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DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MIO
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-068990
Fundamentalismo um debate introdutoacuterio
sobre as conceituaccedilotildees do fenocircmenoFundamentalism an introductory debate on conceptualizations of the phenomenon
Jair Arauacutejo de Lima ndash UFRN
RESUMO
Este trabalho se propotildee a problematizar as definiccedilotildees socialmente propagadas de fundamentalismopela miacutedia e por um tipo especiacutefico de literatura especializada e suas implicaccedilotildees no quadro dasrepresentaccedilotildees sociais desse fenocircmeno cultural e religioso O escopo do trabalho divide-se em trecircsetapas baacutesicas sendo elas (1) Anaacutelise das variaccedilotildees terminoloacutegicas e seus equiacutevocos recorrentes (2)
As raiacutezes histoacuterico-socioloacutegicas do fenocircmeno e sua categorizaccedilatildeo primitiva (3) As ressignificaccedilotildees econceituaccedilotildees modernas do fenocircmeno e sua relaccedilatildeo com a definiccedilatildeo histoacuterico-socioloacutegica primitivado fundamentalismo
Palavras-chave Fundamentalismo Sociologia da religiatildeo Modernidade Fenocircmenos sociais
ABSTRACTTis paper aims to discuss the definitions of fundamentalism socially propagated by the media and a specific
type of literature and its implications in the social representations of this cultural and religious phenomenon
Te scope of work is divided into three basic steps namely (1) Analysis of variations in wording and their
recurring mistakes (2) Te historical and sociological roots of the phenomenon and its primitive categorization
(3) Te modern concepts and new meanings the phenomenon and its relation to historical and sociological
definition of primitive fundamentalism
Keywords Fundamentalism Sociology of religion Modernity Social phenomena
odos os meus esforccedilos pessoais tecircm consistido em derrubar o
meacutetodo corrente em sociologia evitar partir da ideia de soluccedilatildeo
para apreender o que nos mostra a experiecircncia social tensotildees
antagonismos lutas e conflitos
Julien Freund
No domiacutenio das ciecircncias sociais e humanas toda interpretaccedilatildeo ou
explicaccedilatildeo cria uma distacircncia que pode ser imensa entre ela e arealidade Poreacutem o inteacuterprete e analista assim como seu leitor
raramente tomam consciecircncia disto
Raymond Boudon
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JAIR ARAUacuteJO DE LIMA
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 91
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
Debater ou estudar o fundamentalismo e as identidades dele derivadas ou a ele atreladas
eacute uma das agendas das Ciecircncias Sociais em nossa eacutepoca A difusatildeo do termo daacute-se no acircmbito da
miacutedia em razatildeo dos atentados do dia 11 de setembro de 2001 agraves duas torres do World Trade Center
e a decorrente ideologia da seguranccedila interna e externa do EUA e no acircmbito acadecircmico eacute realizadopela via dos eixos temaacuteticos que frequentemente o trazem agrave baila identidades modernas pluralis-
mo cultural e religioso direitos das minorias e movimentos reacionaacuterios e por fim as temaacuteticas da
toleracircncia e da relativizaccedilatildeo cultural
Salvo exceccedilotildees moacutedicas tais como em Ernest Gellner (1994 p 13) autor em que aparece a
expressatildeo insoacutelita ldquoo fundamentalismo eacute uacutetil para a sociedaderdquo e ainda Zigmunt Bauman (1998 p
228) onde surge a porccedilatildeo natildeo popular ldquoo fundamentalismo eacute um remeacutedio radical contra esse veneno
da sociedade de consumo conduzida pelo mercado e poacutes-moderna []rdquo
Pode-se ateacute discordar de Gellner e Bauman natildeo obstante natildeo eacute possiacutevel uma criacutetica desdenho-sa do uso impopular que fazem do termo fundamentalismo e da conotaccedilatildeo positiva que atribuem
ao fenocircmeno
Recentemente Antocircnio Flaacutevio Pierucci (2006) ndash cuja concepccedilatildeo do termo segue oposta agrave com-
preensatildeo de Gellner e Bauman e agrave nossa ndash comentou (e isso nos serve aqui) que tem observado um
ldquouso frouxo do conceito que tem-se generalizadordquo (p 01) ambeacutem Veronica Melander (2000) tem
apontado que devemos impor limites agraves recentes expansotildees do conceito
O fato eacute que ndash inclusive no acircmbito acadecircmico ndash a associaccedilatildeo que se faz ao termo tem sido
reincidentemente deturpadora tanto do seu sentido histoacuterico original e circunstancial quanto das
conotaccedilotildees positivas que a ele podem ser legitimamente atribuiacutedas1
Eacute provaacutevel que algum adepto dos usos indiscriminados e inexatos do termo venha a qua-
lificar-nos de fundamentalistas terminoloacutegicos uma vez que defendemos um sentido proacuteprio e
apropriado para ele Deste modo estaria (esse nosso criacutetico virtual) incorrendo exatamente num
dos desdobramentos academicamente perigosos dos usos desleixados da terminologia cientiacutefica
isto eacute atribuir ao rigor acadecircmico-cientiacutefico um sentido de intoleracircncia de perfeccionismo pedan-
te ou violento ou seja de ldquofundamentalismordquo em sua acepccedilatildeo equivocada Pierucci (2006 p 01)
reconhece que natildeo se deve ldquotomar toda convicccedilatildeo pessoal ou tomada de posiccedilatildeo inegociaacutevel como
fundamentalistardquo Queremos demonstrar aqui que eacute precisamente isso que estaacute ocorrendo nos usosteoloacutegicos midiaacuteticos e (em certos acircmbitos) acadecircmicos do termo
O nosso interesse neste trabalho eacute demonstrar ndash pelo recurso agrave anaacutelise do discurso e da
fundamentaccedilatildeo teoacuterica fornecida pela literatura da aacuterea ndash como se estaacute popularizando nos meios
midiaacuteticos e em alguns meios acadecircmicos uma conceituaccedilatildeo equiacutevoca do termo e sua consequente
representaccedilatildeo tendenciosa e portanto incompleta ais atribuiccedilotildees equiacutevocas do termo realizam-se
de pelo menos trecircs formas
1 Na Ciecircncia por exemplo o termo eacute sinocircnimo de fundacionalismo e ndash mesmo aqueles que antagonizam com este sistema por motivos epistemoloacutegicos
devem admitir ndash neste sentido sua conotaccedilatildeo natildeo pode ser devidamente compreendida como sendo negativa (Cf GELLNER 1994)
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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1) Extraccedilatildeo do conceito de sua sitz im leben2 ndash seu contexto histoacuterico concreto e
circunstancial ndash e exportaccedilatildeo improacutepria do significado inicial para contextos mais
amplos o que aplicado agraves culturas religiosas orientais por exemplo consiste numa
eisegese 3 etnocecircntrica ndash postura hermenecircutica ocidental ndash dos fenocircmenos orientais
2) Poliacutetica de semantizaccedilatildeo pejorativa do termo do fenocircmeno e dos seus adeptos (ORO
1996) incluindo aqui a banalizaccedilatildeo de sentidos expandidos do termo sempre numa
conotaccedilatildeo rotulatoacuteria (BECKER 2008)
3) Aplicaccedilotildees metafoacutericas inexatas do termo agraves realidades cotidianas natildeo relacionadas
ao fenocircmeno (o que contribui para a popularizaccedilatildeo de seus sentidos equiacutevocos) e
apropriaccedilotildees desleixadas do termo ndash em seu sentido socioloacutegico e portanto ligado ao
seu contexto histoacuterico ndash por teoacutelogos que ora fazem uso do termo como antocircnimo de
toleracircncia ora o utilizam como sinocircnimo rigorosidadeliteralidade na leitura da Biacuteblia
o que aliena ndash stricto sensu ndash o termo de seu sentido significativo originalmente atribuiacutedo
e contribui para a confusatildeo natildeo somente terminoloacutegica mas tambeacutem fenomenoloacutegica
Embora saibamos que a compreensatildeo socioloacutegica seja ldquoo ato intelectual que se funda nas
interpretaccedilotildees em funccedilatildeo do sentido dos objetos dados aos atos apreendidos em geralrdquo (FREUND
1987 p 08) e que esse exerciacutecio de compreensatildeo eacute sempre ldquoaproximativo e natildeo certo e uniacutevocordquo
(p 08) a nossa atenccedilatildeo aqui eacute para o seacuterio problema da expansatildeo dos espaccedilos de especificidade
semacircntica dos termos cientiacuteficos de nossa aacuterea que contribuem para uma praacutetica de ressignificaccedilatildeo
indiscriminada dos termos e que ldquoesvazia o conceito daquilo que ele realmente pode nos dizer de
especiacutefico e proacutepriordquo (PIERUCCI 2006 p 07)4
O nosso problema eacute o mesmo do qual Julien Freund nos advertira anos atraacutes Freund (1987 p
12) convidou-nos a pensar sobre as situaccedilotildees em que certos ldquoconceitos [num campo] deixam de ser
operatoacuteriosrdquo e que sentenciou ldquoQuando tudo eacute tudo nada mais eacute definiacutevel nada mais eacute especiacutefico
em suma o conceito se torna inuacutetil jaacute que falando de uma coisa se fala de tudordquo (p 12)
Fundamentados no fato de que numa anaacutelise socioloacutegica ldquoeacute preciso conservar para os concei-
tos o seu significado de referecircncia na inteligibilidade das coisasrdquo (FREUND 1987 p 12) propomo-
nos aqui trecircs abordagens que do termo A primeira seria a abordagem restritiva de Pierucci (2006) o qual postula que fundamentalista
eacute aquele grupo religioso que tem como sua buacutessola fundamental irrevogaacutevel um corpo de textos
fundantes concebidos como sagrados e infaliacuteveis Ateacute aqui estamos de pleno acordo com Pierucci
mas temos duas ressalvas agrave sua proposta
Uma delas eacute de que ele concebe o termo em sentido meramente negativo natildeo considerando
o uso positivo que outros teoacutericos das ciecircncias sociais fazem do termo sobretudo em oposiccedilatildeo ao
movimento poacutesmodernista e ao relativismo cognitivo (FREIAS 2003 BOUDON 2009 GELLNER
2 Expressatildeo alematilde oriunda da teologia e introduzida na sociologia por Alfred Schutz (1970) e seus disciacutepulos Peter Berger e Tomas Luckman(1995) cujo significado eacute ldquoacento na vidardquo e refere-se ao contexto histoacuterico ou textual em que algo ganha sentido e historicidade Assim fora doseu contexto exato o elemento analisado torna-se uma abstraccedilatildeo a-histoacuterica e portanto inexata e equiacutevoca
3 Interpretaccedilatildeo que ndash ao contraacuterio da exegese que retira o sentido do texto ndash lanccedila do fora um sentido que natildeo estaacute no texto no co-texto ou no contexto da
porccedilatildeo escrita original Por extensatildeo signica atribuir a um termo ou a um texto um sentido que ele natildeo tem (Cf RICCOER 2006)4 Para uma visatildeo contraacuteria agrave nossa e de Pierucci (Cf CAMPOS 2010) Para Campos a utilizaccedilatildeo ampla do termo-conceito fundamentalismo eacute legiacutetima
pois ldquoele existe e estaacute presente nas mais diferentes religiotildees (para natildeo falar aqui de poliacutetica ideologia economia)rdquo (p 07)
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JAIR ARAUacuteJO DE LIMA
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1994) A outra seria quanto ao seu criteacuterio de restriccedilatildeo Entendemos que Pierucci acerta e daacute grande
contribuiccedilatildeo ao debate ao formular uma criacutetica aos usos abusivos do termo entretanto a sua ldquona-
valha de Ockhamrdquo implica num recuo ao outro polo da questatildeo contra um uso expansivo Pierucci
propotildee o que ndash ao nosso ver ndash seria uma restriccedilatildeo reducionista que empobrece o fenocircmeno reme-tendo-nos um outro tipo de inexatidatildeo Segundo ele fundamentalista seria somente um certo tipo
de religioso cuja identidade seria fundamentalista em sentido sempre negativo
De fato em sua origem histoacuterico-social o termo designa um tipo especiacutefico de religioso que se
definiu como fundamentalista numa designaccedilatildeo positiva do termo aquele que se enxerga como ldquofielrdquo
aos fundamentos de sua religiosidade isto eacute ortodoxo Este eacute o sentido original do termo fundamen-
talista segundo os seus primeiros estudiosos ndash os teoacutericos da histoacuteria da teologia ndash e segundos os proacute-
prios adeptos do grupo (ELWELL 2002) Portanto o primeiro sentido histoacuterico do termo foi positivo
O mesmo ocorreu com os primeiros usos do termo no campo acadecircmico O fundacionalismode Karl Popper e seus adeptos emergiu como sinocircnimo de plausibilidade e rigor cientiacutefico Popper e os
fundacionalistas ndash fundamentalistas do meacutetodo cientiacutefico ndash opuseram-se aos positivistas sem no entan-
to incorrer no relativismo e niilismo metodoloacutegicos e pondo-se tambeacutem contra esses (POPPER 1999
SILVEIRA 1996 FREIAS 2003)
Popper chamou seu movimento teoacuterico de ldquoracionalismo criacuteticordquo e denominou seu meacutetodo de
fundacionalismo cientiacutefico ou falseacionismo Isso pelo fato de que segundo Popper o conhecimen-
to cientiacutefico merece este qualificativo somente quando fundamentado na rigorosidade do meacutetodo
cientiacutefico Entretanto Popper nunca concebeu ndash ao contraacuterio do que postulam alguns ndash a ciecircncia ou
meacutetodo cientiacutefico como domiacutenios fechados Assim como o sistema poliacutetico que defendia foi deno-
minado por ele de ldquosociedade abertardquo a ciecircncia rigorosa que defendida tratava-se de uma ldquociecircncia
abertardquo e cujas conquistas estavam num estado perpeacutetuo de provisoriedade (POPPER 1985 1999)
Os usos mais recentes do termo e sua propagaccedilatildeo midiaacutetica no entanto satildeo em sua maior parte
negativos e por demais expansivos Em razatildeo disso visamos com este trabalho a questionar a o uso do
termo ldquofundamentalismordquo retirado do seu sitz im leben original e aplicado a movimentos religiosos
diversos e de diversas localidades no mundo Isso sobretudo o seu uso na denominaccedilatildeo do radicalismo
islacircmico que ndash como nos diz um dos mais ativos criacuteticos desta classificaccedilatildeo do lado oriental (NASR
1990a 1990b 1990c) ndash natildeo faz jus agrave realidade deste grupo tendo-se em vista que ele natildeo defende umapego incondicional ao Alcoratildeo (como seria de se esperar pela loacutegica da transposiccedilatildeo intercontinental
e intercivilizacional do termo) e estariam ao inveacutes disso muito mais proacuteximos agrave ala contraacuteria ao fun-
damentalismo do lado ocidental isto eacute os radicais islacircmicos satildeo ndash contrariando todas as expectativas
que o termo ocidental lanccedila sobre o fenocircmeno oriental consistindo numa ilusatildeo de oacutetica que impotildee
uma tautologia agrave sua anaacutelise compreensatildeo e classificaccedilatildeo ndash os equivalentes orientais ao liberalismo
teoloacutegico ocidental Os liberais (em teologia) do ocidente natildeo tecircm nada em comum com os radicais
islacircmicos embora ambos sejam segundo Seyyed Nars (1990a 1990b 1990c) liberais
A nossa segunda abordagem que propomos deste modo eacute de que ao lado de uma restriccedilatildeo
conceitualdesignativa do termo ndash como defende Pierucci ndash haja uma expansividade restrita quan-
to agrave sua aplicaccedilatildeo Isto eacute natildeo ignorarmos o que jaacute se tornou constataacutevel existe um uso positivo do
termo entre os cientistas sociais Assim existe um sentido positivo de fundamentalismo no campo
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo
devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica
A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do
fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-
ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito
internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert
Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo
histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-
ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas
anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo
particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por
meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por
exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam
no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de
abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que
em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se
fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade
As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve
promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem
-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo
nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos
cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana
Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-
mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia
poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior
parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles
demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta
Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta
de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo
dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies
acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende
que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia
rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente
ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)
natildeo-ocidentais
Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de
termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente
5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005
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fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal
postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-
maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa
que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo
natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do
outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-
cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em
igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso
do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo
Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca
anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria
o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e
sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)
Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve
Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e
queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de
discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras
argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre
temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale
novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees
Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste
postulado
Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode
ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto
sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute
na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela
de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo
se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura
sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)
Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de
restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-
plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago
Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele
adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se
de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos
que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas
Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-
diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que
professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado
sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos
dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-
mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund
Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa
deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica
da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e
estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar
em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-
paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos
condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados
agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo
O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo
a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em
discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita
A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns
da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se
inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo
Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e
tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria
enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para
a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e
assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua
tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem
superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as
Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-
guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto
de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)
Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-
damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto
sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-
ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos
os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os
6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)
e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)
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JAIR ARAUacuteJO DE LIMA
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quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas
torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu
Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de
uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta
ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em
diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias
Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-
jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo
no ldquomundo da vidardquo
Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-
sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou
grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-
delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia
realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)
anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas
correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997
GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto
natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e
instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)
As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-
tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica
ambos fictiacutecios
Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute
religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto
de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo
A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-
ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem
do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo
em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar
o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos
tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os
possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo
que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de
certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo
Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo
que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em
Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a
concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-
sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder
o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o
oacutedio muacutetuo entre grupos rivais
Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-
danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu
saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo
o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo
Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno
bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos
e positivos do termo
Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no
sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan
Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)
Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-
demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-
versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo
(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os
quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos
datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper
pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes
satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico
Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo
como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no
mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que
satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo
balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem
artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno
Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo
cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade
normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da
conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-
to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto
natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas
crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas
7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com
o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH
McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes
em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo
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subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
REFEREcircNCIAS
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Debater ou estudar o fundamentalismo e as identidades dele derivadas ou a ele atreladas
eacute uma das agendas das Ciecircncias Sociais em nossa eacutepoca A difusatildeo do termo daacute-se no acircmbito da
miacutedia em razatildeo dos atentados do dia 11 de setembro de 2001 agraves duas torres do World Trade Center
e a decorrente ideologia da seguranccedila interna e externa do EUA e no acircmbito acadecircmico eacute realizadopela via dos eixos temaacuteticos que frequentemente o trazem agrave baila identidades modernas pluralis-
mo cultural e religioso direitos das minorias e movimentos reacionaacuterios e por fim as temaacuteticas da
toleracircncia e da relativizaccedilatildeo cultural
Salvo exceccedilotildees moacutedicas tais como em Ernest Gellner (1994 p 13) autor em que aparece a
expressatildeo insoacutelita ldquoo fundamentalismo eacute uacutetil para a sociedaderdquo e ainda Zigmunt Bauman (1998 p
228) onde surge a porccedilatildeo natildeo popular ldquoo fundamentalismo eacute um remeacutedio radical contra esse veneno
da sociedade de consumo conduzida pelo mercado e poacutes-moderna []rdquo
Pode-se ateacute discordar de Gellner e Bauman natildeo obstante natildeo eacute possiacutevel uma criacutetica desdenho-sa do uso impopular que fazem do termo fundamentalismo e da conotaccedilatildeo positiva que atribuem
ao fenocircmeno
Recentemente Antocircnio Flaacutevio Pierucci (2006) ndash cuja concepccedilatildeo do termo segue oposta agrave com-
preensatildeo de Gellner e Bauman e agrave nossa ndash comentou (e isso nos serve aqui) que tem observado um
ldquouso frouxo do conceito que tem-se generalizadordquo (p 01) ambeacutem Veronica Melander (2000) tem
apontado que devemos impor limites agraves recentes expansotildees do conceito
O fato eacute que ndash inclusive no acircmbito acadecircmico ndash a associaccedilatildeo que se faz ao termo tem sido
reincidentemente deturpadora tanto do seu sentido histoacuterico original e circunstancial quanto das
conotaccedilotildees positivas que a ele podem ser legitimamente atribuiacutedas1
Eacute provaacutevel que algum adepto dos usos indiscriminados e inexatos do termo venha a qua-
lificar-nos de fundamentalistas terminoloacutegicos uma vez que defendemos um sentido proacuteprio e
apropriado para ele Deste modo estaria (esse nosso criacutetico virtual) incorrendo exatamente num
dos desdobramentos academicamente perigosos dos usos desleixados da terminologia cientiacutefica
isto eacute atribuir ao rigor acadecircmico-cientiacutefico um sentido de intoleracircncia de perfeccionismo pedan-
te ou violento ou seja de ldquofundamentalismordquo em sua acepccedilatildeo equivocada Pierucci (2006 p 01)
reconhece que natildeo se deve ldquotomar toda convicccedilatildeo pessoal ou tomada de posiccedilatildeo inegociaacutevel como
fundamentalistardquo Queremos demonstrar aqui que eacute precisamente isso que estaacute ocorrendo nos usosteoloacutegicos midiaacuteticos e (em certos acircmbitos) acadecircmicos do termo
O nosso interesse neste trabalho eacute demonstrar ndash pelo recurso agrave anaacutelise do discurso e da
fundamentaccedilatildeo teoacuterica fornecida pela literatura da aacuterea ndash como se estaacute popularizando nos meios
midiaacuteticos e em alguns meios acadecircmicos uma conceituaccedilatildeo equiacutevoca do termo e sua consequente
representaccedilatildeo tendenciosa e portanto incompleta ais atribuiccedilotildees equiacutevocas do termo realizam-se
de pelo menos trecircs formas
1 Na Ciecircncia por exemplo o termo eacute sinocircnimo de fundacionalismo e ndash mesmo aqueles que antagonizam com este sistema por motivos epistemoloacutegicos
devem admitir ndash neste sentido sua conotaccedilatildeo natildeo pode ser devidamente compreendida como sendo negativa (Cf GELLNER 1994)
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1) Extraccedilatildeo do conceito de sua sitz im leben2 ndash seu contexto histoacuterico concreto e
circunstancial ndash e exportaccedilatildeo improacutepria do significado inicial para contextos mais
amplos o que aplicado agraves culturas religiosas orientais por exemplo consiste numa
eisegese 3 etnocecircntrica ndash postura hermenecircutica ocidental ndash dos fenocircmenos orientais
2) Poliacutetica de semantizaccedilatildeo pejorativa do termo do fenocircmeno e dos seus adeptos (ORO
1996) incluindo aqui a banalizaccedilatildeo de sentidos expandidos do termo sempre numa
conotaccedilatildeo rotulatoacuteria (BECKER 2008)
3) Aplicaccedilotildees metafoacutericas inexatas do termo agraves realidades cotidianas natildeo relacionadas
ao fenocircmeno (o que contribui para a popularizaccedilatildeo de seus sentidos equiacutevocos) e
apropriaccedilotildees desleixadas do termo ndash em seu sentido socioloacutegico e portanto ligado ao
seu contexto histoacuterico ndash por teoacutelogos que ora fazem uso do termo como antocircnimo de
toleracircncia ora o utilizam como sinocircnimo rigorosidadeliteralidade na leitura da Biacuteblia
o que aliena ndash stricto sensu ndash o termo de seu sentido significativo originalmente atribuiacutedo
e contribui para a confusatildeo natildeo somente terminoloacutegica mas tambeacutem fenomenoloacutegica
Embora saibamos que a compreensatildeo socioloacutegica seja ldquoo ato intelectual que se funda nas
interpretaccedilotildees em funccedilatildeo do sentido dos objetos dados aos atos apreendidos em geralrdquo (FREUND
1987 p 08) e que esse exerciacutecio de compreensatildeo eacute sempre ldquoaproximativo e natildeo certo e uniacutevocordquo
(p 08) a nossa atenccedilatildeo aqui eacute para o seacuterio problema da expansatildeo dos espaccedilos de especificidade
semacircntica dos termos cientiacuteficos de nossa aacuterea que contribuem para uma praacutetica de ressignificaccedilatildeo
indiscriminada dos termos e que ldquoesvazia o conceito daquilo que ele realmente pode nos dizer de
especiacutefico e proacutepriordquo (PIERUCCI 2006 p 07)4
O nosso problema eacute o mesmo do qual Julien Freund nos advertira anos atraacutes Freund (1987 p
12) convidou-nos a pensar sobre as situaccedilotildees em que certos ldquoconceitos [num campo] deixam de ser
operatoacuteriosrdquo e que sentenciou ldquoQuando tudo eacute tudo nada mais eacute definiacutevel nada mais eacute especiacutefico
em suma o conceito se torna inuacutetil jaacute que falando de uma coisa se fala de tudordquo (p 12)
Fundamentados no fato de que numa anaacutelise socioloacutegica ldquoeacute preciso conservar para os concei-
tos o seu significado de referecircncia na inteligibilidade das coisasrdquo (FREUND 1987 p 12) propomo-
nos aqui trecircs abordagens que do termo A primeira seria a abordagem restritiva de Pierucci (2006) o qual postula que fundamentalista
eacute aquele grupo religioso que tem como sua buacutessola fundamental irrevogaacutevel um corpo de textos
fundantes concebidos como sagrados e infaliacuteveis Ateacute aqui estamos de pleno acordo com Pierucci
mas temos duas ressalvas agrave sua proposta
Uma delas eacute de que ele concebe o termo em sentido meramente negativo natildeo considerando
o uso positivo que outros teoacutericos das ciecircncias sociais fazem do termo sobretudo em oposiccedilatildeo ao
movimento poacutesmodernista e ao relativismo cognitivo (FREIAS 2003 BOUDON 2009 GELLNER
2 Expressatildeo alematilde oriunda da teologia e introduzida na sociologia por Alfred Schutz (1970) e seus disciacutepulos Peter Berger e Tomas Luckman(1995) cujo significado eacute ldquoacento na vidardquo e refere-se ao contexto histoacuterico ou textual em que algo ganha sentido e historicidade Assim fora doseu contexto exato o elemento analisado torna-se uma abstraccedilatildeo a-histoacuterica e portanto inexata e equiacutevoca
3 Interpretaccedilatildeo que ndash ao contraacuterio da exegese que retira o sentido do texto ndash lanccedila do fora um sentido que natildeo estaacute no texto no co-texto ou no contexto da
porccedilatildeo escrita original Por extensatildeo signica atribuir a um termo ou a um texto um sentido que ele natildeo tem (Cf RICCOER 2006)4 Para uma visatildeo contraacuteria agrave nossa e de Pierucci (Cf CAMPOS 2010) Para Campos a utilizaccedilatildeo ampla do termo-conceito fundamentalismo eacute legiacutetima
pois ldquoele existe e estaacute presente nas mais diferentes religiotildees (para natildeo falar aqui de poliacutetica ideologia economia)rdquo (p 07)
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1994) A outra seria quanto ao seu criteacuterio de restriccedilatildeo Entendemos que Pierucci acerta e daacute grande
contribuiccedilatildeo ao debate ao formular uma criacutetica aos usos abusivos do termo entretanto a sua ldquona-
valha de Ockhamrdquo implica num recuo ao outro polo da questatildeo contra um uso expansivo Pierucci
propotildee o que ndash ao nosso ver ndash seria uma restriccedilatildeo reducionista que empobrece o fenocircmeno reme-tendo-nos um outro tipo de inexatidatildeo Segundo ele fundamentalista seria somente um certo tipo
de religioso cuja identidade seria fundamentalista em sentido sempre negativo
De fato em sua origem histoacuterico-social o termo designa um tipo especiacutefico de religioso que se
definiu como fundamentalista numa designaccedilatildeo positiva do termo aquele que se enxerga como ldquofielrdquo
aos fundamentos de sua religiosidade isto eacute ortodoxo Este eacute o sentido original do termo fundamen-
talista segundo os seus primeiros estudiosos ndash os teoacutericos da histoacuteria da teologia ndash e segundos os proacute-
prios adeptos do grupo (ELWELL 2002) Portanto o primeiro sentido histoacuterico do termo foi positivo
O mesmo ocorreu com os primeiros usos do termo no campo acadecircmico O fundacionalismode Karl Popper e seus adeptos emergiu como sinocircnimo de plausibilidade e rigor cientiacutefico Popper e os
fundacionalistas ndash fundamentalistas do meacutetodo cientiacutefico ndash opuseram-se aos positivistas sem no entan-
to incorrer no relativismo e niilismo metodoloacutegicos e pondo-se tambeacutem contra esses (POPPER 1999
SILVEIRA 1996 FREIAS 2003)
Popper chamou seu movimento teoacuterico de ldquoracionalismo criacuteticordquo e denominou seu meacutetodo de
fundacionalismo cientiacutefico ou falseacionismo Isso pelo fato de que segundo Popper o conhecimen-
to cientiacutefico merece este qualificativo somente quando fundamentado na rigorosidade do meacutetodo
cientiacutefico Entretanto Popper nunca concebeu ndash ao contraacuterio do que postulam alguns ndash a ciecircncia ou
meacutetodo cientiacutefico como domiacutenios fechados Assim como o sistema poliacutetico que defendia foi deno-
minado por ele de ldquosociedade abertardquo a ciecircncia rigorosa que defendida tratava-se de uma ldquociecircncia
abertardquo e cujas conquistas estavam num estado perpeacutetuo de provisoriedade (POPPER 1985 1999)
Os usos mais recentes do termo e sua propagaccedilatildeo midiaacutetica no entanto satildeo em sua maior parte
negativos e por demais expansivos Em razatildeo disso visamos com este trabalho a questionar a o uso do
termo ldquofundamentalismordquo retirado do seu sitz im leben original e aplicado a movimentos religiosos
diversos e de diversas localidades no mundo Isso sobretudo o seu uso na denominaccedilatildeo do radicalismo
islacircmico que ndash como nos diz um dos mais ativos criacuteticos desta classificaccedilatildeo do lado oriental (NASR
1990a 1990b 1990c) ndash natildeo faz jus agrave realidade deste grupo tendo-se em vista que ele natildeo defende umapego incondicional ao Alcoratildeo (como seria de se esperar pela loacutegica da transposiccedilatildeo intercontinental
e intercivilizacional do termo) e estariam ao inveacutes disso muito mais proacuteximos agrave ala contraacuteria ao fun-
damentalismo do lado ocidental isto eacute os radicais islacircmicos satildeo ndash contrariando todas as expectativas
que o termo ocidental lanccedila sobre o fenocircmeno oriental consistindo numa ilusatildeo de oacutetica que impotildee
uma tautologia agrave sua anaacutelise compreensatildeo e classificaccedilatildeo ndash os equivalentes orientais ao liberalismo
teoloacutegico ocidental Os liberais (em teologia) do ocidente natildeo tecircm nada em comum com os radicais
islacircmicos embora ambos sejam segundo Seyyed Nars (1990a 1990b 1990c) liberais
A nossa segunda abordagem que propomos deste modo eacute de que ao lado de uma restriccedilatildeo
conceitualdesignativa do termo ndash como defende Pierucci ndash haja uma expansividade restrita quan-
to agrave sua aplicaccedilatildeo Isto eacute natildeo ignorarmos o que jaacute se tornou constataacutevel existe um uso positivo do
termo entre os cientistas sociais Assim existe um sentido positivo de fundamentalismo no campo
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cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo
devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica
A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do
fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-
ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito
internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert
Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo
histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-
ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas
anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo
particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por
meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por
exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam
no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de
abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que
em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se
fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade
As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve
promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem
-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo
nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos
cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana
Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-
mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia
poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior
parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles
demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta
Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta
de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo
dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies
acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende
que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia
rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente
ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)
natildeo-ocidentais
Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de
termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente
5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005
