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EDUCAÇÃO DO CAMPO E JUVENTUDE CAMPONESA: uma proposta de estudo na Unidade Escolar Roseli Nunes – Lagoa Grande do Maranhão/MA
Ângela da Silva Pinho1 Resumo O artigo apresenta esboço preliminar de uma análise sobre a educação do campo e a juventude camponesa, a partir da relação entre educação formal e trabalho. Constitui proposta de pesquisa monográfica do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Contextualiza a questão agrária no Maranhão, apresentando a experiência da educação do campo e as formas de organização da juventude camponesa, buscando compreender o papel da educação nesse processo organizativo. A pesquisa tem como referência empírica a Unidade Escolar Roseli Nunes, localizada no Assentamento Cigra, Comunidade Agrovila Kênio, zona rural
de Lagoa Grande do MaranhãoMA.
Palavras-chave: Educação do campo; Juventude camponesa; Trabalho.
Abstract The article presents a preliminary sketch of an analysis of rural education and peasant youth, based on the relation between formal education and work. It is a proposal of a monographic research of the Course of Social Service of the Federal University of Maranhão – UFMA. Contextualizes the agrarian question in Maranhão, presenting the experience of rural education and the forms of youth peasant organization, seeking to understand the role of education in this organizational process. The research has as an empirical reference the Roseli Nunes School Unit, located in the Cigra settlement, Agrovila Kênio Community, rural area of Lagoa Grande do
MaranhãoMA.
Keywords: Field education; Peasant youth; Job.
1 Graduanda em Serviço Social. Universidade Federal do Maranhão – UFMA. anjinha_pinho@hotmail.com
I. INTRODUÇÃO
Este artigo constitui uma proposta de projeto monográfico do Curso de Serviço
Social da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. O interesse por essa temática surgiu
durante os estudos desenvolvidos na disciplina Educação Popular e Serviço Social,
atingindo maturidade com a realização de algumas leituras sobre esse conteúdo e devido à
aproximação com o campo empírico, ou seja, a escola Roseli Nunes. Essa instituição
encontra-se localizada no Assentamento Cigra, Comunidade Agrovila Kênio, em Lagoa
Grande do MaranhãoMA, município de pequeno porte marcado pela pobreza e reconhecido
com IDHM – 0,502.
O trabalho busca contextualizar um debate clássico sobre a educação do campo
e a juventude camponesa, a partir da relação entre educação formal e trabalho. A
compreensão dessa temática requer analisá-la em suas multifaces, tendo como base a
contextualização histórica e as perspectivas atuais para transcender às situações aparentes
e mergulhar no processo de pesquisa que nos levará à apreensão das singularidades
articuladas à totalidade, caracterizando a realidade empírica a ser observada e estudada.
Nessa direção, destaca-se que a organização e mobilização da juventude
camponesa é essencial para a construção de uma educação diferenciada. Apesar de serem
marcados pela desigualdade e vivenciarem um cotidiano repleto de contradições, os jovens
vem se autoafirmando como sujeitos políticos na defesa do seu espaço. Além disso, lutam
por uma educação que promova a consciência crítica e permita-lhes posicionar-se perante
um projeto hegemônico de trabalho e agricultura que vai de encontro ao agronegócio.
É notório que o processo de industrialização desencadeado no final do século
XVIII, trouxe vários rebatimentos para a sociedade de modo geral. No que diz respeito à
população do campo, houve uma onda de migração significante para as grandes capitais em
busca de trabalho e melhores condições de vida. Diante desse cenário, o qual
eventualmente promoveu o fenômeno da aglomeração urbana e o crescimento
aceleradodesordenado, configura-se o surgimento da questão social, tendo em vista que,
as cidades não tinham estrutura para receber uma grande demanda de pessoas, nem
mesmo possuíam uma proposta de planejamento social urbanístico.
