dislexia subsidios
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CADERNOS TEMTICOS CRP SP8 Dislexia: Subsdiospara Polticas Pblicas
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Caderno Temtico vol. 8 Dislexia: Subsdios para Polticas Pblicas
DiretoriaPresidente | Marilene Proena Rebello de Souza
Vice-presidente | Maria Ermnia Ciliberti
Secretria | Andria De Conto Garbin
Tesoureira | Carla Biancha Angelucci
Conselheiros efetivosAndria De Conto Garbin, Carla Biancha Angelucci, Elda Varanda Dunley Guedes Machado, Jos Ro-
berto Heloani, Lcia Fonseca de Toledo, Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, Maria Cristina
Barros Maciel Pellini, Maria de Ftima Nassif, Maria Ermnia Ciliberti, Maria Izabel do Nascimento
Marques, Maringela Aoki, Marilene Proena Rebello de Souza, Patrcia Garcia de Souza, Sandra Elena
Sposito e Vera Lcia Fasanella Pomplio.
Conselheiros suplentesAdriana Eiko Matsumoto, Beatriz Belluzzo Brando Cunha, Carmem Silvia Rotondano Taverna, Fabio
Silvestre da Silva, Fernanda Bastos Lavarello, Leandro Gabarra, Leonardo Lopes da Silva, Lilihan
Martins da Silva, Luciana Mattos, Luiz Tadeu Pessutto, Lumena Celi Teixeira, Maria de Lima Salum e
Morais, Oliver Zancul Prado, Silvia Maria do Nascimento e Sueli Ferreira Schiavo.
Gerente-geralDigenes Pepe
Organizao e Reviso dos textosAdolfo Barros Benevenuto, Carla Biancha Angelucci, Ligia Bovolenta e Waltair Marto
Projetogrco e EditoraoFonteDesign | www.fontedesign.com.br
C744p
Conselho Regional de Psicologia de So Paulo (org).
Dislexia: subsdios para polticas pblicas / Conselho Regional de Psicologia da 6
Regio So Paulo: CRPSP, 2010.
46f.; 21cm, il.; g.; (Caderno Temtico 8).
BibliograaISBN: 978-85-60405-12-1
1.Dislexia 2.Subsdios para Polticas Pblicas 3. Psicologia I.Ttulo.
CDD 616.8553
Elaborada por: Vera Lcia Ribeiro dos Santos Bibliotecria -
CRB 8 Regio 6198
Ficha catalogrca
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Cadernos Temticosdo CRP SP
A XII Plenria do Conselho Regional de Psicologia de So Paulo incluiu, entre
as suas aes permanentes de gesto, a continuidade da publicao da srie CA-
DERNOS TEMTICOS do CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados
no Conselho em diversos campos de atuao da Psicologia.
Essa iniciativa atende a diversos objetivos. O primeiro deles concretizar um
dos princpios que orienta as aes do CRP SP o de produzir referncias para o
exerccio prossional dos psiclogos; o segundo o de identicar reas que me-
recem ateno prioritria, em funo da relevncia social das questes que elas
apontam e/ou da necessidade de consolidar prticas inovadoras e/ou reconhecer
prticas tradicionais da Psicologia; o terceiro o de, efetivamente, dar voz catego-
ria, para que apresente suas posies e questes, e reita sobre elas, na direo da
construo coletiva de um projeto para a Psicologia que garanta o reconhecimentosocial de sua importncia como cincia e prosso.
Os trs objetivos articulam-se e os Cadernos Temticos apresentam os resul-
tados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP que permitem contar com
a experincia de pesquisadores e especialistas da Psicologia e de reas ans para
debater questes sobre as atuaes da Psicologia, as existentes e as possveis ou
necessrias, relativamente a reas ou temticas diversas, apontando algumas di-
retrizes, respostas e desaos que impem a necessidade de investigaes e aes,
trocas e reexes contnuas.
A publicao dos Cadernos Temticos , nesse sentido, um convite conti-
nuidade dos debates. Sua distribuio dirigida aos psiclogos e aos parceiros
diretamente envolvidos com cada temtica, criando uma oportunidade para que
provoque, em diferentes lugares e de diversas maneiras, uma discusso profcuasobre a prtica prossional dos psiclogos.
Este o oitavo Caderno da srie. O seu tema a DISLEXIA: Subsdios para Pol-
ticas Pblicas. O primeiro Caderno tratou da Psicologia em relao ao preconceito
racial, o segundo reetiu sobre o prossional frente a situaes tortura. O terceiro
Caderno, A Psicologia promovendo o ECA, discutiu o sistema de Garantia de Di-
reitos da Criana e do Adolescente. O quarto nmero teve como tema a insero da
Psicologia na Sade Suplementar. O quinto nmero referiu-se Cidadania Ativa
na Prtica: Contribuies da Psicologia e da Animao Sociocultural. O sexto Ca-
derno abordou Psicologia e educao: contribuies para a atuao prossional.
O Stimo Caderno abordou os Ncleos de Apoio a Sade da Famlia NASF. A este,
seguir-se-o outros debates que traro, para o espao coletivo de reexo, temas
relevantes para a Psicologia e a sociedade apresentados de forma crtica.
Nossa proposta a de que este material seja divulgado e discutido amplamente
e que as questes decorrentes desse processo sejam colocadas em debate perma-
nente, para o qual convidamos os psiclogos.
Diretoria do CRP SP
Gesto 2007-2010
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Sumrio
ApresentaoComisso Organizadora do Seminrio Dislexia: Subsdios para Polticas Pblicas
7
Eliseu Gabriel
8
Juscelino Gadelha
9
Marilene Proena Rebello de Souza
10
Fbio de Souza
10Disleia eiste? Qestionamentos a partir de estdos cientfco
Maria Aparecida Affonso Moyss
11
Medicaliao e escolariao: por qe as crianasno aprendem a ler e escreer?
Adriana Marcondes Machado
24
O enrentamento de difcldades o distrios de leitra e escrita noMnicpio de So Palo
Aes desenolidas pela SMS
Sandra Maria Vieira Tristo de Almeida
30
Programa Aprendendo com SadeSandra Maria Monetti
33
O qe pensam as entidades da Psicologia sore o tema: CRP e SinPsiAertra
Beatriz de Paula Souza
35
Posicionamento do CRP SP
Marilene Proena Rebello de Souza
36
Posicionamento do SinPsiFbio de Souza
41
Posio do Conselo Regional de Psicologia rente ao
Projeto de Lei n 86/2006 de 21/02/200644
Argmentos do CRP SP Contrrios ao Projeto de Lei n 86/200645
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Apresentao
A Dislexia tem sido introduzida no meio educacional como justicativa da
diculdade que certas crianas apresentam no processo de aprendizagem de
leitura e escrita. Em decorrncia disso, tem fomentado uma srie de prticas, nos
campos da Sade e da Educao, de acompanhamento e de atendimento infncia
e adolescncia.
Assim, tornou-se comum a escola orientar pais e responsveis por alunos que
apresentam diculdades em seu processo de escolarizao a procurar meios para
diagnstico e tratamento de supostos distrbios de aprendizagem, entre eles, a
dislexia.
Os legisladores, sensveis s demandas sociais, passaram, ento, a propor leispra garantir a identicao precoce da Dislexia na rede pblica e o encaminha-
mento das crianas ao sistema de Sade. Pouco se conhece, entretanto, sobre os
questionamentos a essas formas de conceber e intervir sobre as diculdades de
escolarizao, que nos ltimos vinte anos foram formulados em diversas reas
de conhecimento, tais como Medicina, Psiquiatria, Psicologia, Educao e Lin-
gstica.
Os que buscam a construo de polticas pblicas que de fato respondam s
nalidades de uma escola democrtica e de qualidade no podem ignorar esses
questionamentos.
Com o objetivo de levar ao conhecimento do legislativo municipal e estadual
paulista a polmica que envolve o diagnstico e o tratamento dos denominados
transtornos ou distrbios de aprendizagem, foi realizado, no dia 21 de setembro de2009, na Cmara Municipal de So Paulo, o Seminrio Dislexia: Subsdios para
Polticas Pblicas. O debate foi estendido tambm aos prossionais das reas de
Educao, Sade e Assistncia Social e populao em geral.
O encontro foi uma iniciativa da Cmara Municipal de So Paulo, do Conselho
Regional de Psicologia de So Paulo, do Sindicato dos Psiclogos no Estado de So
Paulo e do Grupo Interinstitucional Queixa Escolar, com apoio das Secretarias
Municipais de Sade e de Educao.
Comisso Organizadora do Seminrio Dislexia: Subsdios para Polticas Pblicas
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Este um tema bastante complexo e contraditrio. Na
verdade, existe um problema grave no Brasil e, particular-
mente, em So Paulo, que a diculdade de as crianas
aprenderem.
Ento, procura-se qual a razo disso: por que as crianas
no aprendem? Uma das respostas aponta para a Dislexia,
que algo que j vem h muitos anos sendo discutido.
Por que o parlamento est promovendo esse evento?Porque a Dislexia passou a ser tema de vrios projetos de lei
apresentados aqui no legislativo. E estamos fazendo isso junto
com o Sindicato dos Psiclogos, com o Conselho Regional de
Psicologia e com o Grupo Interinstitucional Queixa Escolar
e o apoio de outras entidades e as Secretarias de Educao
e Sade.
Na Cmara Municipal de So Paulo esto tramitando,
pelo menos, quatro projetos de lei sobre essa temtica. Esses
projetos de lei falam sobre a necessidade de se realizar testes
de dislexia em todas as crianas do ensino pblico munici-
pal. H os prs e contras, existem pessoas que so a favor e
pessoas que so contra.
Este debate surgiu justamente para responder algumas
perguntas. Vale a pena submeter as crianas, na prpria esco-
la, a testes para descobrir se elas no aprendem porque so
dislxicas? O que dislexia de fato? Ser que, como alardeiam,
realmente 20% sofrem desse distrbio que impede a apren-
dizagem da leitura e, em suas supostas variaes, diculta
a aprendizagem de matrias como matemtica? No seria
uma forma de fugir do problema da pssima qualidade de
nosso ensino e empurrar a culpa para o aluno? Se apontada
como portadora desse suposto distrbio a criana no caria
estigmatizada pelo resto da vida?