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fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal
postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-
maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa
que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo
natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do
outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-
cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em
igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso
do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo
Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca
anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria
o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e
sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)
Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve
Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e
queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de
discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras
argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre
temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale
novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees
Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste
postulado
Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode
ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto
sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute
na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela
de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo
se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura
sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)
Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de
restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-
plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago
Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele
adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se
de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e
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conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos
que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas
Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-
diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que
professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado
sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos
dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-
mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund
Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa
deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica
da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e
estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar
em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-
paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos
condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados
agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo
O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo
a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em
discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita
A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns
da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se
inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo
Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e
tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria
enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para
a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e
assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua
tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem
superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as
Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-
guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto
de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)
Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-
damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto
sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-
ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos
os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os
6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)
e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)
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quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas
torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu
Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de
uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta
ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em
diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias
Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-
jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo
no ldquomundo da vidardquo
Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-
sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou
grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-
delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia
realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)
anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas
correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997
GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto
natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e
instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)
As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-
tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica
ambos fictiacutecios
Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute
religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto
de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo
A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-
ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem
do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo
em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar
o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos
tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os
possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo
que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de
certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo
Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo
que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em
Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a
concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-
sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder
o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o
oacutedio muacutetuo entre grupos rivais
Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-
danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu
saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo
o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo
Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno
bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos
e positivos do termo
Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no
sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan
Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)
Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-
demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-
versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo
(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os
quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos
datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper
pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes
satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico
Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo
como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no
mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que
satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo
balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem
artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno
Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo
cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade
normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da
conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-
to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto
natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas
crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas
7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com
o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH
McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes
em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo
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subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
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1) Extraccedilatildeo do conceito de sua sitz im leben2 ndash seu contexto histoacuterico concreto e
circunstancial ndash e exportaccedilatildeo improacutepria do significado inicial para contextos mais
amplos o que aplicado agraves culturas religiosas orientais por exemplo consiste numa
eisegese 3 etnocecircntrica ndash postura hermenecircutica ocidental ndash dos fenocircmenos orientais
2) Poliacutetica de semantizaccedilatildeo pejorativa do termo do fenocircmeno e dos seus adeptos (ORO
1996) incluindo aqui a banalizaccedilatildeo de sentidos expandidos do termo sempre numa
conotaccedilatildeo rotulatoacuteria (BECKER 2008)
3) Aplicaccedilotildees metafoacutericas inexatas do termo agraves realidades cotidianas natildeo relacionadas
ao fenocircmeno (o que contribui para a popularizaccedilatildeo de seus sentidos equiacutevocos) e
apropriaccedilotildees desleixadas do termo ndash em seu sentido socioloacutegico e portanto ligado ao
seu contexto histoacuterico ndash por teoacutelogos que ora fazem uso do termo como antocircnimo de
toleracircncia ora o utilizam como sinocircnimo rigorosidadeliteralidade na leitura da Biacuteblia
o que aliena ndash stricto sensu ndash o termo de seu sentido significativo originalmente atribuiacutedo
e contribui para a confusatildeo natildeo somente terminoloacutegica mas tambeacutem fenomenoloacutegica
Embora saibamos que a compreensatildeo socioloacutegica seja ldquoo ato intelectual que se funda nas
interpretaccedilotildees em funccedilatildeo do sentido dos objetos dados aos atos apreendidos em geralrdquo (FREUND
1987 p 08) e que esse exerciacutecio de compreensatildeo eacute sempre ldquoaproximativo e natildeo certo e uniacutevocordquo
(p 08) a nossa atenccedilatildeo aqui eacute para o seacuterio problema da expansatildeo dos espaccedilos de especificidade
semacircntica dos termos cientiacuteficos de nossa aacuterea que contribuem para uma praacutetica de ressignificaccedilatildeo
indiscriminada dos termos e que ldquoesvazia o conceito daquilo que ele realmente pode nos dizer de
especiacutefico e proacutepriordquo (PIERUCCI 2006 p 07)4
O nosso problema eacute o mesmo do qual Julien Freund nos advertira anos atraacutes Freund (1987 p
12) convidou-nos a pensar sobre as situaccedilotildees em que certos ldquoconceitos [num campo] deixam de ser
operatoacuteriosrdquo e que sentenciou ldquoQuando tudo eacute tudo nada mais eacute definiacutevel nada mais eacute especiacutefico
em suma o conceito se torna inuacutetil jaacute que falando de uma coisa se fala de tudordquo (p 12)
Fundamentados no fato de que numa anaacutelise socioloacutegica ldquoeacute preciso conservar para os concei-
tos o seu significado de referecircncia na inteligibilidade das coisasrdquo (FREUND 1987 p 12) propomo-
nos aqui trecircs abordagens que do termo A primeira seria a abordagem restritiva de Pierucci (2006) o qual postula que fundamentalista
eacute aquele grupo religioso que tem como sua buacutessola fundamental irrevogaacutevel um corpo de textos
fundantes concebidos como sagrados e infaliacuteveis Ateacute aqui estamos de pleno acordo com Pierucci
mas temos duas ressalvas agrave sua proposta
Uma delas eacute de que ele concebe o termo em sentido meramente negativo natildeo considerando
o uso positivo que outros teoacutericos das ciecircncias sociais fazem do termo sobretudo em oposiccedilatildeo ao
movimento poacutesmodernista e ao relativismo cognitivo (FREIAS 2003 BOUDON 2009 GELLNER
2 Expressatildeo alematilde oriunda da teologia e introduzida na sociologia por Alfred Schutz (1970) e seus disciacutepulos Peter Berger e Tomas Luckman(1995) cujo significado eacute ldquoacento na vidardquo e refere-se ao contexto histoacuterico ou textual em que algo ganha sentido e historicidade Assim fora doseu contexto exato o elemento analisado torna-se uma abstraccedilatildeo a-histoacuterica e portanto inexata e equiacutevoca
3 Interpretaccedilatildeo que ndash ao contraacuterio da exegese que retira o sentido do texto ndash lanccedila do fora um sentido que natildeo estaacute no texto no co-texto ou no contexto da
porccedilatildeo escrita original Por extensatildeo signica atribuir a um termo ou a um texto um sentido que ele natildeo tem (Cf RICCOER 2006)4 Para uma visatildeo contraacuteria agrave nossa e de Pierucci (Cf CAMPOS 2010) Para Campos a utilizaccedilatildeo ampla do termo-conceito fundamentalismo eacute legiacutetima
pois ldquoele existe e estaacute presente nas mais diferentes religiotildees (para natildeo falar aqui de poliacutetica ideologia economia)rdquo (p 07)
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1994) A outra seria quanto ao seu criteacuterio de restriccedilatildeo Entendemos que Pierucci acerta e daacute grande
contribuiccedilatildeo ao debate ao formular uma criacutetica aos usos abusivos do termo entretanto a sua ldquona-
valha de Ockhamrdquo implica num recuo ao outro polo da questatildeo contra um uso expansivo Pierucci
propotildee o que ndash ao nosso ver ndash seria uma restriccedilatildeo reducionista que empobrece o fenocircmeno reme-tendo-nos um outro tipo de inexatidatildeo Segundo ele fundamentalista seria somente um certo tipo
de religioso cuja identidade seria fundamentalista em sentido sempre negativo
De fato em sua origem histoacuterico-social o termo designa um tipo especiacutefico de religioso que se
definiu como fundamentalista numa designaccedilatildeo positiva do termo aquele que se enxerga como ldquofielrdquo
aos fundamentos de sua religiosidade isto eacute ortodoxo Este eacute o sentido original do termo fundamen-
talista segundo os seus primeiros estudiosos ndash os teoacutericos da histoacuteria da teologia ndash e segundos os proacute-
prios adeptos do grupo (ELWELL 2002) Portanto o primeiro sentido histoacuterico do termo foi positivo
O mesmo ocorreu com os primeiros usos do termo no campo acadecircmico O fundacionalismode Karl Popper e seus adeptos emergiu como sinocircnimo de plausibilidade e rigor cientiacutefico Popper e os
fundacionalistas ndash fundamentalistas do meacutetodo cientiacutefico ndash opuseram-se aos positivistas sem no entan-
to incorrer no relativismo e niilismo metodoloacutegicos e pondo-se tambeacutem contra esses (POPPER 1999
SILVEIRA 1996 FREIAS 2003)
Popper chamou seu movimento teoacuterico de ldquoracionalismo criacuteticordquo e denominou seu meacutetodo de
fundacionalismo cientiacutefico ou falseacionismo Isso pelo fato de que segundo Popper o conhecimen-
to cientiacutefico merece este qualificativo somente quando fundamentado na rigorosidade do meacutetodo
cientiacutefico Entretanto Popper nunca concebeu ndash ao contraacuterio do que postulam alguns ndash a ciecircncia ou
meacutetodo cientiacutefico como domiacutenios fechados Assim como o sistema poliacutetico que defendia foi deno-
minado por ele de ldquosociedade abertardquo a ciecircncia rigorosa que defendida tratava-se de uma ldquociecircncia
abertardquo e cujas conquistas estavam num estado perpeacutetuo de provisoriedade (POPPER 1985 1999)
Os usos mais recentes do termo e sua propagaccedilatildeo midiaacutetica no entanto satildeo em sua maior parte
negativos e por demais expansivos Em razatildeo disso visamos com este trabalho a questionar a o uso do
termo ldquofundamentalismordquo retirado do seu sitz im leben original e aplicado a movimentos religiosos
diversos e de diversas localidades no mundo Isso sobretudo o seu uso na denominaccedilatildeo do radicalismo
islacircmico que ndash como nos diz um dos mais ativos criacuteticos desta classificaccedilatildeo do lado oriental (NASR
1990a 1990b 1990c) ndash natildeo faz jus agrave realidade deste grupo tendo-se em vista que ele natildeo defende umapego incondicional ao Alcoratildeo (como seria de se esperar pela loacutegica da transposiccedilatildeo intercontinental
e intercivilizacional do termo) e estariam ao inveacutes disso muito mais proacuteximos agrave ala contraacuteria ao fun-
damentalismo do lado ocidental isto eacute os radicais islacircmicos satildeo ndash contrariando todas as expectativas
que o termo ocidental lanccedila sobre o fenocircmeno oriental consistindo numa ilusatildeo de oacutetica que impotildee
uma tautologia agrave sua anaacutelise compreensatildeo e classificaccedilatildeo ndash os equivalentes orientais ao liberalismo
teoloacutegico ocidental Os liberais (em teologia) do ocidente natildeo tecircm nada em comum com os radicais
islacircmicos embora ambos sejam segundo Seyyed Nars (1990a 1990b 1990c) liberais
A nossa segunda abordagem que propomos deste modo eacute de que ao lado de uma restriccedilatildeo
conceitualdesignativa do termo ndash como defende Pierucci ndash haja uma expansividade restrita quan-
to agrave sua aplicaccedilatildeo Isto eacute natildeo ignorarmos o que jaacute se tornou constataacutevel existe um uso positivo do
termo entre os cientistas sociais Assim existe um sentido positivo de fundamentalismo no campo
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cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo
devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica
A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do
fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-
ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito
internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert
Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo
histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-
ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas
anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo
particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por
meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por
exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam
no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de
abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que
em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se
fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade
As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve
promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem
-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo
nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos
cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana
Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-
mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia
poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior
parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles
demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta
Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta
de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo
dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies
acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende
que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia
rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente
ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)
natildeo-ocidentais
Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de
termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente
5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005
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fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal
postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-
maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa
que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo
natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do
outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-
cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em
igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso
do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo
Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca
anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria
o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e
sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)
Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve
Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e
queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de
discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras
argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre
temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale
novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees
Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste
postulado
Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode
ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto
sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute
na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela
de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo
se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura
sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)
Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de
restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-
plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago
Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele
adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se
de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e
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conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos
que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas
Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-
diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que
professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado
sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos
dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-
mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund
Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa
deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica
da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e
estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar
em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-
paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos
condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados
agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo
O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo
a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em
discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita
A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns
da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se
inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo
Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e
tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria
enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para
a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e
assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua
tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem
superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as
Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-
guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto
de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)
Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-
damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto
sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-
ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos
os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os
6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)
e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)
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quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas
torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu
Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de
uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta
ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em
diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias
Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-
jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo
no ldquomundo da vidardquo
Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-
sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou
grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-
delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia
realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)
anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas
correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997
GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto
natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e
instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)
As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-
tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica
ambos fictiacutecios
Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute
religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto
de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo
A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-
ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem
do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo
em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar
o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos
tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os
possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo
que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de
certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo
Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo
que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em
Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a
concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-
sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder
o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o
oacutedio muacutetuo entre grupos rivais
Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-
danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu
saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo
o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo
Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno
bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos
e positivos do termo
Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no
sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan
Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)
Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-
demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-
versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo
(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os
quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos
datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper
pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes
satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico
Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo
como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no
mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que
satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo
balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem
artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno
Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo
cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade
normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da
conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-
to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto
natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas
crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas
7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com
o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH
McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes
em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo
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subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
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1994) A outra seria quanto ao seu criteacuterio de restriccedilatildeo Entendemos que Pierucci acerta e daacute grande
contribuiccedilatildeo ao debate ao formular uma criacutetica aos usos abusivos do termo entretanto a sua ldquona-
valha de Ockhamrdquo implica num recuo ao outro polo da questatildeo contra um uso expansivo Pierucci
propotildee o que ndash ao nosso ver ndash seria uma restriccedilatildeo reducionista que empobrece o fenocircmeno reme-tendo-nos um outro tipo de inexatidatildeo Segundo ele fundamentalista seria somente um certo tipo
de religioso cuja identidade seria fundamentalista em sentido sempre negativo
De fato em sua origem histoacuterico-social o termo designa um tipo especiacutefico de religioso que se
definiu como fundamentalista numa designaccedilatildeo positiva do termo aquele que se enxerga como ldquofielrdquo
aos fundamentos de sua religiosidade isto eacute ortodoxo Este eacute o sentido original do termo fundamen-
talista segundo os seus primeiros estudiosos ndash os teoacutericos da histoacuteria da teologia ndash e segundos os proacute-
prios adeptos do grupo (ELWELL 2002) Portanto o primeiro sentido histoacuterico do termo foi positivo
O mesmo ocorreu com os primeiros usos do termo no campo acadecircmico O fundacionalismode Karl Popper e seus adeptos emergiu como sinocircnimo de plausibilidade e rigor cientiacutefico Popper e os
fundacionalistas ndash fundamentalistas do meacutetodo cientiacutefico ndash opuseram-se aos positivistas sem no entan-
to incorrer no relativismo e niilismo metodoloacutegicos e pondo-se tambeacutem contra esses (POPPER 1999
SILVEIRA 1996 FREIAS 2003)
Popper chamou seu movimento teoacuterico de ldquoracionalismo criacuteticordquo e denominou seu meacutetodo de
fundacionalismo cientiacutefico ou falseacionismo Isso pelo fato de que segundo Popper o conhecimen-
to cientiacutefico merece este qualificativo somente quando fundamentado na rigorosidade do meacutetodo
cientiacutefico Entretanto Popper nunca concebeu ndash ao contraacuterio do que postulam alguns ndash a ciecircncia ou
meacutetodo cientiacutefico como domiacutenios fechados Assim como o sistema poliacutetico que defendia foi deno-
minado por ele de ldquosociedade abertardquo a ciecircncia rigorosa que defendida tratava-se de uma ldquociecircncia
abertardquo e cujas conquistas estavam num estado perpeacutetuo de provisoriedade (POPPER 1985 1999)
Os usos mais recentes do termo e sua propagaccedilatildeo midiaacutetica no entanto satildeo em sua maior parte
negativos e por demais expansivos Em razatildeo disso visamos com este trabalho a questionar a o uso do
termo ldquofundamentalismordquo retirado do seu sitz im leben original e aplicado a movimentos religiosos
diversos e de diversas localidades no mundo Isso sobretudo o seu uso na denominaccedilatildeo do radicalismo
islacircmico que ndash como nos diz um dos mais ativos criacuteticos desta classificaccedilatildeo do lado oriental (NASR
1990a 1990b 1990c) ndash natildeo faz jus agrave realidade deste grupo tendo-se em vista que ele natildeo defende umapego incondicional ao Alcoratildeo (como seria de se esperar pela loacutegica da transposiccedilatildeo intercontinental
e intercivilizacional do termo) e estariam ao inveacutes disso muito mais proacuteximos agrave ala contraacuteria ao fun-
damentalismo do lado ocidental isto eacute os radicais islacircmicos satildeo ndash contrariando todas as expectativas
que o termo ocidental lanccedila sobre o fenocircmeno oriental consistindo numa ilusatildeo de oacutetica que impotildee
uma tautologia agrave sua anaacutelise compreensatildeo e classificaccedilatildeo ndash os equivalentes orientais ao liberalismo
teoloacutegico ocidental Os liberais (em teologia) do ocidente natildeo tecircm nada em comum com os radicais
islacircmicos embora ambos sejam segundo Seyyed Nars (1990a 1990b 1990c) liberais
A nossa segunda abordagem que propomos deste modo eacute de que ao lado de uma restriccedilatildeo
conceitualdesignativa do termo ndash como defende Pierucci ndash haja uma expansividade restrita quan-
to agrave sua aplicaccedilatildeo Isto eacute natildeo ignorarmos o que jaacute se tornou constataacutevel existe um uso positivo do
termo entre os cientistas sociais Assim existe um sentido positivo de fundamentalismo no campo
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cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo
devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica
A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do
fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-
ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito
internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert
Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo
histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-
ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas
anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo
particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por
meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por
exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam
no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de
abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que
em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se
fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade
As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve
promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem
-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo
nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos
cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana
Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-
mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia
poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior
parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles
demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta
Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta
de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo
dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies
acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende
que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia
rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente
ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)
natildeo-ocidentais
Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de
termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente
5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005
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fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal
postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-
maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa
que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo
natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do
outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-
cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em
igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso
do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo
Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca
anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria
o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e
sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)
Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve
Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e
queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de
discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras
argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre
temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale
novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees
Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste
postulado
Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode
ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto
sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute
na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela
de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo
se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura
sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)
Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de
restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-
plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago
Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele
adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se
de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e
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conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos
que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas
Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-
diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que
professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado
sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos
dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-
mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund
Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa
deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica
da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e
estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar
em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-
paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos
condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados
agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo
O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo
a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em
discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita
A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns
da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se
inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo
Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e
tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria
enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para
a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e
assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua
tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem
superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as
Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-
guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto
de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)
Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-
damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto
sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-
ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos
os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os
6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)
e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)
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quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas
torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu
Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de
uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta
ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em
diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias
Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-
jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo
no ldquomundo da vidardquo
Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-
sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou
grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-
delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia
realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)
anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas
correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997
GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto
natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e
instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)
As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-
tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica
ambos fictiacutecios
Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute
religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto
de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo
A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-
ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem
do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo
em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar
o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos
tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os
possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo
que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de
certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo
Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo
que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em
Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a
concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-
sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder
o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o
oacutedio muacutetuo entre grupos rivais
Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-
danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu
saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo
o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo
Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno
bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos
e positivos do termo
Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no
sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan
Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)
Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-
demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-
versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo
(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os
quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos
datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper
pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes
satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico
Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo
como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no
mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que
satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo
balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem
artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno
Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo
cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade
normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da
conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-
to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto
natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas
crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas
7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com
o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH
McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes
em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo
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subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
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cientiacutefico Em razatildeo disso aqueles que utilizam o termo em sentido negativopejorativo e positivo
devem oferecer uma explicitaccedilatildeo preacutevia do seu criteacuterio de utilizaccedilatildeo semacircntico-terminoloacutegica
A terceira abordagem que propomos fundamenta-se nas pesquisas do grupo de estudos do
fundamentalismo da Universidade de ChicagoEntre os estudiosos do fundamentalismo este grupo da escola de Chicago de sociologia da re-
ligiatildeo tem destacado a problemaacutetica da utilizaccedilatildeo do termo-conceito ldquofundamentalismordquo no acircmbito
internacional Entre seus pesquisadores estatildeo Mark Juergensmeyer (1995) Martin Emil Marty e Robert
Scott Appleby (1991 1992) os quais estatildeo entre os que questionam a retirada do termo de seu campo
histoacuterico-semacircntico original e se opotildeem agravequeles que em termos tanto teoacutericos quanto praacuteticos e poliacute-
ticos antagonizam contra certos grupos fundamentalistas (protestantes) dos EUA que adotam posturas
anacrocircnicas antidemocraacuteticas e ateacute mesmo violentas ndash geralmente por iniciativas de adeptos ldquoradicaisrdquo
particulares segundo este autor ndash por meio de formas de retaliaccedilatildeo tambeacutem anacrocircnicas cedilantidemo-craacuteticas e violentas Este autor aponta para o fato de que natildeo se pode defender os direitos humanos por
meio da violaccedilatildeo dos direitos humanos Assim segundo ele o que certos teoacutericos do teoria queer por
exemplo que satildeo eminentes defensores da igualdade racial de gecircnero e do movimento gay incorreriam
no equiacutevoco (alguns teoacutericos desta perspectiva mais envolvidos em projetos antifundamentalistas) de
abordarem os membros de grupos fundamentalistas inclusive no meio rural os quais satildeo adeptos que
em sua maioria ignoram as repercussotildees poliacuteticas mais amplas de fazer parte destes grupos como se
fossem sujeitos natildeo portadores tambeacutem de direitos poliacuteticos e de humanidade
As percepccedilotildees de Juergensmeyer satildeo pertinentes uma vez que ele defende que natildeo se deve
promover o oacutedio muacutetuo entre os grupos sobretudo aqueles que satildeo intelectuais a serviccedilo de bem
-estar puacuteblico e humanitaacuterio Segundo ele educaccedilatildeo e cidadania natildeo combinam nem com retaliaccedilatildeo
nem com promoccedilatildeo de oacutedio entre grupos de interesses em conflto e sim agrave propagaccedilatildeo de acordos
cognitivos emanados da razatildeo comunicativa habermasiana
Desta maneira o que Juergensmeyer (1995) discute eacute aquilo que ele chama de ldquoanti-funda-
mentalismordquo o qual tem ocasionado o mesmo tipo de violaccedilatildeo dos direitos humanos ndash violecircncia
poliacutetica e simboacutelica ndash contra os membros de igrejas fundamentalistas urbanas e rurais (a maior
parte deles) que a praacutetica radical de certos fundamentalistas causa agraves pessoas e grupos por eles
demonizados O que segundo o autor seria combater uma postura eacutetica violenta por meio de umaoutra postura eacutetica violenta
Interessa-nos aqui tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Juergensmeyer para a nossa terceira proposta
de abordagem do termo fundamentalismo Ele destaca que eacute possiacutevel expandir os usos do termo
dentro de um contexto acadecircmico para designar metaforicamente5 diversas posturas de lobbies
acadecircmicos (inclusive o anti-findamentalismo fundamentalista) Em contrapartida ele entende
que tal uso se tornaria academicamente prejudicial se apontasse somente para a sua ressonacircncia
rotulatoacuteria pejorativa ndash o tiro de vinganccedila contra ldquoo outro radicalrdquo de quem eu discordo radicalmente
ndash e admite ser problemaacutetico a transposiccedilatildeo do termo para designar fenocircmenos (religiosos ou natildeo)
natildeo-ocidentais
Assim o grupo de Chicago reprova o uso inapropriado ldquojornaliacutesticordquo e ldquosensacionalistardquo de
termos-conceitos teacutecnicos de aacutereas particulares do conhecimento ndash que designam especificamente
5 Quanto ao uso de metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais pela Escola de Chicago e o Interacionismo Simboacutelico ver NUNES 2005
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fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal
postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-
maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa
que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo
natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do
outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-
cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em
igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso
do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo
Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca
anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria
o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e
sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)
Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve
Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e
queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de
discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras
argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre
temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale
novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees
Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste
postulado
Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode
ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto
sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute
na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela
de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo
se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura
sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)
Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de
restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-
plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago
Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele
adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se
de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e
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conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos
que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas
Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-
diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que
professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado
sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos
dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-
mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund
Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa
deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica
da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e
estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar
em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-
paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos
condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados
agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo
O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo
a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em
discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita
A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns
da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se
inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo
Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e
tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria
enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para
a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e
assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua
tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem
superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as
Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-
guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto
de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)
Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-
damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto
sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-
ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos
os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os
6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)
e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)
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quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas
torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu
Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de
uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta
ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em
diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias
Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-
jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo
no ldquomundo da vidardquo
Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-
sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou
grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-
delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia
realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)
anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas
correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997
GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto
natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e
instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)
As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-
tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica
ambos fictiacutecios
Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute
religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto
de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo
A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-
ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem
do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo
em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar
o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos
tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os
possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo
que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de
certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo
Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo
que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em
Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a
concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-
sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas
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das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder
o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o
oacutedio muacutetuo entre grupos rivais
Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-
danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu
saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo
o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo
Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno
bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos
e positivos do termo
Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no
sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan
Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)
Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-
demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-
versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo
(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os
quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos
datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper
pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes
satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico
Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo
como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no
mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que
satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo
balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem
artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno
Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo
cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade
normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da
conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-
to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto
natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas
crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas
7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com
o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH
McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes
em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo
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subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
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fenocircmenosfatos tambeacutem especiacuteficos ndash pelas redes de notiacutecia e concebem como inaceitaacutevel tal
postura desinformada e desinformante da parte de oacutergatildeos cuja atividade-fim eacute promover a infor-
maccedilatildeo e o esclarecimento Segundo este grupo ainda natildeo eacute louvaacutevel sob nenhuma justificativa
que estudiosos projetem os equiacutevocos midiaacuteticos sobre o seu fazer cientiacuteficoNo Brasil Ivo Oro (1996) compreende que as representaccedilotildees midiaacuteticas do fundamentalismo
natildeo satildeo somente estigmaacuteticas (fixadoras de um modo arbitraacuterio de compreensatildeointerpretaccedilatildeo do
outro) mas tambeacutem estereotiacutepica (portadoras de uma intenccedilatildeo comunicativa que visa agrave maledicecircn-
cia imageacutetica do outro) Oro reprova tal postura ndash inclusive analisando ldquoboletins informativosrdquo em
igrejas aleacutem de artigos de revistas jornais e de oacutergatildeos de militacircncia poliacutetica ndash e escreve que o uso
do termo estaacute sofrendo uma inflaccedilatildeo ndash concepccedilatildeo presente na obra do historiador do luteranismo
Martin Dreher (2002) ndash de seu sentido relevante Como ele coloca
anto se fala em fundamentalismo que esse termo jaacute estaacute inflacionado Em geralcarrega uma carga negativa e uma conotaccedilatildeo pejorativa Fundamentalista seria
o fanaacutetico o sectaacuterio o intolerante o conservador o autoritaacuterio o totalitaacuterio [] e
sempre satildeo os lsquooutrosrsquo (p 23)
Daiacute concordarmos com Pierucci (2006 p02) quando escreve
Natildeo soacute eacute possiacutevel mas desejaacutevel que as pessoas tenham suas convicccedilotildees e
queiram convencer as outras a partir de argumentos racionais em espaccedilos de
discussatildeo em que as convicccedilotildees possam vir agrave baila e se enfrentarem umas as outras
argumentativamente para daiacute resultar algum acordo algum consenso sempre
temporaacuterio e provisoacuterio de convivecircncia entre as partes Ateacute que o conflito se instale
novamente e se acirre pedindo uma nova rodada de negociaccedilotildees
Nossa ressalva quanto agrave restriccedilatildeo do professor Pierucci pauta-se entre outras coisas neste
postulado
Isso posto o primeiro corolaacuterio que se segue eacute duplo soacute quem eacute religioso pode
ser fundamentalista aleacutem disso eacute preciso que essa religiatildeo possua um texto
sagrado Natildeo eacute possiacutevel ser fundamentalista em uma religiatildeo que natildeo tenha umlivro sagrado Ou seja natildeo daacute para ser umbandista fundamentalista pois natildeo haacute
na umbanda um livro inspirado por algum orixaacute que tenha o status e a chancela
de ser um texto divinamente revelado Dito de outra forma o fundamentalismo
se origina na crenccedila de que haacute uma palavra escrita que eacute revelada mdash uma escritura
sagrada (PIERUCCI 2006 p 06 grifos do autor)
Deste modo voltamos a pontuar que a importante contribuiccedilatildeo de Pierucci na proposta de
restriccedilatildeo conceitual do termo No entanto as nossas trecircs propostas de abordagem do termo ndash jaacute ex-
plicitadas aqui ndash consistem na complementaccedilatildeo do postulado de Pierucci com as visotildees de Gellnere Baumann e com a tambeacutem pertinente postura do grupo de Chicago
Pierucci entende e nisso estamos em acordo com ele que fundamentalista eacute todo aquele
adepto de uma religiatildeo revelacional (portadora e propagadora de um livro sagrado) que atendo-se
de modo absoluto a tal texto sagrado tido por infaliacutevel e como fundamento uacutenico de sua crenccedila e
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conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos
que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas
Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-
diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que
professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado
sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos
dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-
mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund
Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa
deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica
da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e
estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar
em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-
paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos
condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados
agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo
O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo
a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em
discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita
A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns
da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se
inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo
Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e
tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria
enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para
a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e
assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua
tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem
superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as
Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-
guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto
de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)
Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-
damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto
sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-
ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos
os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os
6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)
e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)
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quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas
torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu
Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de
uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta
ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em
diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias
Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-
jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo
no ldquomundo da vidardquo
Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-
sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou
grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-
delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia
realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)
anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas
correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997
GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto
natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e
instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)
As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-
tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica
ambos fictiacutecios
Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute
religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto
de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo
A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-
ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem
do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo
em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar
o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos
tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os
possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo
que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de
certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo
Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo
que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em
Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a
concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-
sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder
o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o
oacutedio muacutetuo entre grupos rivais
Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-
danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu
saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo
o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo
Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno
bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos
e positivos do termo
Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no
sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan
Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)
Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-
demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-
versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo
(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os
quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos
datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper
pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes
satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico
Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo
como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no
mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que
satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo
balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem
artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno
Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo
cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade
normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da
conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-
to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto
natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas
crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas
7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com
o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH
McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes
em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo
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subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
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conduta tende a tornar-se intolerante e intransigente para com as pessoas eou grupos religiosos
que se fundamentam em fontes outras que natildeo as suas
Eacute claro que eacute preciso explicitar nesta definiccedilatildeo dois elementos de diferenciaccedilatildeo imprescin-
diacuteveis pelo que jaacute demonstramos ateacute aqui Em primeiro lugar embora o fundamentalista seja emtipo de religioso que acredita numa revelaccedilatildeo escrita natildeo podemos concluir que todos aqueles que
professam uma crenccedila fundamentada num escrito concebido como sendo revelado ou sagrado
sejam fundamentalistas sobretudo no sentido negativo Do contraacuterio a maior parte dos cristatildeos
dos hindus dos judeus dos muccedilulmanos e a dos espiacuteritas (inclusive) entre outros seriam funda-
mentalistas Logo se o termo significasse tudo de fato significaria nada como nos informou Freund
Em segundo lugar conforme Pierre Bourdieu (2007) uma pesquisa socioloacutegica meticulosa
deve implicar uma tentativa (por parte do pesquisador) de reduccedilatildeo da distacircncia socialhieraacuterquica
da(s) pessoa(s) grupo(s) ou seguimento(s) que estatildeo pesquisando por meio de procedimentos e
estrateacutegias Em razatildeo disso segundo Bourdieu (2007 p 699) caberaacute agravequele adotar os procedimentosnecessaacuterios agrave diminuiccedilatildeo desta distacircncia O socioacutelogo deve ser ldquocapaz de se colocar em seu lugar
em pensamentordquo Esta tentativa de situar-se mentalmente no lugar que o pesquisado ocupa no es-
paccedilo social eacute dar-se a uma compreensatildeo do seu objeto fundada no domiacutenio das condiccedilotildees e dos
condicionamentos psiacutequicos e sociais dos quais ele eacute produto e que estatildeo diretamente associados
agrave sua posiccedilatildeo e agrave sua trajetoacuteria particular neste espaccedilo
O socioacutelogo deve evitar ainda segundo Bourdieu impor a sua ldquodefiniccedilatildeo da situaccedilatildeordquo6 vindo
a intervir (negativamente) na investigaccedilatildeo por permitir que a sua noccedilatildeo proacutepria se transforme em
discurso pretensamente cientiacutefico formulado para convencer os outros daquilo em que se acredita
A pesquisa deveria ser ndash segundo Bourdieu (2007 p 703-704) ndash considerada ldquouma forma de exerciacute-cio espiritual em que se realiza uma conversatildeo do olhar sobre os outros nas circunstacircncias comuns
da vidardquo isso pelo esquecimento de si e por uma ldquodisposiccedilatildeo acolhedora em que o pesquisador se
inclina a fazer seus os problemas do pesquisadordquo
Para Bourdieu eacute transportando-se em pensamento ao loacutecus em que se encontra o seu objeto e
tomando o seu ponto de vista e compreendendo que estando em seu lugar pensaria sentiria agiria
enfim seria necessariamente como ele que o estudioso teria ecircxito em colher dados mais exatos para
a sua pesquisa Segundo ele objetivando a si mesmo e colocando-se neste lugar social do objeto e
assumindo por um jogo mental os seus pontos de vista o socioacutelogo cumpre mais cabalmente a sua
tarefa de desvendar o poder e reproduccedilatildeo das estruturas sociais que pesam sobre os agentes e tam-beacutem as forccedilas os movimentos e os agentes que mesmo estando em imensa desvantagem podem
superar o poder de determinaccedilatildeo das estruturas suplantando-as superando-as e ateacute mudando-as
Eacute ainda Bourdieu (2007 p 709) que nos informa que em todo este movimento em ldquoperse-
guiccedilatildeo agrave verdaderdquo o ldquosocioacutelogo natildeo pode ignorar que eacute proacuteprio de seu ponto de vista ser um ponto
de vista sobre um ponto de vistardquo (p 713)
Assim se portando o pesquisador do fundamentalismo compreenderaacute que embora um fun-
damentalista seja todo aquele que na religiatildeo atem-se (inflexiacutevel ou intransigentemente) a um texto
sagrado assumido por infaliacutevel e autoritativo como fundamento uacutenico de seus pensamentos (cren-
ccedila) e conduta (praacutetica) tal autoridade do texto sagrado natildeo se daraacute ndash aqui a especificidade destefenocircmeno ocidental numa sociedade tambeacutem ocidental agrave altura da modernidade tardia ndash em todos
os campos de sua vida social Nem mesmo com os terroristas suicidas do radicalismo islacircmico os
6Expressatildeo cara agrave Escola de Chicago (Cf COULON 1995) agrave fenomenologia social de Schutz (1970) ao construcionismo de Berger e Luckmann (1995)
e aos Interacionistas simboacutelicos inclusive a Erving Goffmann (2011)
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quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas
torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu
Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de
uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta
ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em
diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias
Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-
jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo
no ldquomundo da vidardquo
Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-
sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou
grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-
delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia
realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)
anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas
correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997
GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto
natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e
instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)
As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-
tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica
ambos fictiacutecios
Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute
religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto
de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo
A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-
ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem
do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo
em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar
o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos
tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os
possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo
que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de
certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo
Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo
que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em
Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a
concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-
sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder
o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o
oacutedio muacutetuo entre grupos rivais
Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-
danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu
saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo
o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo
Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno
bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos
e positivos do termo
Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no
sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan
Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)
Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-
demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-
versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo
(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os
quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos
datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper
pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes
satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico
Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo
como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no
mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que
satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo
balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem
artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno
Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo
cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade
normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da
conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-
to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto
natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas
crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas
7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com
o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH
McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes
em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo
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subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
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quais eram portadores de um curriacuteculo acadecircmico admiraacutevel e que lanccedilaram aviotildees sobre as duas
torres do World rade Center no 11 de setembro de 2001 isso ocorreu
Na modernidade tardia contemporacircnea as pessoas satildeo (ou poder ser) aleacutem de adeptas de
uma religiatildeo adeptas de outros vaacuterios grupos de adesatildeo difusa e experienciam diversas redes desociabilidade nas e por meio das vaacuterias instituiccedilotildees sociais da modernidade Natildeo existe a suposta
ldquoadesatildeo subjetiva totalrdquo na modernidade todos os sujeitos encontram-se dispersos submersos em
diversos grupos e instituiccedilotildees de ldquoloacutegicasrdquo natildeo somente concorrentes como tambeacutem contraditoacuterias
Das diversas loacutegicas conflitantes e em disputa das instituiccedilotildees e grupos com os quais os su-
jeitos se relacionam eles elaboram a sua siacutentese pessoal por meio da qual definem a sua situaccedilatildeo
no ldquomundo da vidardquo
Supor que existam ndash na ldquomodernidade reflexivardquo (GIDDENS BECK LASH 1997) ndash mais ade-
sotildees acriacuteticas e relaccedilotildees de entrega ou captura totais da subjetividade entre as instituiccedilotildees eou
grupos sociais e seus membros do que adesotildees criacuteticas refletidas negociadas e resistentes eacute tantocolher dados ldquode acordo com as antigas categoriasrdquo (p 14) quanto realizar a ldquosubstituiccedilatildeo do mo-
delo da realidade [que deveria ser] modesto e apenas operativo para a pesquisa por uma fictiacutecia
realidade do modelordquo (DOMINGUES 2001 p 66)
anto o self natildeo eacute tatildeo facilmente ldquocapturadordquo ldquoalienadordquo ou ldquoinstituiacutedordquo como supotildeem certas
correntes portadoras de ldquoantigas categoriasrdquo nas ciecircncias sociais (GIDDENS BECK LASH 1997
GIDDENS 2002 DOMINGUES 2005 HACKING 2000 LAHIRE 2004 GUAARI 2006) quanto
natildeo existe uma cultura uacutenica nem em nossa estrutura epocal contemporacircnea nem nos grupos e
instituiccedilotildees que dela fazem parte (CEREAU 2011)
As adesotildees identitaacuterias aos grupos difusos satildeo tambeacutem elas difusas Eacute destas ldquolinhas de fugardquo(DELEUZE GUAARRI 1996) que devemos esperar as transformas dos grupos sociais das insti-
tuiccedilotildees e da proacutepria sociedade supor um sujeito estaacutetico eacute supor uma sociedade tambeacutem estaacutetica
ambos fictiacutecios
Diante disso natildeo conseguimos conceber a plausibilidade do postulado de que ldquosoacute quem eacute
religioso pode ser fundamentalistardquo embora seja fato de que o fundamentalista tende a ser o adepto
de certe facccedilatildeo de uma ldquoreligiatildeo do livrordquo
A concepccedilatildeo de Pierucci eacute pertinente uma vez que propotildee uma restriccedilatildeo conceitual da aplica-
ccedilatildeo do termo Aqui a contribuiccedilatildeo de Pierucci para essa problemaacutetica e para a primeira abordagem
do termo neste nosso trabalhoPara aleacutem disso pretendemos superar tanto a concepccedilatildeo meramente reprovativa do termo
em Pierucci (para fazermos jus a concepccedilatildeo positiva de Gellner Baumann e Popper) como ampliar
o campo desta restriccedilatildeo (para nos alinharmos ao grupo de Chicago) de Pierucci para abarcamos
tambeacutem o campo da academia Esta nossa terceira abordagem do termo permite-nos visualizar os
possiacuteveis usos afirmativospositivos e reprobatoacuterios do termo para designar ldquocorrentesrdquo e ldquoescolasrdquo
que na academia defendem uma certa ortodoxia ou fidelidade a um corpo de textos fundantes de
certa concepccedilatildeo teoacuterica oriunda dos escritos de um ldquopai fundadorrdquo
Em siacutentese existem fundamentalistas na tambeacutem na academia e isso tanto no sentido positivo
que o termo porta quanto no sentido negativo que incorpora Assim constatamos tanto uma acepccedilatildeo positiva e menos difundida do termo (como em
Popper Gellner e Baumann) quanto uma concepccedilatildeo negativa e mais difundida Pierucci adota a
concepccedilatildeo negativa e defende a restriccedilatildeo de sua aplicaccedilatildeo somente a certos tipos de grupos neces-
sariamente religiosos a passo que o grupo de Chicago extende a sua aplicaccedilatildeo agraves facccedilotildees e escolas
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das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder
o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o
oacutedio muacutetuo entre grupos rivais
Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-
danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu
saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo
o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo
Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno
bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos
e positivos do termo
Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no
sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan
Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)
Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-
demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-
versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo
(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os
quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos
datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper
pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes
satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico
Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo
como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no
mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que
satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo
balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem
artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno
Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo
cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade
normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da
conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-
to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto
natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas
crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas
7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com
o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH
McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes
em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo
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subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
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das ciecircncias humanas e sociais e percebe que somente na acepccedilatildeo negativa o termo tende a perder
o seu poder explicativo e tornar-se mero roacutetulo de acusaccedilatildeoreprovaccedilatildeo utilizado para inflamar o
oacutedio muacutetuo entre grupos rivais
Noacutes pontuamos que como em qualquer grupofenocircmeno da modernidade tardia existem vaacuterios tipos de fundamentalismo os mais abertos a interferecircncias externas que comportariam mu-
danccedilas de seus pontos de vista e os mais fechados que natildeo admitiriam outra(s) fonte(s) para o seu
saber senatildeo o texto (sagrado ou autoritativo) que erigiu como fundamento Existem de fato segundo
o grupo de Chicago portanto fundamentalista ldquoopem-mind rdquo e os fundamentalistas ldquoclosed-mind rdquo
Essa diferenciaccedilatildeo parece-nos relevante uma vez que atesta a complexidade do fenocircmeno
bem como permite-nos enxergar duas espeacutecies de ldquomodelosrdquo de aplicaccedilatildeo dos sentidos negativos
e positivos do termo
Karl Popper (1985) por exemplo pode ser compreendido como um fundamentalista (no
sentido positivo) que dentro da ciecircncia postula como regra ou axioma do meacutetodo cientiacutefico o fun-dacionalismo ou falseacionismo criacutetico assumido por Ernest Gellner (1994) Imre Lakatos e Alan
Musgrave (1980) e a maior parte dos fiacutesicos e outros (Cf SILVEIRA 1996)
Esta regra tem como fundamento absoluto ndash uma vez que argumenta Popper somente po-
demos construir certas ldquocertezas provisoacuterias e relativasrdquo sobre a base de ldquocertezas duraacuteveis e uni-
versaisrdquo ndash aquilo que ele chama (no campo das ciecircncias naturais e exatas) de ldquolivro da naturezardquo
(POPPER 1985) e (no campo das ciecircncias sociais e humanas) o ldquolivro da culturardquo (1978 1980) os
quais Popper compara ao ldquolivro da revelaccedilatildeordquo dos religiosos admitindo que cientistas e religiosos
datildeo ldquopassosrdquo ou ldquosaltos de feacuterdquo Mas o tipo de fundamentalismo metodoloacutegico adotado por Popper
pode ser classificado de ldquoopem-mind rdquo uma vez que a ciecircncia deve ser postula Popper um ldquocampoabertordquo as controveacutersias os confrontos entre pontos de vista e transformaccedilotildees destes decorrentes
satildeo necessaacuterios para o crescimentodesenvolvimento do conhecimento cientiacutefico
Segundo Juergensmeyer (1995) Marty e Appleby (1991 1992) setores do fundamentalismo
como o ldquomovimento criacionistardquo ndash que se espalha para aleacutem das fronteiras fundamentalistas no
mundo protestante7 ndash natildeo existem para negar a ciecircncia e sim para negar certos setores da ciecircncia que
satildeo vistos como espaccedilos de lobbies ateiacutestas Aliaacutes segundo eles eacute mesmo por uma argumentaccedilatildeo
balizada na concepccedilatildeo moderna da ciecircncia que muitos cientistas fundamentalistas8 produzem
artigos acadecircmicos para confrontar certos membros da academia em seu proacuteprio terreno
Deixando-nos a par de que os primeiros fundamentalistas da histoacuteria foram os protestantesnorte-americanos que defenderam e promovem um incondicional princiacutepio de que a revelaccedilatildeo
cristatilde seria portadora de uma infalibilidade loacutegico-textual e que deveria ser a uacutenica autoridade
normativa ndash em referecircncia ao princiacutepio da ldquosola scripturardquo de Lutero e dos reformadores ndash da feacute e da
conduta daqueles que se dizem cristatildeos Os autores ainda nos informam que esse grupo eacute compos-
to por diversos subgrupos oriundos de dissensos quanto a doutrinas particulares e que portanto
natildeo eacute ndash como qualquer grupo da modernidade tardia ndash um todo homogecircneo e consensual em suas
crenccedilas e praacuteticas mas tem como elemento unificador desses diversos subgrupos e suas respectivas
7 Cf BEHE 19978 Como o matemaacutetico de Harvard Dave Hunt que eacute editor da revista ldquoThe Berean Call rdquoe que jaacute escreveu diversos artigos e livros (em defesa da racionalidadedo cristianismo) o psiquiatra docente de medicina em Harvard Armand M Nicholi que defende e divulga a ldquologoterapiardquo de Viktor Frankl e a ldquoteoriada complexidaderdquo de Edgar Morin questionando deste modo o ldquocienticismordquo e o quiacutemico e teoacutelogo Alister Mcgrath ( evangelicall ) que junto com
o loacutesofo Willian Lane Craig (MORELAND CRAIG 2005) tem produzido diversos tiacutetulos em debates contra Richard Dawkins e os sociobiologistasque pretendem explicar as ldquocrenccedilasrdquo e o comportamento do ser humano pelo apelo a processos ldquoquiacutemicos e bioloacutegicasrdquo no ceacuterebro (Cf McGRATH
McGRATH 2007) Os autores fundamentam seus argumentos contra este tipo de explicaccedilatildeo biologista do comportamento humano nas mesmas fontes
em que o socioacutelogo brasileiro Nildo Viana (2010) se baseia para se opor ao que chama de ldquoideologia do ceacuterebrocomportamentordquo
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subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
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JAIR ARAUacuteJO DE LIMA
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 99
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
subculturas a crenccedila na infalibilidade biacuteblica Alguns desses grupos satildeo mais intolerantes ndash mesmo
com outros grupos cristatildeos ndash do que outros vindo a existir os ldquoopem-mind rdquo e os ldquoclosed-mind rdquo
Aleacutem disso nem todos protestantes conservadores satildeo fundamentalistas Os evangelicals ndash
que natildeo satildeo a mesma coisa que ldquoevangeacutelicosrdquo9 no Brasil ndash satildeo diversos grupos que surgiram apoacutesuma cisatildeo entre os fundamentalistas e que em sua maior parte adotam o princiacutepio da infalibilidade
biacuteblica mas satildeo fundamentalistas (natildeo se consideram nem satildeo considerados por aqueles) pelo fato
de natildeo comungaram com os fundamentalistas as mesmas crenccedilas sobre a liturgia a missatildeo da igreja
a arte a poliacutetica e conduta cristatilde no mundo (HACKE LINDSAY 2008)
Podemos ndash junto com Pierucci mas indo aleacutem dele ndash adotar uma concepccedilatildeo de ldquofunda-
mentalismordquo como uma ldquomodalidade grupalrdquo (CAMPOS 1999 LANE 1994) ou ldquosubjetivida-
de coletivardquo (DOMINGUES 2005) que defende e manteacutem uma forma de apego incondicional a
um texto (sagrado ou natildeo) assumido ndash taacutecita ou explicitamente ndash como sagrado eou infaliacutevel10
Mas natildeo eacute somente isso uma vez que todos os grupos evangeacutelicos conservadores que jamais seadmitiriam fundamentalistas e aos quais nem mesmo os fundamentalistas os admitiriam como
fazendo parte de suas fileiras subscrevem as suas declaraccedilotildees confessionais de feacute sob o ldquoprinciacutepio
inegociaacutevelrdquo (segundo eles) de que a Biacuteblia eacute a uacutenica regra de feacute e praacutetica que emana do princiacutepio
Sola Scriptura guindado e reproduzido desde a Reforma protestante do Seacuteculo XVI11
Em que sentido discordamos de Pierucci No sentido em que ele sem razatildeo loacutegica para tal
uma vez tendo admitido que o fundamentalismo tem a ver com um ldquoapego religioso a um texto
tido como sagrado e definitivordquo (PIERUCCI 2006 p 07) natildeo admite (e aqui se encontra a base do
nosso argumento) que o termo possa vir a classificar ndash como o fazem Popper (1985) Gellner (1994)
Lakatos e Musgrave (1980) e em Bauman (1998) este uacuteltimo enxerga ldquofundamentalismordquo na condutade grupos resistentes ao consumismoartificialismo modernos e numa acepccedilatildeo positiva ndash certos
setores da ciecircncia (poliacuteticaeconomia) e academia (marxismo freudismo durkheimianismo etc)
que manifestam um apego incondicional aos textos (sagrados) fundantes de sua disciplina meto-
dologia ou corrente de interpretaccedilatildeo
Repetimos que ao nosso ver natildeo haacute razatildeo para que o termo ldquofundamentalismordquo venha a ter
conotaccedilatildeo somente negativa Pois em qualquer grupo ndash mesmo entre os grupos tolerantes ndash exis-
tem os adeptos mais ldquoradicaisrdquo O radicalismo entre os tolerantes na poliacutetica origina os apaacuteticos na
epistemologia aos relativistas cognitivos e na eacutetica aos ldquonatildeo eacuteticosrdquo (BOUDON 2009)
9 Nos EUA ndash onde surgiram ndash e na Europa os evangelicals satildeo cristatildeos oriundos do protestantismo histoacuterico que se assumem como conservadores mas natildeo
fundamentalistas Os evangelicals satildeo unidos sob o ldquoPacto de Lausannerdquo estabelecido e assinados pelos dirigentes de diversas denominaccedilotildees protestantes
em 1974 na Suiacuteccedila Foram estes evangeacutelicos que por meio do que chamavam de ldquoevangelho socialrdquo deram iniacutecio agrave teologia da libertaccedilatildeo Os pentecostais
e neopentecostais natildeo fazem parte deste grupo nos EUA e na Europa embora estejam ocorrendo reaproximaccedilotildees entre estes e os fundamentalistas e entre
estes e os pentecostais histoacutericos Para maiores informaccedilotildees (Cf SOARES 2003 TAMAYO 1999 VIGIL BARROS TOMITA 2005 LIBAcircNIO1987 ELLVEL 2001 HACKETT LINDSAY 2008)
10 Raymond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) ao se referirem ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxos os denem como uma ldquoseita socioloacutegicardquo
em que ldquoOs devotos deste ou daquele iacutedolo reconstroem toda a histoacuteria da sociologia como se ela constituiacutesse de uma sucessatildeo bem ordenada de etapas
culminando na elevaccedilatildeo do grande homem ao santuaacuterio ou ao trono Dessa forma o passado da nossa disciplina eacute submetido a amputaccedilotildees absurdas Mas
natildeo eacute soacute isso seu proacuteprio futuro eacute por assim dizer hipotecado pelas necessidades de culto Os sacerdotes em nome do seu iacutedolo decidem soberanamente
sobre o que eacute ou natildeo conforme ao espiacuterito e ao meacutetodo da sociologia Em nome da Tradiccedilatildeo eles rejeitam as questotildees e as hipoacuteteses heterodoxasrdquo (p
20) Esta postura de ldquoseitardquo (no sentido socioloacutegico natildeo pejorativo) dessas correntes seria uma espeacutecie de fundamentalismo isto eacute apego um conjuntode obras de um fundador disciplinar tido por infaliacutevel Evidentemente os defensores dos escritos deste ldquopai fundadorrdquo ou ldquoobra fundadorardquo existem osintolerantes e radicais mas defendemos aqui que consiste num equiacutevoco teoacuterico-terminoloacutegico conceber o termo ldquofundamentalismordquo como sinocircnimode ldquointoleracircnciardquo ou em ldquoradicalidaderdquo em seu sentido negativo
11 Natildeo nos demos ao trabalho de coletar dados para tal armaccedilatildeo aqui pelo fato de estarmos escrevendo para cientistas sociais que podem conferir por simesmos por meio da anaacutelise dos fundamentos teoloacutegicos das declaraccedilotildees confessionais que este eacute o fato Mas a tiacutetulo de exemplo indicamos a leitura
da Confssatildeo de Westminster ndash em seu capiacutetulo 1 ldquoSobre as Sagradas Escriturasrdquo ndash elaborada entre 1643-1646 pelos calvinistas ingleses (puritanos)que modernamente satildeo opositores do fundamentalismo embora tenham natildeo poucos elementos comuns
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
de ele somente enxergar como sendo possiacutevel a utilizaccedilatildeo do termo invariavelmente em relaccedilatildeo
aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
chama de a ldquociecircncia purardquo12 Eacute o seu projeto intelectual ndash como frequentemente soacutei acontecer ndash quedetermina as suas postulaccedilotildees
Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
de fanatismo ou radicalismordquo (PIERUCCI 2006 p 07) quando se tratando da religiatildeo (ocidental ou
oriental) que defendem a autoridade sagrada de um texto tido por revelado incondicionalmente
Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
para tal postura uma vez que o termo tem recebido acepccedilotildees tambeacutem positivas em outros campos
do saber e pelo fato de que seu sentido teoloacutegico foi importado para as ciecircncias sociais como ldquome-
taacuteforardquo (NUNES 2005) para qualificar os defensores de alguma ldquoortodoxiardquo disciplinar ou teoacutericafundamentada na autoridade do ldquopai fundadorrdquo ou do ldquocorpo de textosrdquo fundantes
Salientamos ainda a necessidade ndash o que natildeo pudemos fazer aqui ndash de se demonstrar qual
seria a diferenccedila entre os conservadores que admitem a ldquodoutrina da inerracircncia biacuteblicardquo13 e subscre-
vem o princiacutepio da sola scriptura em toda a sua extensatildeo teoloacutegica e que todavia natildeo se enxergam
nem classificam como fundamentalistas e que inclusive natildeo satildeo tidos como tais por estes uacuteltimos
O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
identitaacuteria determinante do fundamentalismo Essa eacute uma resposta que traz implicaccedilotildees compro-
metedoras para a nossa compreensatildeo de que para ser fundamentalista eacute preciso ser um defensorda infalibilidadeautoridade incondicional de um texto fundamental seja este religioso ou laico
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
versos como o fundamentalismo protestante norte-americano (do qual procede a especificidade
semioacutetica do termo) radicalismo islacircmico ndash acepccedilatildeo que recebe vaacuterias contestaccedilotildees de um dos seus
estudiosos contemporacircneos (NASR 1990a 1990b 1990c) ndash fundamentalismo judaico (judaiacutesmoortodoxo) e ateacute fundamentalismo hindu eacute que o termo mesmo quando usado como metaacutefora
serve muito mais para obnubilar a realidade do que pretende explicar do que promover um escla-
recimento do fato Se permutarmos por exemplo se os radicais islacircmicos satildeo apegados a ao alcoratildeo
como uacutenico livro ou satildeo os pontos de vistas de liacutederes radicais de facccedilotildees islacircmicas que os norteiam
a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
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O sentido somente negativopejorativo de fundamentalismo persiste em Pierucci pelo fato
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aos adeptos da alguma religiatildeo que para ele deve ser confrontadanegada sempre pelo que ele
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Por isso Pierucci soacute se permite admitir que possamos ldquousar fundamentalismo como sinocircnimo
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Fundamentados nos diversos autores e pesquisas citados neste trabalho natildeo vemos razotildees
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O que ndash eis a pergunta que nos devemos fazer como cientistas sociais ndash cada grupo (que satildeo os
agentes principais do conteuacutedo poliacutetico-semacircntico da questatildeo) entende entatildeo como caracteriacutestica
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A questatildeo dos usos e abusos do termo-conceito ldquofundamentalismordquo para fenocircmenos tatildeo di-
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a resposta que teremos confirmaraacute que satildeo de fato fundamentalistas isto eacute o termo se aplica de
modo esclarecedor a eles Concluiacutemos que natildeo
Conforme Nasr (1990a 1990b 1990c) eacute por firmar-se nos ensinos dos liacutederes de facccedilatildeo que
alguns grupos de adeptos se tornam ldquoradicaisrdquo e satildeo reputados por ldquofundamentalistasrdquo no sentidode ldquofanaacuteticosrdquo Mas o apego a um livro texto fundamental como regra da crenccedila religiosa gera de
12 Pierucci entende que ldquo[] a sociologia da religiatildeo soacute eacute possiacutevel porque tem na criacutetica moderna da religiatildeo sua condiccedilatildeo poacutes-tradicional de possibilidade
enquanto ciecircncia moderna enquanto ciecircncia cientiacutefcardquo (PIERUCCI 1999 p 278 grifos do autor)13 Ponto de divergecircncia inicialcrucial entre os conservadoresfundamentalistas e os modernistasliberais
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JAIR ARAUacuteJO DE LIMA
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 101
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
se pretende classificar para explicar uma vez que o termo deve corresponder agravequela ldquosoma de to-
das as particularidades interiores e exteriores que cabem em determinados conceitosrdquo (SIMMEL
1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
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DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
REFEREcircNCIAS
BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998
BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008
BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997
BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995
BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997
BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009
BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993
BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007
CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010
CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999
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JAIR ARAUacuteJO DE LIMA
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982
CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011
COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995
DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3
DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005
______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001
DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002
ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001
FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003
FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987
GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994
GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002
GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997
GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011
GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006
HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000
HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008
JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms
comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366
LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004
LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO
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LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980
LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987
MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991
MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992
McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007
MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005
NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde
o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245
______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde
o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326
______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a
conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343
NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005
ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996
PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)
Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07
______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira
(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368
______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985
______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978
______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980
POPPER Karl Conhecimento objetivo
Belo Horizonte Itatiaia 1999
RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006
SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970
SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino
de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996
SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003
AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860
VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010
VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005