Desta forma, o texto está subdividido nas seguintes seções: o primeiro tópico
possui um caráter introdutório fazendo uma explanação geral do assunto; o segundo aborda
breves considerações sobre a questão agrária no Maranhão, os problemas fundiários e seus
rebatimentos para a população no campo; o terceiro estabelece uma abordagem sobre a
educação do campo e a organização política da juventude camponesa; o quarto apresenta a
conclusão, a qual sintetiza as apreensões capturadas nessa fase inicial da pesquisa.
II. A QUESTÃO AGRÁRIA NO MARANHÃO: breves considerações
Historicamente, no cenário nacional, o Maranhão é um dos estados da
federação brasileira que ganha maior destaque por causa das questões fundiárias,
principalmente no que tange às disputas por terras, o alto índice de violência e a
desapropriação da população que reside no campo. Assim, explicita-se que o
reconhecimento legal da terra é algo de inigualável importância para as famílias assentadas,
pois representa acesso, segurança e permanência em um território, o qual ele idealiza
chamar de “meu”.
Nesse contexto, Barbosa (2006) nos faz lembrar que as décadas de 1980 e
1990 retrataram em seu bojo sócio-histórico a implantação do Projeto Carajás através da
Companhia Vale do Rio Doce e a instalação do complexo alumínio com a empresa Alcoa.
Esses polos industriais estabelecidos na capital, São Luís, alteraram completamente o perfil
do estado e forjaram um cenário propício à redefinição das lutas sociais. Para a efetivação
dos grandes projetos econômicos:
[...] o próprio Estado passou a promover a venda de terras públicas para grandes grupos empresariais por preço abaixo de mercado. Esta frente de expansão foi acompanhada pela intensificação da “grilagem” no campo maranhense, pelo uso privado de terras devolutas [...] (BARBOSA, 2006, p. 83).
Com base no exposto, a autora sugere que há um acirramento de conflitos entre
as famílias camponesas e os grandes fazendeiros, o que acontece pela violência física eou
psicológica, impulsionando a expulsão dos trabalhadores de suas terras. Indignados com
tamanha barbaridade praticada pelo arranjo hierárquico que tem suas origens no período
colonial, os trabalhadores rurais percebem que para defender suas terras e alcançar seus
direitos precisam criar estratégias, a fim de tornar público suas reivindicações. Assim, em
um cenário marcado por desigualdade de direitos e condições de vida, os trabalhadores do
campo intensificam o embate travado contra os fazendeirosproprietários – opressores,
constituindo a chamada questão agrária.
Importante aqui, ter como referência que a questão agrária trata de um tipo de
conhecimento que se dedica especificamente a estudar todos os problemas relacionados ao
uso, posse e propriedade da terra, bem como seus desdobramentos relacionados às
injustiças, miséria da população no campo e embate político entre burguesiacapitalista e
empregadosassalariados no que diz respeito à reforma agrária. Nessa lógica, “[...] a
questão agrária, [...] vêm a ser, em primeiro e principal lugar, a relação de efeito e causa
entre a miséria da população rural brasileira e o tipo da estrutura agrária do país, cujo traço
essencial consiste na acentuada concentração da propriedade fundiária” (CAIO PRADO,
1981, p. 18).
Vale ainda ratificar que esses acontecimentos violentos chegaram até as
primeiras décadas do século XXI sem profundas alterações eou extinção. De acordo com o
relatório elaborado pela Comissão Pastoral da Terra – CPT (2012), o Maranhão, até o ano
de 2011 liderava o ranking referente às estatísticas que demarcam os conflitos por terra.
Somente em 2012, chega a perder esse posto para o estado do Pará. Contudo, o referido
relatório mostra-nos que, no período de 2012, o Maranhão ainda foi alvo de 157 conflitos
agrários, envolvendo cerca de 9.037 famílias (CPT, 2013), o que considera-se um índice
alarmante.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em seu último censo
demográfico realizado em 2010, aponta que o Maranhão se comparado com os demais
estados, é identificado como aquele que apresenta o menor percentual de urbanização,
sendo identificado o estado mais rural do Brasil. Em outros termos, é mister frisar que 37%
dos 6,9 milhões de habitantes da população maranhense reside na zona rural.