Como presidente da Comisso de Educao aqui da C-
mara Municipal de So Paulo minha obrigao tratar desseassunto com toda ateno e cuidado. Vamos ento ao debate
desse assunto. Est presente ao meu lado o vereador Juscelino
Gadelha, autor de um dos citados projetos, que, certamente,
ajudar muito nas nossas reexes sobre esse assunto.
Eliseu Gabriel
Vereador no Municpio de So Paulo e presidente da Comisso de
Educao, Esportes e Cultura
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Eu sou dislxico, isso importante colocar. Tenho uma
irm que tambm dislxica. Tenho um assessor meu que
tambm o .
Em 2007, junto com a Associao Brasileira de Dislexia,
ABD, ns propusemos, aqui nesta casa, um projeto de lei sobre
a Dislexia, que debatemos intensamente com a sociedade,
cujo fechamento foi coroado atravs da realizao de um
Seminrio, realizado nesta casa no nal do ano de 2008.Quando ns aprovamos, em primeira instncia, este pro-
jeto, fomos procurados pelo vereador Eliseu Gabriel e pelas
as entidades de Psicologia que queriam debat-lo, colocando
sua posio contrria ao mesmo. O Conselho Regional de
Psicologia e as entidades de Psicologia so contra a existncia
da Dislexia. Essa foi a nossa grande surpresa.
Em reunio, no meu gabinete com estas entidades, eu z o se-
guinte acordo: que ns no aprovaramos a nossa lei em segunda
instncia sem antes fazermos um novo seminrio que propiciasse
um debate claro, aberto e democrtico, para discutirmos melhor
e mais aprofundadamente a questo da Dislexia.
No decorrer da preparao deste Seminrio, cumprindo o
acordo estabelecido, o que aconteceu? As entidades de Psico-
logia no reconhecem a existncia da dislexia, cando muito
difcil discutir uma proposta, uma vez que estas entidades
discordam de seu principal fundamento, ou seja, a existncia
da Dislexia, a qual sabidamente reconhecida em instncias
estaduais, nacionais e internacionais.
Ns, a ABD e outras entidades, que viriam a somar no
debate, dele nos retiramos, por isso, o que antes seria um de-
bate acabou virando um seminrio. Nesse sentido, eu co um
pouco triste. Primeiramente pelo seguinte: O nosso projeto de
lei muito simples. O que ns queremos fazer? Ns queremos
que todas as crianas matriculadas na rede municipal de
ensino, respondam a um questionrio, cujas respostas seroavaliadas por prossionais da rea, cujo objetivo ser o de
identicar se aquela criana, aquele menino ou aquela meni-
na, tm algum problema de aprendizado. Depois de avaliadas
estas respostas, caberia Secretaria Municipal de Educao,
a busca de uma soluo para melhor trabalhar os problemas
detectados, de forma conjunta ou separadamente.
Nosso projeto muito simples, no tem nada de extraor-
dinrio, mas ca muito difcil, onde h entidades importantes
como a dos psiclogos, que so contrrias ao reconhecimento
e existncia da Dislexia.
No meu entendimento, a Dislexia no uma doena,
um distrbio.
Em todos os pases do mundo existem vrios trabalhos
cientcos, inmeros especialistas falando sobre o assunto,
alm de vrios livros publicados, mesmo aqui no Brasil. Fica
a uma situao constrangedora, porque que o Sindicato dos
Psiclogos coloca como se a Dislexia no existisse.
Vamos colocar um pouco a mo na conscincia. Ela tanto
existe que ns estamos aqui debatendo essa questo. Esta
a realidade, estamos aqui debatendo esta questo porqueela existe.
E ela no s existe como um problema muito srio. A,
vou contar um pouco de quando eu era jovem e estava na
escola: Eu sou dislxico e minha irm mais nova era disl-
xica. Minha irm tinha mais diculdade do que eu e foi para
aquelas classes especiais. Na escola, eu, particularmente,
tinha vergonha de car perto da minha irm porque ela era
diferente das outras crianas. Havia aquelas salas especiais,
em que se colocavam crianas que apresentavam vrios ti-
pos de problemas mentais. Dislexia era uma situao muito
constrangedora. Eu, para terminar meus estudos, fui fazer
supletivo porque no consegui me formar na escola pblica.
S estou colocando isso porque algo to srio, de tanta res-
ponsabilidade, que no d para simplesmente colocar assim:
Nos somos contra porque isso no existe.
Eu peo, de todo o corao, para que o Conselho Regional
de Psicologia e demais entidades do setor, venham debater
conosco a questo do nosso projeto de lei, porque nessa casa
a relao poltica diferente das relaes institucionais. Eu
s no aprovei este meu projeto em segunda instncia porque
eu z um acordo com vocs e cumpri a minha parte. Vai ter
oposio? Vai ter oposio. Posso perder? Posso perder, mas
tambm posso ganhar. Posso ter uma relao com o Execu-
tivo que vai sancionar ou no a minha lei. Tambm posso
abrir um debate com a Secretaria Municipal de Educao e,se for o caso, com a Secretaria Municipal de Sade, embora
reconheamos que Dislexia no doena. A Secretaria de
Sade, portanto, no nosso entendimento, seria para outro
tipo de discusso.
Eu s estou colocando isso, estou desabafando um pouco,
pois, quei um tanto triste porque poderamos estar aqui com
o dobro de pessoas discutindo a questo da Dislexia, todos
ns, juntos para solucionar o que a gente quer garantir atravs
da aprovao do nosso projeto de lei.
Juscelino Gadelha
Vereador no Municpio de So Paulo e autor do PL 86/20006.
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Gostaria que pudssemos nos desarmar e pensar sobre
polticas pblicas. Pensar em que lugar alguns aspectos que
ns tratamos, independentemente do seu mrito, ocupam na
poltica pblica e como podemos olhar para a poltica pblica
de Sade e Educao. Pensar em como acolher a populao
nessas polticas pblicas, nos servios pblicos, com os seus
trabalhadores e a valorizao destes.
Quero deixar explcito aqui que, em nenhum momento,
somos ou seremos contra qualquer caracterstica de alguma
pessoa. Eu tambm sou pai e eu odeio quando tratam meu
lho de alguma forma que lhe retire o direito de ser algum,
de ser ele mesmo.Eu gostaria que pensssemos na interdisciplinaridade, na
equipe multiprossional e nos recursos pblicos que sero
utilizados.
com muita satisfao que o Conselho Regional de Psi-
cologia de So Paulo encontra-se na tarde de hoje na Cmara
Municipal de So Paulo, nossa casa como cidados do mu-
nicpio de So Paulo, a partir da colaborao do gabinete do
vereador Eliseu Gabriel, no Seminrio Dislexia: Subsdios
para Polticas Pblicas, cuja origem se encontra na discusso
de projeto de lei do vereador Juscelino Gadelha, com quem
ns tambm iniciamos nossos debates e nossas discussesem 2007.
Poder hoje, nessa tarde, discutir essa questo da Dislexia
e expor claramente qual a posio tico-poltica do Conse-
lho Regional de Psicologia, do Sindicato dos Psiclogos e de
outros grupos que esto conosco participando desse debate,
consideramos como um ganho social muito importante.
Este debate nasce da discusso de um projeto de lei.
Desde fevereiro deste ano, ns nos reunimos vrias vezes no
gabinete do vereador Eliseu Gabriel, durante grande parte
desse perodo, com a Associao Brasileira de Dislexia, que
depois solicitou sua retirada da participao desse debate.
De qualquer forma, este debate est sendo realizado hoje e
ns temos aqui a presena de pessoas que esto de alguma
forma ligadas ao tema e interessadas no tema.
Talvez este debate no se encerre aqui, ele seja o incio de
muitos outros debates que ns ainda teremos que fazer em
prol da qualidade de ensino e da melhoria da qualidade de en-
sino no municpio de So Paulo e no Estado de So Paulo.Este realmente um grande momento e ns queremos
agradecer essa oportunidade de darmos incio desta forma a
este debate. Esperamos que ele traga bastante luz a esta ques-
to e que possibilite a ampliao tambm desta discusso em
outros mbitos, em outros momentos da nossa formao como
educadores, como pessoas interessadas pela Educao.
Marilene Proena Rebello de Souza
Conselheira Presidente do Conselho Regional de Psicologia de So
Paulo e Docente do Instituto de Psicologia da USP.
Nesse sentido, o Sindicato est disposio para o debate
do conjunto dos trabalhadores, do conjunto dos movimentos
sociais, e levaremos este debate para outros espaos, seja
para o Conselho de Sade, onde sou conselheiro, seja para
os espaos das Conferncias de Educao.
preciso que pensemos para alm do dia de hoje, em
como iremos defender a Educao Pblica com qualidade, os
servios pblicos de Sade, para que sejam universais, onde
caibam todos, que sejam integrais, que deem conta das espe-
cicidades, que sejam equnimes, que atendam s maiores
necessidades, da forma mais urgente e resolutiva.
Fbio de Souza
Vice-presidente do Sindicato dos Psiclogos de So Paulo,
Conselheiro do Conselho Municipal de Sade de So Paulo
e Pesquisador em Sade Pblica pelo Instituto de Sade
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Dislexia existe?Questionamentos a partir de
estudos cientfcos1
Maria Aparecida Aonso MoyssMdica pediatra e Doutora em Medicina pela USP; Livre-Docente em Pe-
diatria Social pela Unicamp; Professora Titular de Pediatria na Unicamp.
Pesquisa as relaes entre sade, aprendizagem e desenvolvimento de
crianas e adolescentes
Em primeiro lugar, preciso deixar claros alguns pontos,
para que possamos focar a discusso em nosso tema.Existem algumas doenas comprovadas, que podem
comprometer muitos aspectos da vida da pessoa, com con-
sequncias claras, perceptveis, facilmente detectadas e que
podem dicultar tambm a aprendizagem. No isso que
estamos discutindo aqui.
Tambm existem pessoas que aprendem com a maior
facilidade e pessoas que aprendem com muita diculdade
e, entre esses extremos, um continuumde possibilidades
innitas. Tambm no estamos discutindo a existncia dessa
diversidade.
O que discutimos aqui se essa diversidade e, mais espe-
cicamente, se o polo das pessoas que tm maior diculdade
para aprender so reexo da diversidade dos seres humanos
ou so consequncia de uma doena neurolgica chamada
dislexia. isso que estamos discutindo aqui, para isso que
fui convidada a discutir.
Para podermos discutir isso, fundamentalmente, preci-
samos ver o que existe de embasamento cientco dentro do
campo mdico sobre essa entidade nosolgica. Em outras
palavras, quais as evidncias cientcas de que exista essa
doena neurolgica chamada dislexia?
Para comear, importante vermos qual a denio
ocial da dislexia. Ocial eu coloco aqui porque a denioaceita pelos autores que defendem a existncia da dislexia e
pelas entidades que defendem a existncia da dislexia. Essa
denio, de 2003, aceita pela Associao Internacional de
Dislexia (IDA) e pela Associao Brasileira de Dislexia (ABD),
a mais recente e de autores - Lyon e Shaywitz - bastante
conceituados entre os que defendem a dislexia. Claramente
eles estabelecem que, para eles, a dislexia seria uma dicul-
dade ou um distrbio de aprendizagem - o nome no muda
o sentido - de origem neurolgica. Portanto, de uma doena
neurolgica que se trataria.
Em seguida, o que caracterizaria essa doena? Eu s quero
chamar a ateno que o que est posto a como caractersti-
cas dessa doena neurolgica so elementos detectveis por
meio da leitura e da escrita, exclusivamente, e so elementos
que vo aparecer em toda pessoa que tiver diculdade com
leitura e escrita.
Toda pessoa mal alfabetizada vai ter isso, diculdade de
uncia, diculdade de decodicao, tudo isso s adquiri-
mos quando no aprendemos a ler bem, quem no sabe ler
bem ou tem qualquer diculdade para ler, vai se enquadrar
nessas caractersticas.
Portanto, dizer que uma doena neurolgica caracteri-
zada por essas questes extremamente complicado dentro
da racionalidade da cincia mdica. Lembremos que estamos
discutindo aqui as evidncias cientcas de que exista umadoena neurolgica que comprometeria exclusivamente a
linguagem escrita.
1 Esta apresentao foi construda em conjunto com a Prof Dr Ceclia
Azevedo Lima Collares, Professora Livre-Docente da Faculdade de Edu-
cao da Unicamp (aposentada).
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Ainda segundo as entidades que defendem a existncia
dessa doena, como diagnosticada a dislexia? A ABD des-
taca, em sua pgina, um texto que arma que o diagnstico
feito dos seguintes modos: primeiro, por um processo de
excluso. Isto me preocupa muito: uma doena neurolgica
que s comprometeria leitura e escrita diagnosticada porprocesso de excluso... Quero ressaltar que usar critrios de
excluso bastante comum no raciocnio clnico; entretanto,
fazer um diagnstico por excluso algo muito diferente. No
primeiro caso, vou excluindo hipteses de modo a poder ir
investigando um grupo cada vez mais restrito de possibili-
dades; no segundo caso, diagnosticar por excluso signica
que, por ter excludo todas as demais possibilidades, co com
a que restou, mesmo que ela no tenha sido comprovada e
nem mesmo investigada. Isto algo absolutamente estranho
racionalidade cientca em medicina. Retornando aos modos
de diagnsticos apresentados, o segundo seria indiretamente
base de elementos neurolgicos. Isto me preocupa muito
mais: uma doena neurolgica diagnosticada indiretamente;
no assim que funciona a cincia em neurologia. E, por
m, o terceiro modo: diretamente, base de frequncia e
persistncia de erros na escrita e na leitura. Bem, voltamos
ao ponto inicial: qualquer pessoa que tenha diculdade de
leitura e escrita vai ter persistncia de erros at que aprenda
a ler e escrever bem.
A mesma autora arma, Elena Border, na continuao do
texto: Em todos os diagnsticos, o fato de a criana no ter
sido alfabetizada por processo comum... O que est posto
a? a negao da diversidade do ser humano. Todos temos
que aprender pelos mtodos padronizados, mtodos pedag-
gicos aceitos como padres, como comuns. Todos temos queaprender assim. Nega-se a possibilidade de que alguns de
ns aprendemos mais pela viso, outros mais pela audio,
outros por meio de outros recursos mneumnicos. Cada um
tem as suas estratgias de aprendizagem e de lidar com o j
aprendido. Cada um de ns aprende por meio de processos
mentais diversos, no somos todos absolutamente iguais,
padronizados, robotizados. Quando digo que no ser alfabe-
tizado pelos processos comuns sinal de problema, estou
negando a diversidade, estou padronizando, homogeneizando,
quase que liquidicando a humanidade, todos temos que ser
iguais. No iguais no sentido de termos os mesmo direitos, ao
contrrio, pois a negao das diferenas elimina a equidade
e os prprios direitos, conquistas da sociedade exatamente
porque existem diferenas e desigualdades.
Continuemos acompanhando a lgica da autora citadaem destaque na pgina da ABD: ... ou um histrico familiar
com distrbio de aprendizagem. Ora, eu s queria lembrar
que, quando lidamos com questes ligadas ao comportamen-
to e aprendizagem, que so as reas mais complexas e de
maior diculdade de avaliao no ser humano, exatamente
por serem as mais sosticadas, o componente familiar
extremamente importante. Porque na nossa imerso na
famlia, nos valores culturais, em como essa famlia lida com
tudo, que nos constituimos sujeitos. Como bem disse Paulo
Freire, somos sujeitos datados e situados, nos constitumos
em nosso tempo e espaos, social, cultural, histrico e at
no geogrco. Ento, sempre tem um componente familiar
nesses elementos.
O que se diz que de 10% a 20% da populao mundial
tem uma doena neurolgica que comprometeria apenas
leitura e escrita. S quero lembrar que na rea da Sade no
lidamos com porcentagens para falar de doenas de ordem
biolgica. Ns falamos em porcentagem para falar de des-
nutrio, anemia, verminose, que so doenas socialmente
determinadas. Quando nos referimos a problemas constitu-
cionais, biolgicos, falamos em taxas como 1 por 10.000, um
por cem mil, um por milho. 10 ou 20% da populao geral,
tendo uma doena neurolgica, inata, que comprometeria
exclusivamente a aprendizagem, seria alarmante. Essas ta-
Pois bem, o desao o seguinte:
como se identica a criana
que no consegue ler e escrever
bem, por doena neurolgica, no
meio de outras cem que tambm
no conseguem ler e escrever
bem? Em outras palavras, comose faz o diagnstico de uma
doena neurolgica cuja nica
manifestao a diculdade para
lidar com a leitura e a escrita?
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xas, se reais, seriam a comprovao de involuo da espcie
humana ou a erradicao da normalidade!
Isso foge de toda a racionalidade mdica, foge de tudo
que se conhece como cincia, ainda mais se agregarmos a
denio e como se diagnostica.
Aqui se coloca, ento, o grande desao, que tem sido feito
desde que surgiu essa hiptese depois transformada em doen-
a comprovada e inquestionvel. Um desao que permanecesem qualquer tentativa de resposta!
Admitamos que exista a dislexia, doena neurolgica que
comprometeria exclusivamente a leitura e a escrita. Admita-
mos, ainda, que nesta sala exista uma pessoa dislxica, assim
como nessa transparncia tem uma criana dislxica. Todas
as outras e todos os outros desta sala assim como todas as
demais crianas na transparncia leem mal, pelos mais va-
riados motivos: porque no foram escola, entraram tarde na
escola, no gostavam da professora, a escola tinha 50 alunos
na sala de aula, no tinha lousa... Enm, todos os motivos
que podemos relacionar de ordem social, pedaggica, poltica,
familiar. E tem um, apenas um, que por ser dislxico.
Pois bem, o desao o seguinte: como se identica a
criana que no consegue ler e escrever bem, por doena neu-
rolgica, no meio de outras cem que tambm no conseguem
ler e escrever bem? Em outras palavras, como se faz o diag-
nstico de uma doena neurolgica cuja nica manifestao
a diculdade para lidar com a leitura e a escrita?
Bem, parece meio bvio que o diagnstico no pode ser
feito usando instrumentos de leitura e escrita. Se estou falando
de problema no processo de alfabetizao, o instrumento ser,
obrigatoriamente, a linguagem escrita, tarefas de leitura e
escrita. Em contraste, uma doena neurolgica no pode e
no deve ser diagnosticada usando apenas leitura e escrita.
Pois , acontece que o diagnstico feito exclusivamente combase em elementos de leitura e escrita.
Os testes so feitos usando a linguagem escrita; o diag-
nstico feito usando apenas linguagem escrita, o que coloca
um vcio no instrumento, um viez enorme no diagnstico, a
tal ponto que no se pode falar em diagnstico, pois afronta
toda a racionalidade cientca. Esse vcio permeia todas as
pesquisas, tudo que se divulga como pesquisa, colocando um
viez metodolgico, que de raiz, e que expe toda a fragilidade
cientca desse campo, dessa hiptese, ao mesmo tempo em
que desvela seu carater estritamente ideolgico.
Porque vejam, quando peo para uma pessoa que l bem
fazer determinada tarefa que envolve a linguagem escrita,ela usa determinados processos neurolgicos, processos
cognitivos.
Porm, ao pedir a mesma tarefa a uma pessoa mal alfabe-
tizada, outra coisa totalmente diferente, no comparvel; ela
usa outros processos cognitivos, outros processos mentais. At
mesmo o simples ato de copiar a letra ou palavra projetada
envolve processos diferentes. Se projeto a palavra faca;
quem sabe ler, l e pensa: Bom, faca em letra de forma eu
sei escrever e escreve faca. Porm, e quem no sabe ler?
exclusivamente memria da imagem, memria visual,
outro processo.
Ento, eu no posso comparar pessoas que leem bem e
pessoas que leem mal usando a leitura, e eu no posso fazer
o diagnstico de uma doena que compromete s a leitura,
usando a leitura. , no mnimo, meio estranho essa posturaem cincia.
Existe um autor bastante conceituado e muito citado, at
porque ele no critica diretamente a existncia da dislexia. O
nome dele Velutino. Em pesquisa de 1979, considerou que
a linguagem escrita introduzia um vcio nos instrumentos
usados para o diagnstico, exatamente pelas consideraes
acima.
Ele realizou uma pesquisa em 1979, trabalhando com
adultos americanos, divididos em dois grupos, um que tinha
um diagnstico anterior de dislxicos e outro que tinha o
diagnstico de normais. Concordando com as consideraes
feitas sobre o vicio introduzido por instrumentos baseados em
linguagem escrita, decidiu tirar a vantagem de quem sabia
ler bem; para tanto, continuou usando os mesmos testes e
instrumentos, apenas usou o alfabeto hebraico, que ningum
conhecia, no lugar do alfabeto ocidental, que apenas um
grupo dominava.
Para nenhum espanto, encontrou que o desempenho foi
exatamente o mesmo nos dois grupos e tambm, como era
de se prever, foi muito inferior ao desempenho do grupo de
judeus americanos que conheciam o alfabeto hebraico.
disso que estamos falando. Eu no posso usar um ins-
trumento feito para quem sabe ler, para avaliar quem no
sabe ler e, dizer que quem no souber ler tem uma doena
neurolgica, um distrbio. esta a questo. Apenas isto.
Em sntese, a existncia dessa doena chamada dislexia
muito questionada pela prpria Medicina, desde o incio;
no tranquilo nem inquestinvel, e no apenas no Brasil,
em todo o mundo; alis, no Brasil onde tem menor ques-
tionamento. A quantidade de publicaes e de autores no
mundo todo questionando muito grande; trata-se de uma
das questes mais controvertidas na medicina.
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Ento, para sintetizar: preconiza-se que exista uma doena
neurolgica que comprometeria s a linguagem escrita e o
diagnstico feito usando s a linguagem escrita. Desculpem,
mas isso no um diagnstico, no sentido mdico, isso
um processo de rotulao, em que a criana desaparece no
processo; a criana e o adolescente deixam de ser um sujeito,
com toda a complexidade que o constitui, e se tornam apenas
um doente. De uma doena jamais comprovada!Bom, como que surge tudo isso? E porque essa polmica
to grande? O que que existe de comprovao cientca a
esse respeito? importante conhecermos a histria dessa
inveno de doenas jamais comprovadas.
Essa histria comea em 1896, quando um oftalmolo-
gista ingls chamado James Hinshelwood escreve um texto
dizendo: Eu acho que as crianas que no aprendem a ler
e a escrever tm cegueira verbal congnita. Mas ele jamais
comprovou e nenhum outro autor comprovou a existnciadessa doena. Em 1918, Strauss especulou: Isto leso
cerebral mnima. Jamais foi provado que exista. Em 1925,
Orton mudou o nome para strephosymbolia, armando que
a leitura especular (em espelho) seria sinal patognomnico
de doena neurolgica, hiptese jamais comprovada. Alis,
todos os trabalhos sobre leitura especular mostram que todos
ns fazemos leitura especular, especialmente quando estamos
aprendendo.
Em 1962, reconhecendo que nada havia sido compro-
vado, mudaram o nome para disfuno cerebral mnima
(DCM), que tambm jamais foi comprovada. Junto, surgiu a
dislexia especca de evoluo, que seria especca porque
comprometeria s a aprendizagem da leitura e seria de evo-
luo, porque desapareceria com a idade. Tambm no foi
comprovada.
Em 1984, a Academia Americana de Psiquiatria, consi-derando que a DCM se baseava em conceitos inadequados
pois o problema era decorrente de comprometimento da
ateno e a nfase em hiperatividade era inadequada e os
critrios diagnsticos eram vagos e pouco cientcos trocou
para ADD (Attention Decit Disorders), que no Brasil virou
TDA (Transtornos de Decit de Ateno). Poucos anos depois,
a prpria Academia Americana de Psiquiatria mudou para
ADHD (Attention Decit and Hiperactivity Disorders), em
reconhecimento de que a hiperatividade era um componen-
te importante; no Brasil, surgiu os TDA-H (Transtornos de
Decit de Ateno e Hiperatividade). Mais recentemente, a
Dislexia Especca de Evoluo virou Dislexia de Desenvol-
vimento. Tudo sempre sem qualquer comprovao... Alis,
pode-se supor que se houvesse um mnimo de evidncia
cientca, os conceitos e os critrios teriam alguma raciona-
lidade cientca! O prximo passo dessa histria j est em
andamento, com um novo nome sendo gestado...
Mudam-se os nomes para que tudo permanea igual!
Porm, no quero que vocs simplesmente acreditem em
mim. Conhecimento cientco no se constroi assim, mas
com racionalidade, com evidncias, argumentos consistentes
e solidos do ponto de vista terico e metodolgico. A cincia
no se enquadra no campo das crenas, da f. O meu objeti-
vo, como mdica e professora que vocs exeram a crtica,
aprendam a usar o raciocnio crtico e conem nas evidncias,estando sempre disponveis e abertos a novas evidncias e
novos conhecimentos, mesmo que desbanquem os antigos.
Anal, duas das caractersticas da cincia so a historicidade
e a transitoriedade. Somente o terreno da religio se apoia
em f inabalvel e na eternidade.
Pois bem, quando digo que nunca conseguiram comprovar
a existncia dessas doenas neurolgicas dislexia e TDA-H
no acreditem simplesmente. Mas tambm no acreditem
quando outros dizem que essas entidades so inquestionveis,
que existem h mais de 100 anos etc etc.
Vamos a algumas evidncias.
Em 2008, a ABD realizou em So Paulo o 8 Simpsio In-ternacional de Dislexia. O evento recebe grande destaque na
pgina da entidade. Em um dos links, ressaltam a palestra mag-
na que abriu o simpsio, proferido pela psiquiatra Ana Beatriz
Barbosa e Silva. Em um exerccio de corta e cola, encontra-
mos que ao falar sobre os sintomas clnicos e neuroimagens
do distrbio por decit de ateno e da dislexia, a palestrante
armou: mais do que ajudar no diagnstico, a neuroimagem
trouxe a certeza de que o TDA-H e a dislexia existem
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Ora, o que disse a doutora? Simplesmente que, antes da
neuroimagem no havia certeza! Ento, ela concorda com o
que estou falando, pelo menos at o advento da neuroimagem!
E a ABD tambm concorda, pois caso contrrio no a teria
convidado para a conferncia de abertura nem manteria sua
fala em destaque na sua pgina.
Bem, quanto parte de que a neuroimagem seria a com-
provao da existncia dessas doenas, veremos mais adiante
se isso se sustenta cienticamente.
Hoje vivemos uma nova invaso, um recrudescimento
dessas pretensas doenas, em patamares jamais imaginados.
Apoiados na sosticao tecnolgica, essa nova onda vem
revestida de justicadas recicladas.
Retornam armaes, agora mais cienticizadas, sobre
a inequvoca comprovao da existncia de alteraes ana-
tmicas no crebro; de alteraes funcionais nos sistema
nervoso; de alteraes genticas em pessoas portadoras deTDA-H e dislexia. E, em interessante inverso da razo, essas
alteraes passam a ser apresentadas como a comporvao
nal da existncia dessas pretensas doenas.
A questo que de fato interessa analisar qual o rigor
cientco dessas novas justicativas.
isto que vamos fazer agora com vocs.
Comecemos pelas alteraes genticas.
Arma-se que os estudos em pessoas com dislexia com-
provam a existncia de mutaes em vrios cromossomas,
sendo quatro os mais citados: 1, 6, 12 e 15.
Bem, no se assustem, no que todos esses cromos-
somas apresentem mutaes. No. Acontece que um grupode autores arma que o problema est no cromossoma 1;
outro grupo defende que est no 12; um outro briga pelo
cromossoma 15.
Armam ainda que h alguns genes em que as mutaes
j foram denitivamente provadas, sendo quatro os mais
importantes: DYX1C1; KIAA0319; DCDC2; ROBO1. Tambm
aqui a histria a mesma grupos de pesquisadores brigando
pela hegemonia e pelo poder de terem descoberto qual o gen
que causaria a dislexia.
Um axioma em medicina que quando h causas demais
aventadas, talvez se esteja longe do real.
Entretanto, h um dado estranho: quase todos os traba-
lhos que se referem a alteraes genticas como causadorasou predisponentes a dislexia, usam a sigla GCPD para esses
quatro genes, sem explicar o que signica.
Nesses trabalhos, os autores falam dos quatro GCPD, como
comprovao de que a dislexia seria uma doena neurolgica,
de origem gentica, provocada por esses genes.
A, surge a pergunta: anal, o que GCPD? A maior parte
dos textos no diz o que GCPD, e foi difcil achar. Por m,
em alguns textos aparece: Gene Candidato a Predispor a
Dislexia. No nem causar, predispor. Predispor? Tem um
monte de coisas que predispe. Cinquenta alunos na sala de
aula tambm predispe, muito mais. Alis, isso no predispe,
determina. Professor mal pago tambm determina.Vejam o que est posto a, pelos prprios autores que de-
fendem a existncia da dislexia e sua predisposio gentica:
no existe a menor comprovao, nem mesmo de que esses
genes sejam predisponentes dislexia, eles ainda esto no
mero campo de candidatos.
Denitivamente, no assim que funciona a cincia da
gentica.
Eu no posso usar um
instrumento feito para
quem sabe ler, para
avaliar quem no sabe
ler e, dizer que quem nosouber ler tem uma doena
neurolgica, um distrbio.
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Existem autores do campo que defende a dislexia que
inclusive dizem: No, espera a! O gene KIAA0319 no est
nem sequer envolvido com o desenvolvimento cerebral, como
podem dizer que ele est envolvido com a dislexia?.
Ento, quando digo que no existe embasamento cient-
co, ao contrrio de tudo que divulgado, falo a partir de uma
anlise cientca do que se publica como sendo pesquisa que
comprovaria a existncia da dislexia e do TDA-H.Vejamos agora as alteraes anatmicas causadoras da
dislexia e do TDA-H.
Divulga-se que existam alteraes anatmicas no corpo
caloso, rea occipital, parietal, temporal e cerebelo. Mas ento
no crebro inteiro? No, no que todas essas reas estejam
comprometidas, a mesma coisa que j comentei em relao
s pretensas alteraes genticas. Um grupo de autores diz
que as alteraes so plano temporal; outro diz que no corpo
caloso; outros dizem que na rea occipital. E eles brigam
entre si. essa a questo. Somente isso.
Existe um autor famoso nesta rea, o Galaburda. um tipode guru, reconhecido por todos os autores quando falam de
dislexia e TDA-H, um dos autores mais citados e um dos que
mais tm trabalhos em alteraes anatmicas na dislexia.
Galaburda publicou uma srie de trabalhos nas dcadas
de 1970 e 1980, e que so repetidamente citados por pratica-
mente todos os outros autores, em que, presumidamente, teria
comprovado que o problema da dislexia seria a assimetria
de neurnios no plano temporal e ectopisas neuronais em
crtex, tlamo e cerebelo.
Quer dizer, o lbulo temporal esquerdo e o lbulo temporal
direito, ao invs de serem assimtricos, seriam simtricos e
essa seria a causa da dislexia. Ectopia neuronal o seguinte:
um neurnio que est em uma regio onde no deveria
estar, est fora de lugar.
A, voc fala assim: Mas espera a, quantos de ns, ditos
normais, temos ectopia neuronal?. No temos esse dado,
no foi pesquisado na populao em geral presena de ecto-
pia neuronal, no sabemos quantos por cento da populao
geral tem ectopia. E a simetria temporal, como ? A esse
respeito, existe um trabalho muito interessante, do prprio
Galaburda, de 1987, em que estudou 100 crebros, de pessoas
normais. Segundo ele, eram pessoas que morreram e no
tinham nenhuma queixa, no tinham nenhum diagnstico.
Ele encontrou que 16% da populao normal tem simetria
no plano temporal.
Ento, como que pode? Se 16% da populao normal tem
simetria no plano temporal, como que simetria no plano
temporal faz o diagnstico de dislexia? Ser que por issoque dizem que em torno de 18% a 20% da populao geral
dislxica?
So dados do mesmo autor e, a, a gente pergunta: Mas,
espera a, como que foi feita essa pesquisa? Que mtodo ele
usou? Quantas pessoas foram pesquisadas?.
O Galaburda estudou cinco pessoas que ele disse que
eram dislxicas. Apenas cinco! Com idades variando de 12 a
30 anos! Alm disso, como ele fez o diagnstico de dislexia?
Nenhuma palavra sobre isso; parece que esta questo, fun-
damental em pesquisa cientca, nem se coloca; parece que
no precisa dizer, so dislxicos e ponto. E este o padro
recorrente do que se publica sobre o assunto: nenhuma
palavra sobre os critrios de incluso, sobre como foi feito o
diagnstico de dislexia e de TDA-H. No mximo, quando os
autores citam o que consideram ser dislexia, denem como
extrema diculdade para leitura ou diculdade severa para
leitura. Ora, isso no critrio diagnstico, isso no dene
um diagnstico, muito menos uma doena. Cinco pessoas nas
quais ele disse que fez o diagnstico de dislexia, com idades
variando de 12 a 30 anos. Esse o autor mais citado, todos
falam do Galaburda.
Em sntese, podemos armar que no h a menor evi-
dncia cientca de que existam alteraes na anatomia do
sistema nervoso central que provoquem apenas um compro-
metimento de leitura e escrita ou de comportamento! No hqualquer comprovao de que existam alteraes na anatomia
do SNC que causem dislexia ou TDA-H!!!
Vamos ver agora as alteraes funcionais, que se referem
especicamente neuroimagem, aquela que trouxe a certe-
za de que a dislexia e o TDA-H existem, segundo divulga a
pgina da ABD.
Tambm se diz que a neuroimagem mostraria alteraes
funcionais em diferentes regies do crebro: reas occipital,
temporais, parietais, cerebelo. S falta o corpo caloso!
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Novamente no se trata de que o crebro todo estaria
comprometido; repete-se aqui a mesma coisa que j vimos em
relao aos genes e anatomia: alguns autores dizem que
em uma rea, outros dizem que em outra rea e eles brigam
entre si para saber quem tem o maior prestgio.
Porm, o que a neuroimagem? uma expresso para
se referir a exames de imagem que so usados em todos os
campos da medicina e que recebem esse nome quando apli-cados neurologia. Esses exames so feitos com aparelhos
de imagem extremamente sosticados e que, sem dvida,
trouxeram grandes avanos, embora sejam carssimos e
venham aumentando muito o custo da Medicina em todo o
mundo.
So basicamente trs exames:
Pet (Positron Emission Tomograghy), o que tem a maior
resolutividade e qualidade de imagem e o mais caro. Para
vocs terem uma ideia, o Hospital das Clnicas da Unicamp
est em processo de compra de um aparelho desses.
Spect (Single Photon Emission Computed Tomography)
RMNf (Ressonncia Magntica Nuclear Funcional)
Precisamos entender a lgica desses exames, para que
possamos analisar seus resultados.
Todos funcionam na mesma lgica, a diferena qual a
partcula atmica que eles vo captar, se um prton, um
fton. Para nossa discusso, no h diferena. Eu sei que
determinada clula do corpo, quando est funcionando, capta
ou libera determinada partcula atmica e o aparelho vai
captar isso. So exames capazes de detectar uma atividade
de um grupo de clulas ou de um rgo. Para simplicar,
faam um mix de ressonncia magntica com mapeamento
de tireoide, aquele exame antigo em que a gente dava uma
substncia que era captada pelas clulas da tireoide quandoestavam funcionando.
Eu posso detectar, por exemplo, se a imagem de um osso
uma osteomelite, uma infeco ou se um tumor, porque
a atividade celular diferente. Eu tambm posso fazer exa-
mes que ajuidam muito o diagnstico em neurologia, que
a neuroimagem.
Porm. H um ponto chave. Nesses exames, a inteno
captar a imagem das clulas em funcionamento. No caso
especco da neurologia, particularmente no campo de pro-
cessos mentais, processos cognitivos, necessrio ativar a
rea que se pretende estudar, certo?
Bem, transpondo esse ponto para a nossa discusso,
camos com o seguinte desao: para que o exame detecte
a atividade na rea da leitura, a rea da leitura precisa ser
ativada, seno no vai ativar, no vai se mostrar ao exame.
E como que ela ativada? Pela linguagem escrita! Eu dou
textos para a pessoa ler, eu fao tarefas com linguagem escrita,
eu uso a linguagem escrita. Voltamos questo inicial: como
eu o diferencio de um analfabeto? No existe essa resposta.
Os autores que defendem que esse exame provaria que a
dislexia uma doena neurolgica dizem que aprender muda
o resultado; ora, mas no o contrrio? Ser que isso no
Divulga-se que existam alteraes
anatmicas no corpo caloso, reaoccipital, parietal, temporal e
cerebelo. Mas ento no crebro
inteiro? No, no que todas essas
reas estejam comprometidas, a
mesma coisa que j comentei em
relao s pretensas alteraes
genticas. Um grupo de autoresdiz que as alteraes so plano
temporal; outro diz que no
corpo caloso; outros dizem que
na rea occipital.
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prova que isso no era doena? Se quando eu aprendo muda
o resultado, curou a doena?
A questo : o exame detecta a causa de no saber ler ou
detecta a consequncia no crebro de no saber ler? Porque,
se eu no sei ler, quando me do uma tarefa que usa a lin-
guagem escrita, eu olho um pouco, e depois saudavelmente
desligo e minha ateno diminui; a, a atividade em minha
rea cerebral responsvel pela leitura e escrita diminui, o que muito saudvel, no ? Porque seria um processo obsessivo-
compulsivo car olhando aquilo l sem saber decodicar...
Est claro isso?
Vejam, essa a imagem do Pet, realmente uma ima-
gem bonita, atraente, extremamente sosticada, que avana
muito as possibilidades de diagnstico e de pesquisa em
medicina.
Um detalhe: quando eu estava explicando, eu fui boazinha,
eu dei um texto para vocs lerem no exame, no ? Porm,
no bem assim; o que se pede para ler so pseudopalavras.Pseudopalavra uma palavra que no existe. Portanto, no
vale a gestalt de quando voc sabe ler. Voc precisa ler deco-
dicando letra a letra e juntando para formar slabas, certo?
Algo extremamente difcil para as pessoas que leem muito
bem. Para quem tem diculdade para leitura, quem mal
alfabetizado, ainda mais difcil.
Outra prova usada rima de pseudopalavras. Vocs fazem
isso rotineiramente na vida? Eu nunca rimei pseudopalavra.
Juzo de letras, eu no aprendi isso na escola, eu at faltei
algumas vezes, mas nem tanto, eu no sei se uma letra rima
com outra ou no, um conceito que no algo posto, difun-
dido, no faz parte do aprendido, e mesmo que zesse parte
do aprendido, s valeria para quem aprendeu.
Ento, mais ou menos assim: aplico um exame, para
o qual estabeleo um cdigo secreto e quem no acertar o
cdigo secreto doente. H algo estranho nisso... No assim
que a medicina funciona...
Um pesquisador americano fez o seguinte: ele aplicou o Pet
em americanos bons leitores dando a eles um texto em ingls
para lerem; o resultado do Pet foi normal. As pessoas nem
sequer saram da mquina e ele repetiu o exame, agora dando
um texto em espanhol, que eles no conheciam e o resultado
do Pet foi de dislexia. E a? O que o exame avalia? Ele avalia
a atividade cerebral na rea da leitura quando eu sei ler um
texto que me do. Se no tenho domnio da linguagem escrita,
o exame perde o signicado. Portanto, a neuroimagem noprova que a dislexia existe. No prova absolutamente nada!!
De novo, como eu no quero que acreditem em mim,
mas que exeram o raciocnio crtico, apresento trechos de
artigos escritos por alguns autores, todos conceituados e
reconhecidos pelos que defendem a existencia da dislexia e
do TDA-H.
O primeiro, Ellis, em 1984, escreveu: No podemos de
forma alguma simplesmente dividir a populao entre aque-
les que so dislxicos e aqueles que no o so. Assim, parece
pouco provvel que exista qualquer sintoma ou sinal que irdistinguir quantitativamente dislxicos de no-dislxicos.
Vejam, uma autora em um texto sobre dislexia, defendendo
a existncia da dislexia, reconhece que no temos elementos
precisos para esse diagnstico, e no se est falando de criana
mal-educada, criana agressiva ou criana que no sabe ler,
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estamos falando de uma pretensa doena neurolgica, por-
tanto, temos que exigir critrios precisos e bem denidos.
Posteriormente, Shaywitz, o mesmo da denio ocial-
mente aceita de dislexia, diz: Nossos resultados indicam
que a dislexia no fenmeno tudo ou nada, mas ocorre
em diferentes graus de severidade. Embora as limitaes de
dados tornem necessrios pontos de cortes, os mdicos devem
reconhecer que eles podem no ter validade biolgica. Essetexto de 1992, de uma revista bastante conceituada, a New
England Journal of Medicine. Uma doena neurolgica em
que os pontos de corte podem no ter validade biolgica? Mas
ento que tipo de validade tm? Ideolgica?
Mais recentemente, em 2006, Siegel diz o seguinte: Um
dos grandes problemas que no existe nenhum exame de
sangue especco ou resultado de imagens do crebro que
possa fornecer um diagnstico. Fundamentalmente, o pro-
blema que a leitura medida em um continuum, e no h
nota de corte em um teste de leitura que claramente distin-
ga indivduos dislxicos e no dislxicos. A distino entre
dislexia e leitura normal arbitrria; o ponto de corte varia
de estudo para estudo. Exatamente onde est a linha entre
dislxicos e no dislxicos subjetivo e controverso.
Ora, mas se pretende que seja uma doena neurolgica! E
para ela no h critrios com um mnimo de objetividade?
Cabe a pergunta: existe essa linha que separaria dislxicos
e no dislxicos? Existe a dislexia doena neurolgica? Tudo
indica que no!
Bom, agora entramos ento no terreno do tratamento da
dislexia, que sempre um tratamento longo, caro, sofrido,
multidisciplinar, multiprossional, envolvendo vrios pro-
ssionais. Isso tudo ns j sabemos, o que no se fala muito
que, por trs do tratamento da dislexia e do TDA-H, tem
escondida a indstria farmacutica.Eu sei que dizem que dislexia uma coisa, TDA-H
outra, dislexia no se trata com medicamento, TDA-H que
tratada e estamos aqui discutindo s a dislexia.
Entretanto, na pgina da Associao Internacional deDislexia, que congrega todas as associaes regionais, in-
clusive a Associao Brasileira de Dislexia, h uma seo
de Perguntas e Respostas e l h uma pergunta: TDA-H e
TDA so distrbios de aprendizagem? e a resposta : No,
so distrbios comportamentais. Um indivduo pode ter mais
do que um distrbio de aprendizagem ou comportamental.
Em vrios estudos, 50% dos diagnosticados com distrbio de
leitura e aprendizagem tambm foram diagnosticados com
TDA-H.
Ento, em torno de metade das pessoas que tm o diag-
nstico de dislexia acaba tendo um diagnstico tambm de
TDA-H, embora sejam coisas um pouco diferentes.E temos que perguntar, ento, como feito o diagnstico
de TDA-H? Eu estou colocando aqui, rapidamente em um
corta e cola, o que est na pgina da Associao Brasileira
de Dcit de Ateno, como sendo o principal instrumento
diagnstico de TDA-H, que o questionrio SNAP IV.
Na verdade, ele o nico instrumento, os outros preten-
sos critrios rodam em torno dele, tautologicamente. So 18
perguntas, as primeiras nove falam de ateno e as outras
nove falam de hiperatividade.
Alis, tm orientaes na pgina, do tipo voc pode
imprimir e levar para o pai ou para o professor responder,
e as respostas so bastante, demais, pouco, raramente,assim, bem uido. Com perguntas do tipo: Parece no estar
ouvindo quando se fala diretamente com ele.
Gente, a primeira coisa que eu discuto com meus alunos
de pediatria, quando uma me diz que Eu acho que meu
lho no escuta, pergunta para ela o que ele no escuta,
No Brasil, um dado bastante difcil
de achar e que s garimpado pelo
Idum, que um Instituto de Defesa
dos Usurios de Medicamentos,
o nmero de caixas de Ritalinavendidas nas farmcias. As vendas
das farmcias de manipulao no
esto aqui; entre 2000 e 2008 o
aumento foi de 1.615%.
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se quando ela chama para tomar sorvete ou para arrumar
o quarto.
No h modulao, esse questionrio aplicado a qualquer
idade sem modulao, basta ter seis respostas preenchidas
como bastante ou demais em nove, para ser rotulado.
Perguntas como distrai-se com estmulos externos, tanto
para uma criana de 5 anos, um jovem ou um adulto de 60
anos, o questionrio exatamente o mesmo.Alis, distrair-se com estmulos externos, saudvel, faz parte da vida e ,
inclusive, um elemento de defesa frente a perigos externos.
Ento, essas primeiras nove perguntas fazem o diagnstico
de dcit de ateno.
Depois vocs podem entrar na pgina e olhar com mais
detalhe porque so todas do mesmo teor, de absoluta ausncia
de cienticidade.
As outras nove falam de hiperatividade, com perguntas
do tipo: Responde perguntas de forma precipitada antes de
serem terminadas. Depende... Se for o primeiro aluno daclasse, ele muito inteligente, se o que d problema, ele
hiperativo, tem TDA-H.
Eu devo dizer que eu tenho um xod particular com a de
numero 13: Tem diculdade em brincar ou envolver-se em
atividades de lazer de forma calma?. Gente, o que brincar
de forma calma? Uma criana ou um adolescente? Quem
brinca de forma calma somos ns por limitaes fsicas,
nossas articulaes nos limitam.
Tem outras prolas tambm, tipo a 11: Sai do lugar na
sala de aula ou em situaes em que se espera que que sen-
tado; aqui est posto o problema bsico, que o seguinte:
quem espera que ele que sentado? Quem disse que normaluma criana de 5 anos car sentada na sala de aula? Quem
disse que normal um adolescente car sentado enquanto a
gente espera que ele que sentado? o peso da autoridade de
quem dene o que o outro deve fazer e no o que normal;
importante frisar que aqui estamos falando no do ponto
de vista da Educao, mas do ponto de vista biolgico, pois
o que est em discusso se existem doenas neurolgicas
que comprometeriam exclusivamente a aprendizagem e o
comportamento.
Bom, desse modo o que se tem feito apenas pretenso
diagnstico, pois na verdade trata-se de rtulos, de estigmas.
Ento, eu quero voltar questo do tratamento e lembrar
que a questo da indstria farmacutica e suas relaes com
a sociedade tm sido muito divulgadas, constantemente saem
reportagens na mdia.
Tem um site americano (www.methylphenidate.net) que
foi construdo e at hoje mantido por familiares de crianas
e adolescentes que morreram pelo uso do metilfenidato, droga
produzida no Brasil por 2 grandes laboratrios, e que a prin-
cipal droga ainda usada para TDA-H nos Estados Unidos. L
h um relatrio do DEA (Drug Enforcement Administration),
do US Departament of Justice, de 1995; todo o relatrio versa
sobre as relaes promscuas entre as indstrias farmacuti-
cas produtoras do Metilfenidato e entidades de prossionais
e familiares envolvidos com TDA-H. A principal entidade aChadd, que a sigla para Children with hiperactivity and
attention decit disorders: no perodo de 1991 a 1994, quando
ainda as coisas se mediam em milhares de dlares, a Chadd
recebeu 748 mil dlares de uma das indstrias.
No temos esse tipo de dado no Brasil, infelizmente no
temos acesso, s temos acesso a dados indiretos, como a re-
portagem que saiu na ltima Veja, em que 11% dos mdicos
paulistanos reconhecem j terem recebido brindes valiosos
de indstrias farmacuticas.
Um outro indicador indireto, a prpria pgina da As-
sociao Brasileira de Dcit de Ateno. Trata-se de uma
entidade de familiares que defendem os direitos das crianase adolescentes com TDA-H. Na pgina principal, h um link
que convida a pessoa a conhecer as empresas parceiras,
produtoras do Metilfenidato.
Bem, vejamos rapidamente alguns dados numricos, como
a evoluo do nmero de diagnsticos de TDA-H nos EUA, de
500 mil para 7 milhes em apenas 14 anos, de 1985 a 1999.
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Em 2007, o nmero de pessoas medicadas com a droga de
referncia do Metilfenidato - vejam que estou falando somente
da apresentao de referncia, h ainda a apresentao de
outra indstria e as frmulas manipuladas, sendo que nos
Estados Unidos tambm usam a dextro-anfetamina e outras
substncias - seis milhes de pessoas nos EUA, em 2007,
tomando essa apresentao de referncia. Sendo, como erade se esperar, a imensa maioria crianas e a imensa maioria
das crianas, lgico, meninos, porque sempre que o problema
de comportamento, os meninos so maioria.
No Brasil, um dado bastante difcil de achar e que s
garimpado pelo Idum, que um Instituto de Defesa dos
Usurios de Medicamentos, o nmero de caixas de Metil-
fenidato vendidas nas farmcias. As vendas das farmcias de
manipulao no esto aqui; entre 2000 e 2008 o aumento
foi de 1.615%.
Qual o mecanismo de ao do Metilfenidato? Exata-
mente o mesmo que o da anfetamina e cocana: aumenta aconcentrao de dopamina nas sinapses.
Quando aumenta a concentrao de dopamina, que,
lembrem-se, um dos neurotransmissores do prazer, a
sensibilidade a todos os prazeres da vida que liberam um
pouquinho de dopamina diminui bastante e, por isso, vai-se
em busca de mais e mais estmulos que deem o prazer que
s a droga capaz de fazer.
Discute-se qual a consequncia para a anatomia do
sistema nervoso central em crianas com esse aumento
absurdo de dopamina. Existem dados de que, quando se
retira o Metilfenidato em adultos, aumenta a incidncia de
drogadio s cocanas.
Outro dado, que pouco falado, que nas clnicas de
tratamento de drogadio - esqueam dislexia e TDA-H -,
entre os jovens em tratamento de drogadio no mundotodo,30 a 50% relatam que comearam a sua drogadio usando
Metilfenidato e indagam: Mas vocs no diziam que era
seguro? No um remdio prescrito por mdicos e que se
diz ser seguro?.
Quais
so as reaes adversas desse remdio pretensamente seguro?
S no sistema nervoso tem essas, as mais frequentes, no so
todas. Tudo o que est com um asterisco porque, segundo
a bula do Metilfenidato, acomete de 1% a 10% das pessoas;
dois asteriscos atinge 10%.
Um remdio para tratar crianas e adolescentes que
apresentam apenas problemas de comportamento e apren-
dizagem, com esses efeitos e nessa incidncia? Com certezao remdio muito pior do que a pretensa doena.
Vejam que ele provoca coisas que deveria estar tratando:
10% tm irritabilidade, tontura, cefalia e, um efeito bastante
importante o zumbi-like, que consiste em agir como um
zumbi, car contido, amarrado em si mesmo.
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Nos outros sistemas, as reaes adversas so to impor-
tantes quanto no sistema nervoso, e no por acaso... Vejam:
arritmia, taquicardia, palpitao e hipertenso, de 1% a 10%
das crianas e adolescentes, crianas que no tinham pro-
blemas cardacos.
No por acaso que a Associao Americana de Cardio-
logia preconiza que, antes de dar Metilfenidato, seja feita
uma avaliao cardiolgica nas crianas e adolescentes, oque no acontece.
NA buLA DO METILENIDATO METILFENIDATO pode causar tontura e sonolncia. Aconselha-se tomar os devidos cuidados ao dirigir, operar mquinas ou
envolver-se em outras atividades de risco.
Os pacientes agitados, tensos ou ansiosos no devem sertratados com METILFENIDATO. O produto no deve ser utilizado em crianas menores de 6anos de idade.
O abuso de METILFENIDATO pode levar tolernciaacentuada e dependncia. Devem ser feitos exames de sangue peridicos durante ostratamentos prolongados.
Na bula do Metilfenidato, alguns alertas, inclusive um
interessante: que no deve ser usado em paciente agitado,
tenso e ansioso. Mas o remdio no foi dado para isso? E
nem em crianas menores de seis anos. A recomendao de
exames de sangue peridicos tem uma explicao bastante
simples: a droga pode provoca uma queda, muitas vezes irre-
versvel, de todas as clulas do sangue, hemcias, leuccitos
e plaquetas. Ento, precisa controlar. Os exames peridicos
tambm devem avaliar as funes hepticas, pois a droga pode
alterar o funcionamento de clulas hepticas, e se a droga
no for suspensa pode levar a coma heptico. somente poresses probleminhas que precisa fazer exames de sangue
peridicos. A bula avisa que precisa fazer, s no explica o
porqu; e os controles no so feitos e tudo contiinua como
se nada de grave houvesse...
Por que esta discusso toda aqui na Cmara de Vereadores
de So Paulo? O que ns estamos discutindo? Fundamental-
mente, o que est em jogo so os direitos da criana e do ado-
lescente, algo que foi construdo e conquistado pela sociedade
brasileira ao longo de dcadas, com muito sofrimento e muita
morte para a gente poder chegar ao Estatuto da Criana e do
Adolescente ECA. E que coloca que a criana e o adolescente
tm alguns direitos inalienveis.O primeiro deles o direito vida, que implica inclusive
no direito de no tomar um remdio que pode matar, por
exemplo. O direito liberdade, respeito e dignidade.
O direito sade. No ECA est escrito: Ateno integral
sade pelo SUS, que outra conquista da sociedade bra-
sileira. Um dos princpios fundamentais do SUS que todo
atendimento sade deve ser feito na rede de sade, evitando
duplicao e desperdcio de recursos humanos e materiais.
Lgico que falta recurso, ainda falta gente, mas o SUS est
fazendo e tem que assumir mais.
Direito educao de qualidade para todos. Esta a nossaluta. O direito de toda criana e todo adolescente a aprender,
ao acesso a uma educao de qualidade, publica, gratuita e
socialmente referenciada.
Entretanto, o que estamos vivendo hoje uma luta decla-
rada contra o ECA, em todos os sentidos: precisamos acabar
com o ECA, o ECA d liberdade ao infrator... Enm, todo um
discurso que eu no vou repetir.
Estamos assitindo ao surgimento de outro discurso que
tambm destri o ECA, que colocar como direito isso que
est a.
Vejam, uma absoluta e absurda inverso do que direitoe da nossa construo histrica na sociedade brasileira, da
nossa conquista. Colocar que a criana tem o direito a um
diagnstico e um tratamento dentro da escola de uma doen-
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Discute-se qual a consequncia
para a anatomia do sistema
nervoso central em crianas
com esse aumento absurdo de
dopamina. Existem dados de que,
quando se retira a Ritalina emadultos, aumenta a incidncia de
drogadio s cocanas.
a que nem sequer foi comprovada. Mas, vamos admitir que
fosse, por que dentro da escola? E por que triar todo mundo
se isso no feito, por exemplo, nem para a acuidade visual?
Por qu?
Direito? No direito. Direito a um diagnstico que me
torna doente e incapaz? Porque isso, sim. Ao ser diagnosti-
cado como portador de dislexia e TDA-H, est posto que no
sou capaz de aprender, e que eu preciso ter acesso a outrascoisas, como no poder ser reprovado. Direito a um trata-
mento que me contm quimicamente e que pode me levar a
uma drogadio.
Gente, eu no quero que o meu lho tenha o direito de
no ser reprovado, eu quero que ele tenha o direito de apren-
der, este o direito que defendo para todos, por isto que eu
luto, pelo direito a uma educao pblica de qualidade para
todos.
Esse o direito que temos que defender, que as crianas
possam aprender e que a escola seja capaz de identicar como
so as crianas, quais os processos cognitivos que elas usam
para aprender. Que a escola e as professoras sejam capazes
de avaliar as possibilidades e as necessidades de cada criana,
acolher e ajud-las a superar os seus prprios limites.
Isto o direito que cada um de ns deve ter; este o direito
que temos que defender.
Todos ns temos que estar sempre fazendo opes em
nossas vidas.
Neste momento, nos defrontamos com mais uma, fun-
damental: ou nos deixamos ser cooptados (pois no somos
cooptados, nos deixamos cooptar) ou camos do lado da vida,
do lado das crianas.
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Adriana Marcondes MachadoPsicloga do Servio de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da
Universidade de So Paulo.
Crianas com diculdades na leitura e na escrita: de quem
falamos? A discusso que pretendo apresentar se baseia em
minhas experincias como psicloga do Servio de Psicologia
Escolar do Instituto de Psicologia da USP1.
Psiclogos, psicopedagogos e mdicos tm recebido crian-
as e jovens encaminhados pelas escolas por terem problemas
de comportamento e de aprendizagem. No falaremos aqui
das histrias de crianas e jovens com transtornos globais do
desenvolvimento que esto passando por intensa situao de
sofrimento psquico. Tambm no focaremos a necessidade de
atendimentos especializados fonoaudiologia, psicoterapia,
consultas de vrias ordens , que devem ser exercidas pela
Sade, rea que tambm precisa de nossa luta para imple-
mentar muitas aes.
Nosso foco sero as crianas que apresentam diculdadesem seu processo de aquisio da leitura e da escrita, sendo
que isso surpreende a pais e educadores, que reconhecem,
nessas mesmas crianas, muitas capacidades para aprender.
Precisamos pensar: como a escola e a psicologia se inserem
nessa produo?
Parece estranho e mesmo. Somos psiclogos, agentes da
Sade, contra a existncia de prossionais da Sade alocados
nas escolas. Existem prticas escolares e prticas psicolgi-
cas (entendemos a psicopedagogia como campo de atuao
1 Trabalho como psicloga em um servio pblico (Servio de Psicologia
Escolar) na Universidade de So Paulo, desde 1985. Ns, psiclogosdesse servio, atendemos escolas pblicas e outros equipamentos
educativos pblicos. Nesses trabalhos surge, muitas vezes, a demanda
de atendimento a crianas e jovens. Trabalhamos com os educadores
e com os alunos que esto em uma situao na qual a aprendizagem
e a vida escolar esto comprometidas. Realizamos este trabalho tendo
como concepo que a construo dessa demanda, desse tipo de en-
caminhamento, se constitui nas relaes (nas prticas e nos saberes)
institucionais, isto , essa demanda nos mostra como a escola funciona
e, tambm, fala de ns, psiclogos.
Medicalizao e escolarizao:por que as crianas no
aprendem a ler e escrever?
de psiclogos e de pedagogos) que produzem efeitos adoe-
cedores. Que mal fazemos? Para responder a essa questo,
precisamos discutir duas coisas. Primeiro, que prticas esto
presentes na produo de diculdades na aquisio da leitura
e da escrita? Segundo, quais os perigos no trabalho em relao
s crianas que apresentam essas diculdades?
Talvez uma palavra nos ajude a pensar nisso tudo: sinto-
ma. O sintoma nos alerta para algo que est presente nele,
mas no apenas dele. Por exemplo, sabemos da relao
entre certas produes subjetivas, certos efeitos subjetivos,
e as prticas contemporneas: jovens com diculdades em
relacionamentos pessoais e com vida na qual a comunicao
se d basicamente pela Internet; pessoas com diculdades
para dormir em tempos nos quais as horas acordadas tm sido
muito tensas e aceleradas; pessoas que se sentem incapazesaps sofrerem situaes de humilhao. Falamos de sintomas
sociais e sintomas corporais.
Sabemos que nos tornamos certos tipos de pessoas (certas
formas de ser e viver) conforme as relaes e experincias
que vivemos. Essas experincias e relaes vo se produzindo
juntamente com os sujeitos que vo se constituindo, isto ,
mudamos as prticas, mudamos tambm as produes sub-
jetivas. Por exemplo: h 50 anos, crianas com sndrome de
Down no eram tidas como pessoas que poderiam aprender
a ler e a escrever, mas algum ousou ensinar essas crianas
e hoje elas lem, escrevem, aprendem, esto circulando pelas
escolas regulares.Essas colocaes visam intensicar a seguinte discusso:
estamos produzindo sintomas perigosos, estamos produzindo
sujeitos que nos mostram que se tornou necessrio, em nossa
sociedade, ser doente. Ao fazermos certas escolhas, fortalecemos
a produo desses sintomas, desses problemas, se entendermos
que so eles que precisam de interveno e, assim, no agirmos
naquilo que os fez serem dessa forma (a forma doente). Poder-
amos entender a dislexia como um sintoma social.
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Explicarei essa situao sobre o perigo de se intensicar
a produo dos sintomas entrando um pouco na vida escolar.
Temos, em So Paulo, muitas escolas com crianas ainda no
alfabetizadas nas quartas sries do Ensino Fundamental I,
alunos que freqentam a escola h quatro anos, sendo que
muitos deles cursaram a Educao Infantil. Esses alunos
so efeitos do projeto educacional que defende a progresso
continuada. Esse projeto defende que a aprendizagem sed de maneira contnua. As crianas vo passando de srie
escolar mesmo sem estarem alfabetizadas, embora as con-
dies da escola, para alfabetiz-las em sries avanadas,
sejam restritas.
Talvez muitas dessas crianas sejam aquelas que h algum
tempo cariam muitos anos na primeira srie, at desistirem
da escola. Seriam os alunos repetentes e os alunos evadidos.
Da forma como as coisas esto, essa poltica acelera o uxo
de alunos de uma srie para outra, mesmo sem se atingir um
nvel de aprendizagem satisfatrio. Devido a esse problema
(tantos alunos no alfabetizados nas quartas sries) inven-
tou-se um projeto em So Paulo denominado PIC, Projeto
de Intensicao de Ciclo, uma quarta srie para crianas
que no foram alfabetizadas. A maioria delas consegue ser
alfabetizada na sala PIC. As diferenas entre essa sala e as
outras so o nmero de alunos e a proposta pedaggica. Ve-
jam bem, muitos alunos so alfabetizados depois de quatro
anos de escola e, depois disso, estando recm-alfabetizados,
freqentaro o Ensino Fundamental II, a quinta srie, com
cerca de nove professores e dez disciplinas. Muitas dessas
crianas, animadas por terem aprendido em uma quarta srie
o que nunca haviam aprendido em vrios anos, mal sabem
que isso no ser suciente para serem consideradas capa-
zes em uma quinta srie. O projeto PIC, assim como tantos
outros j criados na rede de ensino, por exemplo, as Classesde Acelerao, nos mostra que: primeiro, a maioria dessas
crianas teria condies de aprender aquilo que no pde
ser aprendido antes; segundo, rapidamente ocorre a natura-
lizao das questes, sendo possvel ouvir pelos corredores:
Adriana, essa criana de primeira srie talvez venha a ser
um aluno PIC porque no est aprendendo a ler e a escrever
conforme o que se espera na srie, embora entenda as coisas
que digo, participe das conversas, faa perguntas adequadas.
Portanto, nos falam de crianas que so inteligentes, mas que
no esto aprendendo as coisas da escola.Como queramos exemplicar, esses projetos no in-
tervm na produo do fracasso escolar instaurado desde
a primeira at a quarta srie. Apenas aliviam sintomas e,
mesmo assim, muito mal aliviados, pois, com grande luta
dos professores, muitas dessas crianas sero alfabetizadas,
mas, como dissemos, no aprendero o que ser necessrio
para cursar uma quinta srie.
Ento podemos armar que a maioria das crianas com
problemas de aprendizagem na leitura e na escrita efeito do
que ocorre na relao entre o funcionamento dessas crianas
(as formas de aprender) e o que oferecido a elas: problemas
do ensino que interferem na aprendizagem.
Quando vamos s escolas realizar discusses com as
professoras sobre as diculdades que surgem no dia-a-dia do
seu trabalho comum participarmos um pouco de algumas
aulas para depois podermos conversar com essas professoras.
Assim, vamos conhecendo situaes de vida muito sofridas.
Muitos professores ressaltam que no podem contar com o
apoio familiar para as algumas prticas escolares, como as
lies de casa. Outro dia, uma professora nos contou: Foi
muito bom ter ido visitar a famlia desse aluno. Depois disso,
mudei a forma de pedir as lies de casa, pois sempre imagi-
nava poder haver um momento de tranqilidade na vida dessa
criana no qual ela poderia fazer as lies e ler, mas percebi
que a rotina no assim, muita gente mora na mesma casa,no h espao, sempre muito barulho. Essa criana precisa
se esforar muito para conseguir fazer lio de casa, no
m vontade dela quando isso no possvel.
Na estrutura do cotidiano escolar, tambm h problemas
de espao e tempo: 35 alunos com 6 anos de idade no primeiro
ano, sendo algumas crianas com necessidades educacionais
especiais que requerem cuidados de toda ordem (fsicos
tambm) e apenas um professor por sala, um coordenador
por perodo, para atender 700 alunos. Muitos imprevistos, aci-
dentes, questes educacionais a serem agidas, conversas com
familiares e falta de tempo para as discusses pedaggicas.
Nas reunies de professores muito difcil se debruar sobreuma histria, levantar hipteses, avaliar as aes. Muitos pro-
fessores trabalham em duas escolas ou tm contratos que no
prevem a participao nas reunies de professores.
Jenifer, 7 anos, est com muita diculdade na leitura e
na escrita, entende bem as coisas verbalmente, discute os
contedos, mas, para progredir na aquisio da leitura e da
escrita, precisa, segundo a professora, ser acompanhada indi-
vidualmente. Assim, ela aprende. Mas o que preocupa a todos
Ento podemos armar que
a maioria das crianas com
problemas de aprendizagem na
leitura e na escrita efeito do
que ocorre na relao entre o
funcionamento dessas crianas(as formas de aprender) e o que
oferecido a elas: problemas
do ensino que interferem na
aprendizagem.
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que Jenifer tem cado cada vez mais alheia. A professora
nos conta que ela ca o tempo todo se dedicando a copiar o
cabealho. A cpia serve para camuar, dando a impresso
de que isso seria o suciente para ambos, professor e aluno.
A professora reconhece que suas diculdades esto nessa
passagem do pensamento para a escrita e Jenifer est cada
vez mais desanimada, sente-se burra, ca com vergonha.
Ela participa de uma primeira srie. Um dia, as crianas dessasala estavam lendo uma lista, escrita na lousa, com nomes de
animais. Muitas estavam animadamente tentando descobri-
los ao reconhecer a letras iniciais dos nomes. Jenifer nem
olhava para a lousa, cava rasurando algo em seu caderno. A
professora tentava anim-la para a atividade, mas sem efeitos.
Jenifer precisa de algo j, de um tempo e de um espao nos
quais possa exercitar, aprender, entrar em contato com esses
desaos de modo a poder agir neles.
A professora se props a ensin-la durante as aulas de
Educao Fsica. Jenifer aceitou, embora insatisfeita por
perder a aula de educao fsica. Entusiasma-se quando est
nesses momentos com sua professora, aprendeu a ler, gosta de
mostrar sua produo a outros professores. Tudo isso ocorreu
no ms de maio de 2009. Em junho, houve a contratao de
professores que haviam passado no concurso no ano ante-
rior, a professora de Jenifer no era efetiva, saiu ento dessa
escola. Primeiro dia de aula com a nova professora: Jenifer
est l, sentada em uma cadeira, com vergonha das perguntas
que esto sendo formuladas pela nova professora para que
esta consiga avaliar em que estgio da leitura e da escrita as
crianas esto.
Mais um exemplo: Tiago no faz as lies, nem na classe,
nem em casa, e a professora pergunta: Voc promete que
far?. Ele responde: Prometo. E no faz. Brigas, conversas:
Voc promete? Prometo e ele no faz.Est na segunda srie e no l, parece escapar de tudo e
de todos, se liga em futebol, videogame e aulas de computa-
dor, mas diferente de Jenifer, est sem aliados na escola,
as professoras esto cansadas e insatisfeitas com uma forma
agressiva de ele agir. Uma das possibilidades seria que ele
pudesse participar da SAP, Sala de Apoio, cujo trabalho
realizado no perodo contrrio ao da sala regular. Durante
a manh, ele iria classe regular; durante a tarde, iria ter
aula de apoio. Mas ocorre que no h vagas, pois a escola
precisou priorizar os alunos de quinta a oitava sries que
esto com grandes diculdades na leitura e na escrita, para
participarem da SAP. E so muitos. O tempo vai passando esabemos que a cada dia as diculdades em relao escrita e
leitura se somam a efeitos no que chamamos de processos
de subjetivao, na maneira de viver e sentir. Tiago sente que
no serve para as coisas da escola, valoriza a malandragem,
mente, sempre fala que j fez as coisas, esconde a diculdade
como quem esconde um defeito, no se sente no direito de
aprender e nem no direto de ser quem no aprendeu.
Essas crianas que apresentam diculdades na leitura
e na escrita revelam, em sua maioria, um funcionamento
das escolas nas quais as diferenas se tornam desigualda-
des. Podemos dizer que existem crianas que apresentaram
diculdades desde o incio de sua escolarizao, podemos
dizer que muitas delas foram apresentando suas diculdades
conforme as necessidades no foram sendo sanadas.
Muitas dessas crianas recebem o diagnstico de disle-
xia por parte de um prossional da Sade ou da Educao
e vivem o seguinte: parece que as hipteses de preguia, m
vontade, falta de esforo, falta de motivao so nalmentealteradas quando recebem esses diagnsticos. como se fosse
rompida uma maneira de se relacionar com o funcionamento
dessa criana, outra forma se estabelece: passa-se a armar
que essas crianas esto precisando de ajuda, pois tm um
problema. Seus professores procuram, ento, outras formas
de ensin-las. um alvio quando param de serem tratadas
como pessoas preguiosas e com atitudes inadequadas.
Outras crianas, entretanto, com esses diagnsticos rece-
bem o golpe fatal. A sensao de que no h condies de
aprenderem se no tiverem um prossional especializado, se
no tiverem um tratamento. Nessas situaes, os professores
entendem que uma criana com necessidades diferenciadasno poder ser bem atendida em um sistema educacional que
no tem dado conta de ensinar mesmo aqueles que apresen-
tam facilidades para os aprendizados de leitura e escrita.
Mas com ou sem diagnstico, quando essas crianas das
quais falamos passam a ter tempos e espaos para aprender,
com aulas diferenciadas, estratgias que retomem o processo
de ensino e aprendizagem, tempo para pensar e tempo para
exercitar, ela aprendem. Muitos professores da rede pblica
Essas crianas que apresentam
diculdades na leitura e na escrita
revelam, em sua maioria, um
funcionamento das escolas nas
quais as diferenas se tornamdesigualdades. Podemos dizer que
existem crianas que apresentaram
diculdades desde o incio de sua
escolarizao, podemos dizer que
muitas delas foram apresentando
suas diculdades conforme as
necessidades no foram sendo
sanadas.
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comprometem o tempo de preparao de aula para ensinarem
esses alunos. Como a professora de Andr nos disse: Eu no
sei muito bem o que acontece com ele, eu no sei bem como
se cruzam as questes cognitivas com as questes emocionais,
mas eu sei muito bem do que ele precisa para aprender.
No falta de saber do professor, a professora de Andr
inventou algumas estratgias para ele exercitar interpretao
de textos. Ela lia uma histria, ele recontava o que ela havialido, ele lia, ela recontava; discutiam sobre frases com dife-
rentes sentidos, conforme o lugar da vrgula; trabalhavam
no computador com jogos para exercitar a ortograa. Ela
percebeu que ele, pela primeira vez, com tudo isso, passou a
aprender o que ela ensinava. Mas para ele se tornar aquele
que aprendia, ele precisava, primeiro, por mais estranho que
isso possa parecer, aprender. Como explicar uma ao que
precisa, para poder ocorrer, dela mesma? Talvez tenha faci-
litado esse trabalho o fato de ele ter sido realizado longe dos
outros alunos da sala de aula em relao aos quais An
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