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DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
fato fundamentalistas como fanaacuteticos ou fundamentalistas como um grupo de adeptos de uma obra
fundamental Seria Pierucci um fundamentalista da ldquociecircncia purardquo Se sim num sentido positivo
ou negativo
Nossa compreensatildeo eacute de que natildeo se deve ndash ao menos nas ciecircncias sociais ndash entregar-se aosusos extensivos do conceito sem considerar os limites impostos pelos fatosfenocircmenos aos quais
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1997 p 08)
Pierucci estaacute correto parece-nos em sua defesa de restriccedilatildeo semacircntica do termo mas natildeo
estaria incorreta a sua restriccedilatildeo somente ao campo religioso uma vez que diversos grupos religio-
sos ndash inclusive os cristatildeos catoacutelicos ndash subscrevem a crenccedila na autoridade da Biacuteblia sem contudo
assumirem-se como fundamentalistas o que revela uma poliacutetica ou jogo de muacutetua ldquorotulaccedilatildeordquo nostermos de Becker (2008)
O termo fundamentalista poderia ser concebido como sinocircnimo de ldquoseitardquo na acepccedilatildeo que Ray-
mond Boudon e Franccedilois Bourricaud (1993) atribuiacuteram a ao durkheimianismo e ao marxismo ortodoxo
Haacute um texto de Cornelius Castoriadis (1982) que nos parece elucidativo aqui e cremos que
fundamentalista deveriam ser compreendidos como estes tipos de adeptos descritos por ele
[] a palavra seita natildeo eacute um qualificativo tem um sentido socioloacutegico e histoacuterico
preciso Um grupo pouco numeroso natildeo eacute uma seita [] Uma seita eacute um
agrupamento que erige um absoluto de um soacute lado aspecto ou fase do movimento
do qual eacute proveniente dele faz a verdade da doutrina e a verdade pura e simples
subordina-lhes todo o resto e para manter lsquofidelidadersquo a este aspecto separa-se
radicalmente do mundo vivendo doravante em lsquoseursquo mundo agrave parte (p 22)
Para Castoriadis neste exemplo certo tipo de marxismo repleto de ldquocretinismo lsquoortodoxorsquordquo (p
23) consistia numa seita que erigiu um absoluto separando-se ldquoradicalmenterdquo do mundo dos fatos
Vemos aqui alguma correspondecircncia entre o conceito de seita e fundamentalismo e entendemos que
um grupo que adota um livro sagrado (religiatildeo) ou grupo de textos (escolas teoacutericas) como ldquoregra
uacutenicardquo de orientaccedilatildeo de sua weltanchaung 14
seria fundamentalista A corrente teoacuterica portanto quefundamenta a sua concepccedilatildeo de mundo num uacutenico corpo de textos tidos como sagrados eacute tambeacutem
no nosso modo de entender fundamentalista
Haacute um jogo de atribuiccedilatildeo pejorativa de roacutetulos entre os grupos religiosos e ldquocorrentes teoacutericasrdquo
eacute oacutebvio que sim Mas em que sentido alguns grupos se assumem como fundamentalistas e em que
sentido alguns concebem outros grupos como fundamentalistas O que um cientista social pode
concluir deste jogo de qualificaccedilatildeo muacutetua
emos chegado agrave conclusatildeo de que a aplicaccedilatildeo do termo fundamentalismo como exportaccedilatildeo
de um conceito contextualmente determinado para realidades e conteuacutedos aos quais tal expansatildeo
do termo natildeo explica devidamente compromete a compreensatildeo dos fenocircmenos a ele associados
por esta (compreensatildeo) ficar subsumida aos sentidos taacutecitos que o termo tem adquirido causando
assim tautologia e obscurantismo metodoloacutegico
14 Cosmovisatildeo em Schutz (1970) e Berger e Luckmann (1995)
7232019 Fundamentalism o
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
REFEREcircNCIAS
BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998
BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008
BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997
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BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997
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BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993
BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007
CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010
CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999
7232019 Fundamentalism o
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JAIR ARAUacuteJO DE LIMA
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982
CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011
COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995
DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3
DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005
______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001
DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002
ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001
FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003
FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987
GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994
GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002
GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997
GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011
GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006
HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000
HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008
JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms
comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366
LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004
LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO
Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19
LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980
LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987
MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991
MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992
McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007
MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005
NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde
o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245
______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde
o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326
______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a
conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343
NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005
ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996
PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)
Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07
______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira
(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368
______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985
______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978
______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980
POPPER Karl Conhecimento objetivo
Belo Horizonte Itatiaia 1999
RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006
SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970
SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino
de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996
SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003
AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860
VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010
VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689102
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
Os usos indiscriminados do termo tecircm contribuiacutedo a nosso ver para a formaccedilatildeo de uma
praacutetica discursiva ndash na sociologia da religiatildeo sobretudo ndash de efeito retoacuterico ateacute compreensiacutevel mas
que se expande de modo impressionista e sem rigor Aleacutem disso como cientistas sociais devemos
ser vigilantes ndash o que eacute bastante difiacutecil mas recomendaacutevel em nosso campo do saber ndash com asevoluccedilotildees conceituais que permitimos ou que damos agraves nossas terminologias uma vez que somos
noacutes (os cientistas da aacuterea) que dominamos e reconhecemos os fatos fenocircmenos e a ldquosoma de todas
as particularidades interiores e exteriores os processos que cabem em determinados conceitosrdquo
(SIMMEL apud BIRNBAUM CHAZEL 1997 p 20)
Natildeo enxergamos ndash no atual estado da questatildeo ndash a pertinecircncia ou a plausibilidade destes usos
ldquofrouxosrdquo (Pierucci) ldquoinflacionaacuteriosrdquo (Dreher) ou ldquonatildeo-rigorososrdquo (Simmel) deste termo-conceito
nas ciecircncias sociais criacuteticas que essas satildeo dos discursos articulados e por isso mesmo inexatos das
formaccedilotildees discursivas midiaacuteticas Afinal noacutes cientistas sociais sabemos com uma clareza proacutepria de nosso campo como as
comunidades discursivas fazem uso de mecanismos de ldquorotulaccedilatildeo repetidardquo (BECKER 2008) para
que seus ldquoadesivosrdquo colem nos grupos ou segmentos sociais elemento por elas estigmatizados
As significaccedilotildees taacutecitas do termo em suas aplicaccedilotildees expandidas satildeo prejudiciais agraves ciecircncias
sociais por deixarem de explicitar exatamente aquelas sutilezas configurativas dos fenocircmenos agraves
quais essas ciecircncias tecircm historicamente tomado como sua responsabilidade desvendar compreen-
der e explicar
Cristalizar conceituaccedilotildees equiacutevocas dos fenocircmenos sociais ou fazer aplicaccedilotildees incorretas de
conceitos a situaccedilotildees sociais diversas eacute um habitus que natildeo qualifica nem revela a seriedade e o rigor
metodoloacutegico que compete e que tem sido a praacutetica histoacuterica dos cientistas sociais
REFEREcircNCIAS
BAUMAN Zygmunt O mal-estar da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998
BECKER Howard Saul Outsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008
BEHE Michael A caixa preta de Darwin o desafio da bioquiacutemica agrave teoria da evoluccedilatildeo Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997
BERGER Peter LUCKMANN Tomas A construccedilatildeo social da realidade Petroacutepolis Vozes 1995
BIRNBAUM Pierre CHAZEL Franccedilois Teoria socioloacutegica Satildeo Paulo HUCIECEDUSP 1997
BOUDON Raymond O Relativismo Lisboa Gradiva 2009
BOUDON Raymond BOURRICARD Franccedilois Prefaacutecio In ______ Dicionaacuterio criacutetico de sociologia Satildeo Paulo Aacutetica 1993
BOURDIEU Pierre Compreender In BOURDIEU Pierre (Org) A miseacuteria do mundo PetroacutepolisRJ Vozes 2007
CAMPOS Breno Martins Fundamentalismo protestante Invenccedilatildeo da radiccedilatildeo exclusivista na Modernidade Cadernosde Teologia e Sociedade Satildeo Paulo PUC n 07 p 03-13 2010
CAMPOS Regina Helena De Freitas (Org) Psicologia social comunitaacuteria da solidariedade agrave autonomia Petroacutepolis Vozes 1999
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JAIR ARAUacuteJO DE LIMA
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982
CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011
COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995
DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3
DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005
______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001
DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002
ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001
FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003
FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987
GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994
GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002
GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997
GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011
GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006
HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000
HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008
JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms
comprehended ChicagoLondon Te University of Chicago Press 1995 p 353-366
LAHIRE Bernard Retratos socioloacutegicos disposiccedilotildees e variaccedilotildees individuais Porto Alegre Artes Meacutedicas 2004
LANE Silvia M A psicologia social e uma nova concepccedilatildeo do homem para a psicologia In LANE Siacutelvia M CODO
Wanderley (Org) Psicologia social o homem em movimento Satildeo Paulo Brasiliense 1994 p 10-19
LAKAOS Imre MUSGRAVE Alan A criacutetica e o desenvolvimento do conhecimento Satildeo Paulo Cultrix 1980
LIBAcircNIO Joseacute Batista Teologia da libertaccedilatildeo roteiro didaacutetico para um estudo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1987
MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms observed the fundamentalism project ChicagoUniversity Chicago Press 1991
MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992
McGRAH Alister McGRAH Joanna O deliacuterio de dawkins uma resposta ao fundamentalismo ateiacutesta de RichardDawkins Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2007
MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000
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FUNDAMENTALISMO UM DEBATE INTRODUTOacuteRIOSOBRE AS CONCEITUACcedilOtildeES DO FENOcircMENO
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005
NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde
o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 239-245
______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde
o credo eacute a conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 310-326
______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a
conduta Rio de Janeiro ISERImago 1990 p 327-343
NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005
ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996
PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)
Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07
______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira
(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368
______ A loacutegica da pesquisa cientiacutefica Satildeo Paulo EDUSP 1985
______ A loacutegica das Ciecircncias Sociais Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1978
______ A miseacuteria do historicismo Satildeo Paulo Cultrix 1980
POPPER Karl Conhecimento objetivo
Belo Horizonte Itatiaia 1999
RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006
SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970
SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino
de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996
SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003
AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860
VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010
VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005
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JAIR ARAUacuteJO DE LIMA
Cronos R Poacutes-Grad Ci Soc UFRN Natal v 12 n1 p 90-104 janjun 2011 ISSN 1518-0689 103
DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
CASORIADIS Cornelius A instituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade Satildeo Paulo Editora Paz amp erra 1982
CEREAU Michel de A cultura no plural Satildeo Paulo Papirus 2011
COULON Alain A Escola de Chicago Campinas Papirus 1995
DELEUZE Gilles GUAARI Feacutelix Mil platocircs capitalismo e esquizofrenia Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3
DOMINGUES Joseacute Mauriacutecio Sociologia e modernidade Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2005
______ Teorias socioloacutegicas no seacuteculo XX Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001
DREHER Martin Norberto Para entender o fundamentalismo Satildeo Leopoldo Unisinos 2002
ELLVEL Walter Evangelical dictionary of theology Grand Rapids-MICHIGAN Baker Academic 2001
FREIAS Renan Springer de Sociologia do conhecimento pragmatismo e pensamento evolutivo Florianoacutepolis Edusc 2003
FREUND Julien Uma outra maneira de abordar as Ciecircncias Sociais Anaacutelise Social v 23 n 95 p7-13 1 sem 1987
GELLNER Ernest Poacutes-modernismo razatildeo e religiatildeo Lisboa Instituto Piaget 1994
GIDDENS Anthony Modernidade e identidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002
GIDDENS Anthony BECK Ulrich LASH Scott A modernizaccedilatildeo reflexiva Satildeo Paulo UNESP 1997
GOFFMAN Erving Ritual de interaccedilatildeo ensaios sobre o comportamento face a face PetroacutepolisRJ Vozes 2011
GUAARI Feacutelix As trecircs ecologias Campinas Papirus 2006
HACKING Ian Muacuteltipla personalidade e as ciecircncias da memoacuteria Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2000
HACKE Conrad LINDSAY D Michael Measuring evangelicalism consequences of different operationalization strat-egies Journal for the Scientific Study of Religion v 47 n 3 p 499-514 2008
JUERGENSMEYER Mark Antifundamentalism In MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott (Ed) Fundamentalisms
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MARY Martin Emil APPLEBY Robert Scott Te glory and the power the fundamentalist challenge to the modern world Boston Beacon Press 1992
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MELANDER Veronica Os limites da categoria ldquofundamentalismordquo para o estudo de religiatildeo e poliacutetica na GuatemalaCiencias Sociales y ReligioacutenCiecircncias Sociais e Religiatildeo Porto Alegre ano 2 n 2 p 87-118 set 2000
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NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005
ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996
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(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368
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POPPER Karl Conhecimento objetivo
Belo Horizonte Itatiaia 1999
RICOEUR Paul A hermenecircutica biacuteblica Rio de Janeiro Loyola 2006
SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970
SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino
de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996
SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003
AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860
VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010
VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005
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DOSSIEcirc 991251 OLHARES DO FENOcircMENO RELIGIOSO E DO MITO
MORELAND James Porter CRAIG William Lane Filosofia e cosmovisatildeo cristatilde Satildeo Paulo Vida Nova 2005
NASR Seyyed Hossein O Islatilde e o encontro das religiotildees In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde
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______ O mundo islacircmico tendecircncias atuais e futuras In CAMPOS Arminda E BARHOLO JR Roberto S (Org) Islatilde
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______ O significado espiritual de Jihad In CAMPOS Arminda E BARHOLO Jr Roberto S (Org) Islatilde o credo eacute a
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NUNES Jordatildeo Horta As metaacuteforas nas Ciecircncias Sociais Goiacircnia Editora UFG 2005
ORO Ivo Pedro O outro eacute o democircnio uma anaacutelise socioloacutegica do fundamentalismo Satildeo Paulo Paulus 1996
PIERUCCI Antocircnio Flaacutevio Estado laico fundamentalismo e a busca da verdade In BAISA Carla MAIA Sonia (Org)
Estado laico e liberdades democraacuteticas Recife Articulaccedilatildeo de Mulheres BrasileirasRede Nacional Feminista de SauacutedeSOS Corpo ndash Instituto Feminista para a Democracia 2006 p 05-07
______ Sociologia da religiatildeo aacuterea impuramente acadecircmica In MICELLI Sergio (Org) O que ler na sociologia brasileira
(1970-1995) Satildeo Paulo Sumareacute AMPOCS BrasiacuteliaDF CAPES 1999 v 2 p 237-368
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Belo Horizonte Itatiaia 1999
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SCHULZ Alfred On phenomenology and social relations Chicago University of Chicago Press 1970
SILVEIRA Fernando Lang da A filosofia da ciecircncia de Karl Popper o racionalismo criacutetico Caderno Catarinense de Ensino
de Fiacutesica Florianoacutepolis v 13 n 3 p 197-218 dez 1996
SOARES Afonso M L Interfaces da revelaccedilatildeo pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso Satildeo Paulo Pau-linas 2003
AMAYO-ACOSA Juan Jose eologias da Libertaccedilatildeo In FLORISAacuteN SAMANES C AMAYO-ACOSA Juan Jose (Org)Dicionaacuterio de conceitos fundamentais do cristianismo Satildeo Paulo Paulus 1999 p 856-860
VIANA Nildo Ceacuterebro e ideologia uma criacutetica ao determinismo cerebral Jundiaiacute-SP Paco Editorial 2010
VIGIL Joseacute Maria BARROS Marcelo OMIA Luiza Etsuko Pluralismo e libertaccedilatildeo Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005
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