos e rurais.
No governo de Nicolau II (1894-1917), a crise
tornou-se gravíssima, pois ele detinha a teoria do direito
divino dos governantes, ocasionando desta maneira, revoltas
na Finlândia, Polônia, Ucrânia e na área do Mar Báltico
contra a russificação. Foi desarticulado o Partido Social-
democrata russo (1898), que novamente tornou a organizar-
se no exterior de onde Vladimir Ilitch Ulianov (Lênin),
espalhava suas idéias através do periódico Iskra. Por meio
de um grupo marxista, Lênin aprofundou seus estudos no
seu desterro na Sibéria, no exílio em Londres, Munique e
Genebra.
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O Partido Social-democrata acreditava que a Rússia
sendo subdesenvolvida, precisava passar por uma revolução
democrático-burguesa que desenvolvesse o capitalismo e
favorecesse uma revolução do proletariado. Num Congresso
do Partido em Bruxelas e Londres, a idéia da revolução foi
debatida, e os grupos opostos, bolcheviques (maioria) e os
mencheviques (minoria), entraram em debate, pois o
primeiro grupo, liderado por Lênin defendia a idéia de uma
revolução imediata, com a implantação de uma ditadura do
proletariado guiada por um partido operário-camponês,
enquanto que os mencheviques eram desejosos, de um
casual desenvolvimento do capitalismo para a partir daí
começar a revolução.
Lev Davidovitch Bronstein (Trotski) acreditava que
somente uma revolução social tiraria a Rússia do atraso, e
de um outro lado, estava o Partido Constitucional
Democrata, dos Cadetes (a burguesia liberal), que defendia
uma monarquia constitucional. A derrota da Guerra Russo-
Japonesa de 1905 revelou as deficiências do Estado russo.
Iniciaram-se manifestações, em São Petersburgo o
exército abriu fogo contra manifestantes que desejavam
fazer negociações com o czar. Este dia foi conhecido como
Domingo Sangrento de 22 de janeiro de 1905, 9 de janeiro
conforme o calendário russo1, e a partir daí a revolta se
1No começo do século XX, a Rússia czarista ainda utilizava o calendário Juliano, instituído por Júlio César em 45 a.C. No Ocidente adotava-se o calendário gregoriano, instaurado pelo papa Gregório XIII, em 1502, e que se diferenciava em 13 dias do Juliano. Assim, a Revolução Russa de fevereiro, iniciada dia 23, em nosso calendário seria Revolução de março (8 de março), do mesmo modo que a Revolução de outubro, para nós, seria de novembro. O calendário ocidental só foi adotado na Rússia em 1918, já sob o regime comunista.
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espalhou. Na Inglaterra, os bolcheviques tomaram a decisão
de aderir à revolução democrático-burguesa, para depois
caracterizá-la com idéias socialistas. Aumentou a pressão
das greves e contestações, apareceram conselhos de
operários (sovietes).
Numa tentativa de manobra para com o povo, o czar
convocou eleição para o Parlamento, e até 1917, o país
viveria num falso constitucionalismo. Ele também pretendia
realizar reformas agrárias com o objetivo de criar uma
classe média camponesa que apoiasse o czar. Não deu certo,
e pelo contrário, favoreceu o proletariado rural, aumentando
o descontentamento. Um certo místico, chamado Rasputin,
exercia forte influência sobre o czar e a sua esposa. As
greves eram mais freqüentes a partir de 1912, chegado o ano
de 1916, eram mais de 200.000 trabalhadores
desempregados. O exército havia tido três milhões de
baixas, o que ocasionava um aumento na oposição ao
sistema.
Em meados de 1917 a burguesia liberal, com o apoio
da esquerda moderada, provocava manifestações nas ruas, o
que ocasionou uma parada geral em São Petersburgo
(capital do país). Nicolau II não se preocupou, pois confiava
no seu exército. Em março a falta de carvão interrompeu o
trabalho nas fábricas e as greves se generalizaram. As
revoltas eram especialmente para derrubar a autocracia, e a
polícia não conseguira deter o movimento.
No dia 13 de março o exército, mobilizado pelo
clamor do povo, recusou-se a marchar contra este, o que
ocasionou uma desestruturação do poder imperial, e
abdicação do czar. Constituíram-se dois poderes paralelos: a
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Duma e os Sovietes, conselhos de operários, soldados e
camponeses, pró-república socialista. poder de Lênin estava
nos sovietes, no Exército Vermelho, na polícia política, a
Tcheka, e no Partido Bolchevique, transformado em Partido
comunista em 1918. Tal regime enfrentou três anos de
guerras contra os russos brancos (em oposição aos russos
vermelhos) 2. Os inimigos eram favoráveis ao antigo
regime, junto com o apoio de países vizinhos que temiam
que o socialismo se difundisse. Em julho de 1918 os
revolucionários executaram a família real. E passado todo o
estouro da pólvora russa, em janeiro de 1924, foi ratificada a
Constituição do novo regime. Algumas províncias que
tinham se separado durante a revolução, reintegraram-se
novamente. E em 1922, tais Estados reunidos à Rússia
2“Durante grande parte do breve Século XX, o comunismo soviético proclamou-se um sistema alternativo e superior ao capitalismo, e destinado pela história a triunfar sobre ele. E durante grande parte desse período, até mesmo muitos daqueles que rejeitavam suas pretensões de superioridade estavam longe de convencidos de que ele não pudesse triunfar. E com a significativa exceção dos anos de 1933 a 1945, a política internacional de todo o breve Século XX após a Revolução de Outubro pode ser mais bem entendida como uma luta secular de forças da velha ordem contra a revolução social, tida como encarnada nos destinos da União Soviética e do comunismo internacional, a eles ainda ou deles dependente. À medida que avança o breve Século XX, essa imagem da política mundial como um duelo entre as forças de dois sistemas sociais rivais (cada um, após 1945, mobilizado por trás de uma superpotência a brandir armas de destruição global) se tornou cada vez mais irrealista. Na década de 1980, tinha tão pouca relevância para a política internacional quanto as Cruzadas. Mas podemos entender como veio a existir. Pois, mais completa e inflexível até mesmo que a Revolução Francesa em seus dias jacobinos, a Revolução de Outubro se via menos como um acontecimento nacional que ecumênico. Foi feita não para proporcionar liberdade e socialismo à Rússia, mas para trazer a revolução do proletariado mundial. Na mente de Lênin e seus camaradas, a vitória bolchevique na Rússia era basicamente uma batalha na campanha para alcançar a vitória do bolchevismo numa escala global mais ampla, e dificilmente justificável a não ser como tal.” (HOBSBAWM, 1998, p.63).
26
soviética, formavam a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, a URSS.
2.3 “Entre - Guerras”
O período entre as duas grandes Guerras teve uma
grave presença política radical no continente europeu. Os
regimes totalitários mais fortes foram, o fascismo na Itália e
o nazismo na Alemanha. Diferentemente de tais políticas,
estão os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, onde
estava presente a democracia liberal.
Os adeptos das ditaduras fascistas rejeitavam a luta de
classes, o internacionalismo e também o seu conhecido
parlamentarismo liberal. Consideravam-se revolucionários e
eram conscientes de uma solução nacionalista, autoritária e
corporativa para todos os problemas internos. A Guerra
frustrou o sistema, o seu anticomunismo era a porta de
entrada para o capitalismo, que sob a fachada de um
anticapitalismo vigorava a todo vapor.
Após a tomada do poder pelos fascistas no ano de
1922 na Itália, outros países formaram ditaduras fascistas3,
3“O termo fascismo, lançado por Mussolini, vem do italiano fascio, que sifnifica ‘feixe’. Na Roma antiga, no tempo dos césares, os magistrados eram precedidos por funcionários, os littor que empunhavam machados cujos cabos compridos eram forçados por muitas varas fortemente atadas em torno da haste central. Os machados simbolizavam o poder do Estado de decapitar os inimigos da ordem pública. E as varas amarradas em redor
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como a Espanha, Portugal, Polônia e a Iugoslávia. Com a I
Guerra os países democráticos derrotaram as antigas
monarquias (conservadoras e autoritárias), os novos países
que surgiram no pós-guerra, como Polônia,
Tchecoslováquia e Iugoslávia, juntamente com os vencidos,
Alemanha e Áustria, adotaram a República com suas
devidas constituições liberais e democráticas.
A crise que se espalhou por todo o mundo, definhou
com diversos regimes republicanos, dando lugar aos já
citados regimes autoritários. Às vésperas da II Grande
Guerra, alguns países apenas conservavam o regime
democrático, e mesmo assim com graves contestações e
sucessivas tentativas de substituição por ditaduras.
Entretanto, tais democracias estavam em crise, cheias de
problemas, sendo que a supremacia, já não se encontrava
mais na Europa, mas, na grande potência americana.
2.4 O Advento do Nazismo e o Seu Idealizador.
Na Europa, algumas das razões que foram favoráveis
ao sucesso do nazismo na Alemanha, foram muito similares
às do fascismo italiano, agregadas à derrota alemã na I
Guerra e à humilhação dada a ela através do Tratado de
Versalhes. A seguir está o relato de como o nazismo surgira
na Alemanha:
do cabo constituíam um feixe que representava a unidade do povo em torno da liderança.” (KONDER Apud VICENTINO, 1997. p.376).
28
O Partido Nazista foi fundado na Baviera pelo ferroviário
Anton Drexler com o nome de Partido Operário Alemão
(Deutsche Arbeiter Partei). Adolf Hitler compareceu a uma
das suas primeiras reuniões como espião militar, e acabou
aderindo ao partido, desligando-se das forças armadas. Em
fevereiro de 1920, Hitler já era o dirigente responsável pela
propaganda do partido e mudou-lhe o nome para Partido
Operário Alemão Nacional-Socialista (National-Sozialistiche
Deutsche Arbeiter Partei). Como os socialistas (Sozialisten)
eram popularmente chamados sozi, os nacional-socialistas
passaram a ser chamados de nazi (nazistas). (KONDER Apud
VICENTINO, 1997, p. 380).
Hitler quando foi preso pelo governo de Weimar,
escreveu Mein Kampf, uma obra na qual desenvolveu os
fundamentos do nazismo, a idéia pseudocientífica da
existência da raça ariana (descendente de um grupo indo-
europeu extremamente puro), um nacionalismo exacerbado,
o totalitarismo, o anticomunismo e o princípio do espaço
vital, que basicamente seriam todos os territórios dominados
pelos alemães.
Entre 1923 e 1929, o regime nazista teve sua presença
debilitada em todo o mundo, até que com a quebra da Bolsa
de Nova York e do mundo, inclusive na Alemanha, os seis
milhões de desempregados surgidos com a crise
fortaleceram a formação dos grupos políticos de esquerda, e
de forma expressiva os comunistas, o que fez com que a
elite e classe média despertasse para as propostas nazistas,
como a salvação nacional4. Com a queda da Bolsa em 1929,
4“Joseph Goebbels foi o porta-voz do nazismo e utilizou-se do rádio, do cinema, do teatro e da literatura para divulgar sua convicção totalitária e fidelidade a Hitler. ‘Bem educado e muito inteligente, foi um grande mestre na arte de influenciar as massas, um demagogo nato e um tático astucioso
29
os nazistas começaram por se engrandecer, fazendo
proclamações, paradas e desfiles colossais. Adolf Hitler se
erguia como o campeão na luta contra o bolchevismo, e já
em 1932 grandes empresas capitalistas iniciaram por dar-lhe
apoio financeiro, o que agrupado a uma população
descontente (classe média e área rural), fez com que o
partido nazista passasse dos 400.000 para 1,5 milhão em
1930.
Em 23 longos meses, entre golpes de força,
ilegalidades e assassinatos, Hitler implantaria sua ditadura
pessoal; sua campanha eleitoral foi um terror, houveram
reuniões invadidas, jornais depredados, líderes rivais foram
mortos; a pena de morte foi restabelecida e foram suspensas
as garantias individuais e civis. E com a morte de
Hindemburg (1934), Hitler tornou-se chanceler e presidente,
e todos os funcionários e oficiais, deviam-lhe juramento
pessoal de fidelidade.
Agora é então possível fazer uma breve explanação
sobre o 3º Reich (reinado). O I Reich foi o Sacro Império
Romano Germânico que Oton I fundou no ano de 962 e que
teve uma duração até 1806. O II Reich foi fundado em 1871
sob o governo de Guilherme I com a unificação alemã em
pleno século XIX. E Hitler fundou o 3º Reich, no qual ele
como “Supra-Sumo”, governava tudo e todos.
na política do poder. Ninguém como ele foi capaz de usar com tamanha audácia a mentira como instrumento político. Até hoje os especialistas no assunto não conseguem concordar a respeito de qual dos dois, Hitler ou Goebbels, foi o melhor orador. Goebbels, ao contrário de Hitler, permanecia totalmente frio, mesmo nos comícios mais intoxicantes. Nunca foi popular. Incapaz de controlar sua língua, quase não tinha amigos. Mas o pequeno Schrumpfgermane (o alemão encolhido) sabia como conquistar respeito.” (JANSSEN Apud VICENTINO, 1997, p. 381).
30
Hitler acabou com o Estado federalista, cada Estado
recebeu chefe por ele indicado, dissolvendo assim a
Assembléia do Reino. Os membros do partido ocuparam
todos os cargos da administração e a vida política se reduziu
a manifestações anuais do nazismo. Os judeus foram
extremamente perseguidos, marginalizados da
administração pública, do ensino (a educação), jornalismo,
atividades artísticas e literárias. Não lhes era permitida a
permanência em lugares públicos, um casamento entre
“ariano” e judeu, foi considerado como crime de profanação
racial.
No ano de 1938 a situação se agravou, a violência
popularizou-se, espancamentos, destruição de sinagogas e
casas, o uso de sinais de identificação, a proibição de exílio
etc., tudo se tornou mais comum, no governo de Hitler.
Ainda assim, Einstein, Thomas Mann, Habermas e outros
intelectuais conseguiram escapar do sistema opressor.
2.5 Concretização de Uma Ideologia Demente e
sua Influência Sobre o Mundo:
“A Segunda Guerra Mundial”
Em 1º de setembro do ano de 1939, o governo nazista
continuou o seu plano expansionista, invadindo a Polônia, o
que aguçou a Inglaterra e a França, que tinham
compromissos públicos a reagirem, iniciando assim a
Segunda Guerra Mundial. Desde 1939 até início de 1942,
Alemanha, Itália e Japão dominavam a luta, alcançando uma
31
contínua expansão e conquistando gigantescas e estratégicas
regiões da Europa, da África e da Ásia, entretanto, a partir
desta época, o poder avassalador foi decaindo, caminhando
rumo ao fim da expansão totalitária. Ao todo foram
aproximadamente seis milhões de judeus mortos, milhões e
milhões de dólares gastos em equipamentos bélicos e
mantimentos no decorrer dos conflitos.
Com a derrota alemã, a medida principal foi a divisão
da Alemanha em quatro zonas de ocupação (a inglesa, a
francesa, a norte-americana) que originariam em seguida a
Alemanha Ocidental, e a soviética, que mais tarde originaria
a Alemanha Oriental5.
A carta das Nações Unidas foi elaborada pela união
dos diplomatas de 50 países numa conferência em São
Francisco, Estados Unidos, entre abril e junho de 1945. A
Organização das Nações Unidas nasceu oficialmente no dia
24 de outubro de 1945, tendo como principal missão o
estabelecimento da paz e da segurança internacional, além
de desenvolver a cooperação entre as nações na tentativa de
solucionar os problemas econômicos, sociais, culturais e
humanitários, promovendo o respeito aos direitos humanos6.
Nesse período inteiro, desde os seus primórdios no final do
século XIX, Heidegger nasce, cresce e desenvolve o seu
pensamento filosófico.
5No contexto do pós-guerra, tem-se início à Guerra Fria, definida como uma tensão política e militar entre os EUA e URSS, perdurando até o fim da URSS com a Queda do Muro de Berlim, em 1989. 6É bom lembrar que em dezembro de 1948 foi declamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que neste ano (2008) está completando o seu 60º aniversário.
32
2.6 Perfil Biobibliográfico
Nasceu na Alemanha em fins do século XIX, mais
precisamente em Meβkirch (Baden) no ano de 1889. Foi
aluno de Edmund Husserl (1859-1938) e de Heinrich
Rickert (1863-1936), foi laureado em filosofia em 1914 com
a tese A doutrina do juízo no psicologismo e, em 1916 para
sua habilitação à docência escreveu O Conceito de Tempo
nas ciências históricas e também, A Doutrina das
categorias e do significado em Duns Escoto7.
Desde o ano de 1919 é assistente de Husserl, dando
aulas na diversidade dos temas relacionados à
fenomenologia. Comentava semanalmente as Investigações
Lógicas de Husserl. No início do século, Husserl
estabeleceu-se como professor na Universidade de Freiburg
e levou Heidegger que se tornou seu assistente. No ano de
1923 recebeu a cátedra de filosofia na Universidade de
Marburgo, trabalhando em cima de interpretações sobre
filósofos naturalistas como Heráclito de Éfeso (séc. VI a.C.)
e Parmênides de Eléia (séc. VI a.C.).
Entre 1917 e 1919 Heidegger prestou serviço militar
na frente de combate e envolveu-se intimamente com a
Primeira Guerra Mundial, o “agonizar apocalíptico” como
pode ser chamado logo em seguida ao grande século XIX.
Em 1927 foi publicado a 1ª parte do Ser e tempo, que
conforme o desejo de Heidegger deveria ter seu segundo
7Após um certo tempo, foi descoberto que Gramática Especulativa, obra de apoio de Heidegger para sua publicação na habilitação à docência universitária não era de Duns Escoto.
33
volume, entretanto, conforme os gratificantes resultados
obtidos na primeira parte não deu continuidade à sua obra-
prima, que foi dedicada a Husserl.
O objetivo declarado de Ser e Tempo é o de ontologia
capaz de determinar adequadamente o sentido do ser.
(...) Enquanto o Ser e Tempo se resume em uma
analítica existencial daquele ente (o homem) que se
propõe a pergunta sobre o sentido do ser, os escritos
de 1930 em diante abandoram a proposição
originária: não se trata mais de analisar aquele ente
que procura caminhos de acesso ao ser, mas sim o
ser mesmo e sua auto-revelação. E aqui,
precisamente, reside a ‘reviravolta’ do pensamento
de Heidegger, que no segundo período de sua
filosofia, prescinde da existência, que se torna uma
determinação não essencial do ser. Como escreve
ele: ‘A história do ser rege e determina toda condição
e situação humana. (REALE; ANTISERI, 1991, p.
582).
Em 1928 voltou à Universidade de Freiburg, para
lecionar no lugar de Husserl, tendo como discurso inaugural
da cátedra de Freiburg, Que é a Metafísica?, também foram
publicados no mesmo ano, Kant e o Problema da Metafísica
e Sobre a Essência do Fundamento. Quando Adolf Hitler
torna-se chanceler na Alemanha em 1933, Heidegger foi
promovido a reitor da Universidade de Freiburg8, tendo
8Tornou-se o 1º reitor nacional-socialista da Universidade de Freiburg; e depois decorridos dez meses, demitiu-se do cargo por discordância para com o regime. Sua afabilidade com o regime nazista estava implicitamente ligada ao desgosto no que diz respeito à tecnologia e industrialização de massa, e, portanto, do já antigo conflito político e militar entre EUA e URSS, e não propriamente num anti-semitismo, tanto que sua principal influência
34
como discurso de posse, A Auto-Afirmação da Universidade
Alemã, expressando assim, saudosas e esperançosas boas-
vindas ao regime nazista, no seu advento.
Publicou em 1936, Hölderlin e a Essência da Poesia;
e 1943, Sobre a Essência da Verdade. É interessante notar
que antes do fim da Guerra ele vivia quase isolado em sua
residência nas montanhas da Floresta Negra e após sua
aposentadoria na Universidade Freiburgo (em 1952),
possuía um restrito número de amigos.
Seu pensamento procede diretamente da
fenomenologia, e está profundamente vinculado com o de
seu mestre Husserl e também com o pensamento de Scheler.
Aproxima-se da mais rigorosa tradição metafísica. No seu 1º
artigo, em 1912, “O Problema da realidade na moderna
Filosofia”, observa criticamente, várias versões do
idealismo, defendendo o realismo crítico. Censura a
epistemologia como característica da filosofia desde
Descartes. Em “Novas Investigações da Lógica” de 1912,
critica a lógica de Frege, Russel e Whitehead, partindo dos
pressupostos que Husserl se utilizou ao criticar o
psicologismo.
Na Doutrina das Categorias, transparece a sua
admiração pela história, metafísica e subjetividade, que far-
se-ão marcantes na sua vida acadêmica posterior. Entre
1916 e 1927 dedicou sua vida demasiadamente aos estudos,
com especial ênfase à fenomenologia de Husserl, foi Edmund Husserl, que era judeu. Por essas razões ele foi proibido de lecionar entre os anos de 1945 e 1951. O IV Capítulo deste trabalho utiliza-se de uma entrevista que Heidegger concedeu ao Jornal Der Spiegel, para esclarecer algumas questões que ainda são motivo de dúvidas quanto à sua adesão ao nazismo.
35
antropologia de Scheler, hermenêutica de Dilthey,
Descartes, aos textos de São Paulo, Santo Agostinho e
Lutero. Para ele os escritos cristãos apresentavam momentos
decisivos na história, e também um tanto distinto da
ontologia originária da Grécia Clássica. Lecionava com
esplêndido brilho com respeito às suas teses, tanto que, a
maior parte de suas publicações foi baseada nas suas aulas.
A sua principal preocupação era com relação ao
problema do Ser. Sein und Zeit (Ser e tempo) é o cerne de
seus estudos, no qual de primeira mão, busca interpretação
do tempo como chave primordial capaz de qualquer
intelecção do Ser. Para ele, a questão de extrema
importância é o sentido do Ser, além dele, tudo é como se
fosse um meio para chegar nele. O tempo histórico
fundamenta-se no decorrer da existência humana finita.
Segundo o filósofo, o Ser é pensado em razão do tempo que
o cobiça e oculta. Tem a idéia de que se o destino do ser
varia, então a essência do homem também muda, e de que o
homem existe enquanto se encontra a caminho de algo.
Conforme diz Strenger:
Para Heidegger, o Ser faz com que o homem
transcenda-se e enfrente-se com o mundo; constitui
portanto, o horizonte graças ao qual se manifesta o
mundo e, por conseguinte, nossa própria existência.
Se não se desse ao ser a existência humana, não se
poderia enfrentar com o mundo, pois este não teria
feito luzido. Ao dar-se o Ser, fez-se possível a
presença do mundo e, com isso, o desprendimento do
homem no ‘aí’ ou, melhor dito, sua constituição como
um ‘aí’ no qual se descobre todo ente. Toda
ontologia, disse Heidegger, é cega se não explica
36
primeiro, suficientemente, o sentido do ser e
compreende essa explicação como seu tema
fundamental. (STRENGER, 1998, p. 205).
Em 1947 lançou A Doutrina Platônica da Verdade;
depois em 1949, Sobre o Humanismo; O Caminho do
Campo e a Introdução à Metafísica, ambos de 1953; Que
Significa Pensar, Sobre a Experiência do Pensar e Cursos e
Conferências de 1954; Que é Isto, A Filosofia?, e Sobre a
Questão do Ser de 1956; Identidade e Diferença, O
Princípio do Fundamento e Sendas Perdidas de 1957;
Serenidade e Pelos Caminhos da Linguagem de 1959;
Nietzsche de 1961; A Questão da Coisa publicada em 1962,
juntamente com A Tese de Kant sobre o Ser; A Questão do
Pensar de 1969 e Heráclito, publicado em 1970. Em maio
de 1976, Martin Heidegger faleceu em Freiburg.
37
3 A ANALÍTICA EXISTENCIAL
HEIDEGGERIANA
A temática principal a ser vislumbrada neste capítulo,
será a analítica existencial de Heidegger, bem como
algumas das expressões peculiares ao seu pensamento: o
homem como um ser-aí, como um ser presente no mundo,
co-existente com outros indivíduos numa situação
semelhante; e concomitantemente, imerso no tempo, como
característica determinante à sua existência.
3.1 O Homem e as suas Relações
Tudo aquilo que faz parte do cotidiano do homem, o
seu cenário habitual, suas alegrias e tristezas, o seu sentido
de existir, suas expectativas e seus saudosismos, formam o
que se conhece como um grupo de entidades objetivas. E
todos os tipos de subjetividades como a alma e a
consciência, por exemplo, não são passíveis de intuição, ou
seja, não são fenômenos, e conseqüentemente não podem
constituir um ser humano.
Heidegger vendo a dificuldade que se propõe a
captação do ser, inicia por expor aquilo que se considera
como o ambiente no qual se insere o ser, ou seja, a
existência humana. Diante da principal problemática de Ser
38
e tempo, o problema do sentido do ser, provoca um
questionamento de ordem teórica e metafísica, pois próximo
a qual ente deve ser captado o sentido do ser; eis então a
clareza do pensamento heideggeriano, quando afirma, que
se o problema do ser é explicitamente apresentado, então,
devem ser dadas as normativas, pelas quais é possível o
conhecer, a compreensão e o sentido fundamental próprio
do ser, bem como o caminho de acesso a ele. E estes,
portanto, são momentos de busca e modos de ser de
determinado ente, daquele ente que é desde já cada
indivíduo.
O homem como é o ente que se propõe a pergunta
sobre o sentido do ser, e como um ser-aí, é dasein porque de
fato, está sempre imerso numa situação, e lançado nela, está
diretamente ligado a ela, não existe numa simples-presença,
pois é aquele ente para o qual as coisas estão presentes. O
modo de ser do dasein é a sua existência, e a realidade em
si, é que este ser-aí, não é um ente simplesmente-presente,
mas um ser-possível. A sua essência está caracterizada
como, o cuidar do mundo, de si próprio, e especialmente um
cuidado pelos outros.
A possibilidade de atuar deixa para trás o ser estático,
não se conforma com aquilo já presente, ele (o da-sein)
necessita modificar tudo o que lhe é concedido, e nesse
âmbito, ele pode fazer escolhas, pode conquistar ou perder,
sua existência pode tender tanto para a glória como para a
ruína total, caracterizando deste modo, o ser-aí individual.
Como afirmado em Ser e tempo,
o‘ser-no-mundo’ do ‘ser-aí’ se dispersou e até se
expandiu em cada caso já, com a sua facticidade, em
39
determinados modos do ‘ser-em’. A multiplicidade de
tais modos do ‘ser-em’ pode mostrar-se por via de
exemplo com a seguinte enumeração: ter que haver
com alguma coisa, produzir algo, se encarregar e
cuidar de algo, empregar algo, abandonar e deixar
que se perda algo, empreender, impor, examinar,
indagar, considerar, expor, definir. (HEIDEGGER,
2000, p. 69).
É importante ressaltar que alguns pensadores
acreditaram que o ser pudesse ser o ipsum esse (Deus), ou
mesmo que Heidegger fosse ateu, contudo ele afirma
categoricamente que o ser não é nem Deus e muito menos o
fundamento do mundo. E ainda, para confirmar a idéia de
que Heidegger não é ateísta, ele mesmo diz que o problema
do ser não está limitado, em absoluto, à fé (ateísmo ou
teísmo), porque antes de tudo, é necessário conquistar o ser
em si.
3.2 O Dasein9
Em relação ao ser, aquele que existe e que cada um o
é constantemente, e que entre outras aptidões, tem a
possibilidade de perguntar, deve ser indicado pelo termo
9Da.sein: é traduzido do alemão como existência; presença. É a junção do advérbio da (aí, lá, ali), com sein (ser, existir, estar, realidade, vida). (MICHAELIS, 2002, p. 66, 251). Faz parte do conjunto de expressões utilizadas no pensamento de Heidegger.
40
ser-aí (Dasein). Daí portanto, que não se podem igualar o
ser do indivíduo com o ser das coisas, o homem não pode
ser comparado a um exemplar de determinada categoria,
este ser é único, formado essencialmente pela incerteza, é
um ser de possibilidades (ou talvez, da instabilidade).
Cada ser-aí é capaz de dizer eu, pois ele é um ser
personalizado, único, e marcado pelo egocentrismo relativo,
pois o eu não é uma substância, mas simplesmente, um ser
voltado para suas possibilidades. O próprio modo de ser do
ser-aí é fundamental e preliminar à antologia, pois somente
questionando o ser-aí é que se dá sustentação às tentativas
de descobrir o que é o ser e abstrair o seu sentido. Assim
como seu modo de ser, é possível antever a sua existência, e
tal modo é, pois, uma analítica existencial, único meio de
alcançar a compreensão do sentido do ser como base
imprescindível da antologia.
A compreensão do ser é uma possibilidade da
existência, ou seja, do ser em relação ao ser-aí (dasein). E
assim, torna-se clarividente que a existência é a
possibilidade de referir-se de algum modo ao ser. O ser-aí é
a possibilidade concreta da existência do próprio ser, é nela
que o indivíduo torna-se a si mesmo um projetar. A
existência do indivíduo é composta essencialmente de
possibilidades, que não são nem possibilidades puras e
muito menos contingências empíricas, entretanto, são elas
que formam o seu ser próprio. Para Heidegger, o ser-aí é
sempre a sua possibilidade, e é por isso mesmo que ele pode
fazer escolhas, concretizá-las ou não, ou talvez mantê-las
somente sob a aparência.
41
O ser encaminha o homem a transcender-se e
enfrentar-se com o mundo, uma luz como manifestação do
mundo e, portanto, da própria existência humana, enfim, é a
liberdade do homem, que, como sua característica
fundamental, difere de livre arbítrio, é antes de mais nada
uma determinação que o dasein se impõe a si mesmo.
Eu mesmo decido minha maneira de ser, tomando
partido pró ou contra algumas de minhas
possibilidades próprias. Assim, eu me escolho em
meu ser e sou responsável por mim. Pois de mim
dependem, de uma parte, a riqueza e amplitude de
minha visão do mundo. Irredutivelmente, eu sou um
eu, mas posso recusar-me a mim mesmo, optando por
uma possibilidade inautêntica de meu ser. (JOLIVET,
1957, p. 96).
3.3 O Ser-no-Mundo10
Heidegger apresenta o seu método fenomenológico
bem próximo como fora definido por Husserl, Hartmann e
Scheler, quando afirma que a existência é essencialmente a
transcendência, e esta se manifesta como superação
contínua. Assim sendo, a transcendência é para o indivíduo
não somente um modo de ser semelhante a vários outros,
mas sim a sua constituição fundamental, ou seja, a sua
subjetividade essencial. Tal transcendência está diretamente
10Conforme a própria formulação de expressões heideggerianas, o ser-no-mundo é a tradução de In-der-Welt-sein.
42
ligada ao mundo como sua plena finalidade, e então, esta
transcendência do ser pode ser conhecida como ser-no-
mundo. E como já fora dito, o homem (o ser-aí), não pode
apenas existir por existir, estar-presente, o modo de ser do
indivíduo presente no mundo é a existência. A sua
experiência, quando plenificada por meio das
possibilidades, é elucidada pelo poder-ser, ou seja, pelo seu
projetar.
A transcendência é identificada com a superação, e,
portanto, ela não é mais um modo de ser do homem, mas
sim, a sua constituição fundamental. O ser humano é o
projeto e tudo o que o rodeia no mundo faz parte do trajeto
pelo qual deve caminhar para poder alcançar a sua
existência autêntica. O homem é um ser-no-mundo, que
com o seu projetar, utiliza-se dos instrumentos, como
conjuntos de utensílios para viver ativamente e não só numa
profunda contemplação. Assim, pois, “(...) A existência é
poder ser, projeto, transcendência para com o mundo: estar-
no-mundo, pois, significa originariamente fazer do mundo o
projeto das ações e dos possíveis comportamentos do
homem.” (REALE; ANTISERI, 1991, p. 584).
E caso o projeto esteja relacionado à liberdade em si,
também é verdade que todo projeto impõe limites ao
homem, que basicamente é um ser dependente das
necessidades e limitado pelo mundo. E quando se fala de um
ser-no-mundo, refere-se à responsabilidade do homem
diante de tudo o que pertence ao mundo e que
conseqüentemente faz parte do seu projetar, enfim, à sua
vida em sentido lato.
43
Fixa-se constantemente a mundaneidade do mundo
como o fenômeno inteiro do ser-no-mundo. O ser-aí é
imediata e regularmente possuído pelo seu mundo. O
absorver o ser no mundo, com o básico ser-em geralmente, é
o que determina essencialmente o fenômeno, no qual se
obscurece a necessária busca pelo comum, dentro do
cotidiano. Portanto, as estruturas do ser do ser-aí, finalmente
também o fenômeno que responde a tal questão do quem é o
ser, caracterizam-se como modos do ser-aí.
Em relação ao “quem” questionado o ente, em cada
caso já fora respondido, conforme as determinações
fundamentais do ser-aí. O ser-aí é um ente que em cada caso
sou eu mesmo, é o ser que dependendo do caso, é o meu,
caracterizando deste modo, uma estrutura ontológica; um
tanto, ôntica, quando afirma que em cada caso, tal ente sou
eu e não os outros. A resposta ao “quem”, é dada apenas
com o próprio ser, o eu; ele é o que se mantém como algo
idêntico através da inversão das maneiras de conduzir e
vivenciar diante das multiplicidades dos seres. O sujeito é o
mesmo diante das suas múltiplas alterações e tem junto a si
o caráter de individual.
O ser tão compreensível do seu onticamente, a
afirmação de que sou eu quem é em cada caso o ser-
aí, não deve induzir a errada opinião de que com ela
esteja inequivocamente traçado o caminho de uma
exegese ontológica do assim ‘dado’. Duvidoso resulta
até si o conteúdo ôntico da afirmação anterior
reproduzido sequer adequadamente o conteúdo
fenomênico do ser-aí cotidiano. Pudesse ser que o
‘quem’ do ser-aí cotidiano não fosse, justamente, em
cada caso eu mesmo. (HEIDEGGER, 2000, p. 131).
44
A resposta à questão sobre o “quem” do ser-aí
cotidiano deve ser buscada na análise da forma de ser em
que imediatamente se mantém o ser-aí. Tal investigação
busca a orientação no ser-no-mundo, que por sinal é a
estrutura fundamental do ser-aí de onde saem todos os
modos de ser do referido ente.
Há de se compreender o ‘com’ e o ‘também’
existencial e categorialmente. Em razão deste
concomitante ‘ser-no-mundo’ é o mundo em cada
caso já sempre aquele que compartilho com os
outros. O mundo do ‘ser-aí’ é um ‘mundo-do-com’. O
‘ser-em’ é ‘ser-com’ outros. (HEIDEGGER, 2000, p.
135).
O mundo ao qual o homem está intimamente ligado
na sua existência é o mundo das coisas. Tais coisas, em sua
verdadeira e própria realidade estão constitutivamente
determinadas a serem utilizáveis pelo indivíduo, sendo
portanto, instrumentos próprios do homem. E a
utilizabilidade das coisas não é distinta da existência do ser-
aí, mas sim, o próprio ser em si das coisas do mundo. Assim
sendo, o ser das coisas está ulteriormente ligado ao ser do
homem, aos seus projetos, já que, para o indivíduo, o seu
encontrar-se no mundo significa cuidar das coisas, e para
estas, ser, significa serem utilizadas pelo homem, atingindo
desta maneira a satisfação (e nesta determinação é que está
baseada a especialidade do mundo).
45
3.4 O Ser-Com-os-Outros
O ser-no-mundo é um existencial que está relacionado
de fato, a um outro mui proximamente, o ser-com-os-outros
(das Mit-sein). E apesar do ser-aí estar presente no mundo,
não é possibilitada a sua vida sem que hajam outros “eus”,
para partilhar da sua existência. Então, assim como o ser-no-
mundo do homem caracteriza-se pelo cuidar das coisas,
assim também, o ser-com-os-outros se expressa pelo cuidar
dos outros. Entretanto, a relação existente entre o ser-aí com
as coisas é bem distinta, da relação que há entre o ser-aí
junto ao ser-aí, como está explicitado em Ser e tempo,
o ‘ser relativo aos outros’ sem dúvida é, sob o ponto
de vista ontológico, distinto do ‘ ser relativo às
coisas’. O ‘outro’ ente tem ele mesmo a forma de ser
do ‘ser-aí’. No ‘ser-com’ e ‘relativo aos outros’ há ,
pois, uma ‘relação de ser’ do ‘ser-aí’ ao ’ser-aí’. Mas
esta relação, cabe dizer, é constitutiva do ‘ser-aí’
peculiar em cada caso, que tem uma compreensão do
seu ser peculiar e se conduz assim relativamente ao
‘ser-aí’. O ‘ser relativo aos outros’ torna-se então
‘projeção’ do particular ‘ser relativo a si mesmo’ em
outro. O outro é uma doublette de ‘si mesmo’.
(HEIDEGGER, 2000, p. 141).
E portanto, a noção de uma co-existência necessária
entre os homens, em Heidegger, está bem próxima com o
que afirma Joseph Gevaert em sua antropologia,
46
o ser com os outros e para os outros pertence ao
núcleo mesmo da existência humana. (...) O ser-com-
os-outros, em seu significado mais profundo e
genuíno, significa que o homem não está nunca só.
Sua existência pessoal está sempre orientada para os
outros, ligada aos outros, em comunhão com os
outros. (...) e que o sentido mesmo da existência está
ligado à chamada do outro que quer ser alguém
diante de mim, o que me convida a ser alguém diante
dele, no amor e na construção de um mundo mais
humano. (GEVAERT, 1997, p. 46).
O cuidar dos outros, pode culminar em duas direções
opostas, na primeira anula-se a existência do outro; já na
segunda, há a tentativa de aproximar-se fraternalmente do
outro ser, que precisa conquistar a liberdade de assumir os
seus próprios limites e cuidados. Como já dito, o mundo não
é um composto apenas de objetos (coisas), há também
outros seres semelhante ao da-sein, ou seja, outros eus. O
existir de cada um, é na realidade um co-mundo (mitwelt), e
o outro que está junto ao eu, é um ser-comigo (mitdasein), o
indivíduo é um ser-com (Mit-sein) aberto ao mundo e aberto
aos outros.
E através do ser-com é que surge a abertura para o
convívio com os outros, e a atitude do ser-aí em relação aos
outros, é caracterizada pela solicitude, o que significa as
diversas formas de comportamento para com o próximo, ou
seja, o ódio, a indiferença, a paixão, a amizade, o amor etc.
Há algumas características que estão bem ligadas à
existência do da-sein em suas mais diversas peculiaridades,
em comunhão plena com o seu co-existir frente aos outros
47
existentes, e que fazem parte conseqüentemente, do seu
estar-no-mundo.
A primeira a ser sublinhada é a relação afetiva
(sensibilidade) inerente ao homem, e composta de um
sentimento de estar presente no mundo como outros tantos.
Um sentimento que indaga no mais íntimo da consciência,
quais as perspectivas para o devir, incitando o ser-aí à
tomada de posicionamento, frente ao desconhecido.
Assumir a própria existência, e como que não a tendo
escolhido, assumi-la vorazmente. E apesar do sentimento de
abandono e solidão, o indivíduo terá de persistir na
conquista das inúmeras “batalhas” que o seu existir lhe
impõe. Nesse ínterim, tal disposição afetiva conscientiza o
indivíduo, não somente a perceber o seu ser atual, mas o seu
dever ser (Zu-sein), a obrigatoriedade de realizar-se
enquanto pessoa.
Uma outra característica do homem, enquanto ser no
mundo e um ser de relações é a compreensão, que
acompanha sempre a sensibilidade. Ela apresenta-se mais
clarividente quando tomado o da-sein, como um poder-ser
dentro de suas possibilidades. O da-sein reclina-se
geralmente para o futuro, ilustrando assim, um panorama
que poderá ser ou não, marcando a possibilidade como
projeto.
A própria compreensão é um projeto, e compreender
o mundo e o próprio eu, significa viver quase como
plenamente a realidade do mundo. O ato da compreensão
dispensa uma possibilidade diante daquilo que se abstraiu,
portanto, o homem quando se compreende a si mesmo,
delibera uma gama de possibilidades que indubitavelmente
48
tornar-se-ão realidades ou não, tudo conforme o querer do
próprio dasein.
A terceira característica do In-der-Welt-sein (ser-no-
mundo) e mit-sein (ser-com-os-outros), importantíssima por
sinal, é a fala, que destaca o ser humano dos outros seres,
manifesta o seu caráter racional, conferindo e outorgando o
seu ser de relacionamentos. Fala ou discursividade, é
definida como articulação interativa, elaboração do sentido
e estruturação do pensamento, ordenando-o dialeticamente e
também, apresentada como sentido e significado da vivência
com os outros, e particularmente do próprio dasein.
É da fala que resulta a linguagem, na qual ela é
expressada ordinariamente. O dasein é precisamente
diálogo, pois o seu existir é dialético, mais precisamente
isso, porque ele não vive só, e é na comunhão com os outros
que compartilham o mundo do ser-aí, que ele estrutura o
diálogo (a linguagem), no qual firmar-se-ão amizades,
relações, conquistas, derrotas e tudo o que diferencia o
sapiens-sapiens dos outros animais.
3.5 A Temporalidade
Quando se fala do ser inserido no mundo, daquele
sentimento de abandono, da necessidade que há de uma
existência autêntica, então, pressupõe-se o cuidado. Assim
sendo, o cuidado, se antepõe a uma realidade fundamental,
que é a temporalidade, que abrange toda a existência
49
humana. O contexto em que o dasein vive é referido
basicamente num futuro, num passado e num presente, o
que no pensamento heideggeriano, é chamado de “êxtases
da temporalidade”.
O homem tem junto a si o futuro, no imediato
momento em que se apresenta como um projeto, e a sua
compreensão está baseada plena e essencialmente no futuro.
Ele não pode referir-se ao futuro sem antes fixar os olhos ao
passado, sendo, pois, que há uma relação intrínseca entre a
culpabilidade e o correr para a morte11. Todavia, entre o
passado e o futuro, estão contemporaneamente as coisas e os
outros “eus” dos quais o indivíduo tem que manter suas
relações de amizade e de cuidado, o que caracteriza o
presente.
A unidade extática da temporalidade, é, a unidade do
‘fora de si’ no êxtase do devir, o passado e o
presente, é a condição de possibilidade de que seja
um ente que existe como seu ‘aí’. (...) Unicamente
partindo do ter o ‘ser-aí’ tem sua raiz na
temporalidade, resulta inteligível a existencial
possibilidade daquele fenômeno que desde o começo
da analítica do ‘ser-aí’ demos a conhecer como
constituição fundamental: o ‘ser-no-mundo’.
(HEIDEGGER, 2000, p. 380-381).
As três dimensões do tempo mudam quando
relativamente se trata do tempo autêntico ou inautêntico. O
tempo autêntico está relacionado à existência autêntica, a
11O homem é também um ser-para-a-morte (Sein-zum-Tode), quando busca em si próprio o verdadeiro sentido de sua existência por meio do sentimento da angústia.
50
conscientização da morte como qualificante da existência, já
o tempo inautêntico está pautado na preocupação com
trivialidades, com possibilidades mundanas. Eis, pois, que a
inautenticidade do tempo está imersa em tudo aquilo que diz
respeito ao pensamento comum e à ciência; a medida
comum do tempo, assim como a medida científica do
tempo, até o próprio conceito de eternidade são
determinações intimamente ligadas às coisas do mundo, isto
é, ao tempo inautêntico.
51
4 A MORTE COMO FUNDAMENTO DA
EXISTÊNCIA AUTÊNTICA EM HEIDEGGER
Neste capítulo, estão presentes as ferramentas
primordiais para uma melhor compreensão da Existência
Autêntica, bem como as delimitações necessárias e
análogas, motivadoras a uma escolha pessoal e
intransferível do ser. É a partir destas considerações, que o
ápice da pesquisa é alcançado, incitando cada qual a abstrair
talvez, conclusões plausíveis em relação ao ser e à sua
existência.
4.1 O Ser-Para-a-Morte
Heidegger aborda o problema do ser, utilizando-se do
método fenomenológico de Edmundo Husserl. Esta linha de
pensamento deseja abordar o objeto do conhecimento tal
como aparece, ou seja, como se apresenta à consciência
imediatamente, o que ocasionaria, conforme Husserl toda e
qualquer pressuposição em relação à natureza de tais
objetos. Para Heidegger, os propósitos direcionados à
metafísica nos vários séculos ocasionaram um
distanciamento entre a filosofia e o verdadeiro
conhecimento do ser.
52
O problema do ser, dado junto ao método
fenomenológico, resulta para Heidegger no ser que
subitamente se dá a conhecer, o que constitui de fato, o
próprio homem. O caminho que leva ao ser, perpassa o
indivíduo, questionando-se sobre si mesmo, e refletindo
sobre o seu próprio ser. O filósofo, partindo do da-sein, deve
buscar alcançar o desvendamento do ser em si mesmo,
último e principal objetivo da reflexão filosófica.
A existencialidade12 é formada pelos atos de
apropriação das coisas do mundo, concernente a cada
homem. Assim, o ser humano existiria como uma
antecipação de suas próprias possibilidades, existiria diante
de si e tomaria sua situação como desafio ao seu próprio
poder de se tornar o que deseja. Entre as várias
possibilidades nas quais o homem pode estar incluído, há
uma da qual ele não tem como se livrar, eis o que se chama
de morte13. E sempre que se fala de morte, há experiências
em relação a ela, e a partir dessa questão, comumente o
indivíduo tem uma dupla consciência indireta, primeiro
porque geralmente é a visão de outras pessoas que morrem,
já em segundo lugar, é a clara idéia de que a vida está
inclinada rumo à morte. Esta temática tem grande relevo no
pensamento de Martin Heidegger, porque ele fala de um ser-
12Este termo não significa qualquer coisa presente no mundo, mas contrariamente a isso, designa a existência interior e pessoal. 13Morte no sentido muito amplo, ou talvez, no mais universal que possa ser, significa “cessação do processo vital em um organismo vivo”. Biologicamente falando, a morte é definida como “a dissolução da estruturação molecular necessária para o fenômeno da vida”, e no ponto de vista filosófico e na linguagem trivial, a morte é subentendida como a separação da alma e do corpo. Geralmente se distinguem dois tipos de morte, a clínica e a absoluta, a primeira é aquela na qual cessam as funções essenciais do corpo; e na morte absoluta, há a cisão entre o corpo e a alma. (MONDIN, 1980, p. 301).
53
para-a-morte (Sein-zum-Tode), de uma liberdade para a
morte (Freiheit-zum-Tode), de um ser para o nada (Sein-
zum-Nichts) e de um ser para o fim (Sein-zum-Ende), todas
expressões relacionadas a um mesmo acontecer.
Segundo o seu pensamento, o dasein é incompleto,
porque foge às suas possibilidades, essencialmente nunca
pode alcançar a sua perfeição. Contudo, em vez de se
considerar a morte como um fim iminente, esta é a sua
possibilidade mais autêntica, o próprio ser-aí absorvendo-se
no seu poder-ser a tomou como essencial na sua
existencialidade.
O existir autenticamente não pressupõe que se deva
anular as possibilidades do dia-a-dia comum, porque o
homem é um ser-com-os-outros, e isso é inerente à natureza
humana, sendo impossível mudá-la por completo. Contudo,
a existência autêntica é algo decididamente diferente à vida
cotidiana, tem outras perspectivas. O ser-aí fora “jogado” no
mundo, sem uma prévia opção de estar nele ou não, mas
com meios objetivos para uma sociabilização com os outros
ser-aí e numa pré-disposição para angustiar-se e viver
conforme suas responsabilidades.
E, quando sob toda a trajetória neste mundo, ele se vê
frente-a-frente com a morte, ele liberta-se da servidão do
cotidiano para alcançar a existência autêntica. Afasta-se ao
público, no que concerne a um processo comum, no qual
cada um, num “conformismo necessário”, escraviza-se pelos
usos estabelecidos, às opiniões e aos conceitos, banalizando-
se existencialmente.
54
Todavia, rebelar-se contra esse processo do Impessoal
não significa a libertação automática dele e de sua
influência; pode ser que o rebelde se encontre dentro
do culto do excêntrico ou do não-conformismo
sistemático. Mas, de modo geral, o Ser-aí acha que é
mais fácil nadar com a corrente; as forças da inércia e
os prazeres do conformismo são fortes demais para a
maioria dos homens. É essa a substância da vida
cotidiana (Alltäglichkeit). (GILES, 1975, p. 236).
O ser-aí presente no tempo está imerso em dois nadas
factuais e atuais, o primeiro é a sua não-existência antes do
seu nascimento e, o outro é o final da vida, ou que no
decorrer, em si, é o defrontar-se com a morte, que
transparece como a negação de todas as possibilidades
vindas no futuro e inclusive as vividas no presente.
Fundamentalmente, o dasein deve morrer, veio do
nada e dentro em pouco terá de retornar ao nada, e é no
vazio, que o drama da existência está pautado. Entre as
possibilidades, a morte é aquela que para o ser-aí é a mais
pessoal, a mais ímpar e a que jamais pode ser transferida,
porque a plena verdade é que o próprio ser, do dasein é um
ser-para-a-morte.
A morte é uma possibilidade de seu ser que cada
realidade humana deve assumir. Com a morte, a
realidade humana é, ela própria, iminente em si
mesma no seu poder-ser mais peculiar. Nesta
possibilidade, não se trata, para a realidade humana,
senão de ser ser-no-mundo. Sua morte é a
possibilidade de ‘não-mais-poder-ser-aí’. (...)
Enquanto ‘poder-ser’, a realidade humana é incapaz
55
de ultrapassar a possibilidade da morte. A morte é a
possibilidade da absoluta impossibilidade de uma
realidade humana. Assim, a morte se revela como a
possibilidade absoluta peculiar, incondicional,
intransponível. (VERGEZ; HUISMAN, 1982, p.
382).
E assim sendo, a angústia não é mais uma ameaça
contra a vida, mas pelo contrário, o horror que ela acarreta é
um desencaixe do ente, é uma motivação a experienciar o
ser em sua totalidade como a essência do todo.
Diante de uma fuga frente à morte, o ser-aí torna-se
servo do Impessoal que força o seu ponto de vista sobre a
existência do dasein, abstraindo-lhe a capacidade de decisão
autêntica (e até suas responsabilidades próprias), pois nesta
situação do ser-aí, está se vivendo sob a constante fuga
quanto à sua existência que essencialmente é uma existência
para a morte. Jamais é possível experimentar a morte de
outrem, independente de todo e qualquer sofrimento que a
perda de alguém venha a ocasionar diante de um indivíduo,
a morte não pode ser transferida de um ser a outro. O
próprio sentido da morte é que ela rouba o “eu” do ser-aí
individual.
Pode-se esclarecer o sentido da vida diante de alguma
coisa que se torna compreensível e desejoso (apreciável);
não é só o fato de existir, não se pode reduzir somente a
isso, há algo mais que talvez poderia ser concebido como
verdade, valores, amor, quem sabe..., Entretanto, sentido é
um particular tomado em sua plenitude, e assim sendo,
sentido visto como uma conexão-de-sentido, pode ser a
vida, a cultura (as artes, músicas, as literaturas etc.), a
56
história, enfim, tudo aquilo que é definido como belo, que
eleva as almas mortais, foca para um fim, para o sentido de
tudo. A morte sendo intransferível é algo que se desenvolve
na existência individual de cada homem. Ela só pode ser
vista como o fim da vida humana no sentido de que pode
terminar de repente, em qualquer ocasião, a existência de
um indivíduo.
Por exemplo, o Sr. Benedito tem um grave problema
numa das artérias do coração, e já fora constatado que a
qualquer momento ela pode atroar e mesmo que ele se
encontre no consultório do seu médico, ou talvez na fila de
um Banco, ou quem sabe dirigindo seu carro, sua vida acaba
naquele momento, sua existência finda em questão de
segundos. Ninguém pode fazer nada, nem sua esposa que há
muitos anos é casada com ele e nem os médicos que tem
todo o domínio da medicina, eis, pois o de uma existência
singular, pessoal e presente junto aos outros “eus”, que
fizeram uma história14.
A morte é certa para todos os indivíduos, mas ela não
está precisada cronologicamente, apresenta-se como
possibilidade que ultrapassa a existência dos homens, o que
significa que em qualquer momento ela pode surpreender 14O sentimento das pessoas, na banalidade cotidiana das relações humanas, ‘conhece’ morte como um acidente que sobrevém continuamente; conhecem-se ‘casos de morte’. (...) Os desconhecidos ‘morrem’ a cada dia, a cada hora. ‘A morte’ se apresenta como um acontecimento bem conhecido que se passa no interior do mundo. Como tal, a morte não rompe esta ausência de imprevisto que caracteriza a ordem banal dos acontecimentos cotidianos. (...) Quer o falar seja franco ou, ao contrário, alusivo, freqüentemente ele ‘se oculta’ em mil rodeios, e acaba por significar o seguinte: um dia, a gente morre mesmo, mas, enquanto espera, a gente está são e salvo. (...) O ‘fato de morrer’ é assim reduzido ao nível de acontecimento que pertence à realidade-humana, mas que não atinge ninguém em particular. (VERGEZ; HUISMAN, 1982, p. 383.)
57
alguém. Bem como está presente nas primeiras páginas de
um clássico literário,
EIS UM PEQUENO FATO - Você vai morrer. (...)
REAÇÃO AO FATO SUPRACITADO - isso preocupa
você? Insisto – não tenha medo. Sou tudo, menos
injusta. (...) OUTROS PEQUENOS FATOS – Às vezes
eu chego cedo demais. Apresso-me e algumas pessoas
se agarram por mais tempo à vida do que seria
esperável. (ZUSAK, 2007, p. 09, 15).
Apesar de a morte fugir à consciência, a existência
banal revela-se como fundamentalmente direcionada para a
morte, a vida de todos os seres humanos é paralela a ela,
sendo que no dia-a-dia isso se revela como o ser que morre.
4.2 A ANGÚSTIA COMO COMPONENTE DA
EXISTÊNCIA AUTÊNTICA
A angústia diferentemente do medo (este que sempre
está relacionado a algo) não possui em si um objeto
específico. Diante da angústia que o nada do morrer lhe
causa, o ser-aí se vê diante de uma banalização radical, onde
o tempo é tido como uma sucessão infinita de agoras. Esse
é um tipo de existência inautêntica, por sinal muito comum,
onde o homem recusa-se a aceitar a sua própria morte (sobre
isso, já fora dito algo na nota de rodapé anterior), canaliza a
finitude do ser humano em todos menos nele mesmo. E é
58
contra essa existência que antiteticamente pode-se alcançar
a existência autêntica numa vivência antecipatória da morte.
É na conscientização de que o homem é um ser-para-
a-morte, que se torna clarividente que ele é um ser
passageiro, não é eterno, portanto, ele passa a se conhecer
plenamente, tendo uma visão ampla do seu passado e do seu
presente, numa maturidade a tal ponto, de projetar-se rumo
ao futuro.
Retomando a diferença entre o medo e a angústia,
ambos são completamente diferentes entre si, pois no medo
de um determinado ser, corro perigo, como um ser-no-
mundo. Em sua existência inautêntica, o indivíduo não foge
do medo, mas pelo contrário foge da angústia;
diferentemente do objeto do medo o que angustia o ser é
totalmente sem determinação, sem objetivação, contudo, é
tão presente que causa transtornos.
Com a angústia o mundo torna-se insignificante (um
nada), pois o que a acarreta não é um ser mundano, mas o
próprio mundo em sua plena nulidade. E sendo que o
indivíduo se angustia pelo mundo como tal, então, se
angustia não meramente pelo mundo, mas por ele mesmo,
como presente no mundo, constituinte deste, enfim, como
um ser-no-mundo enquanto tal.
O mundo está intrinsecamente ligado ao dasein em
sua constituição fundamental, e portanto, se o homem
concebe o mundo como insignificante, porquanto que o
homem é uma parte deste enquanto tal, daí que ele surge
59
como sem importância e nulo15, como o mundo do qual ele
participa. E percebendo-se como um ser jogado no mundo,
infeliz por não ter escolhido tal destino, não se sentido em
casa, o ser-aí na angústia, confronta-se com o fato duro,
impiedoso e invencível como um ser desterrado longe de
sua pátria. É disso que a existência inautêntica tenta fugir.
Na decadência o indivíduo se revolta e não está aberto à
plenificação do mundo e nem dele próprio, como um ser
presente e participativo no mundo dado, o que o põe em
pleno estado de alerta no cuidar de um mundo isolado e
peculiar a ele mesmo, como sendo sua única morada.
Embora haja uma aparente segurança, por trás há uma
parede de vidro na qual a qualquer momento pode acontecer
estardalhaço e sucumbir todas as estruturas fundamentais de
seu existir. Nesse momento, acontece inconscientemente o
surgimento da angústia personificada no medo, e diante da
interpretação dela como medo, o horror da revelação da
angústia pode perder-se na obscuridade ilusória.
É na angústia que se abre uma extrema possibilidade
de se apreender o homem como essencialmente ele o é, um
projetar, especialmente rumo à morte, eis, pois que toda
angústia é uma angústia de morte.
A morte é o aniquilamento do eu, o extermínio total
do indivíduo; por isso, ele a teme, angustia-se ante
sua inexorabilidade. Temeroso de defrontar-se com a
morte, sabendo-se um ‘Ser-para-a-morte’, evitando
15Para Heidegger é claro que o nada representa os limites temporais do ser-no-mundo, porque antes de seu nascimento, o “ser-aí” é nada, e depois de sua morte torna-se um nada novamente. É portanto, por meio do nada que o dasein se totaliza enquanto ser.
60
assumir a realidade que ela representa, o Dasein
refugia-se numa existência inautêntica. Dessa
maneira, o indivíduo procura fugir à angústia da
morte. (PENHA, 1984, p. 46).
E apesar de todos os estados de espírito que possa ter,
o dasein só alcança sua plenitude enquanto ser, na angústia.
É por meio dela que o ser-aí transcende nos momentos
particulares da sua existência, tendo-a na totalidade de suas
manifestações, experimentando antecipadamente a morte e o
nada.
A capacidade de angustiar-se está presente no ser
humano, pois vive cada minuto (carpe diem) sua existência,
com capacidade de reflexão sobre todas as suas atitudes, em
suma reflete sobre a totalidade de seu ser. É somente com a
angústia que o homem alcança o âmago do seu ser.
Em Ser e tempo, a angústia é definida como própria
da condição humana: ‘É a angústia, esta
possibilidade de ser do Dasein estreitamente unida ao
Dasein que se descobre nela, que traz a base
fenomenal permitindo apreender explicitamente a
inteireza de ser original do Dasein’. O cuidado
mostra bem ser o fundamento e a totalidade da
existência. (HUISMAN, 2001, p. 112).
Diante do nada a angústia encaminha o indivíduo
frente à existência autêntica, para que ele alcance o
verdadeiro sentido de seu estar no mundo. E para superar a
todos os limites no qual foi submerso em sua humanidade
(sua queda, sua degradação), ele deve refletir sobre o fato,
de que não é apenas mais um ser mortal, mas que a morte é
61
bela em si, que pode ser caracterizada como o último
acontecimento da sua vida, e nesse ínterim, concretiza
maravilhosamente a sua autenticicade, pois abandona o
temor da morte.
Entendida como a impossibilidade das possibilidades,
a morte encaminha o ser ao limiar de uma existência
verdadeiramente autêntica, quando ele está inserido no
mundo conscientiza-se de que pode tomar postura e
enfrentar a morte sem temores fúteis, como já expressado
anteriormente. Um perigo iminente é tomar a vida em seu
sentido mais hedonista, fixando a satisfação e a própria
existência num bem-estar material, o que significa
corromper a busca em direção ao ser e projetar-se naquilo
que não é essencial.
A existência também caracteriza-se a partir de uma
escolha pessoal, portanto, quando se busca o sentido da
vida, surge uma questão fundamental, a liberdade que diz
muito quanto ao viver autêntica ou inautenticamente,
a liberdade humana implica uma tensão estrutural
entre finito e infinito. (...) Condição de possibilidade
desta liberdade face a si mesma é a relação com o
bem infinito, a partir da qual sou livre face a tudo
que é finito. Ao bem infinito sempre digo ‘sim’. Mas,
como ele não é imediatamente experienciável,
também não posso decidir-me imediatamente face a
ele, mas só mediatamente, a saber, enquanto me
decido face a bens finitos, que participam do bem
infinito (...). (RABUSKE, 1986, p. 211, 212).
62
Sabendo-se que a morte, é a possibilidade mais
própria e insuperável do dasein, então, a “mais clara
consciência” de que o ser-aí é um ser-para-a-morte, indica a
existência autêntica de um ser no mundo, quando este tem a
plena certeza de que numa ora ou outra ele pode e deve
morrer.
O seu ser autêntico esta no fato dele reconhecer a sua
finitude (ou seja, sua morte) como sendo a única coisa que
lhe pertence verdadeiramente. Esta é uma atração
enlouquecida pela decadência do dasein, entretanto o único
meio de alcançar a sua liberdade. Então a autenticidade nada
mais é do que o refletir e agir profundamente sobre a própria
existência e vislumbrar-se num sistema maduro, dentro o
qual o indivíduo (ser-aí) é um ser com os dias contados, e
onde a sua finitude está pautada na sua própria essência, em
sua mais profunda plenitude.
O modo de existir inautêntico, que neste caso é o
Impessoal, chama, acalma e engana o dasein que se encontra
na história. E tal modo existencial está presente do falatório,
aonde o Impessoal declama artisticamente o seu discurso. O
dasein deixa abalar-se pelo que está presente no falatório e
aquilo que é parte dele em si, porque nessa passividade não
compromete-se em assumir a existência, deixando-se deste
modo, à mercê do Impessoal.
Este fato compõe o ser na sua cotidianidade do existir
banalmente, estrito e fixo na sua degradação. A sua angústia
frente à morte ocasiona o ser inautêntico, um ser que se
assume numa pseudo-verdade, porque o Impessoal não dá
trelas para conversa sobre a própria morte, e quando surge o
assunto, somente é sob termos distantes e genéricos.
63
Subtrair-se da categoria do Impessoal requer uma escolha a
favor da possibilidade de um projetar do eu autêntico. A
consciência é aquela que está presente a todas as
possibilidades e aquela oriunda do próprio ser-aí. O
chamado da consciência é bem nítido quando o dasein está
desterrado, angustiado pelo seu poder ser.
Quando o ser opta pela angústia, e se auto-projeta
numa culpabilidade genuína, então surge a resolução. E é tal
resolução que liberta o dasein do Impessoal que, por
conseguinte o torna mais autêntico nas suas possibilidades.
E é por meio da resolução que o dasein aceita corajosamente
seu destino e desempenha com decisão e força sua missão
neste mundo, onde ele está inserido. Ela é a que diferencia o
dasein autêntico e o inautêntico. E a própria autonomia do
ser-aí está reclinada para as possibilidades autênticas e
peculiares da existência, ou seja, de um ser-para-a-morte.
Somente é o futuro que abre caminho para que as
possibilidades possam tornar-se realidade, a partir da
conscientização do eu. No pensamento inautêntico
apresentam-se as interpretações banais e ingênuas. E é pelo
fato de ser livre que o dasein pode fugir de suas
responsabilidades para viver superficialmente. Entretanto,
sempre diante da fuga está a angústia. Tal angústia está
repleta de aspectos destrutivos e construtivos, conforme a
sua utilização.
É como uma chama, o Ser-aí cairá cada vez mais
fundo na alienação, pois será incapaz de atravessar a
porta da liberdade para realizar-se autenticamente.
Uma vez atravessado o limiar, o Ser-aí deixa
64
imediatamente a existência comum e banal onde
predomina o Impessoal. (GILES, 1975, p. 242).
Qualquer movimento ou qualquer projeto que o
dasein joga sobre o fundo do vazio só tem ele mesmo sobre
o qual se funda, e é neste fato de depender dele próprio que
o ser-aí tem a plena certeza de ser livre. Contudo tal
liberdade, que foi conquistada quando este se confrontou
com a morte, dá a ele a realização total de uma liberdade
que só é alcançada no mais íntimo da existência.
A noção de liberdade dada é tida em Heidegger em
quase todos os seus escritos. Afirma ele que a existência do
dasein é a sua mesma essência. A existência cria a essência
e essa criação implica a liberdade, que é essencial a
qualquer existência autêntica.
(...) A existência autêntica, portanto, é um ser-para-a-
morte. Somente compreendendo a possibilidade da
morte como possibilidade da existência e somente
assumindo essa possibilidade com decisão
antecipatória é que o homem encontra o seu ser
autêntico: ‘O antecipar fazer-se livre para a própria
morte liberta da dispersão nas possibilidades que se
entrelaçam casualmente, de modo que as
potencialidades efetivas, isto é, situadas além da
possibilidade insuperável (a morte), podem ser
compreendidas e escolhidas autenticamente’.
(REALE; ANTISERI, 2001, p. 587).
O homem que vive autenticamente a sua vida,
continua a viver na banalidade de seu contexto cotidiano e
histórico, entretanto a vive particularmente num
65
determinado afastamento, que em comunhão à espera da
morte, teve a revelação do nada dos projetos humanos e da
existência dos homens mundanos. E o homem estando livre
para a verdade, e esta como desvelamento do ser, então,
transparece como própria do ser do homem presente no
mundo, concretizando a sua existência autêntica.
66
67
5 ALGUMAS CONTROVÉRSIAS QUE
GERARAM POLÊMICAS NA VIDA E NO
PENSAMENTO FILOSÓFICO DE HEIDEGGER
Este capítulo basicamente é composto de questões
que foram surgindo ao longo da vida de Heidegger (como
pessoa pública) e que, não sendo esclarecidas, geraram e
ainda estão muito latentes às pesquisas de estudiosos da
filosofia, especialmente quando esta é relacionada ao século
XX, no concernente aos dois principais conflitos mundiais e
ao envolvimento do filósofo em questões relacionadas com
o Partido Nazista. Pode parecer estranho que este último
capítulo seja referente ao citado tema, entretanto, é
importante ressaltar que toda a polêmica histórico-nazista na
qual Heidegger esteve inserido esta intimamente ligada ao
desenvolvimento do seu pensamento.
A vida de Heidegger é caracterizada por um marco
profundo, a sua adesão ao nazismo, que ainda gera inúmeros
desentendimentos, pois para seus estudiosos é um fato
cotidiano e para os seus opositores trata-se de uma
conseqüência clara de suas idéias. Praticamente durante toda
a sua vida, não se pronunciara sobre a sua atuação durante o
3º Reich, apenas em 1966, fala ao periódico Der Spiegel,
sobre sua participação no Partido Social-nacionalista e suas
relações interpessoais. Entretanto, tal entrevista fora
concedida sob a concordata, de que seria publicada somente
após sua morte.
68
Foi ele quem substituiu a Husserl na cátedra de
filosofia em Freiburg, e quando Adolf Hitler se tornou
chanceler da Alemanha, fora nomeado reitor, e conforme
ele, com um apoio quase que forçado, ao governo da
Universidade. E mesmo assim, ele teve adesão ao nazismo
formalmente, e quando fala em seu discurso, A Auto-
afirmação da Universidade Alemã, aponta a doutrina nazista
como uma alternativa comum entre o comunismo e o
capitalismo.
Heidegger é questionado pelo Der Spiegel
primeiramente, pelo fato de sua vida ser marcada por
sucessos intelectuais e por manchas, que conforme o
Spiegel, não foram esclarecidas ou porque ele foi orgulhoso
ou ainda, porque não julgara necessário dizer nada em
relação aos fatos marcantes de sua juventude. Então
Heidegger pergunta se o Spiegel se refere ao ano da
ascensão de Hitler ao governo, pois acreditando não poder
responder a todos os questionamentos do jornal, ele afirma
que antes do seu reitorado, não se envolvera com a política,
e uma prova disso é que o ano que antecedeu à sua eleição,
ele estivera a maior parte de suas férias em sua casa na
Floresta Negra.
E em relação a sua chegada ao cargo de reitor da
Universidade, ele inicia por relatar que em dezembro de
1932, o seu vizinho von Möllendorf, catedrático em
Anatomia, tinha sido eleito ao reitorado, contudo, ainda
durante o inverno de 1932 para 1933, eram muito debatidas
a situação política e universitária, além da falta de
perspectivas positivas presentes nos estudantes. Para ele, era
necessário que com as forças construtivas, pudesse ser
69
controlado o desenvolvimento futuro da Universidade como
também da sociedade em geral.
Quanto à relação existente entre a Universidade e o
Estado alemão contemporâneo, ele fala que no início do ano
de 1933, dedicava seu trabalho a uma interpretação global
do pensamento pré-socrático. E na entrada do verão ele
retornara a Friburgo, já que no dia 15 de abril o professor
von Möllendorf havia tomado posse como novo reitor da
Universidade. E ao longo de duas semanas havia sido
destituído do cargo pelo Ministro da Cultura de Baden, Sr.
Wakker. A ocasião esperada, havia sido a proibição que o
reitor impusera na Universidade, do chamado “cartel de
judío”.
No mesmo dia da destituição de von Möllendorf, ele
viera ao encontro de Heidegger para induzi-lo a aceitar o
cargo de reitor, e apesar deste recusar afirmando como
justificativa a sua inexperiência, o vice-reitor o convencera
de que caso ele não aceitasse, era provável de que o
Ministério nomearia reitor um funcionário do Partido, e
assim, a Universidade sairia perdendo, e muito,
especialmente os judeus.
Diz que muitos de seus companheiros docentes o
motivavam para que ele aceitasse o cargo, e durante um
longo período recusara, mas por fim não teve jeito,
entretanto, aceitaria com intuito de colaborar com o
desenvolvimento da Universidade. E apesar de ter aceitado,
ele ainda mantinha suas dúvidas internas, sobre a sua
idoneidade para exercer o reitorado, a tal ponto de que no
dia da eleição, ele fora ao Sr. von Möllendorf e ao vice-
reitor, Sr. Sauer, para dizer-lhes que não poderia aceitar o
70
cargo. Contudo, eles responderam-lhe que a eleição já
estava preparada e que não tinha como voltar atrás.
Quando questionado como foi se desenvolvendo suas
relações com os nacional-socialistas, ele diz que houve nova
tentativa de impor o “cartel de judío”, mas que ele proibira,
e logo sendo procurado pelo chefe das S.A., o Dr. Baumann,
que exigia que ele fizesse o que fora pedido, ou caso
contrário ele seria destituído do cargo ou mesmo a própria
Universidade poderia ser fechada, recusou e tentou
conseguir o apoio do ministro de cultura de Baden. Este lhe
explicou que não poderia fazer nada contra os S.A, o que o
obrigou a retirar a sua proibição da instituição do “cartel de
judío”. O jornalista diz que até o momento tais
circunstâncias eram desconhecidas para o mundo, e a
resposta de Heidegger é a seguinte:
O motivo fundamental que me levou a aceitar o
reitorado está já na minha aula inaugural de
Friburgo, intitulada, O Que é Metafísica?: ‘O
domínio das ciências está muito distante entre si. O
modo de tratar seus objetos é radicalmente diverso.
Esta dispersa multiplicidade de disciplinas se
mantém, todavia, unida, graças tão somente à
organização técnica das Universidades e Faculdades,
e conserva uma significação por finalidade prática
das especialidades. Em troca, o enraizamento das
ciências em seu fundamento essencial se perdeu por
completo’. O que tentei enquanto estive no cargo, em
relação com esta situação das Universidades – hoje
degenerada até o extremo – está exposto no meu
discurso reitoral. (Spiegel, 2008).
71
Sobre a frase: “A tão celebrada ‘liberdade acadêmica’
é expulsa da Universidade; pois, por puramente negativa, é
inautêntica”, o Spiegel acredita que ainda expresse,
parcialmente ao menos, idéias que talvez ainda possam estar
latentes em seu pensamento. Heidegger diz que a liberdade
acadêmica era não somente negativa, mas que, libertar-se é
o esforço de comprometer-se com o que o estudo acadêmico
exige de meditação e reflexão. No restante, propõe que a
frase não deve ser vista isoladamente, mas no seu contexto,
então assim, ver-se-á nitidamente o que ele quisera dizer
com liberdade negativa.
E quando, no quarto mês da ascensão ao poder,
refere-se a Hitler como, “a grandeza e o esplendor desta
posta marcha”, diz que estava convencido disso, que não via
outra alternativa e que no meio da confusão geral das
opiniões e das alternativas políticas dos 22 partidos, tinha
que encontrar uma orientação nacional e, sobretudo social,
mais ou menos no sentido de Friedrich Neumann.
Der Spiegel pergunta se a Auto-afirmação da
Universidade, num mundo tão turbulento, não seria um
tanto inadequado para o momento; então ele lhe responde:
Porque?, sendo que tal Auto-afirmação vai contra a
chamada “ciência política”, que naquela época exigiam o
Partido e os estudantes nacional-socialistas. Tal nome tinha
então um sentido completamente distinto, pois, a ciência
enquanto tal, tinha que dizer que o seu sentido e o seu valor,
tem de avaliar-se pela sua utilidade prática para o povo. A
oposição a esta politização da ciência esta intencionalmente
expressa no seu discurso inaugural, como reitor.
72
O Spiegel pergunta a Heidegger, se ele acreditava
alcançar uma significativa melhoria para a Universidade, em
colaboração com os nazistas. O filósofo, diz que não estava
em colaboração com eles, senão que a Universidade devia
renovar-se a partir de sua própria reflexão e atingir assim,
uma posição firme diante do perigo de uma politização da
ciência.
Então, Spiegel retruca, questionando-o sobre os três
pilares usados no seu discurso inaugural: ”Serviço do
trabalho”, “Serviço das armas”, “Serviço do saber”,
querendo saber se dessa forma o serviço do saber devia ser
elevado ao mesmo nível que os outros dois, posição esta,
que os nazistas não concediam. Heidegger diz que não são
pilares, mas que lido atentamente o texto, percebe-se que o
serviço do saber está desde logo, situado em terceiro lugar,
mas que pelo seu sentido posto é o primeiro. Não se deve
deixar de pensar que o trabalho e a defesa armada, como
qualquer atividade humana, se fundamentam num saber que
os ilumina.
E sobre a frase de outono de 1933, “Nem os dogmas
nem as idéias são as regras do nosso ser. O Führer mesmo e
somente ele é a realidade alemã atual e futura, e sua lei”, o
professor Heidegger, afirma com veemência, que não está
inserida no discurso reitoral, mas num jornal estudantil de
Friburgo, no inverno de 1933 para 1934. E que quando
aceitou a reitoria, tinha claro que não poderia passar sem
compromissos. Contudo, agora frases como a citada acima,
ele já não escreveria novamente, o que de fato, é verdade,
pois desde 1934, abandonara tais tipos de afirmações.
73
Heidegger afirmou que proibiu a queima de livros da
Biblioteca, e pior ainda quando tratava-se de autores judeus.
Tanto que alguns participantes de seus Seminários poderiam
testemunhar que não somente não fora retirado nenhum
livro de judeus, como também, e sobretudo Husserl,
continuaram a ser citados e comentados como no período
anterior a 1933. “Minha atitude depois de 1933 seguiu
sendo a mesma”, diz o filósofo, quando questionado sobre a
relação que mantinha com alunos judeus, após a Guerra.
O filósofo desmente o jornalista, quando este afirma
que a relação dele tivera alguns atritos com Karl Jaspers,
sendo que a esposa deste era judia. Pois, prova disso, é que
entre 1934 e 1938, sempre Jaspers lhe enviara todas suas
publicações “com uma cordial saudação”.
E sobre a relação dele com seu mestre, Edmund
Husserl, mostra a dedicatória oferecida a este, do Ser e
tempo, sua obra principal. Entretanto, foi no início da
década de 30, que Husserl iniciou um ajuste de contas com
Max Scheler e com ele, o que o levou a ir contra o seu
pensamento, diz não sabê-lo. Sobre a retirada da dedicatória
a Husserl, da obra Ser e tempo, Heidegger afirma ter
explicado tal fato no livro, A Caminho da Linguagem,
a fim de fazer frente a falsas afirmações, amplamente
extendidas, há de se fazer notar aqui expressamente
que a dedicatória de Ser e Tempo, mencionada no
texto do diálogo (p. 92), foi mantida também na 4ª
edição de 1935. Quando o editor viu em perigo a
quinta edição do livro – por uma possível proibição –
propôs-se finalmente e por desejo de Niemeyer,
retirar a dedicatória nesta edição, com a condição ,
74
que eu coloquei, de que se mantivesse a nota da
página 38, que é donde realmente essa dedicatória
recebe seu fundamento, e que diz:’Se a seguinte
investigação dá alguns passos para adiante pelo
caminho que abre as coisas mesmas, deve-o ao autor
na primeira linha, E. Husserl, que se familiarizou
durante anos de estudos em Friburgo com os mais
variados domínios da investigação fenomenológica,
mediante uma solícita direção pessoal e a mais
liberal comunicação de trabalhos inéditos’. (Spiegel,
2008).
Durante o sua reitoria, o Ministério pretendia retirar o
diretor da Clínica Universitária, professor Tannhauser, e ao
professor de Química e Física, futuro prêmio Nobel, von
Hevesy, ambos judeus, e aproveitando-se de uma visita ao
ministro, ele conseguira manter tais professores em seus
postos. Quando ele se demitira, ambos os diretores também
foram demitidos de seus cargos. O que testemunha a seu
favor, quanto às dúvidas de seu envolvimento com o regime
nazista. E aqueles professores que tinham ficado sem
cátedra, e que pensavam que aquele era o momento de
ascensão, ele lhes era indiferente quando estes vinham ao
seu encontro.
Por não ter ido ao sepultamento de Husserl, ele diz
que sobre tais fofocas, que afirmavam o seu rompimento
amistoso com Husserl, diz não terem fundamentos. Em
maio de 1933, sua esposa escrevera para a viúva de Husserl,
enviando-lhe junto a um buquê de rosas, os seus sinceros
agradecimentos. E logo em seguida a viúva respondera a
mensagem agradecendo e afirmando que a relação entre as
famílias havia sido rompida, pois quando da enfermidade e
75
morte de Husserl, eles estavam ausentes a eles. Mas, apesar
disso, após um certo tempo, Heidegger escrevera
novamente, pedindo-lhe desculpas e reatando a amizade.
Em relação à sua saída como reitor, diz, que um dia
fora chamado de Karlsruhe, donde o ministro, através de
seu conselheiro ministerial e na presença do chefe estudantil
da região, lhe exigiu que substituísse aos decanos de Direito
e Medicina por outros colegas que tinham sido bem vistos
pelo Partido. Ele recusou tais pretensões e ofereceu sua
renúncia, caso o ministro permanecesse em suas exigências,
o que de fato, aconteceu. Isto foi em fevereiro de 1934, após
dez meses no cargo, quando no geral, os reitores
permaneciam então mais ou menos três anos no cargo.
Enquanto a imprensa nacional e internacionalmente falara
de diversas maneiras, diz Heidegger, sobre a sua aceitação à
reitoria, esta não disse uma palavra sequer quanto à sua
demissão como reitor.
E para finalizar, no que diz respeito às suas relações
com o Partido Nacional-socialista, após sua reitoria,
Heidegger afirma que voltara ao cotidiano de sua vida. No
semestre de verão que deu seqüência à sua demissão, ele
lecionou lógica, e no semestre seguinte (1934-1935), ele
dera o primeiro curso sobre Hölderlin. E a partir de 1936
iniciara por apresentar Nietzsche, dando a compreender de
que se tratava de uma discussão com o Partido nacional-
socialista, não passando despercebida sua atuação como
filósofo e contemplador do Mundo.
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77
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O homem é dado como um dasein, um ser-aí que está
no mundo com outros ser-aí, dentro ao qual ele tem de
desenvolver uma gama de relações, pois é necessário que
ele cuide do mundo e daqueles que como ele também estão
inseridos no mundo.
A temática principal deste trabalho está voltada para
uma autêntica existência que o homem almeja e decide por
vivê-la.
(...) As nuvens cinzentas, as grandes árvores
gotejantes de chuva, a áspera parede de pedras do
parque, estes livros, estes papéis ao alcance de
minhas mãos, as crianças que ouço brincar na sala
vizinha, o breve soar do telefone lembrando
imperativamente a presença invisível de todo um
mundo – quadro tranqüilo e familiar – não é para
mim um quadro apenas. Este outro com o qual meus
sentidos se comunicam não se resume naquilo que
está à minha frente. Acrescentar que isto
constantemente se impõe, sem que nada possa
eliminá-lo não seria suficiente (...). (JOLIF, 1970, p.
164).
O homem vive e morre, sua vida é uma história que
tende para um fim, a tentativa de superação de sua finitude
deve ser buscada unicamente por ele, junto aos outros.
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Alguns decidiram intrepidamente acabar com a vida de
milhões de seres humanos, que sequer tiveram a opção de
viver, muito menos de encontrar o sentido de seu ser. E
quantos, imagino, não se sentiram verdadeiramente,
ultrajados e abandonados num mundo que não era sua casa,
desterrados por uma sociedade injusta e hipócrita, em
lugares como a Sibéria, Auschwitz, entre outros campos
infernais, aos quais muitos foram expostos. O ser-aí faz uma
opção, se angustia e por fim alcança uma autenticidade
naquilo que durante um determinado tempo almejara, mas
não tivera coragem de enfrentar-se a si próprio.
Entretanto, todos os acontecimentos que estiveram
presentes no mundo ao longo do século XX, ocasionaram o
que há de mais triste na história da humanidade, vidas
perdidas, ou por delimitações territoriais ou mesmo por uma
série de ideologias fanáticas que puseram fim a um grande
número de seres humanos, diga-se de passagem,
candidamente inocentes.
A posição que a Igreja Católica tomou em relação ao
segundo Grande Conflito Mundial está expresso claramente,
a todos os que ainda duvidam do caráter profético da Igreja
(contra a opressão), na Encíclica Mit Brennender Sorge
(Com Ardente Preocupação), do Sumo Pontífice Pio XI.
Como será que as sociedades atuais estão vivendo a
busca pela existência autêntica, já que parece que todos os
que intimamente estiveram ligados aos grandes genocídios
do século, não tinham muita consciência disso; então agora,
todos nós estamos imersos em sociedades de comunicação
de massa, de tecnologias, de tamanho desenvolvimento em
todas as áreas que os indivíduos já não têm tempo para
79
desfrutar do bem-star que é necessário para uma vida sadia?
E talvez muito menos, para parar e refletir sobre o sentido
de nosso existir. Quantos não vivem imersos sob todas as
maravilhas do mundo moderno, entretanto, ainda não
conseguiram enxergar o sentido de sua existência e, portanto
estão submersos no stress e depressão cotidiana, antes de
alcançar a plenitude de seu ser e de sua existência, chegando
ao medo e temor, decaindo numa trágica morte, enquanto
seres humanos? A resposta fica a cargo de cada ser-aí (cada
um em particular), que tome consciência do seu
protagonismo no panorama histórico em que transcorre toda
sua vida.
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81
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Este trabalho tem como título o Ser-para-a-morte como
elemento fundamental da existência autêntica no pensamento de
Martin Heidegger. Inicialmente o texto apresenta os principais
acontecimentos (históricos) que marcaram a vida do autor,
praticamente perpassando todo o século XX. Após a
contextualização histórica, há um espaço que trata sobre alguns
fatos de sua vida e quais foram as suas obras mais significativas.
Num segundo momento, é trabalhada a Analítica existencial
presente no pensamento do autor, algumas expressões peculiares
às suas pesquisas, bem como o Dasein, o Ser-com-os-outros e o
Ser-no-mundo. Finalmente, na penúltima parte do trabalho,
segue-se o estudo sobre o Ser-para-a-morte, a Angústia e a
escolha, na qual logo após confrontar-se a si mesmo o indivíduo
é levado a optar por uma vida autêntica ou por tornar-se mais
um ser que tem seu ser em contínua degradação. São descritos
em algumas partes do trabalho as situações limite e de miséria à
qual a humanidade no decorrer do século foi obrigada a
submeter-se, como por exemplo, o nazismo, a Segunda Guerra
Mundial, os milhões de inocentes mortos, e especialmente o
último capítulo, é dedicado a esclarecimentos que o próprio
Heidegger faz, quando é entrevistado pelo jornal Der Spiegel,
em relação ao seu envolvimento com o Reich de Hitler.
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