Salienta-se que a industrialização, a expansão do agronegócio, o avanço do
latifúndio e, sobretudo, a pecuária bovina tem interferido diretamente na sobrevivência da
agricultura familiar. Os impactos advindos das tecnologias utilizadas nos modos de
produção reforçam a desapropriação dos pequenos produtores do campo, influenciando os
processos migratórios e empurrando estes cidadãos para as periferias das grandes cidades.
Contudo, pode-se constatar que a agricultura ainda é classificada como uma das atividades
profissionais mais antigas e importantes do mundo.
Desse modo, emerge a questão social como reflexo concreto das múltiplas
situações vivenciadas no campo. As configurações desta questão social tem em seu escopo
as contradições complexas e ambíguas em diversas esferas, a saber: no campo da pobreza,
desigualdade de oportunidades, dualidade existente entre a relação capital/trabalho e outros
fatores interpretados como problema social em uma conjuntura político-ideológica, na qual
Guerra (2005) demarca a luta de classes, resistência e organização dos trabalhadores. Por
isso, é relevante pontuar a:
[...] Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade [...] (IAMAMOTO, 1998, p. 27).
O trabalho na perspectiva do materialismo histórico, é um processo entre o
homem e a natureza, onde, o homem por sua própria ação, regula, media e controla o seu
metabolismo com a natureza. Outro aspecto interessante que merece destaque é o fato de o
trabalho propiciar a explicação histórica da humanidade, de como os homens se organizam
para produzir os bens materiais e como o resultado da produção é apropriado de modo
desigual pelas diferentes classes que compõem a sociedade, conforme explica Netto & Braz
(2006, p. 34): “[...] O trabalho não é apenas uma atividade específica de homens em
sociedade, mas é, também e ainda, o processo histórico pelo qual surgiu o ser desses
homens, o ser social [...] através do trabalho que a humanidade se constitui como tal”.
Partindo dessa perspectiva, assevera-se que o trabalho é um dos valores mais
preciosos do ser humano, pois contribui para sua transformação, emancipação e realização,
permitindo que haja um processo de interação social entre o indivíduo e o meio no qual está
inserido. Todas essas nuances que configuram o mundo do trabalho levam-nos a crer que é
sobre o trabalho que toda sociedade se funda, bem como sua forma de produzir e de ser.
Assim, compreende-se que o trabalho faz parte da vida e é uma estratégia necessária para
suprir as necessidades básicas das famílias camponesas que enfrentam uma tarefa árdua
constante na defesa pela sobrevivência e reprodução da vida social.
Frente a um contexto de adversidades, as famílias camponesas entendem que
para garantir sua subsistência e defender seu território, antes, é necessário travar batalhas.
Entretanto, tal posicionamento reivindicatório só teria força se fosse constituído
coletivamente, dessa forma, apreende-se que o trabalho e a educação são elementos
fundamentais no processo de organização política e social dos trabalhadores rurais,
especialmente da juventude que vive no campo – foco desta pesquisa. Comungando com
essa assertiva, elucida-se que a correlação entre trabalho e educação é eficaz para a
construção da autonomia dos indivíduos, pois acredita-se que um modelo de ensino
universal, gratuito, de qualidade elevada e democrático é verdadeiramente popular. Sobre
as particularidades da educação no campo e seu papel para a organização política da
juventude tratarei a seguir.
3 A EDUCAÇÃO DO CAMPO E A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA JUVENTUDE
CAMPONESA
Enfatiza-se que a educação no campo se realiza com a luta dos movimentos e
organizações sociais, tendo em seu histórico um arsenal de reivindicações por igualdade
social, ensino de qualidade e reconhecimento das potencialidades existentes nesse espaço
muitas vezes incompreendido pelo Estadosociedade. Por essa razão, unificam-se forças
nos conflitos pela garantia de terra, porém, não se restringe apenas à terra, mas ao trabalho,
cultura, educação, lazer e às políticas públicas de modo geral. Abrange a luta por condições
dignas de vida, afirmação da identidade, combate da dicotomia hierárquica entre saber
técnico e saber popular e criação de um projeto de sociabilidade que respeite os modos de
ser da classe trabalhadora rural. Nessa perspectiva, a ideia é que não haja migração do
campo para a cidade, pois conforme argumenta Fernandes et al. (2004, p. 137):
O campo é lugar de vida, onde as pessoas podem morar, trabalhar, estudar com dignidade de quem tem o seu lugar, a sua identidade cultural. O campo não é só o lugar da produção agropecuária e agroindustrial, do latifúndio e da grilagem de terras. O campo é espaço e território dos camponeses e dos quilombolas [...].
Por ser o campo um espaço de vida em suas várias dimensões, afirma-se:
[...] A escola do campo tem que ser um lugar onde especialmente as crianças e os jovens possam sentir orgulho desta origem e deste destino; não porque enganados sobre os problemas que existem no campo, mas porque dispostos e preparados para enfrentá-los, coletivamente (CALDART, 2012, p. 24).
Na conjuntura atual, nota-se que atrelado à crise econômica enfrentada no
Brasil, consequentemente, observa-se o alto índice de desemprego, fechamento de postos
de trabalho e significativa queda no mercado de compras e vendas dos grandes centros
comerciais urbanos. Isso leva-nos a afirmar sobre a importância dos jovens continuarem no
campo, visto que, nesse território onde habitam podem livremente exercer o trabalho como
uma atividade de sobrevivência, além de ser um espaço acolhedor e aprazível de
convivência.
Prosseguindo essa discussão, a problematização desse projeto se pauta em um
tipo de educação diferenciada para o campo, a educação do campo, a qual assume uma
conotação político-social na perspectiva de ser emancipadora. É possível ratificar que essa
educação busca trabalhar os conteúdos de modo diferenciado das formas impostas pela
urbanização, pois viabiliza a possibilidade de realizar o trabalho, haja vista, os sujeitos
desse território terem um íntimo contato com os recursos naturais. Além disso, é flexível no
sentido de compreender as peculiaridades que permeiam a vida dos jovens estudantes,
suas respectivas famílias e comunidade, sendo considerados trabalhadores da área rural.
Alicerçados neste propósito, Fernandes e Molina (2005, p. 9) complementam afirmando:
O movimento Por uma Educação do Campo recusa essa visão [do latifúndio], concebe o campo como espaço de vida e resistência, onde camponeses lutam por acesso e permanência na terra e para edificar e garantir um modus vivendi que respeite as diferenças quanto à relação com a natureza, com o trabalho, sua cultura, suas relações sociais. Esta neoconcepção educacional não está sendo construída para os trabalhadores rurais, mas por eles, com eles, camponeses. Um princípio da Educação do Campo é que sujeitos da educação do campo são sujeitos do campo:
pequenos agricultores, quilombolas, indígenas, pescadores, camponeses, assentados e reassentados, ribeirinhos, povos de florestas, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, bóias-frias.
Neste sentido, observa-se que diferente do que pensa o senso comum, a
população camponesa não almeja mudar-se para a grande cidade, mas luta com força e
vigor pela conquista e permanência na terra, tendo em vista, o vínculo que já constituíram
com o território. Destarte, critica-se um modelo de educação bancária e propõe-se um
modelo de educação que considere importante a articulação entre trabalhoeducação,
teoriaprática, culturaprodução de sentidos para todas as esferas do nosso viver.
Elucida-se que as atividades organizadas e desenvolvidas nos “tempos
educativos” têm a finalidade de trabalhar pedagogicamente aspectos que contemplem as
variadas dimensões da formação humana. Ademais, visa colaborar no processo de
organização e auto-organização da juventude camponesa, exercitando a aprendizagem
adquirida e separando cronologicamente o tempo pessoal do tempo coletivo destinado às
tarefas necessárias no cotidiano. Para tanto, baseia-se em dois momentos distintos, os
quais são complementares entre si. Esses momentos se intercalam e são classificados por
Sinhoratti (2009, p. 6) da seguinte forma:
1) O tempo escola: momento em que os alunos têm aulas práticas e teóricas, bem
como se organizam para planejar e realizar as atividades que permitam o bom funcionamento da escola (ao mesmo tempo vivenciam e fortalecem seus valores); 2) O tempo da comunidade: momento destinado à realização das atividades de
pesquisa, embasados na realidade na qual estão inseridos e, ao mesmo tempo, o momento em que podem colocar em prática a teoria adquirida na escola do campo. É neste momento que a família deve assumir a responsabilidade na educação dos filhos.
Dada a imensa demanda de juventude nos assentamentos, os movimentos
sociais em prol da educação no campo, articulados com outros setores instituíram um
modelo de educação formal diferente do oficial. Porém, cabe externar que este modelo é
flexíveladaptável à realidade dos estudantes, pois compreende o trabalho como um
princípio educativo. Assim, tenta-se desmitificar o entendimento do senso comum eou das
elites que compõem os grandes centros urbanos. Estas, por sua vez, alegam que os pais
colocam seus filhos para trabalhar porque não estão preocupados com o futuro deles.
Entretanto, acredita-se que tal posicionamento desconhece a organização
política dos jovens campesinos, a qual consiste na articulação entre educação e trabalho
alinhada à mobilização, participação em todos os níveis de debates, reflexões e processos
decisórios. O intuito é ver os jovens se prepararem para tomar decisões coletivas e resolver
problemas que afetam suas vidas e trazem implicações para o seu futuro, quer seja no
núcleo escolar, familiar, comunitário ou qualquer outro grupo do qual façam parte.
É oportuno enfatizar que a educação do campo constitui elemento fundamental
para o processo de organização política da juventude camponesa. E, para melhor
compreensão da temática, segundo Flitner (1968), do século XVIII até os dias atuais – a
infância e a juventude por serem etapas da vida marcadas por características específicas,
têm se tornado um referencial para os estudos desenvolvidos no campo científico. Alguns
autores comungam com a ideia de que “ser jovem” é um processo resultante da construção
social, assim, não se prende em um conceito fechado, mas abrange variadas concepções
que tentam definir de forma clara e concisa quem faz parte desse segmento, sendo que:
A noção mais geral e usual do termo juventude, se refere a uma faixa de idade, um período de vida, em que se completa o desenvolvimento físico do indivíduo e ocorre uma série de transformações psicológicas e sociais, quando este abandona a infância para processar sua entrada no mundo adulto. No entanto, a noção de juventude é socialmente variável. A definição do tempo de duração, dos conteúdos e significados sociais desses processos se modificam de sociedade para sociedade e, na mesma sociedade, ao longo do tempo e através de suas divisões internas. Além disso, é somente em algumas formações sociais que a juventude configura-se como um período destacado, ou seja, aparece como uma categoria com visibilidade social (ABRAMO, 1994, p. 1).
Ainda sobre a questão conceitual, destaca-se que as ciências sociais, a
Organização das Nações Unidas – ONU e o Estatuto da Juventude – Lei nº 12.8522013
abordam uma definição de juventude pautada em critérios etários. Em contrapartida,
Bourdieu (1983) afirma que a “juventude é apenas uma palavra” e essas divisões entre
idades são completamente arbitrárias, pois a representação ideológica por faixa etária cria
uma fronteira, impondo limites que reduzem o verdadeiro sentido eou significado de ser
jovem.
Porém, outros intelectuais levam-nos a refletir que essa mera categorização na
divisão estrutural de idades, define tão somente quem é criança, adolescente, jovem, adulto,
velho, indicando que devemos nos abster dessas especificidades uniformes que observam
apenas aspectos biológicos, pois existe juventude e juventudes. Isso implica dizer que
outros fatores, como condicionantes históricos, socioeconômicos, demográficos, culturais,
gênero, raça, etnia e classe social devem ser postos em discussão. Ademais, as habilidades
sociais, direitos, deveres, responsabilidades, autonomia e afirmação da identidade são
requisitos que formam a performance do jovem e para melhor compreensão essas
categorias merecem ser analisadas.
Para Sales (2006), é notório que desde a Idade Média têm-se uma significativa
preocupação em realizar estudos sobre as “idades da vida”, a fim de apreender a realidade
do que acontece durante cada fase. Contudo, a juventude não é um grupo social
homogêneo, mas heterogêneo e comporta bastante diversidade. Na fase juvenil, além das
transformações que acontecem no corpo, também, ocorrem mudanças de comportamento
psicossocial. Para além do exposto, vale frisar que conforme dispõe o art. 2 do Estatuto da
Juventude, esse público tem uma série de princípios assegurados como direito, a saber:
I - promoção da autonomia e emancipação dos jovens; II - valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representações; III - promoção da criatividade e da participação no desenvolvimento do País; IV - reconhecimento do jovem como sujeito de direitos universais, geracionais e singulares; V - promoção do bem-estar, da experimentação e do desenvolvimento integral do jovem; VI - respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude; VII - promoção da vida segura, da cultura da paz, da solidariedade e da não discriminação; e VIII - valorização do diálogo e convívio do jovem com as demais gerações.
De acordo com pesquisas realizadas pelo Fundo de População das Nações
Unidas – UNVPA (2010), a juventude, atualmente, representa quase um terço do total geral
da população brasileira. Dos 51 milhões de jovens, 84,8% estão na cidade e 15,2% residem
no campo (IBGE, 2010) e o nível de escolaridade de ambos os grupos é diferenciado, pois
as oportunidades não são as mesmas para todos.
Na tentativa de aprofundar o tema de estudo aqui já apresentado, é fundamental
fazer uma breve caracterização do campo empírico escolhido para desenvolvimento dessa
pesquisa. A Unidade Escolar Roseli Nunes, localizada no Projeto de Assentamento Cigra,
Comunidade Agrovila Kênio, município de Lagoa Grande do MaranhãoMA fica basicamente
cerca de 370 quilômetros da capital São LuísMA. É interessante notificar que ao chegar a
essa pequena cidade do interior do Estado, tem-se ainda que percorrer um trecho de mais
de 60 quilômetros de estrada de chão para finalmente chegar ao destino central da
investigação.
Uma escola diferente – é assim que posso chama-la. Tendo como proposta
metodológica de ensino a Pedagogia da Alternância, a qual priorizava um modelo de
educação baseado na convivência em grupo, disciplina e autogestão. Em uma primeira
aproximação, fez-se possível apreender que essa instituição de ensino médio com
especialização em curso técnico de Agroecologia acolhe alunos vindos de diversos
assentamentos da região e que tenham a faixa etária de 15 a 20 anos. Além disso, foi
construída como resultado das reivindicações organizadas pelo MST, onde há o empenho e
dedicação de muitas famílias que lutaram incansavelmente não só por um pedaço de terra,
mas por uma escola digna, a fim de formar e capacitar os seus filhos para o trabalho e para
os desafios da vida.
Estes jovens, por sua vez, são organizados em Nb’s (Núcleo de Base) para
realização e divisão dos trabalhos necessários à sobrevivência dentro do ambiente escolar.
Neste lugar, os alunos passam um mês no “tempo escola”, tendo aulas integralmente em
regime de internato, sem acesso à Internet, TV ou qualquer outra tecnologia de massa; e um
mês no “tempo comunidade”, trabalhando com sua família na propriedade agrícola, fazendo
as tarefas extraclasse e atuando em outros serviços relacionados à subsistência familiar.
É imprescindível ratificar que ver uma juventude empoderada, decidida e
disposta a enfrentar os entraves na luta pela garantia de direitos e sonhos frente a situações
tão controversas e condições tão difíceis, concede-nos ânimo não só para propor a
realização desta abordagem, mas principalmente a não desistir dela. Ademais, influencia-
nos a persistir na busca de respostas para as indagações que são pertinentes a essa área
de pesquisa científica – Questão Agrária.
Deste modo, a pergunta central que norteia, instiga e inquieta o desenvolvimento
dessa pesquisa é: Como o processo educativo desenvolvido na escola Roseli Nunes
contribui para a organização política dos jovens no campo Tal questionamento é de suma
relevância porque um dos desafios que se coloca para o campo na contemporaneidade é a
formação e capacitação de uma nova geração de camponesesagricultores.
Para apoiar o problema de pesquisa, outras indagações foram estruturadas com
o objetivo de que tais questões sirvam de alicerce para o processo de elaboração do
trabalho monográfico. Portanto, questiona-se: De que modo se configura no Brasil e
Maranhão as formas de organização política e como esta contribui no processo educativo e
afeta a juventude no campo Quem é e como vive a juventude camponesa que estuda na
escola Roseli Nunes Qual a relação entre trabalho e educação para suas vidas Estas são
questões básicas que nos subsidiam para desvelar o objeto de estudo proposto.
III. CONCLUSÃO
Considerando o exposto, enfatiza-se que o conhecimento adquirido através do
referencial teórico e a experiência obtida durante algumas viagens à Unidade Escolar Roseli
Nunes, Assentamento Cigra, Comunidade Agrovila Kênio, zona rural de Lagoa Grande do
MaranhãoMA, conduziu o despertar de novas ideias, as quais personificaram-se em um dos
motivos propiciadores para produzir essa investigação na monografia de conclusão do
Curso de Serviço Social. É mister frisar que a curiosidade e vontade de conhecer
minimamente a história, os projetos, os sujeitos (individualmente eou coletivamente) e as
diferentes formas de educar – seja por meio do estudo formal ou do trabalho, contribuíram
para a formulação desse artigo que ainda é um trabalho em fase de pesquisa.
Frente a essa assertiva, reitera-se a necessidade de construir alternativas de
permanência, bem como desenvolvimento de políticas públicas para as famílias residentes
na zona rural. Se isso de fato acontecesse, as famílias não precisariam sair do campo para
ter uma vida digna. Elas poderiam desfrutar de tudo que lhe é direito sem serem “obrigadas”
a abandonar o território com o qual estabelecem vínculos afetivos.
Nesse contexto, deve-se considerar o quão importante é desenvolver este
estudo, visto que, a literatura relacionada ao Serviço Social e educação do campo ainda é
muito incipiente, necessitando assim, de um maior aprofundamento. Os assistentes sociais
possuem uma tímida aproximação com esse debate, sendo fundamental contribuirmos com
a construção de um arcabouço teórico sobre esse assunto no estado do Maranhão, posto
que, a educação é um espaço sócio-ocupacional de nossa atuação e como
profissionaisintelectuais orgânicos que somos, devemos nos apropriarproduzir
conhecimento sobre essa área.
Portanto, este trabalho objetiva colaborar positivamente para a produção de
conhecimento, servindo de laboratório de pesquisa para aqueles que se interessam por
essa discussão. Destarte, poderá possibilitar o abandono de alguns conceitos equivocados,
tendenciosamente identificados ou de senso comum sobre o objeto de estudo, levando-nos
a um nível de compreensão da realidade que valoriza as potencialidades existentes no
campo e desmitifica a visão reducionista daqueles que veem o meio rural como um lugar de
atraso.
REFERÊNCIAS
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