curso ensino religioso psicologia
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Curso ENSINO RELIGIOSO
Disciplina
PSICOLOGIA
Curso ENSINO RELIGIOSO
Disciplina
PSICOLOGIA
Henrique PEREIRA Hildeberto MARTINS
www.avm.edu.br
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Eu me chamo HENRIQUE PEREIRA, sou psicólogo clínico, atuando
no Rio de Janeiro e em Niterói. Obtive o título de doutor
em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Em minha tese de doutorado, examinei a psicologia
analítica de Jung segundo a perspectiva sociológica da teoria do
ator-rede de Bruno Latour. Organizo e ministro cursos de
extensão em psicologia junguiana e pós-junguiana. Atualmente,
leciono nas universidades Candido Mendes e Estácio de Sá, e no
Centro Universitário de Maringá.
HILDEBERTO MARTINS é psicólogo, bacharel e licenciado em
Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ);
mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da
UERJ; professor substituto da Universidade Federal Fluminense
(UFF), no biênio 2002/2004 e da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ), campus São Gonçalo - Formação de
Professores em 2003; professor da Universidade Estácio de Sá
(UNESA); doutorando em Psicologia Social pela Universidade de
São Paulo (USP).
Su
mário
07 Apresentação
09 Aula 1
Um pouco de história da psicologia:
as origens do fenômeno psicológico
29 Aula 2
A psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos.
41 Aula 3
As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica
61 Aula 4
Teorias psicológicas:
comportamentalismo
79
Aula 5
Jung e a psicologia da religião
107 AV1
Estudo dirigido da disciplina
110 AV2
Trabalho acadêmico de aprofundamento
111 Referências bibliográficas
Psicologia
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Este caderno apresenta as discussões mais relevantes sobre a
psicologia a partir da história da ciência psicológica, passando,
então, para os alcances e limites do campo psicológico para a
explicação da realidade e seus possíveis efeitos práticos na vida
do indivíduo moderno.
Discute as bases científicas das principais teorias psicológicas e as
suas explicações do ser humano a partir de determinados níveis
de análise, e como elas explicam as ações humanas, usando como
referencial teórico o Estruturalismo e o Funcionalismo. Discute as
seguintes teorias: o Comportamentalismo (Behaviorismo), a
Psicanálise e a Psicologia Sócio-Histórica.
Apresenta as principais ideias do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung
e discute aspectos relacionados à religião a partir do ponto de
vista deste autor. Por fim, são discutidas as religiões e a
religiosidade no mundo contemporâneo, dando especial atenção
aos conflitos e às divergências próprias da diversidade da era
moderna.
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Este caderno de estudos tem como objetivos:
Conhecer um pouco das origens históricas da Psicologia
enquanto saber filosófico e modelo científico, e o surgimento da
Psicologia no Brasil;
Saber quais são os possíveis papéis e modos de intervenção do
trabalho e do conhecimento psicológico para a compreensão
daquilo que chamamos “natureza humana”;
Conhecer as diferentes teorias psicológicas sobre a questão da
subjetividade humana (consciência), apresentando a biografia
e os principais conceitos elaborados por psicólogos
preocupados em conhecer a dinâmica da natureza humana;
Compreender e reconhecer as diferenças teóricas e
metodológicas entre as principais teorias psicológicas de ontem
e de hoje para poder utilizar este conhecimento no campo da
Teologia;
Apresentar a influência da religião na obra de Jung tendo como
pano de fundo sua história pessoal e sua compreensão acerca
da psique, além de discutir as religiões no mundo
contemporâneo que tem consequências na forma de vida em
sociedade e afeta as relações sociais e políticas.
Um Pouco de História da Psicologia: as Origens do Fenômeno
Psicológico
Hildeberto Martins
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Nesta aula trataremos da história da Psicologia enquanto saber
filosófico e modelo científico. Tomando como “ponto de origem” os
trabalhos de pensadores gregos, discutiremos as origens
históricas desse campo, já que a própria raiz etimológica da
palavra (seu significado) é derivada da Grécia Antiga. Veremos
ainda o desenvolvimento e a delimitação desse campo a partir do
surgimento da ciência moderna, que surge em decorrência dos
trabalhos de Galileu Galilei, Isaac Newton e René Descartes, entre
outros. Discutiremos a passagem na história da humanidade de
uma visão teocêntrica sobre o funcionamento do Universo para
uma visão mecanicista sobre este mesmo funcionamento universal
e como isso acarretou mudanças sociais, políticas, psicológicas e
científicas em toda a sociedade ocidental moderna. Finalizaremos
com uma discussão sobre os alcances e limites do campo
psicológico para a explicação da realidade e seus possíveis efeitos
práticos para a vida do indivíduo moderno. Tenha uma boa aula!
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Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja
capaz de:
Conhecer um pouco das origens históricas da Psicologia
enquanto saber filosófico e modelo científico;
Compreender o surgimento da Psicologia enquanto ciência
autônoma;
Discutir o surgimento da Psicologia no Brasil;
Perceber as principais contribuições da Psicologia para a
compreensão do indivíduo moderno;
Saber quais são os possíveis papéis e modos de intervenção do
trabalho e do conhecimento psicológico para a compreensão
daquilo que chamamos “natureza humana”.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 10
A Psicologia e seus antecedentes
históricos: origens históricas e campos de
aplicação.
A psicologia é um conceito resultante da
articulação de duas palavras: psyché e logos. As duas
expressões, derivadas da língua grega, possibilitam que
psicologia possa ser comumente definida como estudo
da mente ou da alma. Porém, mais recentemente,
alguns autores emprestaram a essa palavra um
significado mais próximo dos avanços alcançados pela
ciência moderna, definindo a psicologia como estudo do
comportamento e dos processos mentais. Essa última
definição permite uma articulação entre os aspectos
físicos (comportamento) e os aspectos mentais
(definindo o cérebro como sua principal sede) em uma
única e abrangente definição do objeto do campo
psicológico. Essa nova definição atende aos propósitos
de compreender o homem como o resultado dos mais
variados fatores (biológicos e psicológicos), questão
bastante atual dentro do campo das ciências
denominadas humanas e das chamadas neurociências.
Outro termo que define a psicologia e o seu objeto é o
conceito de consciência (por isso é que para alguns
psicólogos a psicologia se define como uma ciência da
consciência, e que isto será o seu principal ponto de
diferenciação em relação à psicanálise). A consciência
será tomada como a “dimensão subjetiva da atividade
psíquica”, ou seja, a capacidade que cada indivíduo tem
de “entrar em contato com a realidade, perceber e
conhecer os seus objetos” (Dalgalarrondo, 2000: 63).
Dica do professor
Psyché: O seu significado está relacionado a sopro vital, respiração, alma, ser vivo e, consequentemente, às faculdades da alma, tais como: sentimento, desejo, apetite.
Dica do professor
Logos: Possui vários significados, como ciência, tratado, palavra, porém o mais utilizado por nós é no sentido de estudo.
Segundo Dalgalarrondo, a ideia de consciência teria
pelo menos três definições diferentes:
A definição neuropsicológica: toma a
consciência no sentido de estado vigil, o estado
de estar desperto, acordado, lúcido;
A definição psicológica: a soma total das
experiências conscientes do indivíduo em um determinado momento, sua dimensão subjetiva;
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 11
Além desses usos, o termo psicologia é
apropriado para uma maneira bastante variada,
produzindo sentidos diversos através de seus usos
comuns e cotidianos. Todo mundo tem um certo
conhecimento acerca do que é psicologia, mesmo que
esse conhecimento não se confunda objetivamente com
o que chamamos ciência psicológica. Hoje em dia é
bastante comum o uso do termo psicologia ou
psicológico em vários campos da atividade humana.
Ouvimos pessoas dizendo a todo instante que alguém
usou de “psicologia” para falar com seus jogadores,
alunos ou empregados, e até mesmo para conquistar
um(a) parceiro(a).
Esse tipo de “psicologia” não é a mesma que
abordaremos neste caderno de estudo, já que esta é
usada no cotidiano e a definimos como psicologia do
senso comum, ou seja, uma psicologia que não está
calcada em um embasamento científico. Ela é
resultante dos hábitos dos costumes de um
determinado grupo social. As pessoas o usam para
construir explicações plausíveis sobre os problemas do
dia a dia a partir de um ponto de vista considerado
psicológico (Bock, 2001). Essa é uma maneira de
produzir conhecimento acerca da realidade que nos
cerca, e que é uma forma diferente de apropriação da
mesma. Esse tipo de conhecimento diverge daquele
conseguido pelo uso dos métodos construídos pelo
conhecimento científico.
Esse conhecimento acumulado ao longo do
desenvolvimento da nossa humanidade ocidental
permitiu um certo domínio da realidade e nos
possibilitou a construção de “teorias” acerca do homem
A definição ético-filosófica: toma a consciência
como a capacidade de tomar ciência dos deveres
éticos e assumir as responsabilidades, os direitos e
os deveres concernentes a essa ética.
:: Psicologia do senso comum:
É uma maneira de compreender os fenômenos psicológicos que não estão calcados em um embasamento científico.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 12
e do mundo. Desse movimento surgiram especulações
capazes de descrever e determinar as forças e as
características inerentes a certas substâncias materiais
e imateriais (corpos humanos e celestes). A partir daí
surgiram os modelos filosóficos e religiosos, cujo
propósito seria tentar explicar as causas últimas dos
fenômenos humanos e naturais.
A psicologia, contudo, que fique claro, não é um
corpo de conhecimentos unificado e nem é uma ciência
exata. Seus campos de aplicação são inúmeros e,
geralmente, seus teóricos não possuem um consenso
sobre os principais pontos de discussão da psicologia, o
que nos coloca diante de respostas variadas sobre o
mesmo fenômeno psíquico. Além disso, existem vários
fenômenos que ainda não são totalmente
compreendidos pelos psicólogos ou pela ciência, alguns
deles considerados como propriamente do campo da
parapsicologia (como a telepatia, a clarividência). Por
estes motivos, existe uma grande discussão, pelo
menos para alguns, em torno do estatuto de
cientificidade da psicologia.
A psicologia enquanto saber acerca da natureza
humana surge inicialmente nos movimentos filosóficos
gregos, que estudavam, entre outras coisas, a alma
humana como forma do corpo vivo, mas também como
substância separada da matéria, ou seja, a alma faz
parte do ser (vivo), mas é um ser à parte. Para esses
autores, existem formas do ser (potências ou
possibilidades) que se apresentam de modos diferentes
(substâncias), cabendo ao filósofo entender as variadas
maneiras de reação dessas misturas. Eles acreditavam
que essa era uma questão do campo da física e não da
religião. Alguns autores discutiram a sua
transcendência, ou seja, a sua existência para além da
finitude do corpo humano (diferenças de propriedades).
Pensadores gregos como Sócrates (468-399 a.C.),
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 13
Platão (429-347 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.) e
Parmênides (510-470 a.C.) discutiram questões
referentes ao que eles denominavam alma. Contudo,
mesmo que as suas ideias de alma sejam totalmente
diferentes das concepções mais modernas desse
conceito ainda estamos bastante próximos e somos
herdeiros do pensamento grego.
No mundo ocidental, mais precisamente até o
século XVI, o que define o modo de funcionamento da
realidade individual e social será o Paradigma
Teocêntrico. Esse paradigma permitiu à Igreja definir
e controlar o modo de investigar a realidade e,
consequentemente, a maneira de se produzir
conhecimento em um determinado período da história
da humanidade.
No final do século XVI, houve o surgimento do
que viria a ser denominado como Paradigma
Mecanicista. Com o surgimento de um modelo
mecanicista, há a construção de uma nova noção de
mundo. O mundo moderno é pensado à imagem e
semelhança de uma máquina, já que esse mesmo
mundo passa a ser controlado pelas regras mecânicas e
objetivas das leis da física (como a física newtoniana),
que se torna o novo credo de uma nova religião: a
ciência moderna. Deus passa a ser pensado como um
grande relojoeiro, construtor de uma máquina perfeita
e regulada por regras precisas, que devem ser
conhecidas e explicadas cientificamente. O Mundo
Máquina passa a ser uma realidade concreta em uma
sociedade que até bem pouco tempo ainda obedecia
aos preceitos divinos. Contudo, essa mudança não é
instantânea e foi necessário que esperássemos a
invenção e aceitação de novas teorias e desconstrução
de antigos dogmas religiosos para que esse novo
paradigma fosse aceito como uma “verdade absoluta”,
tal como na fé há pouco criticada.
Quer saber mais?
Paradigma Teocêntrico: Deus como a causa de todas as coisas. As questões da ciência da época faziam referência às causas que afetavam a alma humana a partir de Deus, sendo que os fenômenos da vida eram geralmente compreendidos
como resultantes da vontade divina.
Quer saber mais?
Paradigma Mecanicista: Movimento mais significativo da história recente do mundo ocidental, já que seus efeitos não se restringiram somente ao campo científico, afetando também os campos cultural, social e político.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 14
O que o paradigma mecanicista aponta, e isto foi
o seu grande trunfo na batalha contra a religião, é a
demonstração que tanto o mundo como o homem
segue um princípio lógico e regular de funcionamento,
um funcionamento mecânico que pode ser observado,
mensurado, reorganizado e reduzido a uma descrição
matemática, portanto precisa, através de um raciocínio
analítico que segue as pistas deixadas pela natureza. É
seguindo essa linha de análise, que se propõe objetiva,
que Nicolau Copérnico em seu De Revolutionibus
Orbium Coelestium (Sobre a revolução das orbes
celestes), publicado postumamente em 1543, preconiza
que a Terra se move em torno do Sol e apresenta um
novo modelo de sistema cosmológico: o sistema
heliocêntrico.
Seguindo essa lógica investigativa aberta
inicialmente por Copérnico, Galileu Galilei em seu
Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo (Diálogo
Sir Isaac Newton (1642-1727), físico, astrônomo e
matemático inglês, considerado por muitos o mais
importante físico da era moderna, aprofundou a
concepção de Galileu sobre o funcionamento dos
corpos (mecânica), estabelecendo em sua obra
Philosophie Naturalis Principia Mathematica
(Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), de
1686, a lei da gravitação dos corpos, o princípio da
igualdade entre ação e reação. Toda a concepção da
mecânica newtoniana está intimamente
correlacionada a um rigoroso determinismo, no qual
a gigantesca máquina cósmica é completamente causal e determinada por leis físicas.
Nicolau Copérnico (1473-1543), na verdade um
aportuguesamento de Nicolaus Copernicus, que é a
forma latinizada de Nikolaj Kopernik, nasceu em
Torun, na Polônia, em 14 de fevereiro de 1473.
Estudou, na Universidade de Cracóvia, astronomia e
matemática. Estudou ainda na Itália, mas regressou
à Polônia para assumir posto de cônego da catedral
de Frauenburg. Por medo da censura eclesiástica,
demorou a divulgar suas revolucionárias ideias
astronômicas. Faleceu nesta mesma cidade em 24 de maio de 1543.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 15
sobre os dois Grandes Sistemas do Mundo), em 1632,
afirma que o universo [é] um texto escrito em
caracteres matemáticos. Cada uma à sua maneira, mas
ambos usando de premissas científicas, pôde
determinar que homem não é o centro da Criação
Divina e nem a Terra é o centro do Universo, negando
uma tradição iniciada na Antiguidade Clássica por
Cláudio Ptolomeu (100-178 a.C.) e respondendo por
isso, às vezes, com a própria liberdade por afirmar
novas verdades científicas.
No campo da psicologia, o grande nome que
influenciou suas concepções científicas sobre a natureza
humana foi o de René Descartes. As suas obras
científicas acerca do funcionamento da natureza
buscavam criar uma metodologia própria que lhe
permitisse alcançar a verdade, e cujo método de
investigação fosse baseado na dúvida (a dúvida
cartesiana).
Galileu Galilei (1564-1642), aportuguesamento de
Galileo Galilei, nasceu em Pisa, na Itália, em 15 de
fevereiro de 1564. É considerado o inventor do
método de experimentação moderno, sendo
reconhecido como um dos principais difusores do
racionalismo científico, já que elimina a
intencionalidade divina como causa do
funcionamento do universo. Estudou medicina,
astronomia, física e matemática. Dedicando-se aos
estudos astronômicos, tentou comprovar as teorias
de Copérnico comparando-as com o modelo de
Ptolomeu. Ao comprovar suas teses, foi condenado
pelas instituições religiosas de sua época (Santo
Ofício), que o acusavam de heresia. Passou seus
últimos anos em semirreclusão, vindo a falecer em
Arcetri, em 08 de janeiro de 1642.
Dica de leitura
René Descartes em seu livro intitulado Discours de la méthode pour bien conduire la raison et chercher la verité dans les sciences (Discurso do método para bem conduzir a razão e procurar a verdade nas ciências), mais conhecido como Discurso do Método, de 1637, tenta demonstrar como a dúvida conduz à razão, trajetória que tem como objetivo e sentido a busca da verdade nas ciências – o que nos leva à essência da natureza humana no pensamento.
René Descartes (1596-1650) nasceu em La Haye,
na Touraine (França). Filho de um conselheiro no
parlamento da Bretanha recebeu herança suficiente
para uma vida de viagens e estudos. O fato que
mudou a sua vida foi uma série de sonhos quando
servia o exército holandês. Descartes contou que
teria sido visitado pelo “Espírito da Verdade”, o que
incentivou que buscasse a certeza do conhecimento
através da Matemática, única ciência rigorosa, segundo a sua opinião. Morreu de pneumonia quando
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 16
Esse caminho em busca da verdade levou
Descartes à formulação do que pode ser considerado a
síntese lapidar de sua teoria sobre a natureza humana
e que se exprime na célebre e conhecida frase
cartesiana “Cogito, ergo sum’” (Penso, logo sou).
A ciência, como nós a conhecemos hoje em dia,
é o resultado do desenvolvimento do método científico
(séculos XVI/XIX). É mediante tal formulação que será
possível ao investigador conhecer a natureza das
coisas, inclusive a natureza humana. É a observação
empírica da natureza que nos possibilita conhecê-la, e
ao conhecê-la modificá-la e controlá-la.
A psicologia, como nós a conhecemos hoje em
dia, foi estudada inicialmente pelo fisiologista Gustav
Fechner, que mostrou como os métodos científicos
poderiam ser aplicados aos processos mentais. Seu
principal trabalho foi Elementos de Psicofísica, de 1860,
onde tentava demonstrar como elementos
experimentais e matemáticos podiam ser utilizados
como verdadeiros recursos para o estudo da mente
humana.
ainda ministrava aulas para a Rainha Cristina da Suécia, em Estocolmo, em fevereiro de 1650.
OBSERVAÇÃO EMPÍRICA
Esse modelo científico se basearia em alguns
princípios norteadores, tais como o determinismo
(todo ato é determinado por eventos passados e,
portanto, tudo é previsível); o reducionismo
(método de análise que pressupõe reduzir o objeto
investigado ao seu elemento mais simples); a
generalização (o funcionamento ou ocorrência de
um fenômeno é universal e, portanto, pode ser
generalizado); a experimentação (o fenômeno pode
ser reproduzido incessantemente através da
experimentação). A formulação de uma Ciência
Positivista apresenta a verificação dos fatos e o seu
resultado como verdades inquestionáveis,
baseando-se exclusivamente na objetividade intrínseca ao fenômeno observável.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 17
O principal marco histórico da origem da
psicologia como ciência autônoma, ou seja,
independente de outros campos científicos, foi a
inauguração do primeiro laboratório de psicologia
experimental do mundo em 1879, na cidade de Leipzig,
Alemanha. O seu fundador foi Wilhelm Wundt, que
acreditava que a psicologia deveria estudar os
processos elementares da consciência (experiência
imediata), suas relações com o mundo objetivo e suas
possíveis combinações, além de dar extrema
importância ao estudo da atenção. Seu método de
atuação formal era a introspecção analítica.
Em finais do século XIX, mais precisamente em
1892, Edward Titchener inaugurou um novo laboratório
de psicologia experimental em Cornell, Estados Unidos.
Ele foi o precursor do movimento conhecido em
psicologia como Estruturalismo.
E já em finais do século XIX, William James
inaugurou o movimento que ficou conhecido como
Funcionalismo.
John Dewey, outro grande representante do
modelo funcionalista, foi fortemente influenciado pela
Gustav Theodor Fechner (1801-1887) nasceu em
Gross-Särchen, numa aldeia chamada Ndlausitz, na
Alemanha, em 19 de abril. Formado em Medicina,
Física e Matemática, ele fez praticamente toda a sua
formação em Leipzig. Afastou-se por um certo
tempo de suas atividades acadêmicas por um
problema de visão e ao retornar tornou-se professor
de Filosofia. Seus trabalhos tentavam articular a
especulação metafísica ao empirismo científico então
nascente, sendo considerado um dos precursores da
psicometria. Criou a lei da relação entre intensidade
do estímulo e intensidade da sensação, também
chamada de lei Weber-Fechner, que era uma
tentativa de estabelecer uma relação exata entre o
mundo físico e a realidade psíquica. Morreu em
Leipzig, em 18 de novembro de 1887.
Quer saber mais?
Estruturalismo: Considerava que os psicólogos deveriam estudar as experiências sensoriais através da introspecção analítica em laboratório, analisando os processos mentais. Acreditava que a partir disso seria possível descobrir suas combinações e localizar no sistema nervoso as estruturas a eles
relacionadas.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 18
visão de William James e interessou-se pelo modo
como os processos mentais funcionavam na perspectiva
de melhor ajudar os homens a sobreviverem em um
mundo que estava se tornando àquela época cada vez
mais perigoso.
As ideias do movimento funcionalista deram
origem ao que hoje é conhecido como psicologia
cognitiva.
O Estruturalismo e o Funcionalismo enquanto
escolas psicológicas foram amplamente criticadas por
John Watson, que afirmava que os fatos da
consciência não podiam ser testados e nem
reproduzidos por observadores treinados, pois a
consciência é formada pelas impressões de cada
indivíduo.
Partindo dessa ideia inicial e estabelecendo uma
crítica radical ao modelo mentalista da psicologia,
Watson fundou, no início do século XX, uma nova
ciência psicológica denominada de Behaviorismo (ou
Comportamentalismo).
O Behaviorismo se preocupa em estudar os
eventos ambientais (estímulos) e o comportamento dito
observável (resposta) através de observações e
experimentações objetivas (descrição, explicação,
predição e controle do comportamento). Para os
behavioristas, a experiência influencia mais o
comportamento que a hereditariedade, mesmo que a
importância dada a esse fenômeno seja diferenciado
para cada autor representante dessa corrente
psicológica. Além disso, um dos principais propósitos
dos psicólogos behavioristas é empreender tarefas
práticas voltadas para a realidade cotidiana, como o
aprimoramento da aprendizagem, o aconselhamento de
pais, educadores e homens de negócio.
Quer saber mais?
Funcionalismo: Os funcionalistas acreditavam que os psicólogos deveriam estudar o funcionamento de todos os processos mentais através da introspecção informal (auto-observação e observação do outro) e de métodos objetivos como a experimentação. Além disso, os conhecimentos psicológicos deveriam ser aplicados a questões práticas, como a educação.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 19
A Psicanálise nasceu em finais do século XIX,
com Sigmund Freud, e se consolidou enquanto método
de intervenção terapêutica, através dos estudos deste
mesmo teórico, no século XX. A psicanálise interessou-
se inicialmente em encontrar repostas e produzir a cura
de pessoas que sofriam de problemas ou distúrbios
psíquicos e desordens neuróticas, como a histeria. O
método terapêutico difundido por Freud foi baseado na
associação livre. A intenção com este recurso
metodológico era permitir o acesso de conteúdos
inconscientes à consciência, melhor dizendo, atualizar o
conteúdo reprimido que estava no inconsciente. Os
principais conceitos para a teoria psicanalítica são o de
inconsciente, pulsão e recalque ou repressão. A
psicanálise propõe a discussão do funcionamento do
aparelho psíquico e de seus efeitos para a construção
da realidade. Para ela ele é dividido inicialmente em
inconsciente, consciente e pré-consciente (denominado
de primeira tópica) e, em um segundo momento, em
id, ego e superego (denominado de segunda tópica).
Surgido a partir das críticas levantadas em
relação às ideias propostas por certas escolas
Dica do professor
Associação Livre: O relato espontâneo do paciente de tudo o que lhe vinha à mente (definido como a regra fundamental da terapia psicanalítica).
Sigmund Freud nasceu em seis de maio de 1856,
na cidade de Freiberg, Moravia. Viveu grande parte
da sua vida em Viena, na Áustria. Por causa de sua
descendência judaica sofreu sérias dificuldades em
seus primeiros anos de estudos, formando-se
tardiamente em medicina no ano de 1881. Durante
a sua formação médica foi um grande discípulo das
ideias de Jean Martin Charcot (1825-1893) e Josef
Breuer (1842-1925) e, consequentemente, do método
hipnótico e da sugestão antes de inventar um
conceito-método fundamental para a ciência
psicanalítica: a associação livre. Contudo, o que
determinou definitivamente esse novo campo de
estudo sobre a subjetividade humana foi a
elaboração do conceito de inconsciente. Com o
acirramento do movimento nazista na Alemanha e a
perseguição aos intelectuais conseguiu transferir-se,
em 1938, para Londres, Inglaterra, onde se refugiou
em decorrência da perseguição nazista. Morreu em consequência de um câncer nesta capital, em 1939.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 20
psicológicas (como as ideias behavioristas), o
Cognitivismo é representado por uma gama de
teóricos das mais variadas formações e interesses
(como Jean Piaget e Lev Vygotsky). O que os torna
próximos é a tentativa de determinar os fatores
constituintes do processo de aquisição do conhecimento
humano. O que une tendências tão diversas em um
mesmo guarda-chuva conceitual é a premissa de
compreender, definir e descrever o ser humano como
um sujeito ativo e construtor do seu saber e,
consequentemente, do mundo, mesmo que para alguns
autores esse sujeito possa ser pensado como
invariavelmente universal, como exposto nos trabalhos
piagetianos, ou resultante de um processo histórico e
social característico da nossa espécie, como faz crer a
proposta vygotskyana.
Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, na Suíça, no dia
9 de agosto de 1896. Desde muito cedo demonstrou
interesse em mecânica, zoologia e outros ramos da
ciência. Formou-se pela Universidade de Neuchâtel,
em 1918, publicando ainda nesta ocasião duas
composições filosóficas. Estudou e estagiou em
laboratórios de psicologia e psiquiatria, fazendo
estudos sobre desenvolvimento mental infantil.
Ocupou várias cadeiras, entre as quais as de
psicologia, sociologia e história de ciência em
Neuchâtel. Iniciou seus estudos em psicologia
genética e experimental em 1940. Ocupou a direção
do Instituto Jean-Jacques Rosseau, de Genebra, em
1923. Foi também diretor do Centro Internacional de
Educação, de 1929 a 1967. Esteve no Brasil em
1949 como professor-conferencista dando palestras
na Universidade do Brasil (atual Universidade
Federal do Rio de Janeiro). Em 1955, criou e dirigiu
com a ajuda financeira da Fundação Rockefeller, até
a sua morte, o Centro Internacional de Epistemologia Genética. Morreu em 1980.
Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 17 de
novembro, na cidade de Orsha, Bielarus, na antiga
União Soviética. Sua formação educacional foi
iniciada por tutores particulares e só ingressa em
uma instituição escolar em 1911. Formou-se na
Universidade de Moscou em Direito fazendo um
trabalho sobre Hamlet, de Shakespeare. Estudou
ainda história, filosofia, literatura, medicina e psicolo-
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 21
Apresentamos a vocês uma breve história da
psicologia, descrevendo de maneira bastante sucinta as
principais escolas de pensamento psicológico que
surgiram com o intuito de explicar e definir o que seria
o fenômeno psicológico. Contudo, o objetivo deste
caderno não é a análise de todas elas, mas sim das que
podem ter uma importância significativa para o campo
da Teologia e para a compreensão do desenvolvimento
psíquico humano e suas implicações sociais. Por isso,
trabalharemos basicamente com duas teorias
psicológicas: o Behaviorismo e a Psicanálise.
Acreditamos que essas duas escolas permitirão
um entendimento significativo das diferenças e
divergências presentes no campo da psicologia e ainda
servirão de “ferramentas” de análise para a
compreensão de certos fenômenos psicológicos.
Para navegar
Para saber um pouco mais de História da Psicologia, recomendamos que você leia o livro História da Psicologia Moderna (1999), de Duane Schultz e os sites http://www.geocities.com/Athens/Delphi/6061/linha.htm (acessado em 12/06/2008) http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf (acessado em 12/06/2008).
gia, sendo que algumas dessas formações nunca
foram concluídas. Outra área que lhe interessou foi
a pedologia (ciência da criança, que congrega
aspectos da biologia, psicologia e antropologia). Em
1917, começa a ministrar aulas de Psicologia em
Gomel e ainda cria um laboratório de Psicologia na
escola de formação de professores. Usaria como
base filosófica de suas pesquisas o materialismo
dialético. Vygotsky descobriu que estava tuberculoso
em 1920. Retornaria para Moscou em 1924 para
trabalhar no Instituto de Psicologia desta cidade. Já
em 1925, trabalhos de sua autoria são publicados,
recebendo certo reconhecimento acadêmico. Seus
principais trabalhos e ideias seriam publicados e
divulgados postumamente por seus discípulos, já
que veio a falecer em 11 de junho de 1934, com
somente 34 anos.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 22
EXERCÍCIO 1
O que significa psicologia e quais são os seus
antecedentes históricos?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
A Psicologia no Brasil
A psicologia surge no Brasil como objeto de
estudo desde o final do século XIX, sendo estudada
principalmente por religiosos e por médicos brasileiros.
Esses estudos se dividiram em torno dos aspectos da
alma e do livre-arbítrio (campo religioso) e a respeito
dos aspectos fisicalistas e comportamentais (campo da
medicina). Ambas as correntes tentavam explicar o
desenvolvimento da sociedade brasileira a partir de
determinados fatores relacionados a aspectos
psicológicos.
Os discursos sobre a psicologia e o seu ensino,
até o início do século XX, estavam vinculados ora ao
curso de filosofia, ora aos cursos de medicina (como foi
o caso dos estudos em Psicanálise), passando a ser
independentes somente bem mais tarde. As práticas
psicológicas eram exercidas no Brasil em vários setores
da nossa sociedade, sendo possível encontrar
atividades voltadas para esse objetivo no campo da
pedagogia, filosofia, direito, medicina, higiene mental
ou saúde mental, como se podia perceber pela criação
de um laboratório de psicologia na antiga Colônia de
Psicopatas do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro,
em 1923.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 23
A psicologia como ciência autônoma, ou seja,
desvinculada do campo médico, religioso ou filosófico,
surgiu no Brasil a partir do final da década de 1950,
quando há o desenvolvimento das primeiras faculdades
de Psicologia. O primeiro curso de psicologia no Brasil
surgiu em 1953, na Santa Casa de Misericórdia do Rio
de Janeiro, instituição que na época era filiada à
Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ). O segundo
marco de sua autonomização definitiva seria a
promulgação da profissão de psicólogo, regulamentada
em todo o país em 27 de agosto de 1962.
EXERCÍCIO 2
Quais são os primeiros campos disciplinares que
discutem os fenômenos psicológicos no Brasil no século
XIX e quais são os temas discutidos?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Objetos de estudo da Psicologia
A psicologia estuda, entre outras coisas, a
aprendizagem, o desenvolvimento, a percepção, a
motivação, a memória, a consciência, as bases
fisiológicas do comportamento, a linguagem, a emoção,
a inteligência, as relações sociais, o comportamento
social e a subjetividade humana. Nesse programa,
especificamente, nos interessam os estudos sobre o
desenvolvimento e a aprendizagem relacionados ao
campo educacional.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 24
A PSICOLOGIA: CAMPO DE ATUAÇÃO
A psicologia pode ser pensada como uma prática
científica que deve promover o desenvolvimento
psicológico, intelectual, social e educacional de
crianças, jovens e adultos, estabelecendo programas e
propostas metodológicas voltadas para estes objetivos.
Pode ainda realizar pesquisas ou intervenções clínicas
que permitam o acompanhamento e apoio dos
indivíduos que porventura estejam sofrendo de algum
problema de ordem psicológica.
A psicologia, de modo geral, está voltada para a
promoção da saúde e seu trabalho social pode ser
clínico, institucional, social, organizacional ou
comunitário, não estando necessariamente preso às
definições acima descritas, mas sim articulado às
demandas produzidas a partir do trabalho de
intervenção proposto pelo psicólogo ou realizado em
conjunto com a equipe interdisciplinar da instituição da
qual ele faça parte.
EXERCÍCIO 3
Descreva de maneira breve as origens históricas da
psicologia no Brasil.
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
No Brasil problemas sociais como alto índice de
analfabetismo, desigualdade social, violência, baixo
índice de alunos nas escolas, entre outros fatores,
possibilitavam uma discussão mais aprofundada sobre
a compreensão da nossa realidade social e como
determinadas disciplinas poderiam resolver tais
problemas, entre elas a psicologia.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 25
A crescente modernização e industrialização
brasileira já era um fato evidente e inquestionável no
início do século XX. As reformas realizadas por políticos
e industriais brasileiros se fazem notar e trazem como
consequência novos problemas relacionados ao
crescimento acelerado dos grandes centros urbanos,
característicos do início desse século. Temos como
exemplos de problemas que serão tratados pela
psicologia nascente o da menoridade, o da
aprendizagem escolar, o da delinquência, o do
abandono de crianças, o da negligência familiar e o da
importância da tutela do Estado nesses casos, entre
outras questões. Contudo, o surgimento desses
problemas estava relacionado a fatores extra-
psicológicos, marcadamente de cunho econômico-
social.
E como a psicologia respondeu a isso? Podemos
dizer que, em um primeiro momento, a psicologia foi
utilizada como recurso para separar o joio do trigo, ou
seja, ela foi pensada como uma maneira eficaz de
definir as capacidades e habilidades dos indivíduos e
separá-los caso se constatasse que o indivíduo fosse
portador de características consideradas negativas. O
método utilizado para isso foi o modelo psicométrico.
É nesse sentido que há a importação, tradução e
criação de testes psicológicos, como fez Lourenço
Filho e o seu teste ABC, e a investigação dos processos
psicológicos envolvidos no déficit de aprendizagem
infantil de algumas crianças, mas que estava ainda
voltado para a questão da absorção dos conteúdos das
matérias por essas mesmas crianças. O problema que
se colocava a partir dessa lógica é o de ajustamento e
adaptação dos indivíduos ao que seria pensado como o
modelo ideal para o desenvolvimento e o aprendizado
saudável do indivíduo.
Dica do professor
Método Psicométrico: A medição exaustiva
e rigorosa das habilidades e competências psicológicas e comportamentais de que um indivíduo pode ser portador.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 26
Nas décadas seguintes, essa questão ganhou
mais importância, sofrendo modificações que
permitissem ao modelo capitalista e industrial brasileiro
competir de maneira cada vez mais significativa como
os modelos europeus e americanos que, para alguns,
não se encontravam no estágio de subdesenvolvimento
que ainda se notava em nossa indústria. Era então
necessário encontrar ferramentas que colocassem o
homem certo no lugar certo, para com isso eliminar as
falhas que ainda se faziam notar em relação ao
processo de seleção da mão de obra brasileira,
considerada ainda muito pouco qualificada.
Devemos notar que esses primeiros momentos
da psicologia podem ser considerados de cunho
conservador, já que o enfoque está calcado em uma
visão bastante adaptativa, projeto que de forma
alguma é somente da Psicologia.
A concepção e o modelo em psicologia só
começaram a mudar no final da década de 1970 com o
Manuel Bergström Lourenço Filho (1897-1970)
nasceu em 10 de março, na cidade de Porto
Ferreira, São Paulo. Trabalhou na imprensa durante
toda a sua formação secundária e ainda viria a
cursar medicina, carreira que não chegou a concluir.
Convidado pelo governo do Ceará, reformou todo o
seu modelo educacional, promovendo assim uma
das primeiras reformas de ensino da década de
1920. Tornou-se diretor-geral de ensino em São
Paulo, realizando uma ampla reforma também neste
Estado. Tornou-se professor de psicologia e
pedagogia na Escola Normal de Piracicaba em 1931.
Em 1932, transferiu-se para o Rio de Janeiro,
dirigindo o seu Instituto de Educação, além de
exercer função de chefe de gabinete junto ao
Ministério da Educação na mesma época de Anísio
Teixeira. Lourenço Filho foi muito importante para o
desenvolvimento do campo da psicologia e de
pedagogia no Brasil, traduzindo várias obras e
escrevendo sobre temas ligados a essas áreas.
Exerceu vários cargos nacionais e internacionais,
vindo a falecer em 03 de agosto, na cidade do Rio de Janeiro.
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 27
processo de redemocratização social pela qual passava
a sociedade brasileira. Sérias críticas serão feitas ao
papel conservador e conivente dos modelos
psicológicos vigentes. As concepções de indivíduo e
sociedade sofreriam uma intensa reflexão na busca da
construção de novas ferramentas de análise sobre a
realidade brasileira.
EXERCÍCIO 4
Quais são os problemas estudados pela psicologia no
início do século XX e por que ela será utilizada para
resolvê-los nesse período? Qual é o seu principal
método?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
RESUMO
Vimos até agora:
As origens históricas e etimológicas da
Psicologia;
O surgimento e o desenvolvimento desse
campo a partir das descobertas da ciência
moderna em decorrência dos trabalhos de
Galileu Galilei, Isaac Newton e René
Descartes, entre outros;
Passagem da visão teocêntrica da realidade
para uma visão mecanicista sobre o
funcionamento do mundo e as mudanças soci-
Aula 1| Um pouco de história da psicologia: as origens do fenômeno psicológico 28
ais, políticas, psicológicas e científicas de toda
uma sociedade;
Apresentação sucinta das primeiras teorias
científicas voltadas para o estudo do
psiquismo humano como o Funcionalismo, o
Estruturalismo, o Behaviorismo, a Psicanálise
e o Cognitivismo;
Breve histórico da Psicologia no Brasil e as
principais contribuições dessa área para a
compreensão da realidade social.
A Psicologia frente às mudanças de
paradigmas científicos. Hildeberto Martins
AU
LA
2
Ap
res
en
taç
ão
Na aula anterior, discutimos as origens da psicologia a partir dos
pensadores gregos e de como eles compreendiam esse termo.
Mostramos a etimologia dessa palavra e como ainda hoje persiste
em seu uso o sentido originário. Outro assunto debatido foi o
desenvolvimento de uma nova psicologia a partir do surgimento
da ciência moderna, tendo como resultado mudanças sociais,
políticas, psicológicas e científicas em toda a sociedade ocidental.
Finalizamos a aula mostrando para você quais são as primeiras
teorias científicas voltadas para o estudo do psiquismo humano e
estabelecemos também uma cronologia histórica da psicologia,
que se encerra com a autonomização do campo psicológico no
Brasil e de seus primeiros cursos.
Nesta aula discutiremos as bases epistemológicas do saber
psicológico, resultado da construção do modelo racionalista
cartesiano e de sua grande influência nas ciências naturais e
humanas. Finalizaremos esta aula com as consequências práticas
dessa crise, que resultaram na revisão de certos paradigmas
científicos, a saber: uma crítica à neutralidade da ciência; uma
nova visão de ser humano e da história e a constituição de uma
nova visão de sociedade.
Ob
jeti
vo
s
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja
capaz de:
Perceber a importância da discussão das bases epistemológicas
da Psicologia para o entendimento das teorias psicológicas e de
sua concepção de sujeito humano;
Compreender o conceito de “crise de paradigmas” e os seus
efeitos na redefinição do campo científico atual;
Entender os problemas da neutralidade científica no campo das
ciências sociais e humanas;
Discutir a produção de uma visão crítica e histórica sobre o
funcionamento e constituição da subjetividade humana e sua
importância no campo educacional.
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 30
Podemos afirmar que a questão do estatuto de
cientificidade da psicologia sempre foi um problema
para os psicólogos e não psicólogos durante muito
tempo. Diríamos mais, que tal questão está longe de
ser resolvida, já que a própria ideia de ciência ainda é
um assunto não resolvido em pleno século XXI.
Apontamos para você nas páginas acima como a
história da psicologia pode ser pensada a partir de uma
certa linearidade, mesmo que essa linearidade seja
uma invenção, no sentido de ser um recurso utilizado
pelo cientista para dar um sentido lógico à sua
argumentação teórica. Sabemos que, em relação às
Ciências Humanas, não podemos dizer que existe um
ponto fixo ou exato para começar a definir o seu objeto
de pesquisa, como existiu para as assim denominadas
Ciências Naturais ou Exatas. Mesmo que essa certeza
tenha vigorado por um tempo relativamente grande na
história da humanidade, hoje tudo pode ser pensado
como sendo descentrado (Hall, 2002). Um novo
momento surge a partir do instante em que se
vislumbra que a denominada natureza humana é um
produto da história, construída por esses mesmos
homens de ciência que acreditavam que as suas
verdades (sempre produzidas) podiam determinar o
funcionamento do Homem (enquanto ser universal) e
da Natureza.
Essa história começa, como foi exposto nas
páginas anteriores, com a certeza científica de Galileu
que uma nova maneira de pensar a realidade
significava uma nova metodologia (maneira de ver e
pensar) em relação aos fenômenos da natureza. É esse
mesmo Galileu que anuncia uma scienzia nuova
(ciência nova) a partir das descobertas iniciadas com
Nicolau Copérnico e seu novo modelo heliocêntrico.
Abre-se, a partir daí, uma crise sem precedentes na
história da humanidade, pois seria necessário pensar e
::Descentramento:
Processo histórico que produz a sensação individual e coletiva de que não há mais a
certeza da imutabilidade dos fatos históricos, já que a realidade é pensada e percebida como efeito das transformações constantes do mundo.
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 31
viver diferentemente do que se vivia até aquele
momento. O que esse novo modelo apresentava era
uma crítica à concepção de mundo fechado,
predeterminado e hierarquicamente ordenado, contido
e explicado pelo modelo aristotélico, que foi
posteriormente seguido pelo modelo científico
medieval, e que determinava o modo de funcionamento
do cosmo.
A crise que se anunciava não foi só científica, foi
uma crise da visão de mundo e que por isso exigiu uma
nova metodologia para guiar o homem em busca de
novas certezas e novas verdades. Era necessário,
portanto, estabelecer os fundamentos dessa nova
ciência para que ela pudesse alcançar estatuto de
cientificidade, já que capaz a partir desse momento de
descrever a natureza, justificando-se assim como o
modelo por excelência de explicação da realidade.
Desse movimento de crise, saímos da era do mundo
fechado e passamos ao universo infinito.
Para que a nova ciência não cometesse os
mesmos equívocos perpetrados pela ciência clássica,
um problema se colocava para os novos homens de
ciência: qual é o método adequado para evitar o erro?
Essa resposta seria melhor respondida por alguém que
teve e ainda tem uma grande importância dentro do
campo da Psicologia. Esse homem foi René Descartes.
O modelo de Descartes é conhecido como
paradigma cartesiano ou mecanicista. Esse modelo
ou paradigma, sendo que esta última definição foi
criada por Thomas Khun para descrever esses
fenômenos, serviu de baliza para todas as discussões
sobre a natureza da subjetividade humana e de seus
possíveis limites físicos e espirituais.
:: Paradigma cartesiano:
Define o mundo como uma grande máquina regida por leis mecânicas e por construir um método racional que permitisse prever e analisar o funcionamento dessa grande máquina.
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 32
Descartes inaugurou o que nós chamamos de
tradição racionalista, já que ele diz que é no homem
(em sua natureza sensível e racional) que
encontraremos a base e o fundamento da nova
concepção do conhecimento. O homem é a medida das
coisas, mas somente quando (e enquanto) este usar o
recurso da razão como único meio para se chegar a
certeza indubitável presente na verdade (científica ou
religiosa).
A racionalidade é o ponto de partida para a
eliminação dos preconceitos e crenças que levam o
homem ao erro. É esse o argumento do cogito
cartesiano, que pressupõe um indivíduo dotado de uma
natureza racional. A partir daí foi simples pensar que se
é possível alcançar a razão. Mas isso só acontece pelo
exercício inevitável do intelecto contra a desrazão (cujo
principal representante é a loucura). A partir desse
momento, o mundo poderia ser pensado numa lógica
oposicionista e que redundaria em categorias como
mundo externo e mundo interno, mente e real, sujeito
e objeto. Faces de uma mesma moeda, mas com
valores totalmente diferentes em decorrência do uso de
uma lógica hierarquizante (valorativa). Esse modelo
define a subjetividade como parâmetro último de
confiabilidade, pois é a partir do sujeito (livre do erro
sensível, causado pelos sentidos) que se pode
apreender verdadeiramente o objeto. Deve-se
desconfiar da experiência imediata (campo dos
sentidos), mas não se pode duvidar da certeza da
razão. O objeto é o que é, a causa do erro está no
homem quando este não usa a razão como recurso
para se chegar à verdade. O mentalismo cartesiano foi
essa nova concepção de mundo e de homem e lançou
uma outra maneira de apreensão da realidade.
A concepção da natureza na teoria cartesiana
dividiu o mundo e o homem em dois domínios
separados:
:: Mentalismo cartesiano:
Trata-se de um mentalismo dualista pensado a partir dos pares razão e emoção; mente e corpo. Mas, o mentalismo pode ser pensado numa concepção monista quando amiúde se identifica com o idealismo.
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 33
Seguindo uma lógica baseada em princípios
mecânicos, tão comuns na época de Descartes por
conta da consolidação do modelo físico-matemático
como parâmetro de cientificidade e da realidade, essa
teoria estabeleceu o Dualismo Mente/Corpo. A partir
desse momento todos os processos naturais são
mecanicamente determinados e podem ser explicados
racionalmente pelas leis da física, ciência que se
tornará a base de todas as ciências. E, a partir disso, o
ser humano pode ser pensado em dois campos
distintos: o corpo (físico) e a mente (psíquico).
EXERCÍCIO 1
Quais são os primeiros pensadores a influenciar o
campo da psicologia? Quais são as principais ideias
presentes em suas teorias?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Partindo desse modelo de verdade, as novas
ciências que surgiam tentavam sempre usar os
princípios da física para definir a causa última das
coisas, sua essência, sua natureza e quais seriam os
mecanismos possíveis para a apreensão do real. Surge
com isso a grande dicotomia entre as Ciências Naturais,
que usam como parâmetro os modelos físico e
matemático, e que por isso ganham estatuto de
ciências reais, verdadeiras e exatas; e as Ciências
Humanas, que seriam consideradas imprecisas,
RES COGITANS (substância pensante) – mente Ciências Humanas
RES EXTENSA (substância material) – matéria (corpo) Ciências Naturais
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 34
inexatas, sem métodos ou objeto bem definidos,
ocupando um espaço subalterno dentro do campo
científico, já que por muito tempo não seriam
consideradas “verdadeiras” ciências. Tomemos como
exemplo, para compreender a questão do estatuto de
cientificidade das ciências, o modelo sociológico criado
por Auguste Comte.
Para ele, a Sociologia só pode ganhar autonomia
e se legitimar como ciência ao se tornar uma ciência
positiva e se utilizar de métodos objetivos. Por isso, a
sociologia de Comte é uma física social, e só assim
podia vir a ser reconhecida enquanto ciência. Isso fica
mais evidente quando lembramos que para Comte a
Psicologia, que para ele não tinha ainda um método e
um objeto claros, estava fora da Escala
Enciclopédica. A Psicologia, para ele, seria um
capítulo especial do campo da biologia, ou seja, não
seria uma ciência autônoma, mas um ramo específico
de uma verdadeira ciência.
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte
(1798-1857) nasceu em Montpeller a 19 de janeiro,
na França. Estabeleceu um conjunto teórico
denominado por ele de Curso de Filosofia Positiva, e
que teve um enorme sucesso. Acreditava que o
conhecimento humano passava por três estados: o
Teológico, ou fictício; O Metafísico, ou abstrato; o
Positivo, ou científico. Defendeu a aceitação de uma
nova ciência voltada para a transformação da
sociedade, denominada por ele de física social ou
sociologia. Em um segundo momento de sua obra,
formulou um modelo religioso que ele próprio
denominou de Religião da Humanidade. Morreu em Paris, em 05 de setembro de 1857.
:: Escala
Enciclopédica:
Padrão criado por Comte para definir em ordem de complexidade
crescente as ciências de sua época, na qual a Matemática ocupa o mais alto grau de complexidade e a Moral, o último.
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 35
EXERCÍCIO 2
Qual é a importância do modelo cartesiano para a
Psicologia e quais são os seus limites?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Contudo, com o tempo, certos pensadores
questionaram essa separação simplória entre sujeito e
objeto como resultante de uma objetividade exterior ao
fenômeno, ou seja, independente da história. A partir
disso, torna-se possível perguntar qual teoria possui
unanimidade científica para descrever e dar conta
totalmente do seu objeto de análise. Começava-se a
questionar qual ciência pode ser tão totalizadora que
apreenderia o seu objeto de estudo de maneira tão
eficaz a ponto de definir a sua essência, pois não
sofreria a interferência humana, já que é resultante de
uma neutralidade asséptica.
A neutralidade científica, um ponto de
sustentação capital das ciências naturais, ainda seria
cabível ou plausível de ser pensada como possível
mesmo quando o objeto de investigação não é um
fenômeno natural, quando ele é o próprio homem? É
possível conceber a ideia de neutralidade dentro do
campo das ciências sociais e humanas, transpô-la ao
campo científico que tem o ser humano como “sujeito”
e “objeto” de estudo e mesmo assim produzir tal
objetividade radical? A resposta alcançada por muitos
teóricos foi um sonoro não, o que permitiu abrir
caminho para se pensar o estatuto de cientificidade da
ciência (seus paradigmas) e a sua produção de verdade
(Foucault, 1979; Costa, 1999). Era necessário e
Dica de leitura
Para saber um pouco mais sobre essa discussão, recomendamos o livro A crise dos paradigmas e a educação (2002), de Zaia Brandão (org.) ou Introdução a uma ciência pós-moderna, de Boaventura de Souza Santos (1989).
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 36
imprescindível ampliar a compreensão sobre a natureza
humana e como esse mesmo ser humano era agente
das transformações sociais que se produziam na
sociedade, inclusive desenvolvendo o saber científico e
os seus “objetos”.
EXERCÍCIO 3
O que leva à ocorrência daquilo que denominamos
"crise de paradigmas" e como isso afeta o campo
científico?
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____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Esse novo passo foi significativo para o avanço
das ciências sociais ou humanas, já que a partir disso
foi possível compreender que o homem é também o
agente dessas mudanças. Muitos autores tentaram
demonstrar que os modelos não existem fora da
realidade subjetiva construída pelos indivíduos, como
se ela os precedessem magicamente. A realidade é
criada por esses sujeitos, o que torna impossível o
esgotamento da natureza humana em uma única
natureza. Passa-se, a partir desse momento, a pensar o
ser humano não mais como um ser passivo diante do
mundo e de suas determinações (físicas, políticas,
ambientais). Seria preciso compreendê-lo como um ser
ativo e responsável por suas escolhas, como foi
afirmado por todo um novo movimento em Psicologia.
O ser humano não deveria mais ser visto como um
objeto, mas como um sujeito em interação com outros
sujeitos sociais no mundo, construtor dessa realidade.
Tornava-se evidente, então, que as ciências
humanas devem criar ferramentas que deem conta de
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 37
determinados problemas a partir de um certo contexto
social, político e econômico, demonstrando o caráter de
singularidade que determina o fenômeno pesquisado.
Recorrendo a uma certa constatação irônica, é só nesse
momento de reflexão e mudança de enfoque que as
ciências e seus cientistas se tornam mais humanos,
pois levam em consideração a realidade social
constitutiva e constituída a partir dos fenômenos
engendrados por seu principal objeto de pesquisa: o
homem (Bock, 2002).
EXERCÍCIO 4
Qual seria o conceito mais criticado pelas ciências
sociais a partir da “crise de paradigmas”? E por quê?
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____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Essa nova perspectiva foi bastante influente
para a constituição de uma nova visão do homem e da
subjetividade humana. A ciência agora estaria mais
voltada para os fatores socioculturais implicados no
processo de constituição da realidade. Isso pode ser
percebido na obra de grandes pensadores e educadores
como Vygotsky, Paulo Freire ou Carl Rogers. Essa nova
perspectiva sobre o ser humano permite a formulação
de uma concepção mais progressista e dinâmica acerca
da sua prática cotidiana, transformando-o em artífice
de sua história e, consequentemente, agente implicado
na construção de uma nova realidade. Esse sujeito será
visto não mais como um objeto que está no mundo (ser
passivo) e pode ser observado de maneira estática e
objetiva, mas sim como um sujeito que constrói
mundos possíveis em sua tentativa de existir enquanto
sujeito histórico.
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 38
Depois dessa discussão, nós passaremos agora
para a apresentação das teorias e de seus respectivos
formuladores. Apresentaremos uma seleção de
pensadores os quais julgamos serem os que mais
contribuíram para a constituição de um campo de
discussão sobre o papel da Psicologia no que tange ao
tema da subjetividade humana, e como isso pode ser
relacionado ao campo da Teologia.
EXERCÍCIO 5
Comente de maneira breve qual seria a nova visão de
homem que surgiu a partir da crise do modelo
científico.
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____________________________________________
EXERCÍCIO 6
Como o modelo cartesiano determina a constituição de
uma visão de homem? Como isso afeta o campo da
ciência?
____________________________________________
____________________________________________
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____________________________________________
Aula 2| A Psicologia frente às mudanças de paradigmas científicos. 39
RESUMO
Vimos até agora:
As bases epistemológicas (teoria do
conhecimento) do saber psicológico;
O modelo racionalista cartesiano (Descartes)
e o comtiano (Comte) para a explicação do
funcionamento individual e social do homem;
A crise dos paradigmas científicos e a
modernidade: a separação entre sujeito e
objeto no campo das ciências sociais e
humanas;
A revisão dos paradigmas científicos: uma
crítica à neutralidade asséptica da ciência e
do trabalho do pesquisador;
A nova visão de ser humano dentro do campo
das ciências humanas e a constituição de uma
nova compreensão histórica da subjetividade
humana.
As Escolas Psicológicas: as Origens da Psicologia
Científica
Hildeberto Martins
AU
LA
3
Ap
res
en
taç
ão
Na aula anterior, discutimos temas referentes ao problema das
bases epistemológicas do saber psicológico e como ele está
vinculado ao modelo racionalista cartesiano. Apresentamos
também o surgimento da crise dos paradigmas científicos como
consequência da separação simplória entre sujeito e objeto na
investigação científica. Por fim, apontamos para as consequências
resultantes da revisão de certos paradigmas: uma crítica à
neutralidade asséptica da ciência, uma nova visão de ser humano
e de sua produção subjetiva e a constituição de uma nova visão
de homem, voltada para a compreensão desse sujeito como
produto/produtor da história.
Nesta aula, apresentaremos e discutiremos as bases científicas
das principais teorias psicológicas e as suas explicações do ser
humano a partir de determinados níveis de análise: como ser
orgânico, ser afetivo ou ser social que aprende e interage com a
realidade. Falaremos das primeiras teorias psicológicas e como
elas explicam as ações humanas, usando como referencial as
seguintes teorias: o Estruturalismo e o Funcionalismo.
Ob
jeti
vo
s
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja
capaz de:
Conhecer as primeiras teorias psicológicas sobre a questão da
subjetividade humana (consciência);
Conhecer a biografia e os principais conceitos elaborados por
psicólogos preocupados em conhecer a dinâmica da natureza
humana;
Compreender o surgimento da Psicologia enquanto ciência
autônoma;
Compreender e reconhecer as diferenças teóricas e
metodológicas entre as principais teorias psicológicas de ontem
e de hoje;
Poder, a partir do conhecimento obtido através dessas teorias,
utilizar este conhecimento no campo da Teologia para uma
melhor compreensão da natureza humana.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 42
Introdução
A história da psicologia sempre foi marcada pelo
surgimento e desenvolvimento de determinadas ideias
e conceitos acerca do ser humano, dos processos
resultantes da sua interação com outros sujeitos
humanos, do contato com o meio ambiente que o
circunda e com a própria análise do ser humano como
objeto de reflexão, como ser único e individualizado.
A psicologia por isso mesmo sempre esteve
vinculada a uma discussão sobre os aspectos sociais
(denominados de coletivos ou públicos) e dos aspectos
individuais (denominados de singulares ou privados)
que constituem o desenvolvimento do ser humano.
Algumas dessas teorias e os seus criadores são de
capital importância para analisar e compreender como
se constrói o processo de aquisição do conhecimento
(aprendizagem) e as etapas de seu desenvolvimento
(físico, psíquico e social) na espécie humana.
Os trabalhos desenvolvidos por esses autores
permitiram compreender a dinâmica que está por trás
do simples processo de apropriação da realidade e
como ele pode se tornar cada vez mais complexo ao
longo de toda a nossa vida. Apresentaremos nas
páginas seguintes as primeiras teorias consideradas
científicas no campo da psicologia e os seus principais
idealizadores.
O Estruturalismo
O modelo estruturalista foi um movimento que
permitiu construir e edificar as bases para a
emergência da psicologia enquanto ciência moderna.
Ao abandonar a ideia de que a psicologia era o estudo
da alma e elegendo como métodos de análise da
natureza dos fenômenos psíquicos a observação
Quer saber mais?
O "estruturalismo" não se refere a uma "escola" claramente definida de autores,
embora o trabalho de Ferdinand de Saussure seja geralmente considerado um ponto de partida. O estruturalismo é mais bem visto como uma abordagem geral com muitas variações diferentes. Como em qualquer movimento cultural, as influências e os desenvolvimentos são complexos. FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Estruturalismo#Estruturalismo_na_Psicologia
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 43
rigorosa e a experimentação laboratorial, métodos
considerados científicos, um novo caminho foi
inaugurado no que se refere ao estudo do homem e de
sua relação com o meio.
Esse modelo, para se tornar científico, utilizaria
os mesmos princípios das ciências naturais (como as
primeiras investigações realizadas por Fechner) com o
intuito de efetuar a compreensão da estrutura da
consciência. Para isso elege o estudo das experiências
conscientes elementares e os seus mecanismos de
funcionamento como objeto de análise e investigação
da Psicologia estruturalista.
A psicologia se convertia a uma ciência da
experiência, onde o que era necessário e imprescindível
era analisar como adquirimos conhecimentos a partir
do nosso mundo experiencial. Competia, portanto, ao
pesquisador chegar às experiências básicas da natureza
humana e, a partir disso, conseguir formular hipóteses
universais sobre a estrutura da mente humana ou das
atividades da consciência.
Os principais representantes do modelo teórico
da psicologia estruturalista são Wilhelm Wundt e
Edward B. Titchener. O primeiro é considerado o pai
fundador desse novo modelo teórico, o segundo é
considerado o seu principal continuador, ambos
O projeto elementarista da psicologia estrutural
compreendia a consciência como uma estrutura
separada em pequenas partes reduzíveis aos seus
elementos mais básicos, o que levou à conclusão de
que a consciência e os seus fenômenos mais
complexos eram o resultado da soma das partes que
o compunham, cabendo à psicologia investigá-los e
descrevê-los. Os psicólogos estruturalistas tinham
como propósito decompor a mente ou a consciência
às suas estruturas mais elementares, da mesma
forma que já se realizava dentro do campo da física
ou da química, modelos considerados à época como
capazes de descrever o seu objeto científico.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 44
contribuindo de maneira significativa para o
desenvolvimento da psicologia estruturalista (Cf.
Schultz, 1999).
Wilhelm Wundt (1832-1920) iniciou sua carreira
acadêmica em medicina, e mais tarde direcionou
seus interesses para a fisiologia. Enquanto realizava
suas pesquisas em fisiologia, iniciou seus estudos
em psicologia na Universidade de Heidelberg, e a
partir disso ministraria um curso de psicologia
fisiológica. Suas principais observações acerca desse
novo campo de interesse resultariam no livro
intitulado Grundzüge der physiologischen psychologie
(Princípios de Psicologia fisiológica), publicado em
duas partes em 1873 e 1874. Wundt ficou
particularmente conhecido pela criação do que foi
considerado como o primeiro laboratório de
psicologia experimental, em Leipzig. Esse laboratório
seguiu particularmente os moldes dos laboratórios
das ciências naturais da sua época. Para ele, o seu
modelo psicológico devia usar os métodos de
pesquisa desenvolvidos na fisiologia. Este
laboratório torna-se rapidamente um centro de
investigação e difusão da nascente psicologia
estrutural. Depois de consolidado o seu modelo e
método psicológico, Wundt se dedicaria à criação de
uma psicologia social. Esse projeto ficou conhecido
como Völkerpsychologie (Psicologia dos povos, das
massas), projeto que levou vinte anos para ser realizado. Morreu em Grossbothen, em 1920.
EDWARD B. TITCHENER
Nascido em Chichester, Inglaterra, Edward B.
Titchener (1867-1927) foi considerado o principal
representante do modelo estruturalista nos Estados
Unidos. Estudou filosofia na Universidade de Oxford
e mais tarde tornou-se assistente de pesquisa em
fisiologia nesta mesma Universidade. Ao entrar em
contato com a nova psicologia inaugurada por
Wundt, viajou para Leipzig para estudar durante
dois anos o modelo psicológico wundtiano. Com o
término da formação em Leipzig, retornou para a Inglaterra, mas suas teorias não despertam o interes
Para navegar
Para saber mais um pouco sobre Estruturalismo, recomendamos o site http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2002/07/05/004.htm, acessado em 10/12/2008.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 45
Podemos afirmar com certeza que, nos primeiros
anos da evolução da psicologia como disciplina
científica, esta foi profundamente influenciada por
Wilhelm Wundt, que determinou o objeto de estudo, o
método de pesquisa, os tópicos a serem estudados e os
objetivos da nova ciência. Sua proposta abraçava todos
os aspectos necessários para a criação e consolidação
de um modelo psicológico nos moldes científicos.
Influenciado pelas descobertas da química,
segundo as quais todas as substâncias químicas são
compostas por átomos, iria decompor a mente nos seus
elementos mais simples, que são as sensações. Tanto
para Wundt como para os seus seguidores, as
operações mentais resultavam da organização de
sensações elementares que se relacionam com a
estrutura do sistema nervoso.
Wundt recorria aos métodos experimentais de
pesquisa das ciências naturais, particularmente às
técnicas usadas pelos fisiologistas, adaptando os seus
métodos científicos de investigação aos objetivos da
psicologia. Desta forma, a Fisiologia e a Filosofia
ajudaram a moldar tanto o objeto de estudo da nova
se desejado. Resolve, então, viajar para os Estados
Unidos e torna-se professor de Psicologia e
coordenador de um laboratório na Universidade de
Cornell, onde ficaria lecionando até o final de sua
vida. Edward B. Titchener foi aluno de Wundt, mas
alterou em alguns aspectos o sistema deste último.
Foi através do seu empenho que o modelo
wundtiano pôde ser transplantado para os Estados
Unidos. Ele propunha uma nova abordagem e que
designou Estruturalismo, afirmando que esta
apresentava a forma de Psicologia postulada por seu
mestre. Contudo, os dois sistemas são em muitos
aspectos diferentes e o rótulo de Estruturalismo só
pode ser estritamente aplicado à concepção de
Titchener. O Estruturalismo foi estabelecido, por
este autor, como a primeira escola de pensamento
no campo da psicologia moderna. Ele morreu vítima
de um tumor cerebral, aos 60 anos de idade, em 1927.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 46
ciência como os seus métodos de investigação,
contribuindo para definir de modo claro a sua Psicologia
estrutural.
Esse autor definiu como objeto da psicologia o
estudo da mente, e fez da experiência consciente do
homem (ainda visto como ser universal) - a consciência
– o meio de conseguir alcançar resultados objetivos. E
foi no seu laboratório, em Leipzig, que Wundt vai
procurar conhecer os elementos constitutivos da
consciência, buscando descobrir a forma como se
relacionam e associam (concepção associacionista).
Para atingir esses objetivos, Wundt utilizou
como método de estudo a introspecção formal ou
controlada. Através do método introspectivo, os
sujeitos descreviam as suas percepções resultantes de
estímulos sensoriais: visuais, auditivos e tácteis.
Tomemos um exemplo: os observadores ouviam um
som e em seguida deveriam descrever nos mínimos
detalhes o que haviam sentido, já que só a partir deste
método era possível, segundo Wundt, o acesso à
experiência consciente do indivíduo.
O emprego da introspecção como método de
investigação da mente humana viria da física, onde
este método já tinha sido utilizado para estudar
fenômenos como a luz e o som. Esse método também
era utilizado na fisiologia, em que fora aplicado ao
estudo dos órgãos dos sentidos.
A introspecção ou percepção interior, tal como
era praticada no laboratório experimental criado por
Wundt, seguia condições bastante restritas e obedecia
a regras explícitas definidas por ele. Wundt raramente
usava um tipo de introspecção denominada de
qualitativa em que o sujeito apenas descreve as suas
experiências interiores, não sendo sujeito a qualquer
Importante
Introspecção controlada: Técnica que consistia em, no laboratório, observadores bem treinados descreverem as suas experiências resultantes de uma situação experimental.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 47
método objetivo e rigoroso. A introspecção seria
adotada também por Edward Titchener e Oswald Külpe,
ambos alunos de Wundt.
O outro grande representante do modelo
estruturalista foi Edward Titchener. Os estudos de
Titchener se centravam nos elementos que compõem a
estrutura da consciência, desvalorizando os fenômenos
que permitiam a sua associação e, diferentemente de
Wundt, dizia, a mente não tem o poder de sintetizar
espontaneamente os elementos básicos que a compõem.
Para ele, existiriam três estados elementares de
consciência: sensações, imagens e estados afetivos.
Segundo Titchener, a tarefa fundamental da psicologia
é descobrir a natureza das experiências conscientes
elementares, ou seja, analisar a consciência nas suas
partes constituintes para assim determinar a sua
estrutura. Com isso, ele afirmaria que o objeto da
psicologia, à semelhança do modelo Wundt, é a
experiência consciente. Afirmou que todas as ciências
compartilham deste mesmo objeto, ocupando-se cada
qual somente de um aspecto diferente.
O objeto de estudo é assim, para Titchener, a
experiência sensível enquanto dependente dos
observadores (chamados de reagentes) que passam
por ela. Tomemos um exemplo: a luz e o som são
estudados por físicos e psicólogos; os físicos veem
esses fenômenos e seus efeitos da perspectiva dos
processos físicos envolvidos, não necessitando utilizar
como recurso experimental que os indivíduos passem
pela experiência sensível para estudarem os fenômenos
físicos, sendo por isso pensados e descritos por eles
como independentes da experiência individual. Ao
contrário, para os psicólogos que estudam os mesmos
fenômenos, as sensações, compete analisá-las em
termos do modo como tais fenômenos são vivenciados
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 48
pelo indivíduo (aspecto psicológico), e, portanto, como
são dependentes das experiências das pessoas
(singularidade).
Esse modelo psicológico definiu a consciência
como uma simples soma das nossas experiências num
dado momento de tempo, sendo que a mente é o
resultado da soma das nossas experiências acumuladas
ao longo da vida (processo cumulativo e evolutivo).
Para Titchener, os problemas ou finalidades da
Psicologia seriam:
Reduzir os processos conscientes nos seus
componentes mais simples;
Determinar as leis mediante as quais esses
elementos se associam;
Conectar esses elementos às suas condições
fisiológicas.
Contribuições da psicologia estruturalista
Os estruturalistas contribuíram, sem dúvida, de
maneira significativa para o desenvolvimento da
psicologia em todo o mundo. Esse modelo definiu
claramente o seu objeto de estudo no campo da
ciência: a experiência consciente. Os seus métodos de
pesquisa seguiram a melhor tradição científica de sua
época, envolvendo a observação, experimentação e
medição. Seus estudos tinham como objetivo
demonstrar como a consciência era mais bem percebida
pelo sujeito que tinha consciência da experiência. Por
isso, para eles, o método de estudo deveria ser o da
autoanálise (método introspectivo).
Embora, na atualidade, se considere que o objeto
de estudo dos estruturalistas esteja verdadeiramente
ultrapassado, o método introspectivo é ainda usado em
algumas áreas da psicologia. Com a ajuda de Wilhelm
Importante
O estruturalismo O Estruturalismo é uma modalidade de pensar e um método de análise praticado nas ciências do século XX, especialmente nas áreas das humanidades. Metodologicamente, analisa sistemas em grande escala examinando as relações e as funções dos elementos que constituem tais sistemas, que são inúmeros, variando das línguas humanas e das práticas culturais aos contos folclóricos e aos textos literários. Partindo da
Linguistica e da Psicologia do princípio do século XX, alcançou o seu apogeu na época da Antropologia Estrutural, ao redor dos anos de 1960. O Estruturalismo fez do francês Claude Lévi-Strauss o seu mais celebrado representante. FONTE: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2002/07/05/004.htm, acessado em 22/09/10.
Claude Lévi-Strauss
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 49
Wundt, Edward Titchener e dos estruturalistas
treinados e formados por eles, a psicologia conseguiu
avançar para além das suas fronteiras iniciais.
Críticas à psicologia estruturalista
Podemos dizer que as críticas mais contundentes
ao Estruturalismo foram dirigidas ao seu método de
investigação, ou seja, ao modelo introspectivo,
especialmente a introspecção qualitativa praticada pela
escola americana, pois estava voltada mais para os
relatos determinados como subjetivos dos elementos
da consciência, enquanto que a concepção wundtiana
estava mais voltada para respostas objetivas a
estímulos externos.
O Estruturalismo ainda seria criticado quanto ao
método introspectivo, pois ele era visto como um
processo obscuro e não confiável. Os estruturalistas
consideravam fenômenos complexos, como
pensamento e linguagem, impróprios para estudos
introspectivos, logo, fora do alcance da ciência. Além
disso, eram contra a orientação de seu modelo
experimental para a solução de assuntos práticos.
O movimento estruturalista foi também acusado
por alguns psicólogos de ser artificialista por causa da
sua tentativa de analisar processos conscientes através
da sua decomposição em elementos. Os seus críticos
alegavam que a totalidade de uma experiência não
pode ser recuperada por nenhuma associação das suas
partes elementares. Para tais críticos, a experiência não
ocorre em termos de sensações, imagens ou estados
afetivos, mas em totalidades unificadas que configuram
a realidade vivida.
Algo da experiência consciente é
inevitavelmente perdido em qualquer esforço artificial
Quer saber mais?
Psicologia da Gestalt: Movimento de
origem alemã cujo significado pode ser definido aproximadamente como o todo, a estrutura, a forma ou configuração. Criado por Max Wertheimer (1880-1943), Kurt Kofka (1886-1941) e Wolfgang Köhler (1887-1967) no início do século XX. Opondo-se ao estudo fragmentado do comportamento humano, característico do modelo estruturalista, esse movimento prega que as informações que partem do meio externo são processadas em dois níveis, o da sensação e o da percepção. Para os gestaltistas, a percepção que temos de um objeto qualquer é um todo, tem um caráter global, é uma gestalt. Eles ainda rejeitariam a visão do homem enquanto um ser passivo, particularmente em relação à percepção e à aprendizagem.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 50
de analisá-la e a psicologia da Gestalt, uma das
principais correntes de oposição em relação ao princípio
associacionista, fez uso desta crítica para lançar e
difundir as suas ideias contra o Estruturalismo e lançar
as bases em um novo campo investigativo para a
Psicologia.
EXERCÍCIO 1
O que é Estruturalismo e quais são os seus principais
autores?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
EXERCÍCIO 2
Qual é a mudança que o Estruturalismo estabelece
sobre o objeto da psicologia e qual é o método
empregado para isso?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 51
EXERCÍCIO 3
Qual é a importância de Wundt para o desenvolvimento
da psicologia, qual é o seu método e o seu principal
objeto de estudo?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
EXERCÍCIO 4
Quais são os problemas ou finalidades para a
psicologia, segundo Titchener?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Funcionalismo
O modelo funcionalista é considerado por muitos
autores a primeira sistematização teórica genuinamente
norte-americana de estudos em psicologia, já que o
Estruturalismo teria surgido inicialmente na Alemanha
com Wundt.
Para alguns autores (Bock et al., 1999), esse
movimento é o reflexo de uma sociedade em evidente
expansão industrial e social, resultante de um modelo
urbano em crescente transformação e que exigia uma
ordem pragmática para o seu desenvolvimento
econômico. Esse princípio acabaria por se impor aos
cientistas americanos, criando um certo espírito
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 52
pragmatista na percepção da função da ciência para a
transformação e desenvolvimento humano.
Esse espírito da época, que caracterizaria toda
uma produção intelectual, fica evidente nos trabalhos
de William James (1842-1910) e John Dewey (1859-
1952), os principais expoentes desse modelo teórico.
Assim, para James importaria a ciência responder
questões capitais como o que fazem os homens e por
que o fazem.
WILLIAM JAMES
William James nasceu em Nova Iorque, Estados
Unidos. Filho mais velho de Henry James e irmão de
um famoso romancista inglês também chamado de
Henry James. Freqüentou diversas escolas nos mais
variados países da Europa. Foi um viajante assíduo
e inquieto, aspecto que repercutiu e caracterizou a
sua formação profissional, interessando-se pelas
mais diversas atividades como a medicina, biologia,
artes e química. Em uma de suas viagens veio ao
Brasil, mais especificamente conhecer a Amazônia.
Em 1861, regressando aos Estados Unidos,
ingressou na Universidade de Harvard para estudar
química no intuito de aprofundar seus estudos em
Fisiologia experimental. Em 1869, recebeu o grau de
doutor em Medicina na Universidade de Cambridge.
Três anos depois, ocupou o cargo de instrutor de
anatomia e fisiologia em Harvard, passando, no ano
seguinte, a professor auxiliar de fisiologia, filosofia e
psicologia. Em 1889, passou a ocupar a cadeira de
psicologia. Faleceu em Chocorua, New Hampshire,
em 26 de agosto de 1910.
Quer saber mais?
William James escreveu sobre todos os aspectos da psicologia humana, do funcionamento cerebral até o êxtase religioso, da percepção espacial até a mediunidade psíquica. Ele se concentrou na compreensão e explicação das unidades básicas do pensamento. Conceitos fundamentais, tais como as características do pensamento, atenção, hábito e sentimento de racionalidade, prenderam seu interesse. James considerava que a Psicologia não era ainda uma ciência madura; não possuía suficiente conhecimento para formular leis consistentes sobre a percepção, a sensação ou a natureza da consciência.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 53
Segundo William James, para que a ciência
possa responder a essas duas questões seria necessário
criar condições para entender os mecanismos que
regem o funcionamento da mente humana (nesse caso,
as bases fisiológicas de seu funcionamento), já que a
psicologia seria a ciência da vida mental, tanto de seus
fenômenos como de suas condições. Para isso, James
escolheu a consciência como o centro de suas
preocupações e procurou compreender nos mínimos
detalhes o seu funcionamento, na medida em que o ser
humano a utiliza como principal ferramenta para
adaptar-se ao meio.
JOHN DEWEY
John Dewey nasceu em Burlington, Vermont,
Estados Unidos. Iniciou sua carreia acadêmica nas
Universidades de Vermont e John Hopkins, e
recebeu nessa última, em 1884, o grau de doutor
em filosofia. Ministrou aulas ainda em Chicago, onde
desenvolveu o seu laboratório ou, como definiu, a
sua Escola Experimental, na qual foram aplicadas
algumas das suas mais importantes ideias. Esse
projeto permitiu o surgimento do movimento
intitulado Educação Progressiva. Definindo o seu
modelo teórico de naturalismo empírico, preocupou-
se em aplicar a psicologia aos problemas
educacionais da época, apontando que o ensino
deve estar voltado para o estudante e não para o
objeto de estudo. Dewey contribuiu intensamente
para a divulgação dos princípios do movimento
educacional que veio a se chamar Escola Nova.
Dewey deixou extensa obra sobre o processo
pedagógico e a importância do(a) educador(a) e da
escola para o desenvolvimento saudável dos
indivíduos. Morreu em Nova Iorque, em 1º de junho de 1952, com 92 anos de idade.
Dewey acreditava que escolas que atuavam dentro de uma linha de obediência e submissão não eram efetivas quanto ao processo de ensino-aprendizagem. Seus trabalhos alinhavam-se com o pensamento liberal norte-americano e influenciaram vários países, inclusive o movimento da Escola Nova no Brasil.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 54
Devemos, ainda, apontar para um aspecto que
teve bastante importância para a definição e
constituição das bases do modelo funcionalista. O
Funcionalismo apropriou-se de maneira bastante
evidente de algumas ideias provenientes do modelo
evolucionista de Charles Darwin, associando suas
pesquisas a esse princípio teórico e objetivando com
isso descobrir de que maneiras diferentes o homem se
ajusta ao meio em que vive. Na interação homem e
meio (meio que ainda não é problematizado em seus
aspectos históricos e sociais), evidencia-se a
importância da realização de diferenciadas funções
mentais.
Passemos agora para a apresentação dos seus
principais idealizadores e dos seus principais preceitos
teóricos.
William James contribui de maneira significativa
em três campos distintos: na psicologia, na filosofia da
religião e na teoria do conhecimento. No âmbito da
filosofia, uma das principais contribuições de James
consiste em suas investigações acerca da verdade,
sendo sua investigação filosófica denominada
pragmatismo. Contudo, esse mesmo autor a definia
como um empirismo radical. Essa proposta filosófica
rejeita tanto a interpretação realista clássica da
verdade quanto a interpretação idealista. A verdade se
constitui, dentro do modelo filosófico de William James,
como algo que nos possibilita acesso e orientação em
uma determinada realidade.
James escreveu sobre vários aspectos da
psicologia humana, do funcionamento cerebral até o
êxtase religioso, pesquisando aspectos totalmente
divergentes da realidade psicológica. Ele se interessou
pelo estudo da personalidade, questão capital para os
principais psicólogos da sua época. A personalidade,
Para navegar
Para saber um pouco mais sobre o Funcionalismo, recomendamos o site http://www.euniverso.com.br/Psyche/Psicologia/geral/funcionalismo.htm, acessado em 10/12/2008.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 55
para ele, emerge da interação entre aspectos ligados ao
campo dos instintos (naturais) e ao campo dos hábitos
(meio ambiente), levando ainda em consideração os
fatores inter-relacionados ao âmbito da consciência.
No final da sua vida acadêmica, já bastante
certo da impossibilidade de pensar os métodos
psicológicos como capacitados para obter o rigor
suficientemente necessário ao campo da ciência, dizia
que a psicologia era um sistema de elaboração do
óbvio.
O objetivo principal da teoria psicológica de
William James era encontrar respostas objetivas sobre
determinados aspectos do funcionamento mental. Suas
pesquisas, neste campo, inauguraram algumas novas
vias de investigação, já que preconizava que a todo
estado de consciência corresponderia uma reação
fisiológica. Podemos considerar tal ideia um dos
princípios precursores do modelo behaviorista de John
Watson e mesmo da psicofisiologia moderna.
Seguindo essa linha de análise, formulou uma
teoria das emoções que preconizava que eram as
perturbações viscerais que originavam os estados
emocionais e não o inverso, contestando o modelo
vigente de sua época. Essa teoria emocional foi
bastante importante para os estudos posteriores sobre
o comportamento emocional e suas bases fisiológicas.
Um de seus interesses dentro do campo da
psicologia foram as relações entre os fenômenos
psíquicos e a fisiologia do sistema nervoso. Para ele,
não se apresentam modificações psíquicas sem que
estas venham acompanhadas de mudanças corporais e
vice-versa. Seguindo essa linha investigativa, chegou a
formular a noção de fluxo da consciência, onde esta
não pode ser pensada de maneira substancialista, mas
Importante
Psicofisiologia é o ramo biológico da psicologia que estuda as relações mentais e as funções físicas, procurando o entendimento da relação corpo-mente e dos processos psíquicos com os fisiológicos.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 56
sim como um processo contínuo e flexível, em
constante mutação.
Já o modelo pedagógico pensado por John
Dewey questionava a proposta da educação pela
instrução, propondo a educação pela ação; perspectiva
que criticava severamente o modelo educacional
tradicional, principalmente no que se refere à ênfase
dada ao intelectualismo e à memorização (aspectos
mais voltados para o acúmulo do conhecimento).
Dentro da nova perspectiva de Dewey, era mais
importante dar ênfase no processo do que no conteúdo.
Para Dewey, o conhecimento não pode ser
pensado como uma atividade dirigida que não tem um
fim em si mesmo, mas que deve estar dirigida para a
experiência. As ideias são hipóteses de ação e se
tornam verdadeiras quando funcionam com o propósito
de orientar essa ação.
Podemos afirmar que o conceito norteador do
pensamento de John Dewey e o seu principal objeto de
análise é a experiência, consistindo em dois aspectos
intimamente interligados, a saber: por um lado, em
experimentar e, por outro, em provar. Seria com base
nos acontecimentos que vivencia (nas experiências que
prova) que a experiência educativa torna-se para a
criança um ato de constante reconstrução.
Podemos dizer que o conceito de experiência é a
questão capital de seus pressupostos educacionais.
Essa experiência deveria ser ampliada em lugares
especiais como a escola, chegando mesmo a afirmar
que a escola não pode ser imaginada como uma
preparação para a vida, mas sim que ela é a própria
vida. Para Dewey a vida, a experiência e a
aprendizagem formam um único processo, já que estão
desde o princípio unidas, e de tal maneira que a função
Dica de leitura
Livros de John Dewey publicados em português: Como pensamos. Como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reexposição. São Paulo: Nacional, 1959. Experiência e educação. São Paulo: Nacional, 1979. Democracia e educação: introdução à filosofia da educação. São Paulo: Nacional, 1979. A criança e o programa escolar. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os pensadores). Interesse e esforço. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os pensadores).
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 57
principal da escola é se constituir como espaço de
reconstrução permanente feita pela criança através da
experiência. Era por isso que, para Dewey, mais
importante que aprender, é aprender a aprender, como
um modelo dinâmico que congrega vários aspectos em
um só processo. Segundo essa linha argumentativa, é
mais relevante “estar de posse de esquemas de solução
de problemas do que ter a ilusão de deter um
conhecimento único de solução de problemas”
(Ghiraldelli Junior, 2000:17).
Dewey via a escola, a partir de seus ideais
democráticos, como o instrumento ideal para estender
a todos os indivíduos os benefícios da sociedade, sendo
o papel da Educação funcionar como veículo
democratizador, capaz de igualar as oportunidades.
Principais contribuições da psicologia
funcionalista
Devemos apontar que o conceito de
Funcionalismo não estava presente de modo explícito
na obra de James, mas suas principais conclusões e
princípios já apontavam de maneira evidente para a
demarcação de um campo totalmente distinto do
modelo estruturalista de Wundt ou Titchener.
Em seu livro Os Princípios de Psicologia, ele já
apontava para o aspecto principal do modelo
funcionalista: o estudo da pessoa enquanto ser que se
adapta ao seu meio. Para James, o papel da psicologia
é buscar compreender as funções da consciência já que
esta é a bússola que guia o organismo em sua
necessidade de sobrevivência. Ele afirmou ainda que a
consciência é como um órgão particularmente
apropriado às necessidades de um organismo complexo
como é o corpo humano e que sem seu pleno
desenvolvimento o processo de evolução não teria
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 58
existido na espécie humana, seguindo de perto as
principais ideias difundidas da teoria darwinista.
Seguindo um rumo diferente da psicologia alemã
de sua época, James percebe os processos mentais
como atividades funcionais úteis para os seres vivos, na
medida em que permitem a eles manter-se e adaptar-
se no mundo natural. Esse autor enfatizou tanto os
aspectos racionais como os não racionais relacionados
aos processos humanos, demonstrando com isso que
não considerava o ser humano como um ser guiado
somente pelo caminho da racionalidade, sugerindo
outros meios de compreensão da realidade. Isso fica
bastante claro em seus trabalhos sobre o misticismo e
a religião.
E em relação aos trabalhos de Dewey, podemos
dizer que eles serão significativos para a compreensão
da função da escola e da importância da descoberta de
novos métodos de intervenção junto ao processo
educativo (ensino-aprendizagem), na busca de formar
cidadãos cada vez mais conscientes do seu papel junto
à sociedade.
Críticas à Psicologia funcionalista
Como resultado natural de todo processo de
constituição de um novo campo científico, o movimento
funcionalista sofreu diversos ataques quanto as suas
propostas para o campo da psicologia. Algumas dessas
críticas viriam dos psicólogos estruturalistas.
Para os estruturalistas, os funcionalistas usavam
o conceito de função ora para descrever uma atividade
e outras vezes para se referirem à utilidade da
atividade.
Quer saber mais?
O Funcionalismo baseia-se no pragmatismo e na utilidade – Ideais Americanos. Refere-se ao funcionamento da mente ou ao uso que o organismo faz dela para se adaptar ao ambiente. Os funcionalistas não estudavam a mente do ponto de vista da sua composição (dos seus elementos básicos e estrutura), mas como um aglomerado ou acumulação de funções e processos que resultavam em consequências práticas no mundo real.
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 59
Em decorrência dessa constatação teórica, seus
críticos apontavam ainda para o grande interesse que
os psicólogos funcionais demonstravam pelas
atividades de natureza prática ou aplicada, para o
entendimento e o progresso do desenvolvimento do
conhecimento. Contudo, para os funcionalistas, o
importante era construir uma psicologia aplicada à
realidade, e isto pode ser considerado uma grande
contribuição do Funcionalismo. Esse era o resultado da
antiga discussão sobre as diferenças entre ciência pura
e aplicada e a validade científica de cada uma delas.
Edward Titchener foi um severo crítico desse
pensamento e sua principal oposição dizia respeito ao
próprio sentido ou definição do que é a Psicologia. Para
ele, o Funcionalismo nada tinha de psicologia, pois esse
modelo não se restringia unicamente ao campo de
investigação comumente definido para o estudo dos
fenômenos psicológicos. Para Titchener, o objeto de
estudo e a metodologia da psicologia já haviam sido
definidos e o modelo funcionalista não seguia tais
delimitações.
EXERCÍCIO 5
O que é o Funcionalismo e quais os seus principais
autores?
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Aula 3| As escolas psicológicas: as origens da psicologia científica 60
EXERCÍCIO 6
Comente a teoria psicológica de William James e cite o
seu principal objeto de análise.
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
RESUMO
Vimos até agora:
O início da Psicologia enquanto ciência: o
Estruturalismo de Wilhelm Wundt e Edward B.
Titchener;
O modelo Estruturalista e a definição do
objeto de estudo da Psicologia: a consciência;
A criação de um método de pesquisa: a
introspecção;
A resposta ao modelo estruturalista: o
Funcionalismo de William James e John
Dewey;
Contribuições e problemas metodológicos e
teóricos das teorias apresentadas;
Definição e compreensão da importância de
cada teoria para o campo da Teologia.
Teorias Psicológicas:
Comportamentalismo
Hildeberto Martins
AU
LA
4
Ap
res
en
taç
ão
Na aula anterior, discutimos temas referentes ao surgimento das
bases científicas das principais teorias psicológicas e as suas
explicações do ser humano. Apresentamos as primeiras teorias
psicológicas e como elas explicam as ações humanas, usando
como referencial o Estruturalismo e o Funcionalismo. Nesta e nas
próximas aulas, apresentaremos e discutiremos as principais
teorias psicológicas contemporâneas e as explicações
desenvolvidas por elas na tentativa de definir uma natureza
psicológica para o ser humano a partir de determinados níveis de
análise: como ser orgânico, ser psicológico ou ser social que
aprende e interage com a realidade. Falaremos das grandes
teorias psicológicas e como elas explicam as ações humanas,
usando como referencial as seguintes teorias: o
Comportamentalismo (Behaviorismo), a Psicanálise e a Psicologia
Sócio-Histórica. Articulado a isso, nós discutiremos as
contribuições e as questões metodológicas e teóricas propostas
pelas teorias apresentadas. Sinalizaremos a importância que cada
teoria tem para o campo da Teologia. Tenha uma boa aula!
Ob
jeti
vo
s
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja
capaz de:
Conhecer um pouco das origens históricas das principais
teorias psicológicas contemporâneas;
Perceber as principais contribuições do Comportamentalismo
para o campo da Teologia;
Conhecer a biografia e os principais conceitos elaborados por
psicólogos preocupados em conhecer a dinâmica da natureza
humana;
Saber quais são os possíveis papéis e modos de definição da
natureza subjetiva humana a partir da compreensão dos
principais conceitos e ideias presentes nas teorias psicológicas
apresentadas.
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 62
Comportamentalismo (Behaviorismo)
Com o surgimento dos modelos funcionalista e
estruturalista, estava aberto o caminho para a difusão e
o crescimento da ciência psicológica. Nos Estados
Unidos um movimento em especial assumiu um papel
capital para a consolidação de uma Psicologia
genuinamente americana. Esse movimento foi
denominado por seu idealizador, John Watson, de
Comportamentalismo (Behaviorismo).
O modelo comportamentalista ou behaviorista
foi uma reposta radical a tudo que havia sido pensado
até aquele momento como sendo a Psicologia, pois
diferentemente do modelo funcionalista, que para
alguns só modificou alguns princípios ou ideias da
Psicologia estruturalista, a Psicologia
comportamentalista era vista como um rompimento
revolucionário aos métodos e ideias do que era
verdadeiramente a Psicologia, já que este movimento
rompia com os principais conceitos mentalistas que
embasavam as pesquisas e os trabalhos psicológicos da
época.
Nas páginas seguintes, iremos denominar essa
escola ora de comportamentalismo, ora de
behaviorismo, já que ambos os conceitos podem ser
utilizados como sinônimos.
O principal objetivo do modelo comportamentalista
era fundar uma Psicologia totalmente objetiva,
voltada para a constituição de uma ciência do
comportamento. Para esse modelo, o objeto da
Psicologia é o comportamento estritamente
observável, os atos observáveis de conduta, um
modelo no qual os comportamentos poderiam ser
descritos de maneira objetiva, usando o princípio
fisiológico de estímulo – reposta, fórmula que se
tornaria clássica dentro dessa linha psicológica.
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 63
A história inicial dessa nova corrente psicológica
está intimamente relacionada com a vida de seu
principal idealizador, John Watson. Para que possamos
conhecer um pouco mais sobre ela, apresentaremos em
linhas gerais as ideias desse autor e do principal revisor
das teorias comportamentalistas, B. Skinner, que
conseguiu ampliar as aplicações desse. Passemos,
então, para a apresentação de suas teorias.
A natureza do sistema
O behaviorismo surgiu com Watson no início do
séc. XX. Watson se preocupou em estudar os eventos
ambientais (estímulos) e o comportamento observável
JOHN BROADUS WATSON (1878-1958)
John Broadus Watson nasceu em Greenville,
Carolina do Sul, nos Estados Unidos. Estudou
filosofia e psicologia, na Universidade de Chicago,
dedicando parte de sua vida a esta última. Foi
professor também na Universidade de Johns
Hopkins, de 1908 a 1920. Conheceu enorme
sucesso bastante cedo no campo da Psicologia,
sendo reconhecido por sua vigorosa defesa de um
novo modelo psicológico totalmente objetivo cujo
propósito era a eliminação de todos os aspectos
abstratos relacionados ao campo psicológico.
Sua carreira acadêmica transcorreu relativamente
bem até que um problema pessoal o obrigou a
abandoná-la prematuramente. Com o seu
afastamento da vida acadêmica, decidiu investir na
carreira publicitária, onde conseguiu obter relativo
sucesso profissional devido a sua postura arrojada.
Morreu em Nova Iorque, em 25 de setembro de
1958.
Para navegar
Para saber um pouco mais sobre Comportamentalismos recomendamos o site http://penta.ufrgs.br/~jairo/1compor1.htm e http://www.uniriotec.br/~pimentel/disciplinas/ie2/infoeduc/aprcomportamentalismo.html, acessados em 10/12/2008.
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 64
(resposta), que são comumente definidos como
associacionismo ou condicionamento.
Dentro do campo de estudo da Psicologia
comportamental existem dois tipos de
condicionamento, o denominado de condicionamento
clássico (ou respondente) e o condicionamento
operante.
O condicionamento clássico foi descoberto e
estudado inicialmente por Ivan Petrovitch Pavlov.
Esse mecanismo explica como um estímulo
neutro pode eliciar um reflexo antes condicionado por
um estímulo incondicionado, ou seja, o estímulo neutro
adquire o poder de eliciar a resposta que originalmente
era eliciada pelo estímulo incondicionado. Por exemplo,
um cachorro faminto, que, antes do condicionamento,
reagia salivando ao estímulo incondicionado carne e
não mostrava a mesma reação diante do estímulo
neutro campainha. Depois da apresentação simultânea
e repetida dos estímulos carne e campainha, o cachorro
passa a reagir à apresentação isolada do estímulo
originalmente neutro campainha como se estivesse na
presença do estímulo incondicionado carne. Esse
modelo foi inicialmente denominado de salivação
psíquica por Pavlov, denominação que foi
posteriormente abandonada.
Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936) nasceu na
cidade de Riazan, na antiga União Soviética.
Estudou em escolas religiosas e no seminário de sua
cidade natal, preparando-se para a vida clerical,
mas resolveu abandoná-la para estudar Medicina e
Fisiologia. Especializou-se em Fisiologia animal na
Universidade de São Petersburgo, onde criou seu
laboratório. Em 1904, recebeu o prêmio Nobel de
Medicina por seus trabalhos sobre digestão e
circulação do sangue, o que lhe possibilitou
reconhecimento internacional e mais liberdade para
as suas pesquisas. Morreu em Leningrado, em 27 de
fevereiro de 1936.
Quer saber mais?
Para que surja um reflexo condicionado é preciso que existam certas condições: 1. coexistência no tempo, várias vezes repetida, entre o agente indiferente e o estímulo incondicionado (no caso, o som da campainha e a apresentação da carne); 2. o agente indiferente deve preceder em pouco tempo o estímulo incondicionado. Se dermos a carne primeiro e tocarmos a campainha depois, a reação condicionada não se estabelece;
3. inexistência naquele momento de outros estímulos que possam provocar inibição de causa externa. Se simultaneamente damos uma chicotada no animal ou lhe jogamos água gelada, provocamos inibição, desencadeando reação de defesa no animal; 4. para que o reflexo condicionado se mantenha, é necessário que periodicamente o reforcemos. Uma vez que o reflexo se formou, o mero som da campainha substitui a apresentação da carne. Mas, se tocarmos repetidamente a campainha e não mais apresentarmos a carne, depois de um certo número de vezes o animal deixa de reagir com salivação e secreção digestiva.
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 65
No modelo comportamentalista de Watson, o ser
humano não tem um papel tão importante como era
definido no modelo funcionalista, por exemplo. O ser
humano é descrito como um objeto a ser observado e
analisado pela Psicologia, o que o coloca em uma
posição secundária. Como o ser humano seria o
resultado da sua capacidade de resposta, compete à
Psicologia comportamental predizer qual seria a
resposta produzida em decorrência do estímulo
adequado e ainda predizer o estímulo antecedente dada
a resposta, já que o homem seria uma máquina
estímulo-resposta.
A teoria behaviorista de Watson não se dedicou
ao estudo do cérebro (que ele denominava de caixa
misteriosa), pois em sua visão o comportamento não
era restrito ao sistema nervoso e, portanto, era mais
interessante compreender o organismo como um todo
do que se dedicar a um aspecto específico e ainda
pouco acessível dentro do campo científico de sua
época. Suas pesquisas foram mais voltadas para
os comportamentos humanos mais complexos e
da sua interação com o meio ambiente.
Objetivos principais
John Watson dedica-se significativamente ao
estudo do comportamento animal, já que não via
diferenças tão relevantes entre este e o comportamento
humano, servindo mesmo de recurso principal para um
melhor conhecimento deste último. Outra área de seu
interesse foi a análise e a compreensão do
comportamento infantil, utilizando a observação direta
dos próprios filhos como modelo de referência e de
análise experimental.
Para ele, os métodos adequados para o campo
da Psicologia eram o da observação e do relato verbal,
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 66
o método do reflexo condicionado e o uso de testes
objetivos. Cada um desses métodos servia para
garantir uma maior precisão e fidedignidade ao estudo
do comportamento.
Para Watson, toda a abordagem
comportamentalista podia e devia ser reduzida ao
estudo do comportamento a partir de suas unidades
mais elementares, as reações estímulo-resposta. Essa
unidade básica fornecia a base científica para a
compreensão dos comportamentos mais
complexos do ser humano. Essa metodologia
também garantia que a investigação se desse no
espaço de laboratório, o que garantia maior respaldo na
busca da objetividade desejada.
EXERCÍCIO 1
O que é o Comportamentalismo de Watson?
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____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
EXERCÍCIO 2
Quais são os métodos utilizados pelo Behaviorismo de
Watson para o estudo do comportamento humano?
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____________________________________________
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 67
A natureza do sistema
A teoria de Skinner baseia-se no princípio
pavloviano dos reflexos condicionados (definido por
Skinner pelo nome de comportamento respondente),
mas acrescenta a ele a sua grande contribuição ao
campo da Psicologia: ideia de condicionamento
Burrhus Frederic Skinner (1904-1990)
O BEHAVIORISMO RADICAL DE BURRHUS
FREDERIC SKINNER
Burrhus Frederic Skinner nasceu em Susquehanna,
Pensilvânia, em 20 de março de 1904, nos Estados
Unidos. Interessa-se inicialmente por literatura, mas
reconhece sua pouca vocação para as artes,
abandonando rapidamente esse caminho. Estudou e
doutorou-se em Psicologia pela Universidade de
Harvard, em 1931. Lecionou na Universidade de
Minnesota, em 1936. Começou sua carreira
produzindo trabalhos sobre o comportamento e
reavaliando o papel da Psicologia comportamental.
Elaborou várias pesquisas experimentais sobre o
condicionamento operante na tentativa de construir
uma metodologia própria para esse novo campo da
Psicologia. Os trabalhos de Skinner são voltados
para a aplicação prática do conhecimento, o que
possibilitou que se interessasse pelas mais variadas
áreas como a linguagem, considerada por ele como
comportamento verbal, devendo ser pensada como
tal. Teve papel significativo no campo da educação,
onde propõe uma abordagem comportamentalista
para a compreensão e o avanço do campo
educacional e que lança as bases para a sua crítica
ao modelo educacional norte-americano, propondo
ao mesmo tempo uma nova perspectiva baseada em
sua teoria do reforço (presente no livro intitulado A
tecnologia do ensino, de 1968). Skinner é
considerado por muitos psicólogos o mais
importante teórico da Psicologia da era moderna. Morreu em 1990.
Dica do professor
Condicionamento operante: Conceito psicológico que trabalha sobre a ideia de reforço ou reforçamento, que é o processo que favorece, aumenta a probabilidade de uma resposta ser repetida em circunstâncias similares. Para que o condicionamento se efetue, é necessário que o organismo seja estimulado pelas consequências (positivas ou negativas) de seu comportamento. A resposta é operante porque opera sobre o ambiente, e por isso é variável.
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 68
operante. Seus primeiros estudos experimentais sobre
esse tema utilizavam ratos na tentativa de desenvolver
e ampliar a pesquisa do comportamento operante, mas
o que não o impediu de ampliar as suas descobertas
iniciais para outro âmbito que considerava bastante
próximo, o do comportamento humano.
O condicionamento operante era considerado
por Skinner mais representativo para os esquemas de
aprendizagem humana do que o comportamento
respondente. Para Skinner, a ciência do
comportamento devia estar direcionada para estudar o
condicionamento e a extinção de comportamentos
operantes.
Para esse autor, são muitos os fatores envolvidos
no processo de modelagem de um comportamento.
Entre esses fatores, ele descreveu a discriminação
(processo de responder a estímulos cada vez mais
sutis) e o reforço generalizado (reforços, como o
dinheiro ou a aprovação social, que atuam sobre o
organismo independentemente de qualquer privação
específica). Esses fatores possibilitam relações as mais
variadas, o que permite, como consequência, diversas
alternativas como resultado de uma estimulação.
Skinner amplia o campo de estudos
comportamentais ao admitir que os sentimentos e
outros aspectos da cognição humana podem ser
investigados desde que estes sejam analisados em
consequência de suas manifestações exteriores, ou
seja, propõe que o experimentador seja capaz:
(...) de entender as circunstâncias
objetivamente apreensíveis que
cercam o indivíduo quando ele
manifesta ‘tristeza’, ou estudar o
comportamento verbal que ele emite
quando se diz ‘deprimido’, por
exemplo.
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 69
Contudo, fica claro que, apesar dessa abertura,
o que interessa para o modelo skinneriano é descartar
qualquer terminologia subjetivista, qualquer recurso
não observável pelo método experimental. Nesse
sentido, como muitos autores apontam, essa
abordagem é uma crítica a determinados modelos
psicológicos, como a psicanálise e o seu método
clínico.
Para Skinner, o processo de aprendizado do ser
humano é a consequência de uma série de reforços
bem planejados e desenvolvidos pelos pais ou figuras
de autoridade.
A punição tem, então, para Skinner, função de
controle e está relacionada amplamente à situação de
fracasso do ensino, que a utiliza como reforço negativo
no dia a dia escolar sem perceber que seus efeitos são
ineficazes em relação ao processo de aprendizagem de
novas informações.
Por esse princípio lógico, o resultado educacional
final desejado depende somente da definição objetiva e
rigorosa daquilo que se espera alcançar como resposta
comportamental do indivíduo. O repertório final de
respostas (comportamentos) deve ser decidido
Dica de leitura
CUNHA. Psicologia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
Dica de leitura
Para saber um pouco mais sobre a teoria de Skinner, recomendamos o livro Sobre o Behaviorismo (1989) e Questões recentes na análise comportamental (1991), escritos por ele.
O processo educacional, segundo Skinner, consistiria
na programação meticulosa do ensino de qualquer
assunto/temática a partir de sua divisão em tópicos
ordenados. Cada tópico seria então desenvolvido em
pequenas etapas pelos alunos individualmente, e
que seria reforçado sempre que ele acertasse o
conteúdo proposto nesta etapa. Para ele, com essa
metodologia, a aprendizagem de qualquer assunto
se tornaria rápida e eficaz, pois seria possível a
programação de qualquer disciplina, eliminando
ainda um outro aspecto bastante reprovado por
Skinner que era a prática tradicional da punição
(física ou psicológica) representada pelas
reprovações, notas baixas e outras técnicas
coercitivas (limitadoras) existentes nas instituições
de ensino.
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 70
previamente pelo(a) educador(a), já que a partir disso
pode ser alcançado o objetivo educacional esperado,
formando um indivíduo mais capacitado. Essa
abordagem foi acusada por muitos de ser bastante
utilitarista, já que pressupõe que todo o processo
educacional pode ser reduzido a um mero circuito de
estímulo-resposta, e que quando bem controlado
modelaria o comportamento e a personalidade do
sujeito à maneira do seu programador, tal qual um
computador que recebe programas específicos e segue
caminhos predefinidos pela sua programação.
Para este autor, as ideias religiosas e suas
complexas leis de funcionamento são o resultado de
uma série de contingências de reforçamento que se
tornaram mais poderosas ao longo do processo de
evolução da sociedade. Esses reforços, e as situações
contingenciais ligadas a eles, foram codificados em
advertências (religiosas) capazes de instruir a maneira
de pensar e agir do indivíduo. O seu conjunto definiu as
leis religiosas que marcam os diferentes tipos de
religiões que existem na humanidade.
Skinner argumenta que os comportamentos
considerados pelo grupo religioso como “maus” seriam
punidos (castigados). A punição seria a forma
elementar que definiu a maneira como certas atitudes
(comportamentos) seriam definidas como válidas
(parâmetro) para uma determinada sociedade. Ele
aponta que mesmo aqueles que não são prejudicados
por esse comportamento reforçam o comportamento de
“crítica” do grupo. A codificação dessas advertências
seriam passadas para as gerações seguintes na forma
de reforçamento de certos comportamentos
aprendidos. Como ele mesmo afirma: “Obedecendo à
lei, a pessoa evita a punição” (Skinner, 1991: 107).
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 71
Skinner coloca as leis religiosas em um patamar
diferenciado, já que acredita que são contingências
especiais que organizam as formas de reforçamento
dessas leis. Muito em decorrência do convívio social e
de suas regras particulares (a importância do meio).
Para Skinner, o ser humano começa sua vida
como um organismo e se torna um indivíduo à medida
que adquire ao longo da vida um variado repertório de
comportamentos. Sua proposta aponta para uma
interação mais complexa do homem com o seu
ambiente, já esse repertório comportamental pode ser
alterado em decorrência dos reforçadores presentes em
determinada situação ambiental. Dizendo de outro
modo, nossa resposta depende de um inúmero
leque de possibilidades apresentadas em uma
dada situação. Mesmo que uma resposta possa
ser a mais previsível, ela dependerá (positiva ou
negativamente) dos reforçadores apresentados.
Skinner considerava que devíamos atender às
diferenças individuais em relação ao ritmo pessoal de
aprendizado de cada um e em relação à seleção de
reforços adequados aos indivíduos, pois só assim
podíamos garantir o melhor desempenho possível para
cada indivíduo.
Para ele, a sociedade só seria melhor no
momento em que ela rompesse com as suas regras
tradicionais e as substituísse por um modelo de
planejamento baseado nos princípios da teoria do
reforço. Essa ideia foi explicitada de modo claro em seu
best-seller de ficção Walden II, publicado em 1948.
Objetivos principais
O principal objetivo de Skinner era produzir um
sistema psicológico estritamente empírico. Interessava,
Dica de leitura
SKINNER, B.F. - Walden II: uma sociedade do futuro. S. Paulo, EPU, 1978.
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 72
como já foi dito anteriormente, construir um modelo
que pudesse descartar qualquer terminologia
subjetivista, qualquer recurso não observável pelo
método experimental.
Com o objetivo de elaborar tal proposta, esse
autor elaborou alguns conceitos capitais para o avanço
e produção de pesquisas psicológicas preocupadas em
descrever e compreender o comportamento humano. O
conceito de comportamento operante, já descrito, é um
deles.
Outros conceitos importantes são o de punição e
o de reforçamento. Skinner denominava de reforço os
eventos que tornam uma reação mais frequente, que
aumentam a probabilidade de sua ocorrência. Para ele,
os eventos reforçadores podem ser classificados em
positivos (acréscimo de algo a uma determinada
situação) e negativos (remoção de algo diante de
determinada situação como, por exemplo, o choque).
Devemos destacar que em ambos os casos o efeito do
reforço é o mesmo que foi mencionado anteriormente,
ou seja, aumentar a probabilidade da resposta. Skinner
se preocupou em determinar quais eram os esquemas
de reforçamento em nosso ambiente social, afirmando
que nem sempre esses esquemas são consistentes no
mundo real como são em laboratório.
A punição tem, para Skinner, função de controle
e é ineficaz em relação ao processo de aprendizagem
de novas informações, já que somente permite ao
sujeito saber o que não fazer simplesmente. Segundo
esse autor, a punição só reforça o agente da ação
punitiva.
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 73
EXERCÍCIO 3
O que é comportamento operante para Skinner?
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EXERCÍCIO 4
Quais são os fatores envolvidos no processo de
modelagem de comportamento segundo Skinner?
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____________________________________________
EXERCÍCIO 5
Cite e discuta outro conceito importante da teoria de
Skinner.
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Contribuições do modelo
comportamentalista
É inegável a contribuição da teoria
comportamentalista no campo da aprendizagem
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 74
humana e na compreensão de determinados padrões
comportamentais presentes em nosso cotidiano. Ao
radicalizar a ideia wundtiana de que o objeto de estudo
da Psicologia é o comportamento, o modelo
comportamental permitiu que o campo da pesquisa
experimental sobre o comportamento humano pudesse
alcançar um vasto espectro das ações humanas. Com o
advento do Behaviorismo, o comportamento humano
ganhou um novo status e passou a ser objeto de
exaustiva análise da ciência. Com estes autores, o
comportamento ganhou uma definição mais clara e
precisa, o que permitiu delimitar o campo da Psicologia
com mais precisão. O comportamento foi definido como
uma resposta do organismo aos estímulos provenientes
do ambiente, fenômeno que podia ser observado,
registrado e analisado objetivamente.
Outra grande contribuição desse modelo foi no
campo do estudo sobre o condicionamento animal e
humano e os seus mecanismos de funcionamento,
abrindo novas perspectivas dentro do campo da
psicopatologia, psicofisiologia e da neuropsicologia, por
exemplo.
Mais recentemente podemos apontar para a
contribuição da ideia de modelagem e a sua
importância para a produção de grande parte das
respostas sociais, já que estas seriam adquiridas
através de indicações fornecidas por modelos. Esse
modelo permite a compreensão de fenômenos atuais
que afetam o cotidiano de boa parte da população
global, o que permite visualizar novos caminhos para o
uso da teoria comportamental.
Para finalizar, não podemos nos esquecer da
contribuição de Skinner e sua crítica feroz ao modelo
educacional americano, que resultou na criação de uma
nova tecnologia de ensino (que alguns consideraram
Quer saber mais?
Entre as principais contribuições da NEUROPSICOLOGIA, estão os resultados de pesquisas científicas para elaborar intervenções em casos de lesão cerebral quando se verifica o comprometimento da cognição e de alguns aspectos do comportamento. FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neuropsicolo
gia
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 75
totalmente voltada para os aspectos técnicos do
processo de ensino-aprendizagem, acarretando enorme
prejuízo para os aspectos criativos do processo
educacional) denominada de aprendizagem
programada.
Com este autor, a ideia de ensino e
aprendizagem ganha uma conotação produtivista nunca
antes alcançada. A partir dessa perspectiva, ensinar
passa a ser visto pelo seu viés prático, eficaz e
econômico, já que é possível estabelecer um plano
executivo que leve em conta o controle dos
procedimentos para a obtenção de um resultado
esperado, com o menor custo possível (material e
humano). Como você já deve ter notado, foi colocada
essa observação do modelo comportamentalista no
tópico das contribuições e não das críticas ao modelo,
pois acreditamos que este aspecto da teoria não seja
negativo a priori.
Críticas ao modelo comportamentalista
O modelo comportamentalista não pode ser
visto como um modelo unificado, já que existem
divergências significativas entre os seus principais
pensadores. Contudo, podemos constatar que também
existem enormes semelhanças que serviram de base
para uma crítica contundente a determinadas ideias
presentes neste modelo teórico.
A ideia, bastante presente no modelo
comportamentalista, de que o processo de
aprendizagem do ser humano é determinado pelo
ambiente, sofre intensa e severa crítica ainda hoje,
mesmo que alguns de seus autores tenham dado uma
importância significativa aos fatores genéticos ou
inatos, como foi o caso de Skinner. Mesmo assim, seus
autores acreditam que o homem é um resultado do
Quer saber mais?
A Máquina de Ensinar A mais conhecida aplicação educacional do trabalho de Skinner é, sem dúvida, Instrução programada, e máquinas de ensinar. Skinner acreditava que as máquinas de ensinar apresentam várias vantagens sobre outros métodos. Estudantes podem compor sua própria resposta em lugar de escolhê-la em um conjunto de alternativas. Exige-se que lembrem mais, e não apenas que reconheçam - que deem respostas e que também vejam quais são as
respostas corretas. A máquina assegura que esses passos sejam dados em uma ordem cuidadosamente prescrita. Embora, é claro, que a máquina propriamente dita não ensine, ela coloca estudantes em contato com o professor ou a pessoa que escreve o programa. A máquina de Skinner permite que o professor dedique suas energias a formas mais sutis de instrução, como discussão. FONTE: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/per07.htm
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 76
meio (ser passivo), o que impede que certos problemas
educacionais possam ser explicados e/ou
compreendidos a partir de sua teoria.
Devemos lembrar, ainda, que o modelo
comportamentalista reduziu de maneira um pouco
simplória determinados fenômenos do comportamento
e a própria concepção de homem ao comparar suas
ações com a dos animais. O caso mais evidente foi em
relação à linguagem, já que para Skinner a linguagem
nada mais era do que comportamento verbal, mero
efeito de reforçamentos induzidos pelo processo de
ensino-aprendizagem, não levando em consideração os
aspectos culturais e políticos envolvidos na própria
construção da linguagem.
EXERCÍCIO 6
Como a teoria comportamentalista explica a ideia
religiosa? Qual é o seu principal meio de efetivação?
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____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
RESUMO
Vimos até agora:
A apresentação, o estudo das teorias
psicológicas e as possíveis explicações acerca
do ser humano como ser orgânico, ser
psicológico ou ser social que aprende e
interage com o mundo;
O que é o Comportamentalismo? Quais são os
seus principais autores e teorias?
Aula 4| Teorias psicológicas: Comportamentalismo 77
O surgimento do Behaviorismo: o modelo
comportamentalista de Watson e o
Neocomportamentalismo de Skinner;
Difrenças teóricas e aplicações práticas na
compreensão do ser humano nas teorias
comportamentalistas;
Contribuições e problemas metodológicos e
teóricos das teorias apresentadas;
Definição e compreensão da importância de
cada teoria para o campo da Teologia.
Jung e a Psicologia da
Religião
Henrique Pereira
AU
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5
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res
en
taç
ão
Esta aula apresenta as principais ideias do psiquiatra suíço Carl
Gustav Jung e discute aspectos relacionados à religião a partir do
ponto de vista deste autor. Destaca a particular forma como Jung
concebe a personalidade, além de esclarecer os conceitos
essenciais que facilitam a compreensão de sua obra, uma vez que
em algumas circunstâncias foi interpretado equivocadamente
devido à relação entre psique e religião proposta pelo autor.
Posteriormente, são discutidas as religiões e a religiosidade no
mundo contemporâneo dando especial atenção aos conflitos e às
divergências próprias da diversidade na era moderna.
Ob
jeti
vo
s
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja
capaz de:
Apresentar a influência da religião na obra de Jung tendo como
pano de fundo sua história pessoal e sua compreensão acerca
da psique;
Reconhecer concepções próprias de Jung sobre o fenômeno
religioso na estruturação psíquica que atua como sistema
terapêutico e promove a cura, pois a religião para ele seria
uma “função no inconsciente”;
Identificar os conceitos que organizam a teorização de Jung
sobre a personalidade, sendo que estes guardam elementos da
religiosidade e de uma história ancestral da humanidade;
Discutir as religiões no mundo contemporâneo que têm
consequências na forma de vida em sociedade e afetam as
relações sociais e políticas.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 80
Introdução
O ano é 1958. Carl Gustav Jung (1875-1961), o
renomado psiquiatra suíço, então com 82 anos, estava
sendo entrevistado pela rede de comunicação inglesa
BBC. O repórter lhe pergunta: “O senhor acredita em
Deus?”. Jung responde: “Difícil responder [pausa]. Eu
sei. Eu não preciso acreditar, eu sei” [Difficult to
answer. I know, I don’t need to believe, I know]. Esta
fala rendeu-lhe posteriormente uma avalanche de
cartas. O que exatamente Jung estava querendo dizer
ao afirmar que “conhecia” Deus? O leitor sem
intimidade com sua obra escrita poderia, baseado
apenas nesta sentença, facilmente imaginar Jung como
uma espécie de “místico” ou profeta. Alguém iluminado
pelo conhecimento e luz divinos e, consequentemente,
possuidor de uma sabedoria sobrenatural. Mas será que
é disto que se trata? Qual a posição de Jung diante de
Deus e da religião?
Atendendo aos pedidos de esclarecimento da
polêmica que ele mesmo ajudou a criar sem querer,
Jung escreveu uma carta ao jornal inglês The Listener,
na qual explicou, com muita clareza, o que tentava
dizer quando afirmara que “conhecia Deus”. Com esta
expressão, argumenta, não fazia nenhuma afirmação
de cunho metafísico, mas tão somente referia-se a uma
experiência psíquica cuja origem última é insondável:
[Deus] é um nome apropriado para
todas as grandes emoções que
ocorrem em meu próprio sistema
psíquico e que dominam minha
vontade consciente, apoderando-se do
controle sobre mim mesmo. É por este
nome que designo tudo o que se (sic)
atravessa, de forma violenta e
desapiedada, o itinerário por mim
traçado; tudo o que subverte minha
concepções subjetivas, meus planos
objetivos, e interfere no curso de
minha vida, seja para o bem seja para
o mal.
(Jung, 1988a, p. 645)
Carl Gustav Jung (1875-1961)
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 81
Acrescenta que não tem a menor pretensão de
igualar a sua experiência pessoal deste poderoso fator
psíquico com “o Ser Supremo universal e metafísico do
credo religioso ou das ‘filosofias’” (id., ibid. p. 646).
Este episódio é ilustrativo do ponto de vista que
Jung adotou sobre a religião durante sua vida:
essencialmente, ele abordou esse tema em termos
psicológicos. Com efeito, sua posição nem sempre foi
bem compreendida, levando-o a ser acusado tanto de
“materialista” como de “místico”.
Esta apostila visa, então, a apresentar as
principais contribuições deste importante autor para o
estudo psicológico do fenômeno religioso.
A religião na vida de Jung
Carl Gustav Jung nasceu no ano de 1875, em
Kesswil, cantão da Turgóvia, Suíça. O pai de Jung era
pastor da Igreja Reformada Suíça, assim como muitos
de seus tios, o que fez de sua infância um período
envolto de religiosidade protestante. Contudo, desde
muito cedo, Jung teve sentimentos ambivalentes em
relação à religião cristã institucionalizada, conforme
relatou em sua biografia (1985). Sentimentos que,
amiúde, expressavam-se na forma de sonhos.
Quando tinha cerca de três anos de idade, Jung
teve um sonho especialmente significativo. Viu-se
numa campina. Descobriu ali uma cova e, hesitante,
nela entrou. Deparou-se com um espaço retangular de
cerca de dez metros de comprimento, com chão de
azulejos e teto abobadado. Sobre um tapete vermelho
havia um trono e, neste, uma forma gigantesca, que
parecia feita de “pele e carne viva”. Não tinha cabelos
nem rosto, apenas um único olho. Jung (1985) conta
que ficou horrorizado com aquela visão e escutou, no
Quer saber mais?
As melhores fontes bibliográficas sobre a vida de Jung são Memórias, sonhos, reflexões, a biografia que Jung escreveu conjuntamente com Aniela Jaffé; e Jung: a Biography (livro já traduzido para o português), da escritora norte-americana Deidre Bair.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 82
sonho, sua mãe lhe dizer: “Sim, olhe-o bem, isto é o
devorador de homens!” (p. 26). Acordou assustado e
por várias noites não queria dormir, temendo ter um
sonho similar. Mais tarde, já adulto, interpretou a figura
monstruosa do sonho como um “falo ritualístico”, uma
espécie de deus subterrâneo pagão.
Outra lembrança de Jung da infância tem
relação mais direta com a figura de Jesus,
demonstrando um precoce questionamento da religião
de sua família e cultura:
O ‘Senhor Jesus’ se me afigurava, não
sei porque (sic), uma espécie de deus
dos mortos-protetor, uma vez que
expulsava os demônios da noite, mas
em si mesmo temível, pois era um
cadáver sangrento e sacrificado. Seu
amor e sua bondade, incessantemente
louvados diante de mim, pareciam-me
suspeitos, pois aqueles que me
falavam do ‘Bom Senhor Jesus’ eram
principalmente pessoas de fraque
negro, sapatos reluzentes e que
sempre me lembravam os enterros —
os colegas de meu pai e oito tios,
todos pastores. Eles me infundiram
angústia durante muitos anos, sem
falar nos padres católicos que
apareciam eventualmente e que me
lembravam o jesuíta que me
apavorara. Estes mesmos jesuítas
tinham causado a meu pai temor e
irritação. Nos anos que se seguiram,
até a minha crisma, esforcei-me
penosamente por estabelecer apesar
de tudo uma relação positiva com
Cristo, tal qual esperavam de mim.
(id., ibid. pp. 26-27)
Essa atitude de desconfiança de Jung em face do
cristianismo que o cercava quando criança parece ter
perdurado ao longo de sua vida. Outro episódio que o
marcou profundamente foi uma visão de quando tinha
então doze anos. Jung conta que tudo começou em um
belo dia de verão com céu azul em que, retornando da
escola, passara pela praça da catedral da cidade.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 83
Naquele momento sentiu-se maravilhado com a beleza
do mundo e da igreja, e também com o bom Deus que,
de seu trono de ouro no Céu, assistia a tudo aquilo. A
seguir, porém, lhe sobreveio uma espécie de asfixia:
um pressentimento de que algo terrível estava para
acontecer, mas não sabia exatamente o quê. Não
queria pensar naquilo. Passou a lutar contra essa ideia
proibida e, ao mesmo tempo, ignorada. Com o tempo,
sua angústia tornou-se insuportável e, reunindo toda a
coragem que tinha, deixou o pensamento emergir. Eis o
que adveio, nas palavras do próprio Jung (ibid.): “Deus
está sentado em seu trono de ouro, muito alto acima
do mundo e, debaixo do trono, um enorme excremento
cai sobre o teto novo e colorido da igreja; este se
despedaça e os muros desabam” (p. 47).
Esta experiência “blasfema”, explica o
psiquiatra, mostrou-lhe que o Deus vivo é uma
experiência imediata que supera a tradição e a própria
Bíblia, podendo obrigar o homem a renunciar suas
maiores crenças e opiniões. “Deus não se prende a
tradições, por mais sagradas que sejam”, escreveu (id.,
ibid, p. 48). Relatou que o sonho do falo gigante e a
visão da catedral derrubada pelo excremento divino
foram “os conhecimentos decisivos de minha vida” (id,
ibid., p. 54).
Em contraste com essas experiências
fundamentais, Jung relembrou, novamente na sua
autobiografia, a frustração que foi seu crisma.
Descreveu-o como uma celebração solene, porém
totalmente desprovida da presença efetiva de Deus,
potência que ele já pudera sentir na alma. Em
Memórias, relatou:
Pouco a pouco tornou-se claro para
mim que aquela comunhão fora uma
deplorável experiência. Dela só
resultara o vazio, pior ainda, uma
perda. Sabia que nunca mais poderia par
Quer saber mais?
“De repente ficou claro para mim que Deus era uma experiência imediata e das mais convincentes. Não fora eu que inventara a terrível história da catedral. Pelo contrário, ela me fora imposta e eu tinha sido constrangido — com a maior crueldade — a pensá-la. Mas depois uma graça indizível me invadira” (Jung, 1985, p. 65).
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 84
ticipar dessa cerimônia. Para mim, não
se tratava de uma religião, mas uma
ausência de Deus. Não voltaria mais à
igreja que, para mim, não era um
lugar de vida, mas de morte.
(id., ibid., p. 60)
Jung forma-se em psiquiatria em 1900 e no final
deste mesmo ano começa a trabalhar como psiquiatra
no Hospital Burghölzli, em Zurique, de onde só foi sair
nove anos depois. O Burghölzli era considerado naquele
tempo uma das mais importantes instituições
psiquiátricas da Europa.
Entre os anos 1907 e 1913, Jung associa-se a
Freud, ajudando na formação da psicanálise como
movimento internacional. Nesses anos, pode-se
observar seu interesse crescente pela mitologia, como
via de entrada nas profundezas — o inconsciente — da
psique. Com seu afastamento do movimento
psicanalítico, Jung desenvolve a psicologia analítica,
que é como passou a denominar sua teoria e prática
clínicas. Na segunda década do século XX, aproxima-se
da gnose, também com o intuito de relacioná-la com a
psicologia. É deste período a pequena monografia “Sete
sermões aos mortos” (cf. Jung, 1985).
No final dos anos 1920, Jung “descobre” a
alquimia; primeiramente, a alquimia chinesa, depois a
ocidental. Interessa-lhe a alquimia como uma espécie
de “protopsicologia” do inconsciente: os alquimistas
teriam observado processos de transformação da
personalidade, similares ao que Jung identificara em si
e nos seus pacientes, só que projetados na matéria.
Além disso, a alquimia no ocidente, durante a Idade
Média, sobretudo, constituíra uma importante
compensação à unilateralidade da visão de mundo
cristã.
Sigmund Freud (1856-1939), o
criador da psicanálise.
Você sabia?
A palavra gnose é oriunda do grego e significa “conhecimento”. Segundo Japiassu e Marcondes (1990), “na história das religiões, o termo gnose é reservado ao conjunto de doutrinas heréticas que, nos séculos II e III, ameaçaram a unidade do Cristianismo” (p. 111).
Importante
O interesse de Jung pelo fenômeno religioso foi amplo. Não estava restrito à esfera cristã, mas abarcava religiões de sociedades tradicionais ou “primitivas” da Austrália e África, por exemplo, assim como as religiões da Índia, China e Tibete. A maioria de seus escritos sobre as religiões orientais está reunida em Psicologia da religião ocidental e oriental (cf. Jung, 1988a).
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 85
Em 1939, Jung (cf. 1988a) publica “Psicologia e
religião”, originalmente um conjunto de conferências
pronunciadas na Universidade de Yale, nos Estados
Unidos. Nesse texto, explica de modo detalhado o que
entende por “religião”. Em 1944, “Psicologia e alquimia”
(id., 1994). Em 1951, é publicado Aion, livro em que
Jung (cf. 1978) discorre profundamente sobre a
simbolismo de Cristo. Um ano depois, é lançado
“Resposta a Jó” (id., 1988a), monografia que causou
grande mal-estar entre teólogos católicos assim como
protestantes.
Ao lerem-se os volumes de correspondência de
Jung, percebe-se grande quantidade de interlocutores
teólogos. Como o psiquiatra suíço havia interpretado o
cristianismo de modo não convencional, pastores e
padres mostravam dificuldade em entender suas ideias
e, principalmente, de aceitá-las. Jung, então, procurava
explicar-se e, às vezes, com certa irritação. A uma
pastora americana, em 1953, que insistia em não
compreender sua psicologia, escreve:
Realmente não é fácil entrar em
diálogo com os teólogos: eles não
escutam o outro (o que está errado de
antemão), mas apenas a si mesmos (e
chamam isto de palavra de Deus). Isto
talvez provenha do fato de terem de
pregar de cima do púlpito, a que
ninguém tem direito de responder.
Esta atitude, que encontrei quase em
toda parte, afugentou-me da Igreja,
bem como muitos outros.
(id., 2002, p. 285)
Para o padre Victor White, que fizera uma
resenha duríssima a “Resposta a Jó” e mais ainda ao
seu autor, Jung, com ironia, respondeu: “Acho que sou
um herege (...). Decididamente não estou do lado do
vencedor, mas sou muito impopular tanto na esquerda
quando na direita. Não sei se mereço ser incluído em
suas orações” (id., ibid., p. 148).
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 86
Em resumo, estes foram alguns dos principais
episódios relacionados à religião que marcaram a vida e
a obra de Jung.
A RELIGIÃO COMO EXPERIÊNCIA PSÍQUICA
Voltemos agora à questão inicial: o que Jung
precisamente entende por “religião”? Convém estarmos
atentos aos seus textos para não cometer erros tolos
de interpretação. Um de seus escritos que elucida
muito bem o assunto é exatamente a monografia
“Psicologia e religião”, de 1939. Nesse texto, Jung faz a
importante distinção entre “religião” e “confissão de fé
religiosa”. A palavra “religião”, explica, é proveniente
do latim religio ou religere, que significa
uma consideração e observação cuidadosas de
certos fatores dinâmicos concebidos como ‘potências’:
espíritos, demônios, deuses, leis, ideias, ideais, ou
qualquer outra denominação dada pelo homem a tais
fatores; dentro de seu mundo próprio, a experiência
ter-lhe-ia mostrado suficientemente poderosos,
perigosos ou mesmo úteis, para merecerem respeitosa
consideração, ou suficientemente grandes, belos e
racionais, para serem piedosamente adorados e
amados (Jung, 1988a, p. 4).
De acordo com o sentido exposto acima, a
religião seria então primeiramente uma “função no
inconsciente”, uma “atitude do espírito humano”.
Atitude esta que, por sua vez, se funda na experiência
de um tipo particular de fenômeno, que Jung denomina
“o numinoso”. “Numinoso” é a expressão utilizada por
Rudolf Otto para designar a experiência na consciência
de um dinamismo não causado por um ato voluntário
do sujeito. O numinoso, portanto, é independente da
vontade individual. Nós sofremos o seu efeito. Nesse
sentido, observa Jung (ibid.), a religião se torna “a
Importante
Jung define o significado de “religião” a partir de sua etimologia clássica, tal como aparece em Cícero (106-43 a. C.): “Religião é aquilo que nos incute zelo e um sentimento de reverência por uma certa natureza de ordem superior que chamamos divina (apud Jung, 1988a, p. 4, nota).
Importante
Rudolf Otto (1879-1937), eminente historiador das religiões e teólogo, buscou investigar o fenômeno religioso sob seu aspecto irracional. Para ele, o sagrado envolve, antes de tudo, um mysterium tremendum, uma experiência de pavor.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 87
atitude particular de uma consciência transformada pela
experiência do numinoso” (p. 4). Consequentemente, a
crença em um ente superior, um “Deus”, torna-se
desnecessária. Ou seja, não é preciso “ter fé” ou
“acreditar em Deus”, quando se tem ou teve,
efetivamente, a experiência do numinoso (daí Jung ter
podido afirmar que “não precisava acreditar em Deus”).
Por outro lado, as confissões de fé religiosas são
formalizações e sistematizações da experiência
numinosa originária, condicionadas historicamente.
Suas práticas e seus rituais buscam provocar o
numinoso nos participantes do culto. Na confissão de
fé, por conseguinte, o que era originalmente uma
experiência espontânea individual do numinoso, tornou-
se institucionalizada em dogmas e ritos coletivos.
Esclarecida a diferença entre religião e confissão
de fé, permanece o problema de identificar a origem do
numinoso. Até este ponto, segundo a perspectiva de
Jung, a investigação psicológica e a teológica podiam
andar juntas. De agora em diante, elas se afastam para
não se encontrarem novamente. O teólogo cristão, a
título de exemplo, diria que a causa última do
numinoso é um ser transcendente, uma potência
incomensurável, chamado “Deus”. Assim, se o cristão
praticante obtém alívio para a dor de sua alma é
porque neste caso houve uma intervenção divina.
Para Jung, as pretensões de resposta da
psicologia do inconsciente para a questão da origem do
numinoso são bem mais modestas. Saber em que
consiste a essência do numinoso ou a causa última da
experiência do numinoso, o que vem a dar no mesmo,
é um problema metafísico que não cabe à psicologia ou
psiquiatria responder. A psicologia científica deve se
preocupar exclusivamente com o fenômeno psíquico,
isto é, com as imagens, representações e afetos que
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 88
surgem na psique. Por isso, pode-se afirmar que, em
um sentido estrito, ciência e credo religioso não
combinam.
Ora, se uma ou muitas pessoas acreditam em
Deus, como o criador do mundo e do homem, isso não
comprova nem refuta Sua existência. Para Jung, a
única conclusão razoável a que podemos chegar é que
existe a ideia psíquica de Deus. A psicologia da religião,
então, vai se interessar por Deus — ou pelos deuses,
espíritos, demônios etc. — como realidade psíquica,
que é a única realidade com que ela efetivamente
trabalha. Isso não implica o desmerecimento de outros
tipos de saber. Trata-se tão somente de uma distinção
necessária dos objetos de investigação: psicólogo e
teólogo vão tratar diferentemente o fenômeno religioso.
Que é “metafísica”? “Metafísica” significa
literalmente “aquilo que está além da física
(natureza)”. Na filosofia, a metafísica é
habitualmente entendida como o estudo dos
princípios ou do ser e, nesse sentido, é idêntica à
“ontologia”. O pensamento moderno, por sua vez,
privilegia as questões epistemológicas (isto é,
relativas ao conhecimento) em detrimento das
questões metafísicas ou ontológicas. Este é o caso
da filosofia crítica de I. Kant (1724-1804), pensador
que muito influenciou Jung. Kant impôs “limites às
pretensões a conhecimento da metafísica,
considerando que devemos distinguir o domínio da
razão, que produz conhecimento, que possui objetos
da experiência, que constitui a ciência, portanto, do
domínio da razão especulativa, em que esta se põe
questões que, em última análise, não pode
solucionar, embora essas questões sejam
inevitáveis” (Japiassu & Marcondes, 1990, p. 166).
Outra definição de metafísica, dessa vez de A.
Schopenhauer (1788-1860) — outro pensador que
influenciou Jung — pode nos ajudar a esclarecer a
questão: “Por metafísica entendo toda pretensão a
conhecimento que busque ultrapassar o campo da
experiência possível, e, por conseguinte a natureza,
ou a aparência das coisas tal como nos é dada, para
nos fornecer aberturas àquilo pelo qual esta é
condicionada; ou para falar de forma mais popular,
sobre aquilo que se oculta por trás da natureza, e a
torna possível” (id., ibid., p. 166).
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 89
Consequentemente, o psicólogo vai concentrar-
se na experiência religiosa originária e desconsiderar a
pretensão de verdade das confissões de fé. Nas
palavras de Jung (ibid.):
O psicólogo, que se coloca numa
posição puramente científica, não deve
considerar a pretensão de verdade de
todo credo religioso: a de ser
possuidor da verdade exclusiva e
eterna. Uma vez que trata da
experiência religiosa primordial, deve
concentrar sua atenção no aspecto
humano do problema religioso,
abstraindo o que as confissões
religiosas fizeram com ele.
(p. 5)
Embora Jung tenha descrito sua abordagem
como “fenomenológica” (cf. Jung 1988a), ele próprio foi
além do fenômeno psíquico observado na consciência e
hipotetizou a existência de estruturas psicossomáticas
que atuariam como matrizes da experiência religiosa.
Sua experiência clínica somada à vivência pessoal
levou-o à formulação da hipótese do inconsciente
coletivo e de seus conteúdos, os arquétipos. Haveria,
para além da consciência subjetiva e do inconsciente
pessoal, que são individuais, uma espécie de “região”
mental comum à espécie humana. Jung chamou-a de
“inconsciente coletivo” exatamente porque se trata de
uma camada psíquica compartilhada por todas as
pessoas independentemente de gênero1, etnia ou lugar.
1 Apenas anima e animus, o arquétipo da sizígia, são dependentes do gênero.
“O conceito de arquétipo, que é um correlato
indispensável da ideia de inconsciente coletivo,
indica a existência de formas definidas na psique
que parecem estar presentes sempre e em todo
lugar. A pesquisa mitológica as denomina ‘motivos’;
na psicologia dos primitivos, elas correspondem ao
conceito de Lévy-Bruhl de ‘represéntations
collectives’, e no campo da religião comparada, elas
têm sido definidas por Hubert e Mauss como
‘categorias da imaginação’. Adolf Bastian tempos
atrás as chamou de ‘pensamentos elementares’ ou
‘primordiais’. A partir destas referências, deve estar suficientemente claro que minha ideia de arquétipo
Importante
A psique, segundo Jung, pode ser descrita como dividida em três “camadas”: a consciência, cujo centro é formado pelo eu ou ego (Ich), o inconsciente pessoal, organizado em complexos, e o inconsciente coletivo, constituído de arquétipos. Apenas esta última camada é universal, isto é, compartilhada de modo idêntico por todas as pessoas.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 90
Ao nível do inconsciente coletivo, portanto,
somos todos similares. Os conteúdos do inconsciente
coletivo Jung denominou “arquétipos”, isto é,
predisposições herdadas que organizam nossa vida
anímica e nosso comportamento. Equivalentes
psíquicos dos instintos, eles se referem às situações
típicas da vida humana, tais como cuidado e proteção
maternos, separação do núcleo familiar e a
consequente luta pela sobrevivência, busca por
significado existencial.
Assim, por trás da vivência do numinoso,
haveria a participação de um ou mais arquétipos.
Contudo, o arquétipo a que Jung deu mais destaque em
sua obra foi o arquétipo do si-mesmo (em alemão,
Selbst).
O SI-MESMO E A TOTALIDADE DA
PERSONALIDADE
Jung descreve o si-mesmo como,
simultaneamente, parte e totalidade da personalidade.
Como parte, o si-mesmo é um entre os vários
arquétipos que compõem o psiquismo humano, tais
como sombra e anima/animus. Como totalidade, o si-
mesmo envolve o somatório da psique consciente e
inconsciente. Neste último sentido, por conseguinte, o
si-mesmo abarca toda a psique humana. Mas que Jung
quer dizer mais precisamente com “totalidade da
personalidade”?
A totalidade, aqui, refere-se aos opostos
complementares que caracterizam a condição humana.
Em termos psicológicos, somos dotados de uma
— literalmente uma forma pré-existente — não está
sozinha, mas é algo reconhecido e nomeado em
outros campos do conhecimento” (Jung, 1990a, pp. 42-43).
:: Arquétipos:
Arquétipo, significa a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar. C.G.Jung usou o termo para se referir aos modelos inatos que servem de matriz para o desenvolvimento da psique. Eles são as tendências estruturais invisíveis dos símbolos. Os arquétipos criam imagens ou visões que correspondem a alguns aspectos da situação consciente. Jung deduz que as "imagens primordiais", um outro nome para arquétipos, se originam de uma constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Funcionam como centros autônomos que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a elaboração dessas mesmas experiências.
Importante
A sombra refere-se ao lado negativo da personalidade, a tudo que poderíamos ter sido e não fomos. Anima e animus referem-se às contrapartes inconscientes da psique do homem e da mulher, respectivamente. A anima habitualmente se expressa como humores incontroláveis e o animus, como “opiniões” ou “preconceitos”.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 91
consciência e um inconsciente, de mente e corpo,
temos aspectos masculinos e femininos, somos bons e
maus. A nossa tendência, porém, é a de identificarmo-
nos apenas com um polo dos opostos, relegando ao
inconsciente o polo restante. Deste modo, nos
alienamos de uma parte de nossa própria alma. E, em
decorrência, tornamo-nos presa de pensamentos e
humores incontroláveis, cuja origem está em nós
mesmos, mas que nos são estranhos.
Entretanto, Jung observou em si e nos seus
pacientes um movimento espontâneo no sentido da
realização da totalidade da personalidade. Denominou
este processo de autoconhecimento “individuação”. O
indivíduo costuma vivenciar o processo de individuação
na forma de sonhos, fantasias e projeções que o levam
à tomada de consciência, ao encontro do “outro” que
nele habita. Esta conscientização, porém, não é de
modo algum tarefa fácil, já que a experiência dos
opostos é vivenciada pelo ego consciente como conflito.
A individuação implica, portanto, um questionamento
ético do indivíduo para consigo mesmo: Quero assumir
o risco de conhecer quem de fato sou ou prefiro
permanecer na ignorância de mim mesmo?
Jung (cf. 1978, 1990a) constatou a recorrência
de determinados símbolos, em seus pacientes assim
como em povos de diferentes culturas, representativos
da totalidade paradoxal que é o si-mesmo. Trata-se de
símbolos que exprimem, além da ideia de totalidade, o
sentido de unidade e ordem. Nesse aspecto, as
principais imagens do si-mesmo seriam o círculo (ou
esfera) — a mandala — e a quaternidade (figuras
divididas em quatro ou na forma de cruz). Jung (1978)
explica que o círculo caracteriza a totalidade por causa
de sua forma “perfeita” e a quaternidade, pelo fato de o
quatro ser “o número mínimo de partes no qual o
círculo pode ser naturalmente dividido (sic)” (id. ibid.,
Quer saber mais?
Individuação não é o mesmo que “individualismo”. Escreve Jung (1966): “Individuação significa precisamente a melhor e mais completa realização das qualidades coletivas do ser humano, visto que a consideração adequada da
peculiaridade do indivíduo é mais conducente a um melhor desempenho social do que quando a peculiaridade é negligenciada ou reprimida” (p. 173).
Quer saber mais?
Mandala significa “círculo” ou “círculo mágico”, em sânscrito. Trata-se, habitualmente, de um círculo, que pode ser associado a um sistema quaternário (quadratura do círculo). Comentou Jung (1994): “A verdadeira mandala é sempre uma imagem interior, construída pouco a pouco através da imaginação (ativa) somente em períodos de distúrbio do equilíbrio anímico, ou quando se busca um pensamento difícil de ser encontrado por não figurar na doutrina sagrada”. (p. 104)
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 92
p.224). Acredita ainda haver uma variante especial do
motivo da quaternidade, qual seja, o dilema do 3 + 1.
O três, quando relacionado ao si-mesmo, indica uma
quaternidade defeituosa ou incompleta. O cinco, por
sua vez, corresponderia “à indistinguibilidade de
quaternidade e unidade” (id., ibid., p. 224).
Pode-se incluir, por analogia, como pertencente
à família dos motivos do círculo e do quadrado, todo
um grupo particular de símbolos: cidade, castelo,
igreja, casa, vaso. Estas figuras indicam que o eu está
contido em algo que o supera, qual seja, o si-mesmo.
Outra imagem a somar-se a este grupo é a da “roda”,
cuja significação psicológica é a da rotação em torno de
um centro (o centro do círculo). O habitante a
preencher o centro do espaço quadrado ou circular
pode ser um deus, uma figura de aspecto divino, um
príncipe, um sacerdote, um pai querido, uma pessoa
admirável. Isto é, “uma figura que transcenda a
personalidade do ego do sonhador” (id., ibid., p.235).
Convém ressaltar que nenhuma imagem ou
símbolo particular esgota o significado de um arquétipo.
Enquanto tal, um arquétipo em si é uma “forma vazia”
de conteúdos, isto é, um conceito que se refere a um
fator estruturante da vida anímica cujo significado
último é insondável. Deste modo, o círculo, o quadrado
e seus variantes devem ser entendidos como
representações do arquétipo do si-mesmo, mas não o
arquétipo enquanto tal.
Além de produzir significado, toda experiência
de um arquétipo é marcada por uma intensidade
afetiva elevada. Dito de outro modo, a consciência
subjetiva sempre vivencia um arquétipo como uma
potência fascinante. E já que esta potência, por
apresentar relativa autonomia, escapa de um modo ou
de outro ao seu controle, ela se revela numinosa. Ora,
Você sabia?
Em uma
correspondência datada de 28 de maio de 1953 Jung (2002) explica que a visão de Ezequiel (1:4-28) está na base de seu modelo do si-mesmo. Jung chama a atenção, por exemplo, para o fato de, na visão, haver quatro querubins, o que sugere um sentido de totalidade característico do si-mesmo.
Importante
Nunca temos acesso ao arquétipo em si que é, portanto, incognoscível. Podemos apenas experimentar seu efeito sobre a consciência, na forma de imagens, representações ou afetos arquetípicos.
Você sabia?
Na Grécia Antiga, chamava-se de daimon ou daimonion uma potência ou
divindade, de categoria inferior, intermediário entre os homens e os deuses. O daimonion grego, diferentemente do “demônio” cristão, não tem conotação pejorativa.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 93
porque é numinoso e produz forte emoção é que Jung
compara a influência do si-mesmo sobre o indivíduo
como a “vontade de Deus”. Mas não “deus” na acepção
cristã habitual e, sim, no sentido grego de daimon e
daimonion. Segundo Jung (1978), estas palavras
“expressam uma força determinante que chega ao
homem vinda do exterior, como providência ou destino,
embora a decisão ética seja deixada ao homem” (p. 27).
Processo de individuação e realização do si-
mesmo são expressões sinônimas para a experiência
universal de confronto do ego com as suas contrapartes
psíquicas, o seu “oposto”. Essa experiência, contudo,
não é exclusivamente individual. Jung notou que, em
diferentes épocas e lugares, a psique do homem
produziu e compartilhou símbolos que exprimem a
totalidade da personalidade, ou seja, símbolos do si-
mesmo. Para Jung, a figura de Cristo, no mundo
cristão, seria uma expressão simbólica da totalidade
psíquica que é o si-mesmo.
CRISTO COMO SÍMBOLO DO SI-MESMO
As religiões são sistemas psicoterapêuticos,
observou Jung. Na citação abaixo, o psiquiatra
esclarece:
(...) todas as religiões, e mesmo as
formas mágicas das religiões dos
primitivos, são psicoterapias, são
formas de cuidar e curar os
sofrimentos da alma e os
padecimentos corporais de origem
psíquica. Até que ponto a medicina
atual ainda é terapia por sugestão, é
um assunto sobre o qual gostaria de
não opinar.
(Jung, 1988b, p. 13)
As religiões — e aqui nos referimos às confissões
de fé —, enquanto práticas coletivas de rito e culto,
atuam como continente para a psicopatologia do
Importante
Os símbolos do si-mesmo são o modo como o homem imagina Deus. Buda, assim como Cristo, é um destes símbolos.
Cristo como símbolo do si-
mesmo
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 94
homem. Os aspectos anômalos, aflitivos e bizarros da
psique humana encontram nas diferentes formas de
religião um lugar de acolhimento e sentido. No
Ocidente, o cristianismo vem desempenhando esta
função há cerca de dois mil anos, porém não sem
problemas.
O principal símbolo cristão é a figura de Cristo.
De acordo com Jung (1978), Cristo simboliza para o
mundo cristão o si-mesmo psíquico, isto é, a totalidade
da personalidade: “Cristo exemplifica o arquétipo do si-
mesmo. Representa uma totalidade de uma espécie
divina ou celestial, um homem glorificado, um filho de
Deus sine macula peccati, sem a mácula do pecado” (p.
37). Nesta acepção, Cristo significa a referência e o
modelo maiores para a vida humana.
Ora, vimos que o si-mesmo compreende as
posições contrárias na psique, que se complementam.
Assim, embora possamos nos identificar
conscientemente com o bem (os valores considerados
positivos ou benéficos em nossa cultura), isto não nos
livra de, potencialmente, sermos capazes de vivenciar o
seu oposto em pensamentos e ações, ou seja, o mal. O
símbolo de Cristo, contudo, não inclui este aspecto
malévolo do ser humano, posto que exclusivamente
bom: “Falta totalidade ao símbolo de Cristo no sentido
psicológico moderno, visto que não inclui o lado escuro
das coisas, mas especificamente o exclui na forma de
um oponente luciferiano” (id., ibid, p. 41).
Jung chama a atenção, ainda, para o fato de a
Igreja Católica considerar o mal como desprovido de
substância própria, reduzindo-o a uma “falta de
perfeição”.
Alguns sectos protestantes chegam, seguindo
esta lógica, até mesmo a eliminar a figura do diabo. A
Importante
Para Jung, o cristianismo deixa o conflito entre o bem e o mal em aberto; no si-mesmo, diversamente, esta oposição aparece unificada.
Importante
Jung rejeita a doutrina da privatio boni (privação do bem), difundida no pensamento cristão porque não corresponde à experiência psicológica empírica.
Quer saber mais?
“Quando, mediante a exploração do inconsciente, a consciência se aproxima do arquétipo, o indivíduo é confrontado com a contradição abissal da natureza humana, o que lhe proporciona uma experiência imediata da luz e da treva, do Cristo e do demônio” (Jung, 1994, p. 31).
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 95
doutrina católica da privatio boni (privação do bem) vai
completamente de encontro à psicologia empírica. O
mal, para nós que vivemos o dia a dia, é
absolutamente real: basta sairmos à rua ou abrirmos
um jornal ou fazermos um exercício de introspecção
pessoal minimamente honesto para percebermos sua
existência.
O símbolo cristão, portanto, apresenta uma
divisão que não traduz a realidade paradoxal do si-
mesmo. Neste último, luz e sombra se complementam,
enquanto que no primeiro, “o arquétipo está
desesperadamente cindido em duas irreconciliáveis
metades, conduzindo finalmente a um dualismo
metafísico — a separação final do reino dos céus do
ardente mundo dos danados” (id., ibid., p. 42). Para
Jung, a figura de Cristo corresponde a apenas uma
metade do arquétipo do si-mesmo. A outra metade
recai, consequentemente, sobre a figura de seu
opositor, o Anticristo. Psicologicamente, porém, somos
uma totalidade em processo: somos tanto Cristo
quanto Anticristo.
Outro aspecto fundamental da psicologia
humana negligenciado na tradição cristã é o princípio
feminino. O cristianismo é essencialmente “masculino”
porque seu deus, enquanto trindade, está associado a
este princípio. O masculino, aqui, designa o número
três, o pai, o espírito, o bem e a luz. Enquanto o
feminino corresponde ao quatro, à mãe, à matéria, ao
mal e à escuridão (cf Jung, 1994). O mito de Adão e
Eva ilustra bem o papel inferior que cabe à mulher na
mentalidade cristã. De acordo com o Gênesis, Adão foi
criado em primeiro lugar. Mais ainda, é superior a Eva
porque foi feito à imagem e semelhança de Deus. É
mais consciente que ela, já que esta foi criada durante
seu sono (Jacob Boehme, por exemplo, acreditava que
Adão não tinha pestanas). Eva nasce da costela de
“Adão e Eva” em quadro de
Michelangelo.
Quer saber mais?
A alquimia surgiu em Alexandria (Egito), no início da era Cristã, oriunda
do cruzamento de diversos saberes: filosóficos, médicos, artesanais e religiosos. Provavelmente recebeu influência indiana e chinesa. Era uma forma de conhecimento esotérico (esoterikós = não acessível ao público em geral). Chegou à Europa por meio dos árabes, que conquistaram a península ibérica. Com a luta para sua reconquista pelos cristãos, no séc. XIII, o conhecimento alquímico se espalhou pelo continente europeu. Entrou em decadência no séc. XVII, com a ascensão da ciência moderna.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 96
Adão, ou seja, o masculino é a precondição do
feminino. Finalmente, é Eva quem se deixa seduzir
primeiro por Satanás (cf. Hillman, 1992), o que
explicaria a natureza mais fraca da mulher.
A unilateralidade do símbolo cristão, identificado
com o aspecto luminoso, espiritual e masculino, acabou
por produzir na Europa durante o período medieval,
sobretudo, um movimento cultural compensatório na
forma da alquimia. Para Jung, a alquimia ou filosofia
hermética, como também era conhecida, valorizou
exatamente o que a tradição cristã dominante
desprezou, isto é, a matéria e o feminino. Os
alquimistas tinham por objetivo produzir uma
substância arcana, que podia receber diferentes nomes:
“pedra filosofal” (lapis philosophorum), “substância
celeste”, “verdade”, “bálsamo” etc. Esta substância,
uma vez concebida, permitiria transformar outros
elementos, como o mercúrio ou o chumbo, em ouro.
Nenhum alquimista conseguiu produzir a pedra
filosofal (ainda que alguns alegassem que sim).
Entretanto, não é do ponto de vista da química que a
alquimia deve ser avaliada, observa Jung. Mas, sim,
como uma experiência psíquico-religiosa, que buscou
compensar as lacunas da visão cristã dominante. A
interpretação de Jung encontra respaldo no relato de
determinados alquimistas que perceberam o sentido
psicológico mais profundo de sua obra. Dorneus,
alquimista do século XVI, por exemplo, afirmou: “Se o
pesquisador estiver longe de possuir semelhança (com
a obra), não galgaria a altura que descrevi, nem
atingiria o caminho que conduz à meta”.
No cristianismo, acredita-se que Cristo morreu
na cruz para redimir o homem. Para o alquimista,
porém, “não é o homem o primeiro a necessitar de
redenção, e sim a divindade, perdida e adormecida na
Importante
“Assim como jamais foi produzido um lapis philosophorum com suas forças miraculosas, da mesma forma também não se consegue uma totalidade psíquica empírica, pois a consciência é muito acanhada e muito unilateral para abranger o inventário completo da psique. Devemos sempre de novo recomeçar tudo outra vez” (Jung, 1990b, p. 291).
Importante
“As operações alquímicas eram reais, entretanto esta realidade não era física, mas psicológica. A alquimia representa a projeção de um drama cósmico e espiritual em termos laboratoriais. O opus magnum tinha duas metas: o resgate da alma humana e a salvação do cosmos” (Jung apud Marlan, 2006, p. 263).
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 97
matéria” (Jung, 1994, p. 324). Quer dizer, para os
filósofos herméticos, o mundo, e não apenas o homem,
está atravessado de falhas decorrentes do pecado
original. O alquimista tinha então a tarefa de salvar o
macrocosmo (a matéria, a natureza). Por preocupar-se
sobremodo com a face telúrica e escura do mundo é
que os alquimistas ocasionalmente eram acusados de
heresia. Giordano Bruno (1548-1600), queimado na
fogueira como herege, por exemplo, foi denunciado
pela Igreja como “pitagórico”, isto é, alquimista.
Entre os alquimistas, o lapis assumiu um
significado simbólico similar ao de Cristo, ou seja, uma
imagem da totalidade da personalidade humana. Nos
termos de Jung, a pedra seria uma imagem arquetípica
do si-mesmo, mas com uma importante diferença: o
processo de produção do lapis necessitava da
conjunção de substâncias opostas. Isto era descrito
mediante expressões como “matrimônio sagrado do rei
e da rainha” ou “conjunção dos elementos”. Neste
sentido, o princípio feminino elevava-se à mesma altura
do masculino. E as próprias mulheres tinham igualdade
de direitos entre os alquimistas.
No século XVIII, a alquimia entra em declínio,
enquanto a ciência experimental se solidifica,
anunciando de certa maneira um novo Espírito do
Tempo, uma nova era marcada pelo materialismo. Jung
(cf. 1981) entende que à inflação do espírito, que
caracterizou o período medieval, seguiu-se a inflação
da matéria própria da modernidade e da qual somos
herdeiros. Isto significa, consequentemente, que a
religiosidade humana feneceu? Ou que, conforme as
palavras de Nietzsche, “Deus está morto”? Em caso de
uma resposta negativa, quais seriam então as formas
de religiosidade no mundo atual, de uma perspectiva
junguiana?
Importante
Friedrich Nietzsche (1844-1900), um dos filósofos mais importantes do século XIX e que muito impressionou Jung, formulou uma crítica cáustica dos valores cristãos.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 98
A RELIGIÃO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
O século XX foi um século profundamente
marcado por transformações sociais e tecnológicas. No
primeiro caso, podemos citar as duas Grandes Guerras,
a revolução bolchevique de 1917 na Rússia, a luta por
igualdade civil dos negros nos EUA, o movimento de
emancipação das mulheres ocorrido na Europa e nos
Estados Unidos durante os anos 1960. Em relação à
tecnologia, a ciência vem produzindo desde o século XX
enormes progressos na medicina, enquanto que, por
outro lado, a invenção da bomba atômica colocou em
risco a existência da espécie humana, que pode ser
eliminada da face da Terra em caso de uma terceira
guerra mundial. Não esqueçamos, ainda, os efeitos
perniciosos da industrialização crescente sobre o meio
ambiente. A revolução digital das últimas décadas, por
sua vez, vem modificando nossas vidas numa dimensão
difícil de avaliar, já que somos ao mesmo tempo atores
e espectadores deste vertiginoso avanço tecnológico.
Como seria de se esperar, a religiosidade
humana não ficou imune a essas transformações
culturais. Podem-se distinguir pelo menos dois “novos”
fenômenos que indicam os modos como o homem vem
exercendo a religião na contemporaneidade: a
ressacralização do mundo material e o
fundamentalismo.
Jung nos sugere que o homem do século XX
herdou um problema metafísico dos séculos anteriores,
qual seja, a radical separação entre Espírito e Matéria.
O espírito, despido de sua contraparte material ctônia,
teria ficado reduzido a faculdades abstratas racionais e
idealizações acerca do ser humano. A matéria, por sua
vez, privada de espírito ou de alma, torna-se uma
substância passível de manipulação sem limites,
permitindo a produção tanto da bomba atômica quanto
Você sabia?
O dogma da Assunção de Maria foi proclamado pelo papa Pio XII, em 1950. Trata-se da afirmação de que Maria foi elevada em corpo e espírito à glória celestial.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 99
da catástrofe ecológica de que somos hoje
testemunhas. O problema metafísico torna-se, então,
um problema ético.
Entretanto, uma mudança nesse estado de
coisas teria sido antecipada pelo dogma da Assunção de
Maria. Virgem Maria, “a terra da qual Cristo nasceu”,
simboliza as qualidades femininas e telúricas
negligenciadas pela visão cristã tradicional. Assim, a
Assunção, segundo Jung (2003), indicaria uma
aproximação simbólica entre Céu e Terra ou Espírito e
Matéria:
[A psicologia] considera a relação com
a terra e a matéria uma qualidade
inalienável do arquétipo materno.
Quando uma figura condicionada por
esse arquétipo é representada como
sendo recebida no céu, isto é, no reino
do espírito, isso indica uma união de
terra e céu, isto é, de matéria e
espírito.
(p.115)
A observação de Jung, simbolicamente, sobre a
Assunção de Maria prenuncia ou mesmo reflete uma
mudança no Espírito do Tempo tem se mostrado
certeira. Segundo o analista junguiano inglês Andrew
Samuels, ao mesmo tempo em que observamos o
desgaste das formas tradicionais de representação
política, assistimos na época atual à ressacralização do
mundo material. Ressacralização que deve ser tomada
como a “nossa tentativa contemporânea de deslocar
um sentido de santidade para o mundo material e
secular” (Samuels, 1995, p. 30). No seu cerne parece
haver o desejo de uma nova base ética para sociedade.
Podemos compreender a preocupação ecológica
globalmente crescente como resultante deste processo
de santificação do mundo.
O filósofo francês Luc Ferry faz uma análise do
mundo contemporâneo em termos semelhantes aos de
Importante
A ecologia seria uma das principais expressões do processo contemporâneo de ressacralização do mundo.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 100
Samuels. Ferry descreve uma nova forma de
transcendência, que denomina “transcendência
horizontal”. Assim como Jung, Ferry (2007) entende
que o materialismo moderno não eliminou
definitivamente a experiência da transcendência:
Em outros termos, as transcendências
de outrora — as de Deus, da pátria ou
da revolução — não foram
absolutamente substituídas pela
imanência radical prezada pelo
materialismo, pela renúncia ao
sagrado e pelo sacrifício, mas sim por
formas novas de transcendência,
transcendências ‘horizontais’ e não
mais verticais: enraizadas em seres
que estão no mesmo plano que nós, e
não mais em entidades situadas acima
de nossas cabeças.
(p. 278)
A hipótese da transcendência para Ferry não
tem nada a ver com um “anseio” ou “aspiração”
humano. Trata-se, diferentemente, de uma
necessidade lógica. Quer dizer, não é necessário crer
em um deus transcendente para seguirmos vivendo
nossas vidas. Mas não podemos deixar de reconhecer a
transcendência das noções de verdade, beleza, justiça
e amor. Por exemplo, não sou quem crio o amor, mas,
antes, sou por ele arrebatado. O amor, portanto, me
transcende. Essas transcendências horizontais vão,
então, desembocar no que Ferry chama de “humanismo
não metafísico”. (É interessante observar que os
exemplos de transcendência apresentados por Ferry —
verdade, beleza, justiça e amor — podem
perfeitamente ser personificados nos antigos deuses
gregos, respectivamente Apolo, Afrodite, Atena e Eros).
Outra forma marcante de religiosidade no
mundo contemporâneo é o fenômeno do
fundamentalismo. Por “fundamentalismo religioso”
entenda-se a doutrina de um grupo de adeptos baseada
na observação dos fundamentos ou princípios de uma
Quer saber mais?
Luc Ferry (1951), filósofo francês e ex-ministro da educação da França (2002-2004), entende que a filosofia, assim como as religiões, tem como questão precípua a salvação. Diferem, contudo, quanto ao meio de alcançá-la: a filosofia por meio da razão e a religião mediante a fé.
Importante
O fundamentalismo tem alimentado muitos conflitos entre nações, assim como entre populações intranacionais.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 101
religião. Na prática, a atitude fundamentalista torna-se
amiúde fanática porque inquestionável, já que
respaldada em princípios ou dogmas divinos. Apesar de
não ter sido um tema que tenha abordado diretamente,
visto que não se tratava de um problema de seu
tempo, Jung (1990c) nos deixou reflexões sobre a
psicologia do nazismo e do comunismo bolchevista
muito úteis para entendermos o fundamentalismo
contemporâneo.
Nossa época tem sido testemunha do
crescimento do fundamentalismo religioso no mundo,
sobretudo o cristão e o muçulmano. Afirmar que o
mundo foi criado tal como escrito literalmente no
Gênesis, na contramão de toda pesquisa científica
existente, significa assumir uma posição
fundamentalista. Por outro lado, é possível ler o mesmo
texto, o Gênesis, e interpretá-lo de maneira simbólica
ou metafórica. Nem por isso se é “menos” cristão. Em
outra escala, atribuir-se o direito de matar “infiéis”
porque o Corão assim ordena ou disto os absolve, como
ocorreu no terrível evento de 11 de setembro, nos EUA,
também é uma demonstração da atitude
fundamentalista. Como entender, então,
psicologicamente o fundamentalismo?
Transpondo a análise de Jung da psicologia
nazista para o fenômeno do fundamentalismo, poder-
se-ia dizer que o fundamentalista é um “histérico”, isto
é, alguém que sofre de uma grave cisão da
personalidade que faz com que desconheça sua própria
sombra, seu mal pessoal. Assim, nas palavras de Jung,
“uma mão não sabe o que faz a outra”. Não obstante, o
indivíduo tenta superar essa dissociação projetando sua
sombra sobre o “inimigo”, tal qual Fausto projeta sua
sombra em Mefistófeles. Na Alemanha sob o domínio
nazista, o inimigo era o judeu. Hoje, o inimigo para o
fundamentalista islâmico, por exemplo, além do judeu,
é o cristão; na verdade, qualquer “infiel” é odiado.
Você sabia?
J. W. Von Goethe (1749-1832) escreveu o Fausto baseado na lenda de um médico homônimo, que teria feito um pacto com o diabo (Mefistófeles). O Fausto de Goethe é considerado uma das maiores obras literárias de todos os tempos.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 102
A ignorância ou a alienação de si-mesmo própria
da dissociação histérica gera no indivíduo uma profunda
insegurança, que pode ser maximizada por condições
sociais exteriores. As últimas décadas do século XX
foram palco de rápidas transformações sociais, como o
ocaso da Cortina de Ferro, nos anos 1980, e inovações
tecnológicas, como a revolução digital que hoje
estamos vivenciando. Mudanças, as velozes, sobretudo,
costumam produzir insegurança. A reação psíquica
automática compensatória é a ativação do arquétipo da
ordem, qual seja, o si-mesmo. Jung (1990c) observou
em 1946:
O caos e a ordem do mundo refletem-
se de modo análogo na mente do
indivíduo, mas essa falta de orientação
é compensada no inconsciente pelos
arquétipos da ordem (sic). Devo mais
uma vez repetir que, caso esses
símbolos da ordem não sejam
absorvidos pela consciência, as forças
por eles expressas acumulam-se de
modo perigoso, como foi o caso há
vinte e cinco anos com as forças de
destruição e do caos. A integração de
conteúdos inconscientes consiste num
ato individual de realização,
compreensão e valoração moral.
Trata-se de uma tarefa extremamente
difícil que exige um alto grau de
responsabilidade ética.
(p.42)
Jung parecia pessimista no pós-guerra porque
achava que grande parte da população europeia era
incapaz de “integrar as forças da ordem”. Essas forças
não integradas então assaltavam violentamente a
consciência, tornando as pessoas massa de manobra,
escravos dos estados totalitários como a União
Soviética. No fundamentalismo contemporâneo,
observamos um processo similar. As incertezas sociais
e econômicas ativam forças ordenadoras que, como
não são elaboradas pela consciência, emergem em
doutrinas religiosas totalitárias e comportamento
intolerante. Aqui no Brasil, a título de exemplo, são
Importante
“Assistimos agora a este espetáculo assombroso: Estados exigindo a teocracia arcaica, isto é, a da totalidade que pressupõe, inevitavelmente, a repressão das liberdades. Vemos mais uma vez pessoas se digladiarem por teorias pueris como, por exemplo, a
construção de um paraíso terrestre” (Jung, 1990c, p. 53).
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 103
frequentes os relatos na imprensa de templos de
religiões afro-brasileiras atacados por fundamentalistas
cristãos.
Jung criticava o fato de que, com a crise da
visão de mundo cristã, desde o século XVIII,
principalmente, o Estado foi assumindo o lugar sagrado
anteriormente atribuído a Deus. Entretanto, com o
fracasso do comunismo há poucas décadas, estamos
testemunhando um “retorno à religião”, mas de uma
forma radical e intolerante: o fundamentalismo.
CONCLUSÃO
Jung interessou-se seriamente pelo fenômeno
religioso, por razões pessoais e profissionais, conforme
vimos. Abordou o assunto, convém mais uma vez
afirmar, de um ponto de vista psicológico. Pare ele, o
elemento mais importante no fenômeno religioso era a
vivência e não a crença. Estava ciente de que este não
era o único modo de se tratar a religião, que pode, é
claro, ser objeto de investigação do historiador, do
sociólogo e do teólogo.
Para Jung, se a psicologia pretendia ser tratada
como ciência, deveria centrar-se na experiência
psíquica do evento ou fenômeno numinoso e abster-se
de fazer pronunciamentos metafísicos. Contudo, sua
posição epistêmica nem sempre foi bem compreendida,
conforme atestam as discussões que teve com teólogos
ao longo de sua vida.
Embora Jung tivesse escrito mais sobre o
simbolismo cristão — afinal, ele próprio era proveniente
de uma cultura cristã —, não deixou de refletir sobre
outras tradições religiosas, como o taoísmo e o
budismo. As formas de religiosidade das sociedades
tradicionais ou “primitivas” de África e Austrália, por
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 104
exemplo, também foram objeto de sua pesquisa
psicológica.
Finalmente, vale observar que a perspectiva de
Jung não esgota o que a própria psicologia tem a dizer
sobre o assunto, mas sem dúvida é uma
importantíssima contribuição para quem deseja
investigar a religião de maneira honesta e isenta de
preconceitos.
EXERCÍCIO 1
Em um sentido estrito, Jung entendia “Religião” como:
( A ) Uma consideração e observação de fatores
dinâmicos concebidos como potências;
( B ) O Cristianismo;
( C ) A palavra de Cristo tal como apresentada no Novo
Testamento;
( D ) Qualquer confissão religiosa;
( E ) Ilusão.
EXERCÍCIO 2
Jung descreveu o “numinoso” como:
( A ) A doutrina cristã;
( B ) A experiência na consciência de um dinamismo
não causado voluntariamente pelo sujeito;
( C ) Os limites às pretensões ao conhecimento da
metafísica;
( D ) Formalizações e sistematizações da experiência
psíquica originária;
( E ) O deus transcendente.
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 105
EXERCÍCIO 3
Segundo Jung, qual é a figura considerada um símbolo
do si-mesmo? Explique por quê.
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
EXERCÍCIO 4
Identifique e explique quais são as duas expressões da
religiosidade no mundo contemporâneo.
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
RESUMO
Vimos até agora:
Jung, durante toda sua vida, abordou a
religião em termos psicológicos, e isso,
ocasionou incompreensões e levou a
acusações ou de ser “materialista” ou de ser
“místico”;
Seu interesse crescente pela mitologia, como
via de entrada nas profundezas — o
inconsciente — da psique. Com seu
afastamento do movimento psicanalítico, Jung
desenvolve a psicologia analítica, que é como
passou a denominar sua teoria e prática
clínicas;
Aula 5 | Jung e a psicologia da religião 106
Jung chamou de “inconsciente coletivo” uma
camada psíquica que é compartilhada por
todas as pessoas, e que está para além da
consciência subjetiva e do inconsciente
pessoal, que são individuais. Os conteúdos
do inconsciente coletivo Jung denominou
“arquétipos”, isto é, predisposições
herdadas que organizam nossa vida anímica
e nosso comportamento;
No século XX, a religiosidade humana teve a
influência das transformações culturais e
podem-se distinguir pelo menos dois
“novos” fenômenos que indicam os modos
como o homem vem exercendo a religião na
contemporaneidade: a ressacralização do
mundo material e o fundamentalismo.
AV1 – Estudo Dirigido da Disciplina
CURSO: Ensino Religioso
DISCIPLINA: Psicologia
ALUNO(A): MATRÍCULA:
NÚCLEO REGIONAL: DATA: _____/_____/___________
QUESTÃO 1: O que significa psicologia e quais são os seus antecedentes
históricos?
Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado:
Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites:
endereço eletrônico) – OPCIONAL:
Resposta (com as suas palavras):
QUESTÃO 2: Qual é a importância de Wundt para o desenvolvimento da psicologia,
qual é o seu método e o seu principal objeto de estudo?
Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado:
Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites:
endereço eletrônico) – OPCIONAL:
Resposta (com as suas palavras):
QUESTÃO 3: Como a teoria comportamentalista explica a ideia religiosa? Qual é o
seu principal meio de efetivação?
Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado:
Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites:
endereço eletrônico) – OPCIONAL:
Resposta (com as suas palavras):
QUESTÃO 4: Segundo Jung, qual é a figura considerada um símbolo do si-mesmo?
Explique por quê.
Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado:
Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites:
endereço eletrônico) – OPCIONAL:
Resposta (com as suas palavras):
ATENÇÃO:
Na realização das avaliações (AV1 e AV2), procure desenvolver uma
argumentação com suas próprias palavras.
Observe que é importante você realizar uma pesquisa aprofundada para atender
aos objetivos propostos consultando diferentes autores. No entanto, é
fundamental diferenciar o que é texto próprio de textos que possuem
outras autorias, inserindo corretamente as referências bibliográficas
(citações), quando este for o caso.
Vale lembrar que essa regra serve inclusive para os nossos módulos, utilizados
com freqüência para as respostas das avaliações.
Em caso de dúvidas, consulte o material sobre como realizar as citações diretas
e indiretas ou entre em contato com o tutor de sua disciplina.
AS AVALIAÇÕES QUE DESCONSIDERAREM ESTE PROCEDIMENTO ESTARÃO
SEVERAMENTE COMPROMETIDAS.
110
AV2 – Trabalho Acadêmico de Aprofundamento
CURSO: Ensino Religioso
DISCIPLINA: Psicologia
ALUNO(A): MATRÍCULA:
NÚCLEO REGIONAL: DATA:
_____/_____/___________
Assista ao filme “A onda” e analise qual (ou quais) escola(s) da psicologia é aplicada ao longo de seu roteiro. Escreva um texto
de no mínimo duas páginas descrevendo sua análise.
111
Refe